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A modernização gerencial dos hospitais públicos: o difícil exercício da mudança* Luiz Carlos de Oliveira Cecilio** Sumário: I. Introdução: :::. Por que tem sido difícil trabalhar modelos de gestão alterna- tivos nos hospitais públicos: 3. Indicações para a supera<;ão de: dificuldades no proce:sso de modernização gerenciJI dos hospitais públicos. Palavras-chave: sisterr,as de direção: coordenação vertical: coordenação horizontal: gerentes: qualidade da Jssistência: clientes. A partir da crítica aos sitemas de direção tradicionais adotados nos hospitais públicos governamentais baseados na coordenação vertical centrada em corpos funcionais. o autor discute as dificuldades de implantação de modelo alternativo de gestão - de caráter descentralizado. com ênfase na coordenação horizontal de equipes multiprofis- sionais. no nível de uniJades de trabalho - e aponta algumas estratégias para a supera- ção dessas dificuldades. Managerial modernization of public hospitais: the tough exercise of change Starting from the critic:sm oI' traditional administration systems adopted in go\"Crnmen- tal public hospitais based upon vertical coordination focused in functional bodics. the author talks about the JitTiculties of the implementation oI' an alternative m::magement model (bearing decentI alized features. emphasizing the horizontal coordination 01' mul- tiprofessional workteams at the levei 01' working unih) and points out some strategies to overcome those ditTculties. 1. Introdução Muito se tem escrito sobre a singularidade das organizações de saúde. na linha das reflexões de Dussault (1992). O hospital, pode-se dizer, é a mais complexa das organizações de saúde, Nele, duas antinomias estão fortemente presentes. A pri- meira delas: o alto grau de especialização e de autonomia dos trabalhadores, em particular os médicos, verSlIl' a necessidade de coordenação das ações da organi- zação como um todo. A segunda, que guarda relação íntima com a primeira: a ten- são entre o poder técnico concentrado na base da organização \'erSIIS o poder administrativo da direção, com suas funções de coordenação. Os modelos de ges- tão adotados pelos públicos não têm contribuído para enfrentar estas questões. Pelo contrário, os organogramas verticalizados, com linhas de mando hierarquizadas para os três corpos funcionais principais (médico, de enfermagem * Artigo recebido em mar. e aceite em jun. 1997. ** Médico sanitarista, doutor em saúde coletiva c professor colaborador do Departamento de Medicina Preventiva e Social da F Jculdade de Ciências Médicas da L'nicamp. RAP RIO DE JANEIRO 31 (3 U6-47. \L\IO/JUN. 1997

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Cecílio 1997 a Modernizacao Gerencial Dos h 13200

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  • A modernizao gerencial dos hospitais pblicos: o difcil exerccio da mudana* Luiz Carlos de Oliveira Cecilio**

    Sumrio: I. Introduo: :::. Por que tem sido difcil trabalhar modelos de gesto alterna-tivos nos hospitais pblicos: 3. Indicaes para a supera

  • e administrativo), dificultam a comunicao e alimentam os conflitos (Cecilio, 1994). De uma maneira geral, os sistemas de direo adotados pelos hospitais p-blicos apresentam as seguintes caractersticas, relacionadas a seguir.

    A direo "refm" das reas operacionais, pois, se por um lado as equipes so altamente autnomas no que lhes de interesse (montagem de escalas, estabele-cimento de rotinas de trabalho, adoo de esquemas teraputicos e outros "esque-mas"). por outro. tm uma tendncia a "encaminhar para cima" um conjunto de problemas conflitivos, demandantes de deciso. mas que. na maioria das vezes, poderiam ser resolvidos na base da organizao. A direo geral e as direes de enfermagem, mdica e administrativa passam boa parte do seu tempo "apagando incndios" e "correndo atrs do prejuzo", de forma que no lhes sobra tempo para planejar seu trabalho e avaliar a qualidade dos servios prestados. H uma sobrecarga com um trabalho desgastante, no reconhecido pela "base" e que ra-ramente resulta em algo reconhecvel como bom. Por isso se diz que so "refns" dos de baixo, ou melhor, as direes nesses hospitais pblicos so "rainhas da In-glaterra": reinam mas no mandam.

    Nos sistemas tradicionais de direo, a qualidade da assistncia pensada, de forma implcita, como sendo conseqncia da excelncia dos profissionais e/ou dos corpos tcnicos. Pressupe-se que todos os profissionais sejam habilitados para o exerccio de suas funes; pressupe-se que todos os profissionais adotem condutas ticas e as mais condizentes com as necessidades dos clientes e com os recursos disponveis no hospital: pressupe-se. enfim, que os profissionais de-senvolvam atitudes de lealdade com a organizao e contribuam ativamente para o alcance de seus objetivos. claro que muitos profissionais norteiam suas aes por tais pressupostos e isso se reflete em graus variados de legitimidade e reco-nhecimento que cada servio adquire diante dos olhos dos usurios. Porm, e quando tais pressupostos no ocorrem? Quais os mecanismos que permitem que os cidados faam valer seus direitos? Com quais instrumentos a direo ou as direes avaliam o desempenho do seu corpo funcional. deixando de "jogar na retranca" e construindo uma relao mais horizontal e profissionalizada?

    Nos sistemas tradicionais de direo, pelo menos nas reas assistenciais. no existem equipes verdadeiras nem se trabalha, cotidianamente, com a idia de cli-entes consumidores de determinados produtos que devero ser oferecidos com qualidade. Consultas ambulatoriais, partos, cirurgias. internaes no CTI e aten-dimentos de urgncia so exemplos de produtos que so consumidos pelos clien-tes. Para que estes produtos existam, necessria a confluncia dos esforos de vrios profissionais: mdicos, pessoal de enfermagem, assistentes sociais, psic-logos, pessoal das reas de apoio etc. Nos sistemas tradicionais no h avaliao da qualidade do produto. Nos hospitais mais qualificados ocorre. no mximo, a avaliao isolada da prtica de alguns profissionais. O pressuposto de qualidade

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  • que tambm est implcito ne'ise tipo de modelo de gesto que, garantida a qua-lificao de cada grupo profi~sional, o produto final ser bom. Na prtica, dif-cil encontrar esses modelos dando bons resultados, mesmo porque a qualidade final do produto mais que a soma das qualidades das partes. A qualidade final do produto depende de uma qumica mais complexa, cujo substrato a equipe.

    Nos modelos tradicionais d~ sistemas de direo h um verdadeiro muro sepa-rando os profissionais das reas assistenciais dos das reas de apoio. Os primei-ros, muito freqentemente, reclamam da falta de qualidade ou da pouca agilidade na oferta dos produtos que lhes so fornecidos pelos ltimos; estes queixam-se dos descompromissos da rea assistencial, da m qualidade e do desobedecimen-to das rotinas para fazer seus pedidos ou requisies. do desperdcio, do desleixo com os equipamentos e materiais por parte dos primeiros e assim por diante.

    Quem gerencia o cotidiano das unidades assistenciais. de fato, so os enfermei-ros. Compete ao corpo de enfermagem prover todas as condies para o bom funcionamento da assistncia: fluxos de insumos, limpeza, fluxos de exames complementares, contatos com a famlia etc. Em geral. no entanto, os "chefes" das unidades assistenciais so mdicos ~ Estabelece-se uma linha de conflito entre poder formal e real no universo do cotidiano das equipes, principalmente porque os mdicos representam formalmente a direo superior junto s equipes assis-tenciais e, pelo menos em princpio, deveriam representar as demandas e necessi-dades destas junto direo superior. H uma carncia, muitas vezes dramtica. de canais efetivos de comunicao entre os de "baixo" e os de "cima". A conse-qncia mais visvel dessa concepo de sistema de direo uma exacerbao do "esprito de corpo" da enfermagem, que tenta consolidar e preservar um espa-o profissional rigidamente delimitado, para fazer frente ao poder que os mdi-cos detm dentro da organizao.

    As "chefias" mdicas restnngem sua interlocuo, no dia-a-dia. aos colegas de profisso, dentro de uma pauta de interao que se esgota quase que apenas na elaborao de escalas de trabalho. Em relao aos demais profissionais no-m-dicos, mantm-se um distanciamento hierrquico que confirma a "posio" que os mdicos possuem dentro da organizao. Mesmo em relao aos mdicos. no h, em geral, estabelecimento de protocolos de rotinas, discusso de casos clni-cos, avaliao de condutas ou qualquer outra prtica que contribua para a qualifi-cao e a excelncia das prticas da categoria.

    A partir dessas constataes, muito regulares em um expressivo nmero de hospitais trabalhados por ns nos ltimos anos, que temos procurado implemen-tar novas formas de gesto dos hospitais que sejam, em princpio. facilitadoras da comunicao entre as vrias categorias profissionais. entre as vrias unidades de trabalho e entre as direes superiores e intermedirias e as "bases", visando

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  • criao de um clima organizacional mais solidrio e profissional no intuito de. em ltima instncia, melhorar a qualidade da assistncia prestada aos usurios.

    No item seguinte. so apresentadas as linhas gerais das mudanas organiza-cionais que vm sendo testadas e. principalmente. discutem-se as dificuldades e problemas que so enfrentados nesse processo. No ltimo item so apontadas al-gumas possibilidades de enfrentamento desses problemas. se a concluso for que o modelo tem uma legitimidade tcnica que justifique insistir na sua implementa-o. Estes so, afinal. os temas centrais que se deseja abordar neste artigo.

    2. Por que tem sido difcil trabalhar modelos de gesto alternativos nos hospitais pblicos

    o que se denomina aqui de "modelos gerenciais alternativos" para os hospi-tais pblicos discutido, com mais detalhes. em outros trabalhos do autor (Ceci-lio, 1994 e 1997), e na tese de mestrado de Si I \'a (1994). Aqui basta lembrar seus delineamentos gerais:

    a) um verdadeiro "desmonte" dos organogramas tradicionais. com a quebra das linhas de mando hierrquicas centradas nos corpos funcionais (direo clnica. de enfermagem e administrativa):

    b) nfase no trabalho das equipes organizadas em unidades de trabalho:

    c) comando nico das unidades de trabalho por gerentes profissionalizados. com o papel central de ser uma espcie de "animador" da equipe ou um articulador dos vrios saberes voltados para a obteno de produtos de qualidade. Por exem-plo, um ato cirrgico um produto. fruto da articulao de vrios saberes e prti-cas, que para ser produzido consome produtos que so produzidos por outras uni-dades de trabalho (roupa limpa. medicamentos. refeies e assim por diante):

    d) gesto colegiada do hospital, com a participao dos gerentes de todas as uni-dades de trabalho, sejam elas assistenciais ou de apoio:

    e) gesto participati\'a nas unidades:

    t) nfase na satisfao dos clientes. tanto internos quanto externos. e a\'aliao regular da qualidade dos produtos oferecidos e da satisfao dos usurios: paga-mento de gratificao por desempenho:

    g) nfase no intenso processo de "comunicao lateral" (intergerentes) como a melhor e mais rpida forma de resolver os problemas do cotidiano. Em outras pa-lavras, "limpar" a agenda da direo superior de problemas que podem ser resol-vidos na base da organizao.

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  • Pois bem, a implementao desse modelo, formulado em suas linhas gerais como um roteiro para superao das dificuldades comentadas na introduo, nem sempre tem sido fcil. dependendo das caractersticas do hospital em que traba-lhado. Uma anlise mais cuidadosa dessas dificuldades o que se pretende apre-sentar na seqncia, procurando, inclusive, responder a uma questo central: o novo desenho proposto tem sustentao tcnica e o que se tem pelafrente so pro-blemas "naturais" para sua implantao, ou a prpria cO/lcepo do lIJodelo problemtica e precisa ser rt'l'ista em seus fundamentos?

    Vamos, ento, s dificuldades. A primeira delas, talvez a mais evidente, a resistncia - passiva ou ativa-

    das corporaes mais importantes (os mdicos e as enfermeiras) s modificaes propostas. Aqui, para uma melhor preciso, vale a pena fazer as seguintes diferen-ciaes a seguir.

    O grau de resistncia e/ou oposio diretamente proporcional "estrutura" pre-viamente existente. Quanto mais estruturados os corpos funcionais em organogra-mas formais, maior a dificuldade de mudanas. Em um hospital no qual o corpo de enfermagem encabeado por uma diretoria de enfermagem, no mesmo nvel da direo mdica, de maneira que a corporao tem seus espaos de representa-o e poder bem delimitados. a resistncia ser maior que naqueles que, na estru-tura anterior, a enfermagem est, pelo menos formalmente, subordinada ao diretor clnico. A existncia de mltiplas chefias mdicas, por especialidades, alm do di-retor mdico ou clnico, tamhm pode ser considerado como um dificultador.

    A resistncia dos mdicos pode ser designada como "passiva", isto , eles sim-plesmente ignoram as nova~ propostas de funcionamento feitas e seguem como sempre estiveram: uma prtica autnoma, sem subordinao real a nenhuma linha hierrquica, descomprometida com a equipe e com as diretrizes da organi-zao. Os mdicos no se tm apresentado como interlocutores nesse processo. E, aqui, pode-se dizer que a diferenciao acima influencia muito pouco. Esta a regra geral, descrita inclUSive em trabalhos desenvolvidos em outros pases, como por Cremadez (1992) na Frana, ou Berwick (1994) nos EUA.

    A enfermagem apresenta reaes sempre muito vivas quebra do esquema ante-rior de funcionamento. Aqui se observa uma resistncia mais ativa, traduzida em processo de discusses fechadas na categoria, convocao de rgos classistas para debates no hospital e outras atitudes de "conspirao" contra a proposta. Es-tabelece-se um mal-estar no interior da categoria, captvel como um certo medo de ser "ainda mais desprestigiada" diante dos mdicos, de perder suas referncias tcnicas (agora no haver mais uma enfermeira diretora onipresente para detectar todas as necessidades de treinamento e fazer a superviso sobre a qualidade do tra-balho da enfermagem). Nem mesmo o fato de que algumas enfermeiras podero assumir - como freqentemente o caso - a gerncia de algumas unidades as-

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  • sistenciais parece ser uma garantia de que o novo modelo no trabalha contra as "conquistas" da categoria. De qualquer forma, a enfermagem, por sua insero e presena mais orgnica na vida e na gerncia do hospital. pelo menos apresenta-se como interlocutora, mesmo que opositora, ao processo. O que . afinal. melhor que a atitude de simplesmente "ignorar" o processo. como tem sido a conduta de boa parte dos mdicos.

    A segunda dificuldade diz respeito profissionalizao das gerncias. Um ge-rente profissionalizado seria aquele com as seguintes caractersticas:

    a) ser um profissional de sade, do quadro da casa, com disponibilidade de tempo (de preferncia em jornada de tempo integral), para poder ser um verda-deiro articulador da equipe;

    b) receber uma gratificao adequada, compensadora. pela atividade que ir de-senvolver;

    c) estar qualificado para o exerccio das funes gerenciais - ter capacidade para coordenar reunies, liderar a elaborao do planejamento da unidade, formular os indicadores de qualidade da unidade, avaliar a satisfao dos usurios, comunicar-se intensa e diretamente com os demais gerentes e assim sucessivamente.

    Cria-se, enfim, uma "funo gerencial" especializada. que passa a ser central na vida do profissional. Mais do que isso: exige preparo. "vocao" e disponibili-dade de tempo. Para os mdicos gerentes aparece sempre o dilema "assistncia versl/S gerncia", ou seja, como compatibilizar o pouco tempo que permanece no hospital para atender pacientes e tambm para gerenciar. A gerncia, no novo mo-delo, uma coisa muito diferente das antigas funes de 'chefia'. Exige uma nova postura e um novo perfil profissional.

    Aqui tambm h diferenas importantes entre os dois tipos de profissional. Uma das dificuldades do mdico na funo gerencial j foi comentada no pargra-fo anterior e conseqncia inevitvel da quase regra de sua pouca permanncia no hospital. As outras. no menos importantes, so aquelas decorrentes da falta de tradio do mdico de "sentar-se com a equipe" e de colocar-se em uma posio horizontalizada com os demais profissionais. claro que essa postura do mdico tem suas origens na sua prpria formao, no papel que aprende desde a faculdade e, no menos importante. se funda em relaes sociais mais amplas que extrapo-lam os limites do hospital. J as enfermeiras tm dificuldade em se "alarem" a uma posio que as coloque "acima" do corpo mdico. contrariando tambm uma muito arraigada e histrica posio de subordinao aos mdicos.

    Esses dois conjuntos de dificuldade parecem ser os mais importantes na im-plantao do "modelo gerencial". Mas existem outras. apresentadas a seguir.

    A implantao do novo modelo demanda tempo e muito investimento em duas reas: a capacitao gerencial, que deve ser desenvolvida em servio. e o aprimo-

    MODERNIZAAo GERENCIAL DOS HOSPITAIS Pl'BLlCOS .+1

  • ramento do sistema de informaes. O sistema de informaes no precisa ser, obrigatoriamente, informatizado, e muitos dos dados j existentes no hospital podem transformar-se em informao gerencial de boa qualidade. De qualquer forma, coloca-se a necessidade da criao de uma funo diferenciada, do tipo "assessoria de planejamento" ou algo equivalente, com o objetivo especfico de coordenar a coleta e anlise de dados, bem como apoiar as equipes na construo dos seus indicadores.

    necessria a criao de um grupo que, na nossa experincia, tem sido desig-nado de ''secretaria executi\'a" do colegiado de gerncia. Este rgo . em geral, formado com os ex-diretores (mdico, administrativo e de enfermagem) e deve funcionar na linha d~ apoio estratgico implementao do no\"o mode-lo de gesto. Uma das dificuldades tem sido os antigos diretores "desvestirem" sua camisas em vez de adotarem uma nova funo que seja menos de tutela e mais de apoio e acompanhamento consolidao das gerncias das unidades, de estmulo comunicac lateral e de desenvolvimento de um maior grau de autonomia dos gerentes.

    Enfim. vale a pena destacar que, se as duas primeiras dificuldades so bastan-te especficas das reas assistenciais, as demais so comuns a todas as reas. De qualquer forma, a idia de um gerente ou coordenador nico das unidades de apoio lhes mais natural ou menos "estranha" do que para as unidades assisten-ciais, que tm uma tradio de mltiplos comandos baseados em linhas tcnicas e por corporaes (corpo de mdicos. de enfermagem. de assistentes sociais. de psi-clogos, de terapeutas ocupacionais).

    A ttulo de concluso deste item, vale a pena retomarmos a indagao feita na introduo: ser que as oriellw6es que (,ollflgl/ram o II()\'O modelo de gesto tm collsistllcia tclliw e pressupostos corretos, deforma que as difIculdades de sua implantao so mais uma (juesto de tempo. de illl'estimellto e pacillcia (ou seja, rale a pella iln'estirnlOS lia superao dos modelos mais tradiciollais) ou. ao ('011-fI'rio, j temos illlormae.1 suflcielltes para (,ollcluirmos por sua illriabi/id(/(Ie ou lIo-ap/icabi/idade? Passemos, pois, ao prximo item, que encerra este artigo.

    3. Indicaes para a superao de dificuldades no processo de modernizao gerencial dos hospitais pblicos

    O ttulo antecipa a posit;o do autor de que vale a pena investir na moderniza-o gerencial dos hospitais pblicos. Seja porque j temos poucas. mas slidas ex-perincias que indicam ser ~qe um bom caminho. I seja porque a velha forma de

    I Por exemplo. as experincias ('m curso no Sef\'io de Sade C:\lldido Ferreira. em Campinas ISP). desde 1990. no Hospital MlI1lcipal de Volta Redonda IR]) de,dc 199-1 e no Centro Geral de Reabilita~o da Funda~() HospiLILIr de \lina, Gerai ... IFHE\lIG). cm Belo HmilOntc I \lG L desdc 199-1 tambm.

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  • gerenciar, definitivamente, no d mais. Das dificuldades apontadas no item an-terior, a que se apresenta mais consistente a de uma adeso efetiva dos mdicos proposta. Algumas razes para esta resistncia tm sido analisadas por autores como Nogueira (1994) e indicam que, se de um lado as explicaes para esse dis-tanciamento e "intocabilidade" dos mdicos devem ser buscadas em processos histricos2 bem especficos e com bases sociais muito profundas e. portanto. de difcil enfrentamento no espao das organizaes. as razes e os estmulos para sua superao ho de vir tambm de "fora": maior cobrana dos usurios!consu-midores no contexto de uma sociedade civil mais amadurecida e exigente. a pro-liferao dos processos contra mdicos e a implementao de mecanismos e instncias formais de controle previstas na prpria legislao do SUS. As demais dificuldades tm sido superadas ao longo do tempo nas experincias apontadas e resultam, em geral, em notvel melhoria da comunicao interna. na maior agili-dade no enfrentamento dos problemas do cotidiano e, o que mais importante, na qualificao da assistncia prestada. Vale tambm ressaltar que nossa experincia tem sido restrita ao setor pblico go\"Cmamental. com toda a srie de dificuldades processuais nele existentes: lentido no processo de compras e de aquisio de servios, bem como na reposio da fora de trabalho. Uma conseqncia dos seus processos de modemizao gerencial que esses hospitais governamentais tm-se legitimado perante as administraes municipais e estaduais e aumentado sua governabilidade. inclusive na conquista de graus maiores de autonomia para sua execuo oramentria e financeira.

    Isto posto, passamos a apresentar algumas indicaes ou "cuidados" que de-vem ser tomados na implantao do no\'o modelo de gesto.

    necessrio abrir um amplo processo de debate com lodas as categorias pro-fissionais, com uma pauta que trabalhe, entre outros pontos, e com a mxima cla-reza possvel. o papel e as atriblli6es da gerncia. O gerente no tem mais o papel de "chefe" tradicional, mas a funo de coordenar prticas e saberes que contribuam para a qualidade final dos produtos oferecidos pela unidade. Nessa medida, um gerente-enfermeiro no vai "mandar" nos mdicos. mas sim criar condies para que o trabalho mdico se d de forma mais articulada e harmo-niosa com os demais membros da equipe, Da mesma forma que os gerentes-m-dicos no iro "mandar" nas enfermeiras e sequer interferir nas peculiaridades do seu trabalho. Este ponto precisa ficar bem claro: cada categoria mantm suas es-pecificidades e sua autonomia, na medida em que o gerente apenas um "coor-denador" das aes, \'isando a maximizar sua eficcia na direo da qualificao da assistncia.

    2 Roberto Passos ~ogueira remete 11 discusso do Rl'lll1rio Fll'.\/la para localil'ar um momento de intlexo na trajetria de legitimao social dos mdicos como detentores do poder de cura. em detrimento dos demais profissionais de sade,

    ~10DER~IZA.-\O GERENCI.\1. DOS HOSPITAIS I'l'BLlCOS -13

  • Em hospitais com estrutura anterior muito verticalizada e centrada nas corpora-es, possvel conciliar uma certa "superposio" de lgicas de gesto. confor-me mostrado nas figuras 1 e 2. que permitem uma visualizao de nfases tanto na coordenao vertical quanto na horizontaL respectivamente.

    Figura 1 Superposio de doi, sistemas de direo: um baseado no princpio da hierarquia profis~ional e outro no modelo de gerncia unificada

    das equipes tcnicas. com nfase na coordenao vertical'

    Chefia de Chefia mdica Chefia mdica Chefia mdica enfermagem de cirurgia da plstica da anestesia ---------- F= ---------- = ---------- F= --------------------- ---------- ---------- ----------

    I/GernCia da enf. Enfermeiro Cirurgio Plstico Anestesista dos queimados

    ----._---- F= .--------- = ---------- F= -------------------- ---------- ---------- ---------------_.--- F= -----._.-- = ------.--- F= ----------

    II Gerncia do ---------- ---------- ---------- .---------

    CTI cardiolgico Enfermeiro ---------- F= ---------- F= .-----.--- ~ -------------------- ---------- _.-------- ---_.--------------- F= .------_.- ~ ------.--- :== ----------

    IIGerncia da _.-----_.- .------_.- ------.--- ----------

    Enfermeiro Cirurgio PLstico Anestesista traumato

    -----_.--- F= ---------- ~ ---------- ~ ------------------_. ---------- ---------- ------------------_. F= ---------- F= ---------- ~ ----------

    IlGernCia da enf. --------_. ---------- ---------- ----------

    cirrgica Enfermeiro Cirurgio PL1stico Anestesista

    Figura :2 Superposio de dois sistemas de direo: um baseado no princpio da hierarquia

    profissional e outro no modelo da gerncia horizontalizada e unificada das equipes. com nfase na \"isualizao da coordenao horizontal

    Chefia de Chefia mdica Chefia mdica Chefia mdica en fermagerr de cirurgia da plstica da anestesia

    lGernCia da enf. " " " " " " " "

    Enfermciro " " Cirurgio " " PLstico " " Anestesista dos queimados " " " " " " " I1

    I JJ I IGernCia do CTI

    " " " " " " "

    " Enfermeiro

    " " " " " " cardiolgico " " " " " " "

    11 I1 I, 1I lGernCia da " " " " " " "

    " Enfermeiro " " Cirurgio " " Plstico " " Ancstesista traumato

    " " " " " " "

    11 11 I 11 11 I Ge:ncia da enf. " " " " " " " "

    Enfermeiro " " Cirurgio " " PLstlco " " Anestcsi sta clrurglca " " :: " " " " 'I 11

    3 A conccpo das figuras I e :2 !"(li fruto de rica discusso com a diretoria do Hospital lk Pronto-Socorro de Porto Alegre (RS). r,alizada nos ias -I e 6 de maro de 1997.

    RAI' .1/07

  • o que as duas figuras permitem visualizar que. naqueles hospitais com es-truturas anteriores muito verticalizadas, possvel trabalhar com duas lgicas, as quais, se bem conduzidas, podem at se reforar mutuamente. Por exemplo. na en-fermaria de queimados, os enfermeiros podem estar ligados tecnicamente a um corpo de enfermagem, mas ao mesmo tempo se integrarem funcionalmente equipe multiprofissional coordenada pelo gerente. claro que a existem conflitos e mal-entendidos potenciais que. de novo, s podero ser esclarecidos com boa vontade e um processo constante de negociao e aclaramento das questes que vo aparecendo na prtica cotidiana. Quem elabora a escala da enfermagem: o ge-rente ou a coordenao de enfermagem? Quem supervisiona. avalia e treina em servio o pessoal de enfermagem? Nas nossas experincias, j referidas, todas as atividades de coordenao e avaliao tendem a vir para a coordenao horizontal na lgica de integrao equipe. Mas possvel conciliar as duas lgicas numa perspectiva de transio, de aprendizado na prtica concreta. Naqueles hospitais que contam com enfermeiros em todas as unidades assistenciais. as atividades de coordenao tcnica do pessoal de enfermagem podem e devem ser feitas na pr-pria unidade, sem necessidade de estar referenciada a uma direo superior de en-fermagem.

    A mesma discusso se aplica em relao aos mdicos. A coordenao do tra-balho mdico pode se dar de uma forma horizontal, integrada equipe, atravs de protocolos de normas e rotinas que digam respeito prtica de todos os trabalha-dores e estejam ligadas qualidade final do produto. Aqui a coordenao pode ser perfeitamente feita pela gerncia. seja ela um mdico. um enfermeiro ou qualquer outro profissional. J a avaliao do trabalho mdico. segundo padres de exceln-cia aceitos no interior da corporao. poderia ser feita pela chefia mdica. que atra-vessaria. de forma vertical, todas as unidades que contassem com mdico. Coisa. alis, que no modelo tradicional no acontece, como j discutimos na introduo. interessante a formao de um grupo de apoio gerncia (GAG) em todas as unidades, em particular nas assistenciais. Esse grupo. de preferncia com carter multiprofissional, teria o papel de apoio ao processo de gesto. colaborando com o gerente no cumprimento de suas inmeras tarefas.

    Um bom ponto de partida tambm pode ser a implantao. nas reas de apoio tcnico e administrativo, de tecnologias light de gesto da qualidade. Mesmo que no sejam uma reproduo de todo o instrumental mais pesado dos modelos de gesto da qualidade total (GQT), do bastante nfase em alguns aspectos estrat-gicos: a definio precisa da misso da unidade. a satisfao dos clientes (as equipes das reas assistenciais ou outras equipes da rea de apoio) como preocu-pao central no processo gerencial e a anlise permanente dos processos de tra-balho, utilizando-se, centralmente, da elaborao de fluxogramas de relativamen-te fcil aprendizado e aplicao. Se a rea de apoio tcnico e administrativo co-mear a apresentar sinais evidentes de melhora. isso servir como reforo e estmulo para avanos mais profundos na rea assistencial.

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  • Num primeiro momento. as funes dos gerentes podem ser definidas e delimi-tadas a atividades bem precisas: implantar indicadores de avaliao de qualidade dos produtos e trabalhar ativamente para criar boas condies de trabalho para a equipe. uma maneira de Ir construindo legitimidade para os gerentes e a unida-de ir compreendendo. na rrtica. as funes do gerente no novo modelo. A im-plantao dos indicadores pode e deve ser um momento de exerccio de criao de consensos. O gerente se rene com pequenos grupos de profissionais e apre-senta a seguinte questo: '0 que . para \'Ocs. qualidade /la nossa unidade de trabalho?" Os indicadore~ podero ser montados a partir dessas opinies tcni-cas das equipes. Por exemplo. na enfermaria dos queimados. a equipe poder chegar ao consenso de que os principais aspectos da qualidade da assistncia sejam: baixas taxas de inf~co hospitalar. baixas taxas de mortalidade entre os pacientes com mais de xC; de rea queimada. baixa taxa de seqelas do tipo re-trao de pescoo. e assim por diante. H sempre uma certa hesitao ou insegu-rana para se iniciar esse tIpO de trabalho. por mais que ele nos parea "lgico"e "bvio". Mas. uma vez ini-:iado e apropriado pela equipe. ele pode se tomar - e o tem na nossa experincia - num excelente fator de coeso dos profissionais e na confirmao do quantn a qualidade da assistncia depende do trabalho de todos. Do quanto a qualidade da assistncia pode ser avaliada de forma mais ho-rizontal e integrada. Do quanto a forma de "controle vertical" . afinal das con-tas. inadequada!

    necessrio que haja uma diferenciao ou profissionalizao. no tecido orga-nizacional. de um grupo de apoio implantao do novo modelo. As formas e a composio que esse grupo assume varia de um hospital para o outro. Um dos ar-ranjos possveis tem sido J criao de uma secretaria executiva. composta por ex-diretores "destitudos" de ~uas antigas atribuies. que passam a apoiar os geren-tes nas suas novas tarefas. Outra possibilidade. j testada na nossa experincia,4 a atuao de uma asseSSOrIa de planejamento que coordena o intenso processo de utilizao de informaes que o modelo de gesto com nfase na coordenao horizontal exige.

    Muitos outros "cuidados" podem e devem ser tomados e s a prtica vai-nos mostrando os ajustes que vo se fazendo necessrios. Como ponto de partida, no entanto. o desencadeamento de um intenso processo de debates e esclarecimento a principal estratgia par,1 a conquista de aliados sinceros para o processo de mu-dana organizacional.

    ~ Na experincia da Santa Casa 00 Par. a Assessoria de Planepmento te\'C um papel muito impor-tante no apoio implantao dns indicadores e no acompanhamento e avaliao da qualidade dos dados gerados nas unidades de rabalho. hem como na sua consolioao e apoio 1ls equipes no pro-cesso de anli se.

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    MODER:->IZAAo GERENCIAL DOS HOSPITAIS PLrBI.ICOS 47