Cecília Coimbra - Guardiães da Ordem - Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre

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Não é à toa que este livro

foi dedicado~'a todos aqueles

que ousaram sonhar, ousaram

lutar, ousaram correr riscos,

ousaram dizer não".

Sua autora, Cecilia Coimbra,

era uma jovem professora de

II istória que estudava

Psicologia quando, em agosto

de 1970, no período mais duro

(I() regime militar foi presa

pdo DOI-CODI!Rj. Sólidos

conhecimentos de História e

dl' Psicologia - em que mais

\:mll', depois de libertada,

Cecilia se graduou - são uma

111<1n:a deste livro. Mas ele é,

1;llllb('I11,muito fortemente

1ll:lrcado pela vivência pessoal

e pda personalidade forte e

cor;ljosa de sua autora.

Cecilia é, antes de mais

11:lda,LImacidadã sintonizada

('0111o seu tempo - no que ele

lelll de Illais rico e generoso. É

:llgu{'1ll com uma qualidade

que distingue os melhores

seres hUlllanos: sabe se

indign:lr diante das injustiças,

llleslllo qUl' hoje esteja na

111od:1:1 conversa fiada de que

l'l:ls S;tO UIll pre\'o inevitável a

M' p;lg:11' pvla "modernidade".

GUARDIÃES DA ORDEM

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CONSELHO DIRETOR

Túlio Vagner dos Santos Vicente

Ronaldo Fonseca Paes de Lima

Luiz Ricardo Leitão

Jane Lucas Assunção

AsSESSORIA JURíDICA

Lia de Oliveira

CONSELHO EDITORIAL

Carlos Eduardo Falcão Uchôa

João Ramos Filho

José Novaes

Manoel de Carvalho Almeida

Manoel Ricardo Simões

Tamara Egler

1

Cecilia Maria Bouças Coimbra

GUARDIÃES DA ORDEM

uma viagem pelas práticas psi no Brasil do "Milagre"

Oficina do AutorRio de Janeiro - 1995

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@ 1995 - Cecilia Maria Bouças Coim bra

SÉRIE CENA ABERTAvolume 2

SUPERVISAO EDITORIAL

Luiz Ricardo Leitâo

PROJETO GRÁFICO & EDITORAÇAo ELETRÔNICA

leme Lucc~,Assunçâo

PREPARAÇAo DE TEXTO E REVISAo

loâo Ramos FilboManoel de Camalho AlmeidaRonaldo Fonseca Paes de Lima

CAPA

Lui, Hem'ique Nascimellto

FOTOS

AgPttcialBCt~,tódio Coimbm

[MPRESsAo E ENCADERNAÇAo

Marques-,<'ctraiuaGráficos e Editol'es

Reservados os dil'eÍtos de publicaçâo desta ediçâo pela

OFICINADO AlffOR

Editam e DistrilJuidom de PulJlicaçàes Cultumis L!da.Caixa Postal 25004 - GEP 20552-970 Te! (()21) 331-5001 - Rl

C017t?io Elefl'Ónico [email protected]

Impresso no Brasil - Printed in Brazi/Novembro cle 199')

A todos aqueles que ousaram sonhar, ousaram lutar,

ousaram correr riscos, ousaram dizer nào. Àqueles que

sonharam novos encontros, novos agenciamentos, novas

formas de lJÍlJerneste mundo e que, por estes sonhos e lutas,

como a pesteforam marcados, mas,sacrados, extenninados.

A todos que, nos anos 60 e 70, apaixonadamente,

tentaram - e ainda hoje tentam - marcar suas uida..<;nào

pela "mesmice", pelo instituído, pela naturalizaçào, mas,

ao contrário, pela denúncia, pela desmitificaçào, pela

criaçào de novos espaços.

A todos os que sohrelJÍveram a esta luta, a este mas-

sacre. emhora com projlmdas marcas e, em especial, aos

que nào mais estâo entre nós - aosMortos e Desapare-

cidos Políticos e a seus }ámiliares, em particular ao

guerreiro Joào Luiz de Moraes - dedico este Trabalho.

As minhas saudades. a minha indignaçâo, a minha

força para continuar lutarldo, de outra..<;foroTas ejeitos, em

busca de norJ(lSalianças, enco11trose caminhos.

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AGRADECIMENTOS

A todos às que foram por mim entrevistados e que, efetivamente,contribuíram para que esses fragmentos de histórias pudessem sercosturados e contados.

A todos os amigos e companheiros que, direta ou indiretamente,estiveram comigo nesta travessia. Em especial ao José Novaes, aoNorberto de Abreu Silva Neto, e ao Eduardo Lociser. Ao João Ramos,Angela da Silva Rodrigues, Maria Elisa Rodrigues Coimbra, Emidio TadeuB. Coimbra, Dora Cristina Rodrigues Coimbra, Esther Arantes, LiliaFerreira Lobo, Heliana de B.Conde Rodrigues, Ana Maria Mota Ribeiro,Ana Paula Jesus de Melo, Fernanda Coelho, Suzana K. Lisboa e MirthaRamirez.

Aos meus ftlhos José Ricardo e Sérgio Ricardo Novaes pelapaciência e cumplicidade.

Ao Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, em especial a Cléa Lopes deMoraes.

A Ivan Cavalcante Proença que, por sua generosidade e cora-gem, possibilitou que eu trilhasse muitos outros caminhos até escrevereste livro. Em 1º de abril de 1964, quando o CACO foi cercado porgrupos paramilitares, o tenente Ivan salvou a minha vida e a de cercade 200 outros companheiros universitários. Após isto foi preso e expulsodo Exército. A você, Ivan, os agradecimentos de todos nós que sobre-vivemos.

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lNDICE

APRESENTAÇÃO i

INTRODUÇÃO li

I -AQuestão da Militância :\il'

CAPÍTULo IAlguns processos de subjetivação nos anos 60, 70 e 80 no Brasil 1

I - Os Anos Instituintes 21 De 60 a 64: o engajamento populista 22 De 64 a 69: o engajamento consentido e seu rompimento 7

11 - Os Anos da Institucionalização 17

I O terrorismo de estado 192 E como nós, classe média, reagimos a isso 22.-) O familiarismo como controle social )0-1 A psicologização e os especialistas "pSi" ')4') A produção subterrânea de algumas práticas instituintes 38'i.1 Alguns movimentos sociais na grande São Paulo 4')').2 As associações de moradores no Rio de Janeiro 48').) O "Novo Sindicalismo" e seus efeitos ')3

CAPÍTIJI,O 11As práticas psicanalíticas nos anos 70 no Brasil 60

I -A "venladcira" psicanálise ou o Santuário de Vesta 6)

n-Ainstituição fonuação analítica ou a pedagogia da submissão 69

m-Algumas situaçõcs analisadoras das práticas psicanalíticas 79I O analisador Werner Kemper 802 () analisador Anna Katri.n Kemper ~ 84-

.-) O analisador Décio Soares de Souza &í() analisador Regina Chnaiderman 89

::; O analisador Helena Besserman Vianna 94() () analisador Amilcar Lobo 99

IV - A procura. da diferença I07

I O Instituto de Medicina Psicológica 107

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2 O Círcub Psicanalítico do Rio de Janeiro 1083 A Clínica Social de Psicanálise 112

V -Omovimento dos psicólogos e o patemaHsmo dospsicanalistas 115

1 A psicologia: seu boom e as faculdades particulares 1152 Os psicólogos paulistas e a SBPSP 1183 O movimento dos psicólogos cariocas 124

3.1 Instituto de Orientação Psicológica 1253.2 As comunidades terapêuticas e os "psi" cariocas 1273.3 Os psicólogos cariocas e a tutela dos psicanalistas 1293.4 O "modismo" grupal entre os "psi" cariocas: a SPAG 137

VI -A Ruptura com as sociedades ligadas à IPA 144

1 A segunda geração dos argentinos 145

2 Sampa e o movimento "psi" na segunda metade dos Anos 70 1522.1 O Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada 1522.2 O Instituto de Estudos e Orientação da Família 1532.3 O Instituto Sedes Sapientiae 1542.4 O Núcleo de Estudos de Psicologia e Psiquiatria 1602.5 A Casa e o CEPAI 161

3 Enquanto isso, no Rio de Janeiro 1633.1 O Núcleo de Estudos de Formação Freudiana 1633.2 O Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições 1643.3 A Sociedade de Estudos Psicanalíticos Latino-Americanos 1693.4 A Clínica Terra 170

4 O movimento lacaniano 1714.1 O lacanismo em solo carioca 1714.2 O lacanismo em solo paulista 178

5 As "crises" nas sociedades oficiais (Quebra-se o monopólio da IPA?) 1845.1 A Brasileira de São Paulo : 1845.2 A Brasileira do Rio de Janeiro 1865.3 A Psicanalítica do Rio de Janeiro 188

vn -Um adendo às práticas psicanalíticas: a fumília e a Subversão 194

1 A pesquisa sobre O perfil psicológico do "terrorista" brasileiro 197

2 Outras participações "psi" 204

CAPÍIlJLom

As práticas psicodramáticas 207

1- Sampa e o Psicodrama 2111 O GEPSP e o "sucesso" do psicodrama 211

2 O grande happeninge a cisão do movimento psicodramático paulista .. 2162.1 As duas sociedades de psicodrama: ABPS e a SOPSP 221

3 Dalrniro Bustos e uma outra vertente do psicodrama argentinono Brasil 222

4 A normatização das práticas psicodramáticas: a FEBRAP 224

n -O Psicodramano Rio deJaneiro 2281 O psicodrama triádico e a Sociedade Brasileira dePsicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama 230

2 O psicodrama moreniano: a SOPERJ, a sociedademoreniana e o CPRJ 231

m-Algumas situações analisadoras das práticas psicodramáticas 2341 - O analisador poder médico 235

2 - O analisador psicodrama pedagógico 239

IV -Alguns efeitos das práticas psicodramáticas 243

CAPÍIlJLo IV

Algumas práticas ligadas ao Movimento do Potencial Humano 247

I -OMovimento do Potencial Humano 247

n-As práticas de "aconselhamento rogerianas" 2591 Na Paulicéia 2591.1 O Grupo de Abordagem Centrada na Pessoa 2621.2 O Sedes Sapientiae 262

2 E no Rio de Janeiro: o Centro de Psicologia da Pessoa 264

m-As práticas da Gestalt-Terapia 2671 Na Paulicéia: o Sedes Sapientiae 2692 No Rio de Janeiro 272

IV -As Práticas "Neo-Reichianas" 2751 Em São Paulo: as duas gerações de "corporalistas" 2791.1 No Sedes Sapientiae 2801.2 Outros estabelecimentos: Ágora e IPE 2821.3 A somaterapia : 284

2 E, em solo carioca 2882.1 Alguns "cotporalistas" 2892.2 Rádice e os simpósios altemativos 2912.3 Alguns estabelecimentos: CIO, IOOR e outros 295

V -Algwnas situações analisadoras das práticas ligadas aoMovimento do Potencial Humano 301

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.•1 O analisador especialista - perito 301

2 O analisador "a mágica ela salvação" 30Ce

VI -Algumas considerações :no

CAPÍ11JLOV

Os Anos 80 e a Análise Institucional no Brasil 316

I- Alguns processos de suhjetivação na segunda metade dosanos 80 no Brasil 317

11 - OMovimento Institucionalio;ta Francês 3231 () período da psicossociologia institucionaL 32.'12 O período das intervenções socioanalíticas 3293 A análise institucional se institucionaliza 332

m -OMovimento Institucionalio;ta no eixo Rio-São Paulo 33';1 No Rio de Janeiro 3382 Na Paulicéia 341

IV -Algumas Considerações 343

CAPÍTUlO VI

Algumas conclusões' Ê necessário' 347

BmIJOGRAFIA

I - Livros e artigos 3';2

II - Revistas, jornais, boletins, etc 363

m - Documentos, prospectos. etc 367

IV - Anais de congressos : -)68

DISCOGRAFIA 369

ANEXOS

I - Psicanalistas entrevisL1.dos -)70

li - Outros profissionais e ex-presos políticos entreviSL1.dos 371m - Psicodramatistas entrevistados 371IV - Profissionais entrevistados ligados ao movimento dopotencial humano 371

APRESENTAÇÃO

É sempre animador encontrar psicólogos atentos à ciência quepraticam. Formados sobretudo como técnicos, esses profissionaisgeralmente não dispõem de instrumentos teóricos que lhes permitamperceber que suas práticas não são politicamente neutras.

Qual a natureza da atuação política que se esconde sob as chamadas"práticas psi"? Via de regra, uma prática que justifica a desigualdadesocial, a exclusão, o confinamento, o preconceito; via de regra, umaprática que quer ajustar os desviantes, que arredonda as arestas derespostas de resistência justas e saudáveis, patologizando-as em nomeda ordem e do progresso. Discurso lacunar, suas concepções quasesempre omitem as questões da ideologia e das relações de poder eexplicam comportamentos reduzindo-os a uma dimensão psicológicareificada.

Cecília Coimbra faz uma incursão pelo universo dos psicólogosnos anos 70, período escuro da vida brasileira, à procura de convergên-cias entre as modalidades psicoterapêuticas então em vigor e os desíg-nios da ditadura militar. A tarefa é gigantesca e complexa, não só porqueas modas terapêuticas em vigor no país naquela época eram muitas, mastambém porque eram diversas as suas extrações teóricas. Estavampresentes mistificações fáceis de criticar, pois que não iam além do nívelraso do mais absoluto senso comum; chegaram também métodos deintervenção que, embora em essência conservadqres, continham mo-mentos de lucidez que é importante sublinhar; foram introduzidas tam-bém propostas de intervenção atentas à dominação e à exploraçãoinerentes às sociedades capitalistas e que propunham a desmontagemde práticas autoritárias nas instituições e nas relações sociais. Em relaçãoa essas últimas, Cecília adverte para o perigo da transformação de

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originalmente críticas em automatismos que se conjugam com a ordemque interessa aos poderosos.

Os Guardiães da Ordem é um mural, feito de largas pinceladas,das práticas psicológicas no Brasil do milagre. Ponto de partida impres-cindível, a análise que ele contém certamente é um convite a outrasanálises mais profundas. O principal está feito; alertar os psicólogos paraa dimensão histórica e social de idéias e técnicas que aparecem comoisentas.

O texto de Cecília é indignado e radical, como devem ser, segundoAgnes Heller, as idéias que querem denunciar a injustiça e a iniqüidade;"as idéias tolerantes", diz Heller em O Cotidiano e a História, "são passivase por isso historicamente ineficazes. Uma idéia não pode se permitir serliberal. Deve ser enérgica, tenaz, fechada em si mesma, para cumprir omandato divino de ser produtiva".

Cecília Maria Bouças Coimbra é uma mulher corajosa e lúcidaquando se trata de enfrentar trabalhos hercúleos. Este livro é mais umaprova de que a militância por um mundo mais humano está no coraçãode sua vida de guerreira.

Maria Helena Souza Patto

São Paulo, outubro de 1995.

"Não serei opoeta de um mundo caduco

Também não cantarei o mundo futuro ..

Estou preso à vida e olho meus companheiros:

Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

Opresente é tão grande, não nos afastemos.

Nã,o nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

Não direi os suspiros ao anoitecer,

A paisagem vista da janela,

Não fugirei para as ilhas,

Nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria,

O tempo presente,

Os homens presentes,

A vida presente!"

(Mãos Dadas -CarlosDmmmond de Andrade)

iií

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IN1RODuçÃO

"... devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição deensino nas ciências sociais epsicológicas, ou no campo do trabalhosocial- todos aqueles, enfim, cuja profissão consiste em se interessarpelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhadapolítica e micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessareprodução de modelos que não nos permitem criar saídas paraos processos de singularização, ou, ao contrário, vão estartrabalhando para o funcionamento desses processos na medidade suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr parafuncionar Isso quer dizer que não há objetividade científicaalguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação ".

Félix Guattarl1

Este trabalho pretende ser um levantamento do que foram algumaspráticas "psi" na década de 70 no Brasil e um repensar sobre elas: aque demandas atenderam e ao mesmo tempo produziram, e quaisforam algumas de suas gêneses históricas. Nele pretendo também pensara "encruzilhada" em que todos nós, "psi", nos encontramos. "Encru-zilhada" em que estão também todos aqueles que ensinam e que, comoqualquer outro dispositivo social, são responsávei,> pela produção de111liitas subjetividades.

Por isso, minha proposta é caminhar por alguns processos deslIbjctivação nos anos 60, 70 e 80: como são produzidos hegemonica-l11ente2, em que momentos conseguimos forjar processos de singula-

Guattari, F. e Rolnik, s. Micropolitica: Cartografias do Desejo. ~, Vozes, 1988, p. 29.2 No conceito de subjetividade dominante ou hegemônica, Guattari mostra que "...a produção de

subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção. As forças sociais queadministram o capitalismo hoje entendem que a produção de subjetividades talvez seja maisimportante que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até que o petróleo e as energias,visto produzirem esquemas dominantes de percepção do mundo". In: Guattari, F. e Rolnik, S.(>p. cit., p. 40.

v

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rizaçã03. tomo se tem dado essa luta ao longo de três décadas e comose encontram, no miolo dissà tudo, as práticas "psi": criando e fortale-cendo territórios singulares e reproduzindo/produzindo modelos.

Sendo produzidas por tais modelos e, ao mesmo tempo,fortalecendo essas subjetividades dominantes, as práticas "psi" têmtambém produzido outros espaços que não os hegemônicos? Em quemomentos encontramos rupturas que nos permitam afirmar algo denovo, de criativo? Afirmar outras percepções, outros modos de ser e deestar no mundo? .

Estas questões e muitas outras aparecem nesta caminhada queme propus fazer. Caminhada que é uma viagem retrospectiva de umageração - a minha geração - com todas as implicações4 daí decorrentes.Viagem que me produziu muitos encontros, alguns agenciamentos euma infindável vontade de entender melhor o que esta geração viveu,por que lutou, por que morreu, por que se exilou e por que voltou econtinuou pretendendo produzir espaços mais flexíveis, abertos aosfluxos, aos encontros. Espaços onde se luta cotidianamente no sentidode se afmnarem caminhos diferentes dos modelados pela "mídia" e demaisequipamentos coletivoss. Espaços, enftm, onde se façam presentes novasalianças, ~ensibilidades, criações e paixões.

A análise aqui empreendida toma de empréstimo algumascategorias do Marxismo, quando se faz necessária uma abordagem da

3 Processo de singularização é utilizado por Guattari para designar os processos disruptores no=po da produção do desejo; trata-se de movimentos de protesto do inconsciente contra asubjetividade capitalística, através da afirmação de outras maneiras de ser, outras sensibilidades,outra percepção, etc. In: Guattari, F. e Rolnik, S. Op. cir., pA5.

4 A noção de implicação em análise institucional- que se origina do conceito de contratransferência,opondo-se à posição neutro-positivista - vai nos falar do intelectual implicado, definido comoaquele que analisa as implicações de suas pertenças e referências institucionais, analisando também

o lugar que ocupa na divisão social do trabalbo, da qual éJegitirnador. Portanto, tal conceito levaa uma análise do lugar que se ocupa nas relações sociais em geral e não apenas no âmbito daintervenção que se está realizando.

5 Equipamentos coletivos seriam" ... os instrumentos de codificação, de incrustação, de fechamento,de limitação e de exclusão da energia social livre ( ...). É o processo material e social através do qualas forças materiais do inconsciente, fluidas e leves, vêm flXat-Sesobre o corpo social. onde funcionam

e funcionarão corno sistemas rígidos e fechados de relações de força, de relações de produçãocodificadas e institucionalizadas ( ...). Portanto, o equipamento coletivo é o território não familiar

onde se exerce diretamente a soberania do Estado". In: Fourquet, F. e Murard, L.Equipamentosdei Poder: Ciudades, Terrltorios Y Equipamentos Coletivos. Barcelona, Gustavo Gelli, 1978,pp. 70, 73 e 88.

vi

formação social capitalistica, como também no estudo da divisão socialdo trabalho através da abordagem feita por A. Gorz. Isto porque a críticaaos "especialismos" é um dos fios condutores deste trabalho.

Da mesma forma, também são utilizadas categorias pertinentesaos pensamentos de F. Guattari - principalmente no que se refere àsproduções de subjetividades - e de Michel Foucault - nas questõesrelativas à genealogia das práticas "psi" e aos efeito~ de sua difusão.

Por último, beneficio-me do referencial Institucionalista de origemfrancesa6 através de uma série de ferramentas que, no decorrer de todoeste trabalho, vão sendo apresentadas ao leitor. Dentre elas há uma, ade analisador, que percorre os três grandes grupos de práticas aquipresentes (psicanálise, psicodrama e terapias ligadas ao Movimento do

Potencial Humano).

Estes caminhos correspondem à minha própria trajetória de vida,() percurso que tenho realizado até aqui: de lugares muito bem marcados,nJmo marxista e maoísta, para espaços não tão delimitados, mais abertos,onde diferentes fluxos podem e devem se misturar. A utilização quefaço desses enfoques lembra em muito uma caixa de ferramentas, deonde retiro o que me é útil em determinados momentos, aquilo quelIIe serve, que funciona? Meu interesse está no caráter desnaturalizadorde muitas dessas produções e pretendo lançar mão de todas essaslcrramentas, não de forma dogmática, mas como instrumentos de luta.

Nesta viagem pelos últimos 30 anos, muitos mergulhos aconte-ceram, e esses referenciais funcionaram, portanto, como pontes, comopequenas construções que me auxiliaram na travessia. Nada de ferro oude concreto, nada muito seguro e estável, nada tipo terra firme, masapoios e por vez.es pequenas barcaças que me ajudaram a percorrer eentender melhor as paisagens que ia vislumbrando. Paisagens nas quais,lIIuitas vezes, estavam presentes sentimentos os mais diversos.

Durante esta viagem, além de pontes e barcaças, muitos embar-cadouros foram visitados e encontros aconteceram, principalmente, comos profissionais "psi" e ex-presos políticos do eixo Rio-São Paulo. Reali-

(J Algumas das principais figuras desse movimento são Georges Lapas.sade, René Laurau, Rémi

lless, Pierre Evrard, Patrice Ville, Antoine Savoy, dentre outros.Imagem utilizada por Gilles Deleuze em "Os intelectuais e o Poder." In: FoucauIt, M. Microfisica

do Poder. R], Graal, 1988, p. 71.

vii

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zei ao todo 173 entrevistas com psicanalistas, psicodramatistas, gestal-tistas, terapeutas corporais e ex-presos políticos que me falaram de suastrajetórias e, especialmente, dos anos 70 no Brasil: de suas experiências,aventuras, desventuras, sonhos, utopias, massacres, fraquezas, cumpli-cidades, omissões, conivências e alianças.

Em muitos desses encontros, agenciamentos se efetuaram, emoçõese marcas se uniram, uma forte sensibilidade pairava no ar, aocompartilharmos histórias, comuns ou diferentes, mas que traziam apaixão, a vida, a luta, para o primeiro plano do palco. Em outros encon-tros, o distanciamento se fazia presente; dores de cabeça e enjôosdominavam; predominava a morte, o lado obscuro da vida. De qualquermodo, foram encontros de grande intensidade, vividos com emoção,ternura, amargura, ódio e mesmo desprezo. Neste sentido, este estudonão é uma pesquisa "neutra", onde a coleta "objetiva" de informações éo mais importante, onde a paixão não está presente, onde nossastransversalidades8 não se atualizam, onde nossos prazeres e desprazeresficam de lado. Falar da vida, das lutas, das afirmações, de tudo quepode transformar o mundo e a nós mesmos, requer l.Jmapresença quenão pode ser pensada como neutralidade.

Essa viagem me mostrou isso. Nessa travessia vivi tudo isso.

A leitura de todas as entrevistas e materiais fornecidos éresponsabilidade minha, apesar de terem sido fundamentais comomatéria-prima para o que exponho aqui. O contrato feito com todos osentrevistados foi de que seus nomes seriam citados somente ao finalde cada Capítulo - foram colocados em Anexo - e suas opiniões nãoseriam expostas. As identificações somente ocorreram quando osassuntos apontados já se haviam tomado públicos através de notícias nagrande imprensa.

Os materiais consultados - regimentos, regulamentos, estatutos,correspondências, artigos publicados, etc. - foram muitos delesgentilmente cedidos pelos entrevistados. Entretanto, se esta facilidadeocorreu com os que entrevistei, isto não aconteceu com os estabe-

8 O conceito de transversalidade, criado por F. Guattari e muito utilizado em análise institucional,representa a clareza que se tem dos entrecruzamentos, das pertenças e referências de todos os

tipos (político, econômico, social, cultural, ideológico, sexual, libidinal, etc.) que atravessamnossas vidas. As relações transversais são, em geral, inconscientes, não sabidas e desconhecidas.

viii

lecimentos "oficiais" de psicanálise: muitas exigências burocráticas foramfeitas, como, por exemplo, para se conseguir os estatutos e regimentos.

Além de todos esses materiais, foram também consultados muitosartigos e teses versando sobre a história do movimento psicanalítico noeixo Rio-São Paulo, assim como alguns dos referenciais teóricos dosmovimentos psicodramáticos e do Potencial Humano. Estes, apesar denão serem utilizados neste trabalho, foram importantes para que eupudesse compreender muitos dos conceitos citados pelos entrevistados.Assim, algumas obras de J. L. Moreno, R. Bermudez, D. Bustos, C.Rogers, W. Reich, A. Lowen, D. Boadella, G. Boyesen e de muitosoutros brasileiros foram consultadas. Foi realizada também pesquisaem jornais da grande imprensa sobre os anos 70 e 80 no Brasil e emalguns jornais e revistas "psi" da época. Todos esses materiais encontram-se citados nas notas e na Bibliografia.

Com esse instrumental, pretendo historicizar e mostrar a produ-ção de algumas práticas psicoterapêuticas nos anos 70 no Brasil, fazen-do uma análise institucional das instituições9: psicanálise, psicodrama eterapias corporais, apontando o que elas têm instrumentalizado, e queoutras instituições, dispositivos, modelos e subjetividades têm sido porelas fortalecidos e produzidos.

Enftm, busco mostrar como a formação "psi", em geral, traz certascaracterísticas modelares instituídas e tão bem marcadas; como, emnossa formação, predomina o viés positivista, onde se tornam hege-mônicos os conceitos de neutralidade, objetividade, cientificidade etecnicismo; onde, nos diferentes discursos e práticas, o homem e asociedade são apresentados como "coisas em si", abstratos, naturais enão produzidos historicamente.

Um trabalho de Heliana Conde Rodrigues1o inspirou-me a irprocurarem um texto de F.Châteletll o significado de "ser um historiador,hoje", da historicidade do historiador, pois é este um dos caminhos que

9 o conceito de instituição, para a análise institucional, difere do de otganização ou estabelecimento.Instituição é o espaço onde as relações de produção estão instituídas de maneira aparentementenatural e eterna e não onde o jurídico se manifesta.

10 Rodrigues, H.B.C. Michel Foucault: Por uma História das Práticas. Traballio apresentado no

Curso de Mestrado - UER], setembro/1989, mimeogr., p. 411 Châtelet, F. nAHistória".ln: Châtelet, F. (Org.). A FDosofta das Ciências Sociais, vol. 7. Coleção

História da FilosofIa: idéias, doutrinas. R], Zahar, 1974.

íx

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percorro em relação às praticas psicoterapêuticas. Analisa o autor trêsprincipais linhas na historiografia atual: a da Filosofia da História, a daHistória Positivista e a da Nova História.

Na Filosofia da História estariam os marxistas contemporâneos,a história vista como um desenrolar contínuo de forma linear ou dialética,dentro de uma perspectiva totalizante, onde a origem e a finalidadesão aspectos fundamentais.

Na História Positivista predominam fatos, datações, nomes ecronologias encadeados,

"... uma espécie de 'jornalismo superior", um jornalismoretrospectivoque tenta reencontrar, no outrora e no antiga-mente, o desenrolar dosfatos, a causalidade dos sentimentos e. dos acontecimentos materiais... "12 (grifas do autor).

Seria o que, dentro de uma perspectiva institucionalista, é co-nhecido como a História do Instituído, onde a preocupação está em"00. construir imagens confortadoras e bem ligadas"13.

A Nova História, representada, dentre outros, por L.Fevre e M.Blochl4, "00. recusa tanto o acontecimento como a lei, tanto a crônicaquanto a sociologia". Esses historiadores

"... indicam que estão fora da triste problemática doacontecimento ou do doloroso referencial cronológico; esfor-çam-se -para esclarecer opresente - por restaurar a opaci--dade das práticas passadas, em sua diversidade. Doravante,impõe-se outra concepção das seqüências acontecimentais co-mo inStrumento de inteligibilidade. Antes de tudo, importa de-terminar longamente em que horizonte real e imaginário os di-versos agentes e pacientes históricos intervêm, como eles habi--tam, como andam, como navegam, como comem (...); em suma,como vivem realmente.Os atos do poder (dosdiversospoderes),pormais atuantes que sejam, nilo poderão ser compreen-didos, em suas conseqüências, sem refer€ndas a essas prd-ticas determinantes "15 (grifas meus).

12 Châtelet, F. Op. cit., p. 211.13 Idem, p. 211.14 Segundo Châtelet, equipe reunida em tomo dos "Anais, Econotnia, Sociedade, Civilização",

fundada pelos autores citados.15 Châtelet, F. Op. cit., p. 213.

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A própria noção de acontecimento aqui é vista de outra forma:não como um fato compreensível, mas como ruptura, "... como produtoque remete a outras redes de acontecimentos, em outros campos".Quanto a este sentido de "acontecimento", a abordagem da Nova Histórianão difere em essência da marxista, a não ser no ponto em que estaúltima privilegia, como produtora, a "... profundidade econômica daúltima instância" 16.

Esta Nova História, em que a inscrição histórica se toma funda-mental, voltada para o presente, para as diferentes práticas, abando-nando as grandes datas, os grandes nomes e sínteses, segundo o próprioChâtelet, pode cair na armadilha de - apesar de dar ênfase às rupturashistóricas - não se implicar politicamente com as lutas presentes. Essestrabalhos perigam em

"... não passar de instrumentos sem poder (...J que só servempara o prazer (.00) daquele que os produz - o historiador -, da-quele que os etiqueta- o historiógrafo- e daquele que os descreve- o estudante - caso não aceitem estar em situação ideológica'17(grifas meus).

Ser historiador, hoje, é principalmente estar articulado, implicadocom as lutas que se travam, é saber o lugar que se ocupa na própriadivisão social do trabalho, da qual se é um dos legitimadores. Nesseponto, Châtelet mostra a importância do Materialismo Histórico, nãopara se fazer uma Filosofia da História, mas para se ter claro que, nocombate político/ideológico do cotidiano, os conhecimentos elaboradospelo historiador, intelectual, especialista, etc. (ou qualquer outro nomeque se queira dar aos peritos no mundo capitalístico) estão presentesno mundo, têm peso, não são neutros e estão produzindo - no dizerde Guattari - subjetividades hegemônicas e processos de singularização.São, em suma, forças sociais, quer se queira ou não.

A tentativa de se caminhar por esta abordagem é um desafio, atéporque - e já ouvi isto muito, principalmente .de alguns colegaspsicanalistas - há o risco de este trabalho ter os rótulo de "relativismosociológico", "relativismo histórico" .

Sobre o assunto, gostaria .de tecer alguns comentários e, nova-

16 Rodrigues, H.B,C. Op. cit., p. 08.17 Châtelet, F. Op. cit., p. 218.

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mente, utilizando a "caixa de ferramentas" - já citada por Deleuze -,retirar dela outros pensadores: Paul Veyne e Michel Foucault. Não querorelativizar nada, quero sim desnaturalizar! Isso porque não entendo osobjetos como tendo existência em si, como naturais, mas sendo produ-zidos historicamente por práticas que os objetivam e que são muitobem datadas. Relativizar algo de princípio mostra a existência dos objetosem si, como algo dado; simplesmente vou relativizar meu olhar, minhaescuta, minha percepção, para poder apreender os diferentes aspectosdesses objetos.

Entretanto, se os entendo, assim como o sujeito, o real, comoproduções históricas, eles não são dados em si, não existem por si,mas estão sendo sempre produzidos, como um trabalho jamais acabado,terminado.

"Mas cada prática, ela própria, com seus contornos inimitáveis,de onde vem? Mas, das mudanças históricas, muito simplesmente, dasmil transformações da realidade histórica, isto é, do resto da história,como todas as coisas. Foucault não descobriu uma nova instância,chamada "prática", que era, até então, desconhecida: ele se esforçapara ver a prática tal qual é realmente; não fala de coisa diferente daqual fala todo historiador, a saber, do que fazem as pessoas:simplesmente Foucault tenta falar sobre isso de uma maneira exata,descrever seus contornos pontiagudos, em vez de usar termos vagos enobres"18.

Neste texto, Paul Veyne vai mostrando como as diferentes práticasvão engendrando no mundo objetos sempre diversos, diferentes"rostos"; daí não existirem "loucura através dos tempos", "religião oumedicina através dos tempos". Isto mostra como

"... em uma certa época, o conjunto das práticas engendra, sobretal ponto material, um rosto histórico singular que acreditamosreconhecer ou que chamamos, com uma palavra vaga, ciênciahistórica ou, ainda, religião ; mas, em uma outra época, seráum rosto parlicular muito diferente que se formará no mesmoponto e, inversamente, sobre um novo ponto, seformará um rostovagamente semelhante ao precedente. Tal é o sentido da negaçãodos objetos naturais; não bd, através do tempo, evolução ou

18 Veyne, P.M. "Foucault Revoluciona a História". In: Como se Escreve a HIstória. Cadernos daUniversidade de Brasília. 1982, pp. 159 e 160.

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modificação de um mesmo objeto que brotasse semprede um mesmo lugar (. ..). Umfalso objeto natural, como a religiãoC ..) que agrega elementos muito diferentes C ..) que, em outrasépocas, serão ventilados em práticas muito diferentes e objetivadospor elas sob fisionomia muito lliferente"19 (grifos meus).

Por sua vez, Foucault, ao montar uma história das práticas, aoinvés de relativizar no tempo aquilo que é diferente, prefere apontarpara a produçiio do real pela via da história. Apontar que nossas práticasdetermin:.lm os sujeitos, os objetos considerados naturais e já dados. Damesma forma, nega um pensar totalizado da história que remeteria àbusca de uma origem ou finalidade, pois

"..procurar uma tal origem é tentar reencontrar "oque imedia-tamente'; o "aquilo mesmo" de uma imagem exatamente ade-quada a si; é tomar por acidentais todas as peripécias que pude-ram ter acontecido, todas as astúcias, todos os disfarces; é querertirar todas as mdscaras para desvelar, enfim, uma iden-tidade primeira"]JJ (grifos meus).

Por isso, a história das práticas de Foucault e o "historiador hoje"de Châtelet trazem para o palco uma h.istória que "não apaga o quepode revelar", que mostra "o lugar de onde olha", "o momento em queestá", "o partido que toma", e a afrrmação da paixã021.Mostra o intelectualimplicado, como aquele que "... se define ( ...) pela vontade subjetivade analisar até o fim as implicações de suas pertenças e referênciasinstitucionais"22. Aquele que nunca é chamado de militante, visto estetermo ter tido, numa outra época, uma outra produção histórica.

Portanto, por não entender o objeto "militância" como natural ea-histórico, por sabê-lo produzido por certas práticas e movimentossociais num determinado momento da história da esquerda, não sóbrasileira, mas mundial, pretendo utilizá-lo a partir de outras práticas,de outras produções.

19 Idem, p. 172.20 Foucault, M. Microfisica do Poder. Op. cit., p. 19.21 Trechos contidos em um artigo de Foucault, M. Op. cit., p. 30.22 Lourau, R. "El Estado en e1Análisis Institucional". In: EI Análisis Institucional Madrid, Campo

Abierto, 1977, p. 88.

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·I- A QuEsTÃO DA MnrrÂNCIA

"Não põe corda no meu blocoNão vem com teu carro chefeNão dá ordem ao pessoal,Não traz lema, nem divisaQue a gente não precisaQue organizem nosso carnavalPor um blocoQue derrube esse coretoCom passistas à vontadeQue não dancem o minueto.Por um bloco

Sem bandeira ou fingimentoQue balance e bagunceO desfile e o julgamento.Por um blocoQue aumente o movimentoQue sacuda e arrebenteO cordão de isolamento ".

(PÚltaformn - Aldír Blanc eJoão Bosco)

Fazer esta travessia é uma forma de resgatar um período denossa história que muitos tentam esquecer. Não com o intuito de umareconstrução, mas com uma proposta de desconstrução. Ou seja, nãopretendo fazer a reconstrução de uma "determinada" memória histórica,mas de uma "outra", sempre ocultada, sempre impedida de aparecer,sempre estigmatizada. Com isto, em realidade, proponho a descons-trução de uma história conhecida como "oficial", instituída, fazendosurgir daí uma "outra" memória, uma "outra" história.

Desde o início desta viagem me propus a produzir um texto-intervenção, e intervenções, efetivamente, ocorreram: em mim e emmuitos entrevistados.

Em realidade, a produção deste texto-intervenção é uma formade militância. Não a militância dos anos 60170 e que ainda hoje perdura:a militância como "lema", "divisa", "ordem", "organização", "carro-chefe".Mas a militância enquanto produção de territórios singulares, novos,onde se consegue apontar para as armadilhas do instituído, para a

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ocultação, a mitificação e a naturalização das práticas e modelos ofici-ais dominantes, onde as proposições - e não os dogmas científicos -são extraídas das relações que estabelecemos entre as práticas sociais eas nossas próprias práticas cotidianas.

Militância guerreira em que se fica ao lado da vida, da afirmação,do instituinte, das implicações, da transversalidade, do processo desingularização e, portanto, rompe-se com o autoritarismo dos saberesoficiais, englobantes e totalizantes. Rompe-se com o território fechadoda falta, da carência, do instituído, da neutralidade e dos regimes deverdade pré-estabelecidos, fechados e hierarquizados.

Militância não vista como mais um esp ecialismo , pois até isto ocapitalismo produziu: o militante é mais um especialista! Mas militânciaque nega os especialismos, desnaturalizando lugares sagrados do sabere do não-saber, e que aponta como certos saberes, considerados margi-nais, desqualificados, "inferiores" e "menores", só o são porque a posturaarbitrária e dogmática da "ciência" os produziu para serem percebidose aceitos assim. Enfim, militância que aponta para a desmitificação docorporativismo, onde os papéis profissionais são mais alguns dosmodelos impostos e produzidos pelas diferentes práticas sociais.

Militância e não mais uma armadilha, onde se possa consignarque a distinção feita - e como acontece isso em nossa fomação "psi" -entre trabalho psicológico e trabalho político é mais um engodo dosespecialismos, da desqualificação de práticas vistas como "diferentes" eda manutenção e superioridade de algumas consideradas "científicas","competentes". Militância que revela, ao mesmo tempo, o poder dessesmodelos, mas anuncia para a possibilidade de se escapar, de se quebrar- mesmo que provisoriamente - os lugares marcados e determinadospelas subjetividades dominantes que dicotomizam, excluem: ou se é"psi" ou se é militante; "se é isto, não se pode ser aquilo".

Militância que se refere aos diferentes, marginalizados e desqua-lificados saberes e a muitas e muitas práticas, que cotidianamente,silenciosamente, em seus microespaços, estão gestàndo, forjando novasformas de perceber o mundo, novas formas de se viver melhor nestemundo. Referindo-se a inúmeros sujeitos que, em seu dia-a-dia, tentam,mesmo que provisoriamente, produzir outros tipos de relação, outrasestratégias de vida que não as dominantes. Referindo-se também a

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todo e qualquer intelectual que utilize seus saberes, suas práticas paraa produção de novos sujeitos, de novas alianças que afirmem a vida, apaixão, a expansão. Militância que nega toda e qualquer ortodoxia efechamento, que tenta ampliar suas alianças, expandindo outras formasde estar neste mundo. Militância que é uma construção cotidiana e quepercorre os mais variados caminhos.

Portanto, enquanto profissional psicóloga, militante e implicadacom a história, pretendo apontar para o político, para a produção desubjetividades, para a mitificação e naturalização de algumas práticaspsicoterapêuticas dominantes na década de 70, e ainda hoje.

Este texto-intervenção é, sem dúvida alguma, um texto indignadoe apaixonado. Indignação e paixão que vêm da minha implicação, daminha história de vida. Indignação e paixão que são também produzi-das pelo fato de mexer com questões tão naturalizadas e até mesmosagradas: a genealogia de algumas práticas psicoterapêuticas no Brasile da própria formação "psi".

Entretanto, apesar da indignação, paixão, denúncia, desnatu-ralização que estão presentes na maioria das páginas deste trabalho eapesar da radicalidade de minhas percepções, desejo pensar napossibilidade de construir novos espaços e forjar novos aliados.

Daí, este trabalho se propor a ser um trabalho militante, umaintervenção. Pretensão em demasia? Talvez.

J, CAPÍTIJLO I

ALGUNS PROCESSOS DE SUBjETIVAÇÃO NOS

ANos 60, 70 E 80 NO BRASIL

Este trabalho tenta mostrar a singularidade de uma existência;procura apontar agenciamentos e encontros que foram se dando aolongo de uma história e, portanto, é a afirmação de uma percepção demundo.

É uma leitura, embora outras existam. É uma forma de pensar osdiferentes encontros que tive ao longo das três últimas décadas. Trata-se, por conseguinte, de uma leitura que, pretendo, não pertença aoterritório das identidades reconhecidas, da academia, do cientificismo.Mas que, efetivamente, faça parte de outros espaços.

Para se falar sobre alguns processos de subjetivação nos anos60, 70 e 80 no Brasil há, inicialmente, que pensar a que subjetividadeestou me referindo. Penso produção de subjetividades, segundo oenfoque guattariano - não "como coisa em si, essência imutável", mascomo "... esta ou aquela subjetividade, dependendo de um agenciamentode enunciação produzi-la ou não"!. Ou seja, formas de pensar, sentir,perceber a si e ao mundOJProduzidas por diferentes dispositivos sociais,culturais, políticos, etc, existentes no mundo capitalístic02• Pretendo

1 Sobre o assunto, consultar Guattari, F. e Rolnick, S. Op. cito

Z O termo capitalístico, utilizado por Guattari, "... designa não apenas as sociedades designadas

como capitalistas, mas também setores do 3" mundo ou do capitalismo periférico, assim como aseconomias ditas soclalistas dos países do leste, que vivem numa espécie de dependência e

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apontar para a chamada cultura de massas ou "cultura mercadoria'"como um dos elementos principais na produção dessas subjetividadescapitalisticas, especificamente no Brasil dos anos 70.

I - Os ANos mSTITUINTES:

1- DE 60 A 64: O ENGAJAMENTO POPUUSTA

"OBrasil é uma terra de amoresAk;atifada de flores,Onde a brisa fala amoresNas lindas tardes de abrirCo1Tf!Í para as bandas do sulDebaixo de um céu de anilEncontrareis um gigante deitadoSanta Cruz, hoje BrasilMas um dia o gigante despertouDeixou de ser gigante adormecidoE dele um anão se levantouEra um país subdesenvolvido,Subdesenvolm'do, subdesenvolvido ".

(Cançilo do SubdesemJolvldo - CPCIUNE, Cmco deAme Carlos Lyra)

Se os anos SOpassaram a ser conhecidos, pelo poder da núdia,como os "anos dourados", a década de 60 tem sido caracterizada comoos alegres e descontraídos anos onde se ouve a Bossa Nova, e ainda serespiram os ares de uma democracia liberal burguesa.

É a partir do Governo Juscelino Kubistcheck, o presidente "bossanova", o primeiro da década de 60', que se dão os grandes avanços nachamada modernização do Brasil. Ela está aliada à expansão do capita-lismo monopolista, através do crescimento da industrialização dominadapelo capital estrangeiro. Verifica-se, então, a acelerada urbanização e o

contradependéncia do capitalismo~. Tais sociedades, segundo Guattari, em nada se cüferenciamdo ponto de vista do modo de produção da subjetividade. In.:Guanari, F. e Rolnik, S. Op. cit., p.

15.3 Termo utilizado por Felix Guattaripara se referir à cultura de massas no mundo capitalístico.

4 Seugovemovaide 19S6al96l.

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crescente aumento das chamadas classes médias urbanas. É princi-palmente nestas classes médias urbanas que pretendo identificar algunsprocessos de subjetivação que vão sendo produzidos no decorrer dosanos 60, 70 e 80.

a Brasil de 61 a 64 caracteriza-se pelo projeto de reformas debase e de desenvolvimento nacional, frente ao reordenamento mo-nopolista do capitalismo internacional, o que gera uma política populistados governos deste período'.

É neste quadro que se desenvolvem movimentos sociais que,com o consentimento e apoio governamentais, voltam-se para a "cons-cientização popular". Sem dúvida, esses anos estão marcados pelosdebates em torno do "engajamento" e da "eficácia revolucionária", ondea tônica é a formação de uma "vanguarda" e seu trabalho de "conscien-.tizar as massas", para que possam participar do "processo revolucio-nário". A efervescência política, o intenso clima de rhobilização e osàvanços na modernização, industrialízação e urbanização que confi-guram esse período trazem, necessariamente, as preocupações com apanicipação popular".

Ressoam muito próximos de nós os ecos da vitoriosa RevoluçãoCubana, que passa, a partir de então, a embalar toda uma juventudelatino-americana, como o sonho que pode se tornar realidade. Daí aintransigente defesa que se faz do princípio de não-intervenção emCuba.

Aqui no Brasil, os grupos dominantes aliados aos capitais estran-geiros mostram-se incapazes de formular uma política autônoma. Estasituação gera não somente uma forte manipulação para com os setorespopulares como também uma forte pressão destes mesmos setores. apacto populista começa a se esfacelar, o que se torna mais claro após arenúncia de Jânio Quadros, quando a política de alianças se fragiliza ese desagrega. Por outro lado, há grandes pressões dc grupos de esquer-da, ainda fortalecidos e alimentados pelo próprio governo populista!desenvolvimentista de João Goulart. .

Estas pressões surgem em diferentes áreas. Na cultura, o CentroPopular de Cultura da União Nacional dos Estudantes', com sede no Rio

5 jânioQuadros em 1961 e João Goulart de 1961 a 1964.6 Hollanda, H.B. hnpressões de Viagem. Tese de Doutorado - UFRJ,1978.

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de Janeiro, leva para diferentes estados brasileiros, através da chamadaUNE/Volante, vários shows, peças de teatro, esquetes, etc. Também sãolançados os Cadernos do Povo Brasileiro, pela Civilização Brasileira,vários livros de cordel, e são produzidos alguns filmes como CincoVezes Favela e o inacabado Cabra Marcado para Morrer'. Afmalídadeé "educar o povão" através da arte. No Nordeste, Francisco Julião e asLigas Camponesas incendeiam com sonhos de liberdade e de reformaagrária os pequenos camponeses da Zona da Mata. Ali, como em geralno campo brasileiro, as relações de produção capitalistas vãogradativamente se tornando hegemônicas, apesar da resistência de algunspequenos arrendatários, posseiros e camponeses.

Diferentes experiências com alfabetização de adultos são reali-zadas, como o Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco,órgão da Secretaria de Educação da Prefeitura de Recife' e, posteri-ormente, Paulo Freire em Pernambuco e no Rio de JaneirolO A politi-zação da Bossa Nova e sua aproximação com oS "sambistas de morro"como Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, e o irúcio da divisão domovimento bossa-novistall marcam esses primeiros quatro anos dos60, que são vividos de forma intensa c ardorosa por uma juventudeuniversitária de classe média.

Estamos em 1962.Um dos centros de debate é o lnstituto Superiorde Estudos Brasileiros (lSEB), cuja euforia nacionalista c reformista nãodeixa perceber que o impeto do processo de industrialização começa adiminuir e a economia passa por uma série de problemas, entre eles,crises de recessão. Percebe-se bem o crescente grau de combatividade

7 o CPC da UNE foi criado em abril de 1961 e tinha como fmaUdades promover atividades nossetores teatrais, cinematográficos, musicais, chs artes plásticas e "... elevar o nível de conscientizaçãodas massas populares". In; Peixoto, F. O Melhor Teatro do CPC da UNE. São Paulo, Global,1989, p. 3.

8 Destes eventos vão surgir muitos artistas e poetas; alguns continuariam produzindo, comoGianfrancescoGuarnleri, Augusto Baal, ChiCode Assis, Ferreira Gullar, Moacir Félix, Geir Campos,Affonso Romano de Sant'ArU1a, Paulo M. Campos, José Carlos Capinam, Torquato Neto, MarcosFarias, i\1iguelBorges, Carlos Diégues, Léon Hit?man,Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Coutinho,Carlos Lyra, Sérgio Ricardo, Oduvaldo Víana Filllo, carlos Estevam, Armando Costa, Antonio CarlosFontoura e muitos outros

9 O governador do Estado de Pernambuco é Miguel Arraes.10 O chamado Programa Nacional de Alíabeti7aÇâo, endossa.do pejo MEC.11 Sobre o assunto ver Castro, R. Chega de Saudades. São Paulo, (ia das Letras, 1990, p. 347,

quando afirma que ~... aquele flerte com o populismo iria acabar estragando a fX!esia da coisa", aose referir a Nata Leão e Carlos Lyra.

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dos assalariados, provocado principaimente pela continua elevação docusto de vida.

A principal produção cultural da época, assim como algunsmovimentos sociais e sindicais estão, portanto, marcados pelo "enga-jamento" e em mãos da esquerda, tendo como temas centrais os mitosdo nacionalismo e do povo, a modernização e a democratização e osprojetos de tomada do poder".

Entretanto, o pacto populista entre o governo de João Goulart eos setores populares, além de se fragilizar, começa a se tornar perigosopara a expansão monopolista do capital estrangeiro. Este sente nomodelo politico vigente no Brasil - e na América Latina - uma barreiraà sua expansão. Neste quadro dá-se o golpe militar de 64, quando asforças armadas ocupam o Estado para servir a tais interesses. Para isso,e como preparação de terreno, uma intensa campanha se desenvolvedesde os anos 50, por meio da qual constrói a figura do comunistacomo traidor da pátria. Essa subjetividade é cada vez maL, produzidano decorrer desta década e na seguinte: o fantasma do comunismoameaça e ronda as famílias brasileiras; é necessário esconjurá-lo, estarsempre alerta para que a pátria, a familia e a propriedade sejam territóriossagrados e intocáveis por tal peste. Como efeito disto, semanas antes edepoL, do golpe de 31 de março de 1964, em muitas capitais do pais,sào organizadas as Marchas da Família com Deus e pela Propriedade.Multidões de senhoras e suas famílias de classe média e média altadesfilam pelas rua, do centro do Riode Janeiro e Sào Paulo e, juntamentecom a cúpula da Igreja Católica, denunciam a "comunização" da socie-dade brasileira e exigem um governo forte.

Se por um lado estes processos de subjetivação tornam-sedominantes, já nos quatro primeiros anos dos 60 havia sido irúciado odesenvolvimento de modos de subjetivação singulares 13, principalmentena juventu de universitária de classe média, através de todos essesmovimentos sociais. Conseqüentemente, surgem posturas e compor-tamentos que recusam as normas pré-estabelecidas e instituídas; "todosesses modos de manipulaçào e de telecomando"!'.

Apesar disso, não se percebe que as atuações do CPC e de uma

12 Hollanda, H.B. Op. cito13 Guattari chama a isso de "processo de singuIarizaçâo".14 Guattari, F. e Rolnik, S. Op. clt., p. 17.

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série de outros movimentos sociai"i da época sào, Clll realidade, UllIcng:lj:lmento populist:l, em que ptedominam muitos aspectos pater-nalistas e vanguardistas, havendo, entretanto, uma clara consciência dadistância "... entre o intelectual e o povo, o que tmnsp:lrece na poesiapopulista através de um indLsfarçável sentimento de culpa"". Estasposturas correspondem a uma produção colocada pela efelVescênciapolítica da época e conseguem um alto "... nível de mobilização dascam.adas nlai"}Jovens de artistas c intelectuais a ponto de seus efeitosserem sentidos até hoje''16.

Trata-se d:l produção de territórios singulares, aind:l m:lrcadospelo stalinismo e rigídez vigentes na época e que seráo r:ldic:llizadospela gerdção de 68. Provam-se e aprovam-se novos valores e padrõesde comportamento, sobrctudo entre algumas parcclas da juventudeuniversitária de classe média das grandes cidades. I lá a valorLzação daparticipação das mulheres, não somente na sua protl"sionalizaçàoJ llKL.,)principalmente no seu engajamento politico, apesar de todos os limitesainda impostos pelos próprios companheiros de militância. O Cdsamentodeixa de ser para elas a única perspectiva honmela ele independênciafamiliar. Exploram-se canúnhos onde é fundamental a satisfaçào pessoalnos relacionamentos COll1outras pessoas, desde a sexualidade até otrabalho. Este deix:l de ser uma mera ocupação provisória para tornar-se ".. unta via legítima de realização pessoal e afirmação cb própriaindependência. A reprodução torn:l-se, :lté certo ponto, uma opção ..."com as dLscussões sobre o direito ao aborto e :lO uso da pílub :lnti-concepcional. "A sexu:llid:lde exp:lmle-se p:lrd :llém dos limites doc:ls:lmento ..." e a própria monog:lnú:I, tão defendida pelas muUleres declasse médi:l, tem sua discussão iniciada por essa juventude universitária.O tabu da virgindade é desqu:llitlmdo e gr:lcldtiv:lmente cai por terra.":-.Iasrelações entre pais e ftlhos, :I nlliior :lspiração é se fazerem todosgovern:lr por um código igualitário"", a partir do qual a hiemrquia, opoder do pai e a submissão da mãe e dos filllOSsão questionados nopróprio cotidiano dessa juventude. As relações entre homens e mulheressão pensadas de forma mai~ igualitári:l, e a rigidez e o autorit:lrismo do

I'; lfollancb., H.R op. cit., p. 24.16 Idem, p. 29.17 Santos, T. C. ~AMulher Uherada ~ a Difusão da PsicanálLo;e" In: Figueira, S. A. (Org.) O Efeito Psi.

Rio de Janeiro, Campus, 1988, 103-120, p. 107.

Cdsamento formal cle nossos pais chegam a ser ridicularizados, como aimposição de valores burgueses. A religião é vista como o "ópio dopovo" e o triângulo Deus, Pátria e Família denunciado como um princí-pio fiscista. Enfim, :I minissaia c o biqumi vão produzir processos desingularização que irão se cllOC:lr,principalmente no decorrer da décadaseguinte, com as subjetividades hegemõnicas produzidas pelas práticascapit:llisticas e fortalecidas pela ditadura militar em nosso pais.

"Quedamos mudar o mundo, era a nossa questão hásica; mais:tinbamos a certeza de que i.ssoia acontecer ( J Não nos passavapela cabeça que o ser humano pudesse passar seu tempo de vidasobre a terra, alheio aos /Jroblemas sociais e polítú;os.- esta erapara nós a pior daç alienaçoes Foi assim que, nos ano." 60, pro-duziu-se UtJUl arte politica, UnuJ cultura lX)ltada para a questâosocial. Muitos da geração comprometeram suas uidas com apolítica e seu modo especifico de encarar a realidade" 18.

E, em contato com a participaçâo politica e a rnilitânci:l, es-pecialmente nos doL~grandes gru pamentos então exi~tentes - PCB eJlICI9~, descobre-se que :lquela geFdçào despertd par:l algo que alguntaSgerações anteriores já denunciavam. "Perceben10s, nos anos 60, quenossa educação havia sido um.'l distorçào; nossa fOl1n:lç'ão,Ull1processomórbido, lI11la defortllaç:lo""o.

2 -DE 64A 69:O ENGAJAMENTO CONSENTIDO E SEU ROMPIMENfO

"Caminhando e cantando e seguindo a cançãoSomos todos iguaL,>,braços dados ou nàol"as escolas, nas ruas, campos, constrnç6es.Caminhando e cantando e seguindo a cançãol"em, vamos embora,Que esperar nao e saberQuem .,>abejàz a hora.IVao espera acontecer"

(Prd Nilo lHzer que Nilo Falei de Flores - r;era!do vandni)

18 MacieL L C. Anos 60. Porto Akgn:', 1.& PM, 198"7,p. 7.19 PCB (Partido Cornunim Brasil",·iro),clandestino Jesck os anos 10, e JUC(Juventude Universitária

Católica), que, fXlsteriormenre, se or~ como AP IAção Popular), enmo!! doisgrancJcs territórios

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Se antes de 64, com os CPCs fundados em várias faculdades devários estados e uma série de outros movimentos, há uma intensa difusãode toda essa "postura participante e conscientizadora", no período quevai do golpe de 64 até o Ato Institucional nº S, em dezembro de 68, vê-se um outro quadro.

Aditadura militar, então instaurada, caracteriza-se pela fórte con-centração de poder no executivo federal, e é utilizada para resolver ascontradições no plano econõmico que o impasse político tinha agravado.Os trabalhadores assalariados são sileociados e perdem o direito debarganhar coletivamente aumento de salários; suas prerrogativas políticassão retiradas; seus sindicatos, sob intervenção, são colocados sob ocontrole ainda mais rígido do Ministério do Trabalho. As LigasCamponesas são dissolvidas e seus líderes perseguidos, presos, tortu-rados e, muitos, ass<L'5sinados.

Um dos efeitos do golpe militar, não obstante as centenas decassações, prisões e torturas - com relação à produção da época, numprimeiro momento -, nào é o impedinlento da Circulaçãoelasproduçõesteóricas e culturais da esquerda'l Ao contrário", apesar da ditadura, háuma hegemonia cultural da esquerda, que é o traço mai, visível destepanoranu brasileiro de 64 a 69. Entretanto, a circulação de tai, idéias étotalmente bloqueada às classes populares. Passa a se realizar num

"...circuito nitidamente integrado ao sistema - teatro, cinema.disco e a ser consumido por um público já "convertido" de int~electuais e estudantes de classe média. Os espetáculos são verda~deiros rneetings onde a "intelligentzia" renova entre seus paressuas inclinações populares, an/i~imperialistas, socialistas erevolucionárias"n.

É o circuito do espetáculo que passa a funcionar: o show Opinião- estreado em dezembro de 64 com Nara Leão, João do Vale e Zé Keti-leva, até agosto de 6Sno Rio de Janeiro, mais de 100 mil pessoas a seemocionar com o ainda ideário nacionalista-populista.

de militância entre os universitários na época.2IJ Maciel, L.c. Op. cit., p. 9.21 Hollanda, H.B. Op. clt-.22 Schwarz, R. Cultura e Política, 1964-1969. In: O Pai de Familia e Outros Estudos. Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1978.23 Hollanda, H.B. Op. clt., p. 33.

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"Lembro-me de ter assistido várias vezes ao "show", de pé. arrepi-ada de emoçàó cí/..-'ica,Era um rito coletivo, um programa festivo,uma açdo entre amigos A platéia fechava com o palco Umencontro ritual ( .. ) sintonízados secretamente com ofracasso de64, vilJido como um incidente passageiro, um erro inJormulado ecorrigíuel. uma falência ocasional cuja consciência o ritosupetava" lA.

Em I96S, em São Paulo, é a vez de Arena Canta Zumbi, commúsicas de Edu Lobo e organizado por Gianfrancesco Guarnieri eAugusto Boal. Apartir dos festivaisde MúsicaPopular Brasileira, iniciadosem 6S e 66 pela TV Record, multiplicam-se os diferentes festivais eshows em circuitos universitários". Os novos compositores que daisurgem trazem, de um modo geral,

uma tendência participante, na esteira do engajamentopopular· a canção de protesto. Inclinada para uma temáticaexplicitamente de denuncia social, a canção de protesto procuraatuar como catalisadora polítíca de setores da classe média,especialmente entre os estudante" ( ... ). Nos debates que se travamsobre a música popular, o "engajamento" ainda dá o tom e seusparâmetros são obviamente políticos. Discute~se a necessidadede se presenJar a "autêntíca" musica popular brasileira, de man-tê~1aem sua ''Pureza'' popular, longe da invasão do imperialismo,do "rock" e das guitarras elétricas'i'b.

Um dos representantes desta "autêntica" música popular brasileiraé o programa da TV Record O Fino da Bossa, com Eli, Regina e JairRodrigues, que lota os auditórios onde é apresentado.

Apesar do consentimento, do controle que exi,te em todas asproduções musicai, e literárias da época, há o perigo de se produziremterritórios singulares. Certas subjetividades podem se tornar singulares,pela negação aos instituídos, pelos novos encontros que podempropiciar, tendo em vista, principalmente, os talentos que começam asurgir na música popular brasileira. Em 1967, é lançado o programa AJovem Guarda, com Erasmo e Roberto Carlos, cuja pretensão é aprodução de outras subjetividades. O engajamento político é eliminado

24 Idem. p. W-2'5 Toda uma geração de músicos, poetas e cantores revela~se nestes festivais, como Chico Buarque

de Hollanda, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto. G-alCosta, Maria Bethânia,EUsRegina, Milton Nascimento, Geraldo Vandré, GonzaguinI1n.. Ivan lins e muitos outros.

2fJ Hollanda, H.B Op. dL, pp. 4'5 e 46.

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c ignorado. O rock, as guitarras elétricas e o w-íê-íêsão potencializadosJO lado das famosa..')versões norte-americanas.

"A burguesia busca novos padrõés, adequados ã modernizaçãoem processo, e a produção que tenta responder a essa nl?Ces-sidade dá margem a toda sorte de "cafonices" O pai..•está tomadopelo proIJincianismo e pela modernização A indústria culturalpassa a ocupar um lugar importante, definindo novos costumese padrões de comporlamento"ZI.

E efetivamente isso ocorre, pai') a "Jovem Guarda" ganha espaçosna mídia e repercute, como até hoje, principalmente, entre a juventudenão-universitária de classe popular e as donas-de-casa-de-c1asse-média.

"A mídia está sendo palco de uma lJerdadeira guerra civil· oteatro, o cinema, a televi'ião, a imprensa, as cançoes, os ensaiosC.') expõem seus argumentos como quem desembainha suasarmas na iminência de um duelo" 28,

Nesta segunda metade da década de 60, fortalece-se o chamadoCinema Novo, dentro ainda do mito do nacionali,mo-populista.

Muitos cineastas que introduzem uma nova linguagem no cine-ma brasileiro tinham vindo do CPC, como Cacá Dieg-ues, Arnaldo Jabor,Joaquim Pedro de Andrade. A eles se junta, dentre outros, GlauberRocha, que - apesar das marcas elo período anterior - consegue fazerverdadeiras obras de arte com seus Illmes: Deus e o Diabo na Terrado Sol, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, Terra emTranse e outros. Uma das principais características deste "cinema novo"é a palavra passar a ser tematizada como questão central e o grandenúmero de adaptações de obras literárias29 Substituindo as chancha-das da Atlântida, com Oscarito e Grande Otelo, tão ao gosto da classemédia dos anos 50, o Cinema Novo vem na esteira de O Pagador dePromessas;o, com sua preocupação por temas sociais, inaugurandouma nova linguagem na cinematografia brasileira.

O público de todos esses espetáculos, uma juventude de classemédia, principalmente da Zona Sul elo Rio de Janeiro, faz parte do que

27 Idem, p. 46.28 Rolnik, S.Cartografia Sentimental. São Paulo, Estação liberdade, 1989)p, 183.2f) Hollanda, H.R Op. cito30 O Pagado!' de Promessa'i, dirigido por Anselmo Duarte e adaptacL:l de uma peça de Dias Gomes,

ganhou em 1961 a Palma de Ouro no Festival de Cannes,

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se convencionou chamar a "esquerda festiva" ou "geração Paissandu". Équase quc um rito assi'tir-se aos filmes de Goddard, Truffaut, Bufiuel edesvendar-se nos bares o hermeli,mo de tai, obras.

"Ainda que pareça ambígua a nomeação de uma esquerda fes-tiva ~ num momento em que a grat't' derrota política anteriornão poderia ser motivo para festas - ou, ainda, o fato des.sa es-querda deslocar-se para porta.r:;de cinema da moda (Paíssandu),e importante uer que essa ambigüidade traduz a própria novi-dade dessa nova geraçdo que irá marcar o período: a festa é amarca de uma crítica ao tom grave e nobre da prática e dodir:;cursoque caracterizava e definia a ação cultural da geraçãoanterior. () principio da festa, e sua identificação como subver-são, provavelmente não estava sendo percebido quando a "velhaesquerda" ortodoxa Julgava de forma pljorativa a prática da"nova esquerda" que seformava. Ajà/ta de acuidade em percebero conteUdo de ambigüidade que une os termos esquerda + festi-va éfatal, poir:;o dir:;cursocritico produzido poressa nova geraçãoirá constituir-se e.'t;atamente sob o signo da ambigüidade. Trata-

se de uma esquerda que passará a criticar o discurso reformistae nacionali.çta do PC, absorvendo informações do processo deguerrilha revolucionária latino-americana e dos nwvimentosjovens que marcam as inquietações política.r:;em diversos paíseçdo ocidente e do leste na segunda metade dos anos 60" ~1

Está se formando a geração de 68 que terá, por um lado, umaforte influência das chamadas teorias foquistas sobre a revolução e,por outro, do tnovimento contracultural.

"É nesse clima que um novo grupo de jovens artistas começa aexpressar sua inquietação_ Desconfiando dos mitos nacionalísta.çe do discurso müitante do popultsmo, percebendo os impasses doprocesso cultural hrasileiro e recebendo informações dos

movimentos culturais e políticos da juventude que explodem nosEUA e na Europa - os hippies, o cinema de C'raddard, os Beatles,a canção de Bob Dy/an - esse grupo passa a desempenhar umpapel fundamental não só para a mUstca popular, mas paratoda a produção da época, com conseqüências que vêm até n05-.msdias"32. .

É o movimento tropicalista, que marca uma ruptura com o di,cursodo engajamento, que recupera a festa e a alegria da esquerda contra a

~l Hollanda, H.B. Op_dt, p, 37:52 Idem, p. 46.

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sisudez dos "ortodoxos" e dá o pulo do gato em relação ao rock, ao iê-iê-tê, às guitarras elétricas e à mídia, Mostram os "novos baianos" quetudo isso pode ser politizado, pode produzir também singularidades enão somente subjetividades dominantes. Para muitos, o tropicali,mo,herdeiro de Oswald de Andrade e do movin1ento antropofágico emodernista de 1922, trava com as canções de protesto uma verdadeiraguerra de interpretações, tendo como pano de fundo as duas visões deBrasil e de mundo presentes na esquerda:

"... de um lado, a visão trágíca dos antropofágíco~tropicalistas e

suas linha.<;misturadas de história e geografia e, do outro, avisão épico-dramática e nacional-popular dos revolucionários esua linha da história"3'3.

o tropicalismo irrompe em cena, dessacralizando tanto as can-ções de protesto como o iê-iê-tê da "jovem guarda" c, com seu conte-údo ao mesmo tempo alegre e agressivo, descobre o poder dos impul-sos festivos e eróticos.

1'\0 entanto, apesar de o tropicalismo ser uma novidade em rela-,ão ao modo tradicional de a esquerda fazer politica, e a geração de68, embora ambiguamente, tentar romper com esta forma "ortodoxa",tlluitos estudantes não conseguenl, na época, perceber a ruptura que ou'opicali..":iffio traz.

"Recusando o discurso populista, desconfiando dos projetos detomada de poder, valorizando a ocupação dos canai.~ de massa,a construçào literária das letras, a técnica, o fragmentárúJ. oalegórico e a critica de comportamento, o tropkalismo é a expres-são de uma crLw (.,.l, uma opçiio estética onde o comportamentopassa a ser elemento crítico, suhvenendo a ordem mesma docotidiano":)4 .

Por isso, tem um claro sentido de combate, não xenófobo, comuma linguagem marginal, não oficial, o que se torna extremamentepolêmico dentro da esquerda.

"É uma linguagem de margem porque se expõe às critica." tantoda direita quanto da esquerda, propondo um choque que vai muitoalêm do modismo ou da menoridade de roupas e comportamento "35.

:33 Rolnik, S. Op. cit., p. 110.54 Hollancla, H. B. Op. cit., p.)2.

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omovimento tropicalista, conlO atitude, expande-se para () teatro,as artes plásticas e o cinema. Em 1967, há o lançamento de O Rei daVela (Oswald de Andrade/José Celso Martinez Correa) pelo grupoOf1cina. I'\as artes plásticas, I lélio Oiticica, com o Happening Tropica-lista, e no cinema Glauber Rodla, com sua Terra em Transe, desenhamo perftl de uma inteleetualidade não assumida pelo discurso oficial, pelassubjetividades dominantes.

Ainda em principios de 1968, há o lançamento, no Rio de Janeiro,de Roda Viva (Chico Buarque/José Celso Martinez Correa) trazendo

a proposta de um teatro corrosivo decidido a enfrentar precon-ceitos e a retirar o espectador de seu papel passivo e consulnidor" 36.

Nunca se leu tanto como nesses anos. Há, em I968, um verdadeirolJoom editorial, e tanto Marx. Mao, Guevara, DebraYJ Lukács, C,ramsci,como Marcuse e Norman Mailer são devorados. Uma das manias doano é "... a leitura dinâmica, um revolucionário método que, dizia apropaganda, ensina a decuplicar a velocidade da leitura"". A revistaCivilização Brasileira de 6'; a 69 é o pólo de concentração (la inteleetua-lidade de esquerda e ali se travam debates entre o que se convencionachamar de esquerda rcformL,ta (]'CB) e a esquerda revolucionária (asprimeiras dissidências então criadas). Dai seu grande sucesso. Figllfascomo Walter Benjamim, LouL,Althusser, Eric Hobsbawm, Ferreira Guliar,Paulo FrancL5, Fernando Henrique Cardoso, Carlos Nelson Coutinho,Leandro Konder, 1\elson Werneck Sodré e Illuitos outros autoresnacionais e estrangeiros desfilam por suas páginas.

Todos esses fatos vão engrossar o caldo de cultura que irá explo-dir em 6il.

A geração de 6il, que é produzida junto com o movimentotropicali'5ta, traz, portanto, a marca dos movimentos contraculturai.o;;,quando há a possibilidade de se fazer uma série de sincretismos e demi'5turas. Abandonam-se 0$ antigos modos de vestir, de falar, de morar,de comer. Cabelos longos, roupas coloridas, a recusa de padrões debom comportamento c, adicionada a tudo l..'5S0,

:3') Bueno, A.l.i. Pá"lsaro de Fogo no Ten:clro Mundo. Tese de Doutorado - UFRJ, 19fi:, p. n36 ReiS Filho, DA 1968: A lItopla de uma Paixão. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 19&3,p. 20,

dtandoJosé Celso Martine7. Correa.37 Ventura, Z, 1968: oAno que Não Tenninuu. Rio de JJ.neiro, Nova Fron~ira, 1988, p. SS.

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" uma juventude que se acredi/a política e acha que tudo devese submeter ao político' o amor, o sexo, a cultura, o compor-tamento (,,). É difícil ser indiferente nesses tempos apaixona-dos. Também bá mui/o o que diKldir, DL"cuf(>-senas UnilX!r-sidades; nas Assembléias, nas passeatas, nos hares, nas praias: aaltura das saias, o caráter socialLçta da n>voluçào hrasileira, otamanho dos cabelos, os ~feitos da pl1ula anticoncepcional, asteorias inouadora .• de Marcuse, as idéias de Lukâcs. o revi.oo-ni.çmo de Althusser, Os temas sao infindáveis, tanto quanto aduração dos dehates Mai..•do que dÍS(;utir, torce-se.-/Jela l1tóriados IJietcongs, a fallOr ou contra a" gutlarras elétricas na MPB,por Chico ou Caetano, pela participaçâo poli/ica dos padres e,claro, contra a diJadura" 38

Os estudantes, en1 sua 1l1aioriauniversitários, nos anos 66, 67 einício de 68, reivindicam mais verbas para as escolas e universidades,maior participaçào nos órgàos de decisào, lutas que vinham desde oinício dos 60 e que o golpe de 64 fez arrefecer um pouco. Em 1966,inicia-se, nas universidades públicas, o movimento dos "excedentes".Os estudantes, inconformados com a falta de vagas. que os deixa defora, apesar de aprovados, em 1968começam a ocupar alguns espaçosuniversitários.

O assassinato do secundarista Edson Luiz, no Calabouço, no Riode janeiro, em março de 68, é a faisca que laltava a um monte de palhaseca. Seu enterro e as mL~sasde sétimo dia transfonnam-se en1 verda-deiros atos cívicos contí.! a ditadura, e registram-se os priIneiros choquesviolentos com a policia. Ficam célebres a.s fotos da cavalaria da policiamilitar atacando as pessoa.s que saem da missa de sétimo dia de Edson,na Igreja da Candelária, no Rio de janeiro.

N,js meses seguintes, alastram-se, nas principais cidades do país,as manifestaçôes estudantis. De junho a agosto, a reitoria da USP, aFaculdade de Filosofia, a Clinicade Psicologia e o CRlISPsào ocupadospelos estudantes. Se antes de 64 o movirnemo estudantil reivindica aparticipaçào de 1/3 dos estudantes nos órgàos de decisão das Univer-sidades, 1968 radicaliza tal reivindicaçào, sendo marcado pela partiei-paçào paritária ('í0% de alunos e 'í0% de professores l. Discute-se are!c)rmulaçào dos curriculos nas Assembléias paritárias. Na USP,ondemuitos espaços são ocupados pelos estudantes, os discussões se es-

38 Idem,p. 7').

t4

tendem até o final de 68, quando há a decretação do AI-'í e a invasào dalJniversidade pelo Exército.

En1todos esses movimentos, vê-se a divisJ.o dos professores: deum lado aqueles que apóiam os estudantes. de outro os que os repu-dian1,achando uma petulância, uma ousadia, Ulll horror os dehates emtermos de igualdade sobre problemas curriculares, pedagógicos, etc''.Abre-se, em 68, o que antes do Golpe a juventude universitária aindanào havia conseguido: o questionan1ento elas relaçôes verticais eautoritárias entre professores e alunos.

No Rio de janeiro, a policia invade uma assembléia na lJFRj,quando os estudantes revidam com paus e pedras em meio a nuvensde gás lacrimogêneo, tiros c bombas de efeito moral. Também a T Ini-versidade de Brasilia é invadida pela policia. Manifestaçôes se realizamem Fortaleza, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife c C;oiânia. Estàosendo criadas as condiçôes para a Passeata dos Cem Mil, realizada noRio de janeiro, no mesmo junho de 68, ocasião em que é formada umacOlnissàopara dialogar C0111o Governo Costa e Silva,reunindo represen-tantes dos estudantes, dos profissionais liberais. dos professores, dosreligiosos e das màes dos estudantes. A principal reivindicação, a libe-raçJ.o dos presos eU1passeatas anteriores é- recusada pelo governo e asconversaçôes são rOlnpidas,

Em outubro, há o célebre congresso clandestino da lJNE emIbiúna, Sào Paulo, "estourado" pela policia, quando cerca de 700 lideresestudantis são presos. O movimento entra em refluxo, pois qualquermanifestaçào de protesto organizada é respondida a bala pela polícia.que não hesita em invadir igrejas c hospitais, Estas açôes provocan1desânimo e medo em vez de indignaçào.

"A insistência em ri?Sponder na" ruas a cada desafio conduzapenas ao isolamento de algumas centena, de estudantes qu('jánão são acompanhados m...,n tne:,'"1nO pelos próprios colegas. ()

reflt4"<oconsolida-se. O mouimento mais amplo perde o lolego. Énecessário inventar nova<;fonnas de luta e organizaçào" 4Q.

Polarizam-se as diferentes posiçôes das esquerd'Ls, de um lado

19 Sobre o assunto, ver alguns depoimentos comidos em Botelho, E.Z.F. Os Fios da História:Reconstroção da IUstórla da Psicologia Clinlca da Universidade de São Paulo Tese deDoutorado - USP, 1989.

40 Reis Fi1ho,D.A. Op. dt.. pp. 18 lO' 19.

IS

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uma linha propondo o enfrentamento; de outro, o PC pregando aacumulação de forças. A derrota de 64 mostra que não há, agora, muitotempo a perder, e os textos de Mao, os exemplos de Ho Chi Min,Guevara e Régis Debray apontam para a luta armada.

"Por outro lado, além da critica ao popu/i.'itnO e ao PC r€forçadapelo surgimento de alternativas como a cubana, a conjunturapolítica ajuda a acender a imagfnaçdo revolucionária: o desgastedo governo milüar e crescente, não aparecera ainda o "milagrebrasileiro",- é a recessão e uma grande descrença toma conta dajuventude em relaçiio aos partidos políticos legais: o MDB e aARENA, chamados de partidos do Sim e do Sim Senhor"41,

Aspróprias greves operárias de 1968,em Contagem e em Osasco,com a ocupação de algumas empresas pelos trabalhadores, apontam,segundo muitas leituras da época, para o enfrentamento com o regime.É desse período o surgimento de várias organizações clandestinas que,de diferentes formas, pregam do entrentamento até a luta armada con-tra a ditadura: o PCBR, a ALN,o MR-8e a VPR", dentre outras, Muitasjá começam a estruturar seus próprios grupos armado,,;; e out.Ia.-o;;;deslocam

alguns de seus quadros para o campo (na preparação da guerrilharural) e para as fábricas.

Ao lado disso, a repressão age em 1968 de forma cada vez maisviolenta, sendo um dos seus aspectos rnais agressivos os grupos para-militares. "Bombas em teatros do Rio c São Paulo, em editoras, jornais,espaços culturais, faculdades (...);seqüestros e espancamentos de artistase estudantes"". A peça Roda Viva é proibida em todo o territórionacional pela Polícia Federal como um show depravado. É denunciadono próprio Parlalnento o envolvitnento e utilizaçào de uma tropa deelite da Aeronáutica (o PARA-SAR)na prática elemissões criminosas. O

4.1 Ventura, Z. Op. cit., p. 66.42 O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), dissidência do PeS, surgiu em abril de

1968, com Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e outro.<;.A Ação LibertadoraNacional (ALNl lambem nasceu de uma dissicIencia do peR, em 1968, com Carlos M:uighella. OMovimenro Revolucioniria Rde Outubro (MR-8)originou--se da chanuch Dissidência da Guanabarado peB, em 1960. sendo muito forlo;> entre os estudantes cb. época A Vanguarda PopularRevolucionária (VPR) foi criada <-'m1967,-, mai,s tarde teve' a adesão de Carlo.<'Lam:uc:l. Sobre asdiferentes organizaçóes ciandestinas de esquerda existentes no Brasil nos fin.sde 60 e início de 70ver: Arquidiocese de São Paulo. Perfil dos Atingidos. Rio de Janeiro, Vozes, 1988 e Reis Filho,D.A. A Revolução Faltou ao Encontro. São Paulo, l-irasilieme, 1990.

15 Reis Filho, D.A. 1')6S: A Utopia de nma Paixão, Op. cit., p. 30.

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I Ministro da Aeronáutica desmente, mas vanos oficiais do PARA-SARconfirmam, sendo presos e afastados de sllas funções.

Está armada a cena para o golpe de misericórdia, o golpe dentrodo golpe, o Ato Institucional nº 'i, de I3 de dezembro ele 1968, quefecha a década de 60, trazendo para o palco os terríveis e inesquecíveisanos 70.

O Governo Militar,ao contrário do que muitos afirmam, não estáacuado, mas mantém-se na ofensiva e precisa elo AI-'i para levar até àsúltimas conseqüências seu modelo de desenvolvilnento econômico esociaL "Suportamos seus efeitos até hoje. E as suas conseqüências seprolongarão mais ainda"". Apartir elaí, o regime mílitar consolida a suaforma mais brutal de atuação através ele uma série elemedidas como ofortalecimento do aparato repressivo, com base na Doutrina deSegurança NacionaL Desta forma, está garantido o elesenvolvimentoeconômico com a crescente internacionalização da economia brasileirae a devida elinúnação elas "oposições internas". Silencia-se e massacra-se toda e qualquer pessoa que ousa levantar a voz.

11 - Os ANos DA INSrrruOONAllZAÇÃO

"Aqui o terceiro mundoPede a hençdo e vai dormirEntre cascatas, palmeiras,Araçá.~ e bananeirasAo canto do juritiAqui meu pânico e glóriaAqui meu laço e cadeiaConheço bem minha históriaC01neça na lua cheia

E termina antes do fimAqui é o fim do mundo

Aqui é o fim do mundoOu lá"

CJfargirrAlia 11 - Torquato Netoe Gilberto Gil)

Ageração de 68 no Brasil,que recebeu as inspirações de diferentesacontecimentos internacionais, entra nos anos 70 mantendo sua resis-

44 Idem, p. 32,

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tência sob duas lemnas: de um lado, as I"rtes mensagens ,las vitórias elasguerrilhas vietnamitas, e mesmo a derrota de Che Guevara na Bolívia,ll11pulsionam muitos no Brasil a "criar um, dois, três, muitos Vietnãs".Por outro lado, a inlluência hljJjJlé, seus costumes e atitudes (cabelos ebarbas cOlnpriclos, roupas coloridas e a itnagem de selvagens), expe-riências com drogas, contesLa~'ão do consumisnlo, da tradicional orga-nização fanilliar e sexual, fascinanl muitos jovens.

A resistência no início da década de 70, no Brasil, navew.l poresses dois fenômenos: a luta armada contra a ditadura c os movimentos

de contracultura. Todavia, para a sociedade brasileira ctn geral há umdesinteresse pelas diferentes [onnas de pal1icipaçào e questionamentosocial. Diferentclnenle da década anterior - na qual os movimentossociais com patticipaçào I1lassiva colocaram cm evidência o instituinte- o início dos anos 70, no Brasil e em todo mundo. mostra um ref'luxodos lemas antes tão inllamadamcnte debatidos.

Os acontecimentos de 68 no B"L,il não lóram pontuais ou L,olados:em todo o mundo, na etapa sob () signo pós-6R, () Estado aprende a sef"rw1cccr graças às debilidades dessas lulas anti-institucionaL,.

G. Lapassade propô c uma interpretaç1o; esta cri..~cdo capitalL'imoalcan~a agora as instituiçôcs clJlturaL~,c a fase vivida na década de 70é a da ins(itucionaliza~~à()_Tal momento é situado no contexto hi'itóricoda vitória eSlnag3c1oL'3cio capitalL'imo monopolista, em que tudo tendea ser institucionalizado.

Em 197:\, R. LOUfOU fala do "efeito MülJ.mann", que consL'te emfazer possível a institucionalizaçào de movimentos instituintes, a cap-tur3 de processos de singulari'l.ação. As forças sociais, até então mar-ginai'i ou minoritárias, passam a ser reconhecidas pelo conjunto elasfor~:as sociaL') instituídas. As forças dominantes aceitam o instituinte, asinguiariza,'ão, para poder integrá-los, tornã-Ios equivalentes às formasjá existentes: anulá-los ao reconhecê-los,

Este é o grande risco que, na primeira metade dos anos 70, secoloca para os movimentos de resistência no Brasil. Os militantes liga-dos à luta armada s~10aniquilados, massacrados e o movimento COI1-

trJ.cultural, gradativamente, vai sendo integrJdo, anulado, E novas subje-tividades hegcmônicas V:l.O sendo produzidas.

Entretanto, apesar de tudo isso, nOV~l<';resistências, outros processos

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I de singularizaçào vão sendo gestados subterraneamente, ainda nosprimeiros anos da década ele 70.

1 - O TERRORISMO DE ESTADO

"Pai, ajàsta de mim es..<;ecálice,Pai. afasta de mim esse cálice,Pai, afa.<;tade mim esse cálice,De pinho tinto de .winKue

Como heher dessa behida amarga,Tragar a d01; engolir a lahuta,Mesmo calada a boca, resta ()peito,Sik"J-nciona cidade não se escuta

De que me sen.y' ser filho da ..•anta,.~1elbor."(-'11a s(7fil/)o da outra,Outra realidade lYU'110S1rI00ta,Tanta lYU'11tíra, tanta força bruta·

rCdtice - (,iII)(>r/o (aI eChim HlItlrque)

Cobre-se a América Latina dc pesada, nuvens. Em 197:\, hã osgolpcs no Chile c no I iruguai; em 76 é a vez ela Argentina. Sangrentasc cruéis ditadura") militares se impôem, aniquil3ndo, Cl11 nome da "segu-rança nacion~d" e do "desenvolvimento econc)Jnico"J qualquer força,popular ou nào, organizada ou não, Instal3-se no continente a Doutrinaele Seguran"" Nacional, que estabelece que, para a 'segurança do regi-me", não se podem tolerar os '·a.ntagonL'imos internos". 'roda c qualqueroposi,'ão que possa abalar a "segurança do Estado" é considerada Cfj-

me e, como tal, é punida. Tal doutrina prevalece sobre todas as leis, atésobre a Constituiçào Federal, alcan\-'ando os diferentes campos da vidasocial, política. econômica, trabalhista, criminal, ed~lcaci()nal. etc.

Em 1968, é a ditadura sem c1L,farecs.O AI-~ coloca o Congressoem recesso e.

'_._em seguida, ocon'e o mesmo com as AssemlJtéias l.egislativas daGuanabara, SeioPau/o, Goiás, Rio dejaneiro, Pernamhuco e cominum.eras Câmaras de Vereadore.s em todo o país Cw.saçoes de

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mandatos parlamentares ceifam mais 69 membros do CongressoNacional, e é também cassado Carlos Lacerda, um dos pn'ncípaisartffices do golpe müitar (.,J A resultante de todo esse caudal ( .. je a paralíçaçdo quase completa da atividade fxJpular de denúncia,resiçfência e reiuindicaçôes, restando quase que uma unica formade atuaçdo: a clandestina e/ou armada. Isso por sua vez e apon-tado pelos círculos mais extremados das Forças Armadas, inti-mamente vinculados aos órgàos que se ooltam para as prisões,interrogatórios e torturas, como justificativa para que permane-cessem em vigência (. ..) todas as medidas coibídoras daç liber-dades democráticas" 4~.

A repressão se soflStica. No Brasil, desele junho ele 64 (três mesesapós o golpe), é criaelo o Serviço Nacional de Informações, conectando-se com os governos dos estados, empresas privadas e aclininistraçõesmunicipais. É no transcorrer elo Governo Médici" que as funções eprerrogativas do SNI aumentam significativamente e se elá sua milita-rização. De 1968 em eliante, cresce, ao ponto de se transformar naquarta força armaela, embora não uniformizada". É o órgão da repressãomais importante elentro e fora elo Brasil, tendo uma agência em cadaMinL~tério, empresa estatal e Universidade.

"O SN! brasileiro alcançou um grau extraordinário de prerroga-tivas legalmente sancionadas e de autonomia burocrática, semparalelo (nas demais dt/aduras militares latino-amencanas),,(B,

tanto que todos os generais presidentes, antes de assumirem oexecutivo, estiveram de alguma forma ligados a este Órgão.

De 1967 a 1972, criam-se inúmeros outros aparellios repressivos.Em 67, é organizado o Centro de Informaç,ões elo Exército (elE), queresponde diretamente ao Ministério do Exército. Em 1970, a Aeronáuticaestrutura seu serviço ele inteligência, criando o CISA,com funcionamentosimilar ao ClE. E, por fim, a Marinha organiza o CENIMAR.

Em São Paulo, emerge em 1968 uma força unificada antiguerrilhaque recebe financiamentos privados e públicos: a Operaçào Banelei-

45 Arquidiocese de São Paulo. Projeto BrasD Nunca Mais - O Regime Milltar, tomo I. São Paulo,

1985,p.32

46 O terceiro governo militar, do general Emilio Garrastazu Médici, foi de 1969 até 1974.47 Para um estudo sobre os aparatos de repressão no Brasil, nos anos 70, consultar: Stephan, A. Os

Militares: Da Abertura à Nova RepúbUca. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986 e Arquidiocese de

São Paulo. Brasil Nunca Mais. Rio de Janeiro. Vozes, 1985.48 Stephan, A. Op. cit., p. 36.

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rante (OBAN). No começo dos anos 70, a OBA]\' se institucionaliza comoDOI/CODI-SP (Destacamento de Operações e Informaçôes/Centro deOperaçôes de Defesa Interna), ficando sob a jurL~dição do ComandoRegional do Exército. Em cada região nulitar elo país, estruturam-se osDOI/COm s, o que significa uma integração maior entre 0s organismosrepressivos já exL~lenles,ligados às três armas, ã Polícia federal, às PolíciasEstaduais, ao DOPS, às Polícias Militares, aos Corpos de Bombeiros, nosentielo ele "meU1orar" a eficiência ela repressào. Os DOI-CODI's pa$sama dispor do comando efetivo sobre todos os órgãos de segurançaexistentes numa determinada região militar. Tais são seus poderes eforça que, no início dos anos 70, chega-se a falar da exL~tência ele umverdadeiro Estado dentro do Estado.

Acrescentem-se a toelo este aparato repressivo olkiaI os gruposparamilitares, também alimentados com financiamentos privados epliblicos e o fortalecimento dos chamados Esquadrôes ela Morte. Estes,surgidos no Rio de Janeiro c em São Paulo, eleseleos anos ~O,fortalecem-se graebtivamente durante todo o períoelo ditatorial. Principalinentenos anos 70, os Esquadrões ela Morte são utilizados como in..,trumentos- segundo as infoflnaçôes veicul3das pela mídia - para "diminuír osindices de criminal idade" entre as populaçôes marginalizadas dasperiferias das grandes cidades. Ligam-se também à polícia política,Jazendo parte do chamado "sL~tctnade segurança". Tanto no Rio quantoem São Paulo, os "líderes" dos Esquadrões da Morte, ao fazerem partedo aparelho repressivo, como OBAN, DOI-CODI/SP e DOI-CODI!R),transtnutam-se em heróis nacionais, intocáveis pela Justiça. Os que sedL"pôem a apontar os violentos crimes por eles cometidos passanl aser identificados con10 "inimigos do regime" c tratados como tal. Sãoesses ES'luadrôes da Morte que inspi,drn nos anos 80 e 90 os famosos"grupos de extermínio", que continuam atuando impunemente contra asparcelas maL.••pobres da população, pregando ostensivamente ainstitucionalizaçào da pena de 1l1orte9.

"Qualquer denuncia sobre esses crimes é pronta"u~te desttu"11U-

da. censurada na imprensa e. muitas vezes, acarreta problemaspara os denunciantes A ação dos organismos repre..'isil.'Osconta

49 Sohre o assunto, ver: Bicudo, H_P.Meu DepOimento sobre o Esqua.dião da Morte. São Paulo,Comissão clt:Justiça e Paz, 1076. Princípios de Justiça c paz: Pena de Morte. São Paulo,Comissão de Justiça e Paz, lQt)j

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com total impunidade e acobertamento ate tnesmo de detenninadosdi..positivo.." legai~ "';ú.

:'oJestecampo fértil, a tortura passa a ser prática "COll1U1l1"e oncial,e este terrOrislTIOde Estado dissemina o terror en1 toda a sociedadebrasileira. Além de obter informações, fragilizar e pulverizar os opositoresdo regul1e, a tortura cumpre, como dispositivo social, uma função:produz subjetividades. Pelo medo, cala a sociedade, leva a um torporsocial, a uma cumplicidade.

A ditadura mj)jtar brasileira exporta krlOw-how de tortura para asdemais ditaduras latino-americanas. A partir de 1972, tais técnicas sãocada vez mais sofisticadas e surge a instituição do "desaparecido político",produzida pela repressão no Brasil. Instituição macabra, pois é umaforma de continuar a tortura sobre os familiares que até hoje procuramseus "desaparecidos". Em 1990, em toda a América Latina, chega-se ãcifra de 90.000 desaparecidos políticos.

Não é por acaso que esta época em que mais se tortura, mais seperseguem opositores, nlais se seqüestra, n1ais se a..'iSassina,é talnbéma época do "miIagrc brasileiro", quando se vende a imagem da "ilha detranqüilidade", de "progresso", de "bem-estar", de "euforia", tanto internacomo externamente. Há uma produção massiva de subjetividadescoletivas, o que mostra as dificuldades, neste período. de se recusar oumesmo questionar a ordem social que está sendo produzida. fortalecidae imposta.

2 - E COMO NÓS, ClASSE MÉDIA, REAGIMOS A ISSO••.

"Eu devia estar contentePorque tenho um empregoSou o dito cidadão respeitadoE ganho quatro mil cruzeiros por" mêsEu devia agradecer ao SenhorPor ter tido sucesso na uida como artistaEu devia estar feliz porqueConsegui comprar um Corcel 73

9) Arquidiocese de São Paulo. Projeto Brasil Nunca Mais. Op. cit., p. 34.

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Jj,'udeuia estar aJegt'e e satif/eito

Por morar em lpanemaIJepoL, de ter passado fome por dois anosAqui na Cidade Marat.'Ílhosa

nu de/'Ía estar sorrindo I! orgulhosoPor' te,' fil1abru71te uencido na "idaMa., eu acbo i.çto uma grande piadaE um tanto ou quanto perigosa

Por" que foi tão fácil conçeguirE agom eu me pergU11lo e dai .~

Eu tenbo uma porçào dl' coisas grandesPn1 conquistar, eu nào posso.ficar ai parado

()uro de Tolo _Rutl/Seí.xa."t1.

A "ilha de tranqüilidade" é um lugar extremamente atraente parao capi131monopolisl3 internacional. Com isso, o Brasil passa a participarele [()rma mai." intensa no comércio lllundial, graças 3. conquista deuma nova posição na divi,ào internacional do tr,l1Jalho: a de exportadorde produtos industrializados, ou seja, há ..... UIl1.:l crescente interna-cionalizarão da economia br:::tsileira"~2.Vive-se unl clima de ufani.c;mo,com a constru\'3.0 de obr.ls f:1ra6nicas, enquanto a classe média,aproveitando-se das sobras econôtnicas do "milagre", vai alegrementeconsumindo todo tipo de coisas, de bens. A Zuna Sul du RlO de Janeiropassa" ser o local preferido para se morar, nàu pelas facilidades ecomodidades que uferece, mas pelu status, aspectu importante nosprojetos de ascensão desta classe Illédia urbana"3. Ao sonI do pregãodas Bolsas de Valores e do slogarl "Brasil: ame-o ou deixe-o", aascendente classe média vive momentos inesquecíveis ele consumismocom a "lnodernização", levada ao ritnIo de "Brasil Grande".

A censura torna -se feroz e violentíssil1la, dificultando e inIpec1incloqualquer circulação e manifestação de c:::tráterunI pouco nlai,;;;crítico.

"A televisão passa a alcançar um nível de eficiência internacional,

')1 Música W:lv:J.chem 1973 quando ainda S~sentem os cfêmero~ deitas do "milagre brasileiro" sobre

as camad:t-'_medias urbana.,~.')2 Si.oger, P. ~AInterpretação do B'J.sil: lJou Experiência Histórica de Desenvolvimemo".ln: Fausto,

B. (Urg.) O Brasil Republkano. Sia Paulo, Difd, [<)8'),vo1. 4, capo IV, 210-24')')5 Sobre illllO, ver o e:studo de Velho, l1. Utupia limaria: 1JmEstudo de AntropologiaSocla1. Rio

ele'jaoeiro,jorge Zahar, j()89.

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fornecendo valores e padrôes para um país que uaíprá frente'''. ATVpassa a ser um dos bens mai, estimados não somente pela classe média:expande-se também como valor fundamental para as classes mai,empobrecidas da populaçào. Nos horários de novela, de programnstipo Chacrinha, assiste-se a um verdadeiro ritual: todos à volta doaparelho. É o reinado da Redc C;lobo, da aJdeia global que se fortalecegradativamente nesses anos 70 e chega ao apogeu nos 80 e 90. AInoderniza~ào tecnológica da área de tclccon1unicações é um fato, oque traz profundas mudanças em toda a sociedade brasileira.

A criatividade é estancada, mas muitos artistas a utilizam paraludibriar a censura, através de I1UCCtCS c metáforas.

"Os agenciamentos estào interceptados: joram grampeados E'terminantemi?11te jJroihido fazer uso da Hngua a .fim de cunharmatéria de e'qJressiio para as intensidades atuais: o gestn criador.loi desauton'zado e quem ou";aeshoça-lo nao s6 será tachado detraidor, o que li /J;or, estará co"endo jJerigo de lida ( ..). É proi-bido o gesto C71ador,este debilüa-çe. transmuta-.ç(' e e substituido

.belo medo e o medo aumenta ainda mais a timidez do gestocriador Desencad(.>ia~seum circulo I.>iciosono qual o dew40 /'aienfraquecendo cada vez maLç a sua potência de (:fetuaçdo"~s.

Tai, processos de subjetivação traduzem-se pela importância qucé dada ao consumismo, à necessidade de :')e ascender socialmente;"subir" na vielatorna-se uma palavra de ordcm. Acredita-se na excelênciado sLc;;temae as pessoas crêem que "subir" depende de suas virtudespessoais, de seus méritos. Há unla aceitação quase unânin1e das regrasdo sistema; o "povão" c. em especial. a classe média aceitam passi-vamente que compete ao governo a resoluçào dos problema..'5.A nóscompete traballlar c/ou estudar c não nos imiscuir em política.

"filafaculdade não me meto em confu.çúo Política é para os

polílicos Estudante tem mesmo é que estudar r. ..J. Eu quero suhirna vida e nao tenho medo de tmbalho. O importante ri tnelhorarsempre"S6

'Parece halJer uma ditriw'JOem "dois mundos" de um lado, o

S4 Hollanda, H.B.Op_cit.,p. 12S.

S'; Rolnilc S. OI'. cit., 1'1'. 194, 19S t; 196S6 FrJ.scsde entrevistas feitas, em 1970, na Zona Sul do Rio ck Janeiro }X)r Gilberto VeU1o. OI'. cil., P

lOS. E interessantc a análise dos difert'ntt',s discurso." captados nesta pesquisa, o que nos permiteavaliar as subjetividadcs domimnt.es nas camadas médias urbanas no inicio dos anos 70 no Brasil.

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cotidiano, onde as pessoas trabalham. cumprem suas obrigações,

sohem na l'ida, lido para Copacabana. compram e assistemte/ep/silo, uào á mis.sa ou ao cinema, adquirem mais prestigio,tornam-se "melhores"; de outro lado. há uma esfera ondeacontecem coisas que sào importantes, mas distantes einacessíveis por sua própria natureza - a política Há duaspossihüidades de poder.- uma qUl' se traduz na possihilidade demudar-se para Copacabana, 'panema, etc, consumir mais e maisroupas, "divertimentos '; bens de um modo geral, a outra nàojaz parle da nossa experiência e..risteneial ( .. ) e é remetida paraas categorias "política" e "gol-'f?rno"s-'.

Acredita-se no "BrasilGrande", no "progresso", no "crescimento",na "modernizaçào", na "grande potência" que será este país. Ao ladodisso, um profundo conformismo político, em que a defesa da ordem,da hierarquiJ., da disciplina, (h submi"ào sào enfatizados, e onde omedo às autoridades domina a todos, desde questôes mais amplas atéproblemas os mai~ aparentemente triviais do coticliano58.

Contudo! há res~<;tênciasa essas subjetividades coletiva.,,;há, comtodas as dificuldades da época, tentativas de se forjarem e produziremterritórios singulares.

A imprensa "alternativa" ou "nanica", como Pasquim, Flor doMal, Bondinho, A Pomba e outros, tenta romper com os padrõesjornali'ticos impostos pela grande imprensa, deixando o tom "objetivo"e supostanlente "neutro" para abertalncnte exprintir suas opiniões. Éno Pasquim, na coluna "Underground", produzida por Luiz CnrlosMaciel, que o Inovimento contracultural é mostrado através deinformaçôes dos poetas beaL, norte-americanos dos anos 60, comoAllan Guinsberg e autores como Mc Luhan, Marcuse e Norman Mailer.Também o jornal Opinião traz debates sobre a atuaçào cultural subor-dinada ao Estado e críticas ã tendência nacionalista-populi~ta no campoda cuJtura. Abre espaços para questôes como drogas, homossexuali~mo,loucura, etc, divulgando as importantes contribuiçôes de M.Foucault.

O movimento pós-tropicali,ta, influenciado' pela contracultura,continua mesmo após o exiJio de Caetano e Gil - com Torquato Neto,WallySailormoon, Rogério Duprat. Dudn Machado e Hélio Oiticica,dentre

S7 Velho, G. Op. cit., 1'1'.91 e 92.SS Ve1ho,G.Individualismo e Cultura: Nota••para uma Antropologia da Sociedade

Contemporânea. Rio de Janeiro, Jorge Zalur, 1987.

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outros, apesar de se constituírenl em guetos. T\~oinício desses anos 70,publiclIn a Navilouca com textos de poeta.<;;,músicos, cineasta.c;;e artic;;ta!-iplásticos. Ao lado deles, eS1~ooS "concretc>tas" Décio Pignatari, Augustoc 1 {aroldo de Campos,

que embarcam na na/le em nonw do saher moderno e deal1t.stascorno L)igia Clark.l)or(~,<emplo, queajJarenti'mente pouco

se identificariam com os temas do n01'Og!'U/Jo, mas que, comodiz Wal(v, estwJam "transando a m.esma loucura" ( J. Um tipOde trahalho coleti/!() e múltiplo, emjJenhado fimd{.mu>ntalmentena e."tperimentaçdo radical de linguagens inol'adoras como"'estmtêgia de "ida "(,. l, P preciso muda,. a linguauem e a !!ida,recusar as relações dadas como jJronta,ç. I'ia/ar; tornar-semutante" w.

o que predomina no teatro é o aspecto empresarial que encontraum solo fértil para suas superproduções. 1"\0 entanto. aparecem grupos"nào-enlpresariai.c;;'· C0l110o chamado teatro de invenção de PauloAffonso Grisolli e Amir Ilacldad, dentre outros, que lnarcam movimentosde resistência.

O cinetna, dominado pelas supcrprocluçtk's holly\voodianas -epmo Xica da Silva, Dona Flor e seus Dois Maridos. Tenda dosMilagres - é () setor que mais adere às exigências do novo mercado eà política cultuml elo ESl.a.do_Entretanto, há () chamado cinema "marginal"que, com filmes de Rogério Sganzerla, Júlio Bressanc e OzualcloCandeias, dentre outros - emhora para a grande maioria passemdespercebidos -, tenta algo de novo, assim como algumas produçôesem Super 8.

J'\a literaturala geração t1liIrlCÓf~rafoaparcce e. como as dcmai.c;;

Illanifestaçôcs de poctas, cria seu próprio circuito: nào depende doapoio ojkial, seja do Estado seja das empresas privadas.

"t.'nfatizam o cârater di' gmpo e artesanal de suas experi(>ncias( .) (' cmru!çam, entao. a pro/ijérar os lil'rinl1os que sao passadosde mão em mâo, lJf!11didosem portas de cinema, mu,euç e teatros( .. ) A marginalidade des..w'Urupo nào e mat..•literária, mas (.J

uma marginalidade l'Ílúla e sentida de maneira imediata frenteã ordem do cotidiano'~~.

'fJ Holbnda, [!. B. op. clt , p.l){), cllando, por último. José Cebo M:trtjn~z COrrL'3.(i) Ickm, pp. 1..••4, l~~ L' lil

De tal produçáo independente surgem poetas como Chacal, C~=o,Chico Alvim e outros.

As artes plásticas apoiadas pelo Estado

sC!,fremum "hoom" df? mercado com os leiJóes e a hoL,a dearte determinando uma produção que, ao transformar-sepnponderantemente em rentável neRôcio, IJerde em muito sual'italidade crítica e praticamente dd"'a de interessar aos setoresda Juventude unil'ersitdrla" 61.

Fora. deste circuito oficial, surgem porém alguns trabalhos pro-duzidos por arti."tas plásticos envolvidos com o cOlupromisso de retrataro cotidiano. CiJdo Meirelles inicia desde os 60 um trabaUlo que seprolonga por todos os 70, chegando aos 1>0, as "inser~ões em circuitosideológicos". Confecção artesanal de garrafas de coca-coia, a partir demodelos originai.'5,onde são escritas mensagens diversas: li."tas de pes-soas presas, listas de pessoas mortas, receitas para confecção de coque-téis mo/nUJlI, cédulas de zero cruzeiro, moedas de zero centavo, ctc.tll

Apesar de tai, resistências, das tenwtivas de se forjar singulari-dades, as subjetividades hegemônicas - através náo só do clima de medoimperante, mas tatnbém da.o;;;promessas de ascensão social muito fortesna época - cooptaIl1 muitos artistas c intelectuais. Esses passam a seligar às agências estatais vinculadas à área da cultura e que sáodinamizadas ou, mesmo, criadas nesse período.

Vão ser, sem dúvida, os movimentos ele resistência, por muitoschamados de "alternativos", que conseguirão, por catllinhos diferentesdos da luta armada, se opor à "ilha de tranqüilidade e progresso", aoBrasil elo "milagre" imposto pela ditadura. Vão ser estes movimentosque continuarão - de outra forma - as contestaçàes oriundas da décadade 6o, e que fortalecerão as llludanl,,~asque efetivamente ocorrem nasrclaçôes familiares, sexuais, nos costumes e comportaInentos que adécada ele HO em muito irá ahsonlt'r.

As formas de I'l'sLc;;tênciaproduzidas nesse período s:l.o: de umlado ;) gera~~ào que entra na clandestinidade e/ou' na luta armada; deoutro, os hl{Jpies ligados, n1uitos deles. às produçtles "altetnativas" acitna

61 Idem, p. 125.62 SobrL' a resistência cultural n(>.~ano.<;:'() ver: Mello, M. A, lOr~.) 20 Anos de Resistência:

Alternativa. ••da Cultura no RcWme Militar. Rio dt' Jan(;'jru, Espaço L' Tempo. 198().

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citadas e embalados pelos movimentos contraculturais que haviamsacudido os Estados Unidos e a Europa nos anos 60 e 70.

A luta armada leva muitos para a clandestinidade, sobretudo entreos joven.~de classe lllédia ('média alta que, após o Al-:;' não encontramoutras formas de fazer oposição ao regime militar. Ações armadas sesucedem nas cidades e no campo, apesar da total apatia e indiferençada maioria da população. No campo, a mais violenta e sangrentarepressão dá-se contra a Guerrilha do Araguaia, iniciada no sul do Parápelo Panido Comunista do Brasil (J'C do B), e que, por cerca de quatroanos, mobiliza milhares de soldados do Exército para combater osguerrilheiros, que não chegam a 100.Desres guerrilheiros, os que morrem,num total de 59, são todos desaparecidos políticos até hoje"'.

Os militantes, apesar de sua resistência no seu cotidiano, em muitosmomentos - ou em quase todos - reproduzem o autoritarismo, osectarismo que querem combater. Cheios de messianismo, vanguardismoe palavras de ordem totalmente dissociados das "massas" que querem"libenar", os militantes dos anos 70, comoventes em sua coragem, emsua resistência, conseguem produzir poucas subjetividades singulares,poucos territórios onde não sejam capturados. O que na Europa o Maiode 68 mostrou, somente tempos depois põde começar a ser pensado noBrasil, somente depois do total aniquilamento da luta armada: que aslUlas contra os Estados capitalísticos necessariamente ligam-se aoquestionamento dos micropoderes, da micropolitica, do autoritarismoimperante no nosso dia-a-dia, no cotidiano das nossas relações.Pretendemos transformar o mundo e nào percebemos a reproduçàoautoritária em que caímos con1 nossos companheiros, filhos) etc.

Sonhamos com a revolução como um acontecimento que libertariaa humanidade das opressões, em todos os sentidos. Todavia, ao mesmotempo em que os inimigos "de fora" nos vencem, come~amos tambéma ser vencidos por nós nlesmos. O inimigo tanlbénl está ao nosso ladoe dentro de nós, quando aceitamos e naturalizamos diferentes ins-tituições: a organiza~o, a dureza e a inflexibilidade nossa e de nossoscompanheiros. l\ão se consegue reinventar novas formas de pensar atransforma~o.

Por outro lado, os hippies, com seus aspectos lúdicos, anticonsu-

63 Sobre o assunto ver Portela, F. Guerra de Guerrilhas no Brasil. São Pauto, Global, 1979.

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nlistas, anti-industriais, antifamjliari~tas c nêHnacles ..... inst'llam-se nUOla

marginalidade crônica""", cmbora houvesse todo um suporte coletivoque os ancorasse: os movunentos c()ntraculturaL~.Sua resistência "é feitade um não querer" I vivendo em bandos, eln comunidades, usando drogas,"viajando", apregoando as práticas grupaLs, experimentando scus corpos,.. vivendo da esperança de um dia conqulstar a terra prometida"". É

como afirma Hélio Oiticica em carta dc 1970 para Caetano e Gil, entãoexilados em Londres h •. o ambiente aqui está, con10 já esperava,ultradepressivo ( ...) todos têm planos, mas ninguém realiza nada""".

Duas categorias são produzida-c;;e muito dic;;seminada-"inos anos 70no Brasil: a do subversivo e a do drog'"do, ligadas à juventude da época''.A prinJeira é apresentada com conota~ões de grande periculosidade eviolência, vio;;toser uma ameaça política à ordem vigente; eleve seridentificada e controlada. Tal categoria vem acompanhada de outrosadjetivos como: criminoso, traidor, ateu, etc, o que traz fortes implicaçõesmorais. O subversivo não está somente contra o regime político, luascontra a religião, a fanu1ia, a pátria, a moral e a civilização, tomando-se,a.e;sitn,UI11anti-social. Está contalninado por "ideologias exóticas", pormandatários de fora

"Por sua vez, o subversivo tem tanto possibilídade.ç de conta-minar, como de enfeitiçar. Ele está contaminado e pode passara doença, e ao ser en.ti?itiçadoadquin'u a capacidade de en-feüiçar"6B.

No drogado, o aspecto de doença já está dado, é um ser moral-mente nocivo, poie; tem hábitos e costumes desviantes. Na época, asdrogas são associadas a um plano extcrno par" minar a juventude,tornando-a presa fácil das ideologias "subversivas". Aí, juntam-se drogadoc subversivo, o que se torna perigosíssin1o, poio:; ..... encarna todos osmales e é um agente consciente de contesta~ão à sociedade""'

Para as subjetividades hegemônicas da época. tanto o subversivoquanto o drogado apresentam problemas psicológi~os graves e sérios,

64 Rotnik, S. Op,cit., p. 112. Sobre o assunto esta obra é fundamental.6'; Idem, p.114.t6 Oiticica, H. "O Ano das Drogas e da Repressão" [n:JBiCademo ldéias, OS/IO/89, p. O';.

67 Estudo feito por Velho. G. ln: Individualismo e cuhura. Op. cit.éS [dem, p. 60.(j) Idem, p, 60.

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principalmente por suas atitudes em relação ao trabalho e ã família. Sãopessoas que fogem às suas obriga,·ões e questionam os planos e projetosde ascensão social de suas familias; com i~sosão consideradas doentes,

poi",

ao questionar os dominios e criticá-los, poem em dUl'Ída umaordem e uma concepçào de mundo que devem set' pistas com.o

naturaL" e indi..,.cutil'ei.s"~

3 - O FAMILIARISMO COMO CONlROLE SOCIAL

"/'v'o centro da sala,

/Jiante da mesa,/',,'o.fundo do prato(,'amido e tristeza

A gente se olha,S'etoca e se cala.E se desentrnde no instante ('m que {ala

_.\fedo, medo, medo,

},.fedo, medo, medo

Cada um guarda maL'i

O seu segt'edoA sua mao jf.'('bada,A sua boca arn'rla,O .'il'U J)eito dese110,

A sua mào parada,lAcrada e selada,E molbada d(' medo

Pai na caheceira

J? bom do almoço,Jlinha mile me chama

E hora do almoço.Minha irma mab, nOI'Cl,Negra calJeleira,

Minha W'Ó reclamat: hora do almoço

Pu ainda estou I)em moço,Prá tanta t1t.•teza,

'70 luem, p. 64

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lJeú.:emos de coi."aH cuidemos da I'idaSenão chega ti malteOu coisa parccítia.E nos arrasta moço,Sem ter l-'1s./o a l'ída_

Ou coLça parecida.Ou caLça par'ecída,

Ou coiça pmw:tda..

"1panxida'

(]/orfl do Almoço - Belcbior)

o que está suhjaccme a estas duas categorias c, porwntn, odispositivo produzido no sentido de enfraquecer todo c qualquer movi-mento de resistência que possa forjar processos de singulariza'r.-':loé aprodu't::1o de uma outra suhjetividade: a "crise" da f:1nülia, a sua "descs-trLlturaçào '.. Se seus J1lhos, lündamcntahnente os de classe média emédia alta, estào se tornando "subversivos" ou '·bipjJit?-:', algo está errado.Ili, neste momento, grande preocup:W30 com a família: fala-se da suaimportância como mantcnedor:l de uma sociedade s:lud:'ivcl, em que ocontrole e a dL"iciplinaestão presentes c ela, a família, deve cooperarni.sto. Principallnentc nas Gllna(bs médias urbanas vem sendo vendidadesde há muito a importância dos projetos de ascens:lo social, o quese torna um valor Ixisico para elas. Assim, esses filhos "desviantes" e'·diferentes" s:1o produzidos pelos prohlemas por que essas bmíliaspassam. Se algum militante é seqüestrado, torturado e J.ss~L<;sinaclo.sealgum hífJfJie após experiências com drogas não reton1a ela "viagem··,eles c suas famílias s:10 os responsáveis c nà() () estado ele terror quegrassa e111toda a sociedade'" As famílias aceitam tal discurso. culpa-bilizando seus filhos e culpabilizando-se, acreditando plenamente que

algo estj errado.

":4 ameaça é ri1'Ída como ,'inda cI(' dl{iciéncias psicolôRicas l'morai,>do..",-filhos Isso nao significa qw.' nào ('.'\~i<,tmnacusarDescontra o "mundo (',,\1('1'ior··Este e /'il'irio comn /)l'1·manentemente

(Jerigoso e !)()luiâor. ma"~("a/x' ao,\ indil'iduos que comfJOem afamília a responsalJilidade de enfrenta-lo" âejénder-"e (,(,Pitar tai"

Jx'rlgos" -,

~1 Idem, p_ '"4

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Esse modelo de família que compra, investe, viaja, ascende social-mente é o modelo que se fortalece com o "milagre brasileiro".

"Esseprocesso se dá dentro de uma conjuntura hi.'itóricaque reforçao projeto individualizante de família I. .. J com a ampla veicula-ção de uma propaganda que enfatiza o consumo e o sucessomaterial, frito diretamente por parte do Estado, ou por grandesempresas. "72

A ênfase dada i responsabilidade individual de cada membro dafamília mostra o fechan1ento dela sobre si mesma, sinais gritantes deuma vida pessoal desmedida e de uma vida pública esvaziada. A inlpor-tância da privacidade é apregoada intensamente: o que acontece foranão nos interessa;

".,. com uizinho a gente só pergunta se está pred"ando de algumacoisa (.,.) mas botar meu pezinho no apartamento dele, eu niioponho não"73

o privado, o fantiliar, torna-se o refúgio contra os terrores dasociedade, nega-se o que acontece fora c volta-se par.l o que acontecedentro de si, de sua fanu1ia.

Sâo interessantes os grupos que se formam nos anos 70, seja demilitantes ou de hippies em suas 'comunidades". Apesar das críticasfeitas ao familiarismo então vigente, estes grupos - verdadeiros guetos- reproduzem em seus espaços o mesmo esquema familiar que tentamanular.

"A idéia de comunidade que está envoluida aqui ti a crença deque quando as pessoas se abrem umas com as outra.>;cria-se umtecido que a.'i mantem unida.'i. Se nàa há abet1ura psicológica,não pode haver laço sociaL "/4,

Criam-se linguagens, dialetos e ritos próprios, e ao mesmo tempoenl que as pessoas devem ser clnociona1tnentc abertas umas com asoutras, há uma extrema vigilância entre elas para quc tais "papéis" sejamdesempenhados. Estamos, com i,so - vivendo nesses "grupos" ou"comunidades" ~/dizenclo para o mundo que este não nos interessa:

72 Idem, p. 70.73 Trecho de entrevista feit:1 por Gilberco Velho em 1970, In: "A Utopia Urhana~ Op. cit" p. 105.74 Sennett, R.O Declínio do Homem Público: AsTirania ••do lntimismo. São Paulo, Cia. das

Letras, 1988, pp. 274 e 27';.

somos urna "comunicl1dc" de seres iguais. o mundo nos frustra e, portanto.

com ele nada queremos; nossa vida nos ba.<ita.Tenl0s tentado .....tomar o

fato de estarmos Cln privacidade, a sós ou (0111 a fan1l1iae antigos íntllllos,Uln fim em si meslno"7'i.

Esta visão intimista da sociedade7b, na qual as pessoas se preo-cupam apenas com as histórias de suas próprias vidas c COOl suascllloçôes partkul::Lres, em que o mundo exterior parece nos decepcio-nar, parece vazio c sem atrativos, fort::l1ece,deste modo, a privacidadefamiliar e a interioriz~u,.::lo d;]s pessoas.

No capitalismo, o intirnLo;;mo penetr.l obsessivamente nas rela-

~'ões humanas e torna-se natural sempre se estar perguntando o queuma pessoa ou um acontecimcnto significanl, A intimizaçào passa a seruma preocupação const;]nte, particularmente nos anos 70, nas cbssesmédias urbanas brasileiras, criando a ilusào de que uma vez que setenha um sentimento ele precisa ser tnanifcstado; afinal, o "interior" épercebido cotno uma realidade absoluta.

"Se o ato de tentar contar aos outros a n'Sfx1to di! si mesmo rJ

sentido de modo intenso e real, cntao a falta di! ,'esjJostados ou~

tms significa que hd algo e""ado cmn eles, a jJes,soaestá sendoauténtica, .'Idodi'.'>que nao estilo entendendo; sao eles que estaosendo jàlhos para com ela; eles não sdo adequados iAs necessi-dades dela. Assim sendo, fica reforçada a uença df!que os impul-sos pr6prios ã pessoa selo a imica realidade na qual ela podewnfiar"T',

I fã, por conseguinte, um interesse Glda vez maior pelos proble-mas da personalidade (' a procura de uma autenticidade quc exige :.l

todo custo que o sujeito sej;] transparente, "autêntico" ;]través de todosos seus atos.

As exigências dessa "personalidade intimi",ta" estão diretamenteIigacbs às relações que o sujeito lem com o seu cCIrpo, com os outrosc COHl a sociedade em geral. () que predomina é o "reino elo eu", Ulllcu sempre insatisfeito, exigente. tirânico e cheio de- veleidades, O inti-n-UStll0 está, portanto, fundamentalmente ligado a uma cultura psico-lógica - onde tudo é rcduzido 00 psiquismo - e a uma cultura da

'S Idem, p. 409....6 Expressão utilizada Pllf Richard Senett in Op. Gil.

Idem, p. 409.

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interioridade ~ onde tudo é reduzido ao privado.

4 - A PSICOLOGIZAÇÃO E OS ESPECIALISTAS "PSI"

"Eu quero uma casa no campo,Onde eu /)Qssa com/x),. muitos rocks rurais

E tenha somente a certezaDos amigos do peito e nada mai~

Eu quero uma caVA no campo,Onde eu pos,saficar do tamanbo da paz,E tenba som(-'nte a cerlezaDos limítes do cm1xJ e nada mai .•

Hu quero uma ca~a no campo,1)0 tanumho ideal, pau a píC/ue e .VA!)(";

Onde eu possa plantar Im"us amigos,Meu'õ discos e Urros e nada mais.'''

(Casa no Campo - Zé Rodn>:c .,imlo)

Atltnentam a prcocupa<,:ào c o investimento com as questõesrelativas ao "interior" e o conhecimento de si mesmo torna-se umaIInalidadc, em vez de um meio para se conhecer o mundo, Esta vi..;;;àointitni')ta é extremamente valorizada nos anos 70. quando a realidadesocial, o donlÍnjo público são esvaziados e desprovidos de sentido. O

único sentido está no privado.

"Numa sociedade intima todos os fenômenos .wciais (. ) sãoconvertidos em questões de pt"fSOnalidade, com a finalidade deadquirirem um sentido Os conflitos políticos são interpretadosem termos do jogo das personalidades politicas"7lI.

Acredita~se que a aproxitnaçào, a descoberta de si IneStno, aliberação das repressôes, a busca da autenticidade e do calor humanosão os fatores essenciai..;;;para o bom andanlento de uma sociedade. Ascategorias políticas são transformadas em categori:ls psicológicas; oitnportante não é o que se faz, mas o que se sente. Ou seja, há Ulll es-vaziatl1entopolítico, há urna psicologizaçào elo cotidiano e da vielasocial.

O discurso psicologizante - caracterLstico das camadas médias

78 ldem, p, 271.

34

urbanas, nos anos 70, no Brasil - mostra cOlnoa dimensão privada maisintim~')[aé incorporada ao cotidiano. "O sujeito psicológico passa. detato, a ser medida de todas as cO~"ias..."7').

Produz-se uma oposi\,-'ão,uma incompatibilidade entre os domí-nios público e privado.

':4 sU/)QstaI'alorizaçao do trabalho ou da política aparece como(, .) pouco ca.<;oou indife"ença pelos emcantos da intimidadefamiliar amorosa ( J. Parece /Jauer. implicita nesta verlentepsicologizante, a idéia de qUi' o indir'íduo dispoe de uma quan~tidade de energia limitada que corre o riKO de S(trdesperdiçada,ou até voltar-se contra de, se>nao Jor imoestida no domínio ade-quado do privado, A politização do cotidiano pode ter comocontraparlida a desafetirmçào da vid(1 privada "!le,(grifos

meus),

Amilitância politica, principalmente nas classes médias urbanas,na década de 70, é vi'ta de forma extremamente ncgativa; é rejeitada.Ilá uma atitude cética em termos de politica, sobretudo pela crença deque os interesses pessoais, familiares estão acima de qua~squer outrose que não se pode e não se deve ahrir mão deles. O que interessa sãoos projetos de ;L'icen'iàosocial: o maior sucesso profi'isional, a ampliaçãoe/ou consolidaçào do patrimônio, a melhoria nas rela\~ões familiares,afetivas, a preocupação com os casamentos, os filhos, etc. Investe-sepermanentemente no domínio do privado, do familiar e o psicologis-tno fornece uma legitimação "científica" :l tecnologia do ajustamento.Ilá um imperiali,mo psicológico, no qual tudo se torna psicologiLável:há uma sociologia psicológica, uma antropologia psicológica, etc.

Para esta família em "cri,e" há quc se ter especialistas:

.. é preciso cuidar do casal, dos filhos, do se:m, do corpo, etnsuma, da sua adaptação social .. ,.,tultiplicam~..•e os conselheiros epsicólogos, sempre em nurnero suJi'ciente para atender à de-

manda dos PU!"desarmados, dos filbos despíados, dos casa!" infe-lizes, dos incompreendidos. daqudes a quem não .fbi ensinadoviver (. .. ); é prec!"o jazer algo e os conselheiros e os "psí" sãojustamente aqueles que a isso se dedicam, na medida do possíliel,

79 Figueira, S. A. O Contexto Social da PskanálJse. Rio de janeiro, Francisco Alves, 1981, p. 9.00 VeUlo, G. Subjetividade e Sociedade: Uma Experiência de Creração. Rh;ide janeiro, jorge

Zahar, 1989,p.42.

3S

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e com o ma."dmo de honestidade e neutralidade, lVão existe maisneles, a niw ser numa jorrf/i2 residual. qualquer morali.wllJ oudogmatisnw /vao desixnam ninguem autoritariamente para avida jiunüiar, como tamlJem nào assumem o objetit'O de destrui-la Simplesmente querem aludar as pl>.ç,'iOasa r'iuerem SlJa'"Íttta-çao n~ma conjuntura imtdvel, onde as rtierências fiTas desa-/Jareceram e onde o indil.'íduo sente a nC!Ceç,'iidadede ser apoiado.mas mio dirigido" g[.

o choque entre as diferentes subietividades produzidas efortalecid:l'i no decorrer dos anos 60 c 70 - muitas delas, como o intuni')-mo, c o fechamento da fatuília sobre si lnesma~ produções típica..'idocapitali'imo monopolista, de um país que se "moderniza", se "desen-volvc", c "vai pra frente" - é lido COlHO a "desestabiliza(,,~ã()"da fanúlia,como necessidade de procurar ajuda "competente" par3 os males que a

"lligcl11.Com essa "tirania da intimidade", qualquer angústia elo cotidiano,

qualquer sentimento de mal-estar existencial, são imediatamente renle-tidos para o território "da IOlta",onde os cspeciali,tas "psi" estão vigilantese atentos para resgatar suas vítimas.

"Há sem/H'c um "a mais" a corriRir, um "a menos" a tratar ( .. ).atraves da tutela terapêutica o como, o se.'\:oe as relaçóes afetivasentre os memhros da família ( .. ) jJ(Js\-ama ser usados, de modosistemático l! calculado, como trIPiode manutençao e reprodu-çdo da ordem social (.. ) Todar'ia. a açiio deste tijJo de tuteia I-'aimais atem. Recrt!Jera os c:fdtos imprcuL<;;tosde<;;tamanipuJaçao.ocultando-lhes (Jongem e n caraler politico-_'i"OciaI"H".

De um lado, as subjetividades dominantes afinnando tais temas;por outro, alguns territórios singulares que não poderiam, a "bem damoral e dos bons costulnes", ser tolerados. AlilJenbdc sexual, o contro-le da natalidade, "a dissolução" dos Gls:unentos, a instituição do divór-cio, "o sexo sem freios", a emancipação intelectual, proli"sional e sexualda 111ulher,o "crepúsculo do macho", a socializaçào dos selviços domés-ticos necessitam Se-f di<;cipLinados,nornlatizados. É enl cima de taisquestões que o especialista "psi" entra. e detém seu monopólio, poL~,diferentemente do padre e do médico, ele, com sua providencial neutfa-

81 Don7.clol, J. A Polida da."liFamilia"li. Rio dl' Janeiro, (~raal, 1986, pr, l% e 197

82 Costa,).F. Ordem Médica e Nonna Familiar, Rio de jJ.nciro, C,raJ.i, pp l,) e ló

\idade, simplesmeme "verifica o desejo do seu clieme""A lamilia torna-se consumidora ávida de tudo o que pode ajudá-la a "realizar-se""'.

''Proibido inquíetar ofilho, dizem os psicólogos Nao o deLw ficarsem jazer nada, replicam os professores. Ele fi ansioso, portantoestuda mal, observa o psiquiatra. Os pais se cunJam diante disso·se o filho fica ansioso, a culpa é deles. Ele nào e~1á motivado.descobrem os sociólogos. lJesmotil1ado (.,. j os pai" se inquietam·tinham jracaç,o;;ado Hm·'Cra tempo para corrigir'? Nao lhe metamedo. dizem uns. Faça-o compreender qtw a I.>idal' uma luta,dizem outros. Protegei-o, ordenam. Deixe-o expor-se, se nao setornará um jmrapo Proibido traumatizá-lo, pmjelar nele ospráprios sonhos superados. Proibido renunciar e tomariniciativa " ~.

Tais di.'3cursosque se afirmam "científicos" e "neutros" produzem,na familia e na sociedade em geral, "verdades" dotadas de efeitospoderosL'5imos. "Essas múltiplas falas dos especialistas "competentes"geram o sentitnento individual e coletivo de incompetência, poderosaarma de dominaçào"". Desta forma, no chamado "di,curso da compe-tência"36os técnicos e os especialistas aparecenl como os que enten-dem do assunto, possuem o saber, vcrebdeiros i1ulllinados, detentoresdo conheciJncnto "científico", "rigoroso", "objetivo" e "neutro". O surgi-mento de tais especialistas e seu fortalecimento no mundo capitalL'iticonào se dá pela necessidade elc modernizaçào C' desenvolvimento dasociedade, mas pela sua funçào de melhor controlar, disciplinar,nonnatizar (' naturalizar a divisão social do trabalho estruturada sobre adominação e a submissão8i.

Nào é por acaso que os anos 70, no Brasil. são marcados pelapreocupa\'ào com a técnica, C0111 a emergência de especiali'5tas emdiferentes setores e a ênfase no "discurso da competência". DoL"gran-

83 Dom.L'lol, J. 0p_ dt, p, 20 l

8-1 llesst'l, V, tes Temps des Parents. Volio, 1<)76, citJ.do por Donzdut,J. Op cit., pr. 201 e 202.8'5 Sobre o assunto yt'r Coimbra, C.M.H. "A Di\'ü'!3o Soôal do Trabalho t.' os Especialismos Têcníco-

Científicos"_ Revi..~t.acU) DefXlrtamento de PsicoloRU. Rio ck: Janeiro, UFF', Ano li - n!12, l!1Semestre;

lQQO,m-j'j .

.'16 Termo usado por MarilelU Cluui em algun" c:k s•••.us artigos e livros como: "U que é Ser EducadorHoje? Da Arte i Ciência: A i\lorte do Educador" In: Brandão, CR I()rg-.J Educador Vida e Morte

Rio de Janeiro, Graal, 1982 •••.Cultura e Democracia. São Paulo. C()rtez, 148Q

87 Tese defendida por Stephen Marglin em Origem e Funçúcs do Pareclamcnto de Tarefas. In:

GOfZ, A. Criticada Divisâo do Trabalho. São Paulo, \1artins Fontes, IlJ8U,--I7-"78e apre,"-Cmadaem Coimbra, CM.H. Op_ ciL

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des vetores são aqui utilizados c, em função deles, tais temas são produzi-dos e fortalecidos: a modernização e o desenvoivimentismo, de um lado

c a segurança nacional, de outro.

5 - A PRODUÇÃO SUBTERRÂNEA DE ALGUMAS

PRÁTICAS INSTITIJINTES

"Quando um muro sf!{>am

Uma ponte uneSe a uingança encara

O remorso puneVocê uem me agarraAlguêm vem me solta.Você vai na marrar:Jaum dia volJa

E se a/orça e tuaEla um dia é n05,',a

Olha o muro, olha a ponte,Olha o dia de ontem chegando

Que medo r."ocêtem de nós

Olha aí.'

Você corla um versoEu escrl."1JO outro

Você me prende uivoEu escapo mario.De repente. olha eu de nom

Perturbando a pazfl-'-igindo o troco

ltamos por aí, eu e meu cachorroOlha o Vfff'SO. olha o outroOlha o velho, olha o moço c/JegandoQue medo l'Oâ tem de nós

Olha aí.'

[Pesadelo - MaurtCfo TapaJÔSe Paulo César Pínheiro)

Se, nos primeiros anos da década de 70, as classes médias urbanasbrasileiras respiram e vivem o clima ufanista do "milagre", do país que"vai pra frente", orientando-se pelas subjetividades hegemônicas entãofortalecidas, apesar das resl'tências que acontecem (luta armada e ecosdos movimentos contraeulturais), há neste período tentativas ele se

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forjarem outras 1'or1113sde luta, outros territórios singulares, atingindo,sobretudo, outros segrnentos sociais.

Embora este Capítulo se atenha ã produ\,'ão de subjetividades ede alguns processos de singulariza\,'ão nas camadas médias urbanas,por serem elas as principals consumidoras das práticas "psi", não poderiadeixar de assinalar o nascimento ele outras jormas de resio;;tênciaocorri-das ainda nos anos 70.

Se estas novas maneira.s de resL"tir são forjadas, principalmente,nos bairros de periferia das grandes cidades, fiun1 prilnciro 11lO1nentonão tendo ressonância na:;;;chsscs médi~." a não ser por parte de algu nspoucos militantes de esquerda, no início dos anos 80 o panoramal1ludará.

As práticas "psi" durante os anos 70 - tanto no Rio de Janeiroquanto em São Paulo - estão nastantc marcadas pela ênfase nofamiliarismo, no privado em detrimento do público, e no poder doscspeciali<:)tasCOffiSCUS di')(ursos "competentes", "científicos" e "neutros".

Poucos são os grupos "psi" que, tnesll10 na segunda metade ciosanos 70, articulam-se com as novas subjetividades então produzidaspelos diferentes 1110vimentos sociai<:)que se fortalecCll1, especia1111entea partir de 1974/197~, Somente nos anos 80 é que tal implicação sedad de forma tnais dara, mais explícita, quando uma série de mo-vimentos nascidos nas periferias das grandes cidades brasileiras atingemas camadas médias urbanas.

Ao contrário do que nllJitos afirman1, dentro de um enfóquctipicamente de classe média urbana, de que é somente na década de80 - após a "distensão 1cnta, gradual e segura" de Geisel e a "abertura"de Figueiredo - que os diferentes movi.tnentos sociaL" e populares sereorganizam e se fortalecem, quero apontar para Ullla outra vertente: ade que é no periodo mal' repressivo da ditadura militar, ainda naprinleira n1ctade dos anos 70, que novas práticas vão se gestando. Prática.."que reeha\.·am os movimentos trac!icionai.mente instit:uíc1os,que politizamo cotidiano dos lugares de trabalho e moradia, que inventam novasformas de fazer política88

88 Esl'l vertente está presente nos trabalhos de:

Te11es, V. S. AExperlêncla do Autoritarismo e Prática." lnstituintes: Os Movimentos Social",em São Paulo nos Anos 70. Dissertação de Mestr3do - rTSP,1981, princiralmeme um de .seus

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Pretendo, ainda que de maneira sucinta, assinalar a emergênciade "novos sujeitos políticos",primeiramente entre as camadas mais pobresda população e posteriormente - no inicio dos anos 80 - pelo próprioprocesso recessivo por que passa o pais, entre algunus parcelas declassemêdia. Estes segmentos despertos do sonho do "milagreeconômico"vão paulatinamente tomando-se aliados nas lutas por melhores condiçõesde vida, trabalho, salário, moradia, alimentação, educação e saúde epela democratização da sociedade em todos os seus níveis.

A famosa "crise das instituições" que se explícita nos diferentesmovimentos de 1968 começa na prática a ser repensada no Brasil. Emcima, prineipalmente, das crises da Igreja, das esquerdas e dosindicalismo - que a ditadura militar brasileira aprofunda e acirra -surge uma série de movimentos sociais_procurando novos caIninhos.Cuninhos que produzem práticas ligadas à "teologia da libertação",que repensam o marxismo, a luta armada e o movimento sindical.

"Os antigos centros organizadores flgreja, partidos políticos deesquerda e sindicatos) em crise, sao desfeitos e rejeitos sob aaçào simultânea de novos discursos e práticas que informam osmovimentos sociais populares, seus sujeitos" 89.

Estes movimentos cOlneçam a existir com os próprios "estilha-çOS"90advindos das derrotas impostas por ocasião do golpe de 1964 edo Al-S em 1968. Seus "sobreviventes", ao resgatarem criticamente asvárias experiências dos anos 60 e início dos 70, além dos acontecimen-tos de 1968 em torno da Oposição Sindical Metalúrgica", dão origem -nos bairros e, logo a seguir, nas fábricas - a novas políticas que subs-tituem as até entáo conhecidas e tradicionalmente utilizadas.

capítulos "Anos 70: Experiências e Práticas Cotidianas", publicado in Krischkl2, r.J e MainwaringS. (Orgs.) A Igreja nas Bases em Tempo de Transição. Porto Alegre, L& PM:CEDEC ]986,47-fi!Silveira, M.LS Reinventando a Participação e o Poder Popular: O ABM - Federação deBairros de São João de Mcriti. A Constnlçào de Uma Hegemonia. Dissertaçâo de Mestrado- mSAEIFGV-Rj, 1987

Sader, E. Quando Novos Personagens Entraram em Cena. Riode Janeiro, Paz e Terí.l, 1988&;l d'lauL, M. Prefácio in Sader, E. Op. dr., p. I J

90 Termo utlli?:l.do por Vera Silva Telles em Anos 70: Experiências e Prática.'i Cotidiana.'i. Op. cie91 Nas greve.~de 1968, em Osasco, ao mesmo tem(Xl em que se organizam as Comis,-'''õeSde Fábricas.

articula-se a Oposição Sindical Metalúrgica de Sâo Paulo, que pas..<;3a se destacar ao longo dasegunda metade dos ano.~70, como uma das forças organizadas, difundindo, para outros estados,uma outra concepção de opo.<;içãosindical, questionando e combatendo o sindicalismo oficialfortalecido pela ditadura militar.

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Os "novos sujeitos" reinventam em seu cotidiano novas formasde fazer política e em seus movimentos enfrentam a "velha política"ainda dominante. Ou seja, esse processo de forjar singularidades de-fronta-se cotidianamente com as subjetividades dominantes encontradasentre as esquerdas, OSsindicalistas, dentro da própria Igreja e doschamados movimentos comunitários.

Mais do que isto, chocam-se e lutam contra as subjetividadeshegemônicas fortalecidas pela ditadura militar. Assim, a partir de 1964 emais notadamente 1%8, com o AI-S,cresce a propaganda anticomunistaem todos os espaços sociais, como mostram as palavras de um militanteoperário:

·'Falaram prd mim uma epoca: você é I01J(;o,vai cuidar dasua vida, da sua famllia, deixa issoprá Já, qualquer horadesaparecem com vocO "92 (grifos meus).

Estas poucas linhas mostram com grande riqueza a tirania dointimismo, a força do privado em detrimento do público, a certeza deque lutar não vale a pena, não só porque a repressão é muito maisforte (jogo desaparecem com você!), como também a importância dese cuidar da família e a desqualifica,ão que pesa sobre a atuação políti-ca. Todos os espa,os passam a estar subordinados aos imperativos da"segurança" e do "desenvolvimento", o que reduz as antigas e instituídasformas de militância à impotência.

Esta exclusão política faz dos bairros lugares com perspectiva deabrigar alguma forma de resistência, quando se iniciam as primeirasarticulações de diferentes experiências partindo de "...ativistas operários,ntilitantes da esquerda, padres e freiras progressistas, moradores ligadosaos núcleos comunitários das paróquias locais"9'. Pequenos atos eexperiências que se nunifestam com aparente timidez, por muitosconsiderados insigrúficantes, começam a romper com o silêncio impostoe são gestados nos bairros de periferia, ainda na primeira metade dosanos 70. Em realidade, são expressões de resist.êneia, autonomia,criatividade e singularidade que irão forjando algumas práticas instituintese através de suas experiências concretas podem ser percebidas comopequenas revoluções moleculares, segundo expressão de F. Guattari"'.

92 Citado por Telles, V.S, Op. cit.) p. 55.93 Idem, p, 56,94 Segundo F. Guattari, a ordem molecular ~" é a dos fluxos, do.'l devires, das tran~içôes de fases,

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A Igreja tem um papel fundamental em grande parte destas novasfonnas de resistência. De sua crLse,surgem as Comunidades EclesiaLsdeBase (CEBs), por intermédio da organização de grupos de jovens, daeducação popular, de clubes de mães, de creches, de grupos de noivosou de casais, todos trazendo "a marca ele Medellin"9).

Durante os anos de maior repressão, "s CEBs, que tloreseem desdeo início dos anos 70, são as únicas organizações que resistcnl no dia-a-dia a toda sorte de violências institucionalizadas. Tanto que, no períodode 69 a 73, assiste-se a uma s6rie de perseguições e prisões de padres,lreiras, agentes pastorais e leigos comprometidos com diferentes traballJos"comunitários". O aparato de repressão liga-os a algumas organizaçõesclandestinas ainda em atividade na épDca"'- Em 1969, pDr exemplo, éassassinado com requintes de crueldade e barbarisnlo o padre AntonioHenrique Pereira Neto, um auxiliar de D. Helder Câmara no Recife e atéhoje os culpados não foram punidos.

Das CEBs provém um considerável número de "novos" militantesque aluam nos bairros, nas fábricas e nos mais variados espaços.Significativanlcnte a..c;;associaçôes de bairros e diferentes movinlcntossociais tornam-se, em geral. mais fortes onde há a criação de CEJ3s.

Vários grupos ligados ã Igreja da "teologia da libertação" trans-formam-se em iJnportantes trincheiras de luta c denúncia contra asviolências cometidas e a itnpunidade vigente. Surgindo no início dosanos 70, até os 90 continuam mostrando sua disposição em resistir. OConselho lndigenista Missilmário (CIMI), criaelo em 1972, até hojedenuncia e luta contra as arbitrariedades cometidas contra as naçõesindígenas. A ContL"ão Pastoral ela Terra (CPT), criada em 1975, hojeespalhada por quase toelos os estados brasileiros, resi"e denuncianeloos milhares de crimes ocorridos no campo contra, principalmente, asliderJ.nÇ:lsrumis"'. As Corni"ões de Justiça e Paz, ligadas às Arquiclioceses

das intensidades". In; Guattari, F_ e Rolnik,S. 0r. ciL, p. 321. A revolução molecular, umaespécie "... de mutação entre a.~pessoas {...), é o conjunto das po.~sibi1idadesde práticas específica."de mudanças de modo de vida, com seu potencial criador..." In: Op. cit., p. ]87.

9'5 Em 1968, há em Medellin, na Colômbia, a 2~Conferencia dos Bispos Latino-Americanos, que secompromete lU luta contn as causas sociais da miséria, traduzindo os en~irumento..~ do ConcilioVaticano [l para a realidack.· do Terceiro ,r...fundo.

96 Caso, por exemplo, ocorrido no Rio de Janeiro, no subúrbio de Osvaldo Cruz, em 1971, quandoum padre e vários jovens que amam no "Grupo de Jovens de Osvaldo Cruz" são presos ebarbarameme torturack.À'<por supostamente participarem da organização VAR-Palmares.

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ele diferentes estados, desde o illlCIO cios 70, destacam-se na luta emprol dos Direitos Humanos, denuncianelo as tortura~, presões arbitrárias,assassinatos e desaparecimentos de centenas de presos politicos. AsPastorais Operárias, que tanlhénl surgem logo no início dos anos 70,"...viabilizam nos bairros de periferia um trabalho ele aglutinação operáriaque havía se tornado, nas fábricas, uma tarefa extremamente elifkil"98

Mesmo não sendo hegemônica no interior ela Igreja, a "teologiaela libertação", com sua "opção preferencial pelos pobres", converte-senuma força expressiva e poderosa em termos de unir e articulardilerentes agentes, diferentes experiências e de forjar novas militâncias,

Sabemos como os processos de subjetivação são também proelu-zielos pelos fenômenos religiosos. No caso da "teologia ela libertação",é importante pensarmos COlno esses

".. fenômenos são reapropriados pelo próprio let.:idosocial (e atécomo há uma reinvençào da religÜJ-,,"1'dadepor esse ten'doJ. oque repre.senta uma forte contribuição de energia de luta nocampo sacia!""".

As CEBs vão propiciar que seus núcleos nos bairros tornem-sepontos de convergência e cmzanlento de experiências vividas em lugaresdistintos: é o ca..'iO dos migrantes - tanto no Rio quanto enl São Paulo -que habitam as peril'erias; é o caso de militantes de esquerda, muitosligados à luta armada e ã clandestinidade, dispersos após o aniqui-lamento de suas organizações; é o caso, também, de militantes operários,nlUilos deles moradores nesses bairros periféricos. que não encontranlespaços em seus sindicatos e fábricas. () ponto de encontro destesdilerentes agentes pa."a a ser a Igreja, através da.s iniciativas de orga-nização e mobilização popular em torno das reivindicaçôes especificasdos hairros.

Sem dúvida, começa-se a quebrar, através de ações concretas ecotidianas, a tirania do intimismo, em que o público é desqualificado,desvalorizado, e o político é rejeitado. Entretanto, por força do próprio

Q7 Segundo levantamento feito pelas CPTs, de 1964 a ]989, foram assassinados 1'5n trabalhadoresrurais brasileira!, [o Pre.<;sburger,M. e Araújo, M.T. 'Tribunal Nacional dos Crimes Contr.l ° Lltifúndio:Uma Resposta da Sociedade Civil à Violência do Estado". In: Proposta - FASE, Rio de Janeiro,nº 49. ano À'V, junho/199], OQ-15

l)R Telles., V-S. Op_ cit .. p '57l)9 Guattari, F- e Rolnik. S. op. dt ,p. 154.

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contexto brasileiro de desemprego, de salários indignos e, sobretudo,nas periferias das grandes cidades, pelo alto indice de mortalidadeinfantil, pela falta de saneamento básico, pela existência de valas negrasque correm a céu aberto, pela falta d'água, pelo lixo amontoado, pelafalta de transportes, moradias e serviços de saúde decentes, muitosprincipiam a sair dc dentro de suas intimidades. Principalmente aquelesque mais sotrem com as péssimas e precárias condições de vida -provocadas pela própria expansão do capitalismo - começam a "colocaro pé para fora das soleiras de suas portas" e. irrompendo na cenapública, reinventam novas formas de reivindicar seus direitos, ",.. acomeçar pelo primeiro, pelo direito de reivindicar direitos"l"".Constituindo-se como sujeitos politicos, lutam para conquistar o próprio

direito à cidadania.As Comunidades Eclesiais de Base multiplicam-se, não apenas

na zona rural, como também nas periferias das grandes cidades. Em1984 calcula-se em 80 mil para todo o pais. mas os números são aindaimprecisos101.

Nas eleições de 1974o MDBtem quase quatro vezes mais votosque os dados à AREl'A. Estes resultados,

,( ao e.-qJre.'"Suremtdo forlemente a e."Cistência de uma opinitiopt1Míca de oposiçào, abrem um campo de referência e legi-timaçdo para comportamentos de rebeldia, resistência econtestaçào "102.

Novos espaços públicos eSL'lOsendo conslrUidos, onde o cotidiano- com toda a sua ambigüidade - ocupa, em muitos momentos, o lugarde resistência, ele produção singular, de algo novo e criativo. É naspróprias lutas c enlrentamentos do dia-a-dia que irão emergir essesnovos significados, operando fi"uras nos discursos dominantes, produ-zindo algumas revoluções moleculares.

Apartir de 197~a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita começaa ganllar corpo em vários setores da sociedade brasileira. Embora fiquemai.:;restrito aos setores de classe tnédia urbana, o 1110vimento pela

100 Sader E, Op. cit.. p. 26.LOl Cava, R.D. "A Igreja e a A Abertura: 1974-198')". In: Krischke, PJ. ~ Mainwaring, S. (Orgs.l A

IgreJa nas Bases em Tempo de Transição. Op. dL, 13-4"),P 13.

102 Sader, E. Op. cit., p. 118.

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ani"tia penetra, tanlbénl, em alguns movinlentos sociais de periferia,em especial naqueles que têm uma maior influência das CEBs.Tanto oMovimento Feminino pela Anistia criado no Rio de Janeiro quanto osComitês Brasileiros pela Anistia (CBAs) surgidos em vários estadosbrasileiros trazem nlaciçalncnte a presença das nlulheres que, nas nlas,nos parlamentos. e em diferentes atos, lutam e buscam seus fIlhos,maridos e companheiros presos, mortos (' desaparecidos.

É justamente a partir da fragmentação e diversidade de lodosesses movunentos surgidos na ccna política elos anos 70 que emergenlformas singufares de expressão, vinculadas às diferentes condições emque são produzida.s103.

Não pretendo aqui fazer U11l estudo detalhado sobre estesmovimentos sociais no eixo Rio-..."ãoPaulo. Todavia. acredito que, paramostrar o distanciamento e a não-inlplicação e articulação dos diferentesgntpos "psi" que se organizam nos anos 70 com tais processos desingularização, torna-se necessário comentar algo sobre algunsmovimentos surgidos na periferia da Grande São Paulo e sobre asAssocia"ôes de Bairros e Moradores no Rio de Janeiro.

5.1 - Alguns Movimentos Sociais na Grande São Paulo

Já em 1970D. Paulo Evaristo Arns - que desempenhará ao longodas duas décadas seguintes importante papel na aglutinação e fortaleci-mento de numerosos nlovimentos sociais -, ao ser nomeado Arcehispode São Paulo, condena publicamente as torturas que ocorrem nas prisõespaulistas.

Logo são organizadas as Comunidades Eclesiais de Base queirão proliferar por toda a metrópole.

Delas, nasce e se desenvolve unu série de nl0vunentos ConlOoClube de Mães da periferia sul, o Movimento do Custo de Vida, oMovinlento de Saúde e Educação da Zona Leste, dentre outros. Se. aprincípio, estão estreitamente vinculados às Comunidades de Base e àIgreja da "teologia da libertação", esses movimentos, à medida que se

103 Aspecto ressaltado por Sackr, E. Op. dt" qU:l.ndo coment:l. {) livro São Paulo: O Povo emMovimento ck P, S~er e V. C. Brandt, puhlicado pela Vozes, em 1980.

4)

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iOltalecem e se expandem pelas rq(loes de periferia e pela própriacidade de São Paulo, vão transbordar e ultrapa.'Ssar en1 l1lUito seus litnitcsiniciai'S. C:ontinuam a ter o apuio claro c explícito da Igreja progressi.sta,que lhes fornece grande parte de sua infra-estrutura, como locais pararcuniôcs, enlpréstinlo de materiais e, principal1ncntc, 1II11:lIcgiti11lidadc

que incentiva <L'i "ba.scs" católicas a participarCl11. :"Jo entanto, não podemser vistos como movimentos única e cxclusiv:llnentc vinculados às CEB.'S,pois torn:1nl-5e progressivamente movimentos populares, englobando

grande parte da população não-católica.Os Clubes de Mães, particularmente na perüeria sul de São Paulo,

ocupam um lugar de dcsGlque, segunclo Édcr Sader, pois, se já desde ofinal dos anos '::;0cxi."lli~lIn.nos 70 vão se revestir de uma grJnde mudançae de noviclade e, especialmente, vão se expandir na própria hase dapopulação. A grande novidade é que os Clubes de Mães passam a estarnas mãos das próprias llmlhercs, responsáveis por sua direção. Confornlcrelatos colhidos, o referido autor aponta três aspectos, o que lhe permite

blar de um

"novo começo" na bistôria dos cluhes de mães.- 1 ~ aorganizaçdo por elas memu:l..~,.J - a constituiçdo de uma cnor-

denação de clubes de mae3: 3 - a I'alorizaçào da luta contra ainjustiça no lugar do assistencialismo caritatim" 104.

Através de reivindica~-,õc.s específicas ligadas aos diferentesproblemas dos bairros, os Clubes de Mães politizam-se na medida em'1ue as lutas cio dia-a-clia passam a ser um aprendizado ele cidadania,lPlllaprendizado no qual os silenciados se organiZ;lll1 e lutam por seusdireitos. Assim, na Figueira Ci-randc, ".._a primeira mohilizar.,:ào dá-seem torno da coleta do lixo"; no Jardim Alfredo c no Alto Riviera -.. onde Inna Passoni é professora" - em cima da ...._questào da preca-riedade da educação"; na Vila Hemo, discute-se a questão da verminosee ,.... a precariedade dos serviços públicos necessários à prescrva\'ão

da salide da população""".() Movim.ento do Custo de Vida surge como um desdohramen-

to das vári;L' atividades cios Clubes de Mães. Em 197,), é feita umapes,!u,,", realizada pelas próprias mulheres da perileria sul, sobre a alta

!(}1 Sader, E. Op. cit., p. 202.10') Idem, pro 210 l' 2lJ

dos artigos básicos consumidos por suas bmilias. Em cima elos daclosobtidos, é feito um abaixo-assinado ao Presidente da República comcerca ele 16.:;00 assinaturas. No ano seguinte, nova pesquisa e novoabaixo-assinado com 18.';00 assinaturas. dando origem em 1976 a umaasselnbléia C0l114 mil pessoas. A expansão e organização do Movimentodo Custo de Vida levam, em I97H, ';.000 pessoas a uma Assembléia emVila Mariana, que lança a campanha

"... IJisando ã coleta de J milbão de a."'.-inaturas reiuindicando ocongelamento dos preços dos gênems de pn'meira necessidade.aumento de salát'ios acima do custo de {lida (' um abono deemergência. Conseguem 1.250000 a'i...\1·naturasl"IC6.

Os Clubes de Màes e o Movimento do Custo de Vida não sópolitizam as lutas cotidianas dos moradores das periferias. tuas, princi-palmente, trazem para muitas muUleres que deles participam modifi-cações nas relações em bmilia, o que vai implicar a contestaçào dospróprios valores vigentes. Ocupando outros espa,'os e descobrindo aforça de sua organização, muitas tnulheres começatn não só a ::d"irmarseus direitos politicos enqualllo cidadãs como também - o que é umaextensão - seus direitos enquanto màes, esposas c companheiras.

O Movimento de Saúde e Educação da Zona Leste surge em197') de um núcleo da Pastoral Operária na Igreia ele S. Maleus, com acriação de uma Pastoral de Saúde. Alguns médicos sanitari,tas ligam-seao 111oVllnento e, por t11eiOdc palestras. visitas. pesquisas, cursos,conseguclll Cln 1977 organizar as pritnciras comissões de saúde naregião. No ano seguinte, o movimento consegue que, oficialInente.sejam constituidos os Conselhos ele Saúde, eleitos pelos moraelores, eque participam nas gestões dos centros de saúde .

''A e."períência dos conselhos se estende dejJoi'i a outros bairrosda zona 1e:.1e, Através da prdtica do contmle popular sobre oscentros de saUde, o mouimento de saude da zona le.s/(>ensaia apas.'iagem da pura lula reüJÍndicatíva para uma açdo política, departicipação na gestão dos senJi{os púbJicos··w.

Na esteira cla expansão c fortalecimento cioMovimento de Saúcle

106 Idem, p 220lO' Idem, p. 227.

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na Zona Leste, surgem, no final dos anos 70, trabalhos ligados ã educaçãopopular, que trazem como preocupação constante a questão daalfabetização, fato já verificado na periferia sul desde o mcio da década.

Todos esses movimentos vão - como já afmnei - construindonovas subjetividades no sentido de se assumir, nas lutas cotidianas, nãosomente noções como solidariedade, mas o próprio direito ã cidadaniac, gradativamente, vão mostrando às "autoridades" o crescente forta-lecimento das organizações populares que proliferam na época. Nosmicroespaços realizam-se pressões canti.:! prefeituras, exigindo-se oatendimento a certos direitos básicos.

Em 197~, quando do assassinato do jornalista Wladimir Herzognas dependências do DOI-COm/Sp, o ato ecumênico realizado, dentreoutros, por D. Paulo Evaristo Arns, na Catedral da Sé, mostra a forçadesses diferentes movimentos populares organizados. Milhares depessoas cerram meiras - passando por cima das diferenças de partido,classe, religião, raça e credo - em defesa dos direitos humanos e contraqualquer tipo de violência; constitui-se numa extraordinária manifestaçãocontra o reginle militar. Meses depois, em idênticas circunstãncias, émorto o metalúrgico Manuel Fiel Filho, e as fortes pressões que sofre ogoverno militar fazem com que Geisel afaste o comandante do II Exército,comprometido com a chamada "linha dura".

5.2 -As Associações de Moradores no Rio de Janei1"o

Como em São Paulo, também no Rio de Janeiro a Igreja "pro-gressista" desempenha um inlportante papel no surgimento de váriasassociações de bairros. Notadamente onde as Comunidades Eclesiaisde Base se expandem, principalmente nas regiões de periferia e ondebispos progressitas assumem em suas ações concretas a "opção pre-ferencial pelos pobres", há um notável fortalecimento do movimentopopular.

A Baixada Fluminense, região na qual o Esquadrão da Mortemais "atua" impunemente, é também o cenário onde inicialmente vãose desenvolver. logo no início da década de 70, as primeiras CEBs. Atlgura de D. Adriano Hipólito, bi'po de Nova Iguaçu, e as de váriosoutros padres ligados ã "teologia da libertação" são importantes para o

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seu surgimento e fortalecimento.

Até 1974, há pouca difusão dos movimentos existentes em Nova[guaçu. O ch<llnado Movimento de Integração Comunitária, por exemplo,que propunha

,I organizar os católicos para a ohtençâo de melhores semiçosurbanos, fOi di."-5oluidoem meados de 1970, pelo aparato repres-5Í1XJ_O m01Jimento de bairros fica reduzido a iniciativas isoladas(.. ) sem que houves.se alguma atticulação entre bairros e algumatentativa de [-'incutar estas lutas a qUl"Stoes mai.<;gerais " lr:J:l.

Em 197'i, tem início, com alguns médicos sanitari'tas, um trabalhosobre saúde que se propaga pelos grupos bíblicos, clubes de mães egrupos de jovens e preocupa-se, principalmente, em di,cutir todos osproblemas que at1igem a população. Em 1978, com sua expansão,representantes de 18 bairros de Nova Iguaçu lórmam o Movimento deAmigos do Bairro (MAB) que, ao longo dos anos seguintes, assumiráimportante papel na coordenação e articulação elas diferentes associaçõesde bairros de Nova Iguaçu, chegando a se constituir num movimentode massas. Em 1981, ".. dele participam quase 100 associa~ões debairros" 109.

Também em São João de Merili, desde 197~, começa a crescer omovimento de associações quando é criada a AMB (Amigos de Bairrode Meriti), que, posteriormente, torna-se Federação das Associaçõesde Moradores de São João de Meriti' "'. Da mesma I"onna, em Caxias,organiza-se o Movimento União de Bairros (MUB) com o apoio deD. Mauro MoreUi. bispo de Caxias.

Através das lutas concret:l.-":l,e&'5esnlovimentos vão POllCO a poucoampliando as conquistas de relevantes espaços politlcos. Não é poraca..')oque Ulna série de aten1.J.dos terrorL'itas são efetivados contra atlgllra de D. Adriano llipôlito. Em 1976, ele é seqüestrado e torturadopor grupos paramilitares c, em 1978. há um atCnlado a bomba contra acatedral de "ova [glla\:u. "ada é apurado, nada é es.c1arecido.

Aamplia~ão dos movimentos elaBaixada Fluminense dá-se quandono tlnal dos 70 e início dos 130os três agrupamentos (MAB,AMBe MUll)

108 Mainwaring, S. "A Igreja CatOlica e o Movimento Popular: Nova [~aç'u 1974-198'5", In: Kir3chke,PJ. e flb.inw3.ring, S IOrg:-;.lOp. cit., '.1-100, p. 77

1(1) Idem, p. 8;;.

110 Sobre o dc&nvolvimento do trabalho em São João de .\1eriti, ver: Silvl;'ira, I\LLS. Op_ dto

19

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articulam-se não só em cima de pequenas lutas do dia-a-dia, ligadas aproblemas conlUns dos mOf'".ldores da Baixada, conlO tatnbém para

eTÚrentalnentos l11ais massivos.

A politização, feita em cima de ações específicas do cotidianodos habitantes dos bairros, ultrapassa aqueles espaços c prenuncia lu-tas tnai.'i gerais con10: a organização dos trabalhadore:; en1 sindicatoslivres; o direito de greve; o não ao Fundo Monetário Internacional; areforma agrária; o fim do arrocho salarial; a abertura de frentes detrabalho nas áreas urbana e rural; o fim da Lei dc Segurança Nacional;

elc.lll.Fora os I11ovimcntos ele bairros da Baixada Flunlinense, que se

organizam ainda na pritneira metade dos anos 70, vanlaS assistir, nonnal da década, ao surgunento dc algum:!s Associações de MOf:!doresem bairros tipicamente de classe média que, em L978, originam aFAMERJ(Federação de Associações de Moradores do Estado do

Rio de Janeiro).

"/vucJeando 17A'5ociaçoes de Moradores ou entidades similares,não se pode dizer que a FAMERj tenha nascido de um amplommdmento de bases. Pelo contran"o, um de seu" objetivos e

e:'<atamente o de formUlar a criaçao de noms Assoctaçoe." de'1,;foratiores,nao so na capital. ,na" em todo o estado ..112.

É justamente em cima da luta contr:! a desenfreada especulaçãoimobiliária, a qual vai "... desmatando e poluindo a Zona Sul e grilandoterras e fonnando loteamentos clandestinos na Zona Oesle"ll3, que afAMERj se organiza. A especulação imobiliária traz o que Guattari chamade "alisamento da paisagem""': a destruição fisica de espaços cultur:!l-mente importantes como resultado do ritmo ava."alador da remodelaçãourbana. A,,,sinl,praç'3.-'i,parqucs. quatteirõcs inteiros clesaparecenl,

.' dissolvertdo e,'paços de conl'ü0ncia fonnados pelos mcontroscotídianos na cidade ( ) A própria concepção urbani.\1ica que

111 Pontos rctir::J.c1oscUs Tcse.~ do l'! Congresso da Federação d.a.~Associaçoes de l\-loraclores de São

João de Meriti. outubro ili' 198). In: Silveir.1,M_L S. ()p. cit, 1'1'.132 e I.B.112 Alencar, f'.R. A.••Associações de Morado-res Vinculados à FAMERJ e A Comrtroção de Uma

Educação para a CidadaniaAtravt$ da Politizaçào de Base. Disserta~o de Mestrado - IESAl~;

FGV-Rj, 19CJO,p. 48113 Akncar,F.R.()p,ciL,p.48114 Guattari, F "Espaço e Poder: A Criação de Territórlos na Cidade~. In Espaço e Debates, n~ 16.

';0

preSid~ a :e'nodelação metropolitana (nos anos 70) expressa aprefxJ.tencla e o ,desprezo com que a tecnocracia dirigente trata aqualidade de mda dos que não têm uutomó1!e1 e nuo uivem naszonas nobres da cidade"l]>.

Segundo pesqui,a do IABOnstituto dos Ar'luitet'" do Brasil) sobre~ produção arquitetônica do Rio de janeiro nas duas últimas décadas,lund~ll-se que' nos anos 70 há um :1utnento do número de intervençõesna paIsagem urlJana.

"Grandes obras de infra-estrutura lfIân"a dilaceram a cidadedesarticulando os espaços dos bairros ( ) Prevalece ~

pensamento de remoçdo de faoela.\~ que caracterizou os anos60, como soluçào para o fJ1"OblemahabitacionaU.)116,

Já nos anos RO, a pesqu isa revela que, pelo bto de a sociedadeCO~ltcs,~arestas intervcnçôes na paisagem quando os espigôes passam,1 ser ... condenados pelos movimentos soci~ü'5L..), as edificaçõesC()~lSC~temtraduzir melhor as preocupações quanto à escala da ciclaclel' a paisagem urbana''11-" lambém como efeito dos movinlentos deprese.rvaçào dos valores ela cidade e do meio ambiente, ocorre a defesadast.avelas, que passam a ser preservadas, ('xigindo~sC' nlelhorcsc()n.d](t·ô~ssanitár~as e de v!d.a em geraL e nào são mal') percebidas pormUitos COIUO qUL<)losSOC1a15que devem ser extirpados, conlO nasdecadas ele 60 e 70.

,.,_ Em sua trajetó.ria 'por melhores condir,x}es de vida para a popu-1,1:,~O,f(:rd~ d~a.,: pnnclpalmente, a.' grandes frentes de luta da FAMERJ:p~l~ saude publIca e em defesa dos mutuários. A primeira. através",llClalmentc de um Encontro Popular de Saúde, realizado em 1980, na

(:"~(~~" eleDeus, zon,a norte do Rio de janeiro, a partir da questãol spl'ufJca. da saude publICa, articulando-a com as condi\-'ões sanitárias.de moraelta, de transporte, de desemprego, ele baixos salários, ele falt:!de escolas, de fazer. Apontam, inclusive, a., prioridades de um plano de,'aude para o estado do Rio de janeiro1l3.

A luta dos mutuários do Banco Nacional de Habitação (BNH) por

Il)8'5

li" Satkr,LOp.cit..p.JI9

1I(1 Branco, A_C."A arquitetura dos Anos 70 ê BO" I J / Cad1,-' Ickm. . n: B . erno Cidade - 0."l,/08/91, p. 06.

111) Sobre esse I Encontro de Saúdt..'Popular e as prioridack'.~ apontadas, consultar: Saúde: DI-reitodc

'il

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uma "nova" política habitacional, no início dos anos 80, faz com que aFAMERJcresça e defmitivamente se enraíze no seio da classe médiaurbana carioca.

"Essemovimento pela hahitaçào tem inicio nos conjuntoshabitacionais de áreas pobres. onde os índices de inadimplênciasão crescentes. liJgo também os mutuários de classe média sãoatingidos, como efeito de uma nova política salaTÚlI que corróios ganhos do trabalho r..J Nessa luta pela habitação, a FAMERjganha dimensão nacional e passa a ser uma referência para ostrês milhoes e 400 mil mutuarios do BNH em todo o Rrastl"119.

Assim como os movimentos de bairros da Baixada Fluminense,também a FAMERJ participa da luta por melhores condições deabastecimento através do projeto "Feirinha Comunitária". Entretanto, éna área da cultura - pela própria inserção majoritária da classe médianas Associações de Moradores das Zonas Norte e Sul -, através decampanhas por espaços de lazer, que a FAMERJobterá suas maioresvitórias. Consegue-se a construção de diversas praças. quadras de esportee fortalecem-se diferentes grupos culturais que, em sua maioria, mostramproduções voltadas para as questões do cotidiano.

Em todas essas ações coletivas, novos espaços, novas linguagens,novos agentes e novas militâncias vão sendo forjados. Muitos, de simplesespedadores, passam efetivamente a sujeitos políticos; por conta disso,afJfma Chico Alencar que o movimento das Associações de Moradoresno Rio de Janeiro tem se constituído numa" ... espécie de "escola básica"de politização"'2lJ

Contudo, os maiores desafios enfrentados pela FAMERJ eAssociações de Moradores cariocas, principalmente as das Zonas Oestee Norte, no início dos anos 80, são as tentativas de cooptação e deatrelamento do movimento ãs forças instituídas. Após 1982, com onovo governo fluminense eleito, tem início urna política populi')ta quecoopta muita.s lideranças "comunitárias" e atrela paulatinamente o mo-vimento de muitas Associações de Moradores ao governo do Estado.

"Apelando quase sempre para os "humildes': os 'pohres" em geral,e colocando o governo e a própria figura carismática do líder

Todos.. Rio deJaneiro, Centro de Qualidade de Vida, 1982119 A1cncar, F.R. op. cit., pp. 53 e IH.120 [demop. 144.

52

como "salvação" de todos os male..<;sociais, o discurso populistatem efeIto desmobüizador, em muitas áreas. Portador de umainegável sensibilidade para o social (_.) e conhecedor das propos-tas das esquerdas, Leonel Bn'zoJa consegue criar a ilusão de queinaugura, no seu governo, a era da partidpação, sucessorada etapa reivindicatória do Movimento Comunitário. Isso leva àparalisação e burocratizaçiio de muitos movimentos associaUvos(.J Urna frase de Brizola, em rna1fo de 1983, num encontrocom milhares de lideranças comunítárias, no Ginásio do Olaria,Zona None do Rio, é reveladora: "as Associações de Mora-dores são afluentes de um rio importante. que éopartidopolitko" 121 Cgr:ifosdo próprio autor).

É O risco de cooptação que cotidianamente correm os movimentossociais dispostos a criar não somente espaços de resistência, massobretudo, territórios singulares por meio de dispositivos que sinalizamem direção a práticas instituintes.

5.3 - O "Novo Sindicalismo" e Seus Efeitos

O fato de colocar em item à parte o chamado "novo sindicalismo"que se manifesta junto com os demais movimentos sociais nos anos 70,realça a importância que as greves de 1978, 1979 e 1980 têm para oconjunto da sociedade brasileira.

A Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, que se fonna em1%7/68, é uma das responsáveis pelas greves em 1968, ocorridas emOsasco, quando, questionando a própria estrutura sindical vigente,apresenta a alternativa das Comissões de Fábtica·n

No Correr dos anos 70, Osasco permanece como referência quaseobrigatória nas discussões da militância operária, e as Comissões deFábrica convertem-se em símbolo da organização pautada na fábrica.

Se nos primeiros anos da década de 70 toda e qualquer resistênciadentro das fábricas é quase impossível pelas perseguições que ali ocorrem,

12] Idem, pp. ]13 e 114.

122 Sobre a assunto - as Comissões de Fábrica como ruptura com a ordem capitalista e como basepara a oposição ao sindicato - além dos livros citados de Sader, E. e Silveira, M.L.S. ver também:Marani, A. A Estratégia da Recusa:: Análise das Greves de 1978. São Paulo, Brasiliense, 1982e Athayde, R.c. Processo Produtivo. Espaço Educativo: Um Campo de Lutas. Dissertaçãode Mestrado - UFPB, 1988.

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nos próprios sindicatos a situação não é diferente. Além de se tornaremalheios às lutas operárias, os sindicatos transfornum-se em espaços

perigosos de delação.Também no operariado, tendo à frente os próprios sindicaIL,tas,

os sonhos de ascensão social, fomentados pelo "milagre econômico",fortalecem-se. Não é por acaso que aBpoliticas sindicais instituidaBnaépoca são claramente assistenciais, preocu pando~seprioritariamente conl

as chamadas realizações materiais: compra de grandes prédios para suassedes, colônias de férias e unu série de outras aquisições que demonstramcomo as subjetividades hegemônicas, então fortalecidas pela ditaduramilitar,ai estão fortemente enlranludas. Aplaudindo e scguindo as linhaspreconizadas pelo governo, de "desenvolvimento" e "seguranp"nacionais, os principaL5 sindicatos brasileiros, através também de obras

faraônicas, acreditam na "grande potência" que será este pais c queascender socialmente depende do eslórço de cada um, desde que sededique ao trabalho, à família e não desperdice tempo com politica.

No limiardos anos 70, a resistência é organizada fundamentalmentenos bairros, por intermédio das Pastorais Operárias e dos diferentesnlovimentos a..~sociativosque surgenl e, gradativatnentc, se fortalecem.

Entretanto, pequenas lutas, pequenos atos, pequenas conquistas emdiferentes fábricas continuam sendo realizados.

"Essarevalorizaçao daquüo que. em outro contexto. seria apenasmostra de fraqueza ou desorganizaçào, só fi inteligível quandoinserida num conjunto depequenas ações que evidenciam aresistblcia operdrla. Dispersa. silenctO.fUI. muitas vezessufocada, mas real e presente em todas as partes" 173 (grifos

meus).

Neste quadro, as lutas cotidianas dos operários nos seus locaisde trabalho - em muito fortalecidas pelas CBEs, Pastorais Operárias eMovimentos de Bairros - vão provendo novas ondas de resi<;tência, novos

sujeitos politicos.Em 1977, a campanl1J pela reposição salarial iniciada pelos

metalúrgicos do ABCé um marco de retomada das lutas massivas queculminam com as greves de 197H. Nelas, a Oposição Sindical - forjadanessas pequenas ações no espaço fabril e nos espaços dos bairros - é

123 Sader, E. Op. cit., p_ 243.

fortalecida e sua proposta de Comissões de Fábricas se materializa emvárias empresas.

"()êxito nas greves de maio-junho cria uma disposíçdo de luta nacategoria que permite à Oposição ocupar virtualmente o Sindicatona conduçao da greve em novembro de J 978 e, depois, emnovembro de 1979" n,.

Por ocasião deste último tllovimento, é assassinado friamente

pela PM paulista o operário metalúrgico Santo Dias da Silva - membroda Pastoral Operária e da Oposição Metalúrgica de São Paulo - quandocomandava um piquete de greve.

As greves do ABC.além de fortalecerem a Oposição Metalúrgica,que expande sua proposta de questionamento à organização sindicalvigente em outros estados, produzem também efeitos sociais podero-síssi.mos. Um deles, o enfrentamento direto com o Estado autoritário,

leva diferentes categorias de diversos estados a também utilizarem oinstrumento de greve. São os metalúrgicos de São Paulo, Rio de Janeiroe Minas Gerais e os professores elo Rio ele Janeiro que priorizam aorganização pela base. De um moelo geral, os diferentes movimentossociais e associativos respaldatll e assumem posturas de solidariedade

real aos trabalhadores grevistas.

Em 1980, nova onda de greves ocorre, poi ... inicia-se um claro

processo recessivo, anele não só as percbs salariais crescem assusta-

doramente, conlO tanlbém aumentaln as delnissões. As lutas não se

restringenl somente aos amnentos salariais, mas, principalmente, à

questão da estabilidade no emprego.

A chamada politica de "descompressão" iniciada por Geisel e aresistência operária no interior das fábricas fazcnl com que "aberturas"

sejan1produzidas no sentido de acolher algumas reivinclica,ões nascidasna sociedade civil. O Sinelicato dos Metalúrgicos em São Bemarelo eloCampo" ... sabe-se fazer portador - e sabe potenciar - algumas dessaspressôes, que vênl de suas IXLo;;es..."I.!s.

EUl lodo esse processo, no seio do qual o "novo sindicalismo

irrompe, criando novas ações, novas táticas de luta, novas linguagens,

124 Idem, p. 2'51.lô Idem,p. 288

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g'dllha força o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo,que será o nascedouro do Partido dos Trabalhadores, em 1980.

A partir de 1979, com o governo Figueiredo, o último elo ciclomilitar, há a implantação ele linhas politicas que tentam efetivar o projetode restauração política de "abertura"12b. Até porque, neste momento, osistema fInanceiro internacional já se prepara para nos apresentar aspesadas contas do "milagre econômico". É, no dizer de Maria da Conceição

Tavares, a época da "administra,'ào do caos":

,. na fase do primeiro "milagre ",Delfim Neto pode comparar-seao mestre de navegaçao que orientou as pelaspara colber a melhor}Orça dos ~Jf?1'ttosinternacionais, assim deixando impelir o harcoda economia com força má.uma. (Agora) pretende criar o pró-prio lJento (. ..); um fracasso completo no que .~erejere â situaçaoexterna do país e à inflaçao" 127.

Esta chega ao patamar acima elos 100% e as atividades econômicas

sofrem uma queda sem precedentes.Ao lado deste caos econômico, que leva, em 1983, o governo a

capitular diante do Fundo Monetário Internacionall28, uma série demedidas políticas visando à "abertura" são tomaela~. Ainda em 1979, ésancionada a Lei da Anistia, bastante restrita, pois, dentre uma série deexceções, cria os chamados "crimes conexos", fIgura juridica pela qualos torturadores são anistiados. No dizer ele Hélio Silva, é uma "anistiafardada"l29 que, entretanto é uma resposta necessária da ditadura aofortalecimento da sociedade civil através dos Comitês Brasileiros pela

126 Este trecho que se segue é uma síntese de um item contido no traballio de Coimbra, C.M.S."Análise Institucional no Rio de janeiJo: Subversão ou Modi.smo?~. ln: Repe:tl5alldo Algwwa."lPráticas em Pskologia Escolar Numa Visão lnstitucionallsta. Cadernos do ICHF. n~ 06,Universidade Federal Fluminensel1nstituto de Ciência.~Humanas e Filosofia, julho/1989, O 1~17.

127 Tavares, M.C. e Assis,].C O Grande Salto para o Caos. Rio deJaneiro,Jorge Za~r, 198'5, p.?~.128 A submissão ao FMI é indispensável para que o governo brasileiro, diante da comurudade bancana

internacional, tenha condições de fazer rolar a dívida exrema. Representa a capitulação e su1xJrdlnaçã.otoral dos interesses nacionais aos desígnios. externos. "Trata-se do coroamento formal de um

processo cujas origens remotas se encontram no Golpe de 1964 e no regime por ele instau~a~,que, ao longo do tempo, fol deslocando o eixo da dependência econômica do campo tecnologtcoe industrial para o campo financeiJo~. In: Tavares, M.C. e Assis,].C. Op. ciL, p. í9. .

129 Bastante restrita, pois veta expressamente qualquer recurso ao }udiciário e deixa de re~~ ossalários, proíbe o pagamento dos atrasados e a discussão da causa da suposta punição. Alem dis~,discrimina cerca de '5.'500ofidais, sargentos e praças que não são anistiados e não podem voltar asflleiras. Anistia os torturadores antes de irem a qualquer julgamento. In: Silva, H. 1%4: VInte

Anos de Golpe Militar. Porto Alegre, l & P M, 198'5, p. 93.

Ani~tia, do Movimento Feminino pela Ani~tia, da Ordem dos Advogadosdo Brasil e da Associação Brasileira de Imprensa, dentre outros.

Também é extinto o bipartidari~mo com a dissolução da ARENAe do MDB, abrindo-se um plano destinado a prolongar a permanênciado poder militar.

A censura à imprensa, cautelosamente, começa a ser suspensa) ea sociedade em geral e as universidades, em particular, principiam areceber seus primeiros exilados e professores anistiados.

No entanto, os "boL~õesradicais" ligados à extrema direita, bastanteinsatisfeitos com seu afastamento dos centros de poder, não aceitam asmedidas que levam o país a uma democratização. Se, no final dos 70,atacam os movimentos sociai~ da periferia - caso do Bispo de Nova19uaç..1J-, no início dos anos 80 voltam-se contra a classe média. Passamos

por fases de susto, senão tCfilor com os inúmeros atentados à bombacontra bancas de jornais em vários estados brasileiros130, contra a OAB/Rj1", culminando com o do Rioccntro'''. "A impunidade caminha aoia'do da insegurança. Nenhum culpado é punido"133.

Com a~ eleições de 1982, o governo militar perde fragorosamenteenl onze estados brasileiros, apesar dos recursos e casuísmosempregados pela ditadura. A oposição ganha os governos dos trêsmai~ importantes estados: Rio de Janeiro, com o PDT; São Paulo eMinas Gerai~, com o PMDB.

O caos econômico agrdva-se e ao pai~ é imposto um forte programade recessão, associado a um arrocho salarial que traz eleitos deva~tadoressobre a..'iclasses luédia e trahalhadora. Cria-se um "...CÍrculo vicioso de

pauperizaçào, no curso do qual se recorre a mais recessão para secOlllbaler a própria recessJ.o"134.

1:'\0 A.sbancas de jornais quc vt'·ockm so.::minários~altt.'rnati\if)."~como o Pa."lquim e Movimento.dentre outros, recehem cartas ameaçadora;; e, St: não suspendem as venrla..<;ck.<;sessemanários,

s3.0 "-'xplodicbs.l:'l! O :lLentadocontra:l OAB/R) mata com uma carta-bomba suasecretiriã, D. Lyda Monteiro da Silva,

~m2"7/08/80.

)il O aLenLado do Riocenlro ocor~ em _~Oi04iRl - () último dos atos terroristas cks.<;eperíodo - t;'

pretende explodir o local onde .~crealir.J.o ~-howoo 1'1de Maio com cerca de 1'; mil pessoas. NeSl:e"aciclt.'me clt.'Lrabalho" morre um sargemo e fica gravemente ferido um tenente, ambos do Ser.·içoSecreto do Exercito t' pertt'ocemes ao DOI-O >Dl/R).

133 Silva, H. Op. cit" p. 90.1">4 Tavares, ,\-1.e e Assis,J-C. Oro cit., p. 80

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A configuração deste quadro, com os "novos personagens queentram em cena" por intermédio dos vários movimentos sociais, fazcom que a ilegitimidade e o repúdio ao governo militar cresçam.

"A combinação, no governo Figueiredo, de uma recessão cadalX'Z mais intolerável, com uma notória condescendência em relaçãoaos escân4alos financeiros. envolvendo somas gigantescas e altaspersonalidades do regime, priva o governo e o que restava do sis-tema inietado em 1964 de qualquer apoio significativo, em todosos estratos da população" 13S.

Compreende-se, assim, o grande êxito que, ao longo de 1983 e1984, consegue a campanha das Diretas Já! em todo o pais. Mais de SOmilhões de brasileiros saem às ruas, comparecendo aos cooúcios daoposição, exigindo eleições diretas para presidente e a democratizaçãoda sociedade em todos os nivel,.

Todavia, apesar da extraordinária mobilização popular, a ditaduraainda possui seus trunfos e, por força do pacto com as elites dirigentes,incluindo alguns partidos que se dizem de oposição - da mesma formacomo havia ocorrido com a Leida Anistia -, consegue barrar a EmendaDante de Oliveira, em 1984, e manter as eleições indiretas para presidenteda República através do Colégio EleitoraL

B, portanto, nesse clima de grande mobilização popular, repúdioe indignação ao ciclo autoritário, que se inicia a década ele 80. Mo-bilização que começa a atingir as classes médias urbanas brasileirasque, refeitas do sonho do "milagre", ligam-se ãs Associações deMoradores, às campanhas pela Anistia, contra o Custo de Vida e àsDiretas Já!, participando de uma série de movimentos de "minorias"con10 dos negros, das mulheres, etc.

Entretanto, se o início dos anos 80 traz para a cena política todosesses novos sujeitos, poucos serão os grupos "psl", no eixo Rio---..'iãoPaulo, que se implicarão efetivamente em tais movimentos.

Interessante notar que alguns psicólogos e psicanalistas - estesúltimos ligados às Sociedades vinculada, à IPA- desempenham, durantetoda a década de 70 e mesmo na seguinte, importantes papéis nas lutasde resistência pela democratização da sociedade brasileira. Ligando-se

135 Jaguaribe, H. Sociedade e Política. Rio de janeiro,jorge Zahar, 193'5,p. 36.

S8

a partidos políticos cf ou diferentes movimentos sociais do penodo, esses"psi" têm uma expressiva participação, inclusive por meio de denúnciasque fazem na grande imprensa, quando há "permi'8ão" da censura paral':iSO.Porém, parece haver um "corte" entre suas atuações enquanto

cidadãos e aquelas enquanto profIssionais. Em seus espaços "psi", emseu cotidiano como trabalhadores "psi", não há implicação politica comos diferentes movimentos sociais. B a força e o poder que têm algumassubjetividades hegemõnieas, já vistas anteriormente, quando acionadase fortalecidas por alguns dL'positivos e instituições como a "verdadeira"

psicanálise e a formação analítica, conforme veremos a seguir.

S9

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Analisando CrItlcamente esses gmpos, seus funcionamentos,organizações, estatutos, burocracias, currículos, crises e rachas, nãopretendo entrar em mera descrição instituída desses estabelecimentos.Não quero privilegiar o "movimento interno" desses gmpos, mas. aocontrário, atualizar sua hi'tória com as práticas então produzidas. É umdesafio!

O espaço "psi", que se eslmtura no Brasil nos anos 30,40 e 50, éfeito em cima da "carência",da "falta"das crianças"problema", da, criançascom "dificuldades" de aprendizagem e/nu emocionais.

Os saberes sobre a infância - não somente no Brasil masprincipalmente nos Estados Unidos e Europa - ampliam-sei, sur~indopreocupações com a chamada infância "desadaptada", com as crianças··difíceis". Não se enfatiza ainda a questão da prevenção, que irápredominar nos meios psicoterápicos e escolares brasileiros a partir dadécada de 60. O que se marca é a necessidade de atendimento a essascrianças.

Nas entrevistas feitas - notadamente com psicanalistas mulheres,de formação médica ou psicológica - foi registrada a atuação de algumasem órgãos governamentais (federais, estaduais e/ou municipais) nasdécadas de 40, 50 e 60 - tanto em São Paulo quanto no Rio de janeiro-em Serviços de Higiene Mental, Centros de Orientação Infantil e juvenil,Setores de Psicologia Clínica, etc. Nestes órgãos, inicialmente é dadaassi<;tência à "criança-problema" e, se necessário, orientação aos pai') eprofessores'. De início,estes serviços são de cunho puramente diagnóstico(aplicação de testes), com algum acnmpanhamenro psicopedagógico aospais e professores'. Gradativamente, muitos deles passam para oatendimento clínicodessas crianças "problema". Da desaclaptação infantil,caminha-se para a intervenção na vida sexual e familiar,prática bastantedesenvolvida no Bra,il nos anos 70 Ao lado di."o, cresce a importânciadada à prevenção e o circuito escola-lanúlia se fecha.

CAPÍTIJLO II

As PRÁTICAS PSlCANALÍIlCAS NOS

ANos 70 NO BRASIL

Proponho çaminharmos um pouco mais e adent.!".umosno território"psi" propriamente dito. Território este que, como já vimos, vai sefortalecendo - fundamentalmente nos anos 70 - em cima da produçãoda "crise da fanúlia moderna", em cima da carência, da falta.

O objetivo de analisar algumas práticas psicoterapêuticas nos anos70, agora neste Capítulo ligadas à psicanálise, conduziu-me também atentar uma abordagem instituída. Instituída no sentido de mostrar umpouco a hi'tória de cada um dos gmpos "psi" que se formam ao longodesta década, fazendo uma análise do interior do próprio movimento.

Se,por um lado, a utilização deste enfoque corre o risco de capturar- e portanto trair - o objetivo inicial, por outro traz maiores informaçõessobre os diferentes gmpamentos que se estabelecem e que práticas poreles sào disseminadas. Acredito, também, que esta hi'tória instituída,pelas próprias informações contidas, possibilite outras leituras epercepções.

Ao históriar os principai, grupos '·psi" no Rio de janeiro e em SãoPaulo, quero, ao lado di'5o, sobretudo, cotejar suas práticas, assubjetividades dominantes, os movimentos sociai, e alguns processos desingularização, no sentido de entender essas práticas e os saberes porelas produzidos e fortalecidos.

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2

3

Sobre o assunto, ver: DOl17..etot,]. Op. cÍt

Sobre o assunto, ver Bicudo, V.L "Memória e fatos". In: Revista [di. São Paulo, 1990..D~sde os anos 20 e 30, 0$ higienistas ntl Brasil vão privilegiar propostas de intervenção junto ilBcflanças c, paralelamente, ~osseu,~resp:msíveis. Sobre o assumo, ver: Cost::t,j.F. Ordem Médicae NonnaFarnDlar. Op. cie e Nunes, S.A. "Da Medicina Social à Psicanálise". In: Rirmo,). (Ofg.).

Percursos na História da Psicanálise. Riode ):meiro, Taurus, [988,6[-122.

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"Partindo da escola, dos problemas de desadaptação escolar,passou-se para os problemas da procriação, da vidafamiliar e daharmonia conjugal, para, finalmente, voltar à escola com ainstauração da educação sexual. Nesse circuito escola-família, ooperador de cada etapa Jbi a psicanálise. É ela quem autoriza odeslocamento dos problemas de aproveitamento escolar para osde harmonia familiar. Ê ainda ela quem instrui uma educaçãosexual não mais centrada nas doenças venéreas, mas na questãodo equilíbrio mental e afetivo. Face ao desdobramento dospsicólogos, dos conselheiros e dos educadores que se satelizam emtorno da relaçdo escola-jamüia não basta dizer que ai passou apsicanálise. Seria mais exalo dizer. embora jogando um poucocom a." palavras, que é por ai através desse ativismo familiar-escolar que ela pôde passar "4(grifo do autor).

Em decorrência dessa, a questão familiar se torna a grande loco-motiva pela qual a psicanálise avança a toda velocidade no Brasil dosanos 60 e 70.

Não almejo aqui fazer uma história da psicanálise, do psicodramaou das terapias corporaL, no Brasil na década de 70. Pretendo, sim,apontar como essas práticas vão proliferar em determinados momentoshistóricos; COlnose dá sua expansão, o "boonz psi", c que instituições edispositivos serão instrumentalizados e fortalecidos por elas.

Para tal, é necessário comentar algo sobre a história dessas práticas,seus estabelecimentos, equipamentos, dispositivos e instituições.

Muitas das informações que me guiaram partiram de dois traba-lhos que mostram a expansão da psicanálise em São Paulo e no Rio dejaneiro. Em São Paulo, Roberto Yutaka Sagawa' realiza um aprofundadoestudo da psicanálise "oficial" desde os anos 20 até os 80. No Rio dejaneiro, Ana Cristina Costa de Figueiredo' fala da difusão do movimentopsicanalítico de 1970 a 1983. Estas leituras me forneceram as pistas paradefinir o universo de minha pesquisa, a quem procurar, a quem entre-vistar l o qu e ler.

4 Donzelot,).Op.cit.,pp. 177 e 178." Sagawa, RY. Os Inconscientes no Divâ da História. Dissertação de Mestrado - UNlCAM:P,

1989,2 vols.6 Figueiredo, A.CC Estratégias de Dlfmão do Movimento Psicanalítico no Rio de Janeiro-

1970/1983. Dissertação de Meffi:rado- PUGIR], 1984.

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,. / I - A "VERDADEIRA" PSICANÁIJSE ou O

SANTIJÁRIo DE VESTA

No eixo Rio-São Paulo, são três os estabelecimentos de formaçãopsicanalítica ligados à International Psychoanalitical Association (IPA),fundada por Freud e seus discípulos em 1910: a Sociedade Brasileira dePsicanálcse de São Paulo (SBPSP), a Sociedade Psicanalitica do Rio dejaneiro (SPRJ) e a Sociedade Brasileira de Psicanálise elo Rio de janeiro(SBPRJ)

A SBPSP é a primeira a ser reconhecida como Sociedade miada ãIPA, em 1951, no XVIICongresso Psicanalítico Internacional, em Amsterclã.Desde 1937, funciona como Grupo de Psicanálise de São Paulo, ligado ãOra. Adelheid Koch, membro da Sociedade PSicanalitiC'dde Berlim, quevem dar formação analitica em São Paulo depois de insistentes soli-citações feitas pelo Dr. DUNal Marcondes.

ASPR] é reconhecida como Sociedade miada à IPA em 1955, noXIXCongresso Psicanalitico Internacional, em Genebra. Desde 1947, jáexiste, no Rio de janeiro, fundado por um grupo de médicos, o InstitutoBrasileiro de Psicanálise; no ano seguinte, chega Mark Burke, membroassociado da Sociedade Britânica de Psicanálise, e inicia a formaçãoanalítica nesta cidade. Em 1948, chega Werner Kemper, da SociedadePsicanalítica de Berlim, que divide a ]{,rmação com Burke. Em 1949,retorna de Buenos Aires, já com sua formação analitica concluida pelaAssociação Psicanalítica Argentina, o casal Perestrello; pouco depoischegam outros analistas brasileiros também ali formados. Em 1951, háuma crise no Instituto Brasileiro de Psicanálise, e W. Kemper, com seugrupo de analisandos, sai e funda () Centro de Estudos Psicanalíticos. Éeste grupo que, em 1955, é aceito pela IPA como SPRf.

A SBPRJ apenas é reconhecida como Sociedade ligada ã IPA em1959, no XXI Congresso Psicanalítico Internacional, em Copenhague. ASBPRj é oriunda do grupo de M. Burke que ficara no'lnstituto Brasileirode Psicanálise, do grupo argentino que havia fundado, em 1951, aSociedade de Psicanálise cio Rio de janeiro e de outros analistas brasileiroschegados ao Rio Com formação analítica feita em Londres'.

Sobre o assunto, ver Perestrello, M. H:istória da Socledade BrasDelra de Psicanálise: SuasOrigens e Fundação. Rio de)aneiro, lmago, 1987.

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Gradativamente as Sociedades latino-americanas vinculadas à IPAprocuram se aproximar e, em 1960, é fundado o COPAL (ComitêCoordenador das Organizações Psicanalíticas da América Latina)no li! Congresso Latino-Americano, realizado em Santiago, no Chile.Desde 1956, realizam-se congress,k' latino-americanos, a cada dois anos,das Sociedades Psicanalíticas ligadas à IPA. Os principaL, objeüvos doCOPAL são o de expandir a psicanálise na América Latina, conseguirmaior representação dessas Sociedades peranle os órgãos psicanalíticosinternacionais, estabelecer alguns padrões e regras comuns na formaçãoanalítica dos países latino-americanos e apoiar oS grupos latino-ameri-canos que ainda não tenham sido reconhecidos como Sociedades pelaIPA'- Posteriormente, o COPAL passa a ser conhecido como FEPAL.

A Associação Brasileira de psicanálise (ABP), entidade quetem por objetivo congregar as Sociedades de Psicanálise do Brasil filiadasà IPA, somente é fundada em 1967. Passa a se constiluir em órgãofederativo dessas Sociedades, respeitando as suas autonomias. Tambémna ABP como nas Sociedades do Rio e de São Paulo, os membros

associados não têm direito a voto LO,

Pelo período de fundação do COPALe da ABP, percebe-se que omovimento latino-americano - considere-se aqui, principaimente, oargentino - está bem maL, desenvolvido que o brasileiro. Só quando asSociedades "oficiais" sentem-se mais fortes no Bra."iil, ou seja. quando seinicia o desenvolvimento da psicanálise e sua aceitação pela sociedadeem geral - entenda-se classes média e média alta - é que se dispõem afonnar uma a''isociação nacional. Entidade que. por sua vez. irá favorecermais ainda a divulgação da psicanálise no Brasil.

Por esta organização, que, a meu ver, não é unicamente buro-crática, mas de controle c, em especial, de apoio corporativo, temos -no caso do Brasil - no alto da pirâmide a IPA (o nivel internacional);logo abaixo, o COPAL (o nívellatino-americanol; depoL, a ABP (o nívelnacional) e, finalmente. as quatro Sociedades "oficiais" (São Paulo, PortoAlegre e as duas do Rio de Janeiro l, fornlando uma rede de apoio e

controle mútuos.

8 lo±m.9 Sobre () assunto, ver: Ra.''Covsky, A. e Grinberg, L. "P:1ssaoo, Presente e Futuro do COPAL". In:

Revista Bra."illeit'a de Psicanálise - vol. VI, nl>! 3 t' 4. 1972, 369-376.10 Sobre o assunto, ver: Estatutos da Associação Bra."illei1'3de Pslca:oálise, 1967, mimeogr.

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i

f

Destas, somente a de São Paulo (SBPSP1,desde os seus primeirosEstatutos em 1949, abre a possibilidade de. além dos médicos. tambémpsicólogos e proti'5sionais de outros cursos superiores se inscreverempara a formação analítica. No caso de outros cursos. fica a critério daComi"sào de Ensino a aceitação ou não do candidatoll.

Apesar de a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo teresta postura e as duas do Rio de Janeiro, ao contrário, só permitiremmédicos em sua fonnação, io;;;so não vai significar maior abertura, menorrigidez". É evidente que, no Rio de Janeiro, esta posição nos anos 70 vaiimpliGlr uma aglutinação. uma união maior dos psicólogos que desejamter o status de psicanalistas. Por isto. o movimento dos psicólogos noRio de Janeiro, no final da década de 60 e início da de 70, é bcm maiscorporativo e apresenta caracterL,ticas diferentes do de São Paulo.

A SBPRJ,em seu primeiro Estatuto de 1959 - talvez por influênciada de São Paulo -, coloca a questão da entrada de psicólogos e outrosprofL%ionais na formação analítica de forma bastante ambígua. Não sedefme claramente contra a entrada, subordinando-a" ... à aprovaçãoprévia de uma legislação que permita o exercício terapêutico dapsicanálise por leigos no pa[,"".

Entretanto, em 1971. quando se manifesta, no Rio de Janeiro, apressão dos psicólogos par.! terem acesso à formação analítica, são votadosaditivos aos Estatutos de 1959, que enunciam claramente, como os daSPRJl', que "... todos os componentes da Sociedade, sejam membrosTitulares, Associados, Candidatos e Aspirantes deverão estar inscritos noConselho Regional de Medicina"l'. Desde o ano anterior, no Regulamentopara a Formação de Psicanalistas, isso é requ[,ito para aquele que desejafazer formação, a"sim como é exigida experiência psiquiátrica de pelomenos um anal'. Ou seja. diante da pressão dos psicólogos. a SBPIUacaba com a ambigüidade: é explícita cm sua exclusão.

11 Sobre o assunto, ver Sagawa, R.v' Op. cit., 2'i!vo1. e Bicudo, V.L "Memória e Fatos". In: Op. cit., p.% .

12 A admissão de leigos na formação analítica em São Paulo vem desde o inído do Grupo Psicanalíticode São Paulo formado em torno de Ourval Marcondes e Adelheid Koch. Sobre isto, ver Sagawa.R.Y. Op. clt, 1" voI.

13 Estatutos daSBPlU. 1959. mimeogr., p. 11.14 A SPRJ,por seus estatutos, aceita para foanação estudantes de Medicina a partir do 3º ano.11 Estatutos daSBPlU. Op. clt., p. 37.t6 "Regulamemo para a formação de Psicanalistas", 1970_In: Estatutos SBPlU. Op. cit., pp.42 e 47.

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Pode parecer estranho que a psicanálise, nas décadas de 40 e 50tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo -, denunciada por

médicos psiqui.atras e neurologistas como prática charlatã, como polui-dora do meio n1édico17, ao se organizar en1 Sociedades - com exceçãoda de São Paulo - exclua qualquer outro profbsional de sua formaçãoque não seja médico. Porém, é perfeita111ente c0111preensíveJ,que,sobretudo no Riode janeiro, vários estudos" tenham assínalado a adoçãodos príncipios da psicanálise pela comuniclade médica nos anos 20 e 30.Tais princípios inscreven1-sc no caD1poda medicina, c11Iboraem suasorigens a psicanáli.se fosse apenas uma modalidade terapêutica, acres-centada às fomlas já exi.stentes.

No entanto. não é a exclusão de outros profL')sionai') que vaicaracterizar o fechamento destas Sociedades a tudo que possa ser cria-tivo, novo ou transformador. Este t,no - muito explorado pelos psicólo-gos no Rio de janeiro, nos anos 70 - é irrelevante se pudermoscompreender algumas instituições que são instrumentalizadas pelapsicanálise, que equipamentos e dispositivos são utilizados por ela eque práticas são ai produzidas.

Nota-se quc a cada novo Estatuto votado nos anos 60 e 70 ahierarquia aumenta, novas categorias de sócios,membros, etc, são criadas.Por exemplo, em 1960 na SBPSP

".. ,silOformadas mai.', duas catL"goria.,anteriores à de "membtv-aderente': que foram as de ''sócio aspirante" e "sócio aderente"(. _.) autrwntando a distância hierárquica de "candidato" a"membro aderente" ( ) de tal 1naneira que se fonna uma pirâ-midf? onde os escalOes superiores sao ocupados por um pequenonúnwro de membtvs e, os inferiores, por um número maior - esempre crescente- (, .). Os altos escalões ocupam todas as posiçoes

de poder nos d~lerentes órgilos da sociedade Os mesmos seteana/Nas didatas e..),.:istentes(..,) sdo sempre os mesmos elementos a

ocupar a presidência da Sociedade, a diretoria do lm/üuto e aComissão de Ensino" N.

17 Sobre isso, ver os episódios de agressão sofridos por Adelheid Koch em São Paulo e a prisão noRio de Janeitode Werner Kemper. Ln:Sagawa R.Y. Op. cit., 2º vo1. e Perestrello. M. Hi..'ltóriadaSBPIU: Suas Origens e Fundação, Op. cil

18 Sobre O assunto ver os trabalhos de Nunes, S. A. "Da Medicina Sodal à Psicanálise". Op, cit. eBirman,). ~Retomando à I-listória". In: Birman,J. (Org.). Op. cit., 07-L 2.

19 Sagawa, R.Y. Op. cit., 2º vo1., pp. 18'; e 188, ao se referir à década de 60.

66

A instituição "verdadeira" psicanáli,e vai permear todos os itensseguintes relativos às práticas analiticas. Entretanto, algo da produçãodesta instituição será aqui mencionado. não só através dos Estatutos dasSociedades, suas organiza~'ões internas e suas burocracias, mas, princi-paln1ente, pela.')práticas que ela dissemina. São inreressantes os escritosde alguns analistas ligados às Sociedades "oficiais"quando da difusão dapsicanáli')e entre os psicólogos cariocas, notadamente entre os que vãose dedicar à chamada psicologia clínica. Leão Cabemite, presidente noiniciodos anos 70 da SPRj,é um dos guardi.1csch "vef(hdeirJ."psicanálise.Seus artigos sobre a "poluição" da psicanálise feita por um bando de"invasores" -Iei.a-se os psicólogos e a segunda geração de argentinos-tornam-se os bastiões da prática mais reacionária e fascista.

Maso que é a "vercladeirJ."psicanálise?Aprodução de uma prática,de um território onde a "verdade" está presente, onde os que não fazemparte de uma formação especitlca - a realizada nas Sociedades "oficiais"- não podem a ela ter acesso, nem dizer q~,e a exercem.

Esta ínstituição produz fortes subjetividades, poi.s, como veremosao longo deste trabalho, não são apenas os psicanalistas mais "à direita"que d,sseminam este tipo de pensar a prática psicanalítica. Ela estápresente nos anali.stas considerados "progressi.stas", com a tutela queexercem sobre o movimento dos psicólogos no Rio de janeiro e a posturaque, em São Paulo, Loman1com relação aos acontecin1entos de 68 na1rsp, por exemplo. Pior, ela está presente nos próprios psicólogos tantocariocas quanto paulistas que, para exercerem a prática clinica, têm quese submeter à formação analítica nas Sociedades ligadas à IPA.Ela estápresente e difundida como crença nas classes média e lnédia alta, quesão os clientes e consumidores dessa psicanálise.

Num contexto político onde grassa a censura, o terror nos lnaisvariaclosespaços, o medo e o "desbunde", em que os projetos de ascensãosocial tomam-se prioritários, no qual o inrintismo predomina emdetrimento do público e o familiari.smoé a tônica, esta forma de pensaruma prática clínica é hegemônica. lima clínica que nada tem a ver como mundo. filas C0111uma assepsia fastigiosa, com uma total desvincu-lação de qualquer tipo de implicação, de transversalidade.

É o falso objeto natural de que nos fala Paul Veyne, na Introduçãodeste trabalho, como algo não produzido hi.storicamente: a prática

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psicanalítica é este objeto que é assim, sempre foi e será, como um dadoem si, que tem existência própria e que é, portanto, natural. Para ospsicanalistas "oficiais", a lPA representada pelos herdeiros diretos doGrande Pai - aqueles que detêm os conhecimentos por ele ensinados-é o Olimpo de onde advêm todas essas "verdades". Este religioso respeitoe submissão que todas as Sociedades "oficiais" demonstram em relaçãoà grande instância, personificada pela IPA, é meramente a forma degarantir sua vinculação a ela, o que lhes permite usufruir tantos prestí-gios e privilégios políticos e sociais. Para a sociedade em geral, somenteelas - como efeito da produção de suas próprias práticas - são asdetentoras da "verdadeira" psicanálise.

Como templos sagrados, estas Sociedades devem se resguardardas misturas, impurezas e poluições que estão ao seu redor, que circulampelo mundo. Como vestais, sacerdotisas e guardiães do Santuário deVesta (a deusa da Vida entre os romanos) - inacessível aos leigos -,devem manEersua virgindade, enquanto estiverem a serviço do culto'OAssim, os psicanalistas "oficiais" resguardam a pureza da "verdadeira"psicanálise e por isso poucos são os privilegiados que têm acesso aesses templos sagrados, poucos os que podem funcionar como vestaL>;antes, devem ser "purificados", evitando toda e qualquer mistura.

Não são apenas os analistas maL, "conservadores" os que defen-dem esses lugares santos; estes, sem dúvida, são os que maL,alardeiamcom seus discursos/práticas tal religiosidade. Entretanto, muitos con-siderados "progressistas", que, em suas falas até podem questionar essestemplos sagrados, em suas práticas só fazem reafirmá-los e reforçá-los.Os jovens psicólogos querem - e muito - ser "iniciados"em tais "mistérios"inacessíveis aos simples mortais e, para isso, de início aceitam e atépedem a tutela dos que já estão dentro desses santuários e os podem"iniciar". Posteriormente, organizam seus próprios templos - é verdadeque em cinJa de uma série de críticas a todas essas mitificações -,terminando por criar outras religiosidades, outras "verdades", outroseleitos, outros "iniciados", outros sacerdotes.

2J) Prática religiosa entre os romanos antigos. No apogeu do chamado "mundo romano", as antigaspráticas religiosas, antes realizadas pelas famílias, tornam-se públicas e formais e passam a serControladas pelo Estado, que organiza um corpo hierarquizado de sacerdotes, etc. In: Bloch, R. eCousin, J. Roma e seu Destino - Coleção Rumos do Mundo. Ilsboa, Cosmos, 1964.

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Entrementes, na primeira metade da década de 70, a hegemoniaestá com a instituição "verdadeira" psicanálise que naturaliza umadeterminada prática clínica. Através desta, facilita e fortalece a produçãode certas subjetividades que se entranham profundamente em todos osporos da..')camadas nlédias urbanas brasileiras.

Para a "verdadeira" psicanálise, a fortnação deve merecer todosos cuidados, deve ser "especial", pois a iniciação em seus "mistérios" écoisa delicada e pode se tomar perigosa se não houver unJa "preparação"adequada. É necessário exercer um hom controle sobre aqueles que um

dia irão representá-la, sobre aqueles que no futuro serão seus guardiães.

Por isso, para os analL,tas em geral, a psicanálise não pode seruma formação dada em Universidades, poL, necessita de todo um pro-cesso e formação próprios e diferentes dos utilizados academicamente.Suas supervi"àes clínicas, cursos, análi')cs didáticas, enfim, o treinan1entopsicanalítico deve ser função exclusiva dos Institutos das Sociedades enão de qualquer analista individualmente, afirmam sem exceção todosos psicanalistas ligados às Sociedades conhecidas como "oneiais".

fi - A INSTITUIÇÃO FORMAÇÃO ANAIirICA ou

A PEDAGOGIA DA SUBMISSÃO

Outra. instituiçào que é instrU111cntalizada dentro da..-"Sociedades"oficiais" é a da l()nna~ào. t\aturalizam-sc o domínio dos didatas, seu

poder c os ritos de inicia\-~ão, que cada vez se tornam lnais conlplexos.

() dicima,coll1mai, prestigio que qualquer médico, padre ou professor,possui um enorme controle na avaliação do aluno; suas infoffilações sào

fundamentais para que se possa saber do "real :lproveitamento" doscandidatos a analistas. E com 1I1na agravante: são oS responsáveL,;;;pelaanálise terapêutica pessoal desses candidatos c devenl informar sobre

oS seus "progressos" nas sessôcs analíticas. São .os representantesplenipotenciários dessa fonnaçào COIl1U1l1sumo poder, Untl SUIlla razão

c uma suma verdade. Esta relação produz e fortalece por um lado :Ionipotência, a força, a dominação dos anali'itasj por outro, a in1potência,

a tr:lqueza e a .>ubmi"ão d,,, candidatos.

De um modo geral, os dicbtas se comportam como se este lugar

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fosse vitalício e cotno se tivessem adquirido, por herança, a..c;suasatribuições. Embora os Estatutos dessas Sociedades prevejam a possi-bilidade de afastamento de tal função, não se tem notícia de nenhumcaso em que isto tenha ocorrido,H.

"Os didatas são considerados os "maL" dotados", os "melhores':etc e, portanto, constituem um ideal a ser atingido por todopsicanalista dentro da sociedade (.,.) e OJ mecanismos íns~

titucionaís passam a ser manipulados por esses detentores comoum grnpo especializado de conhecimento ,,!~

Assim, a análise didática é considerada o aspecto mais importantena formação de um analista. Este tato, muito enfatizado nos anos 70,

corresponde ao que já apontamos como a psico!ogização da vidacotidiana, a produção de subjetividades voltadas para o privado, para ointerior do sujeito, para o seu autoconllecimento. Por sua vez, tal atlnnaçãoalimenta em muito o poder dos dielatas e, elo ponto de vista elo "discursoda competência", empobrece a formação. Segundo infoffiuções obtidaspor Sagawa em São Paulo "". a formação psicanalítica no Instituto dePsicanálise restringiu-se a Freud, Klein e Bion a partir de 1970"". No Riode Janeiro o "kJeinianismo" domina n'"s duas Sociedades. São centros deformação que importanl continuamente uma psicanálise estrangeira e ospsicanalistas locais são meralnente reprodutores dessa psicanáliseimportada (sobretuclo da Inglaterra). I'\ão há, portanto, uma produçãoque se possa chanur cle origirlal; estuda-se e aplica-se a teoria e a témicados "mestres" estrangeiros de forma mecânica e totalmente acrítica.

Isto é facilmente corroborado não só pela pobreza da formaçãoanalítica - dentro do que a própria psicanálic;e considera como umprofissional "competente" -, como pelo poder dos didatas. Seu númeroé tão reduzido para atender à crescente demanda dc candidatos àformação, que seu trabalho se reSUlne ao tncro atcnditnento a esses"aspirantes" a psicanaIL'itas, ~través das análises didáticas e supervl'iÕeSde casos. Pouc,>, di,iatas têm uma clientela fora deste universo e a poucaprodução teórica realizada na época limita-se à reprodução pobre deUlna psicanálise estrangeira.

21 Há somente um exemplo na SRPSP que comentarei à parte como uma situação analisadora da

"verdadeira» psican.ilisç e formaçào atulitica.22 Sagawa, R.Y. op. cie, 2q ;:01,p. 201_

23 Idem, p_ 203.

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Os preços cobrados por esses cspeciJ.ljstas repercutem na socie-dade em geral como uma valorização desse trahalho, o que vai tomá-loextrenlarnente lucrativo pela pouca concorrência. Tal fato determina opequeno número de didatas e de psicanali,tas fonnados dentro da óticada "verdadeira" psicanálise. Esse saber venl satisfazer c fOlnentar asdemandas então produzidas e, por ser ainda reduzido o número deprofissionais, seus serviços são oferecidos dentro de altos padrõesIlnanceiros. Statw' de psic.malista é tão atraente. tão ambicionado pelosjovens profissionai'i "psi" Esse elitismo em muito <1wli a classe médiados anos 70 no Brasil com seus projetos de ascensão sociai. Esta simpoeleria pagar '" altos preços exigidos pelas Sociedades "otkiais" para afonnar;flo analítica.

Tal situação é naturali7~~daem cima da produção oficiai da épocasobre a quest30 do público e do privado. A subietividadc que vai sendoconstmída é a de que os estabelecimentos privados - aqueles que melhoratendem, em todos os setores - devem cobr..lr alto pelos seus serviços,visto que os oferecidos pela rede pública são de péssima qualidade. Vaise produz.indo, em grande parcela ,la população, principalmente na classelnédia, o apoio :l privatizaçào, que chegaria <1 seu auge nos anos 90. Porl,)SO,não L:lUSasurpresa alguns entrevistados pertencentes à.., Sociedades"oficiais" afirmarem categoricamente que a discussão sobre os altos pre-ços - cobrados pela tOTIna\,'ãoanalítica e pelos própri<)s psicanali"tas emseus COn<iu!lorios- ê uma clcmagogia, Vl<itoas Sociedades serem estabe-Jecinlentos privados e terem, de:-;t:1ronna, o direito de cobrJ.r alto.

Esse número restrito de dicbta..r.;, reconhecido por muitos psicma-listas, é t:lInbém uma fonna de "... sustentar o controle interno no quese refere J. possibilidade de ocorrer ou não uma fl'isào {na Sociedade r~4.ToLlos e quai.")quer conllitos que ocorrem dentro (tessas Sodedades sãopsicologizados, vi,')tos como conflitos pessoais, movimento passional,faha de análise ou meS1110 a cOlnprovacio ele uma análise lnal feita. Emoutros G.l •..,os, são considerados como desavenças de ordeln teárica,trai\'ão ao espírito da psicanálise, tentativa de denegri-ia ou heresia.

Estes últimos rótulos são colocados p:ua os grupos que fazem

21 Sapwa, R_Y0r. cil., p_ 2'50, Sagawa referc'-sc a islo qUJ.nJo rah que, para .~eformar um Stud)'

(~rotlprl'conhecido pela LPA,~ llec<;,sS<Írioqw hajJ. pelo menos um didau_ 1Jm Study Groupé oprimeiw reconhecimenlo !Cito pela !1','\ qUe: (!.:trá posteriormente, origem a unu Sociedadel',<;ic:rna!ílicL

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oposição interna dentro das Sociedades "oficiais", e também para ospsicólogos - os do Rio de Janeiro ~ que, por não terem formação nessasSociedades, não podem se dizer psicanalLsta8.Ao se denominarem ,"ssim,traem o espirito da psicanálise, denegrindo-a. As lu1.:18internas pelopoder dentro das Sociedades "oficiair;;" e mcsnlO as características auto-ritárias, ditatoriais, que 1l1arCam a formação analítica são vistas por mui-tos como diferenças ele ordem teórica. Em S;io Paulo. o "bionianistno",dominante nos anos 70 na SBPSP,principalmente em sua cúpula dirigentc.é considerado C0010 responsável pela rigidez, pelo autoritaristno quecaracteriza esta Sociedade". Da mesma forma, vários psicanalistas, noRio de Janeiro, afirmam que o "kleinianismo", dominante na década de70 nas Sociedades "oficiais" nesta cidade, é o responsável, de um lado,pela leitura esquemática e pobre da realidade social e psiquica -privilegiando a realidade interna em detrimento da externa - e, poroutro, pela postura rígida e autoritária dos psicanalLstas dominante da

época.O que está embutido nessas situaçôes nio são posturas teóricas

diferentes; são posturas que corrcspondem às práticas c às suhjetivi-dades dominantes produzidas no periodo em que a rigidez, o dis~mcia-mcnto e a neutralidade são sinônimos de cientificicbde, e a psicologi-zaçào, o mundo interno e o domínio do privado são enfatizados e fortale-cidos. São crenças tatnbém presentes nos próprios dispositivos defOllllaçào analítica. e coerentes com todo o funcionamento da...~instituições

que necessitam de Ut11Mestre, um Pai, lIt1la Burocracia, em SUlna, de ummodelo qualquer para excomungar as diferen,'as, a.' diversidades.

Estas prática..'i, ao apontarem os "desvios", as "fon11asdegrad.adas",g'd,dntem a justeza de sua.s linhas. "O Supremo Tribunal do in,conSClentedLstribui absolvições e condenações"'b A questão do poder é sempreescamoteada, sempre afastada em nome da l Inião Societária fortementeinstituída. O que vigoram são os deveres disciplinares estabelecidos noseS1.:1tutos,sentimentos que devem ser comuns e de solidariedade doutrínal.

Ma~c; do que ~c;;so,os fatos apontados produzen1 a infantilizaçào, adesqualificação do analL,ando. Este é tratado e percebido como um bebê,pOle;; sua vida mental eSQ nas màos do analista que o ajudará - con10 um

2') Sobr~ isso, ver al~n.<, depoimemos coktados por S:Lg3.wa,R.Y ()p. cit., 2" 1101.1h Ca.<,tel,R. O Pskanali ••mo. Rio <1.'Jandro, Gr;l;l!, 197$, (1_ 17.

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Pai, um Mestre, um Modelo - a caminhar e a ';crescer"27. Por isso, emtodas as três Sociedades ligada.s à IPA, os membros a.>soeiados (opsicanalLs1.:1já formado) es1.:1tutariamente até os anos 80 não têm o di-reito de participar nas Assembléias Gerais e muito menos vo1.:lr. A"criança", que é o analisando. não pode, assim, dispor de sua criati-vidade, originalidade. A liberdade, a criação, a CritiCA,enfinl, a singulari-dade está terminantemente proibida neste espaço. A obediência e aservidão são as nonnas vigentes. A inslituição-fonnação, desta maneira,produz, naturaliza e tenta eternizar as relações tipo senhor - escravo,dominador - dominado, explorador - explorado. O candidato submetido,dominado e explorado faz da sua capitulação o preço que paga para setornar um dia senhor, dominador e explorador. A submLssão e ainsignificância de hoje serão o poder e a onipotência de amanhã.

A psicanálLse, ensinada como uma teoria abstrata praticada porespecialistas abstratos - "... o psicanalLsta não é médico ou não-médico,é psicanalista"" -, produz um espaço protegido, asséptico, onde arealidade cotidiana não entra, onde a neutralidade impera. Predominamo intimie;;lno, o ptivado, o "destino c1a..'c;puL<;ões" e os mecanic;n10S e proces-sos psiquicos. Há uma produção ativa de invalidaç:ão do sócio-político",o que, em realidade, faz com que a psicanálLse e sua fOfilaç:ão se tornemcúmpHces do Sl'5tenla sócio-econônuco em que se inscrevem.

A fOIll1:lçãoanalítica e a.spráticas daí decorrentes têm efeitos sociaispoderosíssimos, poi, naturalizam um gru po particular de especialistasque têm o monopólio da "escuta" e são vL,tos, pela sociedade em geral,como tlgura.s poderosa.s, respeitadas e idealizadas, transformando-se emmodelos de referência. Naturalizam uma postura "asséptica", "neutra" e,portanto, considerada "objetiva" e "cientifica". Fomlecem as subjetivi-clades hegemônicas produzidas nesses anos, ao aflfll1:lrema necessicladedo crescimento pessoal, do voltar-se para dentro de si mesmo, de suafan1ília, ao enfatizarem a importância e a construção de um climacarregado de afeto.

Há, na sociedade em geral, a produçáo de demandas quenecessitam do "apoio" e do recurso psicanalitico: as relações familiares

27 Tal comparação foi feita por muitos entrevistados ligados às Sociedades "ofidais".28 Cabernite, L "Regulamentação da ProftsSio de Psica.nalista~.In: Revista Brasileira de Psicanálise,

vaI. VI, nQ,1 1 e 2, 1972, p. 33.:!'J C.-asteI,R Op. cito

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(a famosa "crise" a que já me referi), os ideais de feminilidade e mas-culinidade"', a exploração das potencialidades emocionaL" a "orienta-ção" para os processos decisórios pessoais, etc31. Estas demandas sãoproduzidas e fortalecidas, principalmente, entre os profissionaLs lilJerais(psicólogos, professores, artistas, intelcctuais, etc.) e estudantes univer-

sitários que desejam se autoconhecer,

.. "melhorar" a "qualidade" de seus uínculos erotico..", afetil'o.." efamiliares, "ampliar" sua criatiuídade, iniciativa ou eficiênciaprofissionais ( ..). Há, enfim. uma "ampliação" da detnanda r. .. )a queixa tomando-se cada vez mais inespeciflea ",1 (as aspas sãominha responsabilidade),

Ou não seria, em vez de ampliação da demanda, uma naturAli-zação desta demanda? Naturalização no sentido de que ela não é perce-bida como produção dessas próprias práticas "psi", mas como um objeto

já dado e, portanto, natural.Duas reações ocorrem nestc penado entre os próprios psicanalistas

"oficiais". De um lado, os mais "progressi,tas" acreditam que se estáiniciando um processo de "democratização" da psicanálise, visto queseu consumo torna-se cada vez fi1aior. Por outro, as reações são demedo e perplexidade, uma vez que a psicanálise está se transformandonuma "mercadoria de consumo". No Rio de Janeiro, quando se iniciamas pressões dos psicólogos para terem acesso ã formação analitica, essespsicanalL,tas defendem suas práticas atacando tais movimentos eprocurando "resguardar" a psicanálise de ser conspurcada. Entretanto,alguns entrevistados - tanto no Rio quanto em São Paulo - admitem quefoi esse o periodo em que mais prosperaram fmanceiramente. As filasem seus consultórios são c'ada vez mais numerosa,', e a psicoterapia degrupo passa a ser utilizada como forma de dar vazão ã demanda entãorecrudescida ou para atender a alguns segmentos de classe média quenão podem pagar os altos preços de uma análLse individual.

A única voz crítica e que, na época, mostra tal produção é Katz,que, em uma de suas obras", questiona e denuncia a utilização das

30 Sobre o assunto, ver o texto de Santos, T.C "Representações do Masculino nas Revistas Femininas~.

[n: Birman,J. (Org.). Op. cit., 253-263.31 Figueiredo, A.C.C Op. cit;, pp. 12 e 13·

32 Idem, p. 13.33 Katz, C.S. Psicaná1ise e Instftuição. Rio de Janeiro, Documentário, 1977.

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práticas psicanaliticas e o poder das Sociedades "oficiais" que se julgamdonas da formação analítica, detendo o monopólio da psicanálise.

O que pretendi apontar até aqui é que as práticas dominantesdentro das Sociedades "ot1ciais", com seus dispositivos e instituições,favorecem em muito as subjetividades hegemônicas produzidas e apsicanálio;e só tem passageln. só se toma um hoorn, porque há essesprocessos de subjetivaç::lo típicos elo capitalismo monopolista. No casodo Brasil, trata-se ele uma ditadura militar - o que agrava mais ainda asitua~ào - e, ao lado de tais produções, há outras; uma forte repressão,uma violência extremada, uma ferrenha censura e um enorme poderíoela núdia no sentido de impedir toda e qualquer resistência, toda equalquer construção singular, toelo e qualquer agenciamento. É nessecontexto de terror nos diferentes microespaços, de lnedo, imobilismo eapatia de quase todos os setores da sociedade que as práticas psicana-líticas se expandem e ganham características bem mais autorítárias. Umexemplo é a realização, em 1970, eloVlll Congresso Psicanalítico Latino-Americano, em Porto Alegre. O tema original "Violência e Agressão" foialterado, por decisão da maioria elas sociedades participantes, para"Correntes AtuaL, do Pensamento Psicanalítico", com o voto contra daAssociação Psicanalítica Argentina. Relata um representante da Ar A:

"As cúpulas das A.~ciações hrasileiras, de cuja inkiarn'tl partiraa mudança do tema, Unham cargos oficiais que poderiam perder,e seu medo expressava seu grau de cmnpromi.r;s()com o regime deterror polkial do paíç"-"4,

Aprimeira metade dos anos 70 - que, como já mostrei, é o períodode hegemonia da psicanálise e da formação vinculadas à IPA - é repre-sentada, no Brasil, pelos anos mais terríveL' de perseguições, tortura.s,seqüestros, assassinatos, desaparecinlentos dos que se opunham aosmodelos então vigentes, desele os modelos ligados ao sistema em geralaté aqueles como os de tanulia, o sexual, o de estudante, o de jovem,etc. Tanto os chamados militantes como os h ippies são, nestes primeirosanos dos 70, aIÚquilados e/ou cooptados. .

Yí Bra.slavsky, M.B. e Bertoldo, C "Anotações para uma História Atual do Movimento PsicanalíticoArgentino: Interpretaçào Crítica da Ideologia e da Ação Política de UmSetor de Pequena Burguesia".In: Langer, M. (Org.). Questionamos 2. Belo Horiwme, lnterlivros, 1977, 2S-48, p. 33. Sobre esteassunto, ver também: Castel, R ()p. cit., pp. 14 e 44.

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o terrorismo de Estado está presente - não como simples re-produção de um poder maior, mas como de uma série de práticas so-ciais - no cotidiano, não só desses grupos de jovens, mas nas populaçõesperiféricas das grandes cidades e na sociedade em geral.

Sobre esta questão é importante a vL,ão que Foucault nos traz,não somente sobre as práticas sociais, mas, em especial, sobre o quechama de microfisica do poder, que seriam os processos de constituiçãode práticas, discursos e modos de subjetivação. Para ele, o nivel doEstado e o das práticas não podem ser" ... confrontados como realidadespré-existentes e sim articulados, pois é ao nivel do próprio corpo socialque o poder toma corpo"" (grifos meus). Onde há o poder, ele se exerce.

"Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, elesempre ,çeexerce em determinada direção (. __). Cada luta sedesenvolve em torno de um foco parlicular do poder f..J E sedesigtUlr os focos, denuncid-los, falar deles publicamente

é UIIUlluta, não é porque ninguem ainda tenha tído consciên-cia disto, mas porque falar a esse respeito - forçar a rede de infor-maçâo institucional, nomear, dizer quem fez, o que fez,denunciar o alvo - é a primeira inversão do poder, é mnprinreiro passo para outras lutas contra o poder "c\6 (grifas

meus),

l'\O Brasil desse período, vigoram diferentes práticas sociai, comoa do exterminio (não só dos opositores aos modelos vigentes, mas desegmentos empobrecidos da população), o que gera um enorme medoe progressiva apatia; as práticas eufóricas ligadas aos projetos de ascen-são social (principalmente nas classes médias urbanas), que geram"ufanismo" e intimismo; as da núdia (justificando e valorizando tanto oextermínio quanto a ascensão social). Todas elas produzem e/ou forta-lecem determinados modos de subjetivação, todas elas mostram comoos micropoderes se exercem em diferentes partes do corpo social.

As práticas decorrentes da psicanáli,e, aliadas a todas as demai,nessa fase, geram também uma série de efeitos que, em realidade. vãoconstimindo um "determinado" sujeito, úpico da, camada, médias urbanas.Muitos autores apresentam a difusão dessas práticas "psf' sem, no entanto,

35 Rodrigues, H.B.C As "Novas Análises". Projeto de Dissertação de Mestrado - UER) , Institulo de

Medicina Social, 1991, p. 32.36 Foucault, M. Microfisicado Poder. Op. cit., pp. 7'; c 76.

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apontar para a produção deste "outro" sujeito que está sendo construidono cotidiano de tais práticas.

Este "determinado" sujeito vai sendo criado e estimulado à medidaque a psicanálise nos grandes centros urbanos brasileiros invade a midia- a grande imprensa, as revistas feminl.nas", a TV - produzindo a chamadacultura psicanalítica", sob cuja ótica a vida cotidiana das classes médiae média alta passa a ser tetuatizada e vivida.

"Cresce a publicaçào de UI/m.sacessÍlri'i aos "leigos'; de re1lfsta..'i

especializadas, de reutsta..'ifemininas com seções de aconselha-mento psicológico assinadas por psicanalistas e psicólogos r. ..).Mais recentemente doiç diários cariocas publicam colunas as-

sinadas por psicanalistas que respondem âs cartas dos leitoresTambém a telel)iSdo oferece espaço para uma pedagogia deinspiração psicanalítica em programas femininos e debatesvariados, ('ISO sem mencionar a..'i norlf!lase programas bumoTÍ'iticos':ll4as is.to não é psicanálise!'~ diriam alguns puri.çtas Tatuezpossamos retmcar: "Istotambém li psicanálise'>::I9(grifo do autor).

Diferentes setores da vida social brasileira sofrem esses efeitos:são psicologizados. Toda e qualquer crise é vivida como necessidadeterapêutica, pois os especialistas "psi" estio ai para aconselhar, esclarecer,instruir e acalmar pais, mães, maridos, mulheres'" e para propor modelos- condizentes com os dominantes - de criança, adolescente, família,casamento, esposa, etc.41, produzidos pelas suas próprias práticas.Absorve-se o "modo" psicanalitico de compreender os mais variadosfenômenos do cotidiano, através da utilização crescente de palavras,expressões e concepçôes próprias da psicanáli,e, onde tudo passa a serexplicado a partir de esquemas interpretativos já dados.

Mesmo os psicanalistas "progressistas" encontram-se marcados portais modos de se perceber - enquanto psicanalL,tas - e perceher o mundo

37 Sobre o assunto, ver o artigo de Santos, 1'.C. "AMuUler liberacb. c a Difusào cb. Psicanáli,se"_ In:Figueird., S.A. (Org.). O Efeito Psi. Op. cit., 103-120.

38 Sobre () assunto. ver Figueira, SoA-(Org.l. Cultura da ~icanálise."São Paulo, Bra,silien,s~,198S.39 Figueiredo, A.CC. Op. cit., pp. 14 e 1'5.40 Russo,j."A Difusão da Psicanilise nos Anos 70: Indicações Para Uma Análise" In: Ribeiro, I.

(Org.). Sociedade Contemporânea Brasileira: Familla e valores. São Paulo, Loyola, 1987,

189-205.4] Sobre a questão do casameruo, ver Ru..~so,J.e Saruos, T.C "Psicanálise e Casamento". In: Velho, G.

e Figueira, S. A. (Org-s.J. FamiHa, Psicologia e Sociedade. Rio de janeiro, Campus, 198L, 277-

.W'5.

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"psi" c (} mundo que os cerca. Basta ver seus discursos/práticas noinstante em que pretendem explicitar um projeto politico em nome dapsicanálise". Exemplos disso temos quando, no inicio dos 80, nas trêsSociedades "oficiai.~", instalan1-se scrÍssirnas crises, que n10stram ()l1lomento histórico que o Brasil atravessa: revigoramento dos movul1enlospopulares e SOCiaL',processo de "abertura", embora lento e gradual.

Os movimentos dos psicólogos - maL' no Rio de Janeiro do queem São Paulo - em sua luta pelo status de psicanalista, apesar de todasas críticas que fazen1 às Sociedades "oficiai<' e à sua fonl1açào, ao orga-nizarem seus estabelecimentos. reproduzem quase integrdIJnente asinstituições formação analítica (nascida da lPA) e a ·verdadeira" psica-nálise. Também eles estão marcados pelas vL,ões intimistas dc psicana-lista e de mundo geradas pelas práticas "psí" e pelas subjetividadeshegemõnicas da época.

A ·verdadeira" psicanálise, de início através da criação da IPA edos diferentes Institutos de Formação, tem a pretensão de ser a "pura"psicanálise, e estes dispositivos são alguns dos principaL' fatores paraque se possa assegurar esta "pureza", pelos cuidados no sentido deevitar poluições, ntisturas, Se tais equipatncntos são criados para cuidarda transmissão, instituetll, por isso, unla detenninada escuta.

Essa escuta ''verdadeira'' C' um certo discurso psicanalítico sãopedagogicamente ensinados, transmitidos nas Sociedades "oficiais" comoos únicos que, realmente, representam a psicanálise; ganham foro deverdade única, absoluta e inquestionáveL Isto não é privilégio da formaçãoligada ã IPA, POL'as diferentes filiações vão determinar diferentes tiposde escuta e dL,cursos. Cada estabelecimento criado vai instrumentalizara instituição da fOffiução de modo que fique encarcerada num deter-minado território, onde estão presentes o dognutismo. a escuta "verda-deira", a ortodoxia, a estrita observância a determinadas regrds do pensar/fazer, o impedin1cnto da CTiaçlO,a pennanência da "mesnucc". Em suma,01esmo aqueles que criticam a fonnação "oficial" vão, em muitosmomentos - ou ctn quase todos - cair no dogma, na ortodoxia, noenclausuramento.

42 Castel, R.Op. dt., pr. 20 e 21

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f

!

m- ALGUMAS SITUAÇÕES ANALISADORASD~PRÃTIC~ PSICANALÍTICAS43

Como exemplos do que foi apontado sobre as instituições forma-ção analitica e "verdadeira" psicanáIL~e,utilizarei alguns acontecimentoscomo analisadores de tais institui\,'Ões. Minha intenção, ao descreverestas situações anali,adoras. é colocar no cotidiano alguns fatos que nosmostrem como efetivamente funcionam, como a..c;prática.o;;; e os dispositivoscolocados a seus serviços di~ciplinam, normatizam, moralizam, cerceiam,acusarn, expulsam e se tornam cútnplices de UOlverdadeiro terrorismo.Citarei os casos Werner e Katrin Ken1pcr, o caSo Décio Soares de Souza,o caso Regina Chnaideffiun, o caso Helena Besserman Vianna e o casoAmilcar Lobo.

Estes acontecimentos se impuseram a mim na qualidade deanalisadores espontâneos. Ao fazer muitas das cntrevist<L":i,eles vieratninesperadamente ao l1leu encontro, considerando uma série de forçasaté então dL'persas; eles próprios reali2aram "por si mesmos" a análise,sem a necessidade de "peritos" para esclarecê-los. São, portanto, formasde intervenção

a nfveJ do L'Ívido (resgatando) acontecimentos rj'etil'amenteuilJidos(..,) que podem serfontes autênticas de conhecirnento e detransformações sociais. Ou melhor dizendo, rel'alorizam ae"periêncta direta, o "saber das pessoas'~ como pos..",ílJeiscami-nhos para a análise política, para o inconsciente político, para oacesso ao que foi Cce) ativanwnte reprimido epara os rnecanL",mossociais etIuoltos nesta repressão'''".

Estas situações analL~adoras trazem "por si mesmas" "problemas"analiticos fundamentaL': "... poderão os clientes dos psicanalistas analisara instituição psicanalitica e suas implicações' Poderemos saber com quem(com que agentes, com quai, implicaçües) nos analisamos'''''.

43 Este item, com algumas modificações em sua parte inicial, foi publicado in: leitâo, H.S., Rodrigues,H.B,C. e Barros, R.D.R (Org-s.l. Gropos e lnsthuIçõe~ em Análise. Rio clt' Janeiro, Rosa dosTempos,1992, 19~41, sob o título "A (de} Formação "psi": Alguns Analisadores", pp, 19-41.

44 Rodrigues, H.H,C. "Psicoanálisis Y AnálisLsInstitucional". In: Boletln del Centro Internationalde lnvestlgadone~ eu Psicologia Social Y (:rntpal, Rio de Janeiro, nº 10. julho/1987, 78-100,

p.93.45 Idem, p. 88.

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Page 56: Cecília Coimbra - Guardiães da Ordem - Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre

1 - O ANALISADOR WERNER KEMPER

Werner Kcmper, membro da Sociedade Psicanalítica Alemà, dlegaao Brasil em 1948, dividindo a fOrn1açàoanalítica no Rio dc janeiro comMark Burke (vindo de Londres um ano antes J. Em 19~I, separa-se deBurke e, eom seu grupo de analisandos, funda o Centro de EstudosPsicanalíticos do Rio de janeiro que, em 19~~, foi reconhecido pela IPAcomo Socíedade Psicanalítica do Rio de janeiro.

O que pretendo mostrar aqui,em hipótese alguma, liga-se àsacusações que muitos psicanalistas, nestes Últinl0S anos - alguns daSBPRJ-,têm feito a Werner Kemper de ter participaclo do regime nazista.Pretendo, sinl, assinalar como sua permanência na Alemanha, após 1933- por ocasião da subida de Hítler ao poder -, em realidade, mostra aonussào e a conivência da prática e da instituição psicanalíticas com onazismo.

Necessário se faz refletir um poueo sobre a história da psicanálisena Alemanha de 1933 a 194~ e as responsabilidades da IPA, de ErnestJones e do próprio Freud com relação aos compromissos que vào sendofirnlados com o regime nazi.,ta.

Em 1933, logo que Hitler sobe ao poder, há um decreto proibindoque judeus assumam a presiclência de estabelecimentos cientificos. Équando - por insistência de Freud- Eitingon (entào um dos presidentesda Sociedade Psicanalítica Alemã) deixa scu cargo. Freud e ErnestJones,assim como a IPA, consideram a proibição da psicanálise na Alemanhainevitável, luas aconselham que não se deve fornecer pretextos àsautoridades alemãs"'. Ficanl como presidentes da Sociedade os não-judeusDrs. Felix Boehm e Carl Müller - B',lUnschweig. Dois anos depois, coma entrada em vigor das leis raciais, as pressões do Partido Nazistarecrudesceul, exigindo a exclusão de todos os membros judeus daSociedade Psicanalítica Alemà e, na presença de ErnestJones, a metadeele seus membros - que eram judeus - decide sair. Jones a respeitoescreve:

46 Infornuçôes retiradas do artigo de Drager, K. ~Obser\'ações sobre a Conjuntura e o Destino daPsicanálise e da Psicoterapiaru Alemanha entre [9.j3 e lQ49" In: Katz,C.S. Pslcanáll'ie e NazismoRio de Janeiro, Taurus,IQ8'5, ('.4-21.

30

"As opiniões se dividem sobre essa qu~1ão. Alguns acbam que émais digno a Sociedade, em sinal de proÜ!sto, se di.<.soliter, comofizeram os colegas holandeses numa ocasiào semelhante_ Atasnaquele momento, ainda bd um resto de esperança de podersalvar alguma coisa "4: (grifos meus).

Boehm relata que" ... os poucos judeus que ficaram na AlemanJlatOlnam a decisào ele se demitir da Sociedade", Os "poucos" judeus sãoIRmemhros,

".__simplesmente a 11U1ade de lado.s os associndos da éjxJCu. () relato

de Boehm pretende dar a impressão de que osjudeu", têm naquelemomento a possibilidade de escolha de se demitireme.\pontaneamente ou fiearUgados Cl.mciedade cientifíea. () relatose torna, jJ01'ém, totalmente questionà1lC1 s(' til'cnrlOS em mente

( ) que, na mesma reunião, o analista alemdo fJr Kamn, ndo

judeu.. df:?nite-se em P1Vtesto â demÍ';sao dos colegas judeus, e. comoeles, emigra "<\t>.

No ano seguinte, ctn 19.16,os nazistas confi"clm a quase totali-dade das propriedades, livros c reviSlas da Editora PsicanalíticaInternacional, em Lcipzig, e gr'Jdativamentc vê-se a í.TCSCCJllearian.i7...açãoda Sociedade Psicanalítica Alemã. Ainda em 1936, Boehm é infonl1adopelo governo nazista de que não seria concedida pennissào a um institutopsicanalítico para ensinar c fomlar candidatos. Por pressão dos nazi')tas,a Sociedade Alemã desliga-se da li' A e ingressa no Instituto Goring(1nstituto Alemão de Pesquisa Psicológica e Psicoterapia, dirigido por M.H. l~oring), estabelecimemo psicoterapêutíco onde estavam todas as, correntes <;psi"alemãs. "Na cspcran~:a de sobreviver como departamentoautônomo (..,) os psicanali<;tas aí trabalham c oficialmente continuamcom seus consultórios particulares"49.

A Sociedade Psicanalítica Alemã faz parte do Instituto (;oring so"o nome "Grupo de Trabalho A", sem que seus membros possml1 seintitular analistas, sendo o vocabulário psicanálitico omitido e mesmoproibido, e apenas os chamados "tratamentos didáticos" realízac!os. Nesternstituto, as obras de Freud são trancadas e os e::mclidatos só podenlconsultá-las através ele pedido assinaelo'ifJ.

4"' Idem, p. 11.

48 Brainin, E. e K.1miner, 1.]. "Psicanálise e t'oía:dsmo" In: I0[Z, CS. Op., dI. 23-46, pr. l'5 e 2649 Drager, K.Op. cit., p. 16.')() Lohnunn, H.M. e Rosenrotter, L "Psicanilise tu Alemanha Hitlerista: Conlu Foi Realmente?" [n:

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Page 57: Cecília Coimbra - Guardiães da Ordem - Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre

Em 1938, o governo nazí,ta dL"olvc o que resta da SociedadePsicanalítica Alemã, enquanto socic,bde oncL~lmente regi,trada. C.Müller-Br,wnschweig é proibido de ensinar e ser publicado: Bochm, de realizaranálises didáticas. Reuniões científicas nas residências dos analistas sãoproibidas; só são pennitidas no Instituto (J-oring.Todos os compronlissose submissões ao nazí,mo não impedem a dL"olução da Sociedade Alemã.

"Como ;ustificatil'a para o com/Jottanu-7lto dos analista\' alerndesduranie o nazIsmo, sempre se u.sa a ··sal(.'açào" da Psicanálise/'vao se trata, no entanto, unicamente da Psicanálise a prôpnasegurança e a posiçdo sodal ligadas a ela têm que s(!r sallJas a

qualquer preço ,,';1.

O Instituto (~oring funciona com lO seções, sendo que quatrodelas são dirigidas por psicanalis13soWcrner Kemper dirige a Policlinica;13oehm. o Setor de Estatí'tica c Avaliação: Müller - Braunschweig, o deMaterial e Planejamento de Ensino e, finalmeote, a Sra. Kalan Von !lofL',

o de Psiquiatria Forense.

,,() 'nstituto Ganng eMáentrelaçado como F.stadof\,"azistu, apesarde apena~ 5% dos seus associados sen>m membros do l..•~5DAP(Partido Nazista) ( j A ainica ,S.,citll- dinRida, por KemlJer-

exerce importante papel nl' Instituto, n'Cehendo o nome delnstitutçao para os Com/Janheiros do POI!() de Poucos Recursos( ). Segundo Kemper, o traIJalbo na Clínica não éinfluenciado pelos n<lzisttlS atlr'istas do Instttuto CT'orlng(., )A mulher de Goring, que inicialmente e tida como nazista'Jerrenba", submete-se a uma analise didática com Kem{Jer, ('

se tljJroxinw consider<welmente da forma de jJensar

frelulitlU<l "'i? (glifos meus).

O que se pode depreender desta breve história ,b psicanilise sobo 111Reich! Que aqueles que não emigram c têm postos de chefiaconsiderados importantes na época, em realidade, estão em sua grandemaioria dispostos a Ulna adapta~·à(), e por que não dizer, a uma adesão3.nova ordem? Do que pudemos ler, não há apenas subrnissào adnli-nislrativa, mas também no conteúdo, pela aproxinlaçào com o bioio-gi~n1o nazista, llá uma enorme resistência em aceitar e admitir que aprática psicanalítica foi integrada ao .sistema nacional-socialista c que

Katz, c.::;. Op. ciL, 4{)-"':'').')1 Brainin, F..•.•Kamin<.er,l.J. Ur. cit., p_ ,Yt')2 Lohmann, 11.M.e Roscnrotter, L, ()p. cit., p. 66

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aqueles que pemunecerarn foranl, no nlÚ1irno, omissos e outros, coni-ventes, em troca de vantagens, favores profissionai" e pessoai".

A própria p"ssividade de rreud, "submissão de Ernest Jones - naépoca presidente da II'A - e a crenp 113neutralidade da psican:ílise sãofatores, a meu ver, que tnuito contribuem para que-os psicanali.,tas alemãestenham essas postura') de omi'ssào, conivência e mesmo adesão ao regimenazista,

O estudo feito por Katz" sobre as publicações oficiais da 11'A, noperíodo de 1933 a Ii'i, mostra como, sob a capa da neutralidade, ostema.')tratados são sempre "al)stra.tos","desenl-amados", estando ausentes"a política e a hi"tória concretas".

·'É verdade que não fica bem ã lPA relembrar certas queslõf?sAfinal, neutralidade e o que se c:\.'igepara a e:ds((,~cia de umaboa Psicanálise, Por exemplo, se a leitm' ~aminar qualquer numerodo IJP da época. mesmo que k-1a atentamen/(' os relatót'ios daSocú?dade Psicanalítica Hindu, jamai<; saberã que a india emL-7ltaocolonizada pelos ingleses. Se um pesquL"adot' estudasse aÍndia pelos infor'mesda JjP, ou jJe/os at1igos troricos ali publicados,nunca saber'ia que seus psícanali.sta'i eram memhros de umaSociedade>psicanalitica de um pais colonizado Qual a bistóriados sujeitos que ali se ,.euniram~ Como eles pensaram as temtaspsicanalistas? Do m.esmo mod.o que os colonizadores?"'>'.

Qoando, em 19ljH, W. Kell1pcr chega ao Brasil. enviado pelopróprio EmestJones, nenhum elosmédicos que, na época, fazem fOl1na,'àoanalítica, pergunta por que somente após a derrota do nazismo este. psicanalista resolve emigrar. Nenhuma pergunta, nem mesmo curiosidadeem se saher como viveu por 12 anos este diretor de 1I1naPoliclmicaligada ao ES13doNazista.

Os fatos aí estão, cabe a cadJ um meditar sobre eles e avaliar ()quanto a "verdadeira" psicanilí,e que se implanta nos anos 'i0. no Brasil.tem de alienaçào, pseudodespolitizaçào e, principalmente, de COItl-

pronlisso com os regimes ditatoriais, o que veremos melhor nas duasúltimas situações analisadoras.

Em 1967, W. Kemper volta para a Alemanha, deixando no Brasilsua mulher, K. Kemper, e seus fiUlOS.Morre em 1976.

53 Katz, C.S. "N3.zismo e Psicanálise: Outras Rdações" In:Oro cil.Si Idem, r· 198.

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2 _ O ANAIlSADOR ANNA KATIRIN KEMPER

Mesmo antes da SPR] ser reconhecida oficia~nente pela lPA, WKemper já coloca como didata sua mulher, Kattrin Kemper, no Centrode Estudos Psicanalíticos. Nenhun1a contesla~'ão ocorre, InesnlodepolSda fundação da SPR]. Anteriormente, o grupo argentino, o de M. Burkec o dos anali,tas formados em Londres que vêm dar na SBPR] já haviam

levantado tal questão, pois

",., o [)r, KemfJr!f estimula e protege o trabalho da Sra Kemper

como psicanalísta e anali.'1ta didata Nilo /)()ssui ela, entre.tant~~qualquer titulo de medica, psicóloga ou de psicanalista -',aqualificada pela rIJA,e hal}ia sido apresentada, ao chegar ao Bm.'iÜ,

simplestnente como grqfóloga "5).

Quando W. Kemper, em 1967, retoma à Alemanha, imediatamentea direção da SPR] faz uma denúncia à IPA contra a didata Katnn Kemper.

Alguns psicanalistas da SPR], entrcvistados, afirmam que apennanência de Kattrin nessa Socicebde era indeseiad~ e ~)S argumentosutilizados são os mesnlOS acitna defendidos por Manalzlra Pcrestrel1o:nào é médica, nem psicanalista. nem ao menos psicóloga; em suma, nàolenl condi\-~õesde ser uma didata. Por que flca por nlais ele 10anoS nestacondição' Por que ninguém da SI'H], antes ela partiela de W. Kemper,

ousara levantar taL<i questões?Outros psicanali'~s da SPR] colocam que sua postura, enquanto

anali"itJ., muito incômoda ü ortodoxia klciniana vigente nessa SOCiedade,

poL<;Kattrin n30 tem compromissos com modelos. é de uma grandevcrsJ.tiliclade c n3.o aceita () selli1lg st::Uldartizado, o que se toma umescândalo paíJ. os klcinianos da épOC1. Ao contrapor-se a c.sta tecno-logia klciniana, Kattrin rornpe corn o que há de mais .sagrado p~ra osadeptos da "verdadeira" psicanálise e traz más inlluências para a (orma-çào analítica tão cuidadosamente normatizada por esL.'1 ortoc1oxta e. porseus dispositivos. Aproxitna-se de seus pacientes, cerC:l-se de artlstas

(muitos ligados à Bossa Nova) c intelectuais.Todos os seus cx-anali<;andos são unânirnes em afirmar que, com

tais posturas, ela não poderia llear muito tempo na SPRJ, c enfatizanl suaimportância enquanto terapeuL1, !alando da segurança que tem em termos

)) Perestrello, M. História da SBPIU=Sua.'l Origens e l\mdação. ()p. cit., p. ·18.

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de psicanálise, de sua ternura pessoal e liderança.

Em 1968, diante das pressões da SPR],Anna Kattrin Kemper retira-se, após Unta séria crise institucional, acompanhada de sete de seusanalisandos e, em 1969, funda, com sua equipe de supervisionandos, oInstituto Brasileiro de Psicanálise, com o apoio de 19orCamso, psicanalistado Círculo de Viena que, na época, estava em viagem ao Brasil. EmJ 971, este e"stabelecirnento passa a chantar-se Círculo Psicanalítico daGuanabara.

Alguns entrevistados atribuem a saída de Kattrin Kemper da SPR]às diferenças teóricas, visto que, inicialmente, a prinuzia era do grupoalemão e, com a volta de Werner para a Alemanha, o grupo britânicopassa a dominar, o que gera a crise na SPR]. Discordo de tal enfoque,pois é o mesmo já assinalado anteriormente: tenta-se, através de dife-renças teóricas, mascarar e n1esmo escamotear diferenças muito maiores,

diferenças que se localiZam em outros niveis - o nível das práticas depoder, de prestígio, de produção de subjetividades, do que é ser umpsicanalista, que lugar ele ocupa e, portanto, que posturas deve assumirem sua prática profJSsional e mesmo em seu cotidiano. Não se trata dediferenças teóricas, ntaS de transgressões, de práticas diferentes edivergentes que não são pennitidas pela "verdadeira" psicanálise.

Alguns de seus ex-analisandos, apesar da importância que lliedão, aceitam as subjetividades dominantes no meio "psr' e reconhecemque Kattrin é "parcial", tendo um estilo próprio de trabalho que permitealgumas críticas como a quebra da neutralidade do setting, embora talquebra, em algumas situações, os tenha em muito ajudado.

Anna Kattrin Kemper, já antes da fundação do Círculo Psicanalíticoe da Clinica Social de Psicanálise em 1972 , possui Unta vasta clientelaem seu consultório, sendo unta profissional reconhecida no meio "psi"carioca nos anos 70. Como exemplo de sua flexibilidade e abertura comrelação à psicanálise, há o caso das supervisões que dá na Clínica Socialde Psicanálise aos coordenadores de grupos de crianças. Dentre estes,está o cartunista]uarez Macltado que não é "psi", mas, por sua criatividadee interesse por crianças, coordena um grupo.

Para a "verdadeira" psicanálise e para a forntação analítica entãoinstituídas, onde somente alguns "eleitos" têm o monopólio da psica-nálise, é um crme, unta heresia a postura de Kattrin, que só passa a ser

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questionada após a partida do "Mestre" para a Alemanha.

Kattrin Kemper morre no Rio de Janeiro, em 1978.

3 - O ANAliSADOR DÉCIO SOARES DE SOUZA

o Dr. Décio Soares de Souza, formado em Medicina pelo RioGrande do Sul, em 1929, exerce até 1950 o cargo de catedrático emPsiquiatria, quando vai para Londres lazer formação analítica na SociedadeBritânica de Psicanálise. Em 1955, recebe o título de psicanalista deadultos e crianças e fIXa residência no Rio de Janeiro, iniciando suasatividades analiticas'" Além do consultório, trabalha na Cünica deOrientação da Infância (COI), ligada ao Instituto de Psiquiatria da antigaUniversidade do Brasil, formando psicanalistas de crianças. Orientatambém vários colegas no Rio de Janeiro, assim como psicólogos emseus trabalhos de consultório com crianças.

Como membro associado da Sociedade Britânica de Psicanáliseem 1957, toma-se didata da SBPSP. Sob o patrocÚ1io desta Sociedade ~junto com Walderedo Ismael de Oliveira (que também se tomara didatada SBPSP, pois era membro associado da Associação PsicanalíticaArgentina, onde fizera sua fOl1llilção) e outros colegas, funda um StudyGroup reconhecido pela IPA em 1957'7 Este Study Group transforma-sena SBPRJ, em 1959, ao ser reconhecida oficialmente pela IPA.

Por sua fOl1llilção em Londres; Décio traz grande influência deMelanie Klein, e, na SBPRJ, torna-se uma das figuras mais lmPortantesna divulgação e expansão do "kleinianismo" nos anos 60. Em 1961,millistra, na PUC/RJ, um curso de extensão sobre a "Escola Inglesa", queé considerado o primeiro trabalho de sistematização teórica na práticada psicoterapia Infantil". Vários psicanalistas cariocas entrevistadosaftrmam que Décio vai se transformando em figura central do grupokleiniano no Rio de Janeiro e dentro da própria SBPRJ, possuindo umagrande clientela em seu consultório particular. Seu sucesso - que, para

56 Dados colet:ados na BiografIa e Currieu1umVitae dos fundadores da SBPRj. In: Perestrello, M.Hlst6riada SBPl\I. Op. cit., pp. 83 e 84.

57 Neste Study Group estavam o grupo de M.Burke, que ficara no Instituto Brasileiro de Psicanálise,o grupo argentino que fundara a Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro e analistas comformação em Londres (o caso do próprio Décio).

58 Citado por Figueiredo, A.C.C.Op. dI.

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I

aiguns, levou-o a cometer certas atitudes "indL.cretas" - e sua vitalidadefazem sombra a muitos didatas da SBPRJ.

Em 29 de março de 1965, em reunião do Conselbo Diretor, são

"... arroladas as infrações cometidas pelo Sr. Pro! Décio Soares deSouza, que levaram o Conselho a decidir, em sessão de 07 de abrilde 1965, a aplicar àquele colega a penalidade de EHmirMção,nos termos do artigo 21 dos Estatutos da Sociedade'J59 (grifo contidono próprio documento).

Com vocabulário típico de um processo criminal, o ConselboDiretor da SBPRJ não explica aos cinco analL.andos do Dr. Décio que"infrações" cometidas levam à expulsão de um dos fundadores daSociedade.

Nas entrevistas feitas com dez psicanaiistas ligados à SBPRJnota-se que o "caso Décio" aÚ1daÚ1comoda a muitos deles. É tratado comotabu e poucas infol1llilções são passadas, sendo que alguns dosentrevistados enfatizam que este fato deve ser esquecido e solicitam quenão seja divulgado"'.

QuaL. as "Infrações" cometidas pelo Dr. Décio que, em realídade,encobrem a disputa de poder e prestígio que ocorre na época dentro daSBPR]?O Dr. Décio é acusado de beber em demasia, atender a clientesalcoolizado e ter tido um romance com uma ex-cliente, na época "aspi-rante" a anaiista na SBPR]. Esta candidata, inclusive, é chamada paraprestar "esclarecimentos" ao Conselbo Diretor sobre seu envolvimento -ocorrido fora do Brasil- com o Dr. Décio.

O próprio contexto politico da época, segundo alguns entrevistados,contribui para a expulsão de Décio, pois é um liberal, com posiçõespoliticas bem diferentes das da maioria da cúpula da SBPR].

"Nestemomento, no Brastl, vive-se sob a ameaça de '~tosInsti-tucionais" estabelecidos peJo poder militar, que sumarla1tUmtedemitem de suas atividades professores, cientistas, militares eexpulsam estudantes das escolas e universidades"61.

Mera reprodução de um contexto autoritário ou algo mais' Ou

59 'frecho de carta enviada aoS analisandos do Dr. Décio, em'09/04/1965, mimeogr.6') Explica-se, assim, a não vinculação de qualquer nome. Todavia, a meu ver, o fato merece registro.61 Vianna, H.S. PsychanalyseundPolilikinBrasmen. In: Psyche. Stuttgart, K1ett-Cotta,cf- 11,

vaI. 42, november88, 997-1015, p. ]003.

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algo a ver com os dispositivos normatizadores, disciplinares, morais esexuais produzidos e fortalecidos pela prática psicanalítica e pelasinstituições que ela instrumentalizai

Somente com um voto contra, Décio Soares de Souza é expulsoda Sociedade que ajudara a fundar. Alguns rótulos, à guisa de expli-cações, são apresentados por alguns entrevistados: o Dr. Décio não temuma atitude humilde diante das acusações que lhe são feitas; ao contrário,de réu tenta colocar-se no lugar de acusador. Não aceita a possibilidadede se reanalisarj ao contrário, mostra-se extremamente agressivo. Diantedisso, af=, ele próprio não deixa outra altemativa ao Con~elho Diretorda SBPRj a não ser sua expulsão. Ele "saiu fora" da psicanálise, cometeuinfrações contra ela e, com isso, está denegrindo-a, completam algunsentrevistados.

Este caso é espinhoso e até hoje continua escondido, não havendosobre ele nada oficial na SBPR).Tanto que na biografla de seus fundadores,apresentada por Marialzira Perestrello", não há referências sobre aexpulsão de Décio Soares de Souza. Oficialmente, na hL~tória destaSociedade, isto não ocorreu.

Os cinco analisandos de Décio, ao serem comunicados da expuL~ãodele, em maio de 1965, encaminham carta ã Diretoria do Instituto,estranhando: 1 - não terem sido convocados para o irúcio do ano letivode 1965, estando, até aquele momento, impedidos de comparecer aoscursos regulares do Instituto; 2 - a forma como são eliminados do corpodiscente do Instituto, sem qualquer justificativa; 3 - a comunicação deque a análise pessoal feita com o Dr. Décio não é mais reconhecida pelaSBPRj". Diante da não-resposta a esta carta e da violência cometida, oscinco analisandos de Décio, que já se encontram no 2º ano de formação,saem da SBPR). Até porque o Dr. Décio, após ser comunicado de suaexclusão, entra com recurso e, em 21 de maio de 1965, a AssembléiaGeral Extraordinária da Sociedade - onde somente os membros titularespodem comparecer e votar - mantém a penalidade. Alguns dessesanalisandos continuam a análise pessoal, com ele, fora da SBPR).

Ao relatar o "caso Décio" como um analisador das instituiçõesformação analítica e "verdadeira" psicanálise, não pretendo salientar a

62 Perestrello,M.Op. dto6:3 Carta à Exma. Diretora do Instituto e Secretária da SBPR],maio/ 1965, mimeogr " pp. 1, 2 e 3.

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questão moral embutida neste acontecimento, que é a mais enfatizadapor todos os entrevL~tados, mas - e os fatos narrados falam por si sós -os dL~positivos de coerção presentes na formação e na prática psi-canaliticas. Apontar como essas práticas de submissão, violência, ocul-tamento, silenciamento, sprit de corps, estão presentes em tal ocorrência;que visões de homem, de mundo e de ética são produzidas, enfatizadase alinlentadas por tais instituições.

O Dr. Décio Soares de Souza, apesar de sua expulsão da SBPRj,permanece até sua morte - ocorrida em 1970 - como didata da SBPSP.Somente em 1986, sua fotografia é colocada na galeria de retratos dosex-presidentes da SBPRj"'.

4 - O ANAliSADOR REGINA CHNAIDERMAN

Regina Chnaiderrnan, nascida na Bessarábia, brasileira desdecriança, faz sua primeira graduação na Escola de Química da USP, for-mando-se em 1944. Traballla no Instituto Adolpho Lutz, no InstitutoButantã e em várias escolas particulares de São Paulo, como o Roosevelt,o Bandeirantes e o Dante Alighieri. Sempre cercada pelos alunos - BettyMilan é uma delas - nesses tradicionais colégios paulistas - já nos anos50 - tem posturas disruptivas com relação ao tradicional sistemaeducacional. "Muitos dos alunos dessa época ainda lembram daquelafigura matriarcal entrando nos laboratórios de Química"".

Casada com BorL, Clmaiderman - engenheiro agrônomo queabandona a profIssão para ser expertem literatura russa, chegando a serum conhecido professor da IJSP -, tem dois filhos: Miriam e Carlos.

Apesar de gostar muito de Química, tem um "encantamento espe-cial" pelas pessoas, o que a leva, em 1961, a fazer o Curso de Psicologiana LJSP.Desde os anos 50, também interessada por Filosofla, participa,durante anos, de um grupo de estudos com Anatol Rosenfeld"". Em

64 J"" ocone poc pre"ão de alguns pSicanali"",. Ve, sob,e " ",sumo carta da an. 00," Beal"zPontes de Miranda Ferreira ao presidente da SBPRJ,Dr, Paulo Roberto Saubermao, de 09 dedezembro de 198'5, mimeogr.

6'; Lando,V. "Regina Uniu Cabeças e Corações~. In: Folha de S. PaulolDustr:ada, 30/01/198'5, p. 39.th Professor de FilosofIa, alemão e judeu perseguido pelo nazismo. Estudou na Universidade de

Berlim e quando chegou ao Brasil teve várias ocupações: desde trabalha.r na enxada numa fazendade café perto de Campinas até ser caixeiro viajante, colaborando em revistas estrangeiras de Iingua

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periódicas reuniões, ali tudo é discutido, desde os rumos das artes e dacultura até assuntos f1!osóficos específicos.

Simpatizantes dos movimentos de esquerda desde o pós-guerra,Regina e Boris, muito próximos ao Partido Comunista, tornam-se inte-lectuais brilllantes, pois têm uma incrível voracidade de conbecimentos,através dos livros, cinema, teatro I artes plásticas ou música.

Ainda no 3° ou 4° ano do curso de Psicologia, Regina é convidadapara lecionar Psicologia Social na USP, o que faz de 1964 a 1966. Durantesua graduação, é aluna de vários psicanalistas da SBPSP, professores noCurso de Psicologia da USP como: Durval Marcondes, Lígia Alcântara,Judith Andreucci, Ferrari, Ferrâo e outros, todos eles didatas. Torna-semuito amiga de [saias Melsohn, que, posteriormente, será didata dessaSociedade.

Quando, em 1%5, abre seu consultório - por influência do próprioMelsohn -, solicita entrada na SBPSPpara fazer formação. Pelos Estatutos,para o profissional nâo-médico ou psicólogo - na época Regina aindanâo está formada em Psicologia - que pretenda fazer formaçâo analiticafica a critério da Comissâo de Ensino a aceitação ou não do candidato.Regina não é aceita e não há explicações do porquê.

Em 1966, já formada, passa a lecionar Psicologia no Sedes Sapi-entiae e no Curso de Psicologia de Mogi das Cruzes. E novamente solicitaingresso na SBPSP. De novo seu pedido é negado, sem qualquerexplicação. Sua filha, Mirian Chnaiderman67, relata que Regina fica muitodeprimida e que, posteriormente, elas são informadas de que nestasegunda vez em que é recusada pela Sociedade "oficial" é feita a seguintepergunta por algum didata do Conselho de Ensino, quando se discute asua entrada: "quem poderia ser analista de Regina Chnaiderman'"

Além de ser uma pessoa declaradamente de esquerda e ter tidovínculos com o Partido Comunista nos anos 40 e 50, Regina sempre teveum pensamento muito próprio, tentando juntar Freud com a Filosofta enão isolando a leitura do inconsciente do contexto histórico e social.

"Afinal, os ditames (. _.) ortodoxos da Sociedade representavam

exatamente tudo aquilo que ela sempre combateu. Em primeiro

alemã. Critico literário e grande amigo de Regina Omaidennan. Morto em 1974. Sobre o assunto,ver: Omaiderman, R. "Pensando em AtutoI Rosenfeld". In: Folha de S. PaulolFolhetim, 15/011

1984, pp. 3 e 4.67 Em duas entrevistas dadas a mim.

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lugar, pela elitização a que, em sua opinião, tais regras condUrziam. Em segundo lugar - e acima de tutÚJ- peJa perda dopotencial criador e transformador que uma leitura limitada deFreud pode determinar,<68.

Apesar de sua posição singular e bastante diferente daquelapraticada pelos analistas da SBPSP no que respeita aos rituais e dogmasanalíticos presentes na formação, e com relação aos preços cobrados(tanto na terapia, quanto na supervisão), Regina sente profundamenteesta segunda exclusão. A força e o poder da formação instituída nasSociedades "oficiais" é um fato e, mesmo para uma pessoa como Regina,isso pesa, e muito. Por alguns anos, mesmo já tendo um consultórioconcorrido e numerosos grupos de estudo e supervisão, receia auto-nomear-se analista.

A partir dessa segunda negativa, Regina resolve lançar-se profun-damente nos estudos sobre a obra de Freud e percorre todas as principaislinhas existentes, da escola inglesa (Melanie Klein) à francesa (Lacan), oque resulta num "estilo próprio" de fazer psicanálise. Desde meados dos60, reúne, em sua casa, dezenas de estudantes de Psicologia e psicólogosem sentinários abertos. Cria o famoso "grupo dos sábados", no qualestáo presentes Betty Milan, Flávio Herrmann, Marilena Carone, MarisaTafarel e toda uma geração de psicanalistas que têm em Regina sua"primeira mestra"fj).

Não por coíncidência, muitos de seus pacientes, principalmentenos anos 60, são pessoas não-gratas ao regime militar, perseguidos,exilados, ex-presos políticos. "Regina proporciona (a eles) um apoioalém e albeio ao perimetro psicanalítico"?O

Em 1968, tanto ela como seu marido e filhos - na época militantessecundaristas - participam das passeatas estudantis. Seu fJ1ho,mais tar-de, entra na clandestinidade e luta armada, tendo vivido exilado emCuba até a anistia em 1979. Boris Chnaiderman, professor da USP, em1969, é preso algumas vezes quando o Exército invade a Universidade,após o AI-S.

Ainda em 1968, Regina faz formação psicodramática com a equipede Bermudcz e participa ativamente do Congresso Internacional de

E8 Lando, v. Op. dt.(f) Relato de Marilene Carone in Lando, V. Op. dt.iO Lando, V. Op. dt.

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Psicodrama e Sociodrama realizado no MASP.em 1970, durante o perío-do mais terrível da repressão militar. Faz parte do Grupo de Estudos dePsicodrama de São Paulo até 1971. Todavia, permanece com sua baseteórica psicanalítica aberta a novas técnicas, criando um estilo próprio.

Em 1972, inicia os grupos de estudos sobre Lacan, com o apoio damósofa Marilena ChauÍ. É de Regina e Miriam Chnaiderman a primeiratradução de Lacan para o português nesta época.

Quando Miriam se fonna em Psicologia, no ano de 1973, aluga,com alguns dos que estudam com Regina, várias salas no mesmo prédioem que sua mãe tem consultório. Inicia-se, então, um trabalho tipo"cooperativa": clientes que não podem pagar são aceitos, colegas queestão em dificuldades são ajudados através da distribuição de clientes,etc. Nas reuniões das terças-feiras com Regina, além das supervisões,são feitos estudos de caso, em que se debatem desde os preços a seremcobrados a determinados clientes, até os enfoques teóricos utilizadosem cada caso. Segundo Miriam, discutem-se as regras analíticas insti-tuídas, pois já é claro para Regina e seu grupo que estão contra o modeloda "verdadeira" psicanálíse.

Esse chamado "estilo próprio" de fazer psicanálise traduz-se nacrença de que "a análise é um processo de desalíenação", pois

. os pacientes não são materiais de análi.'Iea explorar comofontes de teon'zaçiio ou a transformar em indüJíduos normai.'i_Ospacientes têm que sejazer, se auto-a1ertar, e pelo processo analítico,criar um novo segmento de sua história e, no caso mais geral,aceder peta primeira vez explicitamente a uma bistorieidade aomesmo tempo singular e coletiva. !s/o fi criação (.__J É neste sejazer que o analista coopera - é este o fazer do analista"

Da mesma forma, para Regina, o ensino da Psicanálíse

.. é um ato psicatullftico e é um projeto de desalienaçãoDesaJíenaçiio desta vez não do sujeito analisando, mas desa-lietulção do discurso que se tem sobre o saber psicatullf-tú;o ••71 (grifas meus).

Em 1975, Roberto Azevedo e Regina Clmaidennan são chamadospor Madre Cristina, do Instituto Sedes Sapientiae, para organizar um

71 Clmaiderman, R. ~Políticade For.maçâo em Psicanálise: Alinhavando Algumas Anotaçôes de leitura",In:Pen:urso- Revlsta de Pskanálise. São Paulo, Sedes, Ano 1, nº 1, 2"semestre de 1988, 11-1'5,pp.12e 13.

92 I

lnstituto de Formação de Terapeutas. Desta idéia, inicialmente arroja-da, cria-se, em 1976, o Curso ele Psicoterapia Psicanalítica. Os aconteci-mentos deste curso no Sedes, a pressão da SBPSP por consíderá-lo umaformação paralela e a sua divi~ão em dois cursos serão relatados adiante,no item VT deste Capítulo.

Em 1976, com o golpe militar na Argentina, muitos psicanalistasargentinos vêm exilados para o Brasil. Em São Paulo, Regina foi uma daBfiguras mais importantes no sentido de auxiliá-los. Por seus depoimentos,percebe-se o apoio que lhes deu e muitos passam a dar aulas no Cursodo Sedes, como Ana Maria Segal, Mário Pablo e Lúcia Fucs, Silvia AlonsoEspósito e outros. Todos são unânimes em afinnar e enfatizar que, acimada indiscutível inteligência, sabedoria e informação, Regina foi

um arsenal de generosidade, ao qual todos, nos piores emelbores momentos, puderam recorrer e foram recebidos,

literalmente, de braços abertos. Mais do que qua!quer atuação ouideologia, será o carinho sempro atento, a lacuna aberla no centrodas centenas depensamentos epensadores controvertidos que Regi-na conseguiu reunir em tomo de si "h.

Regina Chaiderman morre c1e câncer em 1985, depoi~ de umaenfermidade de dois anos. Faz cirurgia, vai ã Europa para tratamento equando volta - já em cadeira de rodas, pois está com metástase nacoluna - continua trabalhando no Sedes e em seu consultório.

"ARegina já não está. Sempre atenta ao sofrimento alheio, gene-

rosa no consolo, fez pouco da doença que a afetava ensinando atirar o má..'drnoda fugacidade da vida

Ninguem cultivou como ela a amizade, aproximou tantas pes-soas. lndkou-me o pn°meiro analista. didata da SBPSP, efoi nasua casa que pnomeiro ouvi falar de Lacan - ela então recebia um

membro da Escola rnudiana de Paris, Aberta a todos e às várias

correntes, promoveu a P.skanáJtse atmais do encontro. Quem viessede fora da cidade, cedo ou tarde, chegava nela, que sabia acolhere apresentar; era uma anfitnoâ nata. Valorizando o l!.rasi1,penni-tiu-nos conhecer o que se fazia na França e também nos outrospaíses latino~americanos (., ,)

(. .. ) Não trilhou o seu caminho facilmente: pela sua indepen~dência, viveu uma dura exclusão no início da carreira. A SBPSPrecusou-lhe a entrada Mas era feita de muitos fi51egose foi em

72 Lando,v. Op. cito

93

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.frente, dedicando-se ininterruptamente à transmissão da Psica-nálise. Antes de dirigir o curso no Sedes sa.pientiae, formou meiomundo na própria casa, insistindo numa leitura rigorosa de Freud.

C..) A sua vida passou decisivamente por muüas outras, queela alentava nos momentos de crise. Várias eram as cantigas deninar que a mãe grande conhecia. e podia cantar. Daí os tantos

filhos

Regina jazia tudo à sua moda" era única e vai faltar. Nin-guêm pode ser como ela,. pode, no entanto, se valer do exemplo,cultivar a diferença e a tolerância Quem foi ao enterro viu queela reunia amigos "dí<;jJares".Os gregos e os troianos, por assimdiZer, foram se despedir dela, Ali estavam intelectuais, analistasde todos os grupos e de diversas na<:ionalidades. Ali estavamcongregados os membros de uma tribo nascida do amor ã tribo

da Regina"'!>.

A diferença, a multiplicidade de facetas, o constante questio-namento, o desafio que era Regina Chnaiderman não cabiam na SBPR]."Quem iria analisar Regina Chnaiderman?"

5 - O ANALISADOR HELENA BESSERMAN VIANNA

ADra. Helena Besserman Vianna é membro associado da SBPR]desde 1970. Em 197~, requer inscrição como Membro Titular, solicitandomarcação de data para apresentação de seu trabalho (conforme o previstonos Estatutos). Seu pedido é negado por unanimidade pela direção daSociedade, tendo em vL,ta () artigo 13:

"Ao considerar a admissão de Membro em qualquer categoria, oConselho deverá ter em mente se o mesmo preenche as condiçõesexigidas quanto ã integridade de cardter, ospadrões éticose têcnicos"74 (grifos meus).

Solicita, ainda, o ConseU10Diretor da SBPR]que o assunto fiqueem total sigilo. Sem compreender, a Dra. Helena responde que se encontraapta a prestar quaLsquer esclarecimentos sobre sua pessoa. Apsicanalistaé, então, convidada a comparecer a uma reunião reservada com o Conse-llio Diretor, pois, tendo em vista a natureza confidencial do assunto,

73 My1an, B. "Uma Grande Mãe e Anfitrià Nata" In: FolhadeS. Pau1o!llusttada. Op. cit., p. 39.

74 EstatutosdaSBPRJ,p.10.

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I '

"somente pessoal" e "oralmente as explicações serão dadas". Após váriascartas nas quais a Dra. Helena não aceita as referidas "explicaçõesorais" - mas admite que o assunto tratado deverá ficar registrado emAta -, uma reunião., em que ela somente poderá ouvir, é marcada para24 de jLlnho de 197~. Assin1a descreve a Dra. Helena:

"Bati na porta da Biblioteca efui recebida por um dos membrosdo Conselho, que, após os cumprimentos de pr{4w, informou-meque, por decisão do Conselho, eu deveria sentar à mesa sem minhabol,a e minha pasta, que deveriam ser deixadas em cima doarquivo situado ao lado da porta {,..J Entreguei minha bolsa e

minha pasta e encaminhei-me para a mesa. Ainda sem sentar-se,disse que me seria muito dificü ali permanecer sem cigarros e semóculos. Acompanhada pelo mesmo membro do Conselho, retomeiaté o arquivo, onde abri minha bolsa e, sempre observada, retireidela cigarros, isqueiro. óculos e uma caneta (. ..). Um dos membrosdo Conselho, sentado diante de mim, revoltJia acintosamente r. ..)uma pasta grampeada, que tinha em seu frtmtispkio utntl

lista verde-amareÚl e as conhecidas iniciais ( ..)DOPS C_.)

Eu era acusada de denunciar um torturador ..75 (grifosmeus).

Além desta acusação - a de ter denLlnciado o candidato a psica-nalista da SPR],Amilcar Lobo, como membro dos órgàos de repressão,atuando no DOI-COD1/R] - a Dra. Helena é acusada de plágios numanigo publicado no IJP(Jornal Internacional de Psicanálise) e num resumofeito sobre um psicanalista uruguaio. Por ocasião. da visita de Bion aoRio de Janeiro, em 1974, numa conferência pública, é criticada por terfeito, "numa posturd politica já conhecida", uma pergunta sobre aaceitação para analista de uma pessoa comprometida com atrocidadesa seres humanos. E, finalmente, ter a referida psicanalista uma "...posição politiea conhecida e ser devidamente registrada no DOPS,desviando-se dos padrões éticos exigidos de "neutralidade" noexercicio proflSsio.nal"" (grifos meus).

A famosa denúncia, feita em 1973 à revista Questionamos nº 2,coordenada pela psicanalista argentina Marie Langer, co.ntra o médico

7) Vianna, H.B. Op. cit., p. 1010.Sohre o assunto, ver também: Vianna H.B. Carta aMeusCulegasPsicanalistas, 1986, mimeogr.; Cerqueira, G. (Org.J. Crlsena Psicanáli'le. Rio de Janeiro, Graal,1982 e Vianna, H.S. Não Conte a Ninguém. .• Contribuição à História das SociedadesPsicanaIiticas 00 Rio deJanelro. Rio de Janeiro, lmago, 1994.

76 Vianna, H.R "Psychoanalyse and Politik In Brasilien" Op. cit. Rio de Janeiro, 1994. p. 10[3.

9,

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Amilcar Lobo, chegara através do jornal do peB VOZ Operária, na qualhavia algumas linhas manuscritas. As duas Sociedades cariocas, atravésde exames grafológicos, concluem que a autora é a Dm. Helena B.Vianna.

"Claro que, entre todas estas descahida.ç acusações, até muito pouco

habilmente anuladas para encobrir a questao pn'ncipal, ressaltaa acusação de ter havido uma "denúncia calunio.'>a" contra um

membro de outra sociedade. Um anali.çta didata defende seupaciente acusado de ser torturador com a tese de que estas calúniassao provententes de forças ocultas que desejam destru'ir aPsicanálise Contrata um perito em grajàJogia pe1tencente a órgdogovernamental para analisar a grafia de todos os analistas dasduas Sociedades e este conclui (.. ,) a autonOada letra que fizera a

denuncia. Em seguida, decidem, em âmbito restrito e sigiloso, sernecessário 'salvar" a Psicanálise e suas instituiç6es a/raués de

punições contra o denunciador O cnOminoso ndo ma!" seria oautor do crime, mas o r...) acusador do c1ime e do cn'minoso" 77

(grifo meu).

No mesmo ano, Helena vai a Londres conversar com a direção daIPA e muito depois fica sabendo que, desde a publicação da denúnciana Argentina, em [973, há toda uma correspondência da IPA com asduas Sociedades cariocas sobre o caso Amilcar Loho. Apesar de umasérie de denúncias feitas, como a de René Major, na imprensa francesa,a da Universidade de São Frand,co, nos EEUU, e de virios psicanalistasespanhóis e canadenses ã IPA, esta prefere "aceitar" a palavra do entãopresidente da SPR], Leão Cabernite, de que taL, acusações não passamde interesses ocultos para denegrir a psicanáIL,e. Seu paciente é inocen-tado das acusações feitas e a acusadora do crime torna-se a criminosa.

Alguns dos envolvidos nos acontecimentos, ao serenl entrevi..c;-tados, utilizam, à guisa de explicações, alguns argumentos como: LeãoC~hernite gamntiu para a SBPR] que Lobo mo era torturador; ou: HelenaVianna tinha um gravador dentro de sua bolsa, por isso não lhe foipermitido portá-Ia durante a reunião. Ou ainda que Helena levou o co.,opara o lado político e ele não tinlla esta conotação; ou que He[ena temdificuldades de convivio humano, ela é muito exaltada politicamente esuas declarações criaram um mal-estar entre as duas Sociedades do Riode janeiro. Ou seja, a questão é a Dra. Helena Besserman Vianna, que,nUll1ato corajoso, denuncia a cxi..<;tênciade um membro dos órgãos de

-:-- Vianna, H_B.Op. cit., p. ]Olj.

96

repressão como candidato a analL'ta, e não o fato de este "aspirante" serefetivamente elemento de confiança da repressão. Isso não é tãoimportante quanto a atitude da Dra. Helena; esta, sim, com suas acusa-ções, macu[a a psicanálise.

Ainda em 1975, após retornar de Londres, é proposto a Helenaque todas as cartas e Atas reservadas sejam queimadas e que o incidenteseja esquecido. Com isso, ela poderia apresentar seu trabalho e ficarcomo membro titular, o que ocorreu em 1976.

Aftrma Helena que:

"Quanto à incineração das cartas trocadas com o Conselho, conroem 1975, (,.) vivíamos sob uma das mais sanguinárias fases darepressào promouida pela ditadura, mantive as carlas originaisguardadas no mais "meticuloso sigilo" e pemumeci polüicamenteengajada na luta pela redemocratizaçào do Brasil"7$,

A proposta feita pela cúpula da SBPRj e a posterior admissãodessa pSicana[L'ta como membro titular é uma forma não somente deapaziguar os ânimos cÀ'temamentc, mas, também, internamente. Dentroda SBPRj, na época, ocorrem pressões contra a indicação de PauloGrimaldi como didata pelo Conselho Diretor. Estatutariamente, não sepoderia transformar um membro convidado em didatan. Alguns comen-tam que é feita uma barganha: fica Helena como titular e Grimaldi comodidata, para que os ânimos serenem dentro da SBPR]. Só que a entradade He[ena para titular é um direito garantido pelos próprios Estatutos cque, embora sejam as cúpulo., do., Sociedades "oficiais" as maiores defen-soras do instituido, quando lhes interessa há a quebra dessas normas ~tanto no caso de Helena como no de Grimaldi. Há aqui uma agravante:a indicação de Grimaldi para didata vem junto com a de doi, outrosmembros do Conselho Diretor, envolvidos nos acontecinlentos do casoHelena. Isso gera, desde 1974, uma pequena crise na Direção do Con-selho, que se avoluma, no ano seguinte, com a negação feita a Helena eos episódios já narrados. _

Em 1986, após uma série de mudanças estatutárias, volta àsmanchetes dos principaL. jornais o Caso Amilcar Lobo. Helena ViannapubHcamente narra para toda a SBPR] os acontecimentos de onze anos

78 ldem,pp, l013e 1014.-,:) Grimaldi era gaúcho e tinha feito formação lU APA. Estava na SBPRj como membro convidado.

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atrás e, em Assembléia, é votada uma retrataçào pública da Sociedade, oque é feito em nota na grande imprensa. Datam dessa época depoi-mentos dados por alguns dos componentes da Comissão Diretora daSBI'R], em 1975, publicados em Circular Interna da Sociedade decirculação estritamente confidencial. Alguns declaram:

'Julgo ser uma lástima qu.e de novo se esteja revolvendo o passadoe de uma forma bastante escandalosa e de rmraforma que aSociedade, a PsicatuUise e seus altos dirigentes estejamsendo denegridos (.,). /sto não tinha, nem teve qualquer conc-xâo com a vida política do Pais, nem com o estado de exceção emque vivemos por 15 anos _A Sociedade não parou de funcionarlivremente porque existia ditadura no Brasil, nem havia qualquervincu/açao fi'M:aJizadora governamental sobre nôs. Esta estóriafalada e decantada pela Dra. Helena não passa de um engodo emistificação"&:) (grifas meus),

Outros, apesar do peso do espirito societário, afirmam:

"Alguns membros da Comissao não a desejavam como MembroTitular. Além das acusações que lhe eram fritas, havia - penso eu- em alguns poucos uma atitude de "nào desejarem comunistas"na Sociedade. Ora, Dra_Helena, muüos anos antes, demonstrara

publicamente sua posição esquerdista, coisa que nunca negou e-penso eu - por esse motivo não era persona grala para algunsmembros do Conselho ,oBJ (as aspas e OS grifas são do próprio autor).

Leão Cabernite, presidente da SPR]na época do "tribunal" contrdHelena, assim se refere ao caso:

., Minha participação nesse episódio teve tão-somente afirullid6de de obter informações sobre o assunto que nospreocupava a todos. O assunto era debatido e comentado e creioquenada ocorreria à Dra. Viannn se ela também o tivesseventilado no ambiente psicanaltlico do Rio "!J!(grifos meus).

Apesar de passados tantos anos, a hi'tória da psicanáli,e, duranteo período da dítadura militar no Brasil, ainda não foi escrita. Os própriospsicanali~tas não têm nenhum interesse em relembrar ou esclarecer muitosacontecimentos ocorridos durante este período. Há o recalque e a recusa,segundo o vocabulário psicanalítico, e tais mecanismos sào produções

80 Boletim de Noticias ol! 08 - SBPRJ, novembro de 1986, pp. B e 17.81 Idem, p. 10.

82 JB/C~oBEspecia1-16/09/1989.

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de subjetividade, são produções políticas, e não psiquicamente construí-dos em abstrato. Daí os relatos distorcidos, contraclitórios, que induzemao esquecimento, pois "revolver o passado" incomoda a muitos. É maisfácil aceitar como naturais e até saudávei~ as estruturas burocráticas ehierárquicas das Sociedades de Formaçào, a sua "escolarizaçào", domes-ticaçào, a falta de criatividade, originalidade, seu afastamento com relaçãoao tnundo, seu conformismo e, sob um manto de ortodoxia, a idea-lização das imagens de Freud e da psicanálise.

O anali,ador Helena Besserman Viana propicia-nos a rara oportu-nidade de focalizar tudo isto.

6 - O ANAllSADOR AMILCAR LOB()'3

O hoje ex-médico Amilcar Lobo Moreira da Silva, em novembrode 1968, inscreve-se como candidato à formação analítica na SI'R], tendocomo didata o Dr. Antonio Dutra Júnior. Em fms de 1969, forma-se emMedicina, presta serviço militar no Exército e, no início de 1970, passa aservir no DOI-CODURj. Seu "trabalho" até 1974 é "atender" os presospolíticos antes, durante e depois das sessões de torturas. Com o codinomede Dr. Carneiro, Amilcar Lobo "acompanha" o terror que se abate sobreo país fazendo parte eficaz de sua engrenagem.

Antes, durante e depois! Antes das torturas, executa um "trabalhopreventivo", no sentido de torná-las mais eficazes, procurando saber sehá alguma doença, se o preso é cardíaco, etc. (a primeira "entrevista"antes das torturas de muitos que são conduzidos para o DOI-COm/R] éfeita com o Dr. Carneiro, que vai ãs celas dos recém-chegados). Durante,executa também um "trabalho de prevenção", no sentido de testar aresistência do torturado, e avaliar até que ponto ele pode agüentar.Depois das torturas, faz "curativos" quando "cuida" dos farrapos huma-nos em que o terror converte as pessoas para que, se necessário, voltema ser torturadas. Ele "freqüenta" também a "Casa da Morte", em Petró-polis, aparelho clandestino da repressão, de onde somente uma presa

83 Sobre o assunto, além dos livros já cita.dos, ver também: Kupennann, D.lllitóriada Transferênciana Institudon;;diz:;u;ão da Psicanálise. Dissertação de Mestrado - PUe/R], 1993 e Franco,j.L.de A. A Con.stntção do SDêncio: o Caso Amilcar Lobo e a Psicanálise. Dissertação de

Mestrado - UNB, 1994.

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política escapa com vida".

O Dr. Carneiro é "aspirante" a psicanalista um ano antes da prisãode Hélio Pellegrino, membro associado da SPR) que, em 1969, é enqua-drado na Lei de Segurança Nacional e preso por 'iO dias. Na época,Hélio solicita à SPR) um documento em que ficasse dito - sem mais nada- que a sua prisão poderia causar ansiedade aos seus pacientes. O docu-mento lhe é negado, sob o pretexto de que a Sociedade não podeimiscuir-se em assuntos políticos.

Em 1970, o didata de Amilcar Lobo passa a ser Leão Cabernitc,então presidente da SPR).

Em 1973, há, na Argentina, a primeim denúncia pública mostrandoo "trabalho" feito no COI-CODl/R) por Amilcar Lobo. No mesmo ano,ainda grAças à coragem da Dm. Helena Besserman Vianna, outras denún-cias são feitas na França, nos Estados Unidos, no Canadá, na Espanha echegam ao conhecimento do então presidente da IPA, Serge Lebovici.Este prefere acreditar na "versão" do didata de Lobo, Leão Cabemite,que afirma tratar-se de calúnia. Lebovlci declara ao então presidente daSPR): "Posso utilizar seu testemunho para responder aos colegas que sedirigirem a mim que o Dr. Amilcar Lobo foi caluniado"".

Em 1974, pouco depois de uma paciente do grupo coordenadopor Amilcar Lobo ter levantado seu envolvimento com a tortum, o casoé levado a Ernesto LaPorta, diretor do Instituto de Ensino. Este conseguedo Comandante do I Exército, General Silvio Frota, a seguinte decla-ração endereçada ã direção da SPR):

"Na qualuiade de Comandante do I Exercito e responsável pelaDefesa Interna na área do Estado da Guanabara, Rio dejaneiro,Minas Gerais, &pírito Santo, declaro, a fim de desfazer intrl·gas e aleivoSÚlS assacadas proposital e maldosamentepor inimigos do regime e seus patronas contra o Dr. AmilcarLobo Moreira da Silva, que o referido cidadão sempre teve proce-dimento digno e humano, compatíwl com a sua situação de Oficíalda Reseroa do B:ército convocado e de médico müitante, nadapodendo contra ele ser argüido, justamente que afete sua honra,pundonor e decoro} quer militar quer profissional. Rio dejaneiro,04 de março de 1974"fb (grifos meus).

84 Esta presa política é Inês Etienne Romeu, que denunciou a presença de Amilcar Lobo na "Casa daMorte", em Petrópolis.

85 JB/Cademo B Especial- 14109/1986, p. 08.

100

Ainda em 1974, Leão Cabemite consegue cópia do manuscrito dojornal Voz Operária e, junto com a direção da SBPR), faz examesgmfológicos para saber quem é o denunciante.

Apesar da declaração do então poderoso general Sílvio Frota. osrumores dentro da SPRj crescem e, em 1974 e 197'i, Amilcar Lobo vo-luntariamente se atasta da Sociedade.

jj por esta época que, ao se encontrar com Helena Vianna, numaconferência de Bion, realizada no Rio de Janeiro sob os auspicios dasSociedades "oficiais", sussurra-ll,e que tome cuidado, pois pode se darmal, algo pode lhe acontecer.

Após o "tribunal" feito contra Helena na SBPR], quando esta já sehavia tomado titular, em 1976,Amilcar Lobo volta a ser membro-candidatoda SPR), sem, no entanto, fazer análise didática, comparecendo aos cur-sos e seminários clínicos. Toda a Sociedade sabe do "trabalho" que haviaexecutado no DOI-CODI/R) de 1970 a 1974 e, além de continuar naSPR), tem seu consultório particular ao lado do de Leão Cabernlte.

Em final de 1980, numa mesa redonda promovida pela ClínicaSocial da Psicanálise, na PUC/R), sob o título "Psicanálise e Fascismo",surge o tema das torturas praticadas contra presos políticos durante osanos 70 no Brasil. Nos debates, RôqlUlo Noronha de Albuquerque declaraser ex-preso polItico e, além de relatar as torturas sofridas, denunciaAmilcar Lobo como tendo feito parte da equipe de torturadores do 001-CODI/R). Dias depois, em 02/10/80, Hélio Pellegrino, que fazia parte dareferida mesa redonda, envia carta à direção da SPR), lembrando apublicação feita em 1973 na Revista Questionamos e solicitandoprovidências a respeito. A Comissão de Ensino se reúne às pressas eexclui o nome de Amilcar Lobo do quadro de candidatos da Socledade.

No dia seguinte, Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas sãoconvocados pelo Conselho Consultivo da SPR] e comunicados por seupresidente que estavam expulsos da Sociedade. Esta situação transpirapara a imprensa e há uma forte pressão e protestos por parte de muitosmembros da Socledade. A Diretoria, pressionada, convoca, para o dia21/10/80, uma Reunião Plenária que, por unanimidade, recomenda oarquivamento do processo de exclusão dos dois psicanalistas. Esta deci-são é acatada de forma distorcida pela direção da SPR] que, em circular

86 JB/Cadern.o BIE.peclal- 16/09/1986.

101

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de 01/12/80, retira as expulsões, mas atribui a Hélio e a Mascarenhasuma retratação que não houve, além de acusá-los pesadamente.

Em 14101/81, os dois psicanalistas respondem, repelindo a retra-tação e as demais acusações. Em função desta defesa, são expulsos em27/01/81. Iniciam-se ai vários movimentos de solidariedade a eles e derepúdio ã direção da SPR]; documentos são publicados na grandeimprensa, exigindo a convocação de uma Assembléia Geral Extraor-dinária que somente em abril será realizada. Antes, a direçào da Sociedadeameaça punir os que, em nota pública, se solidarizam com Hélio Pellegrinoe Eduardo Mascarenhas.

Em 06 e 07/02 de 1981, em manchetes de primeira página dosprincipais jornais cariocas, a ex-presa política Inês Etienne Romeu e seisoutros ex-presos políticos (Cid Benjamin Queiroz, Vânia Abrantes,Ge= Figueiredo, Abigail Paranhos, Dulce Pando]fi e Cecilia Coimbra)denunciam Amilcar Lobo como o médico que os atendeu em 1970 e 71no DOI - CODIIR] e na "Casa da Morte", em Petrópolis"'.

Imediatamente os três Ministros Militares repudiam tais denúncias,afirmando que não irão permitir, no processo de "redemocrati7..açâo" e"abertura" que o p'aís atravessa, estas posturas revanchistas. Afmal, a Leide Anistia de 1979 havia proposto o esquecinlento e o perdão mútuos:os "terrorist<L," estavam anistiados, assim como aqueles que, do outrolado, haviam praticado oS chamados crimes "conexos".

O ConselllO Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro,então sob intervenção federal, afIrma que" ... no caso do atendimento aInês Etienne, vê-se apenas a prestação de serviços profissionais e nãopropriamente um crime"B8- e nada faz. Entretanto, a OAB/R], sob apresidência de Eduardo Seabra Fagundes, toma o depoimento dessesex-presos políticos.

Em 12 de fevereiro, no calor desses acontecimentos, a Direção daSPR] envia uma Circular a todos os seus membros e nada comenta sobrea expulsão, em janeiro, de Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas. Nodocumento, o desligamento de Amilcar Lobo se dá peja interrupção desua análise didática. Sobre a questão de sua atuação junto ao aparelllode repressão o que se coloca é o seguinte:

87 JB-05e 07/02/1981.88 Declarações do Dr. Silvio Sertã, interventor do CREMER)ao JB - 07!02/1Çl81 .

102

"Desde que, em 1973, surgiram os primeiros rnmores sobre /íga-çôes do Dr. Amilcar Lobo com supostas tm1uras praticadas apresos polítk:os, a mtão diretoria do lnstüuto tentou averiguar averacidade dos fà/os, sem tp4e nalÚJ de concreto fosse apu~rodo ( ..). Trabalhava-se, apenas, com nmwres _Portanto, asínuestigaç6es de então, de cujos pormenores somente ontem lJÍm atomar conhecimento, lUUÚl apuraram de concreto que incri-miruzsse o referido candidato. Ndo obstante 'Isto, pela.•pecu-liaridades intrin.wcasno processo de/ortnaçào psicanalítica, criou-se um impasse em sua análise pessoal, a qual foi interrompida,fato este que írnplicou, conseqüentemente. a susfX>rlsàode suaformaçdo "39 (grifos meus),

Naturalmente estamos em 1981, no Governo Figueiredo e, cautelosac oportunisticamente, após as declarações dos Mini~troSMilitares, a SPR]não diz que acarreratl1 torturas a presos políticos no Brasil e nem queAmilcar Lobo era membro do DOI-CODlIR]. Esta circular tem também oobjetivo de tentar diminuir a pressão pelas várias notícias da "crise" porque passa a Sociedade, notícias publicadas nos principais jornais cariocas.Em resposta, Hélio e Masc'arenhas, em longa carta ã direçào da Sociedade,historiam os "casos" Amilcar Lobo e Helena B. Vianna"".

As Assembléias Gerais Extraordinárias, de 14/04 e OSlO'; de 1981,compostas ,.... por cinqüenta e duas pessoas c decididas apenas pordez"'\ - somente os membros titulares podem votar -, resolvem pelaexpulsão dos dois psicanalistas. Duas semanas após, no dia 27 de maio,cria-se o Fónun de Debates, que aprofundará a crL,e na SPR].

TaL, episódios pressionam Amilcar Lobo a sair de seu consultórioao lado do de Leão Cabernite e o número de pacientes baixa sensi-velmente. Apesar dLsso, continua a clinicar em consultório emprestadopor Paulo Tavares da Silva, tan~)ém membro da SPR].

O "caso Lobo" fica esquecido até 1986 e, em todos esses anos,nenhuma nota da SPR] é emitida, nenhum psicanalista vem a públicopara lembrar o fato, a não ser o Fórum de Debates que, em seusdocumentos, afmna que toda a Sociedade é responsável.

Em 1986, Amilcar Lobo "espontaneamente""' procura a grande

fJ) Cerqueira, G. (Org,). Op. cit., p. II Ci.(X) Toda essa correspondência encomra-se in Cerqueira, G. (ürg.). ()p. dtoCJ] B3.fft..'to,C.A. "Forum de Debates, Pl.lça Política da Psican;Ílíse~. In: Cerqueil.l, G. (Org.). Or· cit.,

p.I69.Çl,2 () termo "espomaneamente" refere-se ao fato de que, i época, as hipóte&s levantadas pelos vários

103

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imprensa e afIrma ter visto Rubens Paiva93 vivo no DOI-CODJlR] e quelá o havia atendido. Refere-se, também, a outros desaparecidos polí-ticos. Novamente, em primeira página dos principais jornais nacionais, o"caso Lobo" envolve a SPR] e a SBPR] com depoimentos de váriospsicanalistas.

Ainda em 1986, o Conselho Regional de Medicina do Estado doRio de Janeiro - não mais sob intervenção federal -, de posse dosdepoimentos feitos pelos ex-presos políticos, em 1981, na OABIR], abreum processo contra Amilcar Lobo. Neste mesmo ano, a oposição internaà SPR], conbecida como Fórum, leva para uma Assembléia Geral daSociedade alguns desses ex-presos políticos que falam de suas torturas,da participação de Amilcar Lobo nelas e da conivência e mesmo cumpli-cidade dos estabelecimentos psicanalíticos com o terrorismo do Estadoque se instalou no Brasij94.A partir daí, por força de múltiplas pressões,notas ofIciais dessas duas Sociedades são publicadas, nos jornaL. degrande circulação do Rio, abominando a tortura e o estado de terrorque se abateram sobre o pais, principaimente nos anos 70. Tentam,com isso, após treze anos da primeira denúncia feita contra AmilcarLobo, lavar sua honra e esquecer sua covardia e cumplicidade.

Algumas entrevistas, dadas por Leão Cabernite ã época, a meuver, merecem destaque, pelo retrato que fazem da "verdadeira" psica-nálise. Sobre o témaino da análise didática de Amilcar Lobo, ele afirma:

"... tempos depois, começaram a correr rumores no Rio dejaneiro,de que o Dr. Amilcar Lobo participan·a de equipe de torturadores,

Movimentos de Direitos Humanos do Rio e São Paulo eram de que Amilcar Lobo estaria sendoinstrumento de uma facçâo militar - a denominada "linha dura" - que havia sido deixada de ladona briga de sucessão do General Figueite9ü. A facção que havia se imposto, representada peloGeneral Leônidas Pites Gonçalves, defendia a "abertura" lenta e gradual.Estas hipóteses foram confinuadas mais tarde, quando, em 1989, Amilcar Lobo lança seu livro AHora do Lobo. A Hora do Cordeiro (Rio de Janeiro, Vozes), em que elogia os Generais SilvioFrota e Fiúza de Castro, representantes da "linha dura" e que haviam se indisposto com a facção doGeneral Leônidas. A leitura desse livro mostra claramente sua ligação com aquela facçâo.

93 Desaparecido político, preso em 20/0]/71, em sua casa na Zona Sul do Rlode Janeiro. Nunca maisfoI visto. A versão oficial, divulgada pela imprensa, afirma que Rubens Paiva teria sido resgatadopor seus companheiros ''terroristas'' ao ser transportado por agentes do DOI-CODIIRJ, em 28/01171

94 Para cerca de 300 psicanalistas, 5 ex-presos políticos (Arlete de Freitas, Abigail Paranhos, CidQueiroz Benjamim, Cecilia Coimbra e Regina Toscano) deram seus depoimentos num clima temoe silencioso por parte de todo o plenárIo.

104

Essesrumores tomaram Imito de tal magnitude que a análise, quea cada dia se tomava mais dificü, acabou sendo inviabilizada,tão contaminada foi petaintromissàQ da realidade extertUl "(os grifas são meus).

Sobre os seus objetivos enquanto presidente da SPR] - o foi em

três mandatos durante a década de 70 - observa:

"... assumi a presidência da SPR] e uma das minhas metas foidefender a psicatUtlise de ataques diversos vindas sob asformas mais variadas. Meu propósito.foi o.de manter a Psicanálisedentro dos padróes que impeçam sua descaracten:zaçào. lsso metornou extremamente impopular entre aqueles que queriam ser

psicanalistas sem sesubmeter ao processo dejDrmação preconizadapor Freud e instituída pela !PA "95 (os grifas são meus).

Sobre sua ideologia, enfaticamente confmna: "...jamais fui polí-tico. Minha ideologia é a psicanálise!". Sobre os psicanalistas ar-gentinos Marie Langer e Armando Bauleo, que publícaram na RevistaQuestionamos a denúncia contra Lobo, diz ainda: "... são órgãos es-

trangeiros, hostis à psicanálise!"

Em 1988, o CREMER]cassa de Amilcar Lobo o direito de exercera medicina, o que é ratificado um ano depois pelo Conselho Federal deMedicina. É o primeiro caso, na América Latina, de punição a médicoque tenha partieipado de torturas. Apesar de estarmos em 1988 - umano antes da primeira eleição direta para Presidente da República desde1964 - 0.Df. Laerte Vaz, então presidente do CREMER],na semana dojulgamento, recebe várias ameaças. Por unanimidade, Amilcar Lobo écassado, tanto no Conselho Regional como no Federal. No mesmojulgamento, é aberta pelo primeiro ConseUlO uma Sindicãncia contra aSPR] nas pessoas de Leão Cabernite e Ernesto La Porta. Posteriormente,é transformada em processo que, em julho de 1992, é julgado e, porunanimidade, o CREMER]cassa os dois médicos por omissão, conivênciae cumplicidade no "Caso Amilcar Lobo". Em 1994, covardemente, oConseU10 Federal de Medicina não ratifica a decisão do Regional: LeãoCabernite é suspenso por 30 dias e Ernesto La Porta será novamentejulgado pelo CREMER]. Alegam que, apesar de serem culpados, não

9'5 Trechos de uma entrevista de Leão Cabemite aoJ81 CademoB Especlal- 16/09/1986.

10<;

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podem ter a mesma pena que Lobo''.

À guisa de explicações, oS psicanali~tas das duas Sociedades"oficiais" do Rio de Janeiro, entrevi~tados, referem-se de maneira contra-ditória ao "Caso Lobo": uns afIrmam - são poucos - que toda a Sociedadesabia desde a primeira denúncia que Amilcar pertencia aos quadros derepressão; outros - a grande maioria - que nada sabiam, pois sÓ tomaran1conhecimento ou na época do Fórum de Debates ou quando de suacassação pelo CREMER].Ou seja, apesar de serem assíduos membros daSPRJ, somente depois de oito e quinze anos, respectivamente, é quesouberam quem era Amilcar Lobo. Alguns tentam justificá-lo, ao afmnaremque todo ser humano, em sua natureza, é um torturador e, através dateoria dos instintos, teorizam sobre o caso. Outros, psicologizando,colocam que Lobo foi seduzido pelo poder, pelas facilidades que osmilitares lhe deram, que é produto daquela época e que tinha que terresolvido aquele "problema" em sua análise.

Sobre a SPRJ,uns comentam, ironicamente, que o grande erro foinão ter retirado logo o nome de Amilcar Lobo do Roster. Algunsconsideram que o "Caso Lobo", até hoje, não foi digerido pela Sociedade:"foi uma fatalidade", "um choque", especialmente para os analistas maisnovos e para os candidatos, poi~ sempre há uma idealização da funçãodo analista. AfuTIlam que este "caso" levou à quebra dessa idealizaçãodo ser analista, visto que a psicanálise tem fortes vínculos transferenciai~com a Sociedade, o que é dil'erente nas demais profl~sões. Outros -somente dois - enfatizam que o clÍllla da época era de medo, havia umaperseguição grande a todos que criticavam o regime e que, por isso,nada se podia fazer. Corria, inclusive, o boato de que, se a direção daSPRJ tomasse alguma atitude contra Amilcar, o Exército poderia preju-dicar o funcionamento da Sociedade. Para uns psicanalistas, essa situaçãonada diz contra a Sociedade, pois foi um fato isolado; entretanto, outrosaté pensaram em sair da SPRJ ou da SBPRJ,mas não o fizeram.

A expressão tão freqüentemente usada, em quase todas as entre-vistas realizadas, é a de que "eu não sabia de nada". Muitos alegamdesconhecimento do que aconteceu, recalcam, recusam - utilizando opróprio vocabulário psicanalítico - e, em realidade, tomam-se coniventes

96 Sobreo assunto, consultar 0>1mbra, eM.8. Omissão, Conivência e Cumplicidade: AnalIsadoresde AIgumas Práticas PslcanaIitkas no BrasD Hoje. Mimeogr., 1994.

106

e cúmplices.

7vâo houve torluras no Brasil, nenhum pskanaJista foi preso oumaltratado, os didatas não se constituíam num grupo direitistaque aumentou imensamente seu poder com a ideologia daneutralidade e seu pretenso apoJittcismo. E jamais houve umpsicanalista torturador, que estivesse abertamente na .repressão.Isso é o que se deduz da leitura das Tf!1..Jlstas oflciars da ABP(Associação Brasileira de Psicanálise). Aqui como na Europa(durante o nazismo), o silêncio e o esquecimento parecem .ser aregra geral"97.

IV - A PROCURA DA DIFERENÇA

Os anos 60 no Rio de Janeiro,assistem ao aparecimento de doisoutros estabelec~entos de formação analitica que tentam - até hoje -marcar posições diferentes da "verdadeira" psicanálise e instrumen~uma outra fOfilação, sem no entanto atingir a mesma fama, presuglo,

poder e procura que as Sociedades ligadas à IPA.

1 - O INs11TUTO DE MEDICINA PSICOLóGICA

O IMP é fundado oficialmente pela médica psiquiatra Iracy Doyle,

em 1953, após sua formação psicanalítica realizada nos E~tados_Unidos,na William A1onson White Psychoanalitic Society, de onentaçao cultu-ralista no final da década ele 40. Antes, Iracy já contesta a "ortodoxia" e, . .a "rigidez" do grupo de psiquiatras que, no RIOde Janerro, ten:am u~formação analítica9'. Quando volta como didata, funda um Insututo naovincul~do à IPAe que se pretende diferente da "verdadeira" psicanálise,

propondo uma outra formação. ,O IMP, em seu Boletin1 nO 01, esclarece que, medtante o seu

Departamento de Ensino, "... oferece a psiquiatras, médicos e estudantes

cp KatZCS Psic~ e Nazismo. Op. cit., p. 223.Ç6 Esse'~~ no início dos anos 40 -antes da chegada de M. Burke e W. Kemper- é formado por

alguns jovens psiquiatras como o casal Perestrello, Walderedo Ismael de Oliveira, Oswaldo

Domingues de Moraes, EIsa Arruda e outros.

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ele lneelicina, professores e assistentes sociais, os conhecimentosdinânticos, necessários a sua profi'5sào"99. O psicólogo não é mencio-nado, pois no Brasil, na época, não é ainda uma protlssão regulamentada,procurada e de sucesso, como será duas décadas depoL'.

Ao morrer prematuramente em 19,6, Iracy Doyle não tem aindauma primeira turma formada no IMplOO e isso provoca uma diáspora:para terminar a fornlação, alguns viajam para os Estados IInidos, outrosentram para as duas Sociedades "oficiais" já reconhecida., ou em processode reconhecimento pela IPA.

Somente em 1960, quando Hórus Vital Brasil retoma de sua for-mação na mesma WAWPS, é que o IMP se reestrutura e, em 1967, abrea fornlação para psicólogos. 1\esta época, já está começando a ser pro-duzida a demanda de um "mercado psicológico" e, justamente, paranlarcar Unia posiçào diferente das "oficiais" no Rio de Janeiro, o IMP nãopode desprezar esta parcela cada vez nlais numerosa de profi'5ionais"psi". Entretanto, desde a sua reestruturação, o IMP exige do candidatoã formaçào curso de especialização ou pós-graduação em Clinica, o quelimjta a entrada de muitos interessados e demonstra um profundoacademicismo e elitismo.

Pretendendo fortalecer as diferen\--:Jscom as Sociedades da lPA, oIMP, em 1969, fUia-seà InternationaJ Federation of PsvchoanaJitic Societies([FPS), fornlada, em I<:XXí,pelas Sociechdes Psicanalítica., "independentes"- não vinculadas à lPA - como a Alemã, a Mexicana, a William A1onsonWhite e o Grupo Austríaco de 19or Caruso. Ou seja, uma outraInternacional, embora os entrevL,tados - como veremos logo adiante _tentem mostrar as cnormes diferença., existentes entre a IPA e a lFPS.

2 - O CÍRCULO PSICANALÍTICO DO RIO DE JANEIRO

O outro estabelecinJento que tenta marcar sua diferença com a"verdadeira" psicanálise e a formação por ela instituída é criado, em

QC) Burlamaqui, N. Boletim lntemo [MP: ~ero HIstórico Comemorativo dos 30 Anos deFundação do IMP. Rio de Janeiro, outubro/82, mimeogr., p. 19.

100 Dessa primeira turma fazem parte: Hórus Vital Brasil. Hélio Pellegrino. Ewald Mourão, JaymePereira, Rosita Mendonça, Jorge de SOUZl Santos, Sergio Pereira, Claudino Borges Neves, Urano deOUveira Alves e Maria Magdalena de Menezes Pimentel. In: Burlamaqui, N. <Jp_ cit., p. ] 3.

108

1969,por Katrin Kemper e seus discípulos, após sua saída da SPR). Passaa fazer parte do Círculo Brasileiro de PsicanáIL,e101, poL" no ano anterior,Igor Caruso, da Federação Internacional dos Círculos de PsicologiaProfunda, de visita ao Brasil, faz contatos com K. Kemper para que, noRio de Janeiro, seja criado um núcleo de fOfilação analítica.

Os primeiros quatro anos são de "fortalecimento e organizaçãointerna", quando há a fomaação dos próprios discípulos de Katrin. Somenteem 1971 o Circulo Psicanalítico é considerado uma "unidade completa"do Círculo Brasileiro de Psicanálise, com autonomia administrativa'02 e,cm 1972, já sob a presidência de K. Kemper, abre sua primeira turma deformação. Desde seu início, aceita médicos e psicólogos e faz parte dalFPS, a outra Internacional Psicanalítica.

Tanto o IMP quanto o Círculo Psicanalítico procuram Unia práticapsicanalítica e Unia fOfilação diferentes das marcadas pelo dogmatismoe rigidez da IPA. Todavia, suas hL'tórias burocráticas, organizacionais einstitucionais e suas práticas instrunlentalizam os mesmos dispositivospresentes na "verdadeira" psicanálL,e e na formação por ela instituída.

Ao consultar os respectivos Estatutos e Regirnent(JSInternos, chmatenção a presença de um forte academicismo, tão criticado comoprivilégio das Sociedades "oficiais". Por exemplo, tanto no IMP quantono Círculo, há a instituição "membros honorários" e "beneméritos". 1\0IMP, os "cursistas", e no Círculo. os nlelnbros associados nào têm odireito de participar e votar nas Assembléias Gerais; no IMP, têm o"direito" de eleger representantes junto ao Conselho Diretor. 1\esteestabelecimento, é instituído, desde o início de seu funcionamento, oConselho de PsicanalL,!aS fOfilado pelo Conselho Diretor"" e nlais cincopsicanalistas didatas que tomam as decisões nlais importantes. O tãocriticado poder dos didatas continua intacto. No Círculo, os membrosa.'5ociados (os que estão cursando a forn1ação) podem ser excluídosatravés de "... simples julgamento da Diretoria, sem direito a quaL'quer

HJl Inicialmente chamado Círculo Brasileiro de ]Jsjeologia Profunda, tem atividades em Belo Horizontee Porto Alegre e ligações com o Grupo Austríaco de 19or Caruso.

102 Funciona como um Sludy Groupaos moldes dos da IPA, e, após quatro anos, é reconhecido como"sociedade" pelo Círculo Br3Sileiro de Psicanálise, uma ~spéde de AS?

lO3 "O Conselho Diretor é constituído por quatro Membros Psicanalistas Docentes Supervisores ouDidatas do IM? e um representante dos Membro.."Cursistas". In: Regimento !MP, 1974, mimeogr.,p.5.

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esclarecimentos; aos demai~- os menlbros efetivos - caberá recurso àAssembléia Geral"l"'.

Sobre a força da burocracia e a atenção dada a ela no interiordesses estabelecimentos, temos um exemplo: após a flliação ã IFPS, em1969, o IMP, segundo seus próprios documentos, fica numa situaçãoanômala, pois é um Instituto de Formação de uma Sociedade que nãoexiste. Assim, em 1974, é fundada a Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle(SPlDl, em que há a formação analítica e os "cursistas" não pertencem ãSociedade, pois somente quando terminam a fomução têm a opção defazer parte dela ou não. Sob uma roupagem liberal, já que é "uma opção"tomar-se membro da SPID, percebe-se toda a organização e burocraciapresentes na IPA, que são copiadas pela IFPS e pelas Sociedades"independentes" a ela vinculadas.

Também no Círculo Psicanalítico do Rio de janeiro, ocorrem, emsua própria história interna, algumas situações que mostram como seestá impregnado da ortodoxia e da intolerância reinantes nas Sociedades"oficiais". Por exemplo, em 1978, num Congresso dos Círculos Psicana-líticos Brasileiros (há unidades em Minas Gerais, Porto Alegre, Salvador,Recife e Rio de janeiro), é proposta a criação de mais um núcleo no Rio,em 1991, funcionando em Nova Friburgo. Em realidade, é um grupodissidente do Círculo do Rio que pretende se desligar e organizar outronúcleo. A reação da direção do Círculo Psicanalítico carioca é a decriticar e imediatamente desligar-se do Círculo Brasileiro, o que representaa saida da IFPS, pois não são os núcleos que ai estão representados. Noentanto, o prestígio internacional é inlportante e, apesar de se afastar doCírculo Brasileiro, o CPR solicita sua permanência na IFPS, o que éconfJrnudo em 1980. A exemplo das Sociedades "oficiais", as oposiçõese dissidências não são toleradas, sendo vistas como traições ao grupoque, por ter sido o fundador do estabelecimento, considera ter direito aoseu monopólio.

Em meados dos anos 80, tanto a SPID quanto o Círculo reformamseus Estatutos e Regimentos, num momento em que a sociedade civilbrasileira já se encontra bastante fortalecida e clamando com mais forçapor uma maior democratização em todos os sentidos e setores. Inclusi-ve, taie;reformas são realizadas após as "cri<;es"que ocorrem nas

104 Estatutos doCfrculo Psicanalitico do Rio deJaodro - novembro/1978, mimeogr., p. 02.

110

Sociedades "oficiais" e que têm também como efeito mudanças em seusEstatutos.

Em entrevistas realizadas, alguns anaIisra.sdos dois estabelecimentosargumentam que negam a ortodoxia, o dognutismo, a rigidez, a foona-ção academicista, a medicalização da.s Sociedades "oficiais", pois suasformações são mais abertas, mais flexíveis, visto - entre outras coisas -sua base teórica ser diversificada. Se a ba.se é "sullivaniana" ou "freudiana",há também estudos os mais variados, chegando até Lacan. Principal-mente na SPID (ex-IMP), por influência de Hórus Vital Brasil- introdutorno Rio de janeiro dos estudos sobre Lacan -, há uma forte tendêncialacaniana.

Em realidade, isso ocorre diferentemente das Sociedades "oficiais"que, somente em meados dos 80, começam a diversificar seus estudos eleituras com a introdução da Linhafrancesa. Contudo, a meu ver, apre-senta-se o mesmo argumento utilizado pelas cúpulas das Sociedadesligadas ã IPA quando se referem às oposições internas, cisões ou expul-sões: a questão está nas diferenças teóricas. A rigidez, dogmatismo eortodoxia ta.rubém estão presentes em outros tipos de discursos, "escutas"e práticas psicológicas: eles estão sendo estinlUlados quando as insti-tuições que permeiam e se anlalizam nos vários dispositivos sociais forta-lecem os diferentes instituídos: o saber de deternlinado grupo e, emconseqüência, a desqualificação de outros, a disciplina, a hierarquia,etc. Ou seja, as práticas "psi" desses dois grupos pouco se diferenciamda.s que são produzidas e fortalecic!as pelas Sociedades "oficiais".

A própria ftIiaÇão a uma Internacional - a IFPS - que, segundodeclarações dos entrevistados, é bem diferente da IPA, visto não haver o"patrulhamento" sobre seus membros e sim uma cooperação "cientí-fica", demonstra a necessidade de prestigio e reconhecimento interna-cionais, tão presentes no mundo "psi" e na sociedade em geral. AFederação não possui ftIiação individual e Sinl as Sociedades é que sãoseus membros. Apesar dessas explicações, constatar-se que a organi-zação burocrática dominante na lPA é reproduzida' nessa outra Inter-nacional, concebida como "alternativa" - a própria criação deste fórumé uma demonstração desta reprodução.

:'-Jãoobstante todos os esforços da SPID e do Círculo para seremdiferentes da "verdadeira" psicanálise, eles não têm, nos anos 70 e nos

ttt

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seguintes, o prestígio e o poder que as Sociedades "oliciais" possuem nosentido de atrair os jovens profissionai5 'psi" cariocas para sua formação.São, inclusive, acusados pelos "verdadeiros" psicanalistas de nãooferecerem uma formação analítica, não fazerem psicanálL5e, mas umapsicoterapia de base analítica e, por isso, não muito profunda, argumentosque, COllIO já vimos, são os usuais e cotidianamente utilizados contra osinimigos da "verdadeira" psicanálise, aqueles que querem denegri-la,aqueles que se dizem psicanalistas, mas que estão fora da IPA.

Gostaria de registrar e apontar que, apesar das análi5es feitas aci-ma, algumas diferenças existem entre esses doLs estabelecimentos e asSociedades "oficiais". A facilidade com que tive acesso aos seus Estatutos,Regimentos e outros artigos, prontamente fornecidos pelas suasSecretarias, senlsentitnento."i persecutórios e/ou anleaçadores, não ocorreu

com as Sociedades "oficiaLs", nas quais me foi muito difkil conseguirqualquer documento of1cial. Estes me foram fornecidos por algunspsicanalistas isoladamente. Neste ponto, bá "diferenças" com os guardiãesdo "Santuário de Vesta", que, de um modo geral, não permitem aosleigos a leitura de seus documentos "sagrados", que são de circulaçãointerna e, alguns, confidenciais.

3 - A CLÍNICA SOCIAL DE PSICANÁLISE

Embora não reconhecida pelos analistns do Círculo como fazendoparte de seu estnbelecimento, a Clínica Social de Psicanálise, fundadapor Katrin Kemper e seu grupo em 1972, será explanada um poucoaqui. Penso que, se não fosse o empenho de Katrin e do pessoal doCirculo, talvez este projeto não tivesse saído do papeL Outras Socíedadesde fonnação, no Rio de janeiro, são chamadas, nlaS somente umrepresentante do 1MPe Hélio Pellegrino - que já é da SPRj - participamefetivamente do projeto. É verdade que, com o decorrer dos anos, aClítúca Social ultrapassa os muros do Círculo Psicanalítico, englobandodiferentes profJSsionais "psi", de diferentes formações e abordagens, sendoseu quadro clínico formado por analistas em formação e profissionaisque pretendem ser psicanalistas. "Desta feita, foí mediadora e inter-locutora do movimento expansionista da psicanáli,e"lOs nos anos 70,congregando diversos segmentos interessados na psicanálise, como

112

anistas, jornalistaS, filósofos, etc

A própria criação da C..línicaSocial inscreve-se no quadro já desaitodo boomdas terapêuticas "psi" cuja demanda é fomentada pela produçãoda "crise da farnilia", que atinge seu auge na década de 70. A idéia paraessa criação surge quando, um ano antes, Katrin e alguns de seus colabo-radores, Hélio Pellegrino e Qlaim S.Katz, fazem um trabalho na FaculdadeCândido Mendes com pais, os chamados "encontros psicodinâmicos".São grupos em que se debatem questões relativas à educação dos filhos,SU3Sdificuldades - questões, como já vimos, bastante preocupantes nosanos 60 e 70 para as farnilias de classe média - e que lotam o salão ond'esão realizados. Não obstante toda a clientela ser de cl3sse média daZona Sul carioca, fortalece-se a idéia de uma clinica que possa atenderà população de baixa renda com a implementação de trabalhos grupais.Esta é uma das razões que levam alguns profJSsionais "psi" "progressistas",muitos chegados do exilio, a se incorporarem à Clínica Social. Sua propostaatrai a muitos e a ilusão de se fazer um traballlO por meio do qual sepossa atender às pessoas sem condições de pagar um tratamentopsicológico privado está presente em toda a sua história. Em realidade,o atendimento que se faz a populações marginalizadas é ínfimo!06 e agrande demanda de sua clientela provém de estudantes e intelectuai5 daZona Sul do Rio de janeiro.

Apesar disso, e justamente por isso, à medida que a Oínica Socialde Psicanálise expande seus atendimentos e um número cada vez maiorde psicólogos a ela se liga, as Sociedades "oficiais" se inquietam. Assim,em 1975/76, a direção da SPRj chama Hélio Pellegrino e sugere que onome seja substituído para Clínica Social de Psicoterapia. A psicanálisenão pode ser conspurcada pelas propostas contidas no projeto que setenta desenvolver na Qínica Social, ainda que tais propostas ficassemsomente nas intenções e discursos de seus integrantes.

Há outras grandes ilusões contidas neste trabalho e muito presentes

105 Almeida, KM. (Coord.). Reflexão Teórico-ClínicaSobre a Inserção da PsicanáHse no Social:A HIstória da Clí:nka Social de Psicanálise Anna Katrln Kemper e Suas PerspectlvasFuturas- Relatório Técnico Ill, Módulo N - Rio de Janeito, FINEP, novembro/1989, mIrneogr., p.26.

106 Sobre o assunto, ver o trabalho desenvolvido no Morro dos Cabritos (Rio de Janeiro) por JoãoBatista Ferreira, psicanalista do CLtcul.oPsicanalítico do Rio deJaneico. In: Ferreira,]. B. "CliniqueSociale de Psychanalyse et la Favela dos ('.-abritas". In: Macedo, H.O. Le PsychanaJyste Sous laTerreur. Vigneux, Ed. Matrice, s/data, 61-84.

113

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durante a gestão de Hélio Pellegrino de 1978 a 1982107. Lma delas é a deque a psicanálise poderia ser mais um veículo da chamada"con..''iCientização'', "... facilitando as VL.1.S de expressão num mOlnento oregime ditatorial exige n1utL~moe alienaçào·'. Outra é a "postura assis-tenciaJista" que se tr.lduz no discurso de Ilélio PeUegrino pela "... fórmulaonde os "possuidores doanl aos despossuídos", fórmula que encontraperfeita ressonância no caráter religioso, cristão, deste fundador" lOS.

A questão assi,tencialista "dos possuidores doarem aos des-possuidos" liga-se também ao bto de que os que promovem a ClinicaSocial de Psicanálise são alguns dos psicanalL,tas mais procurados noRio de Janeiro, aqueles que, em seus consultórios p"rticulares, têm umaextensa clientela, aqueles que - como todos os outros, à época - bene-ilcialn-se com as sobras do "lnilagre econômico", Compreende-se, assim,a ambigüidade presente na atuação desses psicanalistas.

':.1.CSPAKK que abriga não sô ~ mas sobretudo - intelectualç deesquerda, conforme nos mostram as refert>nciasda.ç entm·'Í.çta.çeoutras Jantes pesquisadas, (.. ,J nutre-se das sobras do "milagreeconômico" que permite que doaçõés (,. ) ocorram, que anali.\tastenbam bora.\-e."dra.çpara doar. a.'Osimcomo tapetes, geladeiras,

enfim, é o milagre, ou pelo menos ainda uiRoram aí as reper-cussões do mesmo "UI).

É durante a gestão de Ilélio Pellegrino que" Clínic" Social maL, seamplia com a proposta do Núcleo de Atendimento Terapêutico"Psicóticos, a organização de concorridos Sinlpósios sobre "Psicanálise ePolítica" e "PsicanáIL,e e Instituição" na rue, o lan\-':lmento do livro"PsicanáILc;ee Política" e muitas outr3.."iatividades.

Data desta época, tanllJém, o atendirnento a ex-presos políticos,perigosos "terroristL';" então cumprindo pena. Um exemplo é o caso deInês Etienne Romeu 110 que, em 1978, estando presa em B;mgu, cumprindopena de prL,ão perpétua, solicita a uma ;mug" "poio psicológico. Segundoa própria Inês, em final de 78,lIt com a intensifica\;:ào dos movinlentosde anistia e o início do processo de "distensão lenta, segura e gradual",

107 o inicio da gestào de Hélio coincide com o adoecimento de K. K(,mper. seu afastamento ckmuitas atividades e sua morte ",m 197b.

J08 Almeida, K.M. (Coord.l 0r. cit., p. 31.]m Idem, p. ;-5110 Em emrevista concedicLa. Inês :lulori7Du-me a citar seu caso (' seu nome.1]1 Final de governo do Gener.:tI Ernesto GeiseL

114

cai o AI-5 e há mudanças na Lei de Segurança Nacional, mudando aspcnas a que estão condenados muitos presos políticos. Condenada ãprisão perpétua, Inês começa a ver a possn)ilidade de sair e isso faz comque se sinta ameaçada; por isso solicita "paio psicológico e discute como tempeuta tais questões e seu cotidiano na pri'iào. O profc'5ional enviadopela Clínica Social de Psicanáli,e dumnte cerca de SeL'meses visita Inêsno Presídio de Bangu semanalmente, e apresenta-se ãs autoridades comoum amigo, inscrevendo-se até mesmo no DESIPE para obter autorização.Mesmo antes, na prinleira metade da década de 70, alguns atendimentos" pessoas que estão n" clandestinidade são realizados. Em função daperseguição política que paira sobre esses militantes, muitos são atendidossob nomes falsos.

A própria gestão de Hélio Peilegrino em muito veste o slogan daanLstia anlpla, geral e irrestrita e, num dos Sitl1pósios protnovidos naruc pela Clinica Social de PsicanáIL<e,em fins de 1980, novamente vemà lOna o caso Amilcar Lobo e se desencadeia a crise da SPRj.

Apesar de todas as ilusões e ambigüidades assinaladas, é impor-tante que se resgate esse lado comjoso de muitos analistas da ClinicaSocial: um" faceta bonita, de despreendimento, de solidariedade "u-mam que, em muito, ajudou a algumas pessoas marcadas a ferro c fógopelo regime militar como portador"s da peste.

v - O MOVIMENTO DOS PsICÓLOGOS E O

PATERNAiISMO DOS PSICANALISTAS

1 - A PSICOLOGIA: SEUBOOM E AS FACUlDADES PARTICUIARES

Quando ocon'e o golpe de 1964, há no Rio de Janeiro somenteuma universidade que mini,tra, desde 19)7, o Curso de Psicologia: al'uc. Em São Paulo, três universidades o fazem: a llSP, cujo curso éiniciado em 19)8, a PIIC, em 1962 e o Sedes Sapientiae' ". Ainda em

lU \b. época, o Curso de Psicologia da PUC ~ o da Faculdade de Filosofia "St'des Sapientbe", quehavia sido criam em 1933, como a primeira Faculdade de Filosofia, Ciências (' Letras do Brasil. O"Sedes" esteve vinculado à rue até 19i4, quando, então, surge como Instituto Sl'dcs Sapientiae.

11';

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1964, é criado, no Rio de Janeiro, o ouso de Psicologia na UFRJ e, em1965, o da UEG (atual UERJ). Ou seja. no eixo Rio-São Paulo, em 1965,funcionam seis cursos de Psicologia: três em universidades privadas etrês em universidades públicas. Este panorama mudará a partir dp finalde 1960 de forma bastante brusca.

É no bojo dos movimentos contestatórios de 1968 que o governomilitar apela, através da Reforma Universitária u" para o setor privadocomo forma de resolver a chamada "crise universitária". Já na Cons-tituição de 1967, encontram-se alguns di'positivos que irão nortear asfuturas reformas educacionais, como o fortalecimento do ensino particularatravés da ajuda técnico-financeira do governo. A partir dai, expande-seo setor privado, principalmente, em três áreas educacionai"}:nos cursinhospré-vestibulares (que antes existiam em número limitado), nos ensinossupletivo e no superior de graduação e pós-graduação'H

A Reforma Universitária é feita de forma autoritária, impositiva eantidemocrática, sem nenbuma participação da chamada "comunidade"universitária.

"Foi assunto de gabinete. primeiro do própn'o Presidente,decretando o inicio dos trabalhos; depois de uma comi.çsilo mista(MEC-USAID), jazendo uma análise cu/as recomendaçóes não sãoconhecidas e,finalmente, de um grupo de trahalho de dez pessoasnomeado pelo Presidente"]]'

Seu principal objetivo é diminuir e mesmo impedir a pressãoexercida pela classe média para ascender socialmente via Universidade.Tal fato, caracterizado como "crise universitária", agrava-se ainda malSpela pressão estudantil que atinge seu auge em 1968. Estas pressõesinstituintes se tornam perigosas, pois significam, acima de tudo, umaameaça à "segurança nacional", visto que o descontentamento estudantilestá sendo canalizado para atividades - como a clandestinidade e/ou aluta armada - sobre as quais o governo militar não tem, de início, controle.

Para administrar melhor a situação, utiliza-se não somente a Lei

Ainda no fInal dos anos 60, uma outra faculdade vinculada à pue oferece o l;UrS()de Psicologia:a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São Bento.

113 Trata-se da Lei da Refonna nQ '5'540/68. Sobre o assunto ver Freitag, B. Escola, Estado e Sociedade.São Paul0,.Moraes, 1980.

114 Freitag, B. Op. ciL, p. 81.115 Idem, p. 86. Na época era o Marechal Artur da Costa e Silva.

tt6

da Refonna de Ensino Superior mas UIna série de outros atos, como anova Lei do Ensino de Iº e 2º graus''', o jubilamento e o decreto-lei 477,que tem o poder de desligar e suspender por três anos alunos eprofessores envolvidos em atividades consideradas "subversivas".

Entrementes, estas refornms, que objetivanl dilninuir o acesso à.o:;

Iniversidades públicas, não conseguem seu intento. Asslste-se, no finalda década de 60 e no inicio da de 70, a um aumento do número decandidatos aos vestibulares, os chamados "excedentes", como efeito dagalopante ascensão social da claBse méelia. Não sendo possível contertal pressão, o impasse é solucionado lançando-se mão do setor privado.Entram em cena maciçamente as faculdades particulares, pois o governoautoriza a criação de cursos superiores a um nllmero cada vez maior deantigos colégios ele Iº e 2º graus e cursos pré-vestibulares. !lá umcrescimento explosivo de faculdades privadas para atender àqueles que,tendo sido rejeitados pela rede o[kial, desejam obter um titulo univer-sitário.

Na midia, assiste-se a constantes apelos ele que a educação é omelbor investimento de uma sociedade, fator fundamental para amobilidade .social (' 1110la propulsora do desenvolvimento econômicolF;produzem-se subjetividades voltadas para a ascensão social via educação,via Universidade. Com isso,

"o..ç estabelecimentos de ensino particular />a."sam a jazer damucaçao um negócio Este negocio Jloria tanto mais quantoaumenJa o congestionamento diante das porta.~da."unil1(!rsídadesoficiais ( ..), A maior parte desses estabeú>cí,wmtos parliculares

funciona à noite, para poder atender à demanda da populaçãoatilla. Cobram taxas bastante elevadas, ( .) e ministram cursos debaixa produtividade e qualidade "Ilfl

116 Que pregam, principalmente, a proflssionaliZl.ção do ensino medio, como forma de se encaminharo aluno, antes de chegar à Universidade, para o ml~rcado de traballlO. Dai a ênfase dada, noperíodo, às proflSSôes tecnicas. Sobre o assunto ver além da Op .•dt. de Freitag, Cunha, L.A.Política Educacional DO Bra.'iU:A Profi."lsionalização do Ensino Médio. Rio de Janeiro,

FJdorado, 1977117 É a l'eoria do Capital Humano. Sobre o assunto ver Frigotro, G. A Produtividade da Escola

Improdutiva. São Paulo, Correz, 1986: Souza, M.J.S. Os Empresários e a Educação. Rio deJaneiro, Vozes, 1981 e Coimbra, CM.R ~A..",Teoria.s Educacionais Hegemônicas nos Anos 70 no

Brasil'", In: Cademos do [eHF, n" 23- UFF, Rio de Janeiro, 1992.118 Freitag,B.Op.cit.,p.113.

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Os cursos de Psicologia - atendendo a essas demandas produ-zidas - florescem assustadoramente neste período c, já em 1973, a redeprivada participa em 66% das suas matrículasll9 Concomitantemente aeste crescimento do "mercado psicológico", os cursos de História, Filosofiae Sociologia vão gradativamente sendo diminuídos e mesmo esvaziados;alguns são extintos.

:"ia graduação de Psicologia, produz-se uma "certa" Psicologia.Desde seu início, está impressa a marca cb tradição positivista; exempJossão a hegemonia do Behaviorismo e de uma Psicologia Social quereproduz lllecanicamente conceitos e técnicas de estudo de inspiraçãonorte-americana. É o domínio da psicologia experimental positivista comsuas características de cientificidade, neutralidadc, objetividade etecnicisnlo. A própria psicanálise ensinada - e, em certos cursos, hege-nlônica - nesses cursos de graduação também está marcada por estepositivismo e pela "psicologização" da vicia social e politica, seguindo osJJlodelos produzidos na época e já citados'''. (ima certa clinica torna-sea grande demanda dos estudantes de psicologia que sonham com seusconsultórios privados; os psicanallstas, seus modelos de referência. Oatendimento privado é o que predomina em detrimento do trabalho emoutros setores, o que atende às subjetividades donlinantes então criadase alimentadas ao longo dos últimos anos.

Desde a sua regulamentação, em 1962, a prol1ssão de psicólogomarca este profi'ssional como aquele que "abranda c resolve os pro-blemas de desajustamentos""', bem aos moldes do que lili assinaladoanteriormente.

2 - OS PSICÓLOGOS PAUUSTAS E A SBPSP

Em São Paulo, diferentemente cio Rio de Janeiro, os psicanalLstasda SBPSP estão presentes massivamente nos cursos de graduação de

119 Dados apresentados por Freitag, B.Op. cit.

120 Sobre a influência dt psicanálisL: nos cursos de graduação, notadamente na PUe/RI e L:SPver ostrabalhoS de Figueiredo, A.C.C. Op. cit.; Silva, P,S.!.. 110nnação do Psicólogo. Disserução deMestrado - PUC/SP, 198-; e Botelho, E.Z_F. Op. dt.

121 Ver sobre isto o próprio decreto-lei que regulam<.'nta a profi,<;sàode psicólogo nº 4119162 e oParecer n\1403/62 de Valnir ehaga.~ que fixa o curriculo mínimo c a duração do Curso de Psico]ogi::tAmJ)OScitados em Psicologia leJ;islação. Brasília, CFP, Série A. n" 1, 1976, pp. 7, [7,31 e 3'5.

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Psicologia como professores. Principalmente na l :SP, desde 1958, quandoé criado o curso de Especializa,'ão em Psicologia Clínica, participammuitas figuras dessa Sociedade, C0I11()Durval Marcondes, Lygia deAlcântara do Amaral c Juclith Andreucci. Posteriormente, no curso degraduação de Psicologia e no estágio de Clinica outros psicanalistas,além dessesl tanlbém estarào presentes, COlno Virgínia Leone Bicudo,Armando Ferrari, Laerte Ferrào, elcu.!.

Desdc os primórdios dos cursos de Psicologia em São Paulo, ospsicanalistas apóianl e respaldam teoriC3mente esta formação.

São os médicos-psiquiatr:Ls e neurologist'1s - os que desde a décadade 30 lutam contra a implantação da psicanálise como uma novametodologia terapêutica - que nos tlnais dos anos 50 e início dos 60fazem grande pressão contra as atividades dos psicólogos. Tentam,inclusive, suspender o Curso de Especializaç'io em Psicologia Clínica daIISP''', uma vez que alguns psicólogos desse curso e do que há noSedes1"õ4 já atuam como terapeutas.

''!-Iama algum Jíclere,çdesse mot'Ímento medico contra os psícôlogosUm deles era o Parti0 Fralettí, que era um psiquiatra de ceriafama. Mais tarde foi diretor do Manicômio ju4iciârio r. . i Achavaque terapia era um tratamento e por isso det't"7ia estar na alçadados médicos,- o psicólogo nâo tinha nada a fl("- com isso (. _), Daise iniciou um proces,so delechamento do Curso de Especializaçãode Psicologia Clinica da u.sp "12, (Wifo meu).

A transcrição do texto acilua prende-se ao fato de que () per-sonagem citado estará ligado ao aparato repressivo brasileiro nos anos70. Paulo Fraletti, além de diretor do Instituto Médico Legal de SãoPaulo, em 1970 - período em que vários legistas fornecem laudos falsosa presos políticos Inortos sob torturas, pois não se rCferC1TIàs torturassofridas, simples111cntc corroboram a versão oficial da repressãollb -,

122 Sobr..::o assunto, ver, RoreUlo, E.Z.F, ()p. cito

123 Idem124 O Curso <k Especb.UZlção em PsicoloJ':ia Clínica do Sede,~ toi iniciado um ano antes do da USP,

em 19';712') BotclllO, r:.Z.F, Op. cit., p, 171 ])epoimento dado à autora.126 Sobn;: o assunto ver Arquidioce$c do:.:cSão Paulo. Projetf) Brasil Nunca Mais- 0'" Funcionários,

tomo 11,voi. 3. São Paulo, IW1'í,p. 127 Paulo FreJetti consta lU lisu de medicos legistas 1igado..~irl'-pres.~ào.() Proieto Bra.~nNunca Mai~ compreende ]2 volumes, dos ({tiais existem somente 2';exemplares doados pela Arquicliocese de São Paulo a entidaws de Direitos Humanos no Brasil eno exterior. Este Projdo, í.ksenv()!vid() sigilosamentç por cinco anos, ,:,a tran~crição de todo,~ os

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também é, como apontado acima, psiquiatra e diretor do Manicômiojudiciário do juqueri, onde, no início da década de 70, estiveram"internados" alguns presos politicos127.

Este é um dos que fazem pressão contra a nascente profissão dospsicólogos. Entretanto, adotar enfoques maniqueistas e corporativos nestaanálise pode nos levar à armadilha de afrnnar que o movimento dospsicólogos, que conta com o apoio e o respaldo teórico dos psicanali~tasda SBPSP, é progressista para a época - anos 60 e 70 -, visto serpressionado por figura tão retrógrada, obscurantista e fascista.

Todavia, quero mostrar que essas pressões não vão significarnecessariamente que um grupo é "retrógrado", e o outro progressista.Como afirmei anteriormente, não é o fato da SBPSP aceitar psicólogosem sua formação que irá caracterizá· la como mais aberta, mai, flexívelque as outras duas Sociedades "oficiais" do Rio de janeiro. Pela análiseque fiz das instituições instrumentalizadas por essas Sociedades, ficaclaro que, apesar da aceitação do psicólogo e de outros profissionais, dorespaldo teórico dado ao curso de Psicologia da USP - o que não ocorreno Rio de janeiro'" -, tanto a SBPSP quanto o movinlento dos psicó·lagos paulistas estão coerentes com os modelos de subjetividades pro,duzidos naquele momento, aceitando e fortalecendo demandas tambémproduzidas. Por sua vez - como já foi demonstrado - estimulam essasdemandas e geram outras também coerentes com as modelizaçôes daépoca, instrumentalizando as instituições "verdadeira" psicanálise eformação analítica. Um exemplo das práticas que são fortalecidas porestas instituições é quando em 1968 - já caracterizado como um dosmomentos instituintes da sociedade brasileira e mesmo mundial -analisam,se as postuf'JS desses psicanali,ta., ligados ao curso de Psicologiae de alguns de seus alunos. já foi dito que o movimento estudantil em1968, em São Paulo, além de ocupar alguns espaços da USP, consegue

depoimentos feitos por ex-presos politicos nas Auditorias Militares e de toda a documentaçãoconstante nos processos do Superior Tribuna] Militar.

127 Sobre o assunto, o ~tratamento~ dispensado a esses presos políticos c a responsabilidade doreferido psiquiatra, ver: ]I.! Relatório da Comissão Andmarncomial da Prefeitura de SãoPaulo -1991, mimeogr. e reportagem de Silva, A. V. uDitadura Militar: Loucura Armada". In: Istof/Senhor- 29/05/1991.

128 Como veremos mais amante, no Rio de Janeiro, no início dos cursos de graduação em Psicologia,há muito poucos psicanalistas das Sociedades "oficiais" presentes nas Universidades. O respaldoteórico aos psicólogos será dado de outras formas em caráter privado.

t20

discutir por alguns meses - até a decretação do A].s, no fmal do ano -questões curriculares, pedagógicas, etc. em assembléia.~ paritárias. NaFaculdade de Filosotla da USP, são ocupados o Bloco 10 (que sedia aPsicologia Social e Experimental) e a Clinica (onde os alunos do 4º e ~ºanos estagiam). Nesta última, a ocupação atinge proporções tai, queculmina com a saída de vários professores, dentre eles os psicanalista.~que lá estavam desde o inicio do curso de Psicologia.

Com a Clinica de Psicologia ocupada praticamente durante todo osegundo semestre, oS atendimentos são paraHsados, porque muitosestagiários e n1esmo professores consideram não haver condições parai'5o. É interessante ler sobre o assunto alguns depoimentos como:

':4gente fez muita questão defalar da posstbiJidade de atendimentoe teve um grupinho que se colocou contra, k:>tnhroque dizia assim:'n gente nilo tem condições de atender cem, essa pressãoda ocupação de vm;l!s" E era uma coisa que a gente discutiamuito, "que ndo tinha por que não atender .. Ou. "Não foinada simbólica fi invasiio, os c/u'ntes com hordrio marcado naopuderam ser atendido..ç, ninguêm foi trahalhm~ bloquearam tudoAcho que os alI-1tros não elltendiam. acho que os invasoresnão eram alunos nossos, eram os alunos dos primeiros anos,mns eles MO Unham noção nenhuma di.)que era limaaínica, eles não tinham feito ainda estagio mn Clínica. Nãoti"batn "('filo de éticnJ NenbtnnaJ Nenblmul! P./esimwiramepronto.' " Ou: "._.Heles acharam que n6s podíamos continuaratendendo os pacientes com aquela IJalbúrdia, se bem que eles"ilo tinham acesso ao que era um atendimentopsicólogico. Os alunos eram bem primitillOs, bem no comecinho,o pe.'~soalse formava em ;:3,em 68 del'ía estar no F, 29 ano "IN

(grifas meus).

o modelo "psi" de atendimento já está marcado nos alunos definal de CllrsO; os c1ernais,que estào nos primeiros anos, nào são "enten-didos" no assunto, ainda não estão "contaminados" pela neutralidade,pela assepsia que deve comandar a reiacào terapeuta/paciente. I\sUniversidades e o tnovimemo estudantil em 19(i.Hfervilham, mas osatendimentos na Clínica da IISP devem ser mantidos longe de tudo isto;.são espaços onde a vicb e o mundo não podem penetrar. A trans-versalidade é terminantemente pl'Oibicla!Há alguma diferenç'a da fonna·

Izt) Trechos de depoimentos cb.df)s a Botelho, E.z.-F. Op. cir. pp, 202, 204 c 20,.

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ção analítica que foi descrita em outro item?Acredito que não: é a mesmapostura que deve ser :Jdotacia por todo terapeuta "sério" c "conlpetente".A intluência da psicanálise na Clínica da 1lSP é um tito e a reprodu,'àode sua fomJaçào se dá sem grandes diferenças.

Apesar di,"o, alguns psicanalístas da SRPSP e professores da llSpmostram a "fragilidade analítica" do curso. Afimlam: "... como se aquelecurso lá fosse [onnar alguém eonl experiência nesse sentido .,."; ou:

estou jJondo mais a orimtaçào que (., 1 tinba no inido, era

mai, de jOrmar técnicos, Imrque jJn'Cisat'a dar a'>.tisténciapam ope.'>.'ioalpoht'e'·

Ou ainda: "... era toda uma idealização ( .. ) um negócio psicológico...) formar analista ...". Ou mesmo:

eles tinham encaminhamento tambem, assim para análüeQuem quise.s..'(!Jàzer análi..";epuderia ir à Sociedade de Psicandli'if'ou entrm' naquele tipo df? trabalho de atendimento dos próp,iosalunos da Sociedade Acho que e.vistia uma proposta deste tipo,não urna obrigatoriedade, mas uma proposta para quem quiçesseiniciar análi,e"

Alguns dos alunos, i época, COlllcntam:

"Eles(os psicanalLçtasl tinham um papel imponante (XJrque, nesça

época, eú's eram usdefensores da Psicandlise mais barata,de alguma entrada da Pdcandlise /Hlr(l a pU/llúação maiscarente Eles eram muito curiosos /JOrque Imliticamente elestinbam opçàes de direita, mas a prática deles não era uma práticadireitista, f.,,) Sempre .fizeram parle de.'>.çemovimento de libe-ração da PsicaruUise, instalar a Psicanáli.,e nas prefeituras,em crecbes, etc, o tempo todo elesficaram em cima di.<iso,deltmalJOpuJarização da Psicandlise "liO (grifas meus).

Quen1 ainda não possui uma fOffilaçào psicanalítica feita - é óbvio- na SBPSP, nlas apenas U1l1Curso de graduação de base analítica, nominimo, torna-se UHl técnico, não um psicanalista! E são estes técnicosque deverão "popularizar" a psicanáli..<;catravés do atendimento àpopulação "carente". Para os pobres e para os serviços públicos, ostécnicos, os psicólogos; para as classes média e média alta, os consul~tórios privados dos psicanalistas. Seriam estes, portanto, os defensoresele uma "psicanálise mai, barata", de "uma popularização ela psicanáli-

rm Idem. pr- 14~, 11'i, H'), 146, 214 tO' 2]')

122

se") Discordo deste último depoimento, pois suas práticas - como jádemon.strei no decorrer de todo este Capítulo - são coerentes com suasopções políticas, pois produzem/reproduzem c fortalecem os modelos eas subjetividades ilegemônicos da época. 1Im claro exemplo disto équando, ainda em 1968, dentro do movimento estudantil e, em especial,na tISP, questionam a tentativa de romper a verticalidade da relaçàoprofessor/aluno, a participaçào paritária dos estudantes em questôesligadas à reformuiaçào dos currículos e outros aspectos pedagógicos.:'-lumadas assembléia.;;;cuja pauta é a reestnltura~'ào do curso de Psicologia,há a noticia da prisão de Iara lavelbergl31 Alunos e professores fazemum abaixo-assinado solicitando providências ao reitor da USP. Assimque o assunto é levantado, um psicanalista da SBPSP c professor desdeo início elagraduaçào de Psicologia, apoiado por grande parte do pessoalda Clínica, reage da seguinte forma: "Quc tinha vindo à assembléia paradiscl.ltir currículos e não política"13Z.

A instituição formação analítica está presente, da mcsn1a formaque a acadêmica, com todas as suas caracterí.'ôjticas de arrogância,autoritarismo e itnposiçào de subrni'ôjsào, obediência irrestrita ao saberinstituído e à hierarquia, em um significativo pronunciamento dosprclrcssores-psicanalistas:

'7odos os professores da Clinica assinamos uma declaração, achoqURfoi o único grupo da Faculdade que se opôs, nao sei se bouvemai..çalgum, mas acho quefomos só "ós que nos opusemosa aceitar essa paridade ( .. l. Os alunos esta/.!am conseguindoque a própria ràculdade cedesse muito do que eles queriam ejustamente o no.'>.wgrupo foi um que se opôs, tanto que, naquelaocasião, muitos professores safram do curso (. l. Muitos profes~sores saíram porque se opuseram a essa paridade que os alunosqueriam; de fato, eles achavam um absurdo que alunos semnenbtmulfonnoç(10 em Psicologia Clínica, porque ndo tinhamtido Psicologia Glínica, quisessem dizer como e que se atende umcliente, como e que se organiza uma Clinica, eles achavam quede jeito nenhum tinham possibilidade de querer interferir; entãofoi um NÃO assim redondo, o nosso grupo nem i{ueria dis·Clltir o assunto. "113 (grifas meus)

L3] Ex-aluna do Curso de Psicologia da trSP, em 68 já profes.sora. Vai posteriormente para aclandestinidade e luta armada. Suicida-se, ao se ver cerClda pelos órgãos de repressão, em 20/08/7], em Salvador. Sobre sua vida, comultar Patarra,j. Yara. Rio de Janeiro, Ro~ cbs Tempos, ]992.

L32 Botelho. ELE Op. cit., p. 18').

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:\0 início de 69, a maioria dos psicanalistas da SBPSP sai do cursode Psicologia da USP. Aos poucos, entram outros mais jovens e algunstambém ligados a esta Sociedade, mas nenhum do grupo anterior, dogrupo dos didatas.

Todos estes aconteciInentos. ocorridos principalmente durante aocupaçào da Faculdade de Filosofia da lJSP, em 1968, são tambémsituações analLsadoras da SBPSP, da "verdadew.l" psicanálise e da for-maçào analítica presentes no curso de Psicologia. 1%8 [oi um dos grandesanalisadores a nivcl Ilumdia) e, no Br.Jsil, dentre DuteIs coi<;;as, os acontc-citnentos na USP revelanl "por si mesmos" c desnaturalizam as práticaspsicanalíticas entào hegemônicas.

3 - O MOVIMENTO DOS PSICÓLOGOS CARIOCAS

:'\0 Rio de Janeiro, difercntcIl1cIlle de São Paulo, o lllOVU11etllo

dos psicólogos não conta com o apoio das Sociedades "oJJciai.••", mas aocontrário, sofre sua oposição.

"Os psicólogos cariocas na dilJisdo do "mercado clinico" (".) seocupam definitiuamente da área infamíl_ Em sua grande maian·a,sao mulberes que conse{:uem projissionalizar uma fun,çãomarcadamente jeminina que tia de "cuidar" das cn"ançaseexpra1.-la com a k~ttimidade que ospsicanalistas e u." institttiç6es do estadolbes outorgam Ma.<>elas próprias se ana/içam com ospsicanalista.<>-médicos das Sociedades o/leia L" que teriam a "competência"necessária f]ara tratar de adultos" 1'\4.

No Rio de Janeiro, o atendimento psicoterapêutico infantil édesqualilkado pelas Sociedades "oficiaLs".Além de ser considerado, naépoca, como prática que exigia menos qualificaçào, esse tipo de aten-dilncnto é também menosprezado no mercado de trabalho, pois "vale"praticamente a metade do que é cobrado pelos psicanali..,tas para umaterapia de adulto.

Quando, em meados de 70, o mercado terapêutico inJantil já émonopólio dos psicólogos, a SBPR) institui, em 197~, o Regulamento

l~j Idem, p_ ]il6.

1:l'Í Figueiredo, A_c_e Op. cit., p . .'16. Sobre () assunlo, consuJt:u também Silva, M.A.C.R.L. Analisa-seUma Criança, DissL'rklÇ;lO dt; I"leslrac!() - PI1C/SP, 198'5.

124

para a Formaçào de PsicanalLstas de Crianças que, em seu artigo Iº, diz:"Poderão ser aceito ..s como aspirantes ( ... ) menibros titulares e a.')sociad()s

da Sociedade Br.lsileira de PsicanálLse do Rio de Janeiro""'. É tarde, poisjá há uma legitimidade dessa parcela do mercado para os psicólogos.

Em 1970, Fábio Leite Lobo, diretor do Instituto de Ensino da SPR).convida alguns psicanalistas argentinos como Eduardo Kalina c AmlinebAberastury - especialLstas em terapia de crianças e adolescentes - paraque dêelTIseminários no Rio de Janeiro. Alguns entrevi·;;tados obscrvatnque esse convite da SPRJ prende-se ao fato de que os psicanalistas, nanaquela ocasião, por não terem interesse na terapia infantil, dela poucosabem; por i<;so, () convite feilo aos argentinos, Tanlo que, de início,esses selllinários seriam aberlos a oulros profissionais) o que é vetadopela Sociedade, elnbora i.•••lo baraleasse os custos,

3.1 - O Instituto de Orientação Psicológica

F:íbio Leite Lobo, na época com vanos gnlpos de superVlsao,fom~dos em sua maioria por psicólogos que trabalham com atenditnentoinfantil, sofre forte pressão de SClLSsupervisionandos c forma um lllrsoparalelo ao da SPRJ, dado pelos mesmos psicanalL,tas argentinos. É aorigem do Instituto de Orientação Psicológica (IOP), que funcionaaté 1974. C0111lItl1:1 freqüência de cerca de cem pessoas. Realizan1-sc

seminários, estudos de casos clínicos e grupos de supervL.;;ão.A únicacxigência é a experiência pessoal em análL.;;c,cmbora fique claro queisto não se trata de Ullla fOflnação, que este curso não autoriza ninguéma ser psicanaIL,ta. Tal exclusào é enfatizada por Fábio Leite Lobo e pelospróprios psicanalistas argentinos convidados, ligados à APA.

Desde 196~, Anninda Aberastury, mensalmente, a convite daSBPSP, vai a São Paulo dar scnlÍn:írios no Curso ele Formaçào de Psi-canalistas de Crianças. No Rio de Janeiro, é a primeira vez que istoocorre. Outros argentinos também participam, COlno Maurício Knohcl-que substitui Anllinda Aber.lstury após sua 1110rtCcm 1972 -. EduardoRoJlas,Leon (;rinberg, Maric Langer, David LilJcnnan e Amaldo Rascovsky.É a conhecida prilneira gcraçào dos argentinos que, apesar do seu

1:"\') E.~lalulosJaSBPRJ,Up.cit ,p_()1

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otkialisnlo, em muito "ajuda" o movimento do~ p~icólog:os no Rio deJaneiro. Não somente pelas inovações técnicas que apresentam - comoas terapias breves, os trabalhos institucionais e grupaLs - mas aíncla pelopróprio estilo de atendimento privado quc configuram:

a qUf'bra de certasjotma/idadl'.'" nas S('."soes terapêutica.,>, nonumero de sessOéssemanais, a discussão da neutralidade. not'a.çabordagens para crianças e adolescentes. (. ) pouco considera-dos como jJadentes pam a IJsicanãU\'e" 1,;(,.

Emhora a APA também não permitisse a entrada de psiccSlogospara a fonnaçào analítica, esses psicanalistas argentinos trazem, no iní-cio dos anos 70, para o BrasiL outras contribuk'ôes para os psicólogosno Rio de janeiro c para a própria prática psicanalítica "oficial" aquidominante.

Entretanto, esta.s contribui\:ôes c a "ajue13"dada ao movimentodos psicólogos ligJm-se a um momento de feroz repressão no Brasil.Impôe-se o terrorismo de Estado; a ascendente cla.ssemédia, anestesiadapelos efeitos do "milagre do Delllm", aposta CIll seus projetos de ascensão.social; os diferentes movimentos sociais e .sindicai'~~ de um modo geral~ encontram-se amordaçados e silenciados. O medo ilnpera, não sóentre os jovens ntilitantcs ligados à luta armada, mas entre as populaçôesmarginalizac1:ls das perilerias elas grandes cidades, pela atuação impune(' cada vez mais violenta dos Esquadrôes da Morte l:''-;' ,

Neste clima ~ elTIque .subterraneamente continuam a se gestaroutros moviment()s ele resi.'itência ~ as prática.c;;;trJ.zid:.k"lpor essa primeirageraçào cle argentinos, em realidade) favorecem o modelo "psi" nãomuito distante da "verdadeira" psicanálise. Se, por um lado, fazem cTÍticasà ortodoxia dominante, por outro, não produzem rupturas com este1110delo. Reformam-no, utilizam-no sob outras roupagens_ E distonecessitam os psicanalistas e os psicólogos cariocas.

As contribuiçücs dos argentinos el1. APAme fazcrn recordar práticasque nào dcsnaturalizanl os modelos dorninantes. que não constituemnovas estratégias e táticas de ação que possibilitem escapar - lllc.smo

r~6 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p_4'5.Iji Em pesquisa realizada pelo Grupo Tortur.l NuncJ. ,l\fJls/l~l,desde fms clt' maio ele 1991 até agosto

de 1992. no Instituto Médico Legal do Rio de Jan,,-'iro, verificou-&.'. entre 1970 e ]Q74, cerca de'5.000 pessoas enterradas, como indigente~. tendo como "causa mortis" violêndJ.S dos ma.i.~variadostipos

12.6

It',

(

que provisoriamente - ao hegemônico, ao que está dado, ao que éproduzido e percebido como natural. Acreditam que a prJtica psicanalíticapode ir tl1udando em seu próprio interior para formas nlaL" t1cx.íveis,mais "abertas", com L11)) ll}(win)cnto próprio interno a ela, sem se artIcularcom o que está no mundo, sem se Lran~versa1izar.

Enl realidade, é mn fOltalecin1cntodos modelos vigentes, sob outídS

roupagens. outras maquiagens.

3.2 - As Comunidades Terapêuticas e os "Psi" Cariocas

Fora essa experiência eleatendimento inbntil privado - cujo registroremonta ao final dos anos 60, ampliando-se gradativamente pelos 70 -,surge neste mesmo período, no Rio de Janeiro, o trabalho ele Comu-nidade Terapêutica. quc traz outras implicaçües para (l movimentodos psicólogos. Em São Paulo - elikrentemente do Rio - a experiênciada Comunidade Terapêutica Enfance. iniciada na segunda metade dadécada de 60 por Di Loretto. vai trilhar oS caminhos que levam ao

psicodrama. o que abordarei no Capitulo seguinte.Não pretendo aqui fazer 111l1aanálise do Illovimento de Cornu-

nidade Terapêutica no Rio de janeiro, mas simplesmente apontar alguns

de seus efeitos sobre os "psi" cariocas,Na cidade de São Scbasti~o, essa experiência tem início por volta

de 1967, no IIospil:1I do Engenho de Dentro, com dois psiqui~tras deformação analitica: Oswaldo dos Santos c Wilson Simplicio. E essen-cialmente um trabalho grupal que visa questionar o próprio sistemaasilar. Muito inJluenciados, a principio, por Maxwelljones e pela Teoriada ConlUnicação, há tambénl as figuras de (loffmanJ ThOlnas Szasz e R.Laing e a experiência, já em andamento no Rio (~íJ.nde do Sul, de Marcelo

Blaya.No Engenho de Dentro, os grupos de psicóticos - para os quaLs

gradativamente V:10 sendo suspensas a';;mediC'dçôes~~ conlCçatn a discu-tir alguns aspectos da adnlinistra,ão hospitalar: a comida, os banheiros,a coloca,ão de espelhos, etc. Este trabalho, pioneiro na época, passa ase tornar conhecido e muitos psicólogos vão p'lra lá estagiar, tornando-se um foco imp011ante de questionamento do próprio regime asilar, daloucura, etc. A proposta é que, paralelo ao trabalho com grupos de

127

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psicóticos, haja supervisões, estudos de caso e gmpos terapêuticos paraos próprios coordenadores de grupo. Cerca de 1aoa estagiários passamaté 197'; pelo Engenho de Dentro, quando o trabalho é desarticuladopelo governo federal. Muitos desses estagiários são "psi" de esq ucrda,alguns perseguidos pelo regime militar, que encontram no tabalho deComunidade Terapêutica uma forma de resistência e atuação politica.

Em 1968/69, um gmpo de psicólogos, junto com Oswaldo dosSantos, tenta organizar uma Comunidade Terapêutica numa clínicaparticular, a Bela Vista. Hoje, alguns entrevistados mostram-se críticosem relação a essa experiência que, sendo feita num hospital privado,em realidade, servia para "promover o capital dos donos da clínica",para "não criar mna situação conflitiva que denunciasse o regime asilar".

Um ano depois, o Hospital Pinel inicia também uma experiênciade Comunidade Terapêutica sob a coordenação dos psicanalistas daSPR)e SBPR),Eustácl1ioPortella Nunes FiUlOe Roberto Quilelli, de dUf'dçãoefêmera. Seguindo em alguns aspectos o que é feito no Engenho deDentro não engloba a comunidade à volta. É mais uma experiência declasse média de Zona Sul - pela própria localização do 110spital - e deuma elite intelectual acadêmica, pois está vinculada ao Instituto dePsiquiatria da UFRJ. Apesar dLsto, alguns que lá traball1am dizem que,para a Universidade e o curso de Psicologia, é uma experiência pio-neira e importante. No Engenho de Dentro. o trabalho de Comunidadeé lnal<) radical, poLe;;é uma experiência com a miséria, não só dos

pacientes, mas do próprio local onde se inscreve esse hospital - subúr-bio da Zona Norte do Rio de Janeiro.

Entretanto, apesar da grande atração que exerce sobre muitos"psi" maLsà esquerda e pelas limitações do próprio momento históricoem que é realizado - em plena vigência dos maLs terríveis anos eladitadura nlilitar -, muitos profissinais saem desse trabalho com seussonhos de ser psicanalistas ainda mais revigorados. Esta tesc, a meuver, é corroborada pelas posições que tOlllam: alguns - os nlédicos -vão fazer formação analítica na SPRJ; outros v;io engrossar o movimen-to dos psicólogos, paternalizado por alguns psicanaILstas.

Há discordâncias sobre as Comunidades Terapêuticas seremsinlplesmente "tranqüilos campos de difusão da Psicanálise", 133 na época.

]~R Tese defendida por Figueiredo. A.C.C 0r. cito

128

Em seu Projeto de Dissertaçào de Mestrado, Heliana B. Conde Rodriguesrefuta esta tese afirmando que uma das forças presentes nesse trabalhoé a critica à Psiquiatria Asilar e Org'dnicista em cinla de "... bases huma-nistas, marxi':nas, psicanalíticas e até mesnlO antipsiquiátricas, sem queestes conflitos ele tendências resulten1 em hegenlonias definidas"'.39.Concordo. To(bvia, se por um lado as Comunidades Terapêuticas trazem,em seus m..icroespaços. outras prática..<;que não são hegemonizadas pelapsicanálise, por outro, a demanda dos psicólogos na época é dada petapsicanálise. A subjetividade massiva então produzida entre os jovens"psi" de classe média é atingir o status de analista; justificam-se, assim,os caminhos que alguns deles vão empreender. não obstante suasinfluências marxistas c antipsiquiátricas.

3.3 - Os Psicólogos Cariocas e a Tutela dos Psicanalistas

Apesar de serem pacientes dos psicanalL'tas das Sociedades"oficiais" e de terem com eles supervisões e gmpos de estudo, os psicó-logos não são autorizados a se autonomearem analistas; são "psico-tcrapeutas de base analitica". Esses "benfeitores" - todos da Sl'RJ -,diante de uma categoria mha do "milagre econômico", como a dos psicó-logos, têm seu mercado de trabalho ampliado. Esse "mercado psicológico",gerado no fmal dos anos 60, além das denlandas criadas entre (k' c1lanladosleigos de classe média e média alta, comporta também a demanda dospróprios psicólogos em sua ânsia de se tomarem psicanalistas, em seussonhos de ascensão social fomentados pela subjetividades massivaslórtalecidas na época.

Exemplos dessa rutela e de sua aceitação pelos próprios psicólogosestão presentes na fOffilaçãOele alguns eSL~belecimentos que congregampsicólogos e psicanalistas - no período de 1970 a 1976 - como: a Sl'C, oCESACe a ArPIA.

Como jâ afirrnei anteriomlente, nào almejo faz,r aqui uma históriadesses estabelecimentos; isto já te)ifeito em outros trabalhos. Meu interesseé mostrar a tutela psicanalitica e a reprodução, em muitos aspectos, dasinstituições "verdadeira" psicanálise e formação analítica. No entanto,algo sobre sua hL't6ria deve ser mencionado.

1.39 Rodrigues, H.S.e. As "Novas AnálIses". Op. cie " p. 3').

129

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A .)ociedade de Psico!op,ia Clínica

A Sociedade de Psicologia Clioica. a SPC,é fundada cm 1971.no auge da repressão política no Bmsil c na efervescência do lnovi~111cntodos psicólogos cariocas com a vinda dos pritneiros psicanalistasargentinDs. Seus fundadores, um gnLpOde psicólogos que fazem terapiae/ou grupos de estudo com Fábio Leite Lobo e Gerson Borsoy - psica-nalistas da SPRj -, têm larga cxperiência cm clinica. Entretanto, pelaprópria tutela desses psicanalistas que dão aulas c supcrvLo;;õesna SPC,C111scu currículo - total111cntehaRcaclo na obra de r'reud-

a psicandli.<;eaparc'Ce "oficialmente", de modo /!(!/ado, comouma das técnicas ind('pensr11'C1..O:;â psicotenA[>ia( ). h' permitidojazer jJsü.:otera/Jiade IJuseanalilica. mas nao psicanáli.w-', aindaqUI! mio baja impedimento legal algum, já que a /:61canali.senuncafoi regulamentada. Quem imIJedl'-?A. lPA? Nao nl.-'Cessariam'(-'nteSeu regulamento permite a jormaçâo de Sociedades mistas demedicos i' psicologos. A intl'rdiçáo surge muita..:;rezes atrás dos

divas na figura dos fJrofJrios anali.'\ta.\' com suas inte,prelaçóe.~que tl-'ntamdesconhec('7' e invalidar a d('Ci.'l{10de seus analisandosde huscar uma formaçao prã{Jn·a"140.

Con1precnde-se, poL<;,seu paternalismo (' tutela no sentido não sóde manter cativa essa delnanda. mas, tarnbém) através dessa "ajuda" _que facilita uma formaçào de base analitica - ter seu prestígio c podergarantido junto a essa parcela "psi".

A SPC se estrutura à imagem e scmelhança das Sociedades "ofi-ciai..;;",sendo UHl estabelecimento de f()nna~:io exchJsiva paf'.l psicólogos.Reproduz) portanto, a mesma exclusão que as ligadas i IPA; a mesmaexclusão contra a qual diz lutar o movimento dos psicólogos, E maLo;;,oficialmente não faz forma(".'30analítica, Illas de "base analítica".

ASPC, em !990, torna-se a Sociedade ele Psicanálise elaCidade doRio de Janeiro, não restringindo mais a entrada SOIllcnte a psicólogos.

() Centro de Antro/x)/og!a Clírzica

o Centro de Estudos de Antropologia Clioica (CESAC),fundado oficialmente em 1972, tem sua origem no chamado gnLpO dos

140 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 47.

t30

oito. Este grupo é fOfluaclo por psicólogos ligados ao Curso deEspecia1iza,'ào em Psicologia Clinica da PlIClRj que, em 1970, apósserem "cortados" nUllla tLllllultuada seleção, procuram a psicanalista daSPRj, Inês Besouchet'''.

De um traballlD realizadD por quatro integrantes desse grupo retiroalguns trechos cuja análise considero imprescindível. Logo no iníciolT)ll1entaJl1:

'Parlimos em hu..:;cada aceitação por pane de profissionais quesimbolizavam para R()S a identidade do psicólogo clinicoInés Besoucbet (. _) SIm fonrul de "indefiniçilo~ foi a molaprop,dsora do grupo, pois nao pronu'tia nada, colocando-sesempre em disponilJilidade (. ) Antes do no,~soprimeiro encon-tro, já em idealizada tanto pelos qUi' a conheciam como pelos quenão a conhecíanr Representava tl próprúl Psicologia atni·co assu",ida, uitotlosa eaceita até -mesmo callto didat(l por,mIO sociedade psicanaJltíca que não (lcelta p.dcólogos/)ara formação Sabiamosjd, como já foi dito, o que nilo queri~amos, ma."nossas amhiçói's eram as mais conjúsas Não saMamosos limites (' as tii/(;r(-'nçasentre.- ser' /JsicóloMOclinico. teralJCuta epsicanali<;ta Por isso me.Hno, /nés (-7a a síntese e o sf",boioainda indefinido fIe nossas (u'pirações "14, (grifos meus),

Esta indefinit,,·ão, tanto de lnê,o;;quanto dos pr6prios componentesdo grupo, Jaz partc ela ambigüidadc que caracteriza esse estahelecimento.Desejando um reconhecimento ofkial por partc da I'(;C, este grupoinicial c o posterior fica" ... entre a Universidade c a Associação Psica-nalítica, L.) sem entrar em conflito com nenl1uJll.:l'JI43. Concordo comKatz11\ quando afinna que a indeflnição também se encontra no própriomodelo inicia! de estudos: témicas psicodranriticas (Inês Besouchet indicaC01110Ul11dos coordenadores do grupo a pSicodramati')t:l paulL"t3Normajato"á), temas filosóticos gerais. Rogers. a "pessoa humana". a no,ào deencontro, assuntos psicanalíticos gerai..,,_

Segundo a visão produzida e tão enfatizada, na época e ainda

1i I Inês Besouchet é uma das duas p~icatulistas dichta<; não médica da SPRJ;e psicóloga. A outra eI0trin Kemper, a quem já me referi anteriormente

142. Fernandes, l.C, b.nari, M.C., S::mto,'>,N.L. (.'Drummond, V.C O (-.upo dos 8: A Pré-lfistória doCESAC Curso de Espechliza\'ào em Psicologia CliniCJ. - PIle/RJ, novt~mbro/1976, pr- 2 (' 11_

14) Baremblit, l; _lnfonne Diag1UJm.ico}' lndicación ReorganJzativa dei Cl.'1Itro de Estudiosde Antropologia Clinica. Rio de Janeiro, 1977, mimeogr. p. 04_

IH Katz, c.s. f.tica e Psicanálise_ Ri" de Janeiro, C,rJ.J.I, 19S4, p. 292

UI

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hoje, de que a prática psicanalitica é superior à da psicologia clínica,assinala Katz que:

''Ao mesmo tempo em que se promete a Psicanálise, ela é esca~mo/eada como saber para o aprendizado, e substituida por umsaber "inferior", mais fraco" institucionalmente, a psicologiaclínica, ao qual os alunos (não pertencentes à SPkJ) poderiam teraceS5o"[4~ (as aspas são minhas).

Apreocupação com a "identidade" profissional do psicólogo é umtema básico no movimento dos psicólogos cariocas, e nesse trabalhosobre a pré-história do CESACisso é bastante enfatiz.ado; é um tema quemuito preocupa esse gnlpO. A identificaçào vai se dando I vai sendoproduzida "... através de uma identificação sempre carente, daquilo quelhes faltaria para serem psicanali,tas"l46 E vão just,unente procurar essa"identidade" C0111os psicanalistas, conl os "pais" e as "màes·'. Parece quesó é possível o reconhecimento enquanto profissional psicana1L>tase elefor feito pelos anali'tas que detêm a "verdadeira" psicanálise. Só queestes fazem questão de mostrar que as diferenças entre psicanálL,e epsicologia clínica é que podem guiar a "identidade" dos psicólogos. Estesdevem procurar ser "competentes" clínicos, pois ".. todo analistareconhece quando um psicólogo é idôneo"l", declara um outro psica-nalista da SPH], também coordenador desse grupo inicial do CESAC.

I\a época, uma das diferenças apontadas entre o psicólogo clinicoe o psicanalista é que o primeiro faz diagnósticos "antes" do tratamento;utiliza testes, anamnese, etc., o que os psicanalistas não fizemo Estes nãodi,cutem essas técnicas diagnósticaB e até as aceitam. Minai, é precL",que os psicólogos clínicos continuem sendo psicólogos clínicos. E apsicanálise, ao não se iIni.~cuirnesse assunto. anro1a seu caráter "liber-tário", pois não diagnostica, não rotuia.

A questão da "identidade" profissional do psicólogo clínico é(rabaUIada no grupo pela uruguaia Marta Nieto que vai, paulatinamente,mostrando as diferenças entre psicanáli>e e psicoterapia!43. Em sunla, éunia clara tutela: o trabalho psicanalitico para os psicólogos estã fora dequestão. As subjetividades constntídas são essa.,: pode-se até utilizar a

l-i') Katz, c.s. 0r. cit., p. 292.146 lerem, p_ 293.14i Fernandes. r.C ~t alli. Op. tiL, p. 22.148 Idem, pr. 201 e 204.

13l

mesma técnica,!lla..':Io trabalho é nlenof, é menos profundo, é psicotera-pia de base analítica.

Em 1971, esse grupo dos oito se amplia e é reconhecido pelaPUC, o que dá origem em 1972 ao CESAc' conveniado com esta Uni-versidade. Como no IOP, uma das exigências para se miar a este esta-belecimento é estar em análise pessoal. embora não se trate de umaformação analitica, o que mostra a ambigüidade e sua aceitação poraqueles que procuram um reconhecimento institucional para seu traba-UlOclínico: os psicólogos.

Quando, em 1976, o grupo do CESACconclui o Curso de Espe-cialização em Psicologia Clínica na Pl:C, para o qual vigora o convênio,este é encerrado. É, então, aberta uma clínica e dois anos depoL> umoutro grupo de sete psicólogos tenta fundar um Curso de Especializaçãoem Psicoterapia Psicanalitica no CESAc' A direção aceita, o curso teminício com seis professores psicanalistas que não fazem parte dela e, emdezembro, o CESACretira sua aprovação, afrrmando textualmente quenaquele estabelecimento "... não há lugar para forrtJação em nenhumaespecialidade""" Este grupo, com cerca de mais de seis anos deexpetiência no CESAC, dele se retira. Logo depois, a nova diretoriareafirma que esse estabelecimento é um centro de estudos e não deformação.

Alguns entrevistados observam, o que é corroborado por Katz,que, na época, a SPR]proibe explicitamente que seus membros efetivosdêem supervisão a psicólogos ou membros não-autorizados!", fato queatínge também a SPc'

Tanto o CESACquanto a SPC cumprem "... sua função de linhaauxIliar da SPR], seduzíndo institucionaimente seus membros ..."!5l.Paraa "verdadeira" psicanálise, somente é válida e pemJ..itida a "sua" forrtJa-ção, seguíndo seus cãnones e rituais.

No mundo capitalistico, as grifes, as "marcas registradas" são funda-mentais na "livre competição" do mercado. Elas "g~rantem" o valor damercadoria e, ao imporem o "seu" valor, desqualificam os demais produtosque não têm uma "marca registrada". Por exemplo, a Coca-Cola é uma

149 Figueiredo, A.C.C. Op. tiL, p. 53.150 Sobre o assunto ver Katz, C.S. Op. dL, p. 294 e Figueiredo, A.C.C. Op. tit., p. 57.

151 Katz, C.S. Op. ciL, p. 294.

t33

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trade 11Ulrk,Sua fómmla deve ser produzida da mesma fomla nos maL,diferentes países, no sentido de garantir a sua "nlarca registrada", DanleSllla fOffila, no mundo capitalístico, a "verdadeira" psicanáli<;e e a

fOffilação amlítica instituida pela IPA têm uma trade mark. passam a serlnercadoria", cOfilprdcias nos con<.;ultórios dos "representantes autorizados"a usar a grife de Freud. Estes "representantes" estão, sem dúvida, noSanos 70 no Brasil, lig'.ldos às Soeiedades "oficiais", Os demais, os "relesmortais", estão no mercado psicológico desqualificado, pois nào têm a"marca registrada" sancionada pela IPA.

A Associaçào de Psiquiatria e Psicologia da Inf/hlcl'a e da Adolescência

A Associação de Psiquiatria e Psicologia da Infància e daAdolescência (APPIA) é fundada, no Rio ele Janeiro, em 1972. Suaorigem liga-se à ASAP1'IA(Associação Argentina de Psiquiatria e Psico-logia ela lntância e da Adolescência), fundaela, em Buenos Aires, em1970, por psiquiatras e psicanali'tas da A1'A- vinculados à linha "oficial"- que nlantêm contato com a American Society for Adolescent Psychiatry.Esta Sociedade" ,.. tem um programa de higiene e psicoprofilaxia daintancia e da adolescência com granelc penetraçào na América Latina" 1\2O objetivo da ASAPPIA, que será também o da AP1'IA, é o ele

promover uma ampla discussdo entre proft<;sionais depsiquiatria, psicologia e psicanáli..<;ea nível internacional atravésde congressos, publicações e palestras. Foi desse grupo que vieramao Rio de janeiro os primeiros argentinos para mini'>trar cursosna SPlij e no IOP a conuite de Fábio Leite Lobo "1"3.

Suas principais figuras, como já relatei, sào: Eduardo Kalina, Armin-da Aberastury, Maurício Knobel, Leon Grinberg e Arnaldo Rascovsky.

A APPIA, por ser uma entidade interdisciplinar, congrega nàosomente médicos, psicólogos, psiquiatras e pSicanaIL,ra.s,mas tambémassistentes sociais. Contudo, o maior número é de psicólogos, elnbora adireção, de um modo geral, esteja nas màos dos psicanalisra.s, Estes sàotodos ligados à SPRJ, ela linha considerada "progressista", justamente osque tinham se ligaelo nlaL, ao grupo argentino que de 70 a 74 vêm,

152 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 66.153 Idem, p. 67.

134

mensalmente, ao Brasil.

(:'1APPIA passa a ser um centro de refcn-;"cía dos psicologos, dospsú::analísta,'i; (_., ) interessados em amp/im' seu mercado de trabalho(,.). Cumpre r )a função de congregarO.'i profissional' •.de saudemental, eSjJeCiaimente osp.\"icólogos carentes de vinculaçào a uma

instituição, que pudesse reconhecê-los e jornecer-lbe5 umafonnaçdo clínica (.. ,). Daí, a gnmde tniÚon'a dos psicólogos quetrabalham na área clínica sefiliar a APP1A "1'4.

Em 1972 c 1976, esta entidade promove elo,' grandes congressos,c é este o período de sua maior efervescência, quando a rnídia se ocupados projetos eleuma psicologia psic'analitica para a int:lncia, a adolescênciac suas fanlílias1'\", bcrn aos moldes das subjetividades hegemônicJ.s entãoproduzidas: cuidar das fimilias em "crLsc" e, dentro ela linguagcm dosargentinos, "prevenir os diferentes momentos de crbe por que passa oser humano", A preven\;'ão ou psicoprolllaxia como forma de promoçàoda saúde mental passa a scr a peelra de loquc elc muitos psicólogos, osmaís progressistas, por sinal.

Após o grande sucesso do I Congresso, o psicanallsta da SPRJ,Carlos César Castellar, emào presidente ela A1'1'IA,é chamado

"". para prestar esclarecimentos ao diretm' do Instituto de Enr.inoda SPRj .mhre o !>urgime,-'ntode uma Saciedaâe deformação paralelafomentada por seu.~própn'os memlm)s A·la.~a APPIA não tinhacompromisso jormal algum em formar p.,.icanali.~tas, os própn'osestatutos confirmam i..•..W) "I'i>.

Após o li Congresso, nlais grandioso que o prinleiro, quando amfdia dá uma cobettura nacional, a..o;; pressões dos psic6logos - que já

vinham, clescle 1973, qucrendo que a APPIA se tornasse um cstabe-lecimento de fonllaçào sistenlática - aumentam. Castellar, por não aceiUressa orientação, demite-se, em 1977, c abrc-sc uma crise na APrIA. Esta,dirigida entào por psicólogos, continua indefinida com relaçào à questãoda formação e, pouco a pouco~ vai se esvaziando,

"Sem duvida, o declínio da APPIA e proporcional aõ surgimentode novas formas de organização dos psicólogos em torno dapsicanálise ( .. ) e em dezembro de 1982 a APPIA suspendedifinitillamente suas atividades"l~-'.

1.,4 Idem, p. 69.I')') Idem, p. 70.1'56 Entrevista de Carlos César Castellar cilada por Figueiredo, ALe. Op. dt., p. n.

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Isto ocorre após tentativas de constituição de gru pos de supervisãoem diferentes áreas (infantil, adolescência, familia, grupos e instituições)e a organização de um curso de fOlmaçào de psicoterapeutas de criançase adolescentes, que não chega a se realizar.

AAPPIA, que havia contado no seu período de maior efervescência- entre as realizações de seus dois Congressos, de 1972 a 1976 - comcerca de 1000 filiados, apesar da tutela e, portanto, da não disponibilidadedos psicanalistas da SPRJpara oficializar uma formação, repercute sobreo movimento dos psicólogos. Se, por um lado, a tutela é mantida, poroutro, diferentemente das restritas experiências da SPC e do CESAC, aAPPIA, por sua grandiosidade em termos quantitativos, difunde paragrande parcela dos psicólogos cariocas outras formas de pensar a práticapsicanálitica.

Embora esteja vinculado à APA, essa primeira geração de argen-tinos contribui decisivamente para que as experiências ocorridas na APPIAnão se confundam com aquelas da SPC e do CESAC.A APPIA orientagrande parte do movimento dos psicólogos cariocas no sentido de pensaruma "outra" psicanálise, talvez um pouco mais aberta, um pouco maisflexlVel e um pouco menos ortodoxa que a dominante nas Sociedades"oficiais". Prepara, pois, muitos psicólogos para começar a tentar umaformação autônoma, sem reconhecimentos institucionais vinculados aospsicanalistas "oficiais". Junte-se a isso o contexto brasileiro da segundametade dos anos 70, fortalecimento dos movimentos sociais produzidosnas periferias das grandes cidades cujos ecos começam a chegar a algunssegmentos das camadas médias urbanas.

A APPIA é, portanto, a última e grande tutela - em termos deestabelecimento - dos psicanalistas ligados à "verdadeira" psicanálisesobre os psicólogos cariocas. A partir da segunda metade dos anos 70,iniciam-se outros movimentos "psi" no Rio de Janeiro que, embora nãomarcados pelo paternalismo direto de alguns psicanalistas, continuamde um modo geral reproduzindo, apesar das críticas feitas, as instituíçõesformação analítica e "verdadeira" psicanálise.

157 Figueiredo, A.C.e. Op. cit., pp. 76 e 77.

136

3.4 - O "Modismo" Grupal entre os "Psi" Cariocas: a SPAG

Neste item, como o título mostra, tratarei do atendimento grupalem solo carioca. Não ignoro que, no mesmo período, também na Paulicéiacomeça a se expandir no meio "psi" o enfoque grupalista. Entrementes,por absoluta falta de tempo, não será aqui abordado o movimento paulista.A história das práticas grupais no Brasil ainda não foi escrita e toma-senecessário fazer tal levantamento, o que não é objetivo deste trabalho.

No Rio de Janeiro, essas práticas, principaimente com adolescentes,muito se disseminam, no irúcio da década de 70, entre os profISsionais"psi". Essa demanda produzida, como já vimos, pelo próprio momentohistórico, vai ter o embasamento da primeira geração de psicanalistasargentinos. Eis porque o grande sucesso que fazem no meio "psi" carioca.Não é por acaso que muitos entrevistados - tanto psicanalistas ligados àSPRJ, quanto psicólogos - enfatizam a importància desse grupo deargentinos. Eles vêm, justamente, estimular e dar um referencial teórico/técnico à demanda grupal então produzida.

Desde os anos 60, com a difusão do livro Psicoterapia del Grupo,de Marie Langer, Emilio Rodriguéz e Leon Grinberg, surge a tese "... deque esta forma de abordagem terapêutica seria o melhor caminho parapaiscs em desenvolvimento"'''. Diante da reação negativa da IPA - queargumenta que grupoterapia é uma psicoterapia menor e não psicaná-lise - as Sociedades "oficiais" cariocas acautelam-se. Todavia, por força,das próprias subjetividades hegemônicas então produzidas -a necessidadede uma ajuda "PSf' para a fantilia "desestruturada" e, principalmente,para seus filhos adolescentes (os filhos do "milagre econômico") - háuma grande demanda. Os psicanalistas mais conservadores recusam otrabalho grupal e são os considerados "progressistas" que se lançam àsprimeiras experiências com grupos'59, por meio das quais, quase sem

1')8 Câmara, M. "História da Psicoterapia de Grupos", In: Py, L.A. (Org.). Gmpo Sobre Gnlpo. Rio deJaneiro, Rocco, 1987,21·35, p. 33. Ainda sobre o assunto, consultar Barros, R.O.B. Gropo: AAflnnação de Um Sbnulacro. Tese de Doutorado, PUClSP, 1994 .•

159 Segundo Castellar ~._.a história da formação de terapeutas de grupo no Rio de Janeiro data doinício dos anos 60, quando Valcleredo e um grupo de profissionais do Instituto de Psiquiatria(IPUB da UFRJ), ligados à SBPR] e à SPRJ, fundam a primeira sociedade de grupo. Naqueleinstituto, para o indivíduo se tomar terapeuta de grupo, precisava estar no término de sua formaçãoanalítica ou tê~1aterminado; caso se interessasse pela grupoterapia, passava a freqüentar a sodedadede grupo; tornava-se sócio, e, a partir daí, adquiria o cUreito de ser observador de um grupo". Ver"Co-Terapia". Cf. Py,L. A. (OrgJ. Op. cit., 127-142, p. 128.

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respaldo teórico, aprendem as novas técnica:'!.

'TÍl'CmOS uma noção rudimentar hásica, aprendida geralmentede algum colega maL.•e."1Jeriente,e a partir daí começamos a tra-halhar Durante nossa atü'idade, a e:tperiéncia nos lenou à ot]?a-nizaçao, com modificações na fonna de lidar com grupos '1<>0.

Há um enorme mercado que não pode ser ignorado, e os psica-nalistas ditos "progressitas" sabem di"o.

As eontribuil:ôes dos argentinos, a partir de 1970, são fund3ll1en13isno sentido de reorganizar e reorientar essas experiência.", grupais. Damesnla fOffila que esses profissionai';; atendem e realimcntanl unlademanda então produzida, suas presenças sistcmáticas no Rio eleJanei-fC\ por sua vez, produzem novas demandas. As técnicas grupai'i ex-pandem-se entre os prollssionai"i "psi" e tornam-se "modismo".

Além desse grupo de psicanalistas argentinos, no Rio de Janeiro,há 13mbém a influência de outras técnicas gnl]xlis, trazidas por psicólogasargentinas como Carmen tent, Susana Pravaz e Estela Troya. A prinlcira,desde 1971, na PlIClRj, convida sistematicamente as outras duas, assimcomo Rodolfo Bohoslavsky que aqui permanece

Essas psicólogas, di,cípu!as de Bleger e 1'ichon-Rívicre, em 1969,fundanl, em Buenos Aires, o Centro de Investigação e Assessoramentoem Psicologia (eIA1') que se abre os mais "ariadas técnicas grup:risinfluenciadas pelo Movimcnto do Potencial I1umano, dif1JOdidodesde oinício dos anos 60, nos Estados Unidos. À técnica do "grupo operativo"acrescentam outrd..":i,de orientação psicociram{ltica e gestáltica. Propag'.JIll-se, na Argentina, os laboratórios de s{!llsitiui~y trttillill/!" os wnrk,',;ho/Jping ,as maratonas que, na segunda metade dos anos 70, se e.o;;;palhampeloBrasil. As maratonas são aqui iniciadas p(')os próprios psicanalista.') quejá Elziam trabalhos grupais com adolescentes c adultos.

Quando da forma,'ào da A1'I'IA, há o fortalecimento de todo esse[rabaUlO de grupo com profundas influências dos argentinos.

Diante desse "mercado psicológico" tão prOlnL<;sor,os psiG:mali"i-tas mais conservadores da SBPRj e SPRj nào podem continuar indi-ferentes, apesar da rigida oposi,ào da 11'.11ao trabaUlO grupal. Em 197,j~ no pcriodo dc maior apogeu da APPIA ~ é fundada a Sociedade de

160 Py, LA. (()rg.l. Op_ cjt., pr- 19 t; 20.

Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio deJaneiro (SPAG/RJl nãosomcnte como uma lórll1a de respos13 à APPIA ~ que congrega outrosprofissionais, alénl dos psicanaliç;ta..;;~ nue;, sobrerud(), para ter acesso atào promissor "mercado gnrpal psi". Seu objetivo, segundo os Es13tutos,. é a djfusào e a aplicaçào dos conhecimentos psiClnaliticos aos grupos

humanos, especialmente o grupo terapêutico"lbl.

Em tudo, a SPAG/Rj reproduz as Sociedades "otlciais". Filia-se àAssociação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo, à FederaçãoLalino-Alnericana de Psicoterapia Analítica de Grupo e à American GroupI'sychotherapy Association, de Nova York.

Além da btLSGl desse reconhecimento externo, internamente oautoritarismo c a exclusão estão presentes. Pelos seus Estatutos, somentepodem ser membros da SPAG/RJ "... os psicanali."itas filiados a ulna dasSociedades da Associa~'ão Brasileira de Psicanálise,qb". As categorias demembros asselnelham-sc às das Sociedades "ofkiais", acrescidas demembros honorários e benfeitores, como no IMP e no Círculo Psica-nalítico. Também os membros associados estão impedidos de votar nasAssembléias Gerai, da entidade, sendo que todos os ex-presidentes fazemparte do Cone;elho Científico (' ConsuiLivo, como membros-natos, que é,na Sociedade, o poder executivo, escolhendo, inclusive, os dida13s.

A partir de !977I7R fase de esvaziamento da A1'1'IA, oS psica-nalistas - muitos que participaram de sua fundação - saem e, gra-dativamente, vão para a S1'i\(;/Rj"".

Pcla sua própria prcsença dentro deste grupo, pelo contextobrasileiro da época ~ Governo Geisel e sua "di,;;tensào" - e pelo avançodo movimento dos psicólogos - notadanlCnte pelos trabalhos que já

desenvolvem no âmbito da psicoterapia de gnlpo, embasados pelaprimeira geração de argentinos ~, a S1'AG/Rj abre sua formaçào aospsicólogos. Em final de 1977, bá a mudança dos Estatutos e Regimentos;assi.m, pelo artigo fíº, seu:,!membros

sdo medicos e psic6logos que tenbam seU"diplom(b registrado ..•nos n..."'Pectimsconselhos regionaLç, mantendo-se ,wmpre a propor-çao de do(\,' terços de medico..>:para um terço de>psicõlogoS'·IM.

lül Artigo 2° cios Estatutos daSPAG/R,J. In: Ata da l<u.lIdação daSPAG/R,J - 197·1,mimeogr., p. OL1()2. Anigo ,i\! do parágrafol" d(),~Estatutos da SPAC'/R}. In: ()p. cit., P 2..165 Sobre algum trabalho.~ rt'a!iF.l.dos, n;t época, por ('.~segrupo de psicanalist:1s, Vér os diferentes

artigos contidos in Py, L.A. (UrR,!. Op. dt

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A "abertura" ou transição é feita dentro dos mesmos moldes que ado Governo Geisel: lenta, gradual e segura. É importante que os psicólogospossam participar da fonnação na SPAGiR] - afmal, muitos já têm umaexperiência em trabalhos grupai, há anos -, entretanto, desde que sepossa manter o controle. Assim é que, por esses Estatutos de 1977,somente os membros titulares continuam tendo direito "... a voz c votonas Assembléias, bem como o de votar e serem votados para os cargoseletivos da Sociedade"'''.

Quase um ano depois, novos Estatutos e Regimentos são votados,oportunidade em que é ampliada a entrada na SPAG. Pelo artigo 4º,seus membros "... são médicos e pessoas diplomadas em curso superiorvinculadas às ciências humanas e sociais com diploma legalmenteregi,trado""". Cai o antigo parágrafo 6º que prevê dois terços para médicose um terço para psicólogos, lUas é incluído um outro, () parágrafo 4º,que aponta para um outro tipo de controle, tão corporativo quanto oanterior. Desta forma, os membros da SPAG/R] não médicos (leia-se ospsicólogos), a quem o exercicio da Psicoterapia é autorizada pelalegislação em vigor, "... terão seus pacientes assistidos por médicos nocaso de carecerenl de interven~ão clínica que só a médico competedesempenhar"'''. Bastante ambiguo, pois o que se entende por"intervenção clínica"?

A partir de 1980/81, muitos dos que haviam fundado a SPAGiR)vão se afastando graelativamente de sua direção e de uma série de outrasatividades; em 1982 assume sua presidência - em eleição concorridis-sima, já que duas chapas se apresentam, o que não ocorre desde suafundação - Carlos C. Castellar, que tinha anteriormente sido presidenteda APPIA.

Somente em 1985, a presidência da SPAG/R] é ocupada por umapsicóloga: Márcia Câmara. Nesta época, também os chamados "progres-sistas" estão se afastando e lri toda uma nova geração de psicólogos epsicanalistas participando da vida societária.

Como já apontei, entre os psicólogos, o trabalho gn'pal é tambémmuito difundido. Desde as experiências com as Comunidades Terapêu-

164 "Estatutos da SPAGIR]" In: Uvro de Atas das Assembléias Gerais, p. 34.165 [clem, p. 31.166 Idem, p. 64.16'7 Idem, p_ 65.

t40

licas no final dos anos 60, tanto no Engenho de Dentro quanto no Pinel,esses profissionais experimentam não sotuente a coordenação de gruposcom pacientes e funcionários, conlO supervisões e grupos terapêuticos,tudo dentro do modelo recém-conhecido dos "grupos operativos" dePichon-Rivierc.

Posteriormente, no início dos anos 70, Carmen Lent, Susana Pravaze Estela Troya promovem laboratórios de vivências, empregandodiferentes técnicas grupais, no sentido de traballlar o tema da "identi-dade" proflSsional do psicólogo, tema, na época, extremamente preo-cupante pam esta categoria, que continua a tentar encontrar modelos dereferência.

Também na Argentina, desde o final da década de 50, os psicó-logos, que já começam a se tornar numerosos, não têm acesso à fonna-,ão analítica na APA. Em seus cursos de graduação, têm como proles-sares os psicanalistas - muitos deles didatas da Sociedade - e, depois deformados, fazem com eles suas tempias, supervisões e grupos de estudo;entretanto, não são autorizados, nem reconhecidos como anali,tas. Comono B,dsil, sua grande preocupação é a questão ela"identielade" proflSsional.Só que com uma diferença: o movimento dos psicólogos argentinos, aoinvés de se aliar aos pSicanali'ta' "oficiai," e por eles ser tutelado, organiza-se em entielades sindicai, e profIssionais. !lá toela uma tentativa de capturaresse movimento, quando Bleger e outros didatas da APAmostram que a"identidadc" proflSsional do psicólogo, diferentemente da do psicanalista,é sair dos estreitos limites de seus consultórios privados e tornar-se umelemento de "mudança social". Mudan,a no sentido de realizar, atravésde atuações grupais, trabalhos institucionais e comunitáriosl6S. Essatentativa é dcnunciada pelos próprios psicólogos que percebem nachamada atuação preventiva ou psicoprofilática uma forma de exclui-losda formação analitica. Não percebem, porém, o que o trabaUlo pre-ventivo produz, assumindo tais tarefas de forma mai, ou menos acrítica.Na questâo ela "identidade" profissional, esses temas estão presentesentre eles de maneira muito forte.

No Brasil - com um movimento muito menos organizado, frágil etcndo como modelo único e exclusívo de referência os psicanalistas - os

168 Sobre o assunto, ver o Uvro de Blegtlr, J. Pskohigiene Y Psicologia ln••titudonal Buenos,\ires, Paidôs, sidata.

14 t

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argentinos encontram U111 tnerc.ado extrem~tlnente propício e fatlllnto àdi')cussào de tais tetnas.

Principabnentc entre os psicólogos, há uma grande curiosidadeem rdação às técnicas trazidas pelos argrntinos. Desenvolvem-se asterapias de casal. terapias breves, interven\'ôes em crise, atendi.Inentospré-cirúrgicos. acompanhamento a gestantes

l()rienta,-~à()vocacional (que

dentro da VL')àode Rodolfo Bohoslavsky torna-se uma terapia foca1)169 eoutros. Tais técnicas - como já aHrmei anteriormente - respondem muitobem à demanda produzida nos anos 70 no Brasil.

Também por inlluência dos argentinos, surgcln outras concep-ções sobre saúde c doença, não tão aferradas - como antes - à psico-patologia. Gradativanlente os psicólogos vão se afastando do modelomédico propugnado peh, Socie(L~des"olkiais", à medida que a inl1uênciaargentina se amplia, tnas - como já afinnei - não criam nOV~L')estratégiasc táticas de açiio; reproduzem. sob outras roupagens, os antigos modelos.

E, na segunda metade elos ancl..')70. a.o;;;sistc-scao que é conhecidoconlO o "rnodismo" da Psicologia Institucional e dos ".~rupos operativos",Ao contrário do que nesta época já ocorre na Argentina, os psicólogos[)rasileiros, mesmo os mais J. esquerda, 'üo conscgLlem ainda questionaras subjetividades que produzem o "lnercado psi" dos anos 70, Perguntasjá comuns entre os argentinos - "quc formac,:.'ãosocial, que práticas csubjetividades cstamos produzindo e fortalecendo?" - somente puderanlser pensadas posteriormente, no início dos anos RO,

Importa-se de forma mcc3nica c acrítica o modelo argentino daPsicologia Institucional de Blegcr com sua linha prevcntiva e os traba-lhos de grupo, principalmente, os "grupos operativos" de Pichon-Rivierc.Neste momento, não se con.segue refletir sobre os pressupostos de taismodelos que, mesmo marcados por influências marxl"itas - c no caso demuitos psicólogos, é o que os atrai - nào saem dos estreitos limites dasinstituições vlstas como estabelecimentos abstratos, como "coisas em si",da reitlcaçio do trahalho gnlpal. Não nos esquC'\-'amos de que essesreferenciais estão presentes na APPIA e em seus exuberantes Congressos,nos quais os psicólogos reverentemente acompanham as exposiçôes deseus "mestres·' argentinos e neles têm seus modelos de referência. conlO

lU) Sobre o :lSSllnto, ve[ Bo!losla\'sky. R Orleoladón Vocaciollal: la Estratcgia Clínica. Bueno."Airt's, NllL'V:lVi."ilin, 197'7

142

anos antes tinhanl nos psicanali')tas '·oficiais" brasileiros,

Esses modelos ainda marcados pelo dkialismo dos psicaI13listasargentinos - apesar de serem considerados unI avanço pam a época -,CtHrealidade servem, e muito bem, a utn período em que a luta artnadacontra J. ditadura militar no Brasil csti quase que totalJnente debelada e() "tnilagre econtnnico" começa a ruir. Apesar da força que o governomilitar ainda possui, ji se percebem os ptinleiros sinaL'i cio avanço político(le Ull1aoposição ainda tÍ1nidae d() fc)rtalecimento clemuitos movimentospopulares, sociais e sindicais, É neste momento que essas concepçõesganham tantos adeplos entre '" psicólogm l11aisprogressistas. Concepçc,escujas limitaçôcs só mais tarde serio percchiclL<;:seus aspectos de controle--no caso da prevel1\-';1o-, em que a palavra política ainda é proibida-no caso do psicólogo institucional e seus lirnites de atlla~.'jo - c suasaspiraçôes técnico-científicas - o psicólogo como o "técnico da.".;rela\-'cJcsinterpeSS(Kli'i"1"711.

Não é por aC1SOqllC ocorre o hoom dos "gntpos operativos" noBrasil, que passam a ser muito utilizados na.c;;escolas, hospitaL')e empresascomo forma de controle. Valendo-se de um discurso modernizante,tentando mostrar, à época, que se emprega lima prática "avançada",pois (lá L1l11aparticipação de grande parcela dos envolvidos nos diferentessetores do estabelecimento, exerce-se. em última instância, um maiorcontrole sobre esses grupos. Vendc-se ~ todos a i1usào da participa\-~ào:10 cnfatizar o caráter igualitârio c democr~itico desses grupos. Como asdinâmicas de grupo - tjo em tll,oda nos anos ')0 e 60 - bzcm funcionarno vazio algumas forças que podem se tomar if1o;;;tituintese, portanto,pet;gosas.

"Criam-se essa.<;l'á!t"ula.<;de segurança, esses dL"posiHl'Os quecanaliZam os descontentes efazem funcionar asjàrça.<;ínstituin-tes em círcuito fi'Chado. ()fiu. .•.n ( ... ) é cmtado, j)(lssado /)or alto ('dciya dr!otJr!rar( .. ) Tal é o sentido dil.." uleologias nào cliretirras,

I""U Todos <ósse."J.srectü~ sio çnfali7ados pur Blt:~l2r,J. Or, cit. Critica..'>.ao trabalhD prevçntivo, aopsicologo como "((·cnico da,s rl'J:lçü,,-'Slnh .•rpt'~<,cl:lis"e :l PSICologia InstitucioJl:l1, ·vl'r: Coimbra.eM.R Psicologia Institucional: Ilitkuldadcs e limites. Dissertação de Mestrado - lESA}>FGViRJ, 1080; Coimbr3., C.\'l.B, l.obo, L.F. (' Barros, RD.B. "Os DL'S:lfios Sociais é a Prática doPsicólogo 1~~co1ar~In; Anais UI (Â)flfcri-ncia 8-ra.~i1cira de Educação. Rio de Janeiro, 1<)84:Coimbr3., C."~1.B.,Lobo LF l' Ihrros, R.D,R "A lnstiluiçào ili Supervisão: AniiisL' de Implicarbes"In: Sa.idón, (). ({)rg.), A Análi.~e llL"iUtudonal no Urasil Rio d.. Janeiro. Espa~'(lç Tempo. 198"7,.:r7~SS.

14:\

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parttcipacionistas, sus/entadas pela ideologia grupis/a quefunciona como verdadeira polícia cultural e estatal e

Jpor tras

dela, toda a psicologia contemporânet. na qual ogrnpismo repousaalegremente"'7J .

Muitos afirmam que a utilização dos "grupos operativos" prende-se a questões teóricas, pois há uma confusão reinante em nosso meioquanto ao uso desta técnica, que é utilizada sem um "aprofundamentoadequado de suas bases teóricas""'. Concordo em parte, pois, em rea-lidade, com o "modismo" pouco se estuda o referencial teórico dos"grupos operativos". No entanto, não é só o que ocorre, já que o momentohL~tórico da época nos mostra o devido uso de tais práticas e os efeitosque provocaJl1. São utilizadas meramente como técnicas abstratas eneutras, sem nenhum grau de implicação com a realidade social concreta,e funcionando como práticas de controle e assujeitamento. Sem apreocupação em saber para quê e porquê utiliza-se o enfoque grupal,eIn especial os "grupos operativos"~ cai-se num mero "modismo" e numareificação de tal prática, vi,ta como simplesmente mais uma técnica a serempregada. A questão de se pensar o grupo como um efetivador deforças e que forças seriam estas"" que sàbcres, que objetos, que sujeitos,no dizer de M. Foucaull, estariam sendo produzidos por essa prática,está muito longe de ser pensada nos anos 70 no Brasil. Seu aspectotécnico é que predomina, uma vez que estamos na era dos peritos c datecnologia'

VI - A RUPTURA COM AS SOCIEDADES LIGADAS À IPA

Na segunda metade da década de 70, começa a ser delimitado umnovo perfil nos movimentos "psi" carioca e paulista. Surgem outros gruposde formação psicanalítica; chega a segunda geração de psicanalistasargentinos - em sua maioria exilados, após o golpe militar de 1976 -;emerge o !acani,mo e fortalece-se a sociedade civil brasileira.

171 Benurcl, M. "La.'l Concllciones deI Grupo de Acdôn". In: Lourau, R. (Oeg.). Analisl" InortltudonalY Socioanálisis. México, Nuev:l Imagem, [973, pp. 41 e 42.

172 Saidón, o. Guia Tennlnológlco da Teoria e Técnica do Grupo Operativo. Rio de Janeiro,Cadernos do lBRAPSI, secembro/l',179, mimeogr., p. 06

lT, Sobre o assunto, consultar Barros R.D.S. Compo: AAfirmação de Um Simulacro, Op. cit.

144

No Rio de Janeiro, tomam-se cada vez mais fortes as pressõesdos psicólogos por uma formação analitica. Também eles - como osseus modelos psicanalistas - querem participar de tão promissor "mer-cada", não se contentando mais com o atendimento infantil já aceito einstituído. Exercem, entre pressões, tanto no CESACquanto na APPlA-como já vimos, em 1977 e 1978 -, cujos projetos não vingam. Dessemodo, é necessário partir para formações autônomas.

1- A SEGUNDA GERAÇÃO DOS ARGENTINOS

A primeira geração de psicanalistas argentinos, considerada"ollcial", apesar de trazer uma série de contribuiçôes um pouco mais"flexívei~" que a dos brasileiros ligados ãs Sociedades "oficiais", defendea "verdadeira" psicanálise e a formação analítica nos moldes da IPA,reproduzindo as mesmas práticas e modelos. Aqui seus interlocutoressão os psicólogos - carentes de modelos para uma "identidade" proflS-sional- e, sobretudo, alguns psicanalistas da SPRJ e da SBPSP.

A segunda geração, que chega a partir de 1976, em sua maioriaexilada, irá gradativamente romper com as irlStituições analisadasanteriormente, demonstrando uma expressiva vinculação político-socialem suas práticas, além de introduzir novas estratégias e táticas de ação.

Se a primeira geração traz contribuições de uma prática psica-nalitica, sem no entanto provocar rupturas, esta segunda ajuda a quebraros m1tos da formação vinculada ã IPA e da "verdadeira" psicanálise.Fornece, com suas experiências e formações exteriores à APA, o"empurrão" que falta. Posteriormente, os lacanianos completarão esterompimento.

Entretanto, esta segunda geração de psicanali,tas não pode serentendida como um grupo monolítico. A própria denominação "osargentinos" uniformiza as diferenças que há entre eles, pois existem osque vêm exilados, por questões de militância política; os que vêm porquestões de mercado, após a implantação da ditadura militar na Argentina,que muito vai "incomodar" os "psi" sem implicações politicas e há, ainda,os que, mesmo por questões de exílio, encontram no Brasil um excelente"mercado psi". O próprio Gregório Baremblit nega a existência de uma"Escola Argentina" ou a existência de "... argentinos agrupáveis em redor

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de um pensamento unifonnenlente marcado ...''17-''. Trá, sim, algumasalianças entre n1uitos que vêm exilados, contudo lnuitos caminhos eposturas diferentes.

É óbvio que, como já mencionei na Introdução deste trabalho,alguns acontecimentos são c serão por tninl destacados em cletrirncntode outros. Não quero nem espero que este trabalho seja visto como umaneutra e linear história das práticas "psi" nos anos 70, no Brasil. Aminhaimplicação com esta segunda geração de argentinos é clara e sei quealguns acontecimentos - ou pelo menos este - enconlrar-se-ão real~:adosneste relato.

Desde o início de sua história, a Associação Psicanalitica Argen-tina (A1'A)- reconhecida pela [1'Aem 19/,2'7; - apresenta grande ativi-dade em termos de publicações, as quais começam a transpor suasfronteiras, e na formação de alguns psicanalistas brasileiros"6

Nos anos 60, toda uma geração de jovens psiquiatras de fonnaçãomarxista entra na AJ'A. Segundo depoimento de Marie Langer

esta geração de '.'filhos"ensinou muita coisIJ a nós, os cíncodidatas que saímos da APA. A mim, pessoalmente, me ajudou aacahar com a dissociaçào (! a unificar, dentro de minha prática,o enfOque psicanalítico com minhas conuicções polítk:a.<;"IT'.

Em J 968, após o "Corelobazo" - manifestações populares emCórdoba -, as agitações em Rosário e Buenos Aires, a APA adere ãgreve geral 'lu c é declarada contra a violenta repressão feita aosestudantes e aos trabalhadores.

No ano seguinte, no XXVICongresso 1ntern"cional da IPA, emRoma, o grupo argentino e outros organizam um paracongressol78 noqual se propõem as discussões: I) da formação do psican"lista; 2) dosignifkado, função e estmtma das sociedades psicanalíticas; 3) do papel

174 Baremblit. G_ Ato Psicanaüt1co e Ato Politico. BH, Segrae, 1987, p. ')3.

17') Eram seis os fundadores da APA:Marie Langer, Angel Ganna, Cirsamü, Ferrari Harc!oy, E.Pichon-Riviere e Arnaldo Rascovsky.

176 Perestrello, M. Op. dt.

J77 Langer, M., Palacio, J.D- e Guinsberg, F. Memória. Hl..-rória e Diálogo Psicanalftico_ SãoPaulo. Traço, L986, pp. 96 c 97. Marie Langer, uma cb.s fundadoras da A.PA,oriunda de famOlajudia da Viena Imperial, ligada ao PC, participou na Espanha das Brigadas Imernacionais, exilou-se na Argemina \;l, posteriormente, no Mexlco.

178 () Congresso realiu-se no Cavallieri Hilton, um dos mais caros e sofisticados hotéis de Roma; oparacongresso numa cervelaria popular da vizinhança.

t46

social dos psicanalistas; 4) das relações entre psicanálise e instituiçüesl79.

Est:í lórmado o Gmpo Plataronna Intcrnacional que, em 1971,cmVicm, no Jov'XvllConwesso Intemacional da lPA,reconhece public-amenteque sua luta "... não passa fi.mdanlentalmentc pelas revolt::L'iinstitucionai .••,

mas pelo comprOlui'iso dos psicanalistas com os povos empenhados e111

suas lutas de libert"ção"'&'. Meses depois o gmpo Plataforma Argentinas"i cl" A1'Ac - desde 69 - particip" da Federação Argentina de Psiquia-tras (]'AI') junto com o gn,po Documento, o 'lU"!. dias depois da saídado pessoal ligado ao Plataform", também se deslig" d" A1'A.11 formadopor UIll grupo de didala..••os quais, reunidos enl torno de um documento.solicitam o direito de voto aos lncmbros associados c () direito de serem

cOl1..sidcradosJ automaticamente, diclatas, dentre outras col"as.

A FAP pouco a pouco vai se identificando com o pcronislllorevolucionário e há vários grupos que di.'iputam sua hegell1onia. Difun-

dc-se por várias cidades do interior a formação analítica - ainda que sópara médicos -, cOlno eo) Mendoza, Rosário, elC.

Os dois gnlpos, PbtafornlJ. e Documento, apresentam muitosposicionanlentos em comum, havendo pesso;:L') que oscilam entre umgrupo e outro. Tod~lvia.o Platafonna tem posi\·ôes lnais radicaLs politica-

mente, C0111111uita influência da teoria marxii;)ta-fóquista. tão em vOg'".l na

América Latina, na época.

!\'um prirneÍfo tllomento após a ruptura, prOCUra111dar Cursos depós-gradua~'ão na FAP,mas esta, por ser uma federação 111édica, excluioutros profissionais, (01110 os psicólogos. Funda~seJ então, aCoordenadoria dos Trabalhadores em Saúde Mcmal (STM) junto com aAssociação de Psicólogos e a dos Psicopedagogos. Ligado ao STM,cria-se o Centro de Docência e Investigação (CDI), onde lr"balllal11junlos osgrupos Plataforma e Documento além de diversos outros gntpamentospoliticos pertencentes "OS diferentes partidos ele esquerela.

''A experiência do CfJ{ e cer1ame.-"11teúnica em sua tentativa deapagar as diji.:.rença<; entre os (>.~pecialistasda saude.mental e de

L79 sd)re o :L.~.sunto,ver Kes~lnun, H. "Plataforma lntenucionaJ: Psicanálise e Anti-lmperiali~mo". In;tanger M. fOrg.) Questionamos 1_Rio de Janeiro, Vozes. 1973, 246-250 e outros artigos de&~me.sma revista, assim como Lmger, M. ()rg ..lQuestionamos 2. BH, Lmerlivros, 1977 e !.anger, M."Vidsitu<.L2sdeI Movimiento Psicanalítico Argentino" In: Suarez, A. (Org.) Ra2.ón, Locura ySociedad, M~xico, Siglo Veintiuno, i()8(i.

180 Kesseiman, 11_Op. dt. In Langer,M. ()rg.lQuestiooamos 2. Up. cit., p. 218

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oferecer a todos a mesma oportunidade de formação ( .. ,) o quetraz algumas verijicaçóes valiosas: 1) a possibilidade de romper aestratificação e a fragm.entação dos diferentes grupos de trabaha-dores de saúde mental ao tntegrarern-se num só movimento gremial(._.);2) a demonstração de que se pode dar e adquirir umaformação séria e de alto nível fora das instituiç6es psicanalíticasoficiais epor uma contribuição econômica mínima que sin'a paramanter o local C.); 3) o avanço, deste modo, de alguns passosconcretos no tão debatido terrrmo da inter-relação entre marxismoe psicanálise, outorgando à prática o privilégio que lhe davamMarx, Gramsci e Mao "181.

Ao lado dessa formação no CDI, ocorre, desde a segunda metadedos anos 60 e nos 70, em muitos hospitais públicos, a atuação depsiquiatras e psicólogos que, em suas práticas, desenvolvem a formaçãoanalítica, valendo-se como espaço de preparação da própria práticahospitalar. Nos serviços, têm supervisões e grupos de estudo - quandonão os fazem fora. Nada recebem nesses hospitais: dão o trabalho emtroca da formação. Evidencia-se, assim, uma grande preocupação com aformação pois, à medida que a oposição cresce dentro da APA, essaformação paralela se fortalece e toda uma geração de psicanalistas sesurge à margem da Sociedade "oficial".

Dentre esses hospitais, destacam-se o de Lanús, Avellaneda, Bor-da e das Clírúcas, que passam a ser centros de formação. Em Lanús, porexemplo, em 1964, Maurício Goldenberg introduz um Serviço dePsiquiatria em que se realizam atendimentos a pacientes internos eexternos, sendo o trabalho eminentemente grupal com crianças, adoles-centes e alcoólatras. Goldenberg chama, para esse Serviço, psicanalistas,psicodramatistas e uma série de outros proflSsionais. Promovem-sepalestras com MaxwellJones sobre Comun.ldade Terapêutica, irúciandocse o questionamento da tradicional visão manicomial. Alguns dos psi-canalistas daAPA estão nesses trabalhos, supervisionando, coordenandogrupos de estudo, etc. Sirn.Ilaresa esse modelo de Lanús, em 1976, hácerca de dezenove hospitais gerais só em Buenos Aires. Com o golpemilitar, esses trabalhos e as formações nos hospitais públicos tenrunam,pois, essencialmente, são atuações claramente implicadas com a política

181 Langer, M., Palacio,j.D. e Guinsberg, E. Op. cit., pp. 111 e 112. Maiores detalhes, ver Braslavsky,M.B. e Bertoldo, C. "Anotações pata Uma História do Movimento Psicanalítico A1'gentino~. In:Langer,M.{Org.) Questionamos 2. Op. dto

148

que permitem pensar a psicanálise extramuros do consultório, voltadaspara a saúde pública.

Alguns dos psicanalistas ligados ao Plataforma, à STM e ao cmfazem trabalhos de assessoria institucional com os mais diversos sindi-catos e partidos políticos, nas situações de greve, etc. A partir 1974 a1976, aproximadamente -, pela leitura que fazem de Guattari, Deleuze eda Análise Institucional -, começam a introduzir muitos desses conceitosem suas atuações grupais e institucionais. No entanto ainda não rompemcom os "grupos operativos" de Pichon e a Psicologia Institucional deBlcger; mas agregam-lhes estes novos modos de pensar os grupos e asinstituições. Para alguns argentinos, apesar das posições políticas distintasc até diferentes entre si, Bleger e Pichon continuam como os grandesmodelos. Assim, por exemplo, a transversalidade - conceito guattarianoc básico na Análise Institucional - é mais uma dimensào somada às dehorizontalidade e verticalidade nos trabalhos grupaisl&.

Em 1974, alguns desses profissionais, como Gregório Baremblit,fundam a EPSO (Escola Psicanalítica Freudiana e Socioanálise), queenvolve uma mistura de pSIcanálise, análise institucional e militânciapolítica. As aulas são trabalhadas por intermédio de "grupos operativos"e Juan Carlo Di Brasi coordena o de epistemologia. Uma vez por mêsocorre o Ateneu Clinico, em que se pensa e se debate como a psicanálisese articula com o marxismo. Durou pouco pois duas bombas sãocolocadas na EPSO a qual é fechada pela polícia antes do golpe de 76.

O cm também é fechado logo que há o golpe, porém, desde 74há uma série de provocações da direita: revistas sistemáticas da polícia,bombas, etc.

Alguns desses psicanalistas, por suas ligações com as organizaçõesentão clandestinas, dão apoio psicológico a muitos militantes de esquerdac, por isso, quando chega o golpe em 1976, são violentamente per-seguidos. No final de 1974, devido às ameaças da tríplice "A" (poderosogrupo paramilitar que se denomina Associação Anticomunista Argentina),Marie Langer se exila no México e inicia-se a "diáspora argentina".

O manifesto do grupo Plataforma dizia:

182 Sobre o assunto ver Rodrigues, H.B.C. "(luta Abena do Departamento de Investigações Institucionaisdo Brasil a Annando Bauleo". In: Boletln dei Centro Internacional de Investigaciones coPskologiaSocial y Gropal. Rio de Janeiro, n\! la, 1987, 16-21.

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"Para nós, doravante, a Psicanálfse não é a Instituição Psicana-lítica Ojk;ial. A Psicanálise é o lugar onde ospsicanalistas estiverem,entendendo ser como uma definição clara que não passa pelocampo de uma Ciência isolada e isolante, mas sim por aquele deuma Ciência comprometida com as múltiplas realidades quepretende estudar e transjormar"IB:'>.

Estes compromissos são reafrrmados no Brasil - particularmenteRio e São Paulo -, para onde vem a segunda geração de psicanalistasaIgentinos, pertencentes ou não ao Platafonna, do qual sofrem, semdúvida, considerável intluência, acentuada ainda mais pelo exílio que seinicia.

Contudo, não obstante tais enfoques, poucos são os psicólogoscariocas e paulistas que se deixam efetivamente agenciar pela implicaçãopolítica e militante que trazem os argentinos.

Apesar de estarmos vivendo na época a "distensão lenta, graduale segura" de Geisel, na qual uma série de movimentos sociais que, emseus microespaços, vinha, desde o início da década de 70, subter-raneamente se gestando e resistindo aos horrores do terrorismo vigente,as propostas políticas dos argentinos não fazem muito eco. Essesmovimentos sociais, nesse período, ligam-se ainda ãs periferias dasgTarldes cidades e ao movimento sindical; não atingem a classe média, oque ocorrerá mais efetivamente na década seguinte.

Os "psf' - tanto no Rio quanto em São Paulo -, que fazem partedesta classe média, de sua parcela intelectualizada, ftlhos do "milagre" erepresentantes da geração Al-S -, não têm e nem tiveram implicaçõesmilitantes. É como se, paIa eles, os argentinos trouxessem a peste, nãono sentido político, mas no sentido de sua profISsionalização enquantopsicarlalistas. Pertencentes à pequena burguesia ela Zona Sul carioca,por exemplo,

"... oscilam entre a revolta e o ressentimento por seus mentorts(oficiais) pstcanalíticos C ..) e o desejo de chegar a integrar-se nosborlas vedados da psicanálise local ou de formar seus próprlos"l84.

Por sua vez, os psicanalistas das Sociedades "oftciais" - não só asdo Rio como a de São Paulo -, inclusive os considerados "progressistas",

183 Langer, M., Palácio,J.R. e Guinsberg, E. Op. cit., p. 129.184 Baremblit, G. Ato P:ricanalitk:o e Ato Polítlco. Op. ciL, p. 49.

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msL~temem dizer que a influência dessa segunda geração de argentinospara a prática psicanalítica é quase nenhuma. São unânimes em afrrmarque a mais importante contribuição vem dos "ofrciais'"do inicio dos anos70. Estes, sim, possibilitaram grandes mudanças nas práticas grupais. Otrabalho institucional não é citado. Somente os psicólogos a ele se referem,sem, no entanto, argüir seus pressupostos. Eles, por sinal, em sua grandemaioria, louvam muito mais a primeira geração que esta. Para alguns"psi", a contribuição desses argentinos linlita-se apenas a quebrar - atravésdas experiências que trazem - a hegemonia da" Sociedades "ofrciais" naformação dos psicanalistas. Ainda marcados - e até hoje é uma fortecrença - pelo corporativismo da primeira metade dos anos 70, ospsicólogos cariocas, de um modo geral enquanto movimento, não sentem,não conseguem perceber, não 'se afetam com a proposta política queesses argentinos apresentam. Estes são, sem dúvida, procurados - emuito - pela sua competência teórica, pelas cDntribuições técnicas queoferecem, pela ,sua maior abertura e tlexibilidade e, por que não dizer,pela sua "estrangeiridade'".

Os argentinos se espantam, pois, ao chegarem aqui, vindos de uminlplacável e violento terrorismo de Estado - e ainda se sentindo extre-mamente perseguidos -, quase nenhum "psi" carioca ou paulista lhespergunta sobre a situação política argentina e suas vinculações com ela.Será que sabem que havia ocorrido um golpe militar num pais vizinhoao nosso? Será que sabem que lá muitos "psi" - por suas implicaçõespolíticas - estão sendo perseguidos, presos, torturados e assassinados?Será que sabem que o Brasy ainda vive sob o terrorrismo de Estado esob a vigência da Lei de Segurança Nacional? Será que sabem que aquimuitos foram e continuam sendo torturados, seqüestrados, assassinadose desaparecidos? São os efeitos da produção massiva das subjetividadesproduzidas nos anos 70 que levam esses "psi" a ignorar todo esse conte,,1:o.

Profundas e inlportantes retlexões nos trazem os argentinos, nãosomente para uma melhor compreensão do exilio político, mas, sobretudo,para o estudo do que chamam de "cumplícidade civil"IS'\ isto é, comovai sendo elaborado o chamado "colaborador" nas ditaduras, "... aqueleque está ao nosso lado e nem sabe que pode chegar a colaborar, inclusiveaté a denunciar"11l6 Sem dúvida, esta "cumplicidade civil", representada

18" Termo utilizado por Eduardo Pavlovsky, psicanalista e psicodramatista argentino.

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por grandes parcelas da população, é um dos fatores que mantém todoe qualquer governo fascista e que sustentou intensamente as ditaduraslatino-americanas.

No Brasil, muitos são aqueles que ajudam a esses argentinosexilados, mas poucos os que se emiscuem com suas propostas e im-plicações políticas. Além de um pequeno grupo no Rio, incluindo HélioPellegrino e Chaim Samuel Katz, há em São Paulo os grupos do NEPP,do Sedes Sapientiae, de Regina Chnaíderman e alguns da SBPSP.Entretanto, quem mais claramente "entende" esses compromissos polí-ticos são os psicanalistas "oficiais", os conservadores da SBPRj e daSPR].Estes, ao contrário da SBPSP,a qual simplesmente os ignora, abremfuriosos ataques aos "subversivos" e "terroristas" argentinos. Veremosisso melhor, ao apresentar a formação do IBRAPSI no Rio de janeiro,no item seguinte, pois essas acusações envolvem também a questão demercado.

2 - SAMPA E O MOVIMENTO "PSr' NA SEGUNDA METADE DOSANOS 70

Comentarei alguns estabelecimentos organizados em São Pauloque correm "por fora" da Sociedade "oficial" e que contam com ascontribuições dos psicanalistas argentinos da segunda geração que lá seinstalam. Sobre o Iacanismo haverá um item à parte.

Diferentemente do Rio de janeiro - onde na primeira metade dadécada de 70 aparecem alguns grupos de psicólogos tutelados pelospsicanalistas "oficiais" -, em São Paulo, até 1976, há uma total hegemoniada SBPSP no que se refere à prática psicanalítica.

2.1 - O Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada

Assim é que, antes da chegada dos argentinos - os da segundageração. - há a criação no inicio dos anos 70 do GEPSA (Grupo deEstudos de Psicologia Social Aplicada) por psicólogos com grandeinfluência do National Training Laboratories, centro de treinamento norte-

186 Pavlovsky, E. -'La Vigenda ele Un Compromisso~. In: Territórios - Pubücacion deI MovimientoSolidário de Salud Mental. Buenos Aires, n!!03,1986,6-9, p. 09.

152

americano de técnicas gru pais, fundado pelos discípulos de K. Lewin nollnal dos anos 40. Este centro, durante as duas décadas seguintes, oferecelima série de atividades baseadas, principalmente, na técnica do T. Group.Tal técnica, que havia se originado da dinâmica de grupo lewiniana,cnfatiza a Sociologia dos Grupos e não a sua psicologia; os papéis efunções do líder e dos membros e não suas personalidades individuais edesenvolvimentos pessoais.

Nesses training-groups, por meio do treinamento das capacidadesnas relações humanas, ensinam-se os indivíduos a observar a naturezade suas interações recíprocas e do processo grupal. Pensa-se que, apartir daí, serão capazes de melhor compreender sua própria maneirade funcionar num grupo e no trabalho. Sua pedagogia é uma mescla denão-diretivismo e método ativo, com alguma influência também daorientação rogeriana.

Em São Paulo esse grupo tem pouca representatividade, pres-tando serviços de assessoria a algumas empresas privadas. Dele, poste-riormente, sairão muitos profISsionais que se ligarão às chamadas terapias"alternativas" .

2.2 - Instituto de Estudos e Orientação da Família

Também no início dos anos 70, mais precisamente em 1972, éfundado o INEF (Instituto de Estudos e Orientação da Família),ligado a pesquisas e estudos sobre a farnilia e oferecendo orientação eatendimento neste setor. Organizado por médicos e psicólogos, é umaformação a nível de especializaçãoH17. Tem também pouca expressão nomovimento "psi" paulista.

Tanto em São Paulo quanto no Rio de janeiro, há um outro grupoque também corre "por fora" das Sociedades "oficiais": os junguianos.Não entrarei em detallies sobre suas histórias nos dois espaços geográficos,apesar de se colocarem como "diferentes" da formaÇão criada pela IPA,única e exclusivamente por absoluta falta de tempo. Há, sem dúvida, umassunto que merece ser estudado, pois pouco se tem escrito sobre osjunguianos brasileiros, embora tenham sido jung e seus seguidores os

1&7 Sobre o assunto, ver Rocha, E.B. Op. cit., p. 51

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ptimeiros a quebrarem com a "sagrada" utilização do divã e a introduziremtrabalhos com argila e outros materiais durante as sessões terapêuticas.

Justamente na década de 70. em solo paulista. organiza-se aprimeira Sociedade de l"rmação junguiana. Posteriormente, há vários"rachas" e hoje coexistem pelo menos quatro centros paulistas paraformação dentro dessa abordagem teórica. No Rio de Janeiro, dentreoutros, tem-se a bela figura de NLseda Silveira a qual, desde os anos 40,no Hospital Psiquiátrico Pedro 11, no subúrbio do Engenho de Dentro,desenvolve trabalhos com psicóticos.

Da abordagem junguiana, muitos "corporaIL,tas" brasileiros,sobretudo os dos anos 90. em sua maioria, mais adiante, irão 'herdar" avisão mistica já implícita em toda a obra do 'mestre" e que marcaráprofundamente alguns pioneiros das terapias "neo-reicl1ianas" no Brasil,como mostrarei no Capítulo IV, item V.

Enfim, percebe-se que todas essas iniciativas, fora da SBPSP noinício da década de 70, prendem-se não ã luta dos psicólogos paraobterem o status de psicanalista, como no Rio, mas a atividades e enfo-ques diferentes dos desenvolvidos pela Sociedade 'oficial", alguns {"rado âmbito psicanalítico de atendimento privado. Procura-se umaespecialização em técnicas grupais ou em atendimento familiar ou emuma outrd abordagem teórica, que não são priorizado., pela SBPSP.Porém,esses "outros" enfoques não entusiasmam os "psi" pauli,!J.' nem os "leigo.'"como clientes, poL, a hegemonia está com a prática psicanalítica privada,que cria e estimula as demanclas dominantes.

No movimento "psi" de São Paulo, os estabelecimentos que vãocompetir com a Sociedade "oficial" a nível de formação analítica são,sem dúvida, o Instituto Sedes Sapientiae e, em escala menor, o NEPP.

2.3 - O Instituto Sedes Sapientiae

Desde o inicio dos anos 70, o curso de Psicologia Clinica daFaculdade Sedes Sapientiae, aindà vinculado à PUC/SP, começa a setornar um dos centros psicoterápicos mais importantesl88. Coordenadopor Célia Sodré Dória, a Madre CrL'tina, reúne muitos "psi" interessados

188 Sagawa, R.\', Op. cit., p. 2'52

1,4

em "outras" linhas de atuação.

Em 1974, quando se desvincula da PUC, o Curso de PsicologiaClínica transforma-se no Instituto Sedes Sapientiae, organizado comoum centro de "ensino livre", tentando se colocar à margem dos modelose critérios burocráticos regulamentados pelo MEC. Sua proposta é ser:

, um espaço aberto aos que querem se comprometer com abusca de um projeto alternativo à sociedade brasileira,procurando manter uma ideologia de trabalho que liga as Unhasfundamentais que consagram o homem como princípio, arealidade social brasileira como campo de trabalho, o exercícioda defesa dos direitos humanos como método, e a libertação

como ftm"llP.

inspirado na Teología da Libertação, o novo Instituto éreconhecido pela sua participação nos movimentos populares e nocompromisso com suas lutas. A figura de Madre Cristina é fundamental,uma vez que, desde o movimento de 1968, passando pela decretaçãodo AI-5 e pelos terríveis anos de perseguições e torturas, o Sedes torna-se o abrigo de muitos perseguidos!". A partir de 1975, novas áreas sãocriadas no Instituto, como o Centro de Educação Popular (CEDlS), oCentro de Filosofia e outros; posteriormente abrigará, dentre outrasorganizações populares, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

Esta orientação política é clara, não somente em sua Carta dePrincípios, mas pelo que o jornal O Contexto, do Departamento de

Psicodrama, publica:

"OInstituto Sedes Sapienttae é um instrnmento político que visaatuar na estrutura sócio-econômica brasüeira. Como meios paraatingir esse objetivo (. ..) lança mão de cursos, grupos de estudo,trabalhos com operários, sindicatos, periferia e outros" 191 •

Em 1975, Madre Cristina convida Roberto Azevedo, recém-chegado de Londres e psicanalista da SBPSP, para organizar tim cursode formação psicanalítica no Sedes o qual somente tem Início no anoseguinte, com o nome de Psicoterapia de Orientação Analítica, já

189 Instituto Sedes Sapientiae. Carta de Princípios. São Paulo, mimeogr., pp. 1, 7 e 8.190 Ver duas entrevistas de Madre Cristina publicadas em: Percurso - Revista de Psicanálise. São

Paulo, Instituto Sedes Sapientiae, Ano lI, n2 semestre de 1990, ')4-')8e Teoria e Debate- Revistado Partido dos Trabalhadores. São Paulo, n~ 03, fevereiro/1989. 70-74,

191 O Contexto _ órgão oficial de inf. e div. do DPS. São Paulo, Sedes, n9- 1, 1981.

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que a formação analítica é considerada por todos um privilégio e exclusivi-dade das Sociedades ligadas à IPA. Na época, não se quer entrar emchoques com a SBPSP, por isso a coordenação e orientação do cursoficarem com Roberto Azevedo. Ele chama Regina Chnaiderman _ que jáministra aulas no Sedes - e mais oito psicanalista< da SBPSP.É o primeirocurso "paralelo" - como se diz na época - de psicanálise, fundado emSão Paulo. Tem a duração de três anos e apresenta um currículo prévioque inclui aulas, seminários e supervisões, todavia a análise de cadaaluno fica por sua própria conta e iniciativa In

Nesse mesmo ano - três meses depois - a SBPSP pressiona osseus oito membros e professores do Sedes - através de circulartelefonemas, telegramas e visitas pessoais - para que se afastem dess~formação "paralela". Aos membros das Sociedades "oficiais" é vetadodar formação analítica fora de seus estabelecimentos de origem.

Dos oito professores somente doi< permanecem no curso doSedes: Roberto Azevedo e Fábio Herrmann. Os demais rapidamentepassam a didatas e têm uma rápida ascensão na SociedadeI93. Entende-se tal ataque da SBPSP, pois, na época, não há em São Paulo nenhumgrupo de estudo sobre Psicanálise a não ser os coordenados por ReginaChnaiderman. Após a formação do curso do Sedes, começam a surgiroutros grupos de estudos sobre o assunto. Por ser Oprecursor de umaformação fora da Sociedade "oficial", ele propicia, assim, a quebra dessemonopólio.

A proibição da SBPSP gera uma séria crise no Sedes, o quecompromete a continuidade e a existência do curso. Ainda em 76, paraque se pudesse concluir o ano, é convidada, dentre outras pessoas, AnaMaria Segal, a primeira exilada argentina a chegar a São Paulo, após ogolpe militar no pais portenho.

No ano seguinte, outros argentinos, ligados à Coordenadoria deTrabalhadores em Saúde Mental e ao Centro de Docência e Investigação,passam a fazer parte do curso, como Mário e Luzia Fucs, Guillermo eLéa Bigliani, também exilados.

Em 1980, OCorreuma cisão dentro do curso, dividindo-o em duas"facções", a de Roberto Azevedo e a de Regina Chnaiderman _ como

192 Sagawa, R,Y. Op. cit.) p. 269.

193 Depoimentos dados a Sagawa, R,y' Op. cito

156

ficaram conhecidas. Tal fato concorre para a formação de dois cursosde Psicanálise no Sedes, que se mantêm até 1992.

Antes da oficialização, já começam a ficar claras as diferenças deconcepção sobre a formação analitica proposta por cada grupo. RobertoAzevedo, apoiado por alguns professores, defende a existência deprovas, de uma formação em paralelo para os candidatos a monitores,uma maior hierarquia, não permitindo a participação de todos os alunosnas decisões sobre o curso. Por seu lado, Regina Cbnaiderman e outrosapostam no contrário: maior participação dos alunos e professores, nãodogmatismo teórico/prático. Os atritos se sucedem nos anos anteriores àcL<ão,havendo acusações mútuas de ambos os lados. O primeiro acusaRegina e seu grupo de serem populistas, democratistas e mesmodemagógicos, de estarem preocupados com uma psicanálise aplicadaaos estabelecimentos sociais e, por conseguinte, assistencialista.Especialmente os argentinos da segunda geração ligados a RobertoAzevedo são contra a transformação do Sedes em um centro de formaçãoteórico/prático, como funcionavam os hospitais públicos na Argentinaantes do golpe de 1976. Alegam defender uma formação psicanaliticaconsistente e não somente aplicada aos estabelecimentos sociais. Porsua vez, o grupo ligado à Regina considera que os outros querem arcprodução da hierarquia que há na SBPSP, seu elitismo, autoritarismo edogmatismo, e que representam a psicanáli<e ritualistica de divã no seuscnquadres clássicos, desqua1ificando o trabalho nos estabelecimentos evalorizando o atendimento privado. Defendem uma formação não-dogmática, sem as "verdades" absolutas de certas linhas de trabalho,aberta e cngajada no contexto político-social brasileiro; "uma psicanáliseque nào esteja no Olimpo, mas sendo produzida segundo uma realidadeconcreta", afirma um dos entrevistados.

Em suma, as divergências vão desde pontos de vista teóricos epoliticos até questões pessoaL<.Os próprios argentinos envolvem-se nestacrise, atualizando-a com os diferentes implicações políticas trazidas daArgentina.

A gota d'água que desencadeia a divisão é a contrataçào de algunsex-alunos - como Miriam Chnaiderman - para a função de professor.Roberto Azevedo, como responsável pelo curso, não aceita. Advém umacrise que resultará na criaçào de dois cursos: o de Espe<ialização em

157

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Psicopatologiae Psicoterapia Analítica, que fica conhecido como ogrupo de Roberto Azevedo, destinado a psicólogos e médicos; e o dePsicoterapia de Orientação Analítica, conhecido como o grupo deRegina Chnaiderman, que em 1981 muda o nome para Cluso dePsicanálise e destina-se a quaisquer "... proftssionais universitários quejá tenham um percurso em sua análise pessoal, estudo teórico psicanaliticoe prática clinica"194.

Com esta divisão em dois cursos, surge a necessidade de con-tratação de novos professores para que possam se reestruturar. :"locursodirigido por Roberto Azevedo, entram oS argentinos Oscar e NoraMiguellez, dentre outros. No de Regina Chnaidern1a1l, além de Miriam, aargentina Silvia Alonso Espósito e, mais tarde, Renato Mezan.

Alguns entreviBtados vinculados a este segundo grupo aftrmamque a cisão se torna inevitável, pois a perspectiva de Roberto Azevedo élr'dnsformar o curso do Sedes num 51udy Group para que, como tal,fosse reconhecido pela IPA. Logo depois, quando há a crise na SBPSP,isso fica claro. Confirma-se, deste modo, a percepção de que, na verda-de, Roberto quer fazer do curso uma reprodução da formação ligada àIPA e da "verdadeira" psicanálise; fortalecendo-se externamente, talvezconseguisse ter mais poder dentro da "oficial" que tanto criticava. Dizemque isso mostra a força que a Sociedade "oficial" possui junto aos gruposque estão fora dela e como são poderosas as subjetividades produzidaspelas instituições que ela instrumentaliza.

O curso de Roberto Azevedo patrocina e reproduz, sem dúvida,essas instituições e seu "afastamento" da SBPSP não significa questi-onamento a esses rituais instituidos. Talvez expresse - conforme algunsentrevistados assinalam - a busca de prestígio e poder. O de ReginaChnaiderman, por suas implicações políticas e pelas contribuições dosargentinos que lá estão, debate-se na ambigüidade de ser uma formaçãoque pretende ficar comprometida socialmente e de estar contraposta àsua própria institucionalização. Entretanto, algumas entrevistas assinalamque a riqueza desse curso do Sedes reside justamente nesse fator: aconstante permanente que fazem enquanto profissionaL' "é uma formade viver esse paradoxo aguda e permanentemente".

194 Sedes Sapientiae. Cursos de Espedall7..ação e Aperfeiçoamento. São Paulo, 1990, mimeogr.,p.28.

))8

Em 1981, acontece dentro desse grupo uma nova divisão queforça a saída de Fábio Herrmann, Marilena Carone e Marisa Tafarel.Ne~se momento, Fernando Ulloa é chamado para fazer um traba1l1o deintervenção institucional, o que melhora muito a situação. Há, por partedo gmpo argentino e dos três que se retiram, fortes competições que seaguçam ainda mais pela postura de Regina Chnaiderman.

Enfim, o curso, hoje chamado Psicanálise, vai, malgrado todos ospercalços, impondo-se como uma formação analitica alternativa à daSBPSP. Em 1985, convênios com a Coordenadoria de Saúde Mental doEstado de São Paulo são criados; em 1988, funda-se o Departamento de

Psicanálise e publica-se a Revista Percurso.Em 1990, Roberto Azevedo se afasta do curso que dirigia por ter

ocorrido há uma crise. Alguns argentinos que nele continuam, em 1991,declaram que suas permanências neste grupo estão sendo repensadas,pois se aproximam muito mais da proposta de formação feita pelo cursode Regina Chnaiderman do que da feita pelo de Roberto. Aceitam ascolocações de autoritarL,mo: segundo suas palavras: "em nome de umafOffilação acadêmica e rigorosa, produz-se uma estrutura rígida e vertical".:"Iumaanálise micropolítica, há grupos - como mostrei com os militantesc hippiesdos anos 70 - que, apesar da dinlensão da luta contra a opressãoe alienação de toda espécie, num nivel molecular, estão produzindoprocessos microfascistas. O interessante é que esses dois cursos do Sedes,por suas diferenças e antagonismos, nlostram: de um lado, como <4')instituições instrumentalizadas pelas Sociedades "oficiais" são facilmentereproduzidas em grupos que pretendem negá-las; de outro, a constantebusca por uma formação não tão institu ida, não tão arrogante e elitista,mai, inlplicada politicamente, mais transversalizada e os desafios a queessa proposta conduz, as perplexidades que produz. Sabemos que, tantode um lado como de outro, subjetividades estão sendo produzidas: umasservindo aos sistemas de modelização, outras tentando criar processosde singularização e novos agenciamentos. Entretanto, o paradoxo estácolocado, uma vez que o criativo e o novo poélem ser facilmenterecuperados ou se tornarem modelos tão opressivos quanto os que

pretendem criticar e transf"r~.

1';9

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2.4 - O Núcleo de Estudos de Psicologia e Psiquiatria

Além do Sedes, um outro estabelecimento surge a partir de 1976,quando um grupo de psiquiatras de formação psicanalítica independentefunda junto com um analista da SBPSP o NEPP (Núcleo de Estudos dePsicologia e Psiquiatria). Todos eles obtiveram sua formação atravésdos membros dessa Sociedade, mas não fazem parte dela, porque aformação analítica é carissima e, segundo alguns, acima de seu poderaquisitivo. Os quatro que haviam feito cursos com Madre Cristina, noinicio dos anos 70, no Sedes, e participado de grupos de estudo comSócrates Nasser - o analista que com eles funda o ;\lEPP - começam seusatendimentos privados já em 1976 e resolvem abrir grupos de estudosobre psicanãlise. Com o sucesso que fazem, criam um estabelecimentoque, de inicio, tem como objetivo não uma formação analítica mas cursossobre uma série de assuntos relacionados às áreas da psicologia epsiquiatria'''. Esses grupos de estudo interdisciplinares atraem algumpúblico e, a partir de 1977, passam a oferecer um curso de formaçãoanalitica com duração, inicialmente, de três anos. Em seguida, mudam onome do grupo para Núcleo de Estudos de Psicologia e Psicanálisepor influência dos argentioos que ali chegam. Entre eles estão GregórioBaremblit e Oswaldo Saidón - depois radicados no Rio de Janeiro _,Isabel Marazina, Antonio Lancell~ Nelly SimmoneUi e Sérgio Maída, dentreoutros.

Segundo os depoimentos de três dos fundadores, GregórioBaremblit e sua equipe chegam como "uma bomba", trazendo umanova leitura da psicanálise, de Althusser, Lacan, Guattari e Deleuze."Ele nos mostra que somos bionianos, que não temos leituras marxis-tas e vira o NEPP de cabeça para baixo. Os argentinos para nós foramum vírus, uma peste, graças a Deus", observam alguns entrevistados.

Desde 1976, quando o NEPP é fundado, há uma grande procurapor parte de pessoas interessadas e, em pouco tempo, uma platéiaassídua de cerca de cem pessoas circula nos cursos então oferecidos.Quando chegam os argentinos, cria-se o Curso de Especialização emPsicanálise; logo é fundada uma Clinica Social.

195 Ver sobre esse momento inidal do :'tEpp seus primeiros Boletins de maioflUflho e agosto/setembro/1976.

160

Em 1978, organizam junto com Gregório Baremblit e Chaim SamuelKatz o I Congresso Paulista de Psicoterapia Interpretativa, em São Ber-nardo do Campo, no qual aparecem as mais diferentes práticas: desde apsicanãlise "oficial", passando pelo iacanismo, até as terapias corporais'9'.

Em 1980, três de seus fundadores, Jorge Forbes, Carlos Briganti eSócrates Nasser saem do NEPP. O primeiro, já com toda uma leituralacaniana, vai para outro grupo. Briganti liga-se aos "corporalistas" eSócrates vai cuidar de seus negócios. Permanecem até 1992 CarlosAticó c Oduvaldo Peloso, c assim, paulatinamente, o NEPP vai seesvaziando. Por dificuldades de administração, sua Oínica Social é fechadac, em 1991, é pequeno o número de pessoas que se inscrevem no Cursode Psicanálise, comparado com a procura ocorrida nos anos de 76 a 79.

2.5-A CASA e o CEPA!

Fechando os anos 70 em São Paulo, existem dois outros estabeleci-mentos fundados por argentinos: a CASA e o CEPA! - este último decurta duração. O primeiro, fundado em 1979, tendo à frente BeatrizAguirre, também exilada, que chega ao Brasil em 1977, origina-se de umgrupo formado no mesmo ano por pessoas interessadas em abrir umJ rospital Dia para psicóticos. Este grupo discute, por dois anos, dentreoutras col,a.>, a forma pela qual a psicanálise pode ser utilizada noatcndinlento a psicóticos, fora dos moldes clássicos empregados paraos chamados neuróticos. Em 1979, este grupo, reduzido a 8 pessoas,organiza um Hospital Dia: a Casa, que, aí, além do atendimento ambu-latorial a psicóticos em grupos ou individualmente, cria um sistema deacompanhantes terapêuticos. São dadas supervisões institucionais paradiferentes órgãos da rede pública e há um Curso de Terapeutas deGrupo, aberto a quaisquer profe,sionaL" com a duração dc três anos.

O CEPA! (Centro de Estudos em Psicanálise e AnáliseInstitucional), fundado em 1980, pelos também' exilados IsabelMarazina, Sérgio Maída e Nelly SinlOnelli, é inaugurado por ArmandoBauleo. Organiza, até mais ou menos 1985, vários cursos breves, umSeminário sobre grupo, um curso para fonnação de coordenadores de

L96 Sobre o assunto ver o programa deste Congresso, que tem como tema oficial, "Doença Mental elinguagem"

161

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grupo e realiza muitas intervenções institucionais em diferentes estabe-lecimentos públicos e privados. Oferece, também, supervisões institu-cionais para equipes de trabalho nesses e em outros estabelecimentos.

Além de uma outra leitura da psicanálise, os argentinos inauguramo que Manuel Berlinck chama de a "instituição virtual" em contraposiçãoà "instituiçào formal" da psicanálise, representada peJas Sociedades ligadasà IPA, que é

" uma organização corporatíua que avoca para si um poderque não tem. Ressaltando uma relativa autonomia da instituição

vittual sobre a formal (. . .J os psicanalistas argentinos propor-cionam, em São Paulo, a possibilidade de uma fl/iação que não é

intermediada tão exclUSivamente peja organizaçào formal, masque se dá pela ínstüuição virtual, inaugurando, dessa fonna, (. _,)uma outra psicanálise"19'.

Configura-se un1a outra psicanálise para aqueles que, por estaremfora das Sociedades "olkíais", não haviam sido autorizados até então aserem psicanalistas. Ainda, segundo M. Berlinck, esses "novos" psi-canalistas se caracterizam pelo seu "pluralismo", também muíto influen-ciados por essa segunda gera,do de argentinos. Esse pluralismo estápresente na

sustentação de controles com profissionais de diversasorientações (. ..) não se tratando de um fenômeno de ecletismo(..J Assim, por exemplo, há uma saudável inapetência por aquikJque pode ser chamado de "psicologia do aleitamento" que algunsidentificam como uma certa psicanálise kleíniana (.. J Há,

também, crescente desconfiança por aqueles que macaqueiamo patuá lacaníano de forma obsessiva sem, no entanto, sedesqualifícar o estudo da obra de Lacan. "1'>6

Por isso, os argentinos são também responsáveis - na c1inica -por uma determinada "escuta" que não se filia a nenhuma instituiçãofOffi1aLa "escuta pluralista" ou "escuta contemporânea", como a chamaBerlinck e que eu chamaria de "escuta bastarda", por estar ligada aespaços considerados "bastardos" pelas subjetividades ·'psi" hegemõnicas.

197 Berlinck, M.T. "Difusão e Construção". In: Birman,j. (Org.) Freud50 Anos Depois. Op. cit., p.72.

198 Berlinck, M. T. "Prefácio". In: Psicanálise da CJínJcaCotldlana. São Paulo, Escuta, 1988, p. 9.Sobre o assunto de uma "escuta pluralista~, ver na mesma obra o artigo ~Oque é Um PsicanalistaArgentino?", 65-73.

162

3 - ENQUANTO ISSO, NO RIO DE JANEIRO •..

Segundo Ana Cristina Figueiredo, a partir de 1977, surgiram noRio de Janeiro vários grupos com diferentes propostas, mas com umobjetivo geral comum a todos: o de organizar fOffi1ações psicanalíticasque não passem pelos crítérios de legitin1ação e reconhecimento daIrA. Um outro ponto comum é que muitos dos psicólogos engajadosnesses grupos foram anteriormente ligados ao CESACe à APPIA199Emalguns, há uma forte influência dessa segunda geração de psicanalistasargentinos. Os grupos lacaníanos que surgem neste período serãotratados no próximo item.

3.1- O Núcleo de Estudos e Formação Freudiana

Sem dúvida, o inlcio da organização desses grupos que surgemapós 1977, de um modo geral, está ligado às figuras de Chaim SamuelKatz e de alguns argentinos, princípalmente Gregório Baremblit, que em1977 particípam do chamado "grupão" com cerca de 40 pessoas: alguns"psicanal1stas" da SPR], como Eduardo Mascarenhas, muitos psicólogosc em geral os que haviam participado, na primeira metade da década de70, de alguns dos grupos já citados. É deste "grupão" - que se reúnedurante meses, às vezes de forma caótica - que muitos psicólogos saemcom a determinação de que é possível ser psicanalista, ainda quecontrapondo-se às Sociedades "oficiais".

Este "grupão", progressivamente, vai se reduzindo e os que ficam,cerca de catorze pessoas, fundam o NEFF (Núcleo de Estudos eFormação Freudiana), ainda em 1977200• De inicio, Chaim S. Katz eGregório Baremblit ali dão aulas corno professores, mas em 1978 saempara fundar o IBRAPSI. Gradativamente o NEFF acaba se esfacelando, jáque há doi~ grupos di~tintos que não conseguem conciliar seus projetos:um apóia o dos argentinos, de fazer uma formação voltada para ostraball1adores em saúde mental (proposta de Gregório ainda por ocasião

199 Figueiredo, A.C.C.Op. cit., p. 83200 Sobre a história do NEFF, ver Pas",>os, M.D O Processo de Legitimação do Psicana1Ista= Uma

Análise do Núcleo de Estudos e Fonnação Freudiana. Dissertação de Mestrado - PUeiR],1984.

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~ da existência do "grupão"); o outro, já bastante influenciado pelo lacanismo(há no NEFF professores que demonstram tal orientação, como SOfÚaNassim e Isidoro Americano do Brasil), funda em 1979 o 1FP(InstitutoFreudiano de Psicanálise).

3.2 - O Instituto Brasileiro de Psicanálise, GnIpos e Instituições201

O projeto do mRAPSI, na época, é muito maL, radical do que odos demais: tenrativa de trazer para o Brasil a formação de trabalhadoresem saúde mental dentro de uma visão marxisra e não a de fOrnlaf psi-canalistas "puros". Só que a grande demanda então produzida e mesmofortalecida é a de uma certa ctinica analítica privada. Talvez esse projetoestivesse somente na cabeça de alguns dos argentinos que iriam fundaro Instituto Brasileiro de Psicanálise, Gmpos e Instituições, com ointuito de difundir no Brasil as proposras do cO! e da EPSO.

Em outubro de 1978, o IBRAPSIé lançado publicamente atravésdo I Congresso Internacional de Psicanálise,Grupos e Instituições, oportu-nidade na qual mais de mil pessoas nos salões do Copacabana Palaceassistem a conferências, palestras e mesas redondas "... de vários dosmais controvertidos personagens nas áreas das ciências sociaL"psicanálisee psiquiatria"20', muitos deles vindos pela primeira vez ao Brasil, comoThomaz Szasz, Félix Guauari, Erving Goffman, Shere Hite, Robert Castel,Franco Basaglia. Presentes também, dentre outros, Armando Bauleo,Peter Fry, Célio Garcia e o grupo lacaniano brasileiro representado porBetty Milan.

"O IBRAPS!l)Uí organizar seu programa com base em quatropropósitos fundamentais: 1) cri/k;a epistemológica da psicanálise;2) interdisciplínaridade - os TSMarticulando as diferentes ciên-cias humanas; 3) atendimento maciço tanto para os TSMquantopara o maior número possível de setores populares; 4) trabalhoem associação com sindfcatos, partidos políticos, comunidades debase e parlícípação nos planos de saúde do fulado através depesquisas, etc "!f:R,.

201 Sobre a história do IBRAPSI, consultar Moraes, L.O. InstitucionaUsmoCarioca. Dissertação de

Mestrado-IMSIUER),1994.202 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 88.

203 Idem, p. 87.

164

Não é por acaso que muitos dos psicólogos - que vinham seformando ao longo de todo esse processo e, na época, com algumaditleuldade, é verdade, já se credenciam como psicanalistas, sendoreconhecidos como tais em seus consultórios - pouco ou quase nadaparticipam do projeto do IBRAPSLAqueles, que foram num passadorecente tutelados pela psicanálise "oficial", ou permanecem em seusantigos grupos - como SPC e CESAC-, ou vão para a recém-fundadaSEPLAou são atraidos pelo movimento hcaniano que irrompe no Rto deJaneiro, nesse periodo, As implicações politicas propostas pelo IBRAPSI,coerentes com a produção das periferias das grartdes cidades e domovimento sindical brasileiro, não fazem muito sentido para a classemédia "psi" carioca. O movimento corporativo anterior deixa profundasmarcas. É uma outra geração de psicólogos cariocas que se sente sedUZIdapelo projeto do IBRAPSI,não pela ênfase dada ã formação de traba-U,adores em saúde mental ou pelo enfoque institucionalisra, mas poruma cerra formação ctinica em psicanálise de caráter privado. Tanto queo chamado Departamento de Análise Institucional criado, em 1982, nolBRAPSI- aberto a qualquer profissional- é muito pouco procurado.

Todavia, ninguém passa impunemente por uma formação que,não obsrante todas as contradições, ambivalências e paradoxos, buscamostrar a prática psicanalitica implicada e transversalizada. Muitos dosque vão fazer fonnação clinica em psicanálise saem, pelo menos, sem osantolhos e as limitações que os demais grupos tao reltglosamentereproduziram e continuam reproduzindo. Alguns vão se interessar pelaAnálise Institucional, por Deleuze, Guattari, Foucault e, ao lado de suasatuações clinicas privadas, realizam hoje diferentes trabalhos de inter-

venções institucionais.Dos três fundadores e diretores do IBRAPSI- Chaim Samuel Katz,

Gregório Barcmblit e Luiz Fernando de Mello Campos -, somente osdoi, últinlOS continuam. Chaim, logo após o I Congresso, sal pordl,cordâneias de "ordem téenico-politiea": é contra a organização degrandes turmas para a formação, "pois após o Congresso chove gentepara se inscrever no IBRAPSI"(as primeiras turmas têm cerca de 80alunos, assinalam alguns entrevistados).

No seu periodo de maior apogeu - de 1978 a 1982 - há cerca de180 alunos inscritos e, em sua Ctinica Social, perto de 75 terapeuras

t6S

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trabalham atendendo a uma média de 500 pacientes por ano. Segundoum de seus diretores, Eduardo Lociser, não é uma Clínica Social, com"uma ideologia humanista e assistencialista", mas um espaço onde OSprofissionais "psi" trabalham, muitos deles recém-formados e seformando no próprio IBRAPSI e que têm naquele local não apenas umaprendizado, mas também um trabalho efetivo. De irúcio, organizadacomo uma cooperativa, a Clínica amplia-se por intetmédio de váriosconvênios com empresas estataL. e sindicatos. Ela cresce tanto que setorna a principal fonte de renda e de manutenção do IBRAPSI,uma veZque os cursos não são muito lucrativos.

A primeira grande crise interna neste grupo ocorre justamentecom relação à Clinica, pois oS terapeutas que recebem 50% dos honorá-rios sobre os atendimentos que realizam - muitos deles ainda alunos -,necessitam desse trabalho. A direção diJninui este percentual; EduardoLociser sai e Luiz Fernando passa a administrar a Clinica.

Os descontentamentos explodem nas numerosas e intermináveisassembléias. Alguns professores e alunos querem implantar Conselhospara que possam fazer frente ao exagerado centralismo dos doL. dire-tores e "donos" do IBRAPSI.Há propostas de se fazer uma Cooperativa.porém os ânimos exaltados fazem com que, em 1983 - um pouco depoisda saída de Eduardo Lociser -, Oswaldo Saidón e Vida Kankhagi tambémsaiam. Como a proposta da cooperativa não traz a dL.cussão da autogestão,logo a seguir cerca de 40 pessoas se desligam do IBRAPSI formando oNúcleo: Psicanálise e Análise Institucional.

No ano seguinte, o IBRAPSI reestrutura-se e cria uma Sociedadesob o regime de cotas, todavia, a importància que assumira entre oSproflSsionais "psi" cariocas vai decrescendo gradativamente.

É impossível a aplicação das ferramentas da Análi.e Institucionalem uma intervençào socioanalitica dentro do próprio grupo que se pro-pugna a isso. A criaçào de algo novo, talvez autogestionário, refutandoos modelos instituídos, não pode se realizar. Entretanto, deste periodode intensa crise ficam, para muitos que a viveram, ensinamentos e expe-riências fundamentais no sentido de melhor entender algumas ferra-mentas institucionalistas; elas são, naquele momento, evidenciada. pro-funda e intensamente em suas práticas.

Outras crises ocorrem. Luiz Fernando de Melo Campos sai em

166

1984 e Gregório permanece até 1990 somente com seu consultório.

. De 1978 a 1984, o IBRAPSItem uma intensa produção. Além do ICongresso Internacional, organiza o 11em 1982, com a vinda de RenéLourau, Robert Mendel, Eduardo Pavlovsky e outros. Cinco livros sãopublicados no Brasil e um na Argentina, sob seu patrocínio; criam-seuma revista e um jornal: O Sigmund Organizam-se outros Congressos,como o de "Psicanálise e Pedagogia" e o de "PsicanálL.e e Comunicaçãode Massas". Tenta-se a fundação de uma "federação brasileira de grupospsicanalíticos independentes", ma. L'to não foi conseguido.

Aqueles que mais atacam e criticam a formação dada no IBRAPSIe suas realizações são os psicanalistas "oficiais", sobretudo os da SPR].Além de violentos ataques feitos por meio da grande imprensa, regis-tram-se inclusive ameaça, de morte, particularmente a Gregório Baremblit,que, em 1981, ao publicar um artigo contra a visita ao Brasil do entãoditador argentino Videla, é obrigado a se mudar cinco vezes de residên-cia. Desde 1978, ano de organização do I Congresso, Chaim S.Katz éseguido acintosamente pela Polícia Federal. Gregório recebe, neste finalde década e início dos 80, inúmeras ameaças. É o periodo - que jáa'i.5inalei- dos vários atentados a bomba, que culmina com o do Riocentro.Os chamados "boisões radicais", ligados à extrema direita que dominaos aparatos de repressão, bastante insatisfeitos pela gradativa perda deposições no governo Figueiredo e pelo recrudescimento dos diferentesmovimentos sociais, apelam para violências de todos os tipos.

Sobre as posturas assumidas pelos psicanalistas "oficiais",Gregório

Baremblit assim as descreve:

consiste numa risonha e única combinação de táticas deamável indiferença, de hábil recuperação, de isolamento eindiferença, assim como de algumas agressões encobertas oudiretas (...). Em 1981 o IBRAPSI encontra~se em uma situaçãosimultaneamente exitosa e grave. As organizações psicanalíticasreacionárias lançam uma verdadeira ofensiva contra ele. Alémde uma sistemática campanha de calúnias (arma típica da "redede divãs" da Zona Sul do Rio dejaner."ro), são publicados artigosinsultantes num fomallocal ( ..). Esse ataque culmina com umasérie de agressões telefônicas aos diretores do IBRAPSI que incluemadvertências políticas, ameaças de morte e outras delicadezas'r,,:)j.

204 Baremblit, G. Ato psicanalitlcoe Ato Politlco Op. cit., pp. 50, 51 e 52.

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Junto com o problema do mercado - pois o IBRAPSIefetivamenteo está inflacionando com a formação que realiza -, para os psicanali~tas"oficiais" a questão politica caminha lado a lado: não podem tolerar aquebra dos mitos da "verdadeira" psicanálise e da formação ligada à IPAcomo únicos e universais. Não podem tolerar que, na "prãtica, se tenhafeito tremer o altar e o trono" 20' dessa psicanálise tão religiosamentedefendida por eles. Tudo o que Foucault. Castel. Deleuze, Guattari, tourauou tapassade haviam dito há muito sobre psicanálise c politica, de fom1acontundente"I6, os profissionai~ "psi" começam a avaliar ainda de formafrágil e muito lenta. E, sem dúvida, a segunda geração de argentinos,notadamente os ligados ao IBRAPSI,em boa parte, são responsáveis porisso. Aqueles autores - na época conhecidos por pouquissimos dentrodo movimento "psi" brasileiro - paBsam a ser difundidos e lidos por ummaior número de pessoas, notadamente pelos que transitam pelo IBRAPSIou sofrem sua influência no Rio.

Malgrado as virulentas e ácidas críticas, que chegam à desquali-ficação, feitas por alguns argentinos ao movimento "psi" carioca, emmuitos aspectos - ou em quase todos - eles não deixam de ter razão.Quando, por exemplo, Gregório Baremblit se refere aos mai~ variadosgrupos que se formam a partir dos anos 80, no Rio de Janeiro, mostraque, em realidade, são:

minúsculos núcleos. endogâmicos, sem qualquer contatoentre st, sem produção tedrica sôlida. sem preocupaçôes sociair;e cu/tivadores de um absurdo "narcisismo das {Jequenas dife-

renças ", que undem a cnar reservas de mercado. migalhas depoder universitário e uma ridícula auréola de prestígio haseadaem traços unificadores degradantes. tais como o mistério, adiftculdadedeingresso, o "charmedoshierarcas'; etc. (.). Éclaroque existem pessoas, algumas pessoas, ou melhor, 'fragmentos" de

pessoas, amiúde rechaçada~ e desacreditadas que fazem suastentativas de investigaçao e militância (. _,) em geral sem o menor

estímulo, fama ou apoio_ E não é de se estranhar que muitas delasnão sejam propriamente psícanalistas"1fJ7.

Além do :"lEFFe do lBRAPSI, no final da década de 70, no Rio deJaneiro, ainda são fundados dois outros grupos: a SEPtA e a ClinicaTerra.

2JJ5 Idem, p. 58.2D6 Idem, p. 80.2fJ7 Idem, p. 74.

t68

3.3 - A Sociedade de Estudns Psicanalíticos Latino-Americanos

A Sociedade de Estudos Psicanalíticos Latino-Americanos(SEPLA) é criada, em 1978, por Luiz Paiva de Castro (ex-CESAC) eLourival Coimbra (ex-SBPRJ, analisando de Décio Soares de Souza,expulso ela SBPRJ em 1965). Vários psicólogos do CESACe clientes deCoimbra vão juntos com Luiz Paiva.

A proposta inicial - muito parecida com a do CESAC - é umaformação psicanalitica articulada com a antropologia, ftlosofia, mitolo-gia, etc. Três turmas inicialmente são criadas: duas de alunos novos euma "especial" com profIssionais "psi" sem maior formação, mas que

têm prática clinica há mais tempo'''.Além do IBRAPSI e dos grupos lacanianos, existe ainda, no Rio,

uma grande clientela de psleólogos à procura de formação. Como naépoca corresse o boato de que sairia uma lei, proibindo o psicólogo declinicar"l9, a SEPLA - apesar elas críticas que faz ao academicismo dasSociedades vinculadas à IrA - organiza seu currleulo e uma série denormas burocráticas (nota, freqüência, diploma), com o propósito deoferecer uma formação de quatro anos, extremamente acadêmicos e

rigidos.De 1981 a 1983, várias crises ali se sucedem. O argentino Eduardo

Vidal, professor convidado, que prepara grupos de estudo sobre tacan,desentende-se com tuiz Paiva e, pouco a pouco, afasta-se com váriosalunos da SEPLA- alguns da chamada turma "especial"-, criando, maistarde, a tetra Freudiana. Coin1bra retira-se, ainda em 1981, e, já ligado àClínica Terra, nela permanece. No ano segu.inte, Narciso Teixeira e JoséInácio Parente - também da turma "especial" -, já formados, compõemuma nova diretoria, com novo currlculo que privilegia a leitura de Freuddentro da escola francesa. Joel Birman é um dos idealizadores dessanova orientação. Em 1983, Luiz Paiva afasta-se e acusa a diretoria de"esquerdista", aludindo à preocupação da SEPLA com as lutas pelademocratização da sociedade brasileira em gerA!. .

Vivenciam-se intensamente os movin1entos pelas Diretas Já!,propagando esta idéia por muitas capitais do pais.

2fJ8 Sobre o desenrolar da história da SEPLA,ver Figueiredo, A.C.C. Op. cito2fJ9 Parecer Alcântara-Cahemite emitido pelo Conselho Nacional de Saúde, visando retirar dos psicólogos

o direito de exercer a psicoterapia. Este Parecer não chegou ao Congresso.

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Nesta época,

"." as principais diretrizes traçadas pela SEPlA poderiam serresumidas assim: gestâo democráti<:a da sociedade - voz e votopara todos -; ausência de uma figura centralizadora de poder(. ..) .. ausência de didatas na instituiçào - estar em análise é pre-requisito para a formação, mas o critério é escolha pessoal -;ausência de diplomas para o psicanalista - qualquer cet1ificadoé expedido somente para os cursos "210.

Também como o Curso de Psicanálise do Sedes e o IBRAPSI,aSEPLA- com muito menos intensidade - .vive uma série de contradi-ções e paradoxos pela sua própria proposta de formação, colocada emprática a partir de 1982. Contudo, fica a pergunta: será que mudançasburocráticas no funcionamento do estabelecimento - como algumasapontadas acima - conseguem a produção de novas práticas, novossaberes, novos sujeitos?

Aos poucos, a SEPLAvai se esvaziando, pois, segundo algunsentrevistados, terminada a formação, não há mais o que fazer, não háoutras atividades.

3.4 - A Clínica Terra

O último estabelecimento surgido neste final de década é a ClínicaTerra, fundada oficialmente em 1979. Origina-se de um grupo depsicólogos da UFRJque, desde 1975, reúne-se para estudar psicanálisee, posteriormente, para trabalhos de orientação vocacional dentro daabordagem clinica do argentino R. Bohoslavsky. Em 1977, estudamsistematicamente psicanálise sob a coordenação de Lourival Coimbra eorganizam o Centro de Estudos em Psicologia Clínica. Dois anos depois,quando iniciam os atendimentos terapêuticos, fundam a Terra-ClÚlicaEscola.

Além de Bohoslavsky, valem-se dos "grupos operativos" de PichonRiviêre. Quando inauguram a C1Úlica,pensando numa formaçãopsicanalítica "não hierarquizada" e "mais dinâmica", utilizam-se dessatécnica na aprendizagem. A base teórica é a escola inglesa, principal-mente M. Klein e Bion, embora estudem também Bleger e Coopero

210 Figueiredo, A.C.C. Op. dt., p. 95.

170

Os exemplos da SEPLA(em seu segundo período) e da CIÚlícaTerra mostram como - apesar das boas Últenções dos envolvidos nestesdois projetos, pessoas Úlclusive identificarias com posições nitidamenteprogrcssi'tas - as práticas "psi" então dOmÚlantes são verdadeiras cami-sas-de-força. Evídenciam que, embora Últeressados em veicular algo denovo, de criativo, de diferente da "verdadeira" psicanálise e da formaçãoinstituída pela IPA, esses estabelecimentos não conseguem fugir dasmalhas do instituido, da formação meramente acadêmica. Produzem prá-ticas em muito semelhantes às que pretendem criticar, continuando

confinados no estreito território "psi", ainda encharcados pelo corpora-tivismo dos psicólogos e, em realidade, fortalecendo-o.

4 - O MOVIMENTO LACANIANO

A segunda metade dos anos 70, ao lado de todos esses grupos"ps;", que surgem tanto no Rio quanto em São Paulo, marca também oaparecitnento do tnovimento lacaniano no Brasil.

Da mesma forma que os demais grupos "psi", o movimento laca-niano vai, dentre outras coisas, caracterizar-se pelas críticas que faz à

"verdadeira" psicanálise c, sobretudo, ã formação instituída pela IPA.Trazendo para o Brasil uma série de questões sobre a formação analíticaenunciadas por Lacan, a partir da décacla de 50, o chamado lacanismooferece para muitos "psi" o respaldo teórico para a definitiva quebra domonopólio da psicanálise mantido pelas Sociedades "oficiais'.

O movimento lacaníano apresenta diferentes articulações no Riode Janeiro e em São Paulo. Tentarei, por isso, descrever, ainda quesucintamente, um pouco de sua história nesses dois espaços.

4.1 - O Lacanismo em Solo Carioca

No Rio de Janeiro, a leitura das obras de Lacan começa a serintroduzida, ainda no início da clécada de 70, por Hórus Vital Brasil -ligado ao IMP, depo., SPID - e Magno Machado Dias, o M. D. Magno-ligado inicialmente ã PCC/R] e, posteriormente, ãs Faculdades Integra-

das Estácio de Sá.

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o Colégio Freudiano do Rio de janeiro

o primeiro estabelecimento lacaniano fundado, em 1975, por M.D. Magno e Betty Milan, é o Colégio Freudiano do Rio deJaneiroque, de início, não se propõe a fazer formação, mas congregar osinteressados na "... reflexão sobre os textos de Freud e Lacan e,conseqüentemente, no campo pen,ante que se abre a partir dL'to"211.Em1977, assodado ao Colégio Freudiano, crLa-seo Departamento do Cam-po Freudiano, nas Faculdades Integradas Estácio de Sá, um curso "aberto"e "livre" de formação em psicanálise que funciona somente um semestre.A partir de 1979, quando se desvincula da Faculdade Estádo de Sá oColégio FreudLano passa a oferecer os mais varLados cursos, semináriose grupos de estu do.

É em 1979 que se organiza o Centro de Estudos, encarregado daformação em psieanálise, oportunidade em que os laeanistaB fazem maisexplidtamente a distinção entre fonnação em psicanálise e formaçãopsicanalítica. A primeira é uma transmissão claramente pedagógiea econdição para a segunda, mas não só isso, pois é também destinada

",.. a todo e qualquer que reconheça na psicanálise um campo desabercentraJ em nossa época e, por isso, do interesse de todos (..JAformação psicanalítica que envolve aprática segundo um OUtrodiscurso resta vinculada ao prâprio Colégio enquanto Colegiado '~12.

Este processo compreende a análise (feita com um membro doColégio), a garantia (após apresentação de trabalhos teóricos, a partirda qual o candidato passa a ter com o estabelecimento o vinculo depsicanalista) e o passe (quando se torna psicanalista do Colégio).

Em 1981, com a modificação dos Estatutos, é crLado,vinculado aoColégio FreudLano, o Instituto Jacques Lacan, responsável pelos doistipos de formação que são coloeados eomo níveis de pós-graduação. Noano seguinte, organiza-se o chamado Sarau, que .

"."é um encontro, constituído por uma única sessão, em queum convidado é entrevistado por um cartel especialmente cons-tituído (. _.). O convidado é sempre alguém que represente deter-

211 Dias, A.I.C. "Colégio Freudiano do Rio de Janeiro: 10 Anos de PsicanáIise~.In: Revirão 2- Revistada Prática PsicanaJ1tica. Rio de Janeiro, a outra, 198'5, 200~216,p. 201.

212 Idem, p. 203.

172

minada posição existencial no campo social (artista, intelectual,elemento de alguma minoria ou maioria, cientista, operário, etc.)(., ,). A função é colocar,fora da situação analttictl, os analis-

tas e estudiosos da psicanálise interessados na posição de recebe-rem, do convidado, o relato de sua uisão a respeüo de sua própriaposição diante da cultura. Não se trata, de modo algum, (. ..) deuma redução (queseria indevida) do convidado ao lugarde anali-sando, mar; sim uma oportunidade, para os participantes, dereceber atransmissão do discurso de um Outro que bem poderácontribuir para sua reflexão no campo da psicanálise"213 (grifas

do autor).

o primeiro convidado a ser chamado para o Sarau é Caetano

Veloso.Explica-se esta citação sobre os saraus lacanianos pelo fato de

que pode parecer à primeira vL'ta abertura e Uexibilidade de psicana-listas que, até então, enclausurados em seus grupos, querem abrir-separa o mundo, para os diferentes movimentos socLais que, na época,crescem e se fortalecem no Brasil. Entretanto, minha leitura vai poroutro caminho: por que é necessário, em algumas ocasiões, a aberturapara o mundo? Justamente porque não é permitido no cotidiano desta.spráticas que este indice de transversalidade se atualize, se efetive; hánecessidade de algumas oeasiões, alguns momentos, para que isso ocorra.Ao contrário, suas práticas não estão implicadas com os diferentesmovimentos. )lo cotidLano, em realidade, existem dois territórios bemdelimitados: de um lado, a formação, em que há os seminários, os eartéi"etc; de outro, os saraus, nos quais, por uma fresta, pode-se acompanharo que se passa no mundo. Assim, esta fresta que é um espaço "fora dasituação analítica" tem o objetivo de "transmitir o discurso do outro quepode contribuir para o campo da psicanálise". Esta - a psicanálise - é,por eonseguinte, o território mais importante; os movimentos socLais e oque passa pelo mundo simplesmente servem como complemento paraela.

Em 1983, com as novas refoffilUlações dos Estatutos, o ColégioFreudLano e o Instituto Jacques Lacan

;1. _. reorganizam e ampliam o Curso de Formação em Psicanáliseeo dividem em quatro etapas sucessivas: Curso Básico, Curso Suple-mentar, Mestrado em Psicanálise e Doutorado em Psicanálise "2]4.

2]3 Idem,p. 207.

173

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o Instituto Jacques Lacan que, desde 1981, tem sua estruturaclaramente baseada no ensino de 3º grau, já que apresenta a figura deum reitor e de diretores para diferentes áreas, a partir dessa reforma de83 toma-se ainda mais academicista.

Por este Estatuto, M. D. Magno é designado como o mestre doColégio Freudiano,

"... o que significa que a leitura de Freud e lAcan éfeita atravésda versão de Magno, cujos textos são a base do currículoobrigatório do Instituto jacques lAcan. Magno, assim, se outorgadefinitivamente ser o representante de Laca" no Brasil" 215

(grifas meus).

Tanto que na "História dos 1°Anos do Colégio Freudiano do Riode Janeiro", numa publicação de O Revirão, editada pelo próprio gru-p021', nota-se perfeitamente que sua história é a trajetória de M.D. Magno,através de seus cursos, seminários, grupos de estudo, entrevistas dadas,artigos escritos, etc. Após os novos Estatutos de 1991, M. D. Magnoafastou-se das atividades administrativas do Colégio, fkando somentecom a parte de ensino, tendo a função de "Zelador da doutrina"21'.

Segundo Magno e seus "seguidores" do Colégio Freudiano, há umestatuto específico para a Psicanálise no campo da cultura. Por i'5o,buscam produzir o que chamam de "Clínica Geral", que é a "intervenção"leita na cultura pela pSlCanálise que, por ter um discurso especifico,pode operar com os diferentes campos culturais, propiciando diferentescruzamentos. Por conseguinte, a Antropologia, a Politica, a Sociologia,etc., são campos auxiliares da psicanálise; pretende-se através dela chegar-se a uma explicação da cultura brasileira.

Esta proposição, muito mais complexa do que aqui é exposta -especifica deste grupo lacaniano -, vê a psicanálise como uma práticadiscursiva, dando pouca ênfase ã chamada clínica, em muito aniculando-se com o autoritarismo e a hierarquia dominantes no Colégio Freudiano.

2J4 Idem, p. 20R

215 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 104.

216 Obra já citada, de onde foram retiradas várias informações sobre sua história.217 Ver 05 artigos }'t - "A Doutrina" do Regimento Interno do Instituto jacques Lacan; "A Doutrina

Psicanalítica do Colégio é aquela definida pelo Zelador ..." e 12º dos Estatutos do Colégio Freudianodo Rio de Janeiro.·ln: Regimento Interno Rio de Janeiro, março/1991, mimeogr., p. 01 eEstatutos - março/1991, p. 06.

1'4

,iI

Esse "imperialismo" da psicanálise e essa sua superioridadeconvergem para práticas que privilegiam a erudição, o elitismo c oacademicismo.

"Apsu;análise enquanto "arle" se elitiza de outro modo. E passa,como não pocierit1 deixar de ser, a e...'I(ciuir um grande númerode membms das novas profissões (na sua maioria os psicólogos)que, de algUffUl forma, não adquiriram (.,) a "competência"requerida pelo exercício da psicanálise lacaniana "216 (as aspassão minhas),

Estas práticas eruditas e elitistas mostram como - apesar dosrecursos que utilizam advindos da literatura, música, artes, etc. - estãodistantes de uma efetiva transversalidade, ele uma efetiva implicaçãocom os movimentos que se espalham por todo o Brasil, tanto no campoquanto nas cidades e periferias. Assim sendo, o sarau é um dispositivoproduzido para servir a tais práticas.

O elitismo e a erudição atraem a muitos - da mesma maneira quea formação analítica "oficial", pela própria produção de subjetividadesdominantes. havia seduzido os jovens "psi" no início da década - e, nos80, um grande número de pessoas transita por uma série de atividadeselo Colégio, abertas ao público. como os Mutirões (encontros sobre umdeterminado tema apresentado por um membro do grupo), as Cirandastpequeno Congresso em que. diferentemente do Mutirão. há a apre-sentação de trabalhos de não-membros), os Saraus e os difercntes cursosapresentados.

Ainda em 1983, é formada a Causa Freudiana do Brasil, espaçocongressual, da qual fazem parte os Colégios Freudianos do Rio de Janeiro,de Brasília e de Vitória que almejam reunir as associações brasileiras deinspiração lacaniana para manter uma psicanálise com autonomia nacio-nal sem se submeter a colonialismos estrangeiros. Extingue-se, em 1988,por não atingir o objetivo a que se propunha por ocasião de sua fundação,segundo alguns membros do Colégio. Nestc mesmo ano, ocorre umagrande divisão: saem cerca de 100 pessoas, que posteriomentc fundamoutros grupos lacanianos. É grande a luta contra a figura controvertidade M. D. Magno.

218 Russo,J. o Corpo Contra a Palavra: Algumas Reflexões sobre a Evolução do Movimento"Psr Brasileiro. Trabalho apresentado no Curso de Doutorado. Rio de Janeiro, Museu Nacional,1989, mimeogr., p 18.

175

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o lnstituto Freudiano de Psicanálise

o segundo grupo lacaniano a se formar no Rio de janeiro apóso Colégio é o Instituto Freudiano de Psicanálise (IFP), oriundo dacisão que vimos ocorrer no NEFF em 1979. De início, participam IsidoroAmericano do Brasil. Chaim Samuel Katz e a argentina Stella Gimenez(que traz as contribuições do argentino Oscar Masotta).

Inicialmente, conforme depoimentos de alguns de seus fundadores,este gnipoJ embora pretendesse ser autogestivo, em muito vai reproduziro modelo unlversitàrio de formação vinculado à IPAe ao próprio ColégioFreudiano. Diferentemente das Sociedades "oficiais", não há a análisedidática obrigatória, e, nas assembléias gerais, todos os membros têmdireito a voz e voto, bU'icando estabelecer-se uma rotatividade nos cargosde direção.

Contra a ortodoxia e o autoritarismo da IPA e do Colégio Freu-diano, este pequeno grupo enfrenta uma série de dificuldades, poisnão exerce a atração que os anteriormente citados conseguem comrelação aos "psi" cariocas.

Em 1983, há um grande racha: sai Isidoro Americano do Brasil,acompanhado de um número razoável de pessoas. Mais tarde, StellaGimenez também se afasta. Chaim já havia saído antes. O grupo, agoraainda mais reduzido, tenta desmontar a organização naquilo que tem de"especular" da IPA: acaba com a obrigatoriedade da supervisão e passaa dar seminários e grupos de estudo, utilizando os cartéis.

Novamente em 8S/86, outra saída de pessoas que vão fazer suaformação nas "oficiais", já então abertas aos psicólogos. O grupo quefica continua insistindo na questão de uma formação psicanalítica semos vícios c mitos presentes nas demais formações, tentando pensar aproposta de Lacan, o que, de acordo com muitos depoimentos, tem sidoextremamente difícil.

Ingenuidade' Acredito que sim, mas não só isso. Principalmente aidéia - não muito diferente da instituição formação analítica presentenas Sociedades "oficiais" - de uma formação estritamente "psi" acadê-mica (embora lutem contra isso), desvinculada de outras práticas. Acrença na assepsia, na neutralidade, nos dogmas ainda se faz presente.O mundo, a transvcrsalidade, os movimentos sociais não são·pensados.

176 I

Continua-se prisioneiro de um território "psi" isolado e bem defendidopor todos esses ideais.

A lRtra Freudiana

O último grupo é fundado no Rio de Janeiro em 1981. a LetraFreudiana, pelo argentino Eduardo Vidal, após sua saída da SEPLA.Também influenciada pela leitura que Oscar Masotta faz das obras deFreud, na década de 60 na Argentina, a Letra Freudiana inicialmente nãose propõe a fazer formação, mas a organizar grupos ele estudo, segundoesta leitura, que funciomllll por meio de canéis.

A partir de 1983, organiza a chamada" formação permanente" empsicanálise através de:

"1- uma transmissdo e um ensino textuaís,- 2- um compromi.'>Socom aproduçào escrita: 3 - o exercício de UIIUl clitticasustentada no questionamento rlf!.orosoda direçào da cura e dofinal de análise Amm, a Escota estabeJ.ece um laço sodal que,marcado pela ética do di.çcurso do analista, difere do grupoconcebido peja pia imaginaria da hierarquia, do ideal e dfJ

cbejin. ,,219 (grifos meus).

Aqui, há uma clara alusão ao Colégio Freudiano e, pela preo-cupação que a Letra demonstra com a questão ela prática clínica, perce-be-se que as diferenças entre ambos são muitas.

Diferentemente dos dois grupos lacanianos mencionados, este nãose mantém distante de outros estabelecimentos não-lacanianos no Riode janeiro. Mantém vinculações com a SPAG, a SPlD, a SBPRj e o Cír-culo Psicanalítico, servindo-se de palestras, grupos ele estuelo, seminá-rios, etc.

Contudo, até por priorizar uma certa clinica, encerra-se e isola-senum espaço eminentemente "psi".

219 "Ata de 1987", In: Documentos Para uma Escola. Letra Freudiana: Escola. Psicanálise eTransmissão. Rio de Janeiro, Ano 1, n2 O, p. 1 I .

t77

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4.2 - O Lacanismo em Solo Paulista

Ao contrário do Rio de Janeiro, que, na segunda metade dos anos70 e início dos 80, apresenta uma nitida aglutinação de grupos lacania-nos. em São Paulo o nlOVlllento não é tão forte, congregando menospessoas, sendo muito disperso e os grupos ai fundados têm duraçãoefêmera.

o Centro de Estudos Freudianos

Desde 1973, Luiz Carlos Nogueira - professor da USP a partir de1969, à epoca da saída dos didatas da SBPSP- interessa-se pelos estudosde Lacan e, em 197';, junto com Jacques Laberge, do Recife, e DurvalChecchinato, de Campinas, fundam o Centro de Estudos Freudianos(CEF), considerado o primeíro grupo lacaniano no Brasil. Começam atrabalhar, sobretudo, em cima de encontros bi anuais (um no Sul, outrono Nordeste) e, progressivamente. vão se constituindo outros núcleosregionais do CEFcomo os do Recife, Brasília, Salvador, Campinas, Curitiba,!\'atal e maL, tarde Porto Alegre.

Em 1978 no VII Encontro Nacional do CEF, são estabelecidos osestatutos nacionais com a proposta de que os centros regionais tenhamseus próprios Estatutos.

Neste mesmo ano, ocorre um racha. Sai do CEF um grupo dedoze pessoas, dentre elas Márcio Peter de Souza Leite, o argentino OscarAngel Cezarotto e Alduisio Moreira de Souza. Os doL, primeiros. chega-dos no ano anterior da Argentina, tinham pertencido à Escola Freudianade Buenos Aires, fundada por Oscar Masotta e o terceiro, vindo de Paris,participara da Escola dc Lacan.

O CEF não oferece cursos seqüenciaL, com um l1lrri11l10prévio,mas grupos de estudo, seminários, etc. A saída destes membros temcomo principais motivos as queixas referentes ao autoritarL,mo impe-rante no CEF e as influências jesuíticas ali presentes; alguns entrevistadosdeclaram que Jacques Laberge, Jesuíta da Companhia de Jesus, teriavindo ao Brasil com a incumbência de criar um movimento lacaniano.Os que saem em 1978 perguntam:

178

"Quando sepensam as origens do (''hr~surge a indagação sobre oque representa o peso da berança religiosa, em geral, e emparticular, a jesuitica, para o destino dos paulistas. Questãosubjacente de grande importância, nunca su.!kientementeesclarPefda. Pois, numa cidade de marcada tradição católica como

São Paulo. nào se pode desconhecer esta paternidade. Que dizer,

então, do surgimento do lacanismo numa esfera ligada à Ignja?"

Todavia, afmnam que:

oi,. ,o CEF, na sua expressa0 paulista, tinha um projeto ambicioso(. J, mas teve um mérito "inaugural", Deleparticiparam membrosda Escola Freudiana de Pario;, A pue de Campinas, ou melhor, oseu curso de pó.<;~graduaçàoem Psicologia Clínka, foi a provetaonde se deu a concepção "220.

Justamente em 1978, quando se criam os Estatutos, explodem aslutas pclo poder dentro do CEF; impõe-se uma maior institucionalização,que gera a criação de normas, de critérios para determinar quem deveentrar, quem dcve dar os grupos de estudo. quem, em suma, ol1lpará oslugares de prestígio e mando.

O CEF paulL'ta continua funcionando até a primeira metade dosanos 80, período em que, pouco a pouco, abandonam a instituição oSseus fundadores: Joana Helena C. Ferraz e depol' o próprio Luiz CarlosNogueira. Os demais núcleos regionais permanecem atuando, emborabastante [ragilizados peías diversas cis<Íesocorrídas.

A &cola Freudiana de São Paulo

Um outro grupo que se institucionaliza logo depois, fonnado pelosque em 1978 deixam o CEF. é a Escola Freu<Uana de São Paulo quetambém realiza grupos de estudo e seminários. "Nos primeiros anos deexistência, a Escola Freudiana reúne cerca de 30 membros, incluindo os12 "dissidentes" do CEF"ul

Alguns de seus fundadores aftrmam que:

" a EFSP foi uma precipitação temporal, uma '1aculaçào precoceque poderia ter uingado não fossem as querelas intestinaL ••e, por

220 Ferreira Neto, G.A., Leite, M.P.S. e Cesarotto, O. "Paulieéia Desbravada". In: Revista ClinicaFreudiana - Série Psicanálise, São Paulo, s/data, 4:,\~48,p. 4'i.

22] Sagawa, R.Y. Op. cit., p. 272

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sorte, a coincidência da di.'tso/ução da Escola de Lacan em 1980,que quebraram a especularídade e a ilusão mega16truma. Foiejemera sua trajetória Fica a pontuação de que a escolba donome~ &cola rreudfana ~ representava uma tentativa de identift~cação imaginária com a instüuição de 1L.lcan(...). Pode-se concluirque a iniciativa ~ava abrir um e.\paço de liberdade fora dahierarquia que religiosamente congregava os integrantes'do CEFPai, porem, sair de uma para entrar em outra ... "m..

Em 1980, extingue-se a Escola Freudiana de São Paulo num climade conflitos e lutas internas.

A Biblíoteca Fwudiana de Sào Paulo

o terceiro e último gnlPO lacaniano, surgido no início dos anos80, é a Biblioteca Freudiana de São Paulo, organizada em 1982 porJorge Forbes, que tinha sido um dos fundadores do NEPP,em 1976.Paraeste estabelecimento, mais tarde, vai Luiz Carlos :'<ogueira, que aipermanece até 1990.Diferentemente das demais, a Biblioteca, organiza,aos poucos, além do oferecimento de grupos de estudo, uma formaçãoanalítica. Esta é feita em módulos, "uma rcleitura da proposta de cartéisfcita por Lacan", com duração de um semestre ao fim do qual cadaparticipante produz um trabaUlOescrito sobre o tema estudado. Há aindaas sessões clínicas. as jornadas (reuniôes selnestrais aberta"», o cursofundamental (criado em 198'5, composto de 6 semestres e realizado apósos módulos), o Colégio (cursos sobre temas especificos, aberto a qualquerum), os Seminários (conferências), a Ciranda (estudo específico da criançano "dL,curso analítico") e as reuniões mensais (encontros abertos sobforma de conferências)"".

Em 1988,dezessete membros da BibliotecaFreudiana de São Paulo,por iniciativa de Jorge Forbes, fundam a Sociedade Psicanalítica deSão Paulo, como ".. um instrumento para a discussão da garantia doanalísta e do passe""". I\esta Sociedade, a formação da Biblioteca é wna

222 Ferreira Neto, G-A., Leite,M. P. S. e Cesarotto, o. Op. cit., p. 46.223 Maiores informaçóes sobre o que charrum de "transmissio oral" e 'l.ran.'mti",'ilioe.'lCrita" ver Kolrai

C. "A Biblioteca Freudiana de PsicanáLise". [n: Capítulos de PsicanálIse. Sio Paulo: Bibliotec~rreucliaru de Psicanálise, nQ 14, julho/19s<l, 04~28.

224 Idem, p. 42.

180

I

das formações, e todos os membros da SPSPsão vinculados à Biblioteca,mas nem todos da Biblioteca são vinculados à Sociedade.

No entanto, este grupo não consegue aglutinar os lacanianospaulistas; alguns caracterizam-no como uma "organização empresarial",preocupada com a questão de direitos autorais, de prestigio e levando aum consurnlsmo do pret-à-porteroficioso'''.

Muitos lacanianos seguem dispersos ou em pequenos grupos não-institucionalizados quando, em 1985, Betty Milan e outros pensam emum espaço no qual seja possível congregar todos os que, em São Paulo,tcnham alguma vinculação com Lacan. Chama-se O Ponto e, siste-maticamente, se reúne no MASPpara apresentação e discussão detrabalhos. É um espaço pontual, cujas iniciativas e atividades começam eacabam ali mesmo. Ele não dura muito tempo e logo se esvazia.

"Um pontilbado de boas intenções acompanhava a oferta.Solidários e não mais separados, o esforço compensaria: umaeUL (Central Onica Lacaníana) canalizaria e muttiplicaria os

efeitos de transmissão. Por melhor que fosse a pontaria, o alvo seperdeu de t/fsta"ai.

Assim, de forma bem distinta daquela do Rio de Janeiro, oslacanianos paulistas não conseguem organizar estabelecimentos consi-derados "fortes", que os aglutinem, que consigam reuni-los de formasi'ternática. É o que muitos consideram ser a efetivação da "política dogrão de areia", proposta feita pelo próprio Lacan após 1980,logo depois

da dissolução de sua Escola.

"Os analistas, ao sabor dos ventos, se reunem quando um objetivocomum os aproxima, e se separam quando aquilo já deu tudo oque podia dar"2Z7

Duerentemente também do Rio de Janeiro, onde os grupos laca-níanos ínstituidos tendem a um isolamento, em São Paulo, no fmal dos70 e início dos 80, ocorre uma série de rearticulaçõcs no Sedes (nos cloiscursos de Psicanáli,e), no NEPP, no CEF e na Escola Freudiana. Osquatro grupos possuem professores comuns; outros'são chamados para

seminários ou grupos de estudo.

1.2'5 Sobre tais questionamentos, ver I1erreira NetO,G.A., I.cite, M_P.S,e Cesarolto, O. Op_ dto

226 ldem, p. 47.227 Idem, p. 46.

18t

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Entretanto, a exemplo do Rio - ã exceção do grupo de Magno -,OS lacanianos paulLstas também.revelam a preocupação específica coma prática clÚlica, como articular Lacan a seus atendimentos privados.

Quando assinalo a similaridade elaspráticas lacanianas cariocas epaulistas, o que pode parecer estranho pela dispersão que há em SãoPaulo, quero mostrar - como já apontei no Rio - o fechamento, oisolamento que produzem. Rcstringem-se pura e especiflcamente aoterritôrio "psi".As'articulações com o mundo não são feitas e suaSimplicações não são pensadas; da mesma forma que a produção dessaspráticas "psi" não são vistas como produzindo objetos, sujeitos, saberese subjetividades.

As querelas internas, tanto em São Paulo quanto no Río de janeiro,são explicadas do interior do próprio movimento: ora como lutas depoder (daí as várias rupturas existentes), ora como reprodução do queocorre a nível internacional. Principalmente após a dissolução da Escolade Lacan e depois de sua morte, a aproximação ou não ajacques AllanMiller provoca acirradas brígas no movin1ento lacaniano brasileiro. Háaqueles que a ele se associam - filiam-se ao Campo Freudiano228 -,

mas, apesar di.')so, afirmam fazerem críticas ao "mercantilismo" e ao

"aspecto comercial" embutidos na proposta de MilIcr. Outros, comoMagno, repudiam o "colonialismo", levantando acirradas críticas a MilIere seus seguidores, sem integrar o Campo Freudiano.

No entanto, apesar de tais interpretações - que a meu ver sãoinstituídas, pois partem do interíor do próprio movimento "psi" -mostrarem muitas diferenças entre estes grupos lacaníanos, nãocompartilho de tal entendlmento. Por não considerar o Iacanismo comoum objeto em si mas como coisa natural, percebo que é produção e queinstitui práticas, saberes e sujeitos, não sendo tão diferentes assim.Conforme já mencione~ são similares.

Mesmo se considerarmos as diversas formas de organiZação destesgrupos, o que pode artificialmente levar ã constatação de que sãodiferentes, isso não acontece. Alguns grupos são pequenos, poucoinstitucionalizados, e a questão da formação não é muito enfatizada,pela própria precariedade organizativa; outros são extremamente

228 o I Encontro do Campo Freudiano realizou-se em Caracas, na Venezuela, quando lá estiveram, em

1980, lacan eJ.A. Miller.

182

burocratizados e neles a formação passa por diferentes graus e níveis,como o Colégío Freudiano no Rio de janeiro e a Biblioteca FreudianaHrasileira em São Paulo; todavia, se fom10s pensar em lermos de produ-çio de práticas, não há grandes diferenças.

O que produzem tais prátiC:1S'Algo diferente do que as Sociedades"ofleiais"e outros grupos "psi" instrumentalizam?Algo "novo" em relaçãoi "vcrdadeira" psicanálise e i formação analítica?

Em realidade, estas práticas produzem "outras" instituições: uma"outra" ';verdadeira" psic31lálise - a freudiana lacaniana - e uma "outra"

formação analítica - a transmissão -, tão poderosas, autoritárias, hierar-quizadas e disciplinadoras como as produzidas pela IPA. Utilizam-sede discursos tão "verdadeiros' como os anteriores: 'científicos", "lógi-cos" e "racionais". Em lugar dos clidatas, criam-se outros profetas esacerdotes que, da mesma forma que as vestaLs,devem manter "puro" esem misturas o santuário lacaniano. É distante e inacessível aos leigos, jáque somente os "iniciados" têm permissão para penetrar nesses templos.Seantes os "iniciados"eram escolhidos por categoria profissional, somentemédicos ou psicólogos, agora é uma seleção muito mais sutil: a seleçãoda "competência", porque não é qualquer um que pode entender aabstração de um dLscursológico-matemática-fIlosóficoe, por conseguinte,"racional" e "científico". Poucos são os escolhidos; poucos os que têm"capacidade intelectual" e "recursos culturais" para entender tão dilkil e'complexo" discurso. Daí, as mesmas práticas de exclusão, de ,prit decorps, embora as portas estejam abertas a quem desejar ingressar nesseespaço. Se nele não permanecem é por sua própria "incompetência" e"inferioridade" cultural e intelectual.

É a mesma produção que vemos surgir no campo da educaçãonos anos 60, nos Estados Unidos, dentro da teoria do "capital humano",e que é exportada para o Brasil na década seguinte: a elacarência culturaldas crianças que não conseguem aprender. A escola é demoerática. Seuns conseguem e outros não, o problema é deles, de suas "dificulelades".Da mesma forma, a sociedade é democrática: UU"'l triunfam e outroS não,

a questão é de mérito pessoal, de esforço individual.

Ratifica-se no meio "psi" o que já está naturalizado na sociedadeem geral e entre os educadores brasileiros: o lacanismo é extremamente"complexo" e exige "bagagem" cultural e intelectual "superior"; em

183

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decorrência disso, não é qualquer um que pode a ele ter acesso. Produz-se, assim, a subjetividade do incompetente, do desqualificado "psi", semdúvida alguma. poderosa arma de dominação, e que por isso mesmoatrai a muitos.

5 - As "CRISES" NAS SOCIEDADES OFICIAIS

(QUEBRA-SE O MONOPóUO DA IPA ?)

Nos anos 80: ocorrem violentas crises internas nas Sociedades"oficiais". tanto nas do Rio de Janeiro quanto na de São Paulo, as quais"balançam", dizem alguns, os pressupostos autoritários em que se baseiamesses grupos. Por outro lado, afrrmam outros, estas "cri<;es"ocorrenljustamente pelo advento do movinlento lacaniano que, colocando porterra a hegemonia destas Sociedades com relação à formação analítica,quebra seu monopólio. Tai, cri,es seriam, desta forma, uma espécie derearrumação das Sociedades "oficiai,q", uma resposta ao movimento"psi", em suma, "... unu tentativa de atualização da psicanálise""9 dianteda difusão e das transfol11uções sofridas por ela nos anos 70.

Como não percebo desta maneira. vamos à história instituícla paramaiores informações e. posteriomente. a algumas questões que per-correm outros caminhos que não os apontados acima.

5.1 - ABrasileira de São Paulo

Na SBPSP, a crise, que vai se avoluoundo desde o final da décadade 70, prende-se principalmente a três pontos:

"1) a decisão monopolizadora do "didata" na qualYicação docandidato à "imalista" e do "analista" ã "didata ':.,2) o alto preçocobrado pelos "didatas". 3) a ênfase exagerada na "análi.',edidática'; em detrimento da produção cientiftea original"l3O.

() primeiro dos pontos refere-se ao poder que os didatas têm de

229 Orientação seguida por Figueiredo, A.C.C. Op. cit., quando se refere à crise na SPRj, a partir dap. 11 S.

230 Sagawa, R.Y.Op. cit., p. 232.

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dar sempre a última palavra na qualificação dos novos analista$ c dosnovos didatas. Uma série de manobra$ políticas, descritas por algunsentrevi,tados231

, é feita pela Comissão de Ensino da SBPSP quandopretende vetar ou aprovar algum membro a analista ou a didata.

Sobre a questão dos altos pre,'os cobrados - já por mim assinaladaem referência à instituição "verdadeira" psicanáli,e - configura-se umareação em cadeia, já que os candidatos "têm" de cobrar também altospreços para poderem pagar a sua fomuçào, afmm alguns entrevistados,em oposição a outros que defendem os altos preços por se tratar de umaformação privada de "qualidade".

O último ponto prende-se ã ênfase dada à análi,e didática. Paraa cúpula ela SBPSP dominante nos anos 60170, este é ()nui, importantefator pa.", a fornução analítica, o que é compartilhado por suas irmãscariocas e que já foi também por mim registrado em relação à instituiçãoformação analitica. ~ este item, é sublinhada por vários entrevistados amediocre e pobre produção científica dos analistas da SBPSP durante adécada de 70. Para eles isto se deve à ênfase que dão à análi,e didática,o que faz eom que os didatas não tenham tempo disponível para outrasatividades.

Todas estas críticas partem de um grupo que Sagawa chama de"oposição democrática" e que, em 1982. consegue organizar uma "frenteampla". vencedora nas eleições para os principais cargos da Sociedadepaulista: presidente, diretor do Instituto e didatas da Comi"ão de Ensino.

'~4cada dois anos ocorre esta e!dçiio, mas segundo os prôprios

"analistas" da "oposiçiio", esta foi a /}rimeira eleiçao desde atomada do poder pelo 'establisbment hioniano ", que venceuuma chapa apoiada peja "ojxJsição" Defato, não foi consideradauma chapa de "oposição ", (,.) mas constituiu uma espeeie de"PMDB" t.,) contra o 'establishment bioniano "Z'll,

o grupo chamado por Sagawa de "estahlishmentbioniano", quedetém todos os principais cargos na SRPSP durante os anos 70 complen", poderes, de fomla extremamente autoritária; é representado porLaerte Ferrão e Frank Phillips, principalmente.

2..~I Sobre isto, ver também Sa.gawa, R,Y.Op. cir , onde al~n.s pontos por ele apomados coincidemcom os que levantei em minhas entrevistas.

2..,2 Sagawa, R.Y. Op. ciL, p. 226.

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o grupo denominado de "oposiçào democrática", que o próprioSagawa afirma não poder ser visto como monolítico, reúne-se em tomode Isaias Melsohn e dele fazem parte Fábio Herrmann, Sonia e DeodatoAzambuja, além dentre outros.

Há um terceiro grupo, liderado por Iloberto Azevedo, que, desdeo início de 1980, vem tentando aglutinar os insatisfeitos com relaçào àsituaçào interna da SBPSP. Seu objetivo é organizar um 5tudy Group emSão Paulo que, posteriormente, viria a ser uma Sociedade vincLllada àIPA, :Lspeeto já abordado na ocasiào em que me referi ao Sedes Sapicntiae.

:\'os primeiros meses após a posse da nova chapa de "frenteampla", a situaçào é tensa, pois, além da perda das posiçóes de poderdo antigo grupo, não estão ainda garantidas para a "oposiçào" as mudan-ças pretendidas e a questào da formaçào de um 5tudy Group. Diantedisso, Isaias Melshon e seu grupo enCAminham à IPA uma denúnciasobre o número crescente de candidatos nào atendídos pela SBPSP e aexistência de um pequeno número de didatas. Em 1983, a IPA enviarepresentantes a São Paulo e, após avaliações, resolve colocar a Socie-dade sob observaçào. Em 1986, suspende por alguns anos a entradade novos candidatos, até que todos os inscritos possam ,o;;er atendidospelos didatas que, gradualmente, têm seu número aumentado. Somenteem 1991 a IPA permite a inscriçào de novos candidatos na SBPSP233.

5.2 -A Brasileira do Rio deJanclro

Na SBPRJ,a chamada crise inicia-se desde os acontecimentosnarrados 110 Analisador Helena Besserman Vianna cm 197';, emboralIque latente até o inicio dos anos 80. Ao lado disso, soma-se uma sériede criticas muito semelhantes às feitas na SBPSP eom relaçào, sobretudo,ao poder dos didatas e às manobras políticas utilizadas também pelaComissào de Ensino para a "escolha" de certos analistas e didatas de suapreferência.

Em 1979, na presidência de Inaura Vaz Carneiro Leão, vem à tonaviolentamente uma série de críticas ao funcionamento interno da SBPRJ,

2.13 Sobre o Study Group, Sagawa informa que a IrA não autoriza seu reconhecimento, visto nesteterceiro grupo nào haver um único (ijelata.ln: Sagawa, RY. Op_ dL p. 2')0.

186

deflagrando-se uma crise que só terminará em 1982, ano da votaçào dosnovos Estatutos. Em maio de 1979, em Assembléia Geral Ordinária, há adesignaçào de 12 didatas em caráter extraordinário, o que fere osFstatutosl34. É a gota d'água para que uma série de questionamentos,"lurjam e. a partir daí, numerosas e acaloradas assenlbléias se sucedemdurante todo o ano de 1980. Em novembro, devido às fortes pressóes, éconcedido o voto ao associado, o que CF.! lima luta de anos por parte deum grande grupo da SBPR) - nào só de associados, mas também dealguns titulares.

Em 198I, quando assume a presidência Rosa Beatriz Pontes deMiranda Ferreira, o clima é ainda tenso, pois a questào relativa ao poderdos didatas é ponto sagrado e intocável. Muitas assembléias sào realiza-das e, finalmente em 1982, consegue-se votar 0$ novos Estatutos, emque desaparecem as diferenças entre membros. Hoje, "... nào há mais adivLsào em Membros Associados. Titulares ou Efetivos e Candidatos.Todos são Efetivos e têm direito de V()to"4~~.Sendo todos os C0l11ponentes

cOI1..'5iclcrados titulares, ticanl con10 membros provisórios os candidatos a

analistas que participam das Assembléias Gerais, através de represen-tantes'" No Consdho Diretor, há um representante geral destes membrosprovi.c.;óri<Js.lY7•

Ainda pelos Estatutos de 1982. o Departamento de Formaçào dePsicanalLstas organiza, elege e coordena duas Comissóes: a de Seleçàoe a de Acompanhamento e Qualificaçào, que recebem informaçóes detodos os professores e su pcrvL'mrcs e fazem uma avaliação do candi-dato238. Não há mal."as informa~'ôes prestadas pelos didatas já que estesseràu quaisquer membros titulares que assim o desejarcrll e que tenharllno tnínimo '5 anos de efetivo exercício clínico.

Ao final de 1990, a IPAenvia praticamente uma intimaçào à SBPR):será excluída ela Internacional se não in.•••tituir novamente 3."i três categorias

de membros (associado. titular e didata). Em 1991, após uma série deassembléias para a discussão do assunto, a SBPRj institui de novo ;1..':; trêscaLegoria...... .

lVí Sobre o assunto, ver Ferreira, R.B.P.M. "Independente da IPAVocê Acha Que e Preciso Refórmara Rcforn13?". In: Tn1mna- SBPRj, abril/l1)90, n!! OI 0'1-08

2,""0; Jclt:m, p. OS, e lambém 0$ artigos 'j!!, {)\1,7\1e 8\1 dos Estatutos daSBPRJ - 1982, pr- 2. e i,236 Artigo 0º dos Estatutos da SBPRj. 0r- ciL, p_ i ('Pari,grafo IÍnico do artigo 12", p_ 04.237 A,.rtigo4Qº0r- cit., r 'I{J.2i8 Artigo 60" ()p_ dt., p 16

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5.3 -A PsicanaIítica do Rio deJanciro

A crise da SPR], a primeira deflagrada no InICIOdos anos 80,prende-se, numa primeira leitura, em especial, às figuras de AmilcarLobo, Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas, à constituiçào do Fórumde Debates em maio de 198\ - cm parte apontados por mim no Anali-sador Amilcar Lobo - e às criticas feitas à Sociedade, em muito similaresàs considerddas pelas suas irmãs "oficiais", ou seja, a questão do podere autoritarismo dos didatas, do voto aos associados, a mediocridade e o

tecnicismo reinantes na formação analítica. Sob o titulo "Baronato DaPsicanálise", a grande imprensa sintetiza esta.') principai<; críticas:

",-- os altos custos de tratamento, a gerontocracia nas instituiçõespsicanalíticas, as discriminações ideolôgicas contra candidatos ãformação, o falso "a/X>/iticismo ", e até mesmo a ignorância dasobras de Freud (.. ,J. A Psicanálise está dominada por um baronatoSuas instituições são marcadas por cargos vítaHcios. nelas o climaé feudal. O poder e a gerontocracia, prevalecem os padrões domandarinato. Ivoventa ,por cento dos psicanalistas não leram aobra de Freud, contentando-se com uma introduçao a obra deMe/anie Klein, de Hanna Sega! Nâo sabem distinguir uma epis-temologia idealista de uma materialista, nem sabem o que eepistemologia. Não conhecem Kant, Hegel, não oUlJiramfalar de,1.1arx. Mas neles predomina a pretensdo de tudo dominarmonopolisticamente"JjQ,

São interessantes algumas comparações entre essas três "crises".Se as Sociedades "oficiais" do Rio de janeiro trazem enfaticamente emsuas plataformas o voto aos associados, isto não é enfatizado na co-1m",paulista, para a qual a questão maL, iruportante é o poder dos didatas.Este tema - o dos didatas - é, portanto, comum às três Sociedades.

Seas Brasileiras - tanto a de São Paulo quanto a do Rio de janeiro- ficam especificamente em seus marcos institucional'), não saindo da..'iargüições ao funcionamento dc suas organizações, a SPRj consegueescapar desse estreito território. A própria criação do Fórum de Debates,funcionando em praça pública e, maL, tarde, no Sindicato dos Médicosalénl das notícias, que saelll na grande inlprensa sobre a "c..Tise", mostram

o quanto este movimento ultrapassa os muros de sua Sociedade. A

239 Artigo do jornalista Roberto Mello que, sob o título Os Barões da Pskanállse relata a crise da

SPR] e as reivindicações do Fórum de Debates. In:JB _ 23/0911980. '

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/

"verdadeira" psicanálLse e a formação analitica são discutidas pela gran-de imprensa, pelos "leigos", situaçào que sempre foi impedida e mesmotemida por seus guardiães.

A própria plataforma politica elo Fórum de Debates - "I) direitoelo voto ao memhro associado; 2) refomu dos atuais Estatutos e 3) ftmdas punições"''" - em quase nada difere elaspropostas elasBrasileiras deSão Paulo e do Rio de janeiro, com cxceção da questão das punições.Entrementes, a expul'ião de dois conhecidos psicanalistas, envolvendo a

denúncia de um participante dos órgãos de repressão, faz com que o

movimento cresça e - apesar de não constar elesua plataforma - passama ser questionados puhlicamente o poderio dos didatas, a hierarquia e oautoritarLsmo vigentes nas Sociedades "oficiais" e a mediocridade e apohreza de suas produções teórico-práticas. Questôes, sem dúvida,C01nuns às outras Sociedades irn1às, filas que scnlpre conseguiram ser

mantidas em seus estreitos e fechados espaços. Na SPRj essas questõesganham a praça pública.

Entretanto, este movimento, que poderia ter se tomado instituinte,rapidamente é levado para os nurcos instituielos.É verdade que t1gurascomo Gregório Baremblil e outras são convidadas pelo Fcímm parafalar de suas práticas. No entanto, o peso do instituielo é grande, poisapenas se denuncia o tecnicismo kleiniano vigente nos anos 70, emnenhum momento são levantadas questões que permitam aprofundartaL"críticas, que pennitam fazê-las sair do território "psi" proprianlentedito. Questões relativas à postura neutra dos psicanalLstas, ao lugar depoder por eles ocupado socialmente, à superioridade de seu saber, nãosão ventiladas.!41. Em nenl1un) 111011lento questiona-se cOIno as práticas

"psi"continuam engedrando dominios de saber, constituindo sujeitos,demandas, etc.

A própria plataforma politica elo Fórum mostra bem isto, poispensar tai" questões é, em SU1na, pensar a sua própria destruição en-

quanto especialísta "psi". Ou - de fomu menos radical - é pensar naquebra, na iruplosão da SPRj enquanto estabelecinÍento de formação epor isso colocar-se contra a "verdadeira" psicanálLsee a formação instituídapela lPA. Nenhuma das duas questões pode ser pensada pelos psicana-

240 Barreto, C.A.(Jp. cit.,p. 170.241 Sobre isto, ver 0$ diferentes artig~ de psicmali<;ta.<;c!o Fórum contidos in Cerqueira, G. (Org.) OI'.

cit. Nenhuma destas questões é ali abor<bili

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listas, mesmo os mai') progressistas. Tanto que quando representantes

da IPA, em 1981, fazem uma "sindicância" na SPRJe, no ano seguinte,"orientam" a reestrutura,"~ào adnlinistrativa e acadênlica da Sociedade,

todos os psicanali,1.J.',inclusive os do Fórum, aceitam as deliberaçiíes daIPA, É quando inclusive Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas sãoreadmitidos na SPRJ.

Não somente teme-se o desligamento da IPA.e com isso a perdade prestígio e até uma subseqüente desqualificação social, como tambémnão há interesse em se questionar o lugar ocupado pelo especialista"psi", assim como os saberes por ele produzidos.

Se por um lado as "crises" das Brasileiras - tanto a pauli,ta quantoa carioca -são interpretadas como "bem-comportadas", se comparadascom a da SPHJ,por outro esta não produz territórios singulares, nãoprovoca rupturas. Está dentro elo que é conhecido C01110'"reformismo

institucional", quando se pretende, dentro do próprio marco institucio-

nal, implantar mudança.') que irão gradativamente avolumando-se e toman-

do, asSlnl, o estabelecimento mai.')"aberto", l11ai..."democrático", afirmammuitos cios entrevistad()s.

As "crises"aqui apresentadas estão dentro de tais marcos instituídos.

Em que contexto hi ...tórico se vcrificarn essas "crises"? No início

dos a110S 80, com o governo Figueiredo - o líltinl0 do ciclo nlilitar -

bastante fragilizado pelos movimentos sociais que, a partir da segunda

metade dos anos 70. se intensificam nas cidades e no campo. Nessa

época, as camadas l11édias urbanas, já sentindo os efeitos da recessão

econômica que se avizinha. descobrem estupefatas que o "milagre" haviaacabado, que não passara ele uma grande ilusão e que o país: que "ia pra

frente" corre o risco de "descer ladeira abaixo". "'este momento. em quesignitlcativossegmentos elasOCie(~ldeclamampor lillerdade c democraciaem todo..'ios ruvcis, os psicanali. ...L'1S talnbém estão atraves..'iados por todos

esses l11ovimentos, c levam para os seus espa(,:os tais atravessamentos.

O ;:wtoritari.O:;nlovigente nas Sociedades '·oficiais" está ern des-

compasso com o momento político que () país atravessa. Em 1979, a Lei

da Anistia, enlbora bastante "capenga". erJ votada. Aos poucos a censura

vai sendo suspensa. Multiplicam-se as Comunidades Eclesiais de Base e

as Associaçôes de Mor.ldores. O movimento sindical mostra-se revigomdo,

apôs as vitoriosas greves no ABC,em 78 e 79.

190

As "crises" que então ocorrenl nas Sociedades "oficiais") efil reali-

dade, significam rearrumaçôes diante de todos esses acontecimentos. Asnovas política..l;)sociais. que surgem dos diferentes movimentos de resis-

tência espalhados por toda a sociedade brasileira, forçam as Sociedadesvinculadas à IrA a nlostrarel11 uma "outra cara", a fazerem uma ';outra

maquiageln"_ Seus antigos pressupostos notadamente autoritários tra-

vestem-se de "outras roupagens" e demonstram mais "igualdade" entreseus membros, mais "den10crJ.cia" interna. Entretanto, a "verdadeira"

psicanáli,e e a formação analítica permanecem intocadas.

Nos anos 80.ltá espaço para diferentes e variadas "verdadeiras"psicanálises, para variadas e diferentes "escutas" psicológicas, paravariados e diferentes templos sagrados de formação "ps(.

O lacanismo, que mais explícita e enfaticamente apresenta aprodução de outras práticas "psi", baseadas em outra "verdadeira"psicanálise, outra "verdadeird" "escuta", outra "verdadeira" "transmissão"e outro templo sagrado, traz o embasamento teórico que, principalmenteao longo da segunda metade dos anos 70, vai desgastando o monopóliodas Sociedades "oliciais".Para este desgaste, são funclamentai, as práticastrazidas pela segunda geração de argentínos e, sem dúvida, o que oIBRAPSIrepresentou para uma nova geração de psicólogos cariocas.

Todavia, as práticas psicanalíticas, de um modo geral, entranJ nosanos 80 naturalizando e estimulando os especialismos e a demanda "psi".Estas práticas contínuam engendrando e fortalecendo saberes, conceitose técnicas então hegemônicos, e forjando continuanlente sujeitos deconhecimento. Portanto, é como afirma Foucault:

".,. o próprio sujeito tem uma hist6ria, a relação do sujeito como objeto ou, mais claramente, a própria verdade tem unul

hist6ria "242 (grifas meus).

Foi isto que tentei mostrar ao acompanhar a história instituida dosdiferentes grupos "ps( surgidos ao longo da década de 70 e inicio da de80, no eixo Hio-São Paulo. Por entender suas práticas e saberes comoacontecimentos e dispOSItivos.vejo neles as marcas aa divisão social dotraballlO ao enfatizarem os especialismos, o saber neutro e descom-promi'Sado. a valorização do instituído,

242 Foucault, M. A Venlade e as FonnasJuridicas. Rio de Janeiro, Cadernos da rue, n"16, junho/

1974, p. 05.

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Recorrendo ainda a Foucault, sabelnos que não há saber neutro eque sua análise impliea neeessariamente a análise do poder. Por outrolado, não há relação de poder sem a eonstituiçáo de um campo de sabere que, da mesma forma, todo saber constitui novas relações de poder,pois, onde se exercita o poder. ao mesmo tempo, formam-se saberes eestes, em contrapartida, asseguram o exercício de novos poderes243.

O exercício desses poderes e saberes "psi" evidencia-se nas prática.s"psi" que "melhor" vão se organizando na segunda metade dos anos 70.Se ficasse somente na história instituída desses grupos, cairia numa ardi-losa armadilha ... Com a quebra do monopólio e\as Sociedades "oficiais",vislumbraria somente uma maior variedade de práticas psicanalíticas, ouseja, restringir-me-ia à expansão e difusão eiapsicanálise pelo movimentodos psicólogos, responsável- segundo muitos - pela "democratização"das práticas analíticas.

1\'0 entanto, impõe-se uma importante questão: o que tudo issotraz de novo, de singular, de diferentes estratégias e táticas de ação?Pequeno ainda é o número de profissionais "psi" que tentam exaus-tivamente em seu cotidiano compreender que práticas, subjetividades emodelos estão gerando e patrocinando. Poucos, muito poucos, são asque tentam articular suas práticas e saberes com os diferentes movimentosque estão espalhados neste mundo e, com isso, aumentar o índice detransversalidade em seu cotidiano.

Foucault tem exaustivamente mostrado que, ao não se estabe-lecerem relações entre os diferentes saberes, em realidade, desqualificam-se os não-competentes, sobrepondo-se os considerados "verdadeiros","científicos" e "neutros". Os primeiros - os "saberes dominados" - sãovistos como estando abaixo do nível requerido pela "cientificidade", epor isto são não-qualificados, locais, descon(muos e não legitimadospela tirania dos discursos/práticas englobantes, hierarquizantes etotalizantes. A certa altura, sobre o assunto, Foucault faz as seguintesperguntas:

"Que tipo de saber vocês querem desqualificar no momento emque vocês dizem "é uma ciência "? Que sujeito falante, que suJeitode experiência ou de saber vocês querem "menorizar" quandodizem: "Eu que formulo este discurso. enuncio um discursocientifico e sou um cien.ffsta?" Qual vanguarda teórico-política

243 Foucault, M. Mlcrofislca do Poder. Op. cit

t92

vocês quc1t!m entronizm· para separá-la de todas as numerosas,circulantes e de<;continuas formas de saber? ".:-w.

Estes di,",cursos/pciticas considerados "competentes" c "verda-deiros" tênl seu apogeu nos anos 70 no Brasil, produzindo poderososefeitos, como já assinalei no decorrer de todo este Capítulo. Um dessesefeitos, que é a n:lturalizJ.(,;ào do instituído, pode ser bem notado ao sepesquisar alg1I1TIaSata" de reuniôes e assemhléias desses estahelecimen-tos "psi" que se formam no decorrer da década de 70. É apenas umaspecto desta naturalizaçào do instituído, por meio elo qual se inelida ocsfórço que muitos "psi" produzem em seus grlllX)Sno sentido de '·melhor"organizá-los, burocratizá-los. É impressionante a participa~~i()desses "psi"em inWffilinávcis discussôes sobre mfimos detalhes do luncionamentodessas burocmclas. ebs normas e regras que sio criadas e/ou .C)ubstituíc1as,scrn as quai') é itnpossivel um bom funcion::unent() do estabelecimento.A chamada "vida institucional" tOllla grande parte de seu tempo c, comisto, encontram-se restritos a esses aspectos meramente instituídos,enclausurados enl guetos assépticos.

Enquanto isso. a vida lá fora fervilha: movimentos sociais c,",indicaisnascem, organizam-se, fortalecem-se e nada disso é percebido;;lO contrário, é desqualificado. 1\':10 é por acaso que, nos poucos gruposque tentam se articular COTna vida, com a transversalidade, como numdos Cursos d" Psicancílise do Sedes Sapientiae, no IBllAPSI e na SEPLA,as situ:lt;,:ôcsde crise sio intensa (' profundamente viviLbs. Há, inclusive,algun" depoinlcntos ele entrevi.,tados que julgam impossível a altiL·'ula\~àodesses dois mundos: () da fonnaçào ~l1lalíticae () da implica<,,'àopolítica,considerados como excludentes c opostos.

É o grande desafio que se coloca, nos anos HO c 9(L para todosnós "psi" que pretendemos pensar nossas práticas L' sal )('rC'sem cirna denossas itnplicações históricas, em cima de nossas transversalidadc.s~ danio-dicotomização. l~este, também, um dos desafios a que 111C propusao percorrer os diversos estabelecitnentos "psi" nos anos 70, desde aspráticas disseminadas pelas Sociedades "oficiaLs" até as dos gruposconsiderados por muitos COIno"alternativos". "C01l10um pensar a hi<;tóriaL..) não C0010 narrativa do superado, e sim na qualidade de anna noscombates do presente"";.

244 Idem, p_ 172.

19'1

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VII - UM ADENDO ÀS PRÁTICAS PSlCANAIinCAS: A

FAMÍIlA E A SUBVERSÃO

Um aspecto das práticas "psi" que não poderia deixar de abordarneste trabalbo refere-se à participação direta de alguns ele seus profis-sionais no aparato repressivo da ditadura militar brasileira.

Esta participa<.,'io assenlelha-se àquela que vários médicos tive-[an1 - como o AnalL'iador Atnilcar Lobo ii delTIOnstrou -, ou seja, umtrabalho, não só no treinamento a torturadores como também no levan-tamento de perfis psicológicos de presos politicos.

;\Jào pretendo aqui fazer uma hLo:;;tôriado envolvimento direto dealguns profLo:;;sionais"psi" com a repressão. Esta hi~tôria e a de diversosoutros profissionaio:;; como médicos legistas. advogados, etc., querespaldaran1 teórica e tecnicamente o terroriSlTIOde Estado no Brasilcom suas práticas e saberes, estão para ser escritas.

Entretanto, acredito que, como umJ. forma de resgate de umaparcela ela história brasileira, algo deva ser assinalado, sobretudo o as-pecto concernente a lima pesquisa sobre o perfil psicológico dos rnili-tantes políticos presos, no Rio de Janeiro, no início dos anos 70, quecontou com a participação direta ele alguns psicólogos que trabalhavam,na época, no Centro ele Estudos de Pessoal do Exército, localizado noForte cio Leme, no Rio de Janeiro.

Sobre este ponto. são importantes alguns' comentários iniciaL" Deum moelo geral, os psicólogos que faziam parte do Centro de Estudos dePessoal do Exército cran1 - en1 muitos casos - nulitares que. nos anos';0, haviam feito nas Forças Armadas o "Curso de dassil1caç,'ão de Pessoal"o qual, a partir de disposição leg'dlposterior, outorgou a todos o diplomade psicólogo, Em 1949, por portaria do Sr. Ministro da Guerra, foiautorizado o funcionamento do referido Curso, no qual se incluiam Noçõesde Psicologia 1'\ormal e Patológica, incursionando-se pelos campos damemória, raciocinio, inlaginação, volição até a Psicologia dos ChefesMilitares'''''.

MaL, tarde, a partir da criação do cargo de psicólogo e a regula-

24'5 Rodrigues, H.S.e. As "Nova"i Análi8es", Op cit" p. 07.246 Dados retirados de Psicologia, Ciência e Profissão. CFP, Brasilia, s/data, p. 2'5.

t94

mentação da proflSSão em 1962, todos os miJitares que fizeram o "Cursode Classificação de Pessoal" - que, na maioria dos casos, não chegava aU111 ano de dura.ção - foram reconhecidos ofkialmente como psicólogos.

Nos anos 70, IllUitoSdeles, trabaUlando no Centro de Estudos dePessoal do Exército, ofereceul Cursos de Especializaçào em Psicologiapara o pessoal das Forças Armadas e chamam psicólogos e estagiárioscivis para atuarenl no Forte cio LenlC em uma série de atividades.

A "contribuição" técnica de muitos desses profissional') ao apa-rato de repressão durante os anos de terrorismo ele Estado foiincontestável, daí a maioria se negar a falar sobre o a.'iSlInto nos dias dehoje,

Sobre o treinanlento a torturadores. no que se refere aos aspectospsicológicos dos presos políticos, nada se tem documentado. Todavia,em muitas declarações e depoimentos de ex-presos políticos, "salta aosolhos" que llluitos torturadores foram orientados e treinados porprofissionaL, "psi". Em 1970, o major da PM RL,calaCorbaje, conhecidocomo Dr. Nagib, dizia no D01-CODURJ para alguns presos políticos quehavia feito cursos de Psicologia para poder aprender a lidar "melhor"com os "terrori.stas"~47.

O próprio ex-comandante do DOI-COD1/SP, Brilhante Ulstrd, emseu livro Rompendo o Silêncio, no capitulo "Os JoveflS e a Subversão",comenta:

"Enquanto os dias se pa.<;sal'am,o.ficUlis do Exército, alguns

em» curso de Psú;o/.Qgia, iam entrel'i~tando esses rapazes etnoças. Discutiam com eles os problemas bra.."íleiros,a su/Jversao,o terrorismo e suas conseqüências. OS 1i/!1VS e arligos /Jara leituradeveriam indUZi-los a uma profunda meditaçào e a olhar a lidasob outro ângulo,,24l) (grifos meus).

É pensamento corrente na época, dentro dos organL'mos derepressão, que existiam dua.-"icategorias de presos políticos: os "recupe-ráveis" e os "irrecuperáveis". Na Vila Militar, no Rio de Janeiro - ondemuitos estão presos no início dos anos 70 -, evidencia-se esta distinção,Aos "recuperáveis" são atribuídas algumas tarefas; além disso, eles dispõem

247 Riscala Corbaje, um dos mais terríveis torturadores do DOI-CODJlRj, onde atuou até 197'5. Foipela primeira vez denunciado publicamente, em 198'5, pelo Grupo Tortura Nunca MaislR).

248 illstra, B. Rompendo o Sllêncio. Brasília, Editerra, 1987, p. 273,

19';

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de tnaterial de leitura e podeln~ inclusive, travar muitas conversas. Estapostura prende-se à tese de que quanto "melhor" se tratar Ull1presopolítico, menor será sua resi<;tência e maior será seu "amolecimento".Dela divergem alguns comandantes de ourros quartéis da própria VilaMilitar, que defendem posiçlo conlrária, gerando por isso, por parte dogrupo de familiares desses presos políticos - já em vias de organizaçãona época -, forte pressão contra tais comandantes.

A primeira tese -" do preso "recuperável" - muito difundida pelanúdia e por setores militares, no início dos anos 70. vincula~se à figurado jovem estudante ele esquerda como "inocente útil" elo "terrorL<;tllOinternacional". lJnu das autoridades que mais defende L'itO,na época, éo chefe do Estado Maior do Exército, General Antonio Carlos da SilvaMuricFl'). Este personagem, em várbs entrevistas à grande itnprensa,destaca que:

"o terrorismo se abastece nos nu-ios escolares do pa~~' a tônica éarn-gimentarjovens a partir do curso secundádo,- um sistema deCOetraogarante a lealdade inicial do militante: a cland~1inidadee Dromiscua t' tirânica. os rapazes Su1Jnersil'Ossdo instruido.~ adesl'iarem as moça., do la,: a res/xmsabilidade ridos {Jai.'l ( ): asegurarlça conU'ça petu noçuo dos (Ü-'I.'lH·esindil'iduuis e se'llr'lnanos I-'atore.,moraL, e esjJirttuaü"!;)ü

MuilO convencido dt, que a "mel1lt' vence a guerra revolu-cionária"';"i', Murici - um dos porta-vozes do reginlC'nillitar - afirn1a que

2q{) () General rvlurici,anticumunislJ. ferrL'nllo, participou ativamente de alguns L'pisódio~ da hhtór!:lhrasikira, s<-·mpre,~ecolocando ao 1J.c1.)do cOn'ief':adorismo e da repressão. Em 1961, quando darenúncia de )ánio ()uaJn "",L'rachdé J.:) 1'.<.Li<-bMaior do 1IIExército, em Porto Alegre '-rXJsiciomnuo-S'--' u)ntra a posse de J03.c>l ,oulo1rt,l),,-'sde 1()6;i,li n(l Rio de Janeiro, fez pa.rtt: do moviment() pamdepor t-,ouwrt, J.trJ.h;S lte (;<101:110,<'com varios milít;lre,~golpL~l:lSque atu:lVJ.m \:'01<:'stn.:itaJiga<-'jocom u general d:l r(·:'';'rvJ.C,olhery do (:outo e SiJvJ.,<.'nti'k,à i'n'nte do IPES (lostitu({: Clo.~i\':.quisJ.e t:,\tudo.." Socuis) que de<;t:'nv,)lviail11en.sJ.cam(XLOlu;mlicomunisla tunto ;lOSClrCU1(l"('mpresdri:lismnoc:ls e paulistas. l\lunci particlpou ativalllCniL'-do golpe militar doc'1%4 0.:, o.:st(Cm.:sm() ano, jácomo general, :ls...sumiu()comando da 7~ Região Milit:Lrem Recife, deslac:ando-se na luta contra asLigas l:amponesas. Em J9()f),ch.:~ou a chefe do Estado Maior do F.x~rdt(), qUillldo teve seu nomena lis\J. tríplice par.1 pr('sidenk da Repúhlica, junto com o de Emilin Carr.lstazu I','lédici, que foi oe,~(ulhido. Permaneceu até novembro de l()7Q à frente do Estado !\hior elo [x ....;rcito, quando foi

para a reset\'a e escoUJido par:! a presidência dt ADESG (Assoda(io dos Diplomados da EscolaSuperior de (~uerrat fJn 1{)7I, Murici J.ssumiu d presidénciJ. do holdirl{!, Nova 1.ag,;:',Dados contidosin J3eloch, I. e Abreu, AA Dicionário Hist6rico - Biográfico BrAsileiro 1930-1983 - 32 vol.,FGViR], Forense. IQ:t-1,L:'o'iO-Ll";2.

2'50 Reportagem intitulada "Murici AponLi Alid:1mento de Jovcns para o Terror'. In:JlJ - 19/0711970.2";I Titulo de uma outra entrevista de Murici, puhlic:1d:t em OJomal- 08/11/1969

196

não há presos políticos, lTIaS crullinosos terrori<;ta..c;presos" c, ainda Cln

1969, faz a primeira de urna série de pesquisas entre presos políticos.

1 - A PESQIDSA SOBRE O PERFll. PSICOLÓGICO DO"TERRORISTA" BRASll.EIRO

A primeira pesquisa é realizada em 1969, no Rio de Janeiro, apedido do próprio chefe do Estado Maior do Exército, cujo objetivo élevantar, dentre o pessoal preso na época, o nível de escolaridade e asCJusas quc os Levaratn para a luta política.

de 260 estudantes inten'Ogados no Rio, 80% pertenciam aopn11U!iroano universitário, IS% ao segundo e 5% aos demaisUma análise do fenômeno, feita pelo mesmo órgão (um õrgão desegurança não ret.-'elado), apontou como causa,. essencwis doaliciamento: 1) desajllstes; 2) d.escaso dos pais pelos pro-blenuls thl mocidade.- .3) poJitização no meio escolar realizadapor estudantes profissionais que despertam e exploram o ódionos jovens, com ofito de impor-lhes um idealivno político, mestnotemporário, 4) o trabalho de alguns maus professores, hábeis emutilizar a cátedra para fazer proselíJismo poJftico. "lSl (grifosmeus).

Uma segunda pesqui,a realizada entre cerca de ';00 presos políticos- detidos em diferentes dependência., do Exército -, no inícío de 1970,também por solicitaçào do C;eneral Murici, investiga seus níveis social ede escolaridade. Declara o próprio general:

':.4grand(! maioria, a quase totalidade, l.'ra de elementos ligado"às organizaçdes terroristas (.,J fvaquela ocasião o número depresos (no Exercito) subia a um pouco mais de ')00 A análisf?jeitapermitiu a seguinle observação: 1) 56% eram e31udantesou {Jf?SSOaSque há pouco tempo havfam deixado a área estudantil. Sua

proporçâo era de 33% e 23% respectil!tlmente; 2) a "nédia dasidades dos presos atrás referidos era de 23 anos; 3) desses detidos,.20% eram de mulheres, ( ... ) sendo intere.ssante obseTJ!tlrque noRio de Janeiro o numero delas atingia 26%, enquanto que noNordeste seu numero chegava a 11% e, no Sul, quase não batiamulheres envolvidas na trama tetTOris/a- seu número não chegavaa 2%. Esses dados mostram como realmente é grande o esforço

252 Reportagem intitulada "Murici Aponta Aliciamento de Jovens para o Terror". Op. de

197

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subversivo terrorista na área estudantil brasileira, particularmentenos grandes centros, De outro lado, que o numero de mulheres

alidadas ê maior nas áreas mai.'ipolitizadas do Brasil do pontode uista ideológico.

Outros dados interessantes levantados mostram que, naquelaocasião, apenas 3% eram militare'i refonnados ou cassados e 4 a5% de operários nao-especializados, de nÍlJeJprimário. Subversivospresos naquela ocasido e provindos de atividades rurats eramapenas 4%, quase todos detidos no Parand. Camponês do Nordestehavia apenas um. Os demai.'i 32% dos presos eram constituídospor pessoas de condições sociais diversas, nunca, porém, deanalfabetos ou mal-alfabetizados, nem de pessoas de condiçãomiserável ou de poucos recursos. Isso demonstra que a maioriados que ingressam no terrorismo ou na subversão ideológica éconstituída por pessoas pertencentes às classes A e B, '111elbordota-das financeiramente "253

Estas eluas pesquisas, que demonstram a preocupação elos gover-nos militares em conhecer melhor os "inimigos ela PátrLa" c retratar ajuventude ele classe média que entra para a clanelestinidade e/ou lutaannada, servem de base para a terceira pesquisa - a que nos interessamaL, diretamente - sobre o perfil psicológico do "terrorLsta" brasileiro,Nesta, haverá colaboração elireta elos psicólogos militares e civis ligaelosao Centro ele Estudos ele Pessoal elo Exército no Rio de Janeiro, queainda hoje funciona no Forte do Leme.

As grandes questões que se colocam - elentro das subjetividaeleshegcmônicas na época - são: por que os filhos da classe média, elapequena burguesLa, que têm tudo para ascender socíaimente e setornarem, inclusive, ieleólogos elo capitalismo, estão indo para o cami-nho da contestaçlo a este sistema' Por que se tornam "terroristas", neganelosuas origens de classe? As causas não estariam vinculadas à "crise" dafamilia moderna? Não seriam esses terroristas jovens "elesajustadosemocionalmente", com famílLas"elesestruturaelas'"

Para poder provar essas hipóteses, que os altos escalões derepressão há muito vinham anunciando através ela míelLa,no segundo

253 Reportagem intitulada "Murici: Recuperar Jovens que se Desviaram ê a Grande Tarefa". [o: OGLOBO - 12./11/1971. Esta extensa reportagem (uma página e meia) traz m integra opronunciamento do general Murici, feito a convite da Associação Brasileira de Educação do Rio deJaneiro, sobre o tema "O F~qtuchnte e o Terrorismo" Sobre ()mesmo pronunciamento ver "Muricianalisa Pesquisa com Subversivos Presos" ln:JB - 12/1] /1971,

t98

Selllestrc de 1970 é realizada, exclusiv3.tnente no Rio de Janeiro, unlaterceira pesquL,o entre 44 presos políticos Visanelo estabelecer o perfilpsicológico desses lnilitantes politicos, esta. pesqui"a consta de duas par-tes. Na primeira, um extenso questionário COHl cerca de :; folhas datilo-grafadas apresenta pcrguntas disserLativ:1s sobre a infância, a adoles-cência c o rebcionanlento fantiljar. Uma verdadeira anan1l1ese, na qual,dentre outras coisas, se pergunta: nome, idade, sexo, filiação, grau deinstruçào; como foi feita a escolha da profissão; como se envolveu empolítica (por algum namorado, na faculdade, etc); se teve muitos namo-rados; se teve experiências hOl1l0SseÀ"llaL.,na In.fincia e adolescência; sealguma vez utilizou algum lipo de droga, como a maconha; como é seutcmperaluento; COlHO é :1 situação Janüliar (seus paL'i111oral11juntos, porque se separaram, se dão bem ou brígam na frente elos mhos, qual apessoa de sua família maL" importmtc, etc.); qual a relação com osiJIl1.1.oS c se há algmll envolvido em política; se mora com os pai", ou porque saiu de cosa; se é casado, se tem mhos; o que pensa fazer após alibcrtaç'ão, etc.

Sobre esta primeira parte, a análise feita pelos oficLais c "psi"envolvidos mostt:l a seguinte tahuhçào a quatro pcrgunt3.s contida.') nesse(lU cstic)n:írio';"":

Quadro 1

Situa9ão da família:

Pais separados "'''''''''''''''''''''''''''''''''''''' """",.,," 06

Carência de afeto na família 04

Problemas de familia ., ,.,.." ,,""""" ",.",."",., ..,.. ' 03

Família normal """,."""".""",,.,,"",, .., ...,,""""""""""" 01

Não responderam , ,.,..,.,."""""", ,..,,"""" 30

2';4 Dados contidos na feporta,R:L'fi ".Murici: Rt'cup('rar ./owns que se Desviaram ~ :1G'..lnde l'arda".

Op dt

199

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Quadro 2

Ocasião em que ingressaram na subversão:

Após sua formatura 02

Na Faculdade 24

Na entrada da Faculdade 05

Durante o 2° ciclo secundário 09

Após o curso secundário 02

Não responderam 02

Quadro 3

Forma ou razão por que foram aliciados:

Por envolvímento progressívo 26

Por ligações afetuosas com elementos

da esquerda (todas moças) 04

Por estudos e reflexões pessoais 08

Por necessidade de prestígio 01

Induzido por colegas 01

Não responderam 04

Quadro 4

Que pensam 'azer após a liberta9ão:

Voltar á Faculdade 03

Voltar á vída normal 14

Retomar á família (moças) 02

Não vêem como possível sua reintegração 02

Ir para fora do país 01

Continuar a luta revolucionária 03

Não responderam 19

Ainda na mesma reportagem, Murici, "analisando" as respostasdadas a estes quatro itens do questionário, declara que:

200

'Telas respostas obtidas uerificu-se logo a importllHeia do hlrna vida do~ jovens e o apoio que ele lbe~ proporciona.Foi grande a falta de respostas ao item do Quadro J, mar; sequaseum terço d<Jsconsultatros não estavam ajustados ISIClilvida familiar, o resultado é por demai., sign~ficati1JOpara serdesprezado. Nilo há dituida que é IK) lar que ~eencontra amelhor trincheira contra os desvio~ da nwral e da condutasoc:ial"/,')5 (gtifos meus).

Utilizando os dados obtidos na primeira pesquisa em 1969 -levantamento do nível de escolarídade entre os presos políticos no Riode Janeiro -. os órgios de repressão e os "psi" que com eles trabalhamchegam à "brilhante" conclusão de que:

e nos períodos que imediatamente antecedem e sucedem aentrada na Universidade que se verifica a maioria dosaliciamentos. ()final do curso secundário, o período de pnparopara o vestIbular, o inicio do curso UniV(;7'sitário,talvez poratíngirem um perfudo em que ojovem procura .firmar suapersonalidade. deseja mostrar que jd é adulto em ~lUlsidéias e capaz de decidir por si mesmo, é a fase em quemai.r;jàcilmente se deixa conduzir, embora julgue, muitas vezes,que estâ conduzindo "Z% (grifas meus),

Psicologiza-se, enfatiza-se o privaelo em detrímento do público,fortalece-sc a crença na "crise- ela famma, sua rcsponsabílidade eculpabilidade pela situação elos flUlas.

A scgunda partc elesta pesquisa sobre o perlil psicológíco do"terrorista" brdsileiro é a aplicaçào de uma bateria eletestes: de aptidões,dc ínteresscs, de nível mental (Raven) c elepcrsonalidade IRoscnzweige Rorschach), Um verdadeiro psicodiagnóstico é, pottlnto, construído.Todo este processo é reali7~do por "... olkíal com curso eleespecializaçãono Ccntro de Estuelos de Pessoal elo Exército Ie) os resultados foramexamínados por psicólogos clv", observa o General Muricí,que logoa seguir relata os resultados:

':-"dos 41 examinados, 32 f73%i fomm considerados comoindit'íduos com dificuldades de relacionamento, ou escassointeresse humano e social, ou ainda de dJjkil comunicaçãohumana, em suína como pessoaç "d~ficeis".-- como imatura .••foram assim considerados 23, dos quais cega da metade estavam

2'5'5 Idem.2'íú Idem.

20t

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incluídos IS/C! no grupo de d[ficil relacionamento humano,- - 18foram íncluidos no grupo dedesajustados. sendo que 3/4 dosmesmos pertenciam ao grupo dos "di{u:eis",- praticamente todososinseguros (8) e osinstdveis (7j estauam noprimeiro grupo.

Isso mostra que especial atenção e tratamento der'em ser dadosaos /ovens que apresentam um relacionamento d~(fCÍlcom seuscompanheiros. Tudo indica que sof''l?mde comple:ws que os lelJam,por esse ou aquele motÍll(),a atitudes de luta contra a sociedade eo meio em que vivem ( ... ),-serào sempn! desajllstados c, assim,criaturas infelizes" 2'i' (grifas e aspas presentes na própriareportagem).

Patologiza-se, assim, aqueles que se lançam na resLstência contraa ditadura militar: são doentes e é precL,,) tratá-los. Tanto que o deputadoCardoso de Menezes, naquele período, elogia o trabaU10feito pelo GeneralMurici e diz:

.. (é necessán'aJ uma psicoterapia ocupacional, pai .• urge dartrabalho à Juventude desocupada, que se dei.xa erwol/!er pelosagentes profissionaiç da subversao: incentivar inicíatil'as: comoo admirável Projeto Rondon, a Operaçào--:Mauá,os trahalhos doCrutac da Universidade do Rio Grande do Norte, e outro ..•semelhantes f., ) Issoporque é curioso que os chefes da subversàotrahalhem maís entre os que mw necessitam lutar pela uida,-entre osfilhos de hurgueses, num tidos geralmente pelas mesadaspaternas .,~

A aplicação dos testes é precedida por uma entrevista individual,em que são feita..<;;perguntas muito semelhantes às do questioná.rio

anteriormente respondido. Isto em alguns ca..C;;OSjem outros, os testes

aplicados não contam com a presença de entrevistadores. Nestes casos,posteriom1ente, as pessoas são chamadas para explicar algumas respostasdadas, especialmente no teste de Rorschach.

Pelo levantamento que fiz, esta pesquisa é realizada em váriosquartéis da VilaMilitar,no DOI-CODI/Rj e no IICE, onde estão recolhidosalgum presos politicos. Muitos se negam a respondcr ao questionário esão novamente transferidos para o DOI-CODl/Rj, como forma cleintimidação, ou vão diretamcnte para a tortura. Isto é confirmado pelosex-presos políticos entrevistados, embora o Gcnetal Murici, em pronun-ciamento ã grande imprensa, naquela ocasião, afinne quc os 44 presos

"7 Idem.258 Reportagem intitulada "Deputado elogia entrevista de Murici".In:]H de 26/07/1970,

202

políticos "voluntariamente" se sublnctcram aos testes c ao questionário

propostos.

:'Ja entrevista realizada antes da área de testes. alguns "entre-vistadores" dizem para os cx-presos políticos que se trata de tentarestabelecer sua "curva da vida". De fomla tria, impessoal e distante,todos iniciam a enlrevi."ta afirnlando que não trabalham ali, que tudo o

que o preso político disser será mantido em sigilo e que não serádivulgado. Além disso, procuram saber como haviam se sentido durantea tortura, como tinham rcagido, se aquelas punições tinham valído paraalguma coisa esc cstão arrependidos pelo que fizeram.

No momcnto da referida pesquisa, alguns presos políticos, que aela foralll submetidos. concluem que se trata de um levantamento psico-

lógico. justamente por serem fillJOsda pequena burguesia, muitos tortu-radorcs não hesitam em dizer a eles quc não cntendcm por que tinhamse tornado "terroristas". Esta preocupação, segundo alguns, talvez viesseapós o Congresso da tiNE, em Ibiúna, em 1968: dos estudantes presos,cerca de 99% eram de classe média muJOs de senadores, advogados,médicos c altos oficiais das Forças Armadas). Confonne já mencionamos,somente no ano seguinte é que se verifica a primeira pesquisa sohre o

tema, quando se faz, no Rio cle Janeiro. um levantamento sobre o nível

de escolaridade dos presos políticos.

Estas pesquisas mostranl nào apenas uma necessidade por parte

da rcpressão de conhecer melhor os militantcs políticos e traçar o perfildaqueles que estão sendo combatidos, mas, também - bem de acorelocom as subjetividades hegemôniGl$ na época - difundir na sociedadeem geral e nas famílias ele classe média, cm espcciaL a crença de queseus t1Ihossão "desajustados", "desequilibrados" emocional e socia~nentee, portanto, "doentes", precisando de tratamento. Em suma, elas - asfanúlias - são as principaL') responsávei..:;; pelos transtornos que esses

jovens trazenl para a nação que quer "se desenvolver enl ordeln c em

paz".

Esta posição é explicitamente enunciada por álguns comandantesde quartéL, onde estão os presos politicos. Afirmam que fulana é"subversiva" porque seus paL, são separados; beltrana, porquc não haviaconhecido sua mãe e tem uma madrdsta da qual não gosta, etc. Aimpressão que têm algum desses presos políticos é a de que os resultados

203

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do "perfil psicológico" tinham sido levados ao conhecimento dos res-ponsaveis pelas unidades onde estio detidos, para que estes possamnlclhor "conhecer" c "lidar" com os presos políticos sob SU3$ guardas.

Tal fato é apresentado para o grande público como uma preo-cupa\.~ão paternal com relação aos jovens que estão sendo conduzidospara o caminho do "mal" e ela "pcrdiçio". Compreende-se, assim, porqueis vésperas da liberaçio de algum prcso politico (demonstra,'ioinequívoca de que ele é Ull1 ser "recuperável", vL<;;;toque não pem1at1CCeU

preso) seja comum a realização de uma entrevista COIl1 alguém que,dizendo-se psicólogo, paternalmente aconselha o jovem a se "reinlegrar"na sociedade, afirmando a boa vontade dos militares.

2 - OUTRAS PARTICIPAÇÕES "PSI"

Além da participação nesta pesquL,a sobre o perm psicológicodo "terrorista" brasileiro, há numerosos outros casos de atuação "psi"

que respaldaram o reginle de terror que se irnplantoll no país. Todavia,por fugirem um pouco ao tema deste trabalho, serio superficial epanoramicalnente aqui abordados.

Os principais casos referem-se aos laudos psiquiátricos fornecidosa inúmeros presos políticos.

Há, por exemplo, casos conlO () de Ivan A. Seixas - preso C01l116anos em Sio Paulo, em 1971 - e César de Q. Bcnjamin - preso com 1')

anos enl Salvador, em 1971 --' que, justanlente por serem nlenores, sãoencaminhados a psiquiatras para avaliações e exames de sanidadementa]'''. Ilá, ainda, o caso de Regina Maria Toseano Pereira, cujo laudopsiquiátrico, enlitido quando ela é posta em liberdade condicional, em197:), rcconlenda lIlll tratanlento de base analítica.

Muitos outros casos ocorreram: ver, por exemplo, os vários laudospsiquiátricos citados no livro Brasil Nunca Mais"", que mostram nili-

2'59 Sohre o.'; dois casos, consultar, respectivamente: aI Relatório Lrimino16gico nº CCIT~D-67/74,reJerente ao internado Ivan Akselrud de Seixas, do DepMtamento dos Institutos PenaL~do Estado- Ca.'lade Cu.<;tôdiae Tratamento de Taubaté _Documento qw apf('scnu IHpagilLlS datílogr.llacb.s,contendo .-hdos da anamnese feita e dos resultado.~ dos testes realizados b) J.audo de Sankltde:\fcntal, realizado em César Q. Benlamin, em 10/11/"71, no Instimto Médico Legal do Rio dejaneiro, de nO;>()()4'79B3'5

2f:/! Arquldiocese cL.:Sao Paulo_ Hra.••U Nunca Mais. Rio de Janeiro, VOZL'S,198'3. ~spL'cialmcntt' os

204

damente - eal alguns casos - 3Sviolentas marcas psíquicas que as tor-turas deixaram em presos políticos. Neles, 0,'-1 psiquiatras das ForçasArnladas registratll estas marcas c alguns, de 1'01'1naaté honesta, fazemreferência às torturas sofridas pelos luililantes. Em outros casos, rclat3.111-se os estados psíquicos "con1'usionais" c/ou "paranóides", "'reaçücsprimitivas de regressào e conversào histérica". etc de alguns presospolíticos, SC111haver qualquer nlen~~io às torturas intligidas a eles. Aomissào c a conivência são totais.

Poderiam muitos argumentar - c isto tem ocorrido uitinlal11ellte,quando algumas entidades de Direitos Ilumanos denunciam os pro-Jl,sionah5 que colaboraram com o aparato de repressão ~ que estes "psi"estavam apenas cUll1prindo ordens ou desenvolvendo um trabalho COll10qualquer outro. Muitos, inclusive, eram otkiais das FOI\,~asAnnadas aosquais eranl encJ.nlinl1ac1os os presos político.s para que fizessem umaavaliaçào psiquiátrica. Estavam, POltllllo, apenas executando seu trabalho_

Entrementes. sabemos que, se n;lOhouvesse prot1ssionah'"- qlla~.••-quer que sejam eles. em qualqucr área - aptos a prestar, voluntariatnente.seu respaldo teórico/técnico ao 3paralo de repressão, este nào leriafuncionado t:lo bcm quanto funcionou Em todas 35 ditaduras ialino-americanas e durante () nazismo, o regime de força só conseguiu sesustentar por tanto tempo porque exh.••tiram profissionais que, empre-gando seus saberes, deram apoio ao terrorismo de Estado em diferentessetores c áreas. Por isto. a máquina perversa ptlde se manter a:zeitada efuncionando. Corno nào acredito no mito da neutralidade científica e node qualquer outro tipo de neulrdlidac!e, assinale-se quc tal' prolissionaL,foram cCinlplices com o regu11Cde terror ou no núninlo, coniventes coma máquina mortífera que se abateu sobre o país, sobretudo após 1968.

E por que coloquei to(h .••essas inronna~'()eS como um último itemdentro das práticas psicanalíticas? Porque principallllente a pesquh'ia so-bre o pernI psicológico do "terrorista" brasileiro - apesar de todo oreferencial psicométrico dominante na época - utiliza alguns conceitos ccxplicaçôcs psicanalíticos. Vide os testes projctivós de personalidadeaplicados: Rosenzweig e Rorsehach. Estes testes nasceram em solo leórico

,;;apitulos 16 "Cofl.<equências da Tortura" L' (l )- '·/vbrGl_'.(1.' Tortura" das pa,ginas 2)':; a 22qPrincipaln1L'ntL'no CapJlulr! )6, lu varios "xemplo$ ck laudos psiqui;i.lricos fornecidos na C;pOCJa(l.~ PI1.:sospouticos. "Beli:';.simos·exemplrl.<'de como a Psi(lUlJITiJClissica ratolr)W:t...:l,rnargiruU:ta,c~xc1l1i,rolula ('serve L(lmdkacLl:1n termrismo de tstOl.do

20C;

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da psicanáli'ie, e as interpretações de seus resultados baseianl-scamplamente em idéias e tcori3...-'ipsicanalíticas. O teste de Rosenzweigprocura levantar COl110 as pessoas reagem a situa't'ôes de frustraçio, paraonde dirigem sua agressividade, .se a reação é "adequada" ou não - seestá orientada no sentido da resolução do problema colocado -, etc Oteste de Rorschach é Ut11 exame estmtural eia personalidade, oferecendoUll1 amplo panorama em seus resultados. desde uma visão do nível e dacapacidade intelectuais. até os ~l'ipect()Safetivos, em seus relacionamentosno contexto da personalidade. É um dos testes mais empregados na áreadÚ1ica, especialmente para psicodiagnóstico e outras Hnalidades. Todosestão dentro de uma abordagem psicanalítica positivL,ta.

Não desejo entrar aqui em detalhes sobre oS testes utilizados napesquisa lnencionada. tampouco analisar criticamente o seu uso em ge-raL embora os considere como poderosL'isimos instrumentos de poderno sentido de marginalizar, rotular, estigmatizar c normatizar, porqueJügiria ao assunto deste trabalho. Alguns aspectos, contucio, merecemmaior atenção.

O principal diz respeito à situação em que a referida bateria detestes c os laudos de "sanidade mental" foram realizados: pessoas pre-sas, algunlas i..,oladas em celas solitárias. outras sofrendo grotescas econstantes torturas físicas c psicológicas, sendo, em suma, violentadasno cotidiano da prisão. E ainda se esperavam peifbnnances - C01nosediz no vocablurário psicométrico - e respostas "estnlturacL1..c;;","orienL.'1das'·e "equilibradas". E profissionais "psi" colaborando com este quadrodantesco, fornecendo seu aval teórico/técnico par'.l justifil"4rque aquelesque resistiam à sanha assassina de um Estado de terror eranl desequi-librados, desestruturados, doentes ..

Estas são, portanto, situações anali.o:;adorasc exemplos extremosde como algumas priticas "psi" nos anos 70 colaboraram, efetivamente,para a manutenção e o recrudescitncnto das subjetividades hegemônicasque sustentaranl em muitos aspectos o estado de terror que se abateusobre o país. Entretanto, algumas outras priticas "psi", de outras formas,continuaram produzindo e fortalecendo estas mesmas subjetividades,modelos e dispositívos) como tentarei mostrar no decorrer deste trabalho,

206

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CAPín rrD III

As PRÁTICAS PSICODRAMÁTICAS

Adentrando ainda maL, no terntoflo "psi", vamos acompanharnos anos 70, no Brasil, o nascimento e expansão de outras práticasque, paulatinamente, irão competir com a psicanilL,e pelo mercado"psi". Todavia, apesar da competi\:ào e das críticas feitas às priticaspsicanalíticas, elas continuam detendo a hegemonia nesse mercado.

As primeiras que se colocan1 como "alternativas" ao mercadomonopolizado pela psicanilL,e são as práticas surgidas da instituiçàopsicodramitica.

No Brasil o psicodrama tem, no início dos anos 70, a funçàopioneira de se colocar como "alternativo" à psicanáli.':le e, sem dúvida,abre caminho pora que, na segunda metade dessa década, outras práticaspsicoterapêuticas tentem romper com o monopólio psicanalítico.

Embora não fazendo parte do amplo movinlento que, nos anos60, sacode principalmente os Estados Unidos - o chamado Movimentodo Potencial Humano' -, o psicodrama tem com ele pontos comuns: orechaço à psicanilise e a ênfase no enfoque grupali'ta. Dentre os qucs-tionan1entos feitos, à época, por este movimento e çom o qual o psico-drama, em seu início, em São Paulo, concorda, estão: a resistência àterapia centrada exclusivamente na fala e a crítica aos especialL,mos -

o Movimento do Potencial Humano, em seu ruL.<;ecdouronos Estados I Inic!o,';,sua expansão poralguns paises europeus e, posteriormente. sua vinda para I> Brasil, sera melhor estudado noCapítulo [Vsobre as práticas surgichs Uesst;'movimt:nto_

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-

estes encarnados no lugar ocupado pelo analista, representados porrigidez, autoritarismo e onipotência presentes em sua postura, sobretudo,pelo poder de sua "escuta" e o monopólio que faz do saber "psi"Tanlbém são questionados os altos preços cobrados, não só na formaçãoanalítica COIDO nas sessões terapêuticas.

Segundo Annc ..Ancelin Schutzenberger, o psicodrama traz o. _direito de cidadania ao corpo humano", quando o sujeito sai do divãe pa,';;.';;aa atuar, a utilizar seu corpo para mover-se c interatuar com ooutro.'"

Dentro de um momento hL.,tórico - já apontado - em que adenlanda "psi" se difunde cada vez mais, a ascendente classe média sealimenta d~., subjetividades hcgemônicas voltadas para o privado, parao intimismo com relação a toda (' qualquer difkukbde por que passa, eno qual a ênfase maior recai sohre a "terapelltiza~~ào", outras, práticas"psí" comcçun também a ser 1(,rjad'l,',apesar ck)monopólio ch psicanálise.

'() psicodrama, até .f)or suas pmpo5.içoes metodolõgicas, podeatl'nder a estas e.'\igéncia..<;;ei.tge o trahalbo gmpal, /)ressupõemenor numero de sessoes, o informalismo, critica a abordagempSicanalitica, l-'ia1Jiliz-uuma formaç'ao mai." rápida e neces-san'amente menos onerosa Pode-w:, afirmar, inclusil.te, que oj).)fcodrama se di."punha. em suas or'lRens (no Brasil), a romper('om o acc,••.m eUti.r.'taã p,>ícanáliile,a ahrir e viabilizar um espaçode clientela - profi~wionais e pacientes - para as "camadasmedias", criando um e•.paço/auo1"iwel a sua uiahilizaçilO"",

C01l10 já foi assinalado, essas "Gtllladas m~dias" expandem-se,desde os anos ':;0, com :1 industrializa\.'áo c a crescente urbanização,cultninanclo nos 70 com () "milagre brasileiro", que produz novasdemandas de consumo - dentre elas, a das terapias_ () amplo tncrcadopsicotcrapêutico, monopolizado pela psicanálise, começa efetivamentea ser disputado pelo psicodr:J.ma..

Se as práticas psicodralllática ..~ não se inscrevem diretamente nochamado Movimento do Potencial Humano. elas certalnentc se in.se-rem no grande m(wimento de contcstaçào mundial conhecido COlnocontracultura, que ir3 engrossar as diversas manifestat;;ôes contestltória ..'i

2 SChut7.L"nbérf:ér,A.A.Nuevas Tcrapia.~ de Grupo_ Madrid Pirâmide, 1986Alvc.~.L.!L Instltlúçào Psicodramática: G-ênt'.'ic d(" lima Escola_ 1)i.s."crtaç:iode M<:,slrado-\lSI', I L)dR,p. lk

2.0R

que explodem, em 1968, em diferentes partes do globo.

O movimento contracultural é considerado por muitos como:

uma utopia (_,) l'ü'Ída por minorias sociais, normabnentejOOerlS, f?tnjx'11hados em práticas. num efêmero e /m?Cá"io aquie agora, num cotidiano dzjerente da rotina caDitalista detrabalho/lazer, com todos os seus corolários ~xploração,com.petiçào, morali.ymo, neuro.'\L-"', paranóias, poluição, etc ':4(grifosdo autor)

/\ contracultura nasce nos Estados Unidos nos anos ':;0e atraves-S:l a década de 60, Ll$cinando boa parte da juventude de classe médiaeuropéia e latin(Hlmericana, No Brasil, seu ápice é o ano de 1968, quetenta inaugurar um novo tipo de militância política.

(/I/OS Rstado.'· Unidos), os Pioneiros desta reh(4ião íwxmil"áoos mu.)fcos, jJoetas, arli.<;ta..<;,'drop-out<;"r ) que pa..';,sam/Jara a

bi.<;t6riasob o rotulo de "Bem Generution" "[)rop-ou'-,,'~porquedecidem desahitar o ,üstema. assumIr uma not'a práticae:'Cistenc{al,arli.r;tú..-:a(' poluica "',

Esta fonna de viver, no aqui e agora, uma vida diferente, a..c;;sumiclapelos chamados hi!Jpies- como regcstrado no Capitulo 1- é um caminhode resistência, na época, à produção de subjetividades heg-emônicas,tcntativas de forj:lr singularidades, que, a partir do inicio dos anos 70,vão sendo capturadas, assimiladas pelos dispositivos e pelo "sistelna."que tão radicalmcnte conlhateram.

Não somente no Brasil mas em termos mundiais, 1968 é o clímaxdo movinlcnto contracultural-a utopia é vivida por quase meio nlilhãode jovens no Festival de Woodstoek, o último grande eco da conlr,lcultura.

Os vários questionamentos apresentados - desde a sociedadede consumo até as tradicionais organizações familiar e sexual - ecoampelos quatro cantos do planeta. Outras conccp\:ôes sobre a vida, asociedade, () hODlem, a família, os diferentes relacionanlentos humanose sexuais ganhanl muitos adeptos. Algumas forl11:ls, também, de sepensar as terapias começam a aparecer no rasrro de todos essesquestionamentos; formas "alternativas" que possam fugir da hegcmo ..nia psieanalitiea, de sua totalização, hierarquização, espeeialismos e

Bueno, A.L.L Contracultura: As Utopias em Marcha_ Dissen:ação de Mestrado - pue/R),1978, p. 101

'; Idem, p. 02.

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autoritarismo, Assim como se tenta criar outros modos "alternativos"de viver a vida no planeta Terra, escapando à dominação capitalista,busca-se também conceber novas terapias "alternativas" que fujam dadominação psicanalitiea.

É isto que as práticas psicodramáticas no final dos anos 60 einício dos 70 e, posteriormente, as chamadas "alternativa..c;" tentam

produzir no Brasil.Apesar de pretender realçar a produção das práticas psico-

dratnáticas no eixo Rio-São Paulo e as instituições, os dispositivos e ossaberes que vão sendo instnllnentalizados e forjados por elas, nãoposso me furtar a levantar alguns clados da história instituida dopsicourama no Brasil, Da mesma fonna que fiz conl as práticaspskanalíticas, tatubém aqui exporei brevemente - à guL"iade maioresinformaçôes e, quem sabe, novas releituras - a história de algumas dasSociedades psicodramáticas instituidas nos anos 70 no Brasil.

Dentro da história do psicodf'dInano Brasil,se o seu avanço se localizana déGlclade 70,não se podem ignor.1falguma, de suas intelVençôes pontuai,- desde os anos 306 No entanto, foram experiência, totalmente esporádica"fC'.ilizada,pela, pessoas em seus IOGli,de n'lbalho e que pouco acrescentaramà sua expansão, Mesmo 3.."iexperiências desenvolvida.'.;por Pierre Weil, em19'í'í, com psicodrama apliGlcloao treinamento, no SENACdo Riodc Janeiro,e o trabalho clínico, iniciado por Norma Jatobi em 196ü, em seu consultóriona ciclade de São Paulo, foranl interven~iSes isoladas.

Ainda nos anos 60 há algumas tentativas de se levar, de formaaleatória a alguns estabelecimentos, a proposta psicodrAmática, como,em 1961, Célio Garcia, no Centro Médico Pedagógico de Minas Gerai,;em 1962, Flávio D'Andrea, no Departamento de Psicologia Médica ePsiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USPl; em 196'í,Pierre Weil, na área de Recursos Humanos do Banco da Lavoura deMinas Gerai,; em 1962, Iris Soares de Azevedo em sua clínica privadaem São Paulo, quando reúne algum'L' pessoas para o estudo do psi-codram.3., .'.., figurantes, todos, dos acontecin)entos posteriores que vãomarc.ar a institucionalização do movunento psicodramático no Bra..')il""7.

6 Citacbs por l'ierre Weil in Psicodr.una. Rio de Janelro, CEPA, 1978.7 A.1vc.'>,L. H. Op. cil., p. 81. Todos t.'S5eS acontecimentos sao citados também por Navarro, M.P.

"Caminhos e Descaminhos do Pockr no Psicodrama no Brasil", In: Aruds do VI CongressoBrasileiro de Pslcodrama. São P:l.ulo, FEBRI\P, :-/ebt:l, 248--2')6, p. 248.

210

É cm São Paulo, a partir de 1965 - auge dos movimentos estudantilc contraculturAl no Brasil -, que o psicodrama começará, gradativa-lllente, a ser implantado de 111odo tnais efetivo, Por ter uma hist()riabastante diversa. enl São Paulo e no Rio de Janeiro, discorrereiseparadamente sobre esses doi') espaços,

I- SAMPA E O PSICODRAMA

Em 1967, por oca.,ião do V Congresso Latino-Americano dePsicoterapia de Grupo, realizado em São Paulo. alguns médicospsiquiatras assistem no TUCA a um psicodrama público, dirigido porJaime Rojas BemJUdez'. Na mesma ocasião, Bermudez é convidado peloServiço de Psiquiatria e Psicologia MédiGl do Hospital do Servidor PúblicoEstadual pam dirigir ali outro psicodrama público.

"Essesdois trabalhos (, _)proo(Jcam grande impacto na ocasião(. _),pois pela pn'meim vez sefaz realizar um psicodrama pú-blico em Sdo Paulo, e, pela p,"úneira vez, se /lê alguém ser tra-

tado psicoterupieamente em .!Júblico Nesta epoca ( ) estâocomeçando a ganhar imjJuLm no pais e em Sao Paul.o as te,'apiasde grn/XJ ..t,

1 - O GEPSP E O ·SUCESSO" DO PSICODRAMA

Os Doutores Osvaldo Dante, Milton Di Loreto e MichaelSchwarzschilcl, ligados ao Hospital do Servidor, convidam Bermudezpara um curso de duas semanas com vivências, seminários e discussõessobre psicoclrama em sua clínica particular ele psiquiatria infantil, aEnfancel". Em fevereiro de 1968, realiza-se o curso, que tcm uma grande

8 J. Roias Bcrmudez foi o primeiro latino-americano - era colomtliano <:' rarucac1) na Argentina,de.'lde 194'5- a ler o títuJo de Diretor de Psicodratn:l conu'dido, em 1963, pelo Instituto Morenode treinamento em psicodrama, hmcbdo em lC)."6,por Jacob L Moreno, em 8eacon, no estado deNoY3.York. Ao voltar à Argentina, funda, no mesmo ano, a Associação Argcntina de Psicodramae Psico1erapia de Crrn.po, a primeira na América Latina.

9 Navarro, M.P. OI' cit., I'. 248.10 A Clínica Enfance, além de propiciar g-rupos de estudo sobre o psicodra.ma. inicia também uma

experiência em Comunidade Terapêutica que percorre, podo menos, a primeira metade dos anos70.

211

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procura (sào organizadas três turmas). Devido ao número deinteressados e o desejo de continuar o trabalho iniciado por Bcrmudez,decide-se organizar um tLlrSo de formaçào cnl psicodrarna. Cria-se umacomLssàoJ1 que tem a finalidade de congregar pessoas interessadasnesta formaçào e, assim, constitui-se o Grupo de Estudos dePsicodrama de São Paulo (GEPSP), que funciona de ]968 a 1970.

A repcrcussào da proposw de um curso s,stcmático de psicodramaé grande, pois em São Paulo. nesse período:

a demanda de cu.rsos de e!JjJecwlizaçüo em psicoterapta ('imensa, ( ) apesar defd existirem dOl'ioutros cursos de (ormaçaof ..) fora o da SBPSP o doSeder; e o da 'lociedade de Psicoterapiade Grupo. ( ) o que re1.'elao anseio de um grande numero deprofissionai'i por uma especialidade e que ndo encontramrespostas nas i/1...'ltiJlliçõesjormadora~'I'ígc"11t('5··'Ji.

Entretanto, os cursos do Sedes e da Sociedade de Psicoterapia deCrupo de São Paulo nào conseguem compelir no tnercado ··psi" paulistacom a hegcmonia da SBPSP na formação em psicoterapia. Somente em1975 - como já toi mostrado no Capítulo 11, itcnl V1 - o curso dePsicoterapia de Orientação Analitica do Sedes (com Robcrto Azevcdo cRegina Chnaidermanl fará alguma sombra à forma"ão analítica "oficia!"

~a época, portanto, a grandc procura pela formação cm psico-drama associa-sc, indubiwve]mente, à busca de "outras" fOfius de terapia,fornlas "alternativas" à psicanálise, o que mostra U1113oposil,;ào àformação da SBPSP por parte de uma parcela de profissionais "psi"paulistas.

Já vimos no Capitulo anterior, na segunda metade dos anos 70,que, em São Paulo, surgc unu série de outros grupos "psi" que começama romper com o monopólio da SBPSP. Todavia, na década dc 60 c naprimeira metade da de 70 sua hegemonia é absoluta. Desse modo, opsicodratna, naquele nlomento, é um precursor desta nJptura, ajudando,também, a preparar o terreno para que mais tarde ela viesse a ocorrer.

(Em 1968), não e.tistem alternativas de formação deterapeu.tas que não seja a Sociedade de Psicanálise A perspectiva

11 Esta comissão é formaru por Laéroo de Almeida Lopes, Antônio Carlos M, Cesarino, Pedro PauloUzeda Moreira, Jose .Manoel D'Ale.'lsand.ro.lri<; SO:lfesde Azevedo, Alfredo Correia Soeiro .•\1ichaelSchwarzschOde Deocleciano Alves. In: ~avarro, M.P.Op. cit., p. 249

12 Alves, l.H. Op. ciL p. lOÇ

212

do novo, a curiosidade, o desejo de ampliar horizontes, de enri-quecimento na formação dos profissionais de saúde mental atraimuitos terapeutas para o psicodrama, como a "grandealternativa" 13•

Além das fIlas que se formam às portas da SBPSP - fato motivadopelo pequeno número de didatas, conforme já se assinalou no Capitulo11- e os preços inacessíveis para muitos jovens "psi" de então, há, semdúvida, o desejo por uma outra forma ele psicoterapia, mais flexível,mais democrática nas questões flnanceiras, burocráticas, organizacionais,morais, sexuais e que utilize o enfoque grupal. O psicodrama, em seuinicio, em São Paulo, vem preencher Wis aspirações; elaí, seu grandesucesso.

E, tão logo o GEPSP se impõe como uma "alternativa" para aformação "psi", a SBPSP - principalmente após o Congresso no MASP,em 1970 - exerce algumas "pressões": Antonio Carlos Cesarino, hátempos esperando ser chamado para a formação nesw Sociedade"oflcial", tem uma acolhida pronw e inesperada e Deoc1eciano Alves -que participou da comissão organizadora do GEPSP -, mais tarde,abandona o movimento psicodramático para tornar-se presidente daSBPSP, em 198714.

O GEPSP emprega como estratégia ele formação o mesmo tripéque as Sociedades "oflciais": terapia, seminários e supervisões. Esw é aproposta da Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapiade Grupo, fundada por). Rojas Bermudez. Textualrnente, ele afirma:

..... organizei o Instituto de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo,dentro da Associação Argentina, seguindo o modelo daAssociação PskanilJJtka Argentina. De acordo com ele, ostitulas de Psicodramatistas dependerão do Instituto comoorganismo docente da A."5ociaçâo,,15(grifas meus).

Tanto que o GEPSP é filiado à Associação Argentina de Psico-drama e Psicoterapia ele Grupo e só poderá se constituir em Sociedadeou associação quando tiver um diretor brasileiro formado em psico-drama. É o mesmo esquema utilizado para que um Study Group sejareconhecido pela IPA: haver um didaw.

13 Cesarino, A.C. et alll. HIstória Geral do Psicodrama. São Paulo, 1974, mimeogr., p. 03.14 Dados fornecidos em entrevista por A.C. Cesarlno a Ui. Alves, In: Op. cit., p. 111.1'5 Bermudez,).G.R.lnt:roduçãoao Pslcodrama. São Paulo, Mestre)ou. 1977, p. 142.

2t3

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Ainda que Bermudez copie o modelo ele forma,ão da APA, paraa Associaçào Psicodramática Argentina acorrem muitos profIssionaL"interessados em outras práticas, maL"aberl~l<),maL')flexíveis, que possamenriquecer suas alua~ües gnlpai<;/institucionais. Enlbora não rompamcom a prática psicanalítica, muitos elesses profissionais a partir de 1968-como já comentado no Capítulo anterior - passam a fazer parte do queficou conhecido COlUO a segunda geração ele argentinos. E iniciam ummovitnento de contesta\'ão a alguns aspectos elas práticas analític..'18 c àssua..c;;instituições. Dentre eles, destaca-se E. Pavlovsky. companheiro de

BemJudez na Associação Psicodramática Argentina que, também bzendoparte do Gmpo I'btal')flna - dissociado, desde 1971, da AI'A-, empenha-se pela politização do movitnento psicodramático argentino c latU1()-anlcricano. Contudo, esta vertente do psicotirama pouco ou qua.<;cnadairá influir na form:H,,';lOdos psicodramatistas brasileiros, especialmenteoS paulistas e cariocas. Avertente que se impõe, imediatamente em SãoPaulo, é a de J. Rojas Bermudez.

"() mol'imenfo /Jsicodramático L .. ) em Sao Paulo, alraf'(!s doGHPS1~ nasce agregado a um mOl'Ímento mundial de dL••..w:'mi-

naçàó do /Jsicodrama qUl', centralfzado parI L Mort~o alma!."da instituiçao formadora o "Instituto ,Horeno" e de umainstituição nomUltizadora o "lFodd Center'; implanta SutL, haseshrasileiras atra/y:,s da escola arp,cntina Fato é qu(;' o pn5prioBermudez. assumindo as (unçóes de líderança elo m01.'im(~topsicodramatico na América Latina com que ;Wore-nolh(;'imoestira,

propoe a organizaçào di' um curso regular de lJsicodrama noRrasil"lú,

o lTlercadolatino-americano psicodr.:ull..'Ítico,por intennéclio do Bra..<;;il,abre-sc a p:utir de 1968 P"',l Bennuelez, blo que, posterionnente, contribuirápara que ocorram glJ.odcs rachas no movimento psicodramático mundb.l,entre o próprio Bennuclez e seu mestre J. L.Moreno, espalhando hrp:J" par,lo movimento psicodram3.tico brJ..<;ileiro,em especial o paulista.

Este "coloniaIL"no·' argentino, na figura cle J. Rojas BemJudez,gera - iá durante a existência do (;EPSP - Ireqüel1les con!lit,,, que ir.l0explodir no Congresso de 1970, hzendo desaparecer o (;mpo de Estudos.

A comissão escolhida, em 1968, pelo próprio Bcrmudez é erigidaem coordenação do (;EPSP,

16 Alves, LH.Op.ciL,pp. 111e 112.

" ..adquirindo PriuiJegios no aprendizado e na conduçao dom01timento Ri'Cebem de Bermudez uma carga horária dupla emsupentísilo e terapia que os lel-'Cl,segundo reconhca:,m, a lazercom qUl' se ,\"intam mai., enfronbados com o P,icl)drama e. ,boressa especie de direito, continuarem l'm wa !imçao de coor-denaçao cada vez maL, contestada "i ,

Com L~so, desta comissão/coordenação saem professores esllpervi~ores de seus próprios colega,"jde turma, assün como se designamdiJl'torcs de grupos de estudo c de role-jJ/ayings para os iniciantes. OBoletim Informativo n" ()~do (;EPSP coloca que:

"Uma 1JeZ aceito pela coordenaçdo, o candidato que des!!jar seon'entar' /Jara /ónnaçao como niretor ou Ego-Au:~:iliar dePsicodrama del'f"'á !Jarlicipar de Reunioes de Estudo e Gruposde "Note-plav/n!!,':este.Oipagos, cmn diretores indicados pelaCoordendçào atêle/.'emiropro.'\.:imo, ocasiüo em quepoderáfazerSeminários e (;'rupos Tel'al)(~ticos com o f)r Rojas Rermudez"'s(grifos meus)

o Boletim Informativo nº 04 comunica quem .são os Diretoresdesignados para estes grupos, todos membros ela Coordcnaçào doCFPSpl,) AparticipJ\-'ào nesses grupos é condit:,.:àonecessária para 1J.zefpane do próximo Cllrso. iníciaclo em 1969, cotn a equipe de Bcnnudez.

Os conflitos se avnlum~lIn entre a c()Ordcn:H,.'ãoc os representan-tes elas cinco lurmas em formaçào, os quais ck'nuncianl a realiz'Jl".'ãodeluannbras que se valem até mesmo elo emprego de técnicasp.sicoelramáticas para transformá-los em representllltes da Coordenaçàojunto aos alunos em f()rma~-';lo,tir:ll1do-lhes o cargo ele representantesdos alunos junto J. Coordenal,,-,~10,funçào para a CJual tinham sidoescolhidos2!l,

N;lo obstante todos esses conflitos. cresce em muito a demandapor Limaformaçào "alternativa" fi psicanálise e, em 1969. já se tem onzegrupos em forrnaçào de psicodr:una terapêutico (' quatro em psicodratnapedagógico, OLlsej.::t,quinze lUrm.::tsem torma\-';icL .

Isto faz com qLle haja Limagrande participa~'ào de brasileiros no[V Congresso lnternaciona! de Psicodrama, realizado em 1969, em

1-' kkm, citando depuinkllto de' A..C. CeS:lrinu, p_ 112

IH Uoletim Infonnativo do (;HlSP Il~()~, 0')'08--196H,cit;.luO por Al,'es, 1..1I. ()p, dto p, lij.19 Boletim Informativo do GEPSP, nUt J 2.fI18/j9(Y)

2.0 Touos ~'stcs conJ1it()sL"Sti() !Urr:lru)s in NJ.varm, M.P, ()p. dt" pp. 2')(1 C 2') I

2t';

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Buenos Aires, com a presença de Moreno e sua mulher Zerka.

Tanto para Bermudez quanto para o próprio Moreno é importanteque o mercado psicodramático !atino-americano, recém-conqui,tado, sejaampliado e conquistado definitivamente. Os congressos internacionaisdesde 1964 eram feitos de 2 em 2 anos em países europeus; em 1969, érealizado na Argentina - sede da expansão desse mercado latino-americano - e, em 1970,no Brasil- um dos pólos mais importantes para

tal expansão.

2 - O GRANDEHAPPENING EACISÃODOMOVIMENTOPSICODRAMÁTICOPAUllSTA

Em agosto de 1970, realiza-se no MASP(Museu de Arte de SãoPaulo) o V éongresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama e o ICongresso Internacional de Comunidade Terapêutica, organizados peloGEPSP e sob o patrocinio da Associação Argentina de Psicodrama ePsicoterapia de Grupo e do World Center for Psychodrama,Sociometry and Group Psychotherapy, tendo como presidenteshonorários, respectivamente, J. L.Moreno e Maxwell-Jones.

Embora, na última hora, Moreno e Zerka se recusem a vir, figurasinternacionais ligadas ao psicodrama, à comunidade terapêutica e aoutras áreas "psi" estão presentes, como: Anne-Ancelin Schutzenberger,os argentinos E. Pavlowsky, C. Quintana, E. Bogliano, G. Maziers e D.Bustos, dentre outros; os norte-americanos Maxwell-Jones, Breu Stuart eA. KnepIer; o japonês K. Matsumura; representantes de comunidadesterapêuticas argentinas e da uruguaia Del Sur, o francês GeorgesLapassade, o grupo de teatro inglês living 1heatre e muitos brasileiros.Segundo as avaliaçôes feitas, participam entre 1500 a 3500 pessoas,que, de segunda a sábado, lotam os amplos espaços do MASP.

Várias atividades são programadas, como teatros permanentes,relatos oficiais, ateliês permanentes e de expressão, grupos de discus-são dramatizada, fIlmes e diapositivos. São, oficiaimente, 143 egos-auxiliares, em sua maioria alunos das onze turmas de formação empsicodrama terapêutico do GEPSP21.

21 Maiores detalhes, consultar o programa do Congresso, composto de 39 páginas datilografadas,

redigido em português e inglês.

216

Conta-se que Georges Lapassade - "fiel" às práticas instituintesapregoadas pela Análise Institucional, à época - tenta fazer uma inter-venção socioanalítica através de pequenos colfÚcios durante todo oCongresso, atitude esta que gera inquietação por parte dos organizadorespaulistas. Isso porque estamos em 1970- penado mai, feroz da ditaduramilitar - e, antes do inicio do Congresso, agentes da Polícia Federalretiram do MASP uma série de cartazes considerados "subversivos":continham frases de J. L. Moreno!

Segundo alguns de seus organizadores entrevi'tados, o Congressode 1970 apresenta, primordialmente, duas caracteristicas: é um contra-ponto à ditadura militar e à prática hegemônica da psicanáli,e.

"O arbítrio da ditadura militar cala as manifestações cuiJurais,artísticas, sindicais - o império do silêncio. a proibição do en-contro entre as pessoas. Afinal, se a ditadura decreta o isolamento,alise organIza um encontro, se o poder impede manifestações,a nova proposta, insurgente, se reconhece e estimula; ao poderque impõe o fracionamento e a conspiração, o movimento psi~codramático propóe ( ..) o encontro-confronto direto entre oshomens, Assim, o contexto social torna-se texto grupal, a.<;con-tradições de uma sociedade silenciada ganham luz atraves doesforço empreendido pelo congresso e ele próprio se constilui emgrito pela liherdade e democrada "22

Justillca-se, "--,sim,o grande suces~o obticlos pelos psicodramaspúblicos, que lotam os espaços onde são apresentados.

Como contraponto à prática hegemônica da psicanálise, o Con-gresso é a oficialização de uma alternativa prol1ssional para muitosque, por diversas razões, estão afastados dela, seja por questões fman-ceiras, seja por falta de vagas na SBPSPou mesmo por questões ideoló-gicas.

"O Congresso de Pskodrama de 1970 semiu, sem duvida, comouma espêcie de cunha no monopólio da psicoterapia exercido naépoca pela p!>1canálise"!...'.

Não é por acaso que surgem, sobretudo na grande imprensa,ferozes críticas ao referido Congresso, proferidas pelos psicanalL'taspaulistas ligados à SBPSP.Eles denunciam que foi um venudeiro show,

22 Alves, UI. OP. dt.. pp. 11C) e 1202~ [dem,p.121.

21'

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UlTIavez que os psicodralnas públicos expunham excessivamente aspessoa.'i, havendo a quebra da privacidade necessária ao tratamentopsicoterápico. Foi, sem dúvida, um Congresso anti-ético - afirmanl -.poL')atentava contra a moraL os bons costun1CS,propagandeando o usode drogas, a dissoluçào da fanúlia, do casamento. Além disso, privilegiou-se a atuaçào prática, já que oS aspectos teóricos ficavaln relegados a un1

segundo plano.I lá alguns pontos a serem aqui levantados: a questão anti-ética

prende-se, fundamentalmente, ã quebra do setting, território tão bemprotegido, resguardado e demarcado pelos guardiães da "verdadeira"psicanálLse. É um sacrilégio que isto ocorra em espaços públicos, abertos,uma vez que as subjetividades hegemônicas da época pregam a tirania

do privado e o repúdio ao público.Os argunlentos de atentado à moral e aos bons costumes revejam,

claramente, a visão conservadora e as subjetividades dotninantes nomeio psicanalítico, nun1 momento efi1que mundialmente - nos rastroSdo movimento contracultural - se questionam oS valores capitalisticos

instituídos.O privilégio às atua\.·ões práticas é um argumento - pleno do

positivLsmo-cientifidsta qúe domina a prática psicanalitica da época. Bastaver o programa do Congresso para que se verifique que isto não ocorreu.Entretanto, aquilo que chaluan1 de "atuações práticas" são OS

psicodramas públicos e oS diferentes ateliês organizados. Para a"verdadeira" psieanálise tais propostas distanciam-se do caráter "cien-títlco" que a prática psicoterápica deve ter. São, por conseguinte, atuaçõesmenores, marginalizadas, desqualificadas e inferiorizadas pelo discursototalizante da '"verdadeira" psicanálise. O psicodrama, de um modogeral, é classificado pelos psicanalLstas até hoje como uma terapia

superficial e, portanto, inferior, menor.Sem dúvida. o Congresso de 1970 - na fala de alguns de seuS

organizadores - foi marcado pela "atuaçào", pelo caos, pela confusão emuitas vezes pela iInprovisação, tendo em vista a inexperiência elosprofissionais "psi" paulLstaS em organizar tão grandioso evento. Éverdade, concordam, que houve exposição de pessoas durante algunspsicoclramas públicos; mas, fundamentalmente. c1eve~seconsiderar quenuma época de extrema repressão social, política, cultural, artística e

118

eXl<;tcncial,os psicodramas realizados tornaram-se espaços abe!tos parao glupal e para uma verdadeira Gltarse por parte de muitos participantes,em que o emocional aJlorava de qualquer forma.

Apesar de todas as discord1l1cias, fica claro que o V Congressode Psicodrama c Sociodrama c o r Congresso de Con1unidade Tera-pêutica marcaram época e é a partir deles que. nào SOlnente o psico-drama, l11a8un1a série de outras abordagens p.sicoterápica." chan1aclas"alternativas" começatn a ser comentadas e lIm pouco maL.••conhecida.')no eixo Rio-São Paulo.

Um outro efeito do Congresso, para o movimento psicodramáticomundial, é a manifestação explícita e pública dos conflitos entre Ber-mudez e Moreno pela posse: do mercado latino-americano, o que lançafarpa..'ino na.')cente tl10\..-itncnlopsicodramdtico pauIL'ita.

No Congresso. manifestam-se de i()rma maL.••violenta esse.;;conflitos,com a ausência de Moreno, atingimlu scu auge em 1973. quandoBcrmudez e a Associaçãu por ele fundada na Argentina são desligadosdu World Center, de Moreno. Este retira, também, de Bermudez, o títulode Diretor em Psicodrama, conferido pelo Instituto Moreno, em 1965".

Em 1969, Moreno havia deilo Bermudez e01llO seu herdeiro,particularmente para a América Latina - isto gerou atritos com outrospsicodramatL"itas de diferentes nacionalidades - e. durante o Congres-so de 1970 em São Paulo, Bermudez, já se sentindo fortalecido a nívellatino-americano. rompe com Moreno. Oficialtncnte, logo após o

Congresso, Moreno ··deserda" Ber1lludez.

Estes conflitos e cL'iôes se acentuam intcmacionahnente e. em1971 - durante o VI Congresso Internacional de Psicodrama e Soeio-drama, em Amsterdã -, E. Pavlovsky e outros membros da AssociaçãoArgentina de Psicodrama2<' rompeu1 C0111Rcrmuclez, lançando o Mani-festo do Gnlpo Experinlcntal Psicodramático Latino-aluericano. Alegamque as técnicas psicodramáticas elevem ser utilizadas não como un1meio de adaptação ao sistema, mas como instrun~entos de mudança,tendo os seguintes objetivos:

2'i Maiore.c;detalhes sohre <:sta "c:l.ssaÇ'io", c()n~ullJ.r Cusdmir, L. "Mesa Redonda do..~meus ObjetosQue Têm a Ver Com Moreno". In: A"..iar, M. (Ur~.) O Psicodramaturgo. São Paulo, Casa cIo

Psicólogo, 1990,j6-6I,p. SO.2') Como Carloi! Martinez Bouquet, Fidel Mncio, Raimundo DiJJello e M:1Iia Alicia Romana, dentre

outros.

219

Page 126: Cecília Coimbra - Guardiães da Ordem - Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre

"1) pôr em evidência os sistemas repressivos e as condutas queestes fomentem; 2) detectar e enfrentar situaçÕes de injustiçasocial e outras relacionadas com as diferenças sociais; 3)investigar as conduta'i autoritárias dentro efora das instituiçÕes;4) revisar e analisar os papéis sociai.s e detectar os "emissores denormas': os que em defesa de seus proprios interesses impõempapéis não relacionados com o interesse da comunidade"lh.

E. Pavlovsky faz parte da segunda geração de argentinosanalisada no Capítulo 11- e traz uma clara implicação política para opsicodrama. Bermudez discorda frontalmente dessa diretriz.

O cisma no movimento psicodrarnático mundial se acirra e, em1972, no VII Congresso Internacional, em Tóquio, com Anne-An~elinSchutzenberger, Antônio Correia Soeiro, J. Rojas Bermudez, e outrosmais, é con..c;tituídoum comitê para organizar uma Federação Inter-nacional de Psicodrama e Sociodrama, o qual não sai do papel. Entre-tanto, em 1973, funda-se a Federação Latino-Americana de Psicodrama(FLAS), tendo como sede a Associação Argentina de Psicodrama ePsicoterapia de Grupo e como Secretário Geral, RoiasBermudez. Busca-se, assim, com o apoio de uma Sociedade de Psicodrama de São Paulo- a ABPS - mantcr o monopólio do mercado psicodrarnático !atino-americano com Bermudez. Isto começará a mudar em 1975 com avinda sistemática de Dalmiro Bustos para o Brasil.

"Esse nwuimento de conflitos se acentua e pro:ssegue até a nwrtede Moreno em 1974. A partir de entdo o psicodrama, a nivelinternacional, perde uma unidade mais orgânica e até hojepermanece acéfalo "27.

No Brasil, o clima de cc.ão é intensificado ao fmal do Congressoquando os oito componentes da cooordenação do CEPSP são diplo-tnados conlO Diretores em Psicodranl::l por Bermudez. causando sériosconflitos C001 os demai.,;;alunos em fornlaçào23. Várias críticas passam aser feitas, como por exemplo, ao exibicionismo e autoritarismo deBermudez, ã questão do pagamento, etc. Cria-se uma divc.ão dentroda coordenação do GEPSPe da própria equipe de Bermudez. Questões,

2f:J 8ouquet, C.M., Moeçja, F. e Pavlov~ky, E. Psicodrama:: Cuândo Y Porquê Dra.matlzar? BA,Proteo, 1971, pp. Oi e 08.

27 Alves, LH. Op. cit., p. 121.2B Maiores detalhes sobre o movimento dos representantes elas turmas diante da CCXJrdenaçãodo

GEPSP e do próprio Bermudez, consultar Navarro, M_P.Op_ cit., pp_ 2')3, 2'54 c 2'5'5.

220

portanto, que já vigoravam ao longo desses dois anos, explodemviolentamente, fazendo implodir o Grupo de Estudos.

2.1 - As Duas Sociedades de Psicodrama: a ABPSe a SOPSP

No final de 1970 há dois grupamentos claros no GEPSP: os quequerem continuar a formação anterior sob a coordenação de Bermudez- minoria dentro do Grupo de Estudos - e os que questionam osmétodos e a postura de Bermudez, rompendo com ele por completo.

O primeiro grupo, liderado por lris Soares Azevedo, José ManoelD'Allesandro e Alfredo Soeiro, ainda em 1970, funda a AssociaçãoBrasileira de Psicodrama e Sociodrama (ABPS), vinculada ãAssociação Argentina de Bermudez.

O segundo, onde estão presentes a outra metade da antigacoordenação do GEPSP (Laércio Lopes, Paulo Uzeda e Antonio CarlosCesarino), todos os 11 representantes das turmas em formação empsicodrama terapêutico e a maioria dos alunos do GEPSP, funda a Socie-dade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) sem quaisquer ligaçõescom Bermudez. Todavia, mantém contatos com alguns psicodrama-tistas argentinos da antiga equipe de Bermudez que com ele já haviamrompido,

Logo depois, sai o grupo da SOPSP,que representa o PsicoclramaPedagógico, liderado por Marisa Nogueira Greeb. A este ponto voltareimais adiante, no item m, no momento de esclarecer algumas situaçõesanalisadoras das práticas psicodramáticas.

Nos anos seguintes, as duas Sociedades paulistas expandem poralgumas cidades do interior de São Paulo e por vários estados brasileirosa formação psicodramática. Assim, a ABPS forma núcleos em CampoGrande, Manaus, Fortaleza, Curitiba,Campinas e Ribeirão Preto. ASOPSPtambém amplia a formação psicodrarnática para Curitiba, Porto Alegre,Florianópolis, Bahia e Rio de Janeiro (caso que será visto adiante noitem m.

Em 1975 no Instituto Sedes Sapientiae é iniciado um Curso deFormação Psicodramática do qual participam professores das duasSociedades paulistas.

221

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No início dos anos 90 há, em São Paulo, oito Cursos ligados àformação em psicodrama: II da ABPS, o da SOPSP, o da Campineira, ode Ribeirão Preto, o do Vale do Paraíba (SOVAP), o do Sedes, o doInstituto Brasileiro de Psicodrama (1131') e o da Escola Paulista de

Psicodratna.

3 - DALMIRO BUSTOS E UMA OUTRA VERTENTE DO

PSICODRAMA ARGENTINO NO BRASIL

Apesar de Rojas Hennudez ter tentado manter seu nl<mopóliosobre o mercado psicodramático brasileiro através da AEPS c da criaçãodo FLAS,em ]973, outros argentinos continuam vindll ao Brasil, sllbre-

tudo por intermédio da SOPSPEntretanto, até 197~, é Bermudez, sem dúvida, o "mestre" do

psicodrama no Brasil, quadro que irá se modificar com a vinda deDalmiro Bustos, seu antigo colaborador, que rompera com a Associa\;-'ãoArgentina e fundara, cm 1972 - após sua formação em Beacon, comMorenll -, o Instituto de Formação em Psicodrama)acob L.Moreno.

Com o surgimento das duas Sociedades - ARPS e SOPSP - e comas vínd~l<;sisten1átícas ao Brasil de Bermudez c Bustos. a..,)sL.'ite-se,nasegunda metade dos anos 70. em São Paulo. ~latualização dasdivergência..'i e COll1petiçôes do movimento psicodrantitico argentino.

Em dezembro de 1974, em uma de Sl""S vindas ao Brasil, chamadopelo Departamento de Medicina do Hospital das Clínicas (tlSP)' DalmiroBustos é convidado por um grupo de psicodr::unatic;;ta.<)e pela SOPSP

para dar supervLsôes, grupos de estudo c fazer terapias. Assim. a partirde 197~, Bustos passa a vir sistematicamente a São Paulo c, por tergrande influência da psicanálLse em sua formação - havia articulado eimbricado muitos conceitos psicanalíticos aos morcnianos -, transmite

tal visão aos psicodramatistas paulistas.l~ a partir de então que, paulatinamente, as críticas e a grande

reação à psicanálise - presentes no olOvimento psicodramático paulistaem scu início - começam a se desfazer. A [()fInação dada por DaLmiroBustos quebra a profunda "medicaJização" existente na formaçãoberrnudeana, trazendo uma série de conceitos psicanalíticos para a

prãtica do psicodrama.

22.2

Para l11U itos psicodramatl'itas paulistas cntrcvi<;:tados, Bustos traztambénl tecnicamente lima formaçào mais "delnocrática", pois seutrabalho gru paJ é cemrado no protagonista e não no diretor: o gru po éque escolhe o assunto a ser tratado e () protagonista é ml1 membroindicado pelo próprio grupo. É o chamado "grupo autodirigido·'.Afinnatn que Bermudez. apesar de possuir um excelente lllanejo degnlpo, é bastante diretivo, uma veLoque "pinça" determinado assuntono gnlpo e () leva para a clr;lJnatiLoa~ão,C01n protagonistas escolhidospor ele, enquanto diretor.

Desta forma, na segunda metade dos anos 70, em São Paulo,começanl a ser mostradas mais cbran1ente algumas diferentes vi.e;;()csepostura.e.;com re1a\-':J.oà prática terapêutica psicodramitica~4: uma maismédica, enfatizando oS aspectos neurológicos e sofrendo influência deBernluclez e outra, nl:lis psicanalítica, sob influência de Bustos. Porém,seria extremamente grosseira e simplista a alusào somente a esta.') duasvertentes, se assiIn podem ser chamadas. Embora não seja objetivodeste trabalbo lima análi .••e dos diferentes enfoques teóricos dentro domOVlll1ento psicodramático brasileiro, acredito que algo maie;;deva sermencionado, mesmo que de forma um tanto superficial. Dentro dessesdoie.;grandes gnlpos há numerosas varia.;,:ôes:desde as correntes mais1110reniana.oe;senl grandes inJluências méciic;]s ou psicanalíticas, passandopelas que enfatizam o a,"'pectu intrapsíquico-relacional (o psicoc1ramacOlno um processo na esfera intrapsíquica), até a vi'ião de Fonsecasobre a Matriz de Identidade, quando faz uma aproximação ela relaçãodialógica de Buber com a tIlosofia existencial. Segundo Sérgio Perazzo,Fonseca é protagonie;;ta de unllllomento no mOVU11entopsicodíJJ11iticobrasileiro - final dos anos 70 e início cios lJO - em CJuehá inseguran,aentre estes profissionais que procuratn o respaldo de uma teoria dodesenvolvin1ento ela personalidade. Aspecto a que Bermudez já haviasc referido, ao elaborar uma psicopatologia do psicodralna dissociada -como já assinalei - do referencial morcniano.

Uma nova abordagem, no final da década de !'lO, vem se consubs-tanciando nos trabalhos de Alfreelo Naffah Neto: o psicodrama segundolima leitura nietzschiana30.

2() Segundo Anne-Ancelin Schutzenberger, internacionaimenttl, há rrê,~e;:;cola~clássicas de psico-drama: o psicodranu moreniano, o psicodranu analítico francês e () psicodrama trj:ídjco. In: OpciL, pp. ';7, ';8 te' S9.

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Sem dúvida, tem sido grande a produção na área das práticaspsicodramáticas, especialmente a partir dos anos 80, quando uma sériede livros sobre o assunto é lançada por psicodramatistas paulistas,dentre outros. Segundo levantamento feito por Sérgio Perazzo, até 1991,cerca de 34 livros de psicodrama foram apresentados no Brasil (algunscom tradução no exterior) e cerca de ~01 artigos foram mostrados nosdiferentes Congressos Nacionais de Psicodrama.

Em 1979, Dalrrúro Bustos, que hoje forma a quarta geração depsicodramatL,tas brasileiros, funda em São Paulo seu próprio Instituto

de formação: o Instituto Moreno.Pelo que foi exposto, pode-se atlrmar que o psicodrama no Brasil

_ pelo menos em São Paulo - sofreu grande influência da escola argen-tina: inicialmente, com uma proposta extremamente medicalizante; pos-teriormente, com uma proposta maL,psicanalitica. Todavia, não se podenegar que, não obstante tais influências, os psicodramatistas brasileirostêm desenvolvido novas formas de pensar a prática do psicodramaterapêutico, inclusive fugindo aos padrões vigentes nas clássicas escolasidentificadas por Anne-Ancelin Schutzenberger (ver nota nº 29).

4 - A NORMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS PSICODRAMÁTICAS:

AFEBRAP

Namesma época em que Bustos começa seu trabalho de formaçãono Brasil, tem início, também, uma preocupação, por parte qe algunspsicodramatistas paulistas: a de aglutinar as várias Sociedades depsicodrama espalhadas pelo pais. Partindo da SOPSP, executa-se umárduo trabalho de levantamento das diferentes Sociedades, incluindodados referentes ao número de pessoas formadas ou em formação,tipos de currículos, tempo de funcionamento, etc.

30 Alfredo Naffah Neto, de início, nos anos 70. fu:r: unu leitura do psicoc1rama a partir do materialismodiaJético, atraves princip:l.lmente de três de suas obras: Pskodrama: Descolonizando oImaginário. São Paulo, BrasiJiense, 1979; Pskodramatizar. São Paulo, Agora, 1900 e Poder.Vida e Morte na Situação de Tortura: Esboço de I [ma Fenomenologia do Terror. SãoPaulo, Huciteç 1983. Nos :mos HO,,' início 00.'190, por influência de Spinoza, Nid7sche. Dt'1euze e(,uattari, ek vem desenvolvendo uma nova leitura do psicodranu, atmv~s daS seguintes obras; OInco1L'iCiente. São Paulo, Atica, 198'i e Paixões e Questões de 11m Terapeuta. São Paulo,

A.Rma, ]989

224

Em 1976 é fundada a Federação Brasileira de Psicodrama(FEBRA?)que, segundo muitos entrevL,tados, "tenta superar os conflitosdo MASP, oriundos do rompimento com Bermudez". Em realidade,graças ã criação de um Conselho Normativo e Fiscal (CNF), a FEBRA?organiza e unillca para todo o país os critérios para a adrnL'5ão e seleçãode candidatos ã formação psicodramática e os critérios de escalonamentodas equipes formativas. Assim, "... os candidatos ã admissão dos Cursosde Formação de Psicodramatista devem ser, básica e preliminannente,graduados em Medicina ou Psicologia"" (grifos meus).

Além disso, são estabelecidos os critérios para a execução daterapia e da supervisão dos alunos e criadas cinco categorias hierár-quicas dentro da formação, ou seja:

"A}Psicodramatista -formado por Entidade Federada ou con-gênere, dentro das exigências estatutárias e regimentais daFEBRAP e do CNF, especialmente no relacionado a seus módulosde formaçáo e a seus gabaritos curriculares; B) Professor deAluno - B.1 - Professor Colaborador - para matCrias afins,simplesmente convidado. segundo critérios especiais e neces-sidades particulares, pela própria Entidade Federada; B.2-Professor Regular - de técnica pstcodramática, sendo basi-camente, psicodramatista formado e que esteja em exercício

profi'sional espeçífko; C) T"t'apeuta de Aluno - jimmldo porEntídade Federada à FEBRAp, ou reconhecida pela FEBRAJ~possuindo experiência em terapia psicodramátíca, possuindogrupos em disponibilidade para esta tarefa e, tendo feito Supervi-são posterior à sua conclusdo de curso - por um período mínimode 160 hs C ..); D)Supervisor - será exigido o preenchimentodas condições gerais expressas para o Professor Regular e para oTerapeuta de A/uno, e mais, em acréscimo, possua três anos detrabalho fJS'kodramático efetivo, após a obtençâo do título de Psico-dramatísta, e tenha apresentado, em Congresso de Psícodrama,ao menos um trabalho científico correlato à matéria , _"31

Hoje, o psicodrarnatista faz uma formação de aproximadamentequatro anos, seguindo o mesmo tripé analítico: curso, supervisões eterapia. O terapeuta de alunos, após sua formação; faz mais dois anosde supervisão, deve ter experiência com grupos terapêuticos e apresentarurna monografta teórico-prática. O supervisor é hoje chamado usual-

31 "Conselho Estabelece Normas para Funcionamento de Cursos~.ln: Revista Febnp. São Paulo,IvaIdGranatolMassao Ohno, Ano 1,nº 1, 1977, 2'5-26, p. 2'5.

32 Idem, pp. 2'5 e 26.

225

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mente de professor supervisor didata nas Sociedades de formaçàoCtn psicodrama.

A cxemplo da Associação Brasileira dc Psicanálise (ABP) e da11'1\, também a FEBRAI' congrega os estabelecimentos formadores empsicodrama. Estrutura-se, pois, com prop()sitos organizativos, norma-tiz.:l.clores,dL<;ciplinado[cs e corporativos, bem dentro dos tnodelos esubjetividades dominantes no meio '·psi'·.

Se já em 1968, quando surgiu o lOEI'SI', a lom13ção em psicodramatinha como modelo o tripé da forn13l;3o analítica. com a funcla\-~â() daFEBRAP estc modelo passa a ser normatizado c disciplinado" O qucantes t:lo radicalmente se combatia - aS hierarquias, a normatizaçào, oscspecialismos produzidos pela "verdadeira" pSicanáli,'ic c formaçãoanalÍlica ~ passa a ser natuf'J.lizado e mitificado por força da atua\-~:l()daFEBRAI'"

Se as práticas psicodramáticas em seu início buscaram produzirespaços instilUintes com rC'b~:ão~lhegcmonb ela psicanálise, à tneclidaque se expandem e s:1o aceitas por rllllilos profissionai.") "psj", insti-tucionalizam-se - por meio das Sociedades de j(XI1l.1çjo - c, tetnposdepois, produzem a FEBRAP, entidade nacional que complel:l c coroao processo de inslitllcionaliza~'ào, A hierarquia. a disciplina, o cspecia~ii"mo s:1o rcafirmadns c cada vez mais produzidos pelas práticas psi-codcun::í.ticas. Estas, ao adotarem utna rdal.;-'iomais aberta, mais Uexívelentre terapeutas/pacientes ou na forma\;-:3oentre professores/alunos,cm realidade apresentam práticas, sob lima outra maquiagcm, soh outmsvestcs, que geram saheres 13.0 hierárquicos e corporativos como a"verdadeira" p.sican~ilisc c a formação analítica,

Da mesma forma que o n)(wiJnento contracultura] no,'"anos 70 écooptado c :1ssimjIado pelo "S~")lema,. que t~lo radicllmcnte cotnbatia,também as práticas psicodral1láticas ao iniciarem sua instituciona\izat,,:3opercorrem o mesmo Gltninho: inlegram-se. seguindo as subjetividadeshegemônicas produzkbs na época.

A instituiçào formação psicodraIl13tica continua com suas práticasreproduzindo/produzindo, portanto, outros especialismos, outros ob-jetos de conhecimento, saberes e sujeitos,

A1gunc;;psicodramati"tas entrevistados declaram que hoje a psi-canálise está. "muito solta"~,se comparada com a formaçào psicodramá-

tica, a qual está "fl13.iscontrolada", face à existência das Sociedades e daFcclcr3ção" "Iloje todo mundo é psicanaJi'la", declara um psicoc!ran13ti,rapaulista, reiterando o mesmo arglltllento usado pelos nuis retrógradosdefensores da "verc.l:ldeira'· psicanáli."ic, nos anos 70 no Brasil, E, comorgulho, mostra que () Brasil, no início dos anos 90, é o único país queconseguiu organiz:u uma Fcdcra~::lo Kaciollal que congrega. diferentesS()ciedac1es elc f(lrm:l(,.~à()em psioldratl1a.

De acordo com os dados colctados, em 1()76 - à época da forma-<,,:;}O da FEBRAP -, havia no país cerca de 70U a HO() pessoas !ormadasou em forma\:-'ào em psicodram3; !lO início dos anos 90, há perto dejOOO a :3'100 pessoas. É de se supor que :l institucionaliza<,,:;10trouxe umgmnde "av3.!lt,,:()"e "pn)g-ress()" na dissctnin:lçà() das pdticas psic()~dranlátic:l.").SCIl1dúvida. isto ocorrcu,

'>t/em de dar {."as/um Icgal (' nO"'natil'a /)am a /wátíca psí-codramdtica, esta fl'deraçdo im{m1sionou c impulsiona a

mganizaçao dl'.~t('mO}!im~"tlto.J.'it..Jbilizou') CnnJ.:n:'ssos nacio-nrlÍ.sde jJsicodrmna, 'pl.lhlicou os anai\' destes con,gressos e outrosnumeros da "Ih!l'i.sta da Fehra/J ': /H"OtnO/)('u a/á/maçao de escolasl'ln 1'â/"lCL,•.lncal[dades A febm/J cm1f.,J1t'[.?a. em /988, .}7l"tltidacÜ-'!l'

qlU' âl'l>em s('guir ha.<;icamcll!e, os ("w<;mo..';)crilérios ( .. ) A/ral'és

dl'stas l'ntiduâes, .lllia apnJ.\"imadamente UOO J)rofissirmaisj)sicodtwnatis/a\ ".H

E o arg-umcnto utilizado em pro) da fllnda(,.'ào desta feclcraçàof\'adonal - além da impottância em se unificar a formac,.:;locm psicodr;::;mano Brasil - é o mesmo usado pelas Socicebdcs ..oficia i,," quando sereferem às oposi",'Ôes intCt11~L",Isto é•.a FEBRAP,segundo arguml'ntac,.'Üc.\")"p.sicologi7-antcs" c "J:uniliari,<;ta,<;",venl aproximar pe,..;soas que não sefalam por estarem emocionalmcnte cnv()/vicias l1(lS a.contecimentosdecorrentes do "racha" com BCrllllldcz e do ...•urgimento da ABPSe SOPSP,em 1~no.Conforme descrevem seus participantes, ao aludirem àehatnada "rclIniào da.",vaGl$ sagr~lcbs", seria este, aliá.<;,() espírito reinanteno I Congresso Brasileiro de Psicocli'ama, ocorrido em Serra Negra, em1976 - ocasi,,() em quc :1 FEBRAI' é oficialmente laÍl\;ada" Cerca de I 'ípessoas - os fundadores do psicodrama cm Sào Paulo, membros cioantigo GEPSP -, que IÜO .",eralam desde 1970, sJ.o confrontada."" .'Sobacoordenaçâo de Pierre \\leU - o menos "contaminado" pelos aconte-

.~:"o Alv<'.~.L.1L Op. dl. p. 12()

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cimentos de 1970 - que utiliza técnicas psicodramáticas para solucionartal "impasse emocional". Eis porque a afirmação "a FEBRAP supera aemocionalidade causada pela c"são com Bermudez" já faz parte da

história "oficial" do psicodrama no Brasil.Um outro aspecto presente nas práticas psicodramáticas e que

indicia um profundo corporativismo é que nos Congressos Nacionais,organizados pela FEBRAP, cria-se um verdadeiro "Clube do Bolinha",composto exclusivamente por psicodramatistas. Nenhum outroproflSSional "psi" é convidado a participar; panorama que mudará somenteem 1990, durante o Congresso de Psicodrama realizado no Rio de Janeiro.A explicação apresentada por alguns psicodramatistas entrevistados éque esta segregação deve-se à "paranóia" produzida pelo Congresso doMASP de 1970, que consagra uma enorme variedade de profISSionais e

práticas consideradas "alternativas".Mais uma vez argumentos "psicologizantes" são empregados para

justificar o fechamento do psicodrama. Este, que nasce no Brasil -dentro do contexto dos movimentos contracultural e do PotencialHumano - como uma prática aberta e crítica aos especialismos vigentes,vai rapidamente sendo disciplinado, normatizado e especializado. E aFEBRAP teve e tem um papel fundamental nesta disciplina, normatiza-ção, especialização, ao fortalecer, dentre outras, a subjetividade do corpo-rativismo, podendo, mesmo, sua organização ser apontada como urnasituação analisadora das práticas psicodramáticas.

n- O PSICODRAMA NO RIo DE JANEIRO

Se em São Paulo o psicodrama, no fmal dos anos 60 e início dos70, é uma forma de oposição à hegemonia das práticas emanadas pelaSBPSP, no Rio de Janeiro isto não ocorre. As práticas psicodramáticas sóse expandem mais efetivamente em solo carioca no final dos anos 70 enão têm as caracteristicas apresentadas pelos paulistas: oposição às práticasdas Sociedades "oficiais" de psicanálise, questionamentos sociais e

tentativas de implicação com a realidade.No Rio de Janeiro, diferentemente de São Paulo, os anos 70 são

marcados por um forte e corporativo movinlento de psicólogos que

228

desejam ter acesso à formação analítica monopolizada pelas Socieda-des vinculadas à IPA. Como iá foi mostrado, a prinleira metade dessesanos é caracterizada pela tutela de alguns psicanalistas "oficiais" aomovimento dos psicólogos. Na segunda metade dos anos 70, pelopróprio momento histórico, com a vinda da segunda geração deargentinos e o fortalecirnento do movimento lacaniano. há uma efetivaquebra desta hegemonia psicanalítica vinculada à SBPRJ e à SPR].

Se em São Paulo, na primeira metade da década de 70, o mono-pólio da SBPSP é ahsoluto, por não exi"tir um lnovimento "forte" de

psicólogos e a criação de grupos "psi" ~ até porque está garantida aospsicólogos a tórmação analítica "oficial" -, tal fato não se verifka entreos cariocas. Aqui, quando o movimento psicodranlático começa suaexpansão, já havia se iniciado a ruptura com a forn1ação analítica "oficial"até então hegenlÔnic.l. Outros movimentos, portanto, fazeol no Rio deJaneiro o que o psicodran1a realiza em São Paulo.

As próprias caracteristicas de prática "alternativa" il psicanáliseque o psicodrama exibe em seu início na Paulicéia não estão presentesno Rio de Janeiro. Não somente porque. no final dos anos 70. as prátieaspsicodranliticas - pela sua crescente instilucjonalizaçio, através da."i

Sociedades c da Federação - j:í estão integradas e cooptadas ao "siste-ma", como lanIDém porque o pequeno movimento psicodram.ático cariocado Imal dos anos 60 e início da década seguinte n:1o levanL'ltais questões.

É interessante - SOll1cnteà gui~ade unIa breve referência, vistoque este assunto recebe um tratamento maior no Capítulo seguinte -assinalar a existência no Rio de Janeiro, aoteriornlente ao início domovimento psicodramálico. no final da década de 'i0 e na de 60, detrabalhos de dinâmica de gnlpo de inequívoca influêntia norte-ameri-cana. Trabalhos cstes que irilo, indubitave~llcnte. sehsibilizar algunsprofissionaL> "psi" para a formação psicoclrJmátiea.

Enquanto a grande parcela dos psicólogos cariocas é tutelada pelospsicanalistas "oficiai,,>", existe Ullla outra, forma(ta quase que por

psicólogos também interessados na clínica, que ir:í se dedicar a trabalhosgmpais. llá, portanto, no período - dentro do momento histórico jáapresentado e no rastro do Movill1cnto do Potencial Humano - umabusea pelas dinâmicas de grupo, sensitiuily-training, "desenvolvimentointerpessoal" e em algumas cmpresas a aplicação dos T Grnup. Em

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realidade, é uma parcela pequena, mas este enfoque grupalimpulsionará, dentro dos processos de subjetivação hegemônicos àépoca, alguns desses profissionais ao exercício de uma formação

psicodramática.Para um melhor entendimento, vamos à história instituída do

psicodrama no Rio de Janeiro, que pode ser dividida em dois momentos:o irúcial, com o psicodrama triádico de Pierre Weil, e o que marcará ofmal dos anos 70 com o surgimento de duas Sociedades de formação,uma delas sob a influência dos psicodramatistas paulistas.

1_O PSICODRAMA TRIÁDICO E A SOCIEDADE BRASILEIRA DEPSICOTERAPIA, DINÂMICA DE GRUPO E PSICODRAMA

Para Anne- Ancelin Schutzenberger a tríade é uma "metabolização"

dos enfoques de Freud, K. Lewin e Moreno.

_ una extensiõn representada (psicodramatícamente) de Iaviven.cia de un grupo de "grupo-análisis '; empJeando a la vez latransferencia .Y la dinámica de grupo, conw todo el arsenalclássico dei pstcodrama nwreniano ( j No se trata de unayuxtaposición de jJoslctones teórica..•diferentes, incluso opuestas,sino de una unión. de una metabolización de to esencial deellas

Jde almocárabes C.,). Tomar como única ley la necessidad

de ana/Izar todo lo que acaece en el grupo y lo que se hace, ytener en cuenta las dimensiones de/iru;onsciente ComoJuerzilS

latentes dei grupo y diversos resortes dei psicodrama(obedeciendo a las regúls de neutralidad benévola)' de unacierta distancia deI análists, y de /aanotaci6n de transferendacomo técnú;a de represenJaci6a dramdtial y de la posta enevtdencia de la red de comunicación y de lasjuerzas de grupo).Las interoenciones se bacen a la vez a rdvel del grupo Y deiindividuo, ai firo de la navaja de afeitar entre el grupo y elindividuo, a partir de la hipótesis que el discurso dei grupo y laviveneia de un participante están - y sólo pueden estar - eneone.xión con el aqui y abora dei grupo y /as relaciones con laautorldad y el monitor. Se !iene en euenta ellenguage dei euerpo,el fYU!talenguage, las intervenciones dei motUtor son opuedem ser interpretacíones" 34 (grifas meus).

Esta longa transcrição prende-se ao fato de que se pode, a partir

34 Schutzenberger, A.A. op. cit., p. 59.

230

dela, perceber que o psicodrama triádico não aborda as questões queo psicodrama como prática "alternativa" à psicanálise suscitou, no fmaldos anos 60, em São Paulo. Mantém os conceitos de "inconsciente comoforça latente", de "neutralidade", de "transferência" como uma "técnicade representação dran1ática" e as interpretações. Preservam-se, portanto,o poder e o saber dos especialistas, da interpretação e da neutralidade;questões que, seguindo o rastro dos movimentos do Potencial Humanoe contracultural, são profundamente criticadas pelas chamadas terapias'·alternativas" que pretendem produzir outros tipos de prática.

Para o psicodrama triádico tais questões não se colocam. E é noRio de Janeiro que esta forma de reflexão sobre a prática psicodramáticaaparece no fmal dos anos 60.

Em 1969, Pierre Weil - dentro dessa orientação - organiza umprimeiro grupo de terapia psicodramática por dois anos. No ano seguinte,funda, em Belo Horizonte, a Sociedade Brasileira iJe Psicoterapia,Dinâmica de Grupo e Psicodrama que, mais tarde, em 1974, teráuma seção no Rio de Janeiro.

Em 1970, ele cria - através do CEPA, no Rio de Janeiro - quatrogrupos de terapia psicodramática, visando a uma jc,rmação. O estabelecidoé que os dois primeiros anos são exdusivamente voltados para a terapia,antes do irúcio de qualquer formação psicodran1ática.

No final dos anos 70 e início dos 80, Pierre Weil inaugura outrasseções da Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo ePsicodrama, como a de Brasilía, Juiz de Fora e Uberaba. A sede per-manece em Belo Horizonte e, no início da década de 90, são, portanto,cinco seções que formam a Sociedade Nacional de Psicodrama Triádico.

Somente a seção do Rio de Janeiro se agrega à FEBRAP;entretanto,as cinco seções que jc,rmam a Sociedade de Psicodrama Triádico sãoassociadas ao World Center fundado por J. L.Moreno.

2 - O PSICODRAMA MORENIANO: A SOPERJ, A SOCIEDADEMORENIANA E O CPR)

Em 1980, Ronald de Carvalho - que havia feito formação comPierre Weil, no final dos anos 60, e esteve presente na Sociedade Brasileirade Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama desde a sua fundação,

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tendo sido seu presidente em doL, mandatos -, aparentemente pordL,cordâncias teóricas, atasta-se desta Sociedade com um grupo emformação e funda a Sociedade de Psicodrama do Rio de Janeiro(SOPERJ), de orientação moreniana,

Esta Sociedade, surgida, em realidade, de lutas pelo poder, trazpara o Rio de Janeiro uma outra postura denu·o elaprática psicodramática:a orientação morcniana-cxi<;tencial. Segundo enlrevistl com o seufundador. observou-se que "o psicodrama seria a técnica que estariafaltando à terapia exL,tencial".

Em 1986 há uma ri,ão na SOPER]. Após Ronald de Carvalhodeixar sua presidência. a diretoria seguinte pensa em abrir tunnas paraa forn13.\-":1oem psicodrJ.ma pedagógico, provocando com isso, segundoalguns, o afastamento de Ronald c de um grande grupo que vãoformar a Sociedade Moreniana de Psicodrama. A SOPERJ, ficandosomente com cinco pessoas, enfrenta grandes dificuldades, porém aolongo dos anos vai se reorganizando.

A outra Sociedade de psicodrama carioca, o Centro de Psico-drama do Rio deJaneiro (CPR,J).é fundada, em 1982, e se origina deum grupo de doze pessoas que, em 1l)77, inicia sua rortna~'àopsicodramáLica na Sociedadc Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica deGrupo e Psicoclrama. Rona1clde Carvalho, presidente naquele período,chama para terapeuta deste gn'po o pSicodramatL'1.:1paulL,taJosé FonsecaFilho, ligado à SOPSP que possui uma orienta~ão morcniana-exL,tenciaicom influência de M. Buber.

A proposta - seguindo as normas da Sociedade Brasileira dePsicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama, fundada por Pierre Weil- é a terapia por dois anos, para depois tcr início a fornlaçãopsicodramáLica. O gmpo propõe uma fonna~'ão paralela à ter.lpia, fatoque a direção da Sociedade não accita O grupo sai e a SOPSP assumc aresponsabilidade pela fonna~·ão.

Quando se fonnam) resolvem fundar lima outra 3,.'isociaçào, poisnão pretendem se filiar à BrcLsiJeira,quc tem uma orientação triádlca, enem à SOPERJ, que, embora de enfoque moreniano, tem à sua fremeRonald de Carvalho. Assim, é criado o Centro de Psicodrama do Rio dc

Janeiro.

Em 1985 o CPRJ procura estabelecer uma metodologia psico-

clranlática para o ensino do psicodratna. Para isso ehalna de São Paulouma psicoclramatis!a pedagógica" que treina um grupo de professoresc alunos no sentido de construir uma nova fonna de ensinar e deaprender. Urna ["rmação em que, além das informações passadas,pudesse haver Ull13.metodologia psicodranütica, pronl()Vcndo a leiturado grupo de formação, trabalhando as expeetahvas, etc.

Depois desta experiência, é implantada, em 1987, a formaçãoem psicodrama pedagógico, chamado no CPRJ de "psicodrama apli-cado". Hoje, no Rio de Janeiro, o Centro de Psicoclralna é un1 dosestabelecinlentos mais fortes na formação psicodramâLiea, poL, alémde ter um maior número ele membros formados e em formação, nãoteve grandes crises ao longo desses anos. É, tanlbélll, a Sociedade lnai~

vinclllaeL1aos psicodramatistas eLoSOPSP, por sua própria hL'tcíria.

Pela hi,)lóriJ. inslilukb do lllovuncnlo psicodFJJ1lático carioca epelo pequcno número de profLo;;;sionaisatuantes na área -se comparadocom a Paulicéia e, diJerenlemente de lá - não há maiores compelições.Tanto que, especialmente entre a SOPERJ e o CPRJ, há constantes esi"tcmáticas troca.s de professores que são convidados a dar cursos nasduas Sociedades.

Contudo, entre as abordagens moreniana c triádica ocorremconstantes trocas de farpas. 0,<;;primeiros colocam veementemente queos psicodramatistas formados pela Sociedade Brasileira de Psicoterapia,Dinânlica de Grupo e Psicodrama não são morenianos, já que utilizammuito mais as técnicas dranláticas c nào o método de investigaçãomorcniano. A concepção de homem e os fundamentos teórico/filosófi-cos de Moreno nào são levados em conta.

Os psicodram.atistas triáclicos observaol que os morenianos ficamsomente na cena e no feedback, não aprofundando os conteúdos dogrupo. Não têm, portanto, UI11 trahalho interpretativo empregado à rela-ção transferencial. "Os (Hltros dizem que nào fazemos psicodranla; nósos acusanlOS de só fazerem psicodrama_ Nós não .ficamos só no psi-COclralTIa, pois além da form.aç:lo triádica, .somos psicoterapeutas ana-líticos", argumentam enfaticamente.

Constata-se que, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, o

.3') ÉMaria Antônia Kouri Darci que, <.:OmSão Paulo, [X)ssui um Centro de Formação em PsicodramaPedagógico: o Reverso.

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psicodrama como prática "alternativa" à hegemonia psicanalítica poucoproduziu neste sentido.

No primeiro caso - em São Paulo -, logo foi institucionalizado eperdeu a riqueza instituinte que ostentou em seus primeiros anos. Nosegundo caso - no Rio de Janeiro -, não chegou a exibir tal produção:foi forjado, desde seu início, dentro do modelo psicanalítico de forma-ção. E mais tarde, quando ganha terreno a concepção moreniana quequestiona esse modelo, encontra um movimento psicodramático a nívelnacional, controlado, normatizado e disciplinado pela FEBRAP.

Apesar disso, não se pode deixar de afIrmar, como já o fiz noinício deste Capítulo, que, em São Paulo, o psicodrama ajudou a quebraro monopólio das práticas psicanalíticas, embora, mais tarde, fosse porelas cooptado.

A riqueza de detalhes - aqui sinteticamente abordados - sobre ahistória instituída do movimento psicodramático paulista, se compara-da com a do Rio de Janeiro, salienta as enormes diferenças entre os doismovimentos. Sobre o primeiro, existe algum material escrito36 e, sobreo Rio de Janeiro, praticamente nada. Compreende-se, por isso, adefasagem de informações que neste Capítulo pode ser encontradacom relação à história dos dois movimentos.

m- ALGUMAS SITUAçõES ANAliSADORAS DAS

PRATICAS PSICODRAMÁTICAS

Estas situações vieram ao meu encontro ao empreender o levan-tamento da história instituída do movimento psicodrarnático paulista.Elas próprias realizam "por si mesmas" a análise, sem a necessidade de"peritos" para esclarecê-Ias e são, por conseguinte, formas de intervenção,formas de se entender melhor as práticas produzidas pelo psicodrama.

Além da situação já citada, por ocasião da fundação da FEBRAP,no item anterior, apresento aqui duas outras situações analisadorasque denominei poder médico e psicodrama pedagógico.

36 Ver os livros e artigos já indicados, anteriormente, que se referem ao movimento psicodtamáticopaulli",.

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1- O ANAllSADOR PODER MÉDICO

Em 1%8, quando da organização da comissão que se tornou acoordenação do GEPSP, já se pode notar o grande número de médicospresentes.

"A própria coordenação é con.'llftuída por sete médicos e uma

psicóloga, sendo a inclusão desta profissional aceita a contra~gosto por Bermudez que não a queria por ser psicóloga e mulher;segundo depoimento dessa coordenadora do GEPSP Ai se impõeum viés médico com que o psicodrama se estrntura, além de teruma orientação ínequíooca para o campo "psi" Esta orientaçãodetermina desde o início (. ..) uma espécie de controle corpora-tivo"37

Um dos critérios para a escolha desta Comissão, proposto pelopróprio Bermudez, é sua representatividade em relação aos principaisestabelecimentos de saúde mental de São Paulo, como a Psiquiatria doHospital do Servidor, a Psiquiatria do Hospital das Clinicas, o INPS, oJuqueri, o Sedes Sapientiae e a Santa Casa.

Na própria equipe de R. Bermudez, que o acompanha para aformação em São Paulo, só há médicos e se constata que:

.. em 10 anos (ie existência da Associação Argentina dePsicodrama ePsicoterapia de Grupo, somente 13 diretores foramformados, todos médicos, 9 diretores em tknica psico-dramdtica (não terapeutas e não mAdicos) elO egos-auxiJiares"38 (grifas meus).

J. R. Bermudez traz para São Paulo e para o psicodrama o modelomédico39 fortalecido pela APA, visão hegêmonica nas Sociedadespsicanalíticas "oficiais" cariocas, embora não utilizado pela SociedadeBrasileira de Psicanálise de São Paulo, mas aceito pelos psicodrama-tistas paulistas.

Sobre o assunto, é interessante a própria fala de Bermudez, aodescrever o I Congresso Internacional de Psicodrama realizado em. ,Paris, em 1964, quando participa, a convite de Moreno, como Diretorde Psicodrama. A certa altura relata: .

37 Alves, LH.Op.cit.,p. 116.38 Cusch.nir, L. Op. cit., pp. 50 e ';1.

?f) Sobre o assunto ver o artigo de Perazzo, S. "Moreno, Dom Quixote e a Matriz de Identidade: UmaAnálise Crítica~. In: Aguiar, M. (Org.) p. cit., 1';7-167.

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"Ainda recordo vivamente (. ) a Babel teórica das MesasRedondas e a falta de st.."temaHzaçáo no ensino do ?:'úodrama.Aminoria dos assistentes era de médico..••e a mnrorUlpro-vinha de outras dreas de trabalho, muito diferet1tes. lndu-bitavelmente, o campo era propicio para adentrar em suainvestigação e uiteriOt·sistematizaçâo. As variadas contribuiçâes,dos mais diversos campos, indicavan, a ductilidade doinstrumento Psicodrmtul. o qual estava sendo utilizado comoum recurso técnico para outros enfoques teóricos. Por outro lado,SIM aplicação indiscriminada, por indivúhlOs .fem umaformação adequtlda, levava muitos a confundir, por exemplo,os exercícios de improvisaçào teatrais com o Psicodrama Ao

considerd-lo es.çencialmente terapl!Ulico decidi que minhatarefa, em princípio, estaria dirigida a atingir este (~foque e aconferir-lhe um corpo teórico congruente com suametodologia. Assim, comecei a trahalhar em duas linhas __umaclínica, de inlJestigação (.,.), e outra teórica, de elahoraçao esístematizaçao da obra de Moreno"40 (grifas meus).

Percebe-se que o psicodrama, na época, ainda como uma prática"alternativa" i hegemonia psicanalítica, aberta a dü'erentes profi'5io-nais, está prestes a ser normatizado, disciplinado e medicalizado porBermudez. Este se propõe - e consegue - "a conferir-lhe um corpoteórico congruente com sua metodologia", preocupando-se "". com aconstruçio de uma teoria de desenvolvimento ou de uma psicopato-[ogia psicodramática"41- idéias que nio estão de acordo com a propostamoreniana, conforme muitos asseguram.

Entretanto, meu objetivo aqui nio é uma an:m~e das diferençasteóricas entre Moreno e Bermudez, mas averiguar que tipos de práticassio produzidas em cima dessas diferenças e que efeitos estio forjando.

Pela análi~e do programa do Congresso de 1970, realizado noMASPao se verificar os estabelecinlentos que apóiam o referido evento,enco~tratnos, dentre os quatorze grupos que se colocam como aderen-tes, nove ligados à área da medicina/psiquiatria"2.. Por este númeropode-se avaliar a forp que oS estabelecinlentos psiquiátricos têm juntoao nascente movllllento psicodramático paulista.

40 Bermudez, R.GJ- Op. ÇiL,pp. 14\ e 142.41 Perazzo, S.Op. dt., p. 160.42 Programa dos Congressos Internacionais de PSiCOc!rJ.ffil c SododrJ.ffi:l L'de Comunidade Tcrapêutic:t-

Op. cit., p. OS.

Este modelo médico e estas subjetividades fortalecidos porBermuclez e pelos médicos c psiquiatras pauli.,tas que se interessarnpelo psicodran1a produzem a seguinte situaçào no GEPSP: só se fOnl1al11COlnodiretores de psicodrama os tnédicos-psiquiatras, em sua maioriah01l1t'n."i.Os psicólogos, etn grande parte mulheres, só podem ser egos-auxili.'lfcs e, no nláximo, chegar a diretores em técnica psicodralnática,ou seja, não são considerados terapeutas, sào técnicos. Depois de nluitasbrigas com a equipe argentina e a coordenaçio do C;EPSP,conseguemos psicólogos o diplorna de diretores em técnica psicodranlática.

"E entendimento do Dr R(~ia.~Rermudez que a funçào de Dire-tor só pode ser exet-cida por médico psiquiatra e a de ego-au.viliarpor médico ou psicólogo (esta «.firmaçdo só fIai se concretizarcom a publicação da Regulamentaçao da jonnaçào de terapeu-tas do Instituto de P..•..,:codrama do Crupo de Psicodrama de Silo

Paulo. em d('zernhro de '%0, para r/gorar a partir de março de1970r4.~.

É importante esclarecer que, no psicoc1ram.aterapêutico, à época,o ego-auxiliar é o "tarefeiro", unla vez que as "tarefa--'i"no grupo sãofeitas por ele. O diretor, ao contrário, é aquele que pensa, que planejapara o ego-auxiliar executar. Este é, deste tllodo, 01ero executor dastarefas pensadas e planejadas pelo diretor. Reproduz-se a divisio socialdo trabalho no mundo capitaJistico, em que aqueles que detêm o saber,os "competentes", sào vt"'tos como quem de fato entende do assunto,os verdadeiros ilul11inados.

Essa divis:lo entre os que ocupam o lugar elo saber - os "colllpe-tentes'·, ou seja, os especialistas - c o lugar do nào-saher - os"incOlupetentes", isto é, os técnicos e n:lo-terapeutas - acureta efeitossociais poderosíssimos, O discurso da "competência", possuindo regraspreci.,as de exclusão e de inclusão, torna-se instrunlento de dominação,cleintitnidação, Ulna vez que estimula. sentinlentos ele incOIllpetência,de inferioridade; subjetividades eficazes no sentido de menorizar, dedesquali1kar e de marginalizar os ditos "nio-com!wtentes".

A instituição pSic()cirama,que almeja questionar as práticas psio)-terapêuticas instituídas, faz com que suas próprias práticas procluzan1/reproduzam esses processos de subjetivaçào.

{"I Navarro. M.P, Op_ cit., p. 2'50.

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Está, portanto, a divisão social do trabalho presente nas práticasque se pretendem "alternativas", manifestando-se de forma natcral eracional. Tal separação entre os que podem planejar e os que somenteexecutam - flagrante nesta situação analisadora - está sendo fortalecida,produzida e reproduzida em todos os niveis da, formações sociaiscapitalísticas. Tanto que, no mercado psicodramático paulista, o ego-auxiliar ganha, na época, cerca de 20% a 25% sobre a remuneração dodiretor do grupo. No inicio de 1970, em São Paulo, conta-se que háquatro psicólogas mulheres que, como ego-auxiliares, percorrem diver-sos consultórios particulares de psicodramatistas - todos homens emédicos - para cumprir e executar as tarefas planejadas por eles (osdiretores dos grupos, os "verdadeiros" terapeutas).

Esta situação permanece regulamentada nas Sociedades de psicodramaque se organizam em SãoPaulo até 1976,ocasião em que a FEBRAPé fundada.

Entrementes, a "incompetência" e a "inferioridade" geradas sãomuito fortes e somente com o tempo - mesmo após a prescrição de talregulamentação - as psicólogas, quc haviam se formado como técnicasem psicodrama, vão aos poucos encarregando-se da direção depsicodramas, assim mcsmo, inicialmente, em co-direção. O Congressode Goiãnia, em 1980, marca a entrada dessas psicólogas dirigindopsicodramas públicos e se assumindo enquanto psicodramatistas,comentam alguns entrevistados.

Por esta situação apresentada, averigua-se não somente a forçado poder médico, mas, sobretudo, o fortalecimento do especialismo edo corporativismo com os efeitos que forjam: a desqualificação dedeterminadas práticas em função da qualificação de outras. A produçãode "práticas dominadas", "marginalizadas" e "inferiorizadas", no dizerde Foucault", é legitimada e, por extensão, aceita socialmente pelatirania das que se colocam como "superiores" e "verdadeiras".

Este argumento, que é utilizado pelo discurso "dentífico",pelo discursodo especialismo, é absorvido por práticas que, em sua origem, questioname visam romper com tais monopólios. O movimento psicodramático im-plica, desde seu inicio,essas prática" esses saberes, esses sujeitos de conheci-mento, embora pretenda negá-los em seus di,cursos.

44 Utilizo aqui o que Foucault coloca para os ~saberes domínados" in Microfisica do Poder. Op.cito

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2 - O ANAIlSADOR PSICODRAMA PEDAGÓGICO

Dentro desse modelo médico e dos processos de subjetivaçãonele presentes, uma outra situação ocorrida na história instituída domovimento psicodramático chamou-me a atenção: a do psicodramapedagógico.

Desde o início do funcionamento do GEPSP há turmas para aformação em psicodrama pedagógico que, se comparadas ao númerodos que procuram o psicodrama terapêutico, são minorirãrias. Em 1970,por exemplo, à época do Congresso no MASP, temos no GEPSP, emformação, onze grupos de psicodrama terapêutico e quatro de pedagógico.

A formação em psicodrama pedagógico traz, desde seu início emSão Paulo, a marca de uma prática de segunda categoria. Em 1968, oGEPSP regulamenta a entrada de outros profissionais não-médicos,somente para o curso de Jogos Dramáticos. Os Boletins n" 01 e 02 assimenunciam a questão:

" serão admitidos neste curso: médicos, psicólogos, assistentessociais, sociôlogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, peda-gogos, orientadores vocaciona.is, sa.nilarisias ou estudantes dessasespecialidades (_.,)_ Fundamentalmente serão desenlJOJvidastécnicas dramt1ticas aplicadas ao ensiNO nesses cursos, (quepodem ser) considerados uma "porta de entrada" para oPsú:odrama de modo amplo ',4S (grifas meus).

Em 1969, ligado ao GEPSP, é organizado por MariaAlicia Romafia'"- da equipe de Bermuclez - o curso de psicodrama pedagógico quefunciona em local diferente do terapêutico.

No Congresso de 1970, nenhum dos 143 egos-auxiliares pertenceàs turmas do psicodrama pedagógico. Pela análise do programa desteCongresso, percebe-se que os temas são essencialmente relacionadosà área terapêutica; sobre o psicodrama pedagógico são pouquíssimosos assuntos comentados.

Em final de 1970, quando há a ci,ão do movimento psicodramá-

45 Boletins do GEPSP nQ!!01 e 02, de 1968, citado.."in Alves, L.H. Op. cit., p. 116.46 Maria Alicia Romafla, tendo feito formação em psicodrama na Associaçâo Argentina de Psicodrama

e Psicoterapia de Grupo, dedicou-se a "construir um marco teórico adequado para sua aplicaçãona educação", surgindo daí o Psicodrama Pedagógico. In: Romana, MA. PslcodramaPedagógico.São Paulo, Papiros, 1987, p. 19.

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tico paulista e o surgimento de duas Sociedades de formaçào (a ABPS ea SOPSP), os alunos do pedagógico agregam-se a esta última. Entre-tanto, na assembléia de fomu~'ão deste estabelecimento, a propostaaceita por maioria estabelece que o grupo ligado ao pedagógico não(Cln direito J voto. OCOla ser votado: sào sócios aderentes. As turmas depsicodranu pedagógico não aceitam tal situação e retiram-se.

Mais unu vez, o poder médico se impõe; os terapeutas, que noGEPSP sempre tiveram hegemonia, agora, claramente, "expulsam" aspedagogos. As Sociedades de psicodrama que se organizam naquelen101nen[Q tratanl única e exclusivamente ela formação terapêutica. A

pedagógica é desqualli1cada, é inferiorizada. O que esti coerente comos processos de subjetivação fortalecidos no meio "psi" daquela época eainda hoje vigentes é unu cena atuação clinica, superior ãs c1emaLs.Assim, o modelo valorizado e de referência é o do terapeuta, o doproftssional liberal.

Em 1971 organiza-se uma associação dos psicodramatistas pe-dagógicos paulistas c, no ano seguinte, !v1arisaNogueira Grccb - quehavia feito o curso no GEPSP - e Maria AliciaRomana limdam a primeiraescola de psicodrama pedagógico: a Role-Playing Pesquisa eAplicação.

"E imporlantr: reconhecer que a l'er/ente adjf!tivada pedagôgkaimpn'me um conJunto de iniciatil!a.ç e gradualmente vem seestrutumndo como prática com penetraçdo social crescente enu~ecedora de um estudo ,nais profundo, () proce..'\sode ci'>doentre essas duas 1!('1tentes(a terapêutica e a pedagógica) ndoesconde o controle que a dre(l "psi" exerce desde o início domol'imento e, segundo Marí'OaGreeb, denuncia 0/.,' interesses

corporatilnstas dos medicos psiquiatras em primeiro lugm;secundados pelos proft.'Osionaispsicólogos. Canota-se também queaié pritJilegitlda a dimensão clinica e terapêutica do pr~jetomoreniano"4' (grifos meus),

Contúrme as subjetividades dominantes no meio "psi" (nãosomente brasileiro. mas mundial), a instituição formação psicodram:í-tica - da mesma fornu quc a analitica - produz priticas que valorizamdeterminado saber - o clinico - em detrimento de outros, Como já

assinalado, ao descrever o I Congresso Internacional de Psicodranu,

47 Alves, L.H. Op. cil" p. 12.~

em 1964,J R. Bermudez declara que considera o psicodrama "essen-cialmente terapêutico" (ver nota n\.! 11) c esta forma de ver a práticapsicodramática é, sem dúvida, aceita e difundida pelos psicoclramatistaspaulL5tas. em sua maioria.

O programa da escola Role-Plaviug denuncia tal lato, observandoque:

opsicodmma somente era conhecido como técnica terapêutica,( ) h'mbora não se possa afirmar de modo consCientf', o proces ..':;Ode dicotomizar o homem era claro, o terapeuta trahalha com asemoç(ks (., ) e o pedup,ogo, com o conlelKio dos conhtximentos aserem transmitidos t, .) A fonnaçáo em jJsú.~()drama!Jedagógicofoi sea/m'ndo jJara outms pm!issionuú, nao S01Y1i:'11ledaeducaçdo,('Otopomue pensamos que todo o /J,,?Ii<;.'Olonull'indo da area que1'ler tl'1n o din.~to de melhot"tu' seu de,'Oempenboe, em se tratandode pessoas que lidam com grupos, por que nào te" tJ(.:e.'>Soa umamelodologia de açao Jànlitadora dt, trahalbo com as relaçoesinte,pessoais? h\sas nuo sào me,'cac/orfas, portanto, toda adiscritninaçilo de aprendiza/.:enl nm. diz tm'lis da reservade mercado do que /,ro/Jriamente dt' competéncia "48 (~if()s

meus},

Apes~r de estar aind~ m,arcacla peh<.; subjct.ivicbdes domin~ntes nos

anos 60 c 70 - a ênfase na melhoria d'L' "rclaçôes interpessoai"', na "açàobcilitaclora" no trabalho, na "melhoria cio desempenho" e no "di."lcurso da

competência" - a proposLa (13R()le-Pla~}jng rompe com () cOlpor:ltivi"mo

"psi", assinalando que a questão gira em tomo de lI11tl "reSCl'\lade mercado "

e de uma desqualinCl~:ào de tudo o que nào seja terapêutico.

Em 1972, já existem cinco grupos de forma\-'~10 em psicodramJ.

pedagógico na Role-Playil1g, Ilavcndo por isso lima grande dcmanda.Procura-se, atrJ.vés das técnicas psicoclram:íticas, um tr3halho maL"questionador na educ3(,.~~l(),uma i11lplicacào política que as pd.Licaspsicodramáticas terapêuticas no Brasil vJ.() perdcn<i{),

Ao longo dos anos 70 outras escolas, de fonnaçlo em psicodrama

pedagógico vão surgindo em São Paulo.

Em 1976, quando a rERRAP é lundada, os grupos ligados aopedagógico são excluídos, Da mesma forma que as Sociedades de(ormaçio psicodram:ítica, lambém a FEBRAP surgc para dL,ciplinar e

48 Role-Púlying: pesquisa c participação. São Paulo, II)H7,min1Cogr., pro OJ l' 02.

,Yíl

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normatizar as práticas terapêuticas do psicodrama. O pedagógico conti-nua a ser compreendido como um psicodrarna de segunda categoria,da mesma forma que o psicodrama é visto pela psicanálise como umaterapia de segunda categoria.

Alguns argumentos são utilizados pelos terapeutas psicodrama-tistas: "na época da FEBRAPo pedagógico não fez parte, uma vez queos terapeutas estavam tão confusos entre si, tão conflituados devido ao"racha" surgido após o Congresso de 70, que incluir uma formação tãodiferente era muito difícil". "Na verdade, os tempeutas psicodramáticosnão estavam, na época, em condições de "lidar" com eles próprios,que dirá "lidar" com o pedagógico". "Somente depois que se resolveuo problema entre os terapeutas é que se começou a pensar nopsicodrarna pedagógico".

Vislumbram-se as argumentações tão ao gosto das práticas "psi"dominantes então, tão próximas das falas dos psicanalistas "oficiais", tãobem encaixadas nas subjetividades "psi" hegemônicas. Tudo é tratadosob a prinlazia do intirni,mo, segundo análises psíquicas, psicológicas eemocionais dos sujeitos que participam de determinados acomecimentos.

Embora os terapeutas psicodramatistas, em sua quase totalidade,considerem o psicodrama pedagógico como uma prática menor, algunsdeles, associados ã SOPSP - os mais progressistas, por sinal -, contri-buem para a formação na Role-Piaying e em outras escolas paulistas.

O fato de a formação no pedagógico estar aberta a qualquer um,sem exígência de curso universítário - as práticas é que irão definir aentrada ou não na formação - e a não-obrigatoriedade de terapia emmuito incomodam e agridem os psicodramatistas. Estes - e a criação daFEBRAPo COnflfllla- têm como modelo as instituições formação analíticae a academia, que são reproduzidas por suas práticas ao longo de suahistória, embora seus discursos questionem e neguem essas instituições.

Ainda que os psicodrarnatistas pedagógicos sejam convidadospara os Congressos da FEBRAPe deles participem, somente em 1990são aceitos como membros efetivos desta Federação.

Desde sua criação, as escolas de formação em psicodrama peda-gógico têm realizado, também, inúmeros trabalhos de assessoria emdiferentes estabelecimentos: escolas, cursos, empresas, LTeches,partidospolíticos, etc. Relacionados a este aspecto, estão outros argumentos de

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alguns terapeutas psicodramatistas para a não-inclusão do psicodramapedagógico na FEBRAP.Observam que essas escolas de formação estãoestruturadas canlO empresas, visando ao lucro, não ocorrendo isto nas

Sociedades de formação em psicodrama terapêutico. Discurso hipócritae !à.lso,porque finge ignorar que, mesmo em seus consultórios privados,as práticas psicodrarnáticas, como qualquer outra prática, estão estru-turadas em cima de um mercado capítalistico, regido pelas leis da ofertae da procura e que condicionam as relações entre capital e trabalho.Tenta, ainda, dar a entender que as Sociedades de formação, diferen-temente das escolas de psicodrallla pedagógico, não estão voltadaspara o lucro, nlaS pura e simplesmente para uma formação, a qualestaria abstratamente acima das leis do mercado capitalí,tico.

No Rio de Janeiro, os cursos de formação no pedagógico surgembem mais tarde que os ligados ao psicodrarna terapêutico. Também emsolo carioca, as Sociedades de psicodrama constituem-se para, exlu-sivamente, tratar da formação de terapeutas. Todavia, há uma diferença:se na Paulicéia as escolas de formação em psicodrama pedagógico, pelaprópria história instituída do movimento psicodramático paulí'ta, estãoe continuam até hoje separadas das Sociedades de formação em psico-dranla terapêutico, no Rio de Janeiro isso não acontece, já que há dua$Sociedades (o CPRJe a SOPERJl que, a partir da segunda metade dosanos 80, além da formação em psicodrama terapêutico, oferecem cursospara o pedagógico, sob a denominação de psicodrama aplicado. Noâmbito fluminense, também evidencia-se a desqualificação desta formação,até porque o tempo de formação é bem menor que o exigido para opsicodrama terapêutico.

IV - ALGUNS EFEITOS DAS PRÁTICAS PSICODRAMÁTICAS

Chegando a um determinado ponto - e não a um final - nacaminhada que me propus fazer no território psicodramático, é impor-tante assinalar que este Capítulo não pretende em hipótese alguma"concluir" ou "fechar" algo em relação ã expansão das práticas psico-dramáticas no eixo Rio-São Paulo, nlaS apenas refletir sobre como taispráticas foram sendo produzidas e que efeitos geraram e continuamgerando.

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Se, em seu início, as práticas psicodramáticas - C0111 a inlluênciaque sofrem do lll0Vunento contracultura] - pretendem inaugurar espa-ços terapêuticos "alternativos", vemos que isto, no Brasil, é amortecidoc rapkbtnente esquecido_

Em São Paulo, sem dúvida, o pSlCodrama, no linal dos anos 60 einício dos 70, é o precursor ela quebra da hegemonia psicanalítica. Rup-tura,que se concretizará, Ctn parte, lllais tarele, na segunda metade dadécada de 70, por força do próprio momento histórico da época e graçasao "empurrão" dado pela segunda geração de argentinos e pelo movi-lllcnto lacaniano. No inicio da década, não há outra formação "psi" etnSão Paulo além da SBPSP, que não a psicodramática. Há grupos aindapequenos como o do Sedes (organizado por Madre Cristina) e trabaU10sisolados de alguns junguianos e corporalistas, como A. Gaiarsa.

Contudo, Cln solo pauli')1.a, o movimento psicodranlático temessa função, - pelas influências já vLstasde D. Bustos e pela força dassubjetividades dominantes no meio "psi" -, vai incorporando grada-tivamente uma série de conceitos psicanalíticos. Desde seu início emSão Paulo, o psicodrama traz a marca registrada de urna prática privadade consultório. Ao contrário de Moreno, que sCll1pre utilizou ü

psicodrama dentro de um enfoque grupal, no Brasil ele é prioritariamenteutilizado no âmbito chamado "individual",

Fora esses aspectos, a própria prática pSicodrdmática, inicialmenteimportada dos argentinos - a c()O'ente representada por R. Bennudez -,postula a supremacia do modelo médicu, também condizente com partedas subjetividades hegemónicas no setor "psi" da época. Questões queestão presentes nas situações analisadoras já abordada..s.

Tanto o modelo médico, que domina de início, como os conceitospsicanalíticos posteriormente absorvidos apontam para doLs aspectos:

I) a escola de psícodmma se uiabiliza atendendo e cor-respondendo a demandas de profissionais de saude mental,- .2) aescola se ('slmtura 1!Oltadapara a prãtica lihf!ral e se de:J.tina,por

Cetto, a demandas de setores sociais que mx:essituvam e podiamarcar com o onu..<;; de tais semíços Assim vai se constituindo opsicodrama "49.

Hoje, apesar de grande parte dos psicodrarnatistas ter grande

il) Alvcs,L.H.Op.dt.,p.lJ4

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influência da psicanálise. aparecem alguns que se colocam comoíllorenianos, Senl querer entrar em tai.')aná!ises, por não ser o objetivodeste- traballlo. é impoItlnte res.';;altar que a ii1o.')otia que c11liasa opSlCodramJ mnrenL.'1no n}o conct'ltllJ nem trabalha C0l11a ··lalta·. J.

"carência", confofInc Jaz a psicanilise. Ao contrário, Moreno enfati/'..aaquilo que há de positivo, as potências que o ser humano carrega eque necessitam Sl?rdesabrochadas.

Porém, ao nio trabalhar com a "falta". o psicodrama cai numhumani.'mlo-cxi"tencbJ extremamente forte. presente na obra de Moreno.Ao adotar esta base humanista-existencial. as práticas pSlcodramáticas- assim C0l110as terapias rogerianas, gestáltica.s C' "corporais", que sedovi')ta5 no Capítulo seguinte - reduzem () ser humano e a cxi')tência auma abstraçào. a uma essência universal ic1calizada, em que todos sàointeiramente livres e íg~lajs.

Não é por acaso que toda.c; essas terapias consideradas "alter-nativas", incluindo também o psicodr::lIlla, são gcstadas no territóriodos Esta.dos Unidos da. América. Solo fértil para a produção dessassubjetividades: a liberdade. o ser humano. as relacôcs interpessoaic;nu indo em abstrato c nào como produçc)cs lli.c;tórico-,'meiais,

'Esta" terapias. segundo Russel)acolJy. fazem parte elo que chamade "Psicologia Confonni.c;ta""i!',clnbora venham no bojo de movinlentosconlestatôrios e liberadores. Pr::iticasnas quais o "exi",teneial" e o "aqui e::.tgora"preclominatl1, nas quaL'"a "espontaneidade", a "realizaçào", "asrelações intcrpessoais" são palavras de ordem Preocupações que tra-zem implicitamente" crcnp na democracia liberal a qual, ao pregar aliherdade e o igualitarismo, cnloGI todos os sujeitos C0l110livres e iguais,podendo transcender SU::I prôpria sitLl:It,.'~10e levar :Idi:Inte seus proje-tos, um:1 vez que todos possuem lima livre escolha. Por isso, a saída éa solul,,:ào pessoal, ainda que () enfoque cmpregado seja o grupal. Istodemonstra que (J tranalho grupalista - j~japontado - nio é garantiapara um:I atuaçào desnatur::.tii;..o:adora.transtórmadof;1 OLJltesalíenantc.como nluitos apregu::ll11.

Não obstante todos esses aspectos aqui levantados, as pr::itiC::lSpsicodratnáticas, que nasceram nas nl:IS e praç:ls de Viena, intimamentelig'J.dasaos 111ovimcntossociais"il, comportal11 esta alternativa: o trJ.balho

SO Jacoby. R. Amnésia Social. Rio de J:wt'lm Zahar. I<r""

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nas ruas, a atuação extramuros do consultório. Os chamados Sociodra-mas Públicos, pouco utilizados no Brasil - menos ainda no Rio deJaneiro - mostram a importãncia das técnicas psicodramátic",s".Entretanto, ainda é grande a resistência à realização de SociodramasPúblicos, fora do espaço congressual, por parte da maioria dos psico-clramatistas brasileiros. A maior parte fica no estreito território bemresguardado de seus consultórios particulares, alegando um eventualdespreparo e argumentando que o sociodrama é uma prática quenecessita de melhor embasamento teórico e maior amadurecimentopor parte dos profISsionais que o desenvolvem.

Além dos Sociodramas Públicos, ocorrem atuações, ainda queisoladas, de profissionais psicodramatistas que fogem aos estreitos murosde seus consultórios e mostram uma forte inlplicação política, comodestaca, em 1971, o Grupo Latino-Americano de E. Pavlovsky.Especialmente na década de 1980 - pelo próprio momento políticobrasileiro - aparece uma série de trabalhos psicodramáticos de cunhoinstitucionalista em muitos estabelecimentos públicos, notadamente emSão Paulo.

Até por não entender as técnicas como instrumentos neutros -mas como ferramentas que podem servir para manter e legitimar ou, aocontrário, desnaturalizar instituições e transformar realidades, segundo",sdiferentes formas como são encaradas e manejadas -, torna-se possívelàs práticas psicodramáticas a produção de espaços singulares. ofortalecimento de movimentos instituirltes, mesmo que de formaprovisória.

SI Sobre isso ver a trajetória de ).L. Moreno in Aguiar, M. (ürg.) O Psicodramaturgo. Op. cit.;Schutzenberger, A. A. Op. ciI.; Alves,L.H. Op. dt. e Naffah ~eto, A. O Criador, a Criação e aObra: Um Ensaio sobreJ.L Moreno. Dissertação de Mestrado - USP,1977, dentre outros,

'52 Em São Paulo, há uma equipe formada por Regina Fournault, Ronaldo Pamplona, Vânia Creliereoutros que, desde o início de 1980, fazem Sociodramas Públicos. Alguns já apresentados nasruas e praças paulistas foram: o das Diretas, (1 da Aids, ° do Homem (~Macho! Masculino,Homem"), o da Semana Antlmanicomial, o da Violência, o da Mulher ("Mulher, Trabalho, Culpa"),o da Constituinte e o do Trabalho (~Trabalho, Suor e Salário").

246

CAPÍTIJLO IV

ALGUMAS PRÁTICAS LIGADAS AO MOVIMENTO

DO POTENCIAL HUMANO

Adentrando ainda maLsno vasto território psicoterapêutico dosanos 70, no Brasil, observamos - notadamente a partir de sua segundametade - o surgimento, e posterior expansão, de uma série de práticascolocadas como "alternativas" e que se anunciam no Congresso dePsicodrama do MASP,em 1970.

Como assinalei, as prátic",s psicodramáticas abrem, no início destadécada, o cantinho para a formulação de outras concepções de psi-coterapia. Estas, das quais irei citar as práticas rogerianas, as gest;ílticase, sobretudo, as chamadas "corporais" - que se originam diretamenteda obra de W. Reích - estão estreitamente vinculadas ao Movimento doPotencialllumano.

I - O MOVIMENTO DO POTENCIAL HUMANO

o chamado Movimento do Potencial Humano' desenvolve-se nosEstados Unidos, na década de 60 e, na primeira metade da décadaseguinte, expande-se para vários paises europeus, como Inglaterra,Holanda, Bélgica e França, por intermédio dos chamados "Centros deCrescimento" e "Centros de Desenvolvimento do Potencial Humano".

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Intimalllentc associJclo 30 movimento cootrJCllltuiJ.l, ()Movimentodo Potencial Humano apresenta também, como palavra ele ordem, afamosa tr-.lSC do ;'glIIU" elacontracultur;) Timotlly Leary: "sc ligue, sintonizec caia fora" i , ;'Cair for;)" do sistema, do consumo, das tradicionaisorganiza\~ôcs familbrcs c sexuais; do insÜtuído, em suma.

"""àzerda l'ida uma eelehraçdo do Imeer e da alegria, ,<dtuandono aqlli e tlgQYfl, sem e,\IJem,' pelo Iuturo e suas hi/JOtéticasmudanças ou reeom/Jensas< (grifo do aulor).

j\'o rastro da /)('{lt gC!llcratioll dos anos ')(), tanto a contraculturacomo o Movimento do Potencial Humano propôenl uma revolut;,:ào ;)partir das práticas cXl<>tcnciai<;;imediatas, livres das repressões sod::li.simpostas pelo capitalismo

A década de 60 é, nos ESlados l1nidos l', posteriormente, emmuitos países,

a dficada dos "/Jip/Jies'; dOI,' ji/stil'ais de "ro(k~ das comu-nidades, das ondas mi-;;ticas.da tilwrarào s('.u.al, do u.sode dro-ga.'" das cmnna-;;, dm eahelos lon!{ox dar; rou/JlJ.Scoloridar;. daalimentaçào macmlJi6tica e natural. 'na,- é tamhém a décadadar; manifeslaçoes e.r;tudantLr;,dentro l' fora das unilJersidades

Surw'm os Reatü!\ os Nollings .\'/ones, fimi lIendti't~ JanL.r;Joplin,130bDylan, entre tantos ( ) Os mdo.>de massa W' encarregam

de difundir os simIJ%s da agitaçun /úl'cnil. '/JUz'", "amor"."F/o;J('t' Pou'cr", "era di' aquariu.r;', 's()cü'(lade de crmsumo",

"alJU/ar lI" cstnitUnlS': "car'eta', "maluco', 'ia era '; ':vou an'({'ha! vou eat'~ "Pamdise ,Vou': "cw1içao'~ "!Jara/o': "deshunde':"und~rgnmndn r.) AIRo nol'f) está acontecendo, e asfaml1iasjxy{ueno-lnuRuesas !'i' aSsustam e nao entendem /XH' que seuçfi-lhos se tornam os nonos bã,.hams em plena era da teenoJoRia "'.

Sofrendo tod:L<;;essas inJluências c inserindo-se em um delL'rmi-nado momento histórico norte-:llllericano - movimentos cootestatúriospelos direitos civis dos negros e contr;) a g-uelT;1do Vietnã -, o Movi-mcnto do Potencial r Iumano cngloh;) diferentes escolas de pensamentoe incorpora os m;)i~ variados procedimentos, sintetizando as novaspSÍCoterapbs de grupo, o antiteatro. as filosofias oriundas do Oriente eas técnicIs corporai,> - do grito à Illcdita(,.:j(L

Turn Oft. lur71 in, and dm[) ouf, Llmosa lrJ.,',L'1I0 pruk-s~()r uniVL'rsitario Tim(lthy Ll·J.f)-'

.2 Bueno, 1\.1..1..Contrat.~ullura: As Utupia. ••("mMarcha. (lI'. cit., r D,ildt'm, rr 0;1 (' Oi

C'loMovimento do Potencial Humano as técnicas da bioenergéticade A. Lowen c da gestalt-terapia de F. Pearls se integram aos grupos deencontro de C. RogefS. Alguns incluem também a Psicologia Bioclinâmicade G. J3oyesen, embora esta autora - assim como Lowen, discípula dew. Reich':' prefira não se colocar neste Movimento. Segundo G. Lapassade,

estamos diante de uma corrente coletiva que tem váriosfundadores. cujas obras convergem para uma prátíca, demaneira tal que os pontos comuns - redescobrimento daimpottâncUt do corpo, mptura com Freud e rechaço da analisee da logoterapia - tJÍnculam-se para jormar um novo programaterapêutico dentro de um movimento cultural mais vasto ,>4.

o principal foco de difusão desse Movimento está na Califórnia,onde, na década de 60, são fortes os grupos híppíes e a contracultura.

Sua origem remonta a 1962. O ponto de referência é o Institutode Esalen" cuja finalidade consL'te em descobrir os "meios de melhoraro potencial humano", valendo-se de um conjunto de técnicas grupais,corporais, psicodramáticas, bíoenergéticas, de massagens e da mosofiaoriental.

':As novas teraptas testemunbam assim o jato de que e possivelinstrumentalizar a subjeti~'idade e a intersuhjetividade porinteruençoes exteriores. Elas promovem uma visão do homempela qual se concebe ele mesmo como um possuidor de umaespécie de capital (seu "potencial"), que gere para dele extrairuma mais-valia de gozo e de capacidades relacionais. Ha, emsuma, indiuíduos subdesenvolvidos e em vias de desenvolVImento,como os tecnocratas dizem dos países do terceiro mundo, E, parase desenvolver; e preciso, lftera!rnente, investir e trabalhar, jazerjustificar seu potencial humano"6•

Se no campo terapêutico se desenvolvem os prinClplOs dochamado "potencial humano", no campo pedagógico o mesmo movi-mento é acompanhado. A Teoria do "Capital Humano" está presente eé hegemônica nos anos 60, nos Estados Unidos, e faz parte de um con-junto de teorias de desenvolvimento neocapitalista· que toma vulto no

4 Lapassade, G, Socioanállsi'i Y Potenc:lal Humano. Madtid, Gedisa, 1980, p. 39. .') o [nslituto Esalen, localizado em Big Sur, no litoral da Ca.lifórnia, leva o nome de uma tribo

indígena norte-americana,

6 Castel, R. A Gestão dos Riscos. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1987, p. 146. Sobre o assuotoconsultar também Castel, R. et aliL I.aSocIedad Psiquiatrlca Avanzada. Barcelona, Anagrama,1980

249

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início dos anos 60, com O governo Kennedy, tal como um mecanismopara recompor e articular a hegemonia imperi,,-lista. A perspectiva demodernização, subjacente a este projeto desenvolvimentista, passa aser instrumento para a busca de uma "melhoria" das condições dasnações subdesenvolvidas. Da mesma forma, o Movimento do PotencialHumano busca uma "melhoria" das condições psicológicas do sujeito.

No entender de G. Frigotto, a Teoria do "Capital Humano"

encontra espaço efetivo de sua necessidade e de seu desen-volvimento na fase monopolista, das Ultimas quatro deeadas, domodo de produção capitalista, cuja forma de Estado correspondeà fase do Estado intervencionísta "7,

Ela estabelece, ainda, que a educação é o principal investimentode uma sociedade, por produzir trabalho. Com isto, realça a importânciado investimento nos recursos humanos de uma nação, na expectativa defuturos retornos; forma-se o "capital humano" de um pais ao se investirna escolaridade, no treinamentos.

Da mesma forma, o investimento no "potencial humano" de cadaum passa a ser a palavra de ordem no campo terapêutico, o qual, nosanos 60, nos Estados Unidos, será caracterizado por um fortc movimentogrupalista, com maratonas, workshops laboratórios de sensibilidadcgrupos de famílias, de jovens, de cons~lheiros conjugaL" tendo com~pano de fundo o movimento contracultural, as lutas dos negros por seusdireitos civis, a guerra do Vietnã e a "guerra fria".

Esta década é marcada em solo norte-americano por

- violentos distúrbios sociais e crescente demanda de direitoscivis e igualdade de oportunidades diante de empregos, hab~tação e escolarização. Dados estatísticos da epoca mostram comoos negros, que constituem 10% da força de trabalho norte-americana, representam 20% do total de desempregados'>').

Somam-se a isso a segregação nas escolas e a desigualdade deoportunidades habitacionaL,. As reivindicações dos negros nos anos 60~ conhecidas como Black Power e Black RelJolution - bem como as

78

9

Frigotto, G. A Produtividade da Escola Improdutiva. São Paulo, Cortez, 1986, p. 71.Sobre o a::;sunto, consultar Coimbra, C.M.S. "As Teorias Educacionais Hegemônica..~ nos Anos 70no Brasil~. In: Cadernos do ICII. Rio de Janeiro, UFF nº 28, 1990.Costa, A.M.N. "Privação Cultural", "Privação LingiIstica" e «Familia" . In: Velho, G. e Figueira, S.A.(Orgs.). Famma. Psicologia e Sociedade. Rio de Janeiro. Campus, 1981, 183-21 '5, p. 184.

250

violentas revoltas urbanas e a pressão exercida pela população em geral,com apoio de estudantes e muitos intelectuais, criam sérios problemas,associados aos distúrbios contra a guerra do Vietnã. Tudo L'to nos leva aperceber que esta 'febre grupal" não se desenvolve por acaso; ela éproduzida pelo momento hi'itórico norte-americano, marcado por essaslutas bastante violentas e pelas subjetividades familiatista, intimista epsícologizante hegemônicas à época. Através dos grupos tenta-se'resolver" e/ou fragilizar as freqüentes reivindicações: esvazia-se o públicoe aglutinam-se forças no campo psicológico, no privado, no farniliat.

A década de 70 - o pós-6S - é caracterizada pela chamada "crisedas instituições" e se traduz não mais por revoltas ativas, mas pelocomportamento de abandono, apatia e desencanto, simbolos interna-cionais desta crL,e,o qual irá produzir o recrudescimento dos grupos deencontro, travestidos Com roupagens ditas "alternativas", principalmentena Europa e, depois, no Brasil.

Segundo G. Lapassade, estas práticas "alternativas" mesclam-secom os grupos de encontro. Discute este autor em que escola se devebuscar a gênese do movimento dos grupos de encontro"- Declara,contudo, como muitos outros, que foi C. Rogers o precursor e criadordesses grupos que, nos anos 60, são modificados pela introdução

"... do corpo, do gn'to, do transe, da nudez que não estavam noprograma dos grupos rogerianos (.J () molJimento atual do

"encontro" e, em sua origem, essencialmente ca/ijorniano_ O TCroup e o grupo de base rogeriano sdo um marco, o dispositivoem que se ínjeta a nova cultura, na qual contJergem con!n'butç6esda contracultura enquanto ideologia e experiência, mas tambéma influência da., novas fonnas de psicoterapia "11.

Um primeiro movimento de atividades grupaL, nos EstadosUnidos, definido como atividade psicossociológica", desenvolveu-se notlnal da década de 40 e inicio da dc 50, com a união das influências de

10 Sobre isto coloca que muitos atribuem a Moreno a paternidade do termo (ver sobre o assuntoSchutzenberger, A.A. Op. cit.l. Para outros, entretanto, este movimento surge da dinâmica degrupo em sua aplicação clínica: o T. Group, o grupo de diagnóstico, o grupo de formação. VerLapassade, G. Op. cit., pp_ 40 e 41.

11 Lapassade, G. Op. cit., p. 62.12 A psicossociologia caraeteri:w.-se pela intervenção nos estabelecimentos através de uma atuação

grupaI, ernati2mldo-se as relações interpessoais. É uma postura marcada pela orientação positJvistae funcionalista da SocioloRia elas Organizações e pela Psicologia Social dos pequenos grupos,como, por exemplo, as dinâmicas de grupo iewinianas e o T. Oroup.

2.,1

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J. L. Moreno, K. Lewin e C. Rogers.Desse modo. os gnlpos de encontro rogerianos contribuem, junta-

mente C0l11o 1l100uento histórico norte-americano. desde os anos ';0.para a "preparação" do MovinlcntO do Potencial Humano c vêm norastro dos T Gmups Estes, originados da dinâmica de grupo lewlniana-como já apontei anteriormente -,cnfatizanl a sociologia dos grupos enào a da psicologia. Tendo Como base teórica a dinâmica de grupo, osT Gmu/Jscolaboraram para a difusào dos conceitos lewinianos e tambémpara outras noções vincubdas às investigações com pequenos grupos.O primeiro training gmup foi realizado em Bethcl, no Maine, tornandoiamosos os grupos de verào desta cidade. No final dos anos 40, fonnou-se o National Training Laboratories com sede em Washington que,por mais de duas décadas, vai oferecer uma série de atividades grupais.

Os gnlpos de encontro rogerianos surgem com objetivos diferentesdaqueles cultivadus pelu T Gmup, POlSorientam-sc, flmdamentalmente,para o "crescimento pessoal", "desenvolvimento" e "aperteiçoamento dacomunicaçào e das relações interpessoai."l". Ao longo dos anos essa orien-taçlo para o '-crescinlento pessoal" funde-se com os traininggrnups econjuntamente formam o núcleo do MOVllnentoGmpali<;taque se espalhapelos Estados llnidos nos anos 60.

Portanto, o termo "grupo de encontro" provém de C. Rogers,conhecido autor do "aconscUlalnento não-diretivo", que o cunhou, em19'i0, ao Guacterizá-Io como voltado para uma 'evoluçào pessoal", paralima "melhoria", graÇh')às experiências vivida."através da.'icomunicaçõesc das rclaçôes interpessoaisL3,

O enfoque rogeriano taz parte do quc ficou conhecido como psi-cologia hunJanlsta ou Terceira Força -termo l1Jnhado por A. Maslow _,pois opôe-se tanto ao behaviorLr..;moquanto à psicanálise. Segundo aclellniçào de Maslow, a Psicologia Ilumanlsta passa a ser entendida porseus seguidores C01110muito mais do que U111:1tcnria. específica, tor-nando-se

uma atitude dingida a um melhor ('ntenditm>nto do homem) &ta nol'a abordagem em P'iÚ:ologiahu..<;cao significado da

I" Em SI;'U livro GnJpos de Encontro (São Paulo, Martins Fontes, !llíOl, C. Rogers enuncia logo noprimeiro Clpituio a origem e 0.5 objetivos des.~l·S WUfXJS, assim como faz referência às moc.lalidadesl' formas clifercntes com que os grupos de encontro na déClch de 60 se apresentam, principal-mente nos Estados Unidos.

2,2

existência humana e as condições onde ocorrem a auto-atualização do potencial do homem e seu funcionamento totalcomo pessoa em husca de uma realizaçdo criatit'a. O homem,nessa abordagem, é visto em sua totalidade, integrado e inte-rugindo com outros homens e seu meio "H.

Estes semo, de um modo geral, alguns dos pontos em que sebasearão, nos anos 60, as terapias consideradas "alternativas". Tanto ()AconseU,amento Centr"do na Pessoa de C. Rogers, o Psicodrama de J.L.Moreno e a Gestalt-Terapia dc F. Perls quanto as terapias "corporais"seguimo esses princípios da chamada Psicologia Humanista.

"OS Estados Lnidos a corrente humanista-existencial, represen-tada por Roilo May, A. Maslow e o próprio Rogers, procluz desde o pós-guerra - década de 'i0 - processos de subjetivaçào que pensam epriorizam a pessoa, o autoconhecimento, a Iiberaçào do sujeito dasannrras sociais. E a Psicologia HUll1anista traduz 111uitobel11tais ques-tôes, as quais atingem seu apogeu nos anos 60, junto com o movimentocontracultural, fazendo parte do Movimento do Potencial Humano.

O Movirnento (;rupalista norte-americano - iniciado pelos T.Gmups e pelos gnlpos de encontro rogerianos - expande-sc progres-sivamente e, em 1962 - ano dos primeiros grupos em Esalen -, umanova geraçào de

animadores californianos de grupo com grande influênciade A, Lou!(!11,W Schutz, F Pearts e outros apresentam um novoestilo· o grupo de encontro com as terapias ditas "alternativas"l,.

o ponto comum de todas essas pmticas é, antes de tudo, o repúdioà psicanálise, em beneficio dos chamados catalisadores - os analisa-dores terapêuticos na linguagem da análise institucional. Estes - os eala-Iisadores - são os que servem de mediaçào entre o paciente e o tera-peuta, cujas intervenções estruturam o encontro. Isto permite - afin11amus "potencialistas" - ir mais além da chamada "terapia da fala" ou"Iogoterapia".

14 Morato, H.T.P. "Abordagem Centrada na Pessoa: Teoria ou Atitude na Relação de Ajuda?" In:Rosemberg, RL. (Org,). Acon. ••elhamento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo, EPU,1987,24-44, pp. 31 e .,2.

1'5 Lapassade, G. Op. cit., p. 4.2. Sobre o assunto ver também Schutzenberger, AA Op. cit., onde háum histórico c:bs mai~ divcr~os enfoques teóricos e técnicas utilizados no Movimento do PotencialHumano

2,3

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Anovidade no Movimento do Potencial Humano é a redescobertado corpo e do desejo.

"Enquanto que até agora todas as formas de análise psicológica esocial se baseavam na fala e no esquecimento do desejo, eis queum novo movimento vem alterar essa hipótese de base e destruir,assim, os dispositivos anteriores) tanto o psicanalítico como osocioanalfttco "16.

É necessária uma breve explicação, pois isso trata-se do desejoencarnado no corpo e produzido por ele e não de um desejo apenasexpresso na linguagem como entende a psicanáli~e. Não é que a psi-canálise esqueça o desejo; ao contrário, é ela que mais fala sobre ele -de um desejo que está sempre em falta e não de um desejo produtivo eprodutor. como nos observa Deleuze.

Pelo questionamento que fazem de todas as formas instituídas,os anos 60 trazem a crença de que os grupos que estão emergindo naépoca não teriam suas ações integradas ao sistema institucional vigente.Ledo engano, poi~ muitas dessas práticas, que se pretendiam instituin-tes, são gradativamente integradas ao sistema, das formas mais diversas.

Este movimento grupali~ta, que assola os Estados llnidos, nosanos 60, tem como um dos temas a liberação do corpo. Contudo, ao setrabalhar a sexualidade e a nudez nesses grupos. elas passam a serdefmidas como um valor. Lapassade observa que;

" .. esta liheraçào não chega ao fundo de suas implicações_ Podeocorrer que um gmpo de encontro termine com práticas se>.:'Uaisgrupais. Mas, no mais das ()(!zes,vê-se os animadores dos grupos

frear sutilmente o movimento, controlar as pulsôes coletiuas,insUtuir novas formas de tolerância repressiva. Na ala direitado Moulmento. C Rogers anuncia que a invasão da.;grupos pelos"nudistas" e outros participantes indesejáveis pode desemhocarno/racasso"p.

A liberação, na realidade, torna-se uma palavra de ordem. umoutro dispositivo de controle da sexualidade. e, por conseguinte, uma"liberação" com limites morais, ianquizada e asséptica, que captura enão libera.

Sobre esse movinlento califomiano, incluindo também Rogers, PerL"

16 Iapassade. G.0r. dt. p. 173.1"7 Idem, p. 43.

Lowen e vários outroS, encontra-se uma sériedé pontuações desen'volvidas por Max Pages18 que dizem respeito a vários aspectos da atuaçãodessas "terapias grupais".

Dentre as que considero mais importantes, ressalto aquela que serefere às atividades dirigidas por um expert, fazendo com que a espon-taneidade seja contida. Existe nesses grupos um aspecto normativo, poisé necessário expressar-se de tal ou qual maneira; ser "autêntico", ser"honesto", etc. Dai a decisão de se expressar ou não fugir ao cliente, quenão tem, por isso, a possibilidade de inventar um modo de se relacionarcom os demais, que seja próprio dele ou do qual possa se apropriar. Atão "propalada" não-diretividade torna-se, em realidade, uma hiper-diretividade, porque o que domina dentro do grupo é a regra do não-saber''. Os canais de comunicação somente funcionam para reduzir ousuprirnk a fala dos participantes e os sistemas de poder são dissimuladossob a fachada de um funcionamento "democrático".

Um outro aspecto prende-se à dependência, com respeito aosformadores e/ou terapeutas, que é extremamente reforçada nestestrabalhos. Os sistemas de repressão e censura são muito fortes nessesgrupos, estando os participantes totalmente subordinados aos coor-denadores. Assim, estão obrigados a sentir, a gritar, etc., tudo o que os"mestres" mandarem. Estes mantêm zelosa e secretamente a direçãopolítica, econômica e subjetiva de suas ações.

Com relação às dinãmicas - relações entre formadores/formandos,terapeutas/pacientes, etc. - e condições sócio-políticas da vida cotidianatransversalizadas pelo próprio contexto histórico, tanto G. Lapassadequanto M. Pages afirmam que estas dimensões não são abordadas nessesgrupos. Unicamente são encarados os obstáculos internos e individuais,uma vez que a expressão de idéias e a ação social estão proibidas. Ascondições sociais, políticas, econômicas, as hi~tórias da conduta dosindividuas e de suas repressões sociais estão completamente ocultasnesses grupos. O sujeito não é visto como produção histórica datável elocalizável mas sim como um ser em si, natural.

18 Sobre o assunto, ver Lapassade, G. Op. ciL e Pagês M. Orientação Não-Diretiva emPsicoterapia e Psicologia Social. Rio de Janeiro, Forense, 1976.

19 Segundo F. Guattari há duas produções grupais: os grupos sujeitos e os grupos assuteitados ouobjetos. In: Guattari, F. Psychanal}'5e et Transversalité. Paris, Maspero, 1972.

25';

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Tambénl, o pr()IJfio funcionamento do grupo nào é analie;;.adoJjá

que tudo é reduzido a problemas intcrpcssoais. Scg-undo M. Pagcs, C.Hogcrs e seus disdpulos americanos ligados à psicologia social

estarwn, a nosso l'e1; ex:ugemdamente lnJluenciaâ{)~ pelomod{'lo da /)sicoterapia indil'iduul quando trataram do.~ /)ro-h/emas de! ;.:ru/m ( J, cle!s limitam çua analise ao n rl'C/ dasrelaçon intetl)('.<;:soaú 1-,

N:1ohá análise possível do sistema de decisc1cs.do h.lllcionamentoeconômico da sess~lo (' Cl<)S proccss{)S de su!Jjetivaçào presentes nessesgrupos.

A ciominaçào dos coordenadores (formadores e/ou ter3pcutas)trJ.dllz-sc através de SU~L'" pdticJ.."',que 13vorccem e ate~mesmo engendramtendências religiosas. mística,,;, apelando-se para as rcligiües orientai,:>que, 30 mesmo tempo. deIxam entrcver um sonho de paz, de equilíbrio,de :abcdoria, de refúgio fora do mundo, sem conllitos e contracliç()cs.

Encerrando estas anJ!ises, (f" L.apassade conclui quc:

"o ,11ol'Ífnento do Potencial Ifumano se I'incula, com 'uash'cnicas, em I'ez de u uma dircrâo autocritica e hun)(nÜica r./.a

economia, u uma díl'eçao tokmnte l'epn'.',sil'a .1 e.'-1)l'es..\ao redu-zida à "..~ji!l'apsicohiológlca indil/iduaJ alcança iodo mundoPermite aos empn'gados terem grat?ficaço{'s, agradall('"i"reo'elos,uma I>ida/)rÍ/'ada menos triçte. enquanto os dirigentes dirigem aeconomia. /;",sobretudo, essrA."te(.'nicas di/o o último toque à

dominaçiw nor1e-amen'cuna so!J,'e a EurojJa ( J FazC!m i"so,e'1x'cialmente, ao coiocar em moda o "ilo·/Je,uwr Com úto,contrf!)uf.'m jJara destmir' a autonomia do pl'nsamento, dosintelectuaL" dos centros de l'IalJOraçao de um pensumento e d(!uma açdo sobre a tran\1ormaçao social ( j Em u.ma palatora.aceito o grito, o transe, a descar1;a emocionul, mas rechfl{o aideologia do "amor" californiflno ( ) ram/)em me custasobremaneira sUj)()rtar - melhor dizendo, nao os supor'to em

absoluto - e,"se' esten'Ótipos de pnx(1)tore5 que .'mTiem .~'L"tema-ticumente, trazendo uma alLwia uJetuda, a!)mçm~ ejitsoes e atecerto aspecto hipócrita do animadorlihemdo, amigo de todos,bencl'Olo, imlJUÍdo de sua mir;sao ··terapêutica" e muito decidido acomercializa-la ",~I(grihl.'j me'HS),

Se os anos 60 são os anos dos institllintes a nível mundial, os 70

2IJ Pages, ,/l,1. tlp.cil"PP j-:'l' I')')

21 Lapass:lc1.',{-'.{)p cit,pp.1.';6,2"\':"l'28ó

2'l6

são vistos como os ~mos da inslitucionaliza~;lo. Se antes grande parcelada juventude de classe média, em termos mundiais, pretendia mudar asociedade c a vida, na década cle 70 prioriza-se a muclanca no planopessoal. Se antes (] objetivo era mudar () mundo. do que decorreria amuclanl,.':1nos próprios sujeitos e em Sllas rclaçücs. nos I() passa-se aqucrer SOtllcntcuma tllue!an\'a na.<;"repressóes intenlJ.."'''e a "experienciar"uma liberdade dl"svinculada de uma realidade social concreta.

O "sufoco", que marca a primeira metade dos anos 70 no Brasil(' no mundo, lncellliva em muito os compOltamentos de alx.ltlclono,apatiac drop-out marGldos pela contracultura já

em .••ua fase de decadéncía, jn/c!orizada e ussimilada pl'losistc-ma qt.u>jOnA tdo mdicalmente! comhalido IJIAI .. ('m 19m, a

frase famosa do c'v-Beat!<.'}abn /1't'lnon, na musica intitulada"God" 'Ihe! dream is OI'er. m}' /riend/th(' dream fI'as ml'yesterday" ecouncio, porsua I'eZ, no\ anos da músicu de (,'i1IX'110Gil intitulada, l'u,'tamente, ·,()\lJrlbo Aca1Jou" "o sonho acabou

e quem nua donnitl/no sle(1)ing-iJaf4/rU"msequer sonhou/como)0; pesado o sono/pra quem nem sonhou

Compre-endem-st' as características que marcam, de um modogeral, as terapias ditas "alternativas", como uma resposta ao desencantoque grassa no período ]lós-(lH,Os sentimentos ele impotência e apatia- principalmente entre a juventude - passam a ser generalizados, nãosomente na América r.atina. (mele ~L'"ditaeluras nülilarcs já ccms()Jiuaclaseaparentemente vitoriosa.",em rcb~-jo aos movimento." de oposiç1o, comotambém nos paLo;;;eseurupcus, E este momento histórico consagra prática...•.•t' subjetivielu.1esvolladas ]XU:I () interior, l) psicológico, o intimo, () privado.()bmiliar. A saída é entendida com() uma s{)lu~.-,;1()individual; juslifica-se.entào, o enon11Csucesso que ~lSterapias "alternativas" têm, especialmente.entre oS jovens, Sobre isto LJpassaelc assim se expressa:

"Para os jJotencialil,-tas. O,'i conflitos /JOdem C' rief'l'm ser "C'solr'idosno aqui e agora do rncontm, em um cJimu imediafO de arnor ereconciliaçào, Para os ,\ocioanafístas, o. c()n.llit(~s de grupoe.'1Jrcssam conflitos de c!a.<;"el' de instituiço('s que /x)dem e del'f'mser tmhalhados e elucidados, mas que nâo /Joc!em scr resoll'idosno a(Jlll c aRora {lO enconm)":' (grit()<;. 111<.'11.'> l

.22 BU<':Il(J,A-LL (Ir lil, r· (12

2,~ LlP~1,'iS;\ll:·,(,.()p,(;jl"p.21)1

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Não é por acaso que pela Europa, principalmente na Inglaterra eHolanda, no início dos anos 70, expandem-se os Centros e t;mpos de"ajuda-te a ti mesmo", organizados por muitos terapeutas corporais,como os do Centro de Bioenergia de Londres e os da Fundação Inter-nacional de Psicologia Biodinãnúca de l1trecl1t, ambos ligados a GerdaBoyesen. Estes grupos vêm no rastro dos que, nos anos 60, surgiramnos Estados Unidos, como o Centro para Estudos da Pessoa de C.Rogers e os Centros de A1JtO..Ajuda de F. Perls.

Passa-se a trabalhar o corpo, a energia, a pessoa, o que aconlece

intrapsiquicamente cm cada sujeito. A liberação sexual, a liberação dossentidos, a liberação feminina e a expansào tornam-se as grandes pala-vras de ordem da época e as terapias chamadas "alternativas" prometempara o aqui e agora a liberdade e a felicidade.

Estas terapias "alternativas" têm, portanto, a caracteristica do"sonho acabou". Nào se tem o que fazer, nem para onde ir; há umvazio político e existencial. J\cste clima, no dizer de Luiz Carlos Maeiel,

" medram a luta clandestina e o deshunde. &tamQS penetrandonum 'paraíso" consen-'ador, o cHma.'\" da ditadura, com o milagredo Delfim e a repressdo finalmente cientifica, o BratiJ do ame-oou deixe-o, alta., barras. Em 1970 ('stamos sem perspectil1as"l4.

É esta falta dc perspectivas que faz com que muitos se voltempara dentro de si mesmos, buscando "desbloquear e desreprimir" seusimpulsos, tentando quebrar os "fasci')mos internos", valendo-se dosmais variados nleios. ~ão é por acaso que o mi")ticisnlo religioso é mTIadas facetas dos movimentos contracultural e do Potencial Humano emuito influencia as terapias "alternativas".

A grande frase na época é: "Por que nào?", dentro da música deCaetano Veloso, Alegria, Alegria!. Emende-se perfeitamente a inquietudeexistente no ar. Por que nào experimentar a alegria da vida? Por quenão canlinhar "contra o vento. sem lenço e SeJlldocumento, nada nobobo e nas màos'" Por que nào experimentar no aqui e agora tudo oque se pode experimentar' Quebram-se a$ defesas, rompem-se asbarreiras e as "estruturas arcaic3...'5do sujeito". entra-se na "nova era".

Acredita-se, portanto. na expansão. nos encontros, no desahrochar elecada unI.

24 Maciel, l.C Os Anos 60. Op. dt., p. 88.

Este é o Movimento do Potencial Humano nos anos 70, quemuito irá influenciar os gestaltistas e "corporalistas" brasileiros os quaisencanúnham para estes Centros norte-americanos e europeus.

Assim, pretendo - após esta rápida análise sobre o Movimentodo Potencial Humano em sua gênese nos Estados Urúdos, nos anos 60,e sua expansào pela Europa nos 70 - destacar algumas dessas práticaspsicoterapêuticas "alternativas" que, no eixo Rio-Sào Paulo, começama crescer na segunda metade da década de 70.

1\0 entanto, como os grupos de encontro rogerianos estão nagênese do Movimento do Potencial Humano e possuem, principálmenteem São Paulo, no fInal dos anos 60 e início dos 70 - antes da expansàodas terapias "corporais" -, alguma força, comentarei algo sobre essaspráticas.

11 - As PRATICAS DE "ACONSEUlAMENTO" ROGERIANAS

As práticas de "aconselhamento psicológico centrado na pessoa"terão diferentes utilizações em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neste, oenfoque se voltará mais para o campo pedagógico, enquanto que naPaulicéia, desde seu irúcio - no final dos anos 50 - o "aconselhamentorogeriano" tem uma aplicação maior na área clírúca, sendo claramenteapresentado como "... um modelo clínico (mais amplo que opsicoterápico)"", acompanhando sua própria gênese nos Estados urúdos.

1- NA PAUIJCtIA ...

o próprio termo, cunhado em Sào Paulo,

"..-psicólogo-conselheiro '; aponta para a construção de um pro-jissumal ''jJsi''que, através do enfoque humanista-existencial, ( ..)torne mais clara e delineada uma função do psícólogõ com carac-terísticas específicas que Justíftquem uma disUnção com relação àimagem que normalmente temos dopsic6logo clltlko ".;ti (grifosmeus).

25 Schmidt, M.L.S."Aconselhamento Psicológico: Questões Introdutórias".In:Rosemberg, R.L.(Org.).Op. cit., 14-23, p. 23.

2b Idem, p_ 23.

259

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A partir de 1964, quando o professor Oswaldo de Barros Santoscomeça a lecionar "Aconselhamento Psicológico" na USP, tem inicio aexpartSão do que chamam "Psicologia HumanL'ta Aplicacla"e um maiorconhecimento sobre C. Rogers.

É importante não csquecer - pois já foi apontado - que existe emSão Paulo, desde 1968,o GEPSA(Grupo de Estudos de Psicologia SocialAplicada), oferecendo formação de "monitores dc grupo". MuitoinIlucnciado pelas dinãmicas de grupo de K. Lewin, pela técnica do TGroup e por uma pcdagogia que é uma mescla de não-diretivL,mo emétodo ativo, deste grupo saem, de um modo geral, muitos profissionaLsinteressados no "acon')elhanlento centrado na pessoa" e nas práticaschamadas "alternativas".

Uva época}, o Acon..<;elbalrwntoé uma disciplina l'ista pelosacadêmicos como 'pleheia" por ser declaradamente profissio-nalizante (J É ele que pennite atender a problemas de ajus-tamento psicológico, transições existenciais penosas, comporta-mentos inadequados, conseqüências de deficiências frsicas, men-tai,; ou sociais, coutrapondo~se às curas das patologiasdefinidas pela Psicologitl atnica ,,27 (grifos meus).

Assim, acompanhando a tradição histórica das terapias '·alterna-tivas" nascidas nos Estados Cnidos, nos anos 60, também no ·Brasil o"aconselhamento rogeriano" vai se colocar como um contraponto àpsicanáli')e e ao behaviorisnlo.

Os alunos de Oswaldo de Barros Santos, dentro dos atendimentose supervisões fornecidos pela própria cadeira de "Aconselhamento",iniciam em solo paulista esta forma de psicoterapia. Tanto que, em 1966,dentro da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da IJSP, instala-se,ligado aos cursos para Vestibular do Grêmio, um Serviço de Psicologia.Suas principaL>figuras são Iara 13velberg e RacheI Rosemberg, ambasalunas de Oswaldo, que implementam este Serviço dentro de umaorientação humani<:;ta-exil)lencial

"'/""0 Cursinho para Vestihular. partid/Jávamos de reuniaes decoordenação, jaziamos palestras e orienlaçao nas classes,organizavamos grupos para testes, administrávamos nossos ser~viços e finanças, ouviamos os projessores, atendíamos aos ado-lescentes. "li<

27 Rosemberg, RI.. 'Introdução: BiogrAfia de Um S:n:içu". In: Rosemberg, Rl. (Org.l. Op.at., 01-13, p. 02.

2.60

Nasce, assim, o Serviço de Aconselhamento Psicológico (SAP),que fará parte integrante do Instituto dc Psicologia da USP, após a suaorganização. Posteriormentc, o Serviço de Psicologia do Departamentode Cursos para Vestibular do Grêmio da FFCLda USP "... não pôdecontinuar por intervenção dos militares, no próprio Cursinho ..."'9

I\os anos 70, o número de alunos-estagiários do SAP aumentagradativamente, tendo em vL'ta a demanda produzida cm cima dassubjetividades dominantes na época, a "crise" da família e a necessicladede terapia para seus membros, principalmcnte seus filhos adolescentes.Ao lado disso, consolida-se também a subjetividade que enfatiza a "pessoaconlO centro", seu autoconhecimento, sua "liberdade", seu "crescimento".É como afirmam alguns "rogerianos" paulL'tas, seguindo as idéias dopróprio C. Rogers,

"Ivo mundo atual tão turbulento, o conselheiro éprocurado para

fornecer ajuda a pessoas que estão passando por mudanças emsuas umas, que estão uivendo intensos momentos de transição,com muita dor e angUstia por sentirem destruído seu equilíbrio etr>remdificuldade em recuperar-se"3ú.

O próprio SAP,nos anos 70, expande o número de profLssionaL,em serviço, com a contratação de mais professores, psiquiatras, psi-cólogos e assistentes sociais. Isso porque não somente o número declientes aumenta, mas também pela erescente solicitação dos mais varia-dos serviços como consultorias, orientações c palestras.

"Datam desta época numerosos debates entre pais efilhos, reuniõescom professores, assesson·a.,;a escolas, palestras em salas de aula ereunióes com pais e mestres. Em alguns lugares, prestál!amos assis~tência psicológica direta a pessoas que não poderiam se din"gir tiCidade Universitária Para atender a necessidades diversas, in-ventávamos, descobríamo.<;e adaptávamos recursos e técnicas.Assim, por exemplo, u/Üizávamos alguns dos primeiros progra-mas de teleuisão realizados na USP- versando sobre adolescência- para promover uma ampla série de reuniões de pais, com afinalidade de orlentá_los"31. .

A partir de 1974, com a saida de Oswaldo de Barros Santos ela

28 Idem, p. 03.z) [dem, p. 0'5.30 Morato, H.T.P. Op. cit., p. 26.31 Rosemberg, RL. Op. cit., p_07.

26t

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USP, sua ex-aluna RacheI Rosemberg assume a cadeira de "Aconse-lhamento" e torna-se figura importante dentro do enfoque "rogermno"paulista e mesmo brasileiro. É chamada para as mais variadas e diferentesassessorias e consultorias e passa a ser elemento constante em programasde televisão.

Ao lado disso, encontram-se aqueles que passam por este Serviçona condição de estagiários. Ao se formarem, abrem seus consultóriosprivados, contribuindo asim para que o "aconselhamento centrado napessoa" aplicado à área clinica venha a se expandir em São Paulo.

1.1- O Grupo de Abordagem Centrada na Pessoa

Sem dúvida alguma, a USP e com menos intensidade a PUC/SP eo Sedes, são os estabelecimentos que, nos anos 70, irradiam esta formade psicoterapia. Tanto que, no início da década, é fundado o Grupo deAbordagem Centrada na Pessoa, tendo à frente o pessoal do SAPdaUSP, como Oswaldo de Barros Santos, Rachel Rosemberg, AgripinoAlberto Domingues e outros mais.

Em 1976, com a vinda de C. Rogers ao Brasil, !ante no Rio comoem São Paulo, intensificam-se os chamados "grupos de comunidade":grandes grupos que são um desenvolvimento, na abordagem centradana pessoa, dos "grupos de encontro" e costumam durar de um a dezdias, "... com cárater residencial e objetivo psicossocial, de viver comocomunidades autodirigidas"32 O mais célebre ocorrido na época é o deArcozelo, no Rio de Janeiro, com a presença do próprio Rogers e suaequipe.

Em São Paulo e no Rio - com aplicação mais pedagógica - aênfase é dada ao trabalho grupal, baseando-se nos "grupos de encontro".

1.2 - O Sedes Sapientiae

Rachei Rosemberg e sua equipe realizam as mais variadasexperiências de grupo, inicialmente de caráter clinico e, progressiva-mente, mais pedagógico, como as maratonas e os "grupos de comuni-

32 Idem, p. 10.

262

dade", voltados para o "crescimento pessoal e social". Em 1981 fundamno Instituto Sedes Sapientiae o Centro de llstudos da Pessoa, organizan-do um sistema de formação de facilitadores de grupo com grandesencontros anuais.

É interessante notarmos que em São Paulo - diferentemente doRio de Janeiro - o "aconselhamento centrado na pessoa" atrai muitosprofISSionais "psi" progressistas, alguns, inclusive, engajados nas lutasde resistência contra a ditadura militar, como é o caso de Iara Iavelberg.A atenção, contudo, deve estar voltada não apenas para as gêneses do"aconselhamento" nos Estados Unidos, como também para as pessoasque, em São Paulo, nos anos 60 e 70, são importantes para a expansãodesta forma de psicoterapia: Oswaldo de Barros Santos e RacheiRosemberg.

A própria gênese do "aconselhamento ce~trado na pessoa" nodecorrer dos anos SO e 60 nos Estados Unidos, que - como já mostrei- vem no rastro dos T Groups e das dinânticas lewinianas e, pos-teriormente, sofre grande influência do Movimento de Potencial Humano,liga-se, indubitavelmente, a algumas parcelas "progressistas" norte-americanas. C. Rogers - afora seu idealismo e as criticas já assinaladas -pretende promover algumas mudanças nas relações paciente/ter"peutae aluno/professor, ao questionar em seus diferentes textos a autoridadee o poder destes especiali,tas. Deseja também realçar - dentro do caldode cultura do Movimento do PotenciallIumano - as idéias da vida emcomunidade e da autogestão. Questiona tanto a psicologia acadênticanorte-americana quanto a pedagogia tradicional, ambas baseadas naverticalidade e na opressão. Aproxima-se do humanismo de E. Fromm,atua algumas vezes com R. Laing e concorda em parte com o trabalhodo pedagogo brasileiro Paulo Freire, na época exilado".

Em São Paulo, tanto Oswaldo de Barros Santos quanto RachelRosemberg - ambos progressistas - e muitos de seus alunos sentem-seatraidos por esta vertente da psicologia humanista: Justamente nummomento em que se questionam, a nível mundial, as verticalidades, asopressões, as violências que as chamadas "minorias" sofrem e se tentaencontrar caminhos diferentes dos tradicionalmente trilhados. Particu-

33 Sobre o assunto ver Rogers, C. R.AAbordagem Centrada na Pessoa e o Oprimido in Sobreo Poder Pessoal São Paulo, Martins Fontes, 1978, 107-11).

26:J

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larmente no Brasil, onde a ditadura sem disfarces já está se instalando,fica a sensação .de que entrar na clandestinidade e/ou na luta armada,como muitos decidiram, não é o caminho. Considera-se fundamental aacumulação de forças e para tanto a atuação em seus locais de trabalho,como uma forma de resistência, passa a ser a tarefa número um. Apsicologia humanista, a metodologia não-diretiva e, enfim, as terapias"alternativas" aparecem para muitos como uma resposta. A própria"antipsiquiatria" é estudada na época e Rachel Rosemberg é uma dasprofissionais "psi" que, em São Paulo, conhece no fmal dos anos 60 einício dos 70 a obra de R. Laing, influenciando cont isso muitos jovens"psi" paulistas.

2 - E NO RIO DE}ANEffiü:O CENTRO DE PSICOLOGIA DA PESSOA

Em solo carioca - apesar da influência do Padre Benko, desdeos anos 50, na PUC/Rj, com sua Psicologia Humanista - é somente nosfins da década de 60 que, com os trabalhos realizados pela professoraRum Scheeffer da Fundação Getulio VargaslRJ, há uma maior expansãona área pedagógica do "aconselhamento" psicológico. Rum tenta uniraquilo quc chama "aconselhamento não-diretivo" com a utilização detestes psicológicos, tão enfatizados na FGV, onde trabalha"'.

O "aconselhamento não-diretivo", no Rjo de janeiro, vem no rastrodos trabalhos de dinâmica de grupo de inspiração norte-americana que,nos fms da década de 50 e na de 60, expandem-se principalmente naáIea clinica. O chamado "desenvolvimento interpessoal" é uma preo-cupação por parte de muitos profLssionais "psi" que, mais tarde, aderemao enfoque rogeriano ou ao psicodramático, como já foi assinalado.

Este movimento grupalista é intensificado na áIea pedagógica apartir dos trabalhos de Rum Seheeffer sobre o "aconselhamento não-diretivo". Tanto no atendimento psicológico a alunos como no treina-mento de professores e na relação professor/aluno, serão muito enfa-tizados os princípios da Psicologia Humanista dos "grupos de encontro".Os aspectos "compreensivista", "empático", o "autoconhecimento" e o

34 Sobre o assunto ver Scheefer, R. Aconselhamento PsJcológko. São Paulo, Aclas,1976,especialmente o Capítulo 04.

264

"crescimento pessoal" tornam-se palavras de ordem em alguns esta-belecimentos escolares cariocas. Surgem, nessa época, uma "parafer-nália" de exercícios e vária., publicações de livros - final dos anos 60 epor todos os 70 -, com o intuito de orientar o público sobre a aplicaçãode certas técnicas de dinâmica de grupo para uma "melhor"compreensãodo outro, de si mesmo e para "melhorar" as relações no trabalho.

Estas práticas de inspiração humanL,ta e não-diretiva procuramcaracterizar, para todos aqueles que de tal trabalho participam, o aspec-to "igualitário" e "democrático" produzido nesses grupos. Tentam, porlUcio das sensibilizações, trazer à tona as emoções, o que transforma ogrupo num terreno fértil para as catarses que, ao se realizarem, desti-tuem aquele espaço de qualquer caráter instituinte. O instituido nessestrabalhos grupaL, é apenas negado no imaginário, poL, através da emo-ção, forças que podem se tornar perigosas pelo seu teor de contestaçãosão canalizadas para funcionar entre quatro paredes, em circuito fechado.Lá fora, há violência, de todo tipo. A ditadura militar - em sua fase maL,feroz - persegue, tortura, assassina e desaparece COll1 os opositorespoliticos; dentro cios grupos, todos se amam, todos se compreendem,todos são "autênticos", estão no cantinho do "crCSCU11cnto" e da "libe-ração", buscando suas "identidades" pessoal e profL>siona1.

Os anos 70 no Brasil tnarcam esta orientaçào em rnuitos csta-bclecirncntos escolares, urna vez que, por intermédio da chamada "1no-dernização" da educação, são enfatizados os aspectos técnico-psicológi-cos; os proHssionais preocupam-se realmente com a relação professor!aluno, com técnicas e métodos voltados para uma melhor aprendiza-gCln e () "crescimento pessoal" daqueles que estão inseridos neste pro-cesso. Esta demanda então produzida é plenamente respondida pelo"aconselhamento não-diretivo", muito utilizado nos estabelecimentosescolares cariocas por profio:;;sionaisque tênl como "..Junçào básica sero iJ.cilitador do processo de desenvolvinlento humano, através da relaçãode ajuda quc estabelece com o outro"".

A vinda de Rogers e sua equipe ao Bra,il, em'!976 - como já foisalientado -, faz com que, no Rio de janeiro, esta demanda pedagógicase amplie. Tem início, tanlbém. um incipiente movimento ligado à áreaclínica o qual resultará, no final cios anos 70, na fundação do Centro de

~s Defrnição de "psicólogo-conselheiro" dada por Morato, HTP. Op. cit , p. 27.

26';

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Psicologia da Pessoa, um espaço onde se procura refletir a respeito dopensamento humanista e a prática psicoterapêutica através de encon-tros, workshops, treinamentos em dinâmica de grupos e grupos de estudo,sobre psicologia e psicoterapia humanista.

A par dos comentários enunciados no Capítulo anterior - sobrepsicodrama - e em relação a alguns princípios da Psicologia Humanista,há outros pontos que gostaria de destacar, especificamente os que tratamdo "aconselhamento centrado na pessoa".

O primeiro deles refere-se ã naturalização, mitificação e reifi-cação do ser humano, o qual, além de ser configurado como um ser emabstrato, tem no "aconselhamento" fortalecida a crença da existênciade sua natureza "em si mesma".

Um outro aspecto diz respeito à reificação e idealização do grupo,o que não é exclusivo do "aconselhamento", estando presente emmuitas outras práticas grupalistas. O enfoque humanista em geral, aoconceituar e entender o grupo de maneira abstrata e não-histórica, damesma forma que ocorre com a chamada "natureza humana", delineiao grupo de forma otimista, idealista, tal como uma realidade "pura",uma "coisa em si", quando afIrma que "os grupos têm sua própriasabedoria" .

A capacidade humana é naturalizada, a liberdade e o grupo sãovistos em abstrato e não como produções históricas. E a própria realidadeé percebida também em abstrato, de forma extremamente idealista. Ahistória é negada e a percepção do sujeito é reificada; só ela existe, nãosendo vista como uma produção datada e contextuallzada historicamente.

Como efeito desses princípios que orientam a Psicologia Huma-nista, encontramos nos profissionais, que aceitam e atuam segundo estalinha, o fortalecimento de uma visão dicotõmica com relação ao pessoal!profISsional e ao social.

"(Há) dois papéis cabíveis ao psicólogo, e analogamente, a umserviço institucional. Somos consultório ou cltnica enquantoatendemos clúmtes, damos assesrorla, superoisionamos. Somosagentes de nuuhl~a social quando cddboranws em pla-nejamentos institucimulis, quando oferecemos nossa presençano cotúlíano da comunidade, quando colhemos e divulgamosdados obtidos em nosso campo de atuaçâo"?f,)(grifas meus).

36 Rosemberg, Rl. "Introdução: Biografia de Um Serviço~.In: Rosemberg, R.l. cOrg.). Op. ciL, p. 11.

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Cabem algumas perguntas, tais como, a quem e a quê servemestas dicotomias, quando o próprio C. Rogers mostra que os "grupos deencontro" têm sido muito adotados em trabalhos de intervenção emdiferentes estabelecimentos (fábricas, igrejas, escolas e até no Depar-tamento de Estado dos Estados Unidos), contribuindo, segundo o referidoautor, para uma "mudança construtiva'" A que mudanças se refere? Aquem interessam estes tipos de intervenção? A quem e para que servemas chamadas "mudanças construtivas", pelas quais as pessoas adquirema capacidade de "entender" a si e aos outros, num mundo conflltuado eviolento, em que as subjetividades da competição, do massacre possamser rapidamente naturalizadas, aceitas e fortalecidas?

Saindo deste território, é importante lembrar que, dentro da mes-cla tipica ocorrida no Movimento do Potencial Humano com as diversaspráticas que aí se inscrevem, também ocorre tal fato com alguns"rogerianos" paulistas e cariocas.

m- As PRATICAS DA GESTALT-TERAPlA

"Fiqueiprisioneiro da rigidez dos tabus psicanalíticos: a hora exatade 50 minutos, nenhum contato ocular ou social, nenhum envol-vimento pessoal (contratransjerênôa/), Fiquei prisioneiro de todosos adornos de um cidadão quadrado e respeitável: família, casa,criados, ganhar mais dinheiro que o necessário, Fiqueí prisioneiroda dkotomia trabalho e diverlimento: segunda a sexta versusfimde semana. Simplesmente me desvencilhei da minha raiva erebeldia, tornando-me um cadáver-computador como a maioriados analistas ortodoxos que conhecia ",3

7

F.Perls

O ex-psicanalista alemão F. Perls, criador da Gestalt-Terapia'·,nos anos 50, nos Estados Unidos, sofre as influências que esta décadae a seguinte trazem, o movimento grupalista COll). o crescimento e adifusão dos grupos de encontro; o movimento hippie e a contracultura;a difusão do uso de drogas; a revolução nos costumes e comportamentosfamiliares e sexuais; a influência mística oriental; o rechaço à psicanãlise,

37 Perls, F.5. Escarafunchando Perls. São Paulo, Summus, 1979, pp. 59 e 60.38 Também chamada pelo práprioPerls de "terapia existencial".

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e outras mais. Florescem, na época:

".,. inovações de carater aparentemente quase lúdico e.wrclCWSde intensificação do "potencial humano ", técnicas dedeserwolvimento do capital relacional, produção de uma culturapsicológica de massa que consumidores buJímicos ingurgitamcomo um analogan de formas de sociabilidade perdidas. E agestào das fragilidades individuais .. ; a promoção de umtrabalho psicológico sobre si mesmo que jaz da mobilização dapessoa, a nova panacéia para enfrentar os problemas da ~>idaem sociedade"39 (grif05 meus).

o próprio Perls a isso se refere quando, na Introduçào. de seulivro Gestalt- TerapiaExplicada, publicado em I%9 nos Estados Unidos,observa que:

".. há uma luta entre o fascismo e uma revoluçâo em curso, eque nos cabe ajudar as pessoas a se libertarem de suas tiraniasinternas, a se tornarem mais reais, preparando assim o caminhopara profundas mudanças sociai.,,'!40.

É a partir de 1966, quando PerLsinstala-se em Esalen, na C-aJifórnia,naquele tempo conhecido como centro do movimento gnrpalista none-aluericano41, que o Movitllcnlo do Potencial JIuluano encontra seu augenos Estados Unidos.

Entretanto, ao Brasil- com exceçào do "aconsell",mento centradona pessoa" de C. Rogers, que aqui se inicia nos anos 60, notadamenteem São Paulo -, as práticas oriundas do Movimento do Poteneial Huma-no somente cheg'.lm na segunda metade dos anos 70. Dentre elas, estãoas ligadas à gestalt-terapia que, se comparadas com as terapias "corporais",conhecidas como "neo-reichianas", ocupam no eixo Rio-São Paulo umlugar secundário.

39 Castel, R.AGestão dos Riscos. Op. cit., pp. 17 e 18.

40 Ciomai, S. "Gestalt-Terapia Hoje: Resgate e Expansâo".1n: Revista de Gestalt, Sedes Sapientiae,Ano 1, no;! 1, 199t, 09-26, p. 10_Segundo o próprio Peds: "Esalen principiou como uma hospedaria, tendo a atração especial mo;banhos_ Quando vim para Esalen ainda era uma hospedaria pública com alguma'! palestras e:iemináríos L.). Agora somos um instituto privado em expansão <I968) L..) (e) C..) o símbolo,tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos, da revoluçào humanÍstico-existenciaL de achar epromover nova'> caminhos para a s:midade, o crescimento e desenvolvimento do potencial humaoo( ...). Estamos apenas começancL:) a descobrir meios e caminhos efetivos de crescimento quepodem produzir mudanças". In: Peris, f.S. Op. cit., pp. 124 e 130.

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1 - NA PAUllCÉIk O SEDES SAPIEN11AE

É, especialmente, na Paulicéia que estas práticas irão se expandirum pouco lTlais,elnbora ocupem lugar secundário em relação às "neo-reichianas". E será o Instituto Sedes Sapientiae o grande irradiador detodas essa...c;psicoterapias conhecidas como "alternativas" na segundametade dos anos 70.

No entanto, é na IJSP que, a partir de 1973, se estabelecem osprimeiros contatos com a gcstalt-tcrapia e a obra de F. Perls. Neste ano,Therese Tellegen, professora da Psicologia, vai a Londres, onde conhecee se encanta C0111 a.ehalnacb "terapia existencial" ele Perls. No nlcsmoano ela traz para São Paulo Silvia Peters, que realiza alguns workshojJ-s.

Therese Tellegen foi uma das fundadoras e coordenadoras doGEPSA - já assinalado no Capítulo [] - que no Congresso de Psicodramado MASP comparece como uma elas representantes elesse Gmpo deEstudos de Psicologia Social Aplicada.

Logo depois elavinda de Silvia Peters, por intluênci.a ele Therese,um pequeno número de psicólogas - algumas com experiência psi-codramática - organiza um gmpo de estudo de Gestalt" que, em 197')-eom exce~ão de Lilian M.Frazio eJean C.Juliano -, vai para os EstadosUnidos a fim de obter uma breve forma~ão em gestalHerapia. Em LosAngclcs, conhece Robert Martin que é convidado a vir para oBrasil, enl1976 e 1977, com o propósito de realizar treinamentos intensivos. NesteslneStnos anos, aparecem 3..<; primeiras trJduções dos dois pritneiros livrosde F. Perls no B'.lsil: Gestalt-Terapia Explicada e A AbordagemGestáltica e A Testemunha Ocular da Terapia.

A partir ele 197') até 1978 este mesmo grupo faz viagens sistemá-ticas aos Estados Unidos parJ. formaçào, terapia, worksho/Js, vivências,etc. Vão a Esalen, Los Angeles e ao Instituto de (;estalt de São Francisco,onde trabalha e dá formação a prinlcit-a geração ele discípulos de F.Perls.

Em 1977 tem início no Instituto Sedes Sapieritiac a primeira for-mação em gestalt-terapia organizada por Therese e Tessy. Inicialmente.em 1976, junto com Ana Verônica Mautncr, responsável por um curso

42 Além de 111erese Tel1cgtoo,t3.zemparte dJste grupo liliao Meyt.'rFra7iio. nlereZlI bnt7BChl (Tessyl,Jean darkJuliano e Ibque1 Vieira ch CUnfu.

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de terapia "neo-reichiana" no Sedes, buscam promover. experimental-mente, uma aproximação entre a Gestalt e Reich, principalmente com aBioenergética de A. Lowen. Esta experiência dura um ano e, a partir de1977, inicia-se a formação propriamente dita em gestalt-terapia. Estecurso até 1980 é de 6 meses; a partir dai, até hoje sua duração é de .'3anos, com teoria, supervisão e terapia.

Paralelamente ã formação dada no Sedes, este grupo gestaltistainicial, após suas constantes viagens aos Estados Unidos, pensa emformar um núcleo paulista que congregue pessoas ligadas ã área. Em1980, informalmente, fundam o Centro de Estudos de Gestalt de SãoPaulo, no qual oferecem formação, realizam workshops e vários outrostrabalhos em diferentes cidades paulistas e no Estado de Santa Catarina,onde - no início dos 80 - organi7""m um núcleo de gestalt.

.Este Centro de Estudos de Gestalt de São Paulo - o primeiro noBrasil- organiza, em 1981 e 1982, respectivamente, a 1 e a II ReuniãoNacional de Gestalt- Terapeutas, reunindo, em São Paulo, inúmerosproflSsionais brasileiros que trabalham com esta abordagem. A partirdai, o Centro começa a ser mais procurado por um número maior de"psi" para formação em gestalt-terapia.

Em 1983 chega a São Paulo Selma Ciornai, após vários anos deformação no exterior, e junta-se ao Centro de Gestalt e ao Curso doSedes com Therese, Tessy e Lilian Frazào. Em 1986, o Centro de Estudosde Gestalt de São Paulo realiza o Projeto "Oficina de Convivio", que,semanalmente, organiza num bar do bairro do Bexiga grupos que sepropõem ao "desenvolvimento das potencialidades" de quem se dispõea participar de um dos temas de cada semana. É o que afinnam ser umprocesso de auto conhecimento diferente de uma terapia de grupo. EsteProjeto funciona por cerca de 2 anos.

É na segunda metade dos anos 80, sobretudo em São Paulo, quese inicia um movimento em busca de um maior embasamento teóricopara que se possam melhor respaldar as práticas ligadas ã gestalt-terapia.Nessa década de 80, a vivência não é mais suficiente e importante comohavia sido nos anos 60 e 70. Tem início uma aproximação com algunsconceitos da psicanálise, como por exemplo a relação transferencial.No Oregon, na mesma época, Robert Martin dá formação em gestalt-terapia associando-a ã teoria das relações objetais" e tal orientação

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começa a influenciar alguns gestaltistas paulistas que viajam para fazeresta formação. Agrande critica feita naquele momento por estes proflSSio-nais refere-se ao frágil arcabouço teórico/fJ.]osófico da gestalt-terapiapraticada no Brasil, que ignora a "riqueza" da relação tr:msferencial ede outros conceitos psicanalíticos, assim como as várias raízes teóricasda gestalt e os fundamentos fJ.]osóficos da abordagem fenomenológico-existencial. Muitos entrevistados declaram que esse periodo é o do"resgate e explicitação das bases fundamentais da gestalt-terapia", emque o encantamento inicial dá origenl a uma série de questionamentos,dúvidas e buscas.

Nos anos 60 e 70, segundo alguns gestaltistas, predomina

",.. a epistemologia da direta experiência sensorial, o entendimentode que conhecimento, inJonnação e sabedoria não sãiJ sinônimos,e que o verdadeírosaber tem que ser aprendido organísmicamente.Creio que esta ênfase no valor da vi~Jência!da apreensdo atravesdos sentidos, foi uma das características mais marcantes dosmovimentos de contracultura dos anos 60_Em psicoterapia, veiojunto com um certo desprezo por elaborações teãricas. O pensarera visto como algo tão ~iciado que só atrapalhava o fluxo daverdadeira "awareness" r. ..), Hoje em dia (anos 80) a literatura

da Gestalt- Terapia se caracteriza por um imporlante resgate dopensare pela ênfase na importância da teoria para nossas práticas.

Efta ênfase tem vindo junto com um reconhecimento critico deque muitas das vivências que caracterizam os trabalhos gestálticosda épocaforam fxJr vezes bastante traumáticas, destrntims e humi-lhantes, dando margem a comentários do tipo 'Jkou pra contarquem sobrevtveu" r..J Na verdade, o que precisa ser realmentereformulado é o conceito de "vivência ", comumente "mal" enten-dido como algo que tfecessarimnente implica em atuações decunhos cênicos, confrontos dramáticos ou episódios de catarsesemotivas"44 (aspas e grifo da autom).

Desse modo, os gestaltistas paulistas dos anos 80 caraeterizam-se pela procura "de uma explicitação mais clara dos pilares teóricos"que os sustentam, "de um respaldo mais sólido" para ,o trabalho gestáticoterapêutico45.

43 "Apesar de o termo Urelação obietal" se encontrar nos escritos de Freude M. Klein, os autores queme foram apresentados como mais importantes e representativos desta vertente Cu) são W.R.Fairbairn,W. Winnicott, H. Guntrip, O. Kemberg, J.F. Masterson, M. Mahler, A. Miller e H. Kohut (maisconhecido como autor da teoria do SelO". In: Ciornai, S. Op. ciL, p. 21.

M. Idem, p. la.45 Idem, p. 11.

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Além das tentativas ele integrar compreensões provenientes elasTeorias elas Relações Objetais há, também, outras que, elentro ele umalinha fenomenológico-existencial, sugerem uma aproximação com aRelação Dialógica Buberiana. Este temlO "relação dialógica" é relati-vamente recente entre os gesta!tistas brasileiros, pois

.. Iof somente a parttr dos anos 80 que Buher pas..'1a a sercon.çfderado literatura básica. e o termo "relaçào dialógíca" aser e:-.plicitado, elaborado e alticulado como tal dentro do refe-rencial teórico gestáltico "46.

~os ane" 80, alguns observam que o edilkio ela gestaJt-terapiabrasileira está sendo construido; as vivências não são tão empregadascomo nas décadas de 60·e 70 e a própria noção do "aqui e agora" passapor uma revL"ão, contendo funclamentalmentc a hi.,tória ele viela da pe~c;;oa.

Suceelendo os Encontros NacionaL, realizados em 81 e 82, váriosSeminários sobre gestalt-terapia ocorrem em São Paulo a partir de 1986.Já no final elos anos 80, afora os Encontros RegionaL, bienai" realizam-se Congressos 1'acionais ele Gestalt-Terapia.

2 - NO RIO DE JANEIRO

No Rio de Janeiro, oS chamados gesralti'tas encontram-se dL'per-50S c cm núnlcro muito pouco significativo. se comparado às demaispráticas psicoterapêuticas da época. até lllesmo àquelas considerada...')"alternativas". Somente em 1976 é que Luiz Duprat - que havia feitovivências com o próprio Perls em Esalcn - inicia precariamente algunsgrupos, por tempo limitado, sobre Arleterapia.

Em 1977 e 1978, os chilenos Adriana Scheak e FrancL,co Huneuusvénl mensalmente ao Rio c, por tueio de nut-atonas, tOITnam alguns "psi"cariocas.

É a partir de 1978, após a viagem de Rogers ao Rio de Janeiro,que uma de suas assistentes, Maureen Miller, utilizando a "gestalt centra-

da na pessoa", oferece lima formaç'ão mais Si')tcluática, visitando du-rante quatro anos o Brasil.

No inicio da década de 80, Décio Cesarin, que havia participado

46 Idem, p. ['7

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de cursos com Duprm, com os chilenos Adriana e FrancL"co e de váriasmaratonas com Maurcen Miller, minL,tra workshops que denomina"Laboratórios ele Relações Interpessoais". Somente em 1981 é que Oesarininicia cursos de formação em gestalt-terapia no Rio de Janeiro.

:>reste mesmo periodo, orgarliza-se também em solo carioca oInstituto Gestalt 00 Rio de Janeiro, sob a direção de Margaret Souzade Joode, dirigido para uma formação de três anos em gestalt-terapia,aberta a médicos, psicólogos ou estudantes do últinlo período dessescursos de graduação Além de oferecer formação, o Instituto programatambém vivências em gestalt-terapia, cursos introdutórios sobre aabordagem gcstáltica e atenelinlentos c1inicos individuaL~ e em grupo.Margaret Jood havia feito na década de 70 formação em Esalen e SãoFrancisco e, no início dos 80, este Instituto forma alguns profissionaiscariocas; entretanto, na segunda metade, sua importância começa a decair.

A história irlstituída e algumas ferramentas teóricas - apontadasele fOffila bem sucinta - das práticas ligadas ã gestalt-terapia no eixoRio-São Paulo, pelo que se pode observar, são extremamente precária.~.Em prinleiro lugar, não há quase nada escrito sobre essas experiências.Os eventuais relatos foram retirados, essencialmente, das entrevL,tas feitascom alguns proflSsionais paulL,tas e cariocas, alguns poucos artigos eteses que contêm algo sobre a história ela gestalt-terapia no Brasil ealgumas de suas ferramentas".

Em segundo lugar, diferentemente das práticas psicanalíticas,psicoclrarnáticas e, mesmo em menor escala, cio '·aconselhamento centradona pessoa", não há uma história ele institucionalização das práticasgestálticas no Brasil. Conforme será salientado com relação às chamadas"neo-reichianas", a gestalt-terapia, à procura ele uma coerência comsuas gêneses em Esalen, não apresenta uma maior irlstitucionalização,o que significa, em realidade, uma menor disciplirlarização e um menorcontrole sobre a formação de gestalt-terapeutas. No Sedes, no Centro

47 Sobre o assunto, consultar, além da bibliografia iâ citada: Loffredo, A·.De Cotovelo Apoiado noParapeito da Palavra.: qual é o horizonte? Projeto de Tese apresentado para Exame deQualificação ao Doutorado - USP, 1987, mimeogr. 2Iotnik, S. Aquisição de Conceitos naFormação dos Psicólogos Humanistas. Dissertação de MestracL:)- USP, 1990. Uma Filho, A.P.Estudo sobre o Método de Experimentos com Sonhos naConcepção de F. Perls. Dissertaçãode :\1estrado- USP, 1991. Tellegen,T. Refiexões sobre Trabalho com Gtupos na AbordagemGestáltlca em Psicoterapia e Educação. Dissertação de mestrado - USP, 1982 e da mesmaautora: Elementos de Psicoterapia Crestáltica. São Paulo, 1972, mimeogr.

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de Gestalt de São Paulo e no Instituto Gestalt do Rio de Janeiro, nãoobstante a instituição de uma formação, não se verificam grandeslimitações e tanta rigidez quanto nas demais formações "psi". A formaçãogestáltica de um modo geral é feita essencialmente como em Esalennos anos 60 e 70, por intermédio de cursos, vivên~ias, supervisões ~terapias pouco institucionalizadas.

Conseguem, com isto, quebrar em parte o autoritarismo, a rigi-dez, a normatização e o controle tão presentes em todas as demaispráticas psicoterapêuticas que se instituíram para "organizar" melhorestas formações. É em cima disto que, de um modo geral, muitos psi-coterapeutas ligados a outros enfoques teóricos, em especial à psi-canálise, desqualificam e menorizam a gestalt-terapia, relegando-a comowna prática inferior e pouco séria. A mesma acusação será feita, comoveremos a seguir, às práticas "neo-reichianas".

Embora seja incipiente o número de gestalt-terapeutas no eixoRio-São Paulo, suas técnicas se expandem bastante e são muito empre-gadas em diferentes áreas, principahnente em trabalhos grupais nas esco-las, empresas e hospitais.

Resta lembrar que muitos profissionais que se dedicam à gestalt-terapia tiveram também formação e sofreram influências da Bioenergé-tica de A.Lowen, não somente no exterior, mas também no Brasil, coma vinda de alguns "bioenergicistas", como Anne Baulmann, que, nofInal dos anos 70 e inicio dos 80, promove uma série de worksbops noRio de Janeiro.

Malgrado tal influência, os gestalt-terapeutas, de um modo geral,criticam hoje - assim como o fazia F. Perls'" - as práticas bioenergéticas.Assinalam - como Perls e G. Boyesen - que A. Lowen produz catarsesque pouco levam à elaboração, pois a força com que abre a couraçatermina por fechá-la da mesma forma. Eis porque ela é considerada umapsicoterapia essencialmente catártica e autoritária, que suscita grandesdefesas. Quanto ao trabalho terapêutico gestáltico, afIrmam ser mais"suave e sutil", à medida que insere e "integra o corpo em seu meio".

Apesar de F. Perls não se valer da técnica do "grito primaI" comofazia G.Boyesen, já no fmal de sua vida - morre em 1970 - vai sendopouco a pouco conduzido para o campo da massagem, por influência

48 Sobre o assunto, consultar a autobiografia de Perls, F.S.Escarafunchando Perls. Op. cito

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de Ida Rolf e da própria Gerda. Assim como esta, Perls utiliza muito ochoro, pois segundo ele o pranto suave acompanha o "derretimento" deuma couraça rija e o aparecimento de sentimentos autênticos.

Comenta Perls sobre a Bioenergética, no que é acompanhadopela maioria dos gestalti<tas brasileiros;

"Muitos terapeutas externalizam sua loucura-de-controle sobrecrentes em busca de crescimento, em vez de superarem estesintomB em si mesmos r..J Eu não estaria onde estou sem aminha sensibilidade, ritmo e intuÍÇào. Mesmo quando realizoexperimentos de grnpo, eles são estruturados de modo a levar emconta onde o outro está naquele momento ,,,jQ,

E, em 1969, faz um alerta sobre o modismo das psicoterapias"alternativas", ao mostrar que as chamadas terapias "estimulantes", emrealidade, começam a se ligar na Hcurainstantânea"J na "consciênciasensorial instantânea". Afmna ele;

"Estamos entrando na fase dos homens charlatães e de poucaconfiança, que pensam que se vocês obtiverem alguma quebra deresistência, estarão curados. sem considerar qualquer nece,<uidade

de crescimento, sem considerar o potencial real, sem considerar ogênio inato em todos vocês. Se isto estiver se tornando moda, serátão perigoso para a psicologia quanto deitar no diva durante umano, uma década, um século (..J Devo dizer que estou muitopreocupado com o que está acontecendo atualmente""IJ (grifo doautor).

Portanto, Perls percebe e se preocupa, no fmai dos 60, com omodismo que a década seguinte traria em reiação às chamadas terapias"corporais" que, no fmal dos anos 60 e por todos os 70, se expandem deseu principal centro, Esalen, o privilegiado lugar que irradiou o Moviruentodo Potencial Humano.

IV - As PRÁTICAS "NEO-REICHIANAS"

Dentre os discipulos de W. Reich que mais irão influenciar os"corporalistas" brasileiros estão A.Lowen, o criador da Bioenergética,

49 Idem, p. 220.50 Perls, F.S. Gestalt-Terapia Explicada. São Paulo, Summus, 1977, pp_ 13 e 14.

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nos anos 50, nos Estados Unidos, e na década seguinte, na Inglaterra,D, Boadella e a norueguesa G, Boyesen, criadora da chamada PsicologiaBiodinâmica,

Os norte-americanos A, Lowen,John C. Pierrakos e Charles Kelleyacompanham a fase de Reich - anterior à americana, antes de 1948,

conhecida como a fase da vegeto terapia, na qual há uma influênciagrande das teorias freudianas da libido e da sexualidade, assim como daanálise do caráter reichiana - durante o seu exílio na Noruega, a partirde 1934, antes de sua partida para os Estados Unidos, Os europeus D.Boadella e G. Boyesen também sofrem influência desta penúltima fasede Reich, mas seus trabalhos seguirão caminhos diferentes dos discipulosnorte-americanos. Já outros norte-americanos, também discipulos de Reichnos Estados Unidos - Baker e Rolf - seguem a última hse do "mestre": aamericana, conhecida como Orgonoterapia. Estes fundam em Nova Yorkum Instituto de Orgonomia, bastante rígido, hierarquizado e medicalizado,onde só médicos podem fazer a formação orgonõmica.

Se há diferenças - colocadas aqui de forma bastante superficial,pois tal tema foge ao assunto deste trabalho - entre os enfoques dessesdiscipulos de Reich, há um ponto comum que em muito irá influenciaros "neo-reichianos" brasileiros: relegarem a um segundo plano e, porvczes, ignorarem as contribuições trazidas ao debate freudo-marxistapor este pensador em suas primeiras fases.

Assim, a entrada dessas vertentes reichianas no Brasil - aorgonoterapia c a vegetoterapia - apresenta-nos duas questões. As prá-ticas corporais difundidas no eixo Rio-São Paulo, na segunda metadedos anos 70, levam à "despolitização" do corpo, porque OS prinCIpaisdiscípulos de Reich, com maior influência na f01ll1açâodos "corporali~tas"brasileiros, produziram-nas exatamente desta forma, escamoteando ou,mesmo, ignorando as contribuições sócio-políticas do "mestre"? Ou, aocontrário, estes discípulos, apesar de suas próprias proposições pseudo-apolíticas e extremamente psicologizadas/psicologizantes, já encontra-rJlll em Reich base para a produção de taL~práticas?

Necessariamente esses dois aspectos não são excludentes; mas,ao contrário, podem ser vistos como complementares. Observamos,por exemplo, o caso de David Boadella, um dos biógrafos de Reich,seu discípulo, teórico da chamada Psicologia do Corpo e que, na década

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de 70, em Londres, influencia alguns brasileiros com suas prátic:ISBoadella, ao falar sobre os "caminhos percorridos por Reieh"S!,minimiz:'lsua militância política e "resgata" seus conceitos de forma alienada/alienante, optando por relegar a um segundo plano as suas eontribuiç""sexplicitamente trarJSformadoras. Prioriza portanto o aspecto mai~ adaptável da obra reichiana à produção das subjetividades capitalisticas.Boadella enfatiza apenas os aspectos psicológicos e somàticos - presentcs. sem dúvida, principalmente, nas últimas fases da produção reiclliana- e ignora por completo as suas contribuições ao debate lreudo-marxi,ta,assinl como sua "teoria da ideologia"';2.

Será Boadella o únieo a "esquecer" a "obra soeial" de Reich?

Sem dúvida que não, pois A. Lowen - o cTiador da Bioenergética_ vai mais além. O conceito reichiano de "energia vital", chamado porLowen de "bioenergia", cm realidade é um prolongamento da libidofreudiana, e significa a afirmação e não a negação feita pela psicanáliseelas implicações soeiaL, embutidas neste conceito freudiano. Lowen retiralhe toda e qualquer implicação soeial, transfo1ll1anc!o-o unicamente emoperador dos proeessos psiquicos e somátICOS".

Um outro aspecto enfatizado pela Bioenergética é a "reeuper.!çâo" de muitas proposições da Psicologia do Ego, questionadas por Reich.Lowen vai proeurar compreender a basc somática da Psieologia do Ego,

considerando-a em ternl0S de energia 54.O próprio Lowen apresenta a Bioenergética como uma aborda-

gem eompreensivista-humanista, fazendo parte do vasto Movimento doPotencial Humano - o que se opõe radicalmente à orientaçâo reic\liana,essencialmente materialista, em suas primeiras fases. Já O período deprodução reichiana nos Estados Unidos está inegavelmente marcado

por um enfoque mais idealista e místico.A outra dLscípula de Reich, Gerda Boyesen, que também exerce

')1 Boadella, D. Nos CamInhos de Reich. São Paulo, Sununus, 198'5..';2 Ver sobre o assunto a obra de Reich, W. Psicologia de Massas do Fascismo.. Porto, Escorpião,

1974 e a análise feita por Rouarret, São Paulo. Teoria Critica e Psicanállse. Rio de Janeiro,Tempo Brasileiro, 1986, quando realça:l teoria da ideologia de W, Reich e suas contrinuiçôes ao

debate freudo-marxista.')3 Sobre o assunto, consultar lowen, A. O Corpo. em Terapia: AAbon\agem Bioenergética. São

Paulo, Surrunus, 19T'54 No já citado O Corpo. em Terapia: A Abordagem Bioenergé1ka, Lowen mostra as bases

bioenergéticas da PSicoiogia do Ego.

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influência na formação de alguns "corporalista.<' brasileiros, nos anos70 em Londres, enfatiza em suas práticas aspectos essencialmentesomáticos, fisiológicos e psicológicos em detrimento dos sócio-politi-coso Tendo sido cliente do vegetoterapeuta norueguês ala Raknes -discipulo direto de Reicll -, Gerda funda, nos anos 70, grupos de "ajuda-te a ti mesmo"! dentro da meSllla orientação compreen.c;ivista-humanista

do Movimento do Potencial Humano. Todavia, sua abordagem não seencontra no aqui e agora, o que, segundo ela, "mascara as profundezasdo ser". Seu trabalho biodinimico faz remontar as pulsões até seupassado mais antigo, auxiliando na liberação de suas repressões erecalcamentosS'5.

Sem pretender aprofundar essas diferentes produções "neo-reichianas", por não ser este meu objetivo. quis entretanto levantaralguns pontos que se referem diretamente a questões enunciadas naspráticas de nluitos "neo-reichianos" brasileiros.

Por esses "cantinhos percorridos", chega-se à conclusào de que aprodução político-social do corpo, enfatizada por Reich, é totaimenteesquecida por Boadella, Lowen e Cerda e outros de seus elLscipulosnorte-americanos. A dimen<;ão sócio-revolucionária da tcrapi:.t reichiana,em suas primeiras fases, desaparece com esses dLscipulos. Lapassadeafirma que:

"A bioenergética de A Lm1X'11 é um neo-reichi.'imo de direita ( __)À bioenergia é agregado o slogan da 'psicologia bumani~ta';enquanto a ohra de Reich era anti-humani..'\/a e anti-espiritua-li.\1a"'i6.

E acrescentaria eu: não se pode esquecer as transversalidadespresentes nessas obras, as subjetividades que estão sendo produzidasnas décadas de 60 e 70 no caudal dos movimentos contraeulturaLs e doPotencial Humano. De um modo geral - como já foi realçado no iníciodeste Capítulo - os "herdeiros" c "discipulos" de Reiclt, tanto os norte-alnericanos quanto os europeus, inscrevem-se nesse momento hi~tórico.

Não é por acaso que, de um modo gemI, esus terapias "corporaLs"trazem a crenço no redescobrimento da chamada "personalidadeprimária", ao acreditarem no núcleo "bom" e "tnaravilhoso" que cada

55 Sobre o assunto, consultar Boyesen, c;. Entre Psiquê eSotna. São Paulo, Summus, 198656 lapassade, G_La Bio-eoergia. BarcelolU, Graniea, [978, p. 87,

278

um traz dentro ele si, onde estaria o "centro do amor e da bondade".Tanto Cerda quanto Lowen, e mesmo F.Peris, ressaltam - com peque-nas diferenças - este objetivo em suas terapias, o que mostra a influên-cia que teve sobre eles o terceiro estrato do caráter apontado por ReichCOnl() contendo impulsos "decentes", "sãos'; "espontâneos" e "hones-tos"~7.Contudo, Reich - em suas prinleiras fases - relacionou estnlturade caráter com estrutura social, o que não ocorreu com seus discípulos.

Esta pequena introdução tem, por conseguinte, o objetivo de bus-c::u reconhecer que práticas reichianas são introduzidas no Brasil nascgunda metade elos anos 70, que modelos e subjetividades vão servir,fortalecer e mesmo produzir. Podemos, então, cOJneçar a entrar umpouco na hiç;tória instituída dessas práticas no eixo Rio~São Paulo.

1 - EM SÃO PAULO: AS DUAS GERAÇÕES DE "CORPORAUSTAS"

Desde 19~'í José Angelo Gaiarsa tcm contato com a obra de W.Reich e, nas décadas de 60 e 70, foi o primeiro no Brasil a iniciar umapsicoterapia individual e gmpal de fundamentação reichiana. Com gran-des influências de Jung, Gaiarsa se :luto-intitub um "especiali.<:;tl emexprcssão nào-verbal"". desenvolvendo uma aborclagem corpoml própria.

Nos anos 60 e 70, pelos grupos de terapia e/ou de estudo orga-nizados por este autodidata. vai passar quase que toda a primeirA geraçãodos chanudos ..corporalL"lta..•.•,.paulistas. Muitos, COInoFábio Landa, hojeestão na psicanál~•.•e; outros. como Regina Favre. Antonio Carlos Mareilio(rodoye Rubens KigneL continuam conlO terapeuta...,"corporais", emborasigam caminhos dü'erentes entre si e diferentes elo próprio (iaiarsa.

No entanto, apesar das diferenças atuai .••, há pontos que uneIllGaiarsa e toda esta geração de "corporali.<)tls" paulistas nos anos 60 e naprimeira nlct:1de dos 70: o rechaço à psicanáIL..,e.ao monopólio exercidopor esta prática c a busca de outras fonna~:(lCS"alternativa."'" a ela. Nãoé por acaso que o próprio Gaiarsa c muitos "corporalistas" paulistasdesta primeira geração fazem no lInal do década de 60 c no inicio ela

"i7 Sobr(; o assunto, consulwr Rdch, \1/_Análise do Caráter. São Paulo. Martins FonL~s, quando

dt..·scrL'VL':l existência de três L'strJ.tos no desenvolvim.:.'nto Uo Clr;lt':f-

"iH Ver wbre o assunt<l sua pL'qucna biogr.l1h in Gabrs3,j .A. O que é O Cotpo_ Coieçào Primeiro."

Pa.ssos. Rio de janóro, Hrasilieme, [()li6, p_ 8').

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de 70 formação psicodramática no GEPSP (Grupo de Estudos de Psico-drama de São Paulo), na SOPSP (Sociedade de Psicodrama de SãoPaulo) e estão presentes no Congresso de Psicodrama de 1970, noMASP, que dessacraliza os chamados mundo "interno" e mundo "psí-quico", vistos de forma tão secreta e excludente pela psicanálise. Atémesmo aqueles que, posteriormente, se tornam psicanalistas, fazemprofundas: severas criticas à formaçào autoritária, elitista e arroganteda SBPSP. E o caso de Ana Verôníca Mautner que, em 1982, abandonaa bioenergética e entra, mais tarde, para formação naquela Sociedade"oficial" paulista.

1.1 - No Sedes Sapientiae

Esta personagem, além de Gaiarsa, é a segunda grande figuraem São Paulo responsável pela expansão ele uma elas terapias "neo-reichianas", a Bioenergética, e pela formação de uma boa parte cios"corporalistas" paulistas.

Desde 1%5, Ana Verônica trabalha com grupos de sensitivitv-training em São Paulo. Em 1968 vai a Londres, onde permanece por u~ano, descobrínelo a gestalt-terapia e os grupos de encontro marcadospelo Movinlento elo Potencial Humano que inicia sua expansão pelaEuropa. Trabalha com Gaiarsa e, em 1970, fica responsável pelo Cursode Formação de Psicoterapeutas no Instituto Sedes Sapientiae, que seconverte em um importante centro irradiador da., chamadas terapias"alternativas", Soffendo grande influência de Lowcn, Ana Verônica, semdúvida, é uma das principaL' responsáveL~ pela expansão da Bioener-gétíca em solo paulista, compondo a segunda geração de "corporali,tas"como Sandra Regina Pa.,choal Sollari e Léa Maria Cardenuto, dentreoutros.

Diferentemente da orientação reichiana de Gaiarsa, Fábio Landae outros que, na época, questionam o autoritarismo e a diretivielaeleinlprimada ao curso elo Sedes, Ana Verônica e sua equipe utili7~m astécnicas hards da Bioenergética de Lowen. Isto fica claro pela posiçãoexposta por esta "bioenergicísta" no Prefácio à edição brasileira daprimeira obra de Lowen lançada no Brasil, em 1977, O Corpo EmTerapia: a abordagem Bioenergética. A certa altura Ana Verônica

280

escreve:

"PerlenceftUJs ao mundo que se enrijece de orgulho. que levanta o

ombro na vitória sobre o outro. A Bioenergêtica mantêm-se noesquema. Vencer, ganhar, entrar IW desafio. Propõe um sendoaesJeesquema.-luJe, mas consigo mesmo, Ustlndo asmesmasurrru;lS

que se pretende eliminar. O mundo em que vivemos lJa10riza aluta, o desafio e a vitória. Vamos um passo adiante ( ..f No"mMa novaiorq"iano, pesado, violento, os homens lutampor tudo. Lowen os leva a luJar contra si mesmos, a entrar em

contato com sua, emoções reprimidas, derrubar suas pr6prlasbarreiras "na marra'" (.J A Bioenergeticaacredita na dor

que acompanha o cresctmento, porque doloroso é o encontrocom a barreira que não cede. Lm-venpassa pelA dor parachegar ti alegria, poi.ç tocar a barreira dói"S'f (grifos meus).

Este texto mostra com clareza que subjetividades estão sendofortalecidas e mesmo naturalizadas por estas prátícas: a da competição,a do desafio, a da vitória, tipicas do mundo capitalístíco, onde os maL,fortes esmagam os mais fracos. E mais, dentro da própria herança ju-daico-cri,tã - também presênte na psicanálise - a crença de que ocrescimento só se realiza acompanhado de sofrimento. Só que, no caso

da Bioenergétíca, a dor é física mesmo!Em 1974 e 75, Ana Verônica incorpora à sua equipe do Sedes

Antonio Carlos M.Goeloy e Regina Favre, que cheg.lm do exterior, apósvários cursos, vivências e worrcshops, O primeiro, em 1972, vai a Londrese tem cursoS com Gerda Boyesen, em seu Inc;titutode Biodinâmica eJmais tarde, nos Estados Unidos, faz vivências e cursos com A.Lowen emNova York, e em Esalen com os di,cípulos ele PerL,. Regína Favre, que,em 1973, também fica em Londres fazendo formação e terapia comGerda, sofre influências de Lowen e da anti psiquiatria de Cooper e Laing.

Este curso do Sedes - o primeiro no Brasil a oferecer uma forma-ção dentro da abordagem "corporal" - convida, a partir de 1975, váriosexpoentes do movimento "corporalista" mundial, como Gerda Boyesen,Alexander Lowen e David Boadella, dentre outros ..

Posteriormente, Yvonne Vieira e Maria Mello, que também haviamfeito formação psicodramátíca, são íncorporadas ao grupo de Ana

'f) Mautner, A.V. "Prefácio" In:O Corpo em Terapia: AAbordagem Bioenergética. Op. tiL, pp.

09,lOel1.

281

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Verônica, Godoy e Regina. A primeira vai para os Estados Unidos em1975, fazer formação com Lowen; a segunda, Maria Mello, em 1979 viajapara Londres e faz formação e terapia com lierda. Forma-se, assim, oque fica conhecido no final dos anos 70 como o "grupo dos cinco" queconstituem junto com Gaiarsa - que continua "correndo por fora" - achamada primeira geração de "corporalistas" paulistas.

Figura de grande influência neste movimento, Ana Verônicaabandona o Sedes e o movimento "corporal" no início dos anos 80,denegrindo, inclusive, as práticas "neo-reichianas". Isto produz um"trauma" em São Paulo, afIrmam alguns entrevistados. Aos poucos omovimento "corporal" paulista, integrando novos personagens chega-dos do exterior, vai se reestruturando e fortalecendo.

Além de Gerda, Lowen e Boadella, outros cliamados "discípulos"de Reích, como os norte-americanos Stanley Kellennann e dlarles Kelley,também influenciam os "corporalistas" paulistas e cariocas.

Em São Paulo, todo este movimento acima narrado e o própriomomento histórico bra·.;ileira- ascensão dos diferentes movimentos sociai..;;e a inlportáncia que o corpo passa a ter para algumas camadas médiasurbanas - preparam terreno para. a partir de 1978, fazer explodir comforça as chamadas terapias "corporais" que invadem os anos 80,continuando no início dos 90. Efetivamente, junto com o psicodrama, asterapias "neo-reichianas", a partir daí, começaln, ainda que timidamente,a disputar o mercado "psi" paulista, monopolizado até então pelapsicanálise.

1.2 - Outros Estabelecimentos: Ágora e IPE

A partir de 1974, os argentinos Martha Berlin e Emilio Rodrigué,instalados na Bahia, fazem formação. terapia, propiciam vivências, mara-tonas e workshops a muitos "corporalistas" paulistas e cariocas. MarthaBerlin,que, no fmal dos anos 60, havia feito formação psicodramáticacom o grupo de E. Pavlovsky na Argentina, logo depois vai para osEstados Unidos e sofre grande influência do Movimento do PotencialHumano, principahnente da gestalt-terapia e dos "neo-reichianos" norte-americanos. Participa, no limiar dos anos 70, junto com Suzana Pravaz eEsteJa Troya, do CIAP (Centro de Investigação e Assessoramento em

282

1

Psicologia) - já mencionado no Capitulo 11-. que acrescenta ao "grupooperativo" de Pichon-Riviere outras técnicas do Movinlento do PotencialHumano. Emilio Rodrigué. no irúcio dos anos 70, é um dos didatas daAPA, que junto com o Grupo Plataforma rompe com a psicanálise"oficial" argentina.

Os dois são figuras inlportantes para o movinlento "corporalista"brasileiro ao fmal dos 70 e início dos 80. pois evidenciam para osprofissionais da área a dimensão de uma psicanálise em início de ques-tionamento e facilitam a vinda para o Brasil de alguns psicanalistas e"corporalistas" argentinos como Marie l.anger e Teda Bass, dentre ou-tros. Ernhora já esteja na Argentina em 1982, Martha Berlin viaja quatrovezes por ano ao eixo Rio-São Paulo-Vitória para dar formação.

Um outro argentino que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, realçaas contribuições da psicanálise é Rodolfo Bohoslavsky, tarnhémnos Ilnaisdos anos 70 e início dos 80.

A partir de 1980, Martha Berlin sai ele Salvador e fIXaseu trabalhono eixo Rio-São Paulo. Dentre as pessoas formadas por Martha - alémde alguns "corporalistas" cariocas - estão Liane Zirlk e Carlos Briganti,que havia sido um dos fundadores do NEPP em 1976. Este, em 1981,junto com Regina Favre e Teda Bass, organiza em São Paulo um centrode estudos "neo-reichianos", chamado Ágora, e promove um grandemovimento de ciclos de estudo com os "corporalistas" paulistas e cari-ocas. Estes grupos de estudo acabam concentrando-se, depois de algumtempo, nas mãos de Regina, Brigaoti e l.iane que, em 1985, fundam oestabelecimento também denominado Ágora. A partir de 1988, o Ágorapropicia formação em terapia "corporal" de quatro anos, por meio deaulas teóricas e vivenciais (workshops), supervisões e grupos de estudocom monitores. Além dos workshops realizados mensahnente há doisgr'dndes workshops anuais organizados fora de São Paulo. Há uma espéciede auto-seleção e a obrigatoriedade de uma terapia de 4 a 6 semestrescom um "neo-rechiano" indicado pelo estabelecinlento.

Em 1987 surge um outro grupo paulista que dá formação emterapiá corporal, constituído por Godoy, Yvonne Vieira, Maria Mello eRubens Kignel, o IPE(Instituto de Psicoterapia Corporal e Ensino),que, em acréscimo aos cursos teóricos, oferece supervisões, vivênciase terapia.

283

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Em início dos anos 90, em São Paulo, existem quatro estabe-lecimentos que, de forma mais ou menos organizada e instituida, dãoformação na área "corporal": o Sedes - cuja responsabilidade hoje estácom os "corporalistas" da segunda geração -, o Ágora, o IPE e, também,desde 1981, a Associação Wilhelm Reich, que proporciona atendi-mento cliníco. através do Instituto Wilhelm Reich, assim como gru pos deestudo e cursos os mais diversos e uma formação de quatro anos.

Há ainda a SQciedade Brasileira de Análise Bioe:nergética,vinculada ao Intemationallnstitute for Bioe:nergetic Analyses deNova York, criado por A.Lowen, que, malgrado suas ligações inter-nacionais, não possui o prestígio e o status que, normalmente, no meio"psi" e na sociedade em geral, se dão às relações internacionai., Subje-tividades típicas de pai.es do Terceiro Mundo que, entre os "corporali.-tas" paulistas, não estão suficientemente enraizadas, até pelas criticasferrrenhas que todos eles fazem ãs Sociedades "oficiais" de psicanálise eà IPA.

Fora estes quatro estabelecimentos que, a partir dos anos 80,oferecem uma formação em terapia "corporal", temos ainda no limiardos anos 90muitos "corporalistas" que, em São Paulo, ministram formaçãoisoladamente. Anão-in.titucionalização, característica predominante nasformações "alternativas" da década de 70, vai sendo perdida nos 80.Entretanto, tanto na gestalt-terapia - aspecto já apontado - como, emmenor escala, nas terapias "neo-reichianas", ainda há formações isoladasfeitas por pessoas que, mesmo assim, organizam suas próprias "escolas".É o caso, dentre outros, de José Angelo Gaiarsa e de Roberto Freire.

1.3 - A Somaterapia

Roberto Freire, o criador da chamada "Somaterapia", influenciae forma ainda muitos "corporalistas" por todo o Brasil. Como esta influ-ência em muito extrapola os estreitos limites do eixo Rio-São Paulo,falo um pouco deste "soma terapeuta" no fmal desta apresentação dos"corporalistas" na Paulicéia e antes da história instituída desses proflS-sionais em solo carioca.

Na década de 50, Roberto Freire"', um "bem comportado" médico,

fD Toda esta parte referente à biografia de Roberto Freire foi retirada de três de suas obras; a principal

284

.~

'i!í

,,I

fazia sua fOlmação analítica na SBPSP. Porém, desenvolvia intensa.atividades culturaL, e arti.ticas: era professor da Escola de Arte Dramática

de São Paulo, poeta e jornali.ta.Nos anos 60 acompanha o movimento do Teatro de Arena e

interessa-se por educação popular, vinculando-se ao Programa Nacionalde Alfabetização, coordenado por Paulo Freire. Vive intensamente operíodo anterior ao golpe militar de 64, escrevendo peças e participan-do da criação da União Pauli.ta da Classe Teatral, da qual é seu prinleiropresidente. Em 1963 abandona definitivamente sua formação analitica,tendo um ano antes sido um dos fundadores, junto com alguns do-minicanos, do semanário Brasil, Urgente, que tem papel fundamentalde resL.tência, ptevendo e denunciando o golpe militar que se gesta.Ainda em 63, Roberto Freire dirige o Serviço "acionai do Teatro e compõeoutras peças teatraL•. Em 64, é demitido e preso duas vezes, emboracontinue trabalhando na TV-Record- por poucolempo, pois logo tambémé demitido. Trabalha como jornalista, participa como jurado de váriosfestivais da MPB, dirige o TIJCA, ganhando o prêmio Esso de Reportagem,com um trabalho, "Os Meninos do Recife", publicado pela revista

RealidadeApós a decretação do AI-5, Roberto Freire fica novamente sem

trabalho e ao viajar para a Europa conhece o Liuing Ibeatre e os labora-tórios de teatro de Grotowski. Tem início aí sua aproximação com aobra de W. Reich. Sofre tanlbém influências da antipsiquiatria de Cooper

e Laing e da gestalt-terapia de Perls".

".. , a sua experiência de lJida, se~ eeleti..ww de estudo, vivênciae atuaçao em diferentes campos das artes e das ciências, são osingredientes mais importantes e mais caracterislicos de seu

método terapêutko"62.

Este método - a Somaterapia - vem a público em 1976. apósexperiências que faz, associando-o aos trabalhos de Rudolf Laban"'-

neste aspecto é VIva Eu. Vlva Tu, Viva o Rabo do Tatu_ São Paulo, Global, 1977, dedicada aPlínio Mareus.e Chico Buarque. As outras duas obras de Roberto Freire que falam sobre a So.ma-terapia são: Ame e Dê Vexame. Rio de Janeiro, Guanabara, 1990 e Soma: Uma TerapiaAna:tquista, vol. 2: A Anna é o Corpo_ Rio de Janeiro, C,uanabara Koogan, 199]

61 Sobre Petls e a influência exercida no trabalho de Roberto Freire, consultar: Viva Eu, Viva Tu,

Viva o Rabo do Tatu. Op. clt.

62 Idem, p. 341.63 R. Utban em seu Uvro Domínio do Movimento (Sâo Paulo, Summus), relaciona e codifica as

28';

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ASomaterapia, segundo o próprio Roberto Freire, tem várias raízes:a primeira seria o teatro, através da chnça moderna de expressão corporal,apreendida com os discipulos de Laban. A segunda raíz é a Ludoterapia,pois a Soma utiliza-se da mesma metodologia, aplicada não a criançasmas a adultos.

"A terceira raiz da Soma, sem dú",ida a maLç importante. é denatureza polltica, porém com base na minha noçào e uivênciaspolíticas das décadas de 60 e 70, o que motivara as lula.s clan-destinas tralJadas no plano social, enquanto criava e pesquisavao Soma (.__J. Eu buscava uma terapia através da qual a juuentudesublevada pudesse livrar-se dos res{duos burgueses de suapersonalidade, bem como su..<;tenta·la emocional epsicologicamentena luta contra a ditadura militar (._.) Eu irnagtnava uma terapiaque fosse marcada por uma l!Í.<;âo socialista do homem ( ). E/oíassim que nasceu a Soma "64 (grifas do autor),

Logo adiante, Freire, ao mostrar outras raízes da Somaterapia,revela que:

"Devo ã Gestal! e á Bioenergética (realizadas terapeuticamenteem poucos meses na Europa J, o que, em anos, a Psicanãlise naoconseguiu me devo/rl(ff da originalidade, da espontaneidade e da

autonomia que possuo hoje '06~.

Assinala ainda que W. Reich, Grotowski,]. Beck (o teatrólogo doLiving Theatre) e a Antipsiquiatria em muito influenciaram a Somaterapia.

Desde, portanto, o início dos anos 70, Roberto Freire vem atuandono eixo Rio-São Paulo - em 1972 mudou-se para a região serrana deVL,conde de Mauá, no Rio - e a partir da segunda meta.de desses mesmosanos vem formando somaterapeutas. Nos anos 80 estende suas atividadesa Brasília, Porto Alegre, Salvador, Recife e Fortaleza e nos 90 chega aGoiânia, Campo Grande, FlorianópolL' e Curitiba.

Por volta de 1979, cria as chamadas "Maratonas de Campo",trabalhos terapêuticos etn contato direto com a natureza ..."66,

inicialmente realizadas apenas em VL,conde de Mauá, com grupos de

dinâmicas básicas do movimento corporal humano com suas respectivas emoções e tensõeselementares.

64 Freire, R. Som.a; Uma Terapia Anarquista_ Op_ cit., pp. S2 e ';3.65 Idem, p. 53.fi:J Idem, p. 61.

286

1I

São Paulo e Rio de Janeiro. Desde 1987, promove encontros sistemáticosde somaterapeutas de diferentes estados.

De todos os chamados "corpo'..lIL'tas", tanto paulista.s quantocariocas, o único, sem dúvida, que traz em seus discursos a palavrapolítica de forula clara é Roberto Freire. Mesmo aqueles - e não sãopoucos - que, nos anos 60 e 70, de U111aforrna ou de outra, possuenlalguma vinculação com a luta de resL,tência que se trava no Brasil, aoaderirem às terapias" corporais'· e ao aceitarenl os princípios do chama-do Movimento do Potencialllumano (em sua tase de expansão na déc'adade 70), perdem em muitos aspectos o que seja a inlplicação de suaspráticas com os diferentes movin1entos sociai'5.

Entrementes, ainda que Freire trale tão explicitamente dessaimplicação política, persistem algumas questóes: será que as práticas daSomate,dpia, efetivamente, inauguram e/ou consolidam espaços insti-tuintes, espaços singulares e de luta, mesmo que provL,órios' Será que,apesar desse discurso político, suas pr:íticas não continuam tnarcadaspelo humanismo-existencial tão presente nas que se originam do Movi-mento do Potencial I lumano? Estas são algumas dúvidas para mim nomomento. Contudo, pelo que pude conhecer do trahalho desenvolvidopor Roberto Freire, tlca a impressão de que sua "terapia anarquista.", emmuitos momentos, aponta para a dessacralização de alguns conceitos da"verdadeira" psicanálLse, como o lugar de saher e poder ocupado peloespeciali'ta. "psi", a pedagogia de opressão presente em sua formação, aimportância de outros saberes e práticas que fogem ao estreito campo"psi".

Apesar disto, nessas práticas que se pretendem "anarquista.s" -rompendo com os chamados dogmas "cientificos" e "psicológicos" -encontramos algumas das caracteristicas humanistas aponta.das por Cas-tel: "...umrousseaunismo sonhador que exalta a espontaneidade epretende lutar contra as alienações c constrangimentos em nome datransparência dos indivíduos ..."" (grifos meus), da sua "autonomia", dasua "conscientização", do seu "crescitnento") acrescentaria eu. () quenão fugiria ao humanL,mo-existencial e ã produção de subjetividadesvoltadas para o privado, para o intimL,mo, para a falta.

As observações feitas sobre o trabalho "corporal" de Roberto

67 C..astel,R. A Gestão dos RMcos. Op. cit., p. 146.

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Freire foram aqui colocadas pela "diferença" que seu discurso comportaem relação aos demais da área, embora tais práticas em muito se asse-melhem. Alguma..ç;consideraçôes sobre as outras práticas "corporais"

presentes no eixo Rio-São Paulo serão abordadas ao finaldeste Capítulo.

2 - E, EM SOLO CARIOCA 000

Se, em 1978, inicia-se na Paulicéia a expansão das chamadasterapias "corporais", no Rio ele Janeiro i'5to ocorrerá somente no início

dos anos 80.

Esta expansão em solo carioca será preparada por uma série deprofL'Sionais que, isoladamente, vão adubando o terreno com suaspráticas, facilitadas pelo próprio momento histórico brasileiro da época.

Não podemos esquecer que os anos 80 trazem para o palco dasgrandes cidades uma série de participações e reivindicações e, sobre-tudo, o descnvolvilnento, nas camadas médias urbanas, ele uma maiorpreocupação com seu próprio corpo. O chamado "culto do corpo" passaa fazer parte do cotidiano de muitos dos filhos da classe média, com oaparecimento em massa das academias, onde a estética corporal éextremamente valorizada.

O grande sucesso alcançado pelo ex-preso político FernandoGabeira - recém-chegado do exílio - com sua tanga, a apologia docorpo e da alímentação natural e críticas à ortodoxia da esquerda ins-crevem-se nesse filomento brasileiro. Buscando reatualizar nluitosconceitos dos movimentos contracultural e do Potencial Humano, Ga-beira simboliza, no inicio dos anos 80, o Brasil "aberto" para as maLsdiversas questões, revivendo murros aspectos dos movimentos dos anos60 que, no Rio de janeiro, teve como musa LeUaDiniz. Amídia, um dosdispositivos na produção do "culto ao corpo", veicula de forma com-petente OS "princípios corporais" de Gabeira; seus livros tornam-se"coqueluche", principalmente entre a juventude da Zona Sul carioca.

Deste modo, tanto em solo paulLstaquanto no carioca, a explosãodas chamadas "terapias corporaLs"insere-se num determinado momentode nossa históüa e todos os profISsionais já citados em São Paulo,assim como outros que a seguir serão relacionados no Rio de janeiro,

288

f

incluem-se neste quadro em que massivamente estão sendo produzidasas subjetividades do "culto ao corpo". da estética corporal.

2.1-Alguns "Corporalistas"..o

o primeiro desses profissionaLscariocas é Romel AlvesCosta, que,em 197~, principia um trabalho "corporal" em seu consultório. Face àinexi<;tência, na época, no Rio de Janeiro, de forulaçào na área, Ronlel-

que conhecera um ano antes a obra de Rcich - torna-se um autodidata.

trabalhando seu próprio corpo. Não sofre influências de Lowen, tendo aorgonoterapia de Reich como base para seu trahalho.

ema segunda figura na história das terapias "corporaLs"em solocarioGI, que - a exemplo de Romcl - até hoje "corre por fOf'd", é GeniCobra, que, em 1977, vai para a Inglaterra, por um ano, realizandoformação com Gerda Boyesen e, posteriormente, alguns cursos comDavid BoadeUa. Comenta que apesar de, na década de 80. ter feitovários trabalhos e0111bjoenergicistas nortc-anlericanos - C01no CharlesKel1ey,do Instituto Radix, c StanJev KcUermann - em sua atuação dámais ênfase aos princípios da Psicologia Biodinâmica de Gerda e àprevenção de neuroses de Eva Reich. Ceni Cobra - ao contrário deRonlel - não se dedica a fonnaçào) clnbora tenha participado de nlUilos

trabalhos, vivências e workshops, conlO veremos logo adiante.

A partir de 1977, assume crescente importância na difusão daspráticas "corporaLs"ligadas à Bioenergética um grupo lórmado por quatromulheres com histórias hem diversas, as quais, em 1977 se encontranlno Rio de janeiro e, por algum tempo, trabaUlam juntas. São elas Sandrado Carmo Guimarães, Linne Zink - que posterionnenlc irá se radicar CllISão Paulo -,EHane Maria Duailibi Siqueira c Esther Franke1. As duasprimeiras, em 1974, reúnem-se em Salvador, nos grupos. vivências eworkshops realizados por Emilio Rodrigué e Martha Berlim e com c1es,até 1976, têm formação grupalJcorporal. Vêm para o Rio de janeiro,onde encontram Eliane Siqueira, chegada;lo Brasil em 1974,que haviaestado, desde 1969, na llniversidade da CaIilcírnia - na época centrodas terapias chamadas "alternativas" -, em Esalen e no Instituto Radix,com Charles Kelley. Em 1970 Eliane faz formação em 1\ova York, comA. Lowen, no Instituto de Bioenergética que, nesse tnomento, não tem

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ainda um curso sistematizado. A quarta personagem, Esaler Frankel, lezformação em Pedagogia em Israel e Psicologia na Suíça e, em Genebra,desde 1973, faz cursos com Gerda Boyesen p~r quatro anos. Em 1977volta ao Brdsil e, no Rio de Janeiro, conhece as três "corporalistas" queaqui já residiam.

Este grupo, em 1977 e 1978. estuda junto, dá alguns cursos L",la-damente e nos anos 80 viaja com alguma freqüência para os EstadosUnidos - realizando cursos breves c vivências com A. Lowen, no Institutode Bioenergética de Nova York, no Instituto Radix. com Charles Kelley cna Califórnía, com Frank Ledig - e para Londres. onde inicia lórmaçàocom D. Boadella. Este, dcsde 1980 até 1986. faz sl,temáticas viagens aoBrasil, dando formação em BiossÚ1tesc para muitos "corporalistas"bFJ....;;ileiros.Sua primeira vinda, em 19HO,em Salvador, foi um verdadeiro

evento, poL., para lá se dirigem quase todos os que, na época, no eixoRio-São Paulo, se intcressanl pelas chamadas terapias "cocporaLs".Também Eva Reich vem :lO Rio duas vezes, !lesses anos. oferecendovirias palestras, vivência,,"i. elc

Um outro "corporalistl", que também contribui para a expansãoocorrida no início dos anos 80. é Nicolau MalufJúnior que, desde 1973,em São Paulo, havia tido contato com (jaiarsa e Roberto Freire. Enl 1977vai para Londres, onde estuda e trabalha Com (~ercla Boyesen por umano c, em 1979, se fix:1!lO Rio de Janeiro.

Meu objetivo aqui não é, em absoluto. falar exaustivamente decada "corporalist..1."carioca que tenha colabor.ldo para a expansào dessaspráticas no início elos anos RO, mas através de suas histórias - bastantereduzida,', c sitnplificaclas - evidenciar como essas práticas "corpot:li.-""chegam até nós, que innuênci;l') nos trazem. Tanto em São Paulo, quantono Rio de Janeiro, pode-se perceber que, de início, sào muito poucas aspessoas envolvidas com essas aborebgens ditas "alternativas". De ummodo geral, quase toelas elas fazem suas r()rn1J.~~õesem breves estadasno exterior - Estados Unidos e/ou Londres - c ao retornarem iniciam aexpans30 de taL')práticas_ Os profissionais aqui citados - todos entre-vistados por nmn - de alguma forma marcaram o movinlento ··corporal"no Rio de Janeiro, enlbora existam outros que. de uma Inaneira ou deoutra, concorreram com SU3S práticas para tal expan.são.

Podemos ainda apontar outras figuras.

2.90

f,, Nos anos 70 e 80, Paulo J linclcmburgo Torres Galv:lo, que, dcsde

1972, tem a preocu pação de ligar o atenclimento clínico ã educação.numa visão mais preventiva. Influenciado pelo grupo argentino dc J.Blegcr, Pichon Riviêre. passando por Hodolló Bolloslavsky. EmílioRodrigué e Marlha Berlin, faz criticas à bioenergética de A. Lowen, aindaque tenha fcito cursos cotn o bioenergici"ila francês Guy Tanelia. Noinício dos anos 70. funda a Clinica Social da SER- Associação doDesenvolvimento Pessoal, espal,"oque pretende ser um trabalho psico-culntral e preventivo eOtn crian~'as e adolescentes.

L'm outro "neo-reichiano" inicia .seu trahalho no final dos anos70: é Carlos Eugenio Guimarães Marer, que após uma formação psi-codrdn1ática, por influência da "corporaILsta"paulL"a MariaMello, começaa trdball1ar corporalmente. Eugenio - desde a scgun(1a metade da décadade 70 - participa ativamente. junto com Carlos Ralph l.cmos Viana" daRevistaRádice e organiza Socioc1ramas Públicos com o psicodramatistaIvan Gonçalves Can1pos (que, posteriormente. na segunda metade elos80, irá para o campo ·'corporal").

2.2 - Rádice e os Simpósios Alternativos

A presença de todos esses profissionais, a vinda de vários outros"corporalistas" do exterior e as subjetividades do "culto ao corpo" vioengrossando o movimento carioca, que tem sua efetiva expansão con1os Simpósios Alternativos no Espaço Psi de 1980 a 1983 e com o I cnCicloS Reich dc 1982/1983. orRanizados por Carlos Ralph. e peiaRevista Rádice.

Antes de blarmos sobre esses Sitnpósios c outros ocorridos emsolo carioe:a, é ll11POrt.1ntCque vOltC1110Sum pouco nossa atenç'io para aRevL,ta Rádice. Criada em 1976 por Carlos Ralph Lcmos Viana - o CêRalph -, foi de fundamental importância porque trouxe para o campo"psi"' carioca, e mesmo br~LI)i1eiro,lima série de qucstionatnentos sobre aprópria fonnação "psi". o e1itismo das Sociedades "oficiais". a produçãoda loucura, a questão da saúde mcntal e dos hospitais psiquiátricos noBrasil, a tortura a presos políticos. etc., ultrapassando em muito osIirrutes do território "psi".

O próprio ano de sua cri:1~'ão- 1976 - assinala () momento enl

291

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que no Brasil se constata o maior recrudescimento cios movimentospopulares e sociais c, sem dúvida, Rádice salienta a importância daimplicação do profISsional "psi" com estas práticas que - como já apontei- começam a sair das periferias onde, desde o início dos 70, estão sendogestadas. Já em seu primeiro número, Rádice apresenta um texto de F.Ciuattari, e ao longo dos quatro anos e nleio de sua exi..;;tênciaváriosintelectuais, "psi" ou nio, desfilam por suas páginas, tai, como RonaldLaing, Franco Basaglia, o antropólogo Gilberto VelllO,o sociólogo GismoCerqueira Filho, o preso politico Alex Polari de Alverga, Katrin Kemper,o pedagogo Paulo Freire, Eduardo Mascarenhas, Hélio Pellegrino, ChairnSamucl Katz, o bispo de Caxias D. Adriano Hipólito, Luiz Alfredo GarciaRosa, Gregório Baremblit, Thomas Szasz, Carlos Henrique Escobar el11UltOS outros.

ARevista Rádice engaja-se, portanto~ nos diferentes movimentossociais da segunda metadc dos anos 70 e inicio dos 80, como a campa-nha pela anistia ampla, geral e irrestrita, a democratizaçáo da sociedadebrasileira em geral e dos hospitais psiquiátricos, das universidades,escolas e creches, enl particular; além disso, denuncia as torturas e pri-sões nas ditaduras latino-americanas do Cone Sul, dentre outras atividades.

O I Simpósio Alternativas no Espaço Psi, realizado em 1980,organizado pela Revi.';;LaRádice e pela Livraria Muro, apresenta comoreIna "Sério/Alegre", ()hjetivancio;

corpo/mente trabalhando e sendo trabalhados Com uma

programação de 108 C-'l·'t?ntosem quatro dia.., díscutem-se inú-meras alternativas para as praticas "psí" no Brasíl, Corpo e mentetrabalham e são trabalhados em açiw coletiva e indlferenciadaCerca de 900 pessoas, entre conferencistas, expositores, partici-pantes e organizadores, preenchem da maneira mai.'>solidáriapo..',sivelo 0.paço abet10 por todos, na E<icolade Artes Visuais, noParque [Age, Rio delaneiro'>(,B,

Há muitas e variadas conferências e vivências enl psicodrama, tn)témicas bioenergéticas, biodança, Do-In, massagens, etc. Estão presentesdentre outros os "corpora1islas" Esther Frankel, Eugenio Marer, GeniCobra, Romel Alves Costa e Ivan Campos, na época ainda psi-codramatista, e nluitos outros.

O nSimpósio Alternativas no Espaço Psi, em 1981, desenvolve

68 ··Simpósio Sério/Alegre". In: Revi~aRádice, Ano 3, n° 13, 1980, 20-23, p. 20,

292

como tema central "A Politica do Corpo". Criado neste mesmo ano, oJornal Espaço Psi - também com a participação de Carlos Ralph - assimse refere a este encontro:

'Para nós está claro o perigo da alienação, em suas diDersasjôrmas,até a das hem inJencionada" ma" individualizantes têcnicaspuramente corporaL,>,A.,.,simcomo o "político ",que ignora o cotpo

epromete sempre oprazer e a felicidade para o amanhã, "quandoo dia raiar" Queremos pen..'\t1r,refletir, di5cutír, vivenciar, produzírsobre esta'>quest6es, queremos nos re-situar na cultura do corpo,no espaço social aherlopor nossas forças, como nosso sanguetambém. Por i'ffiJ A POLÍ17CADO CORPO, tema central de nossoSimpósio Alternativas no Espaço Psi, 81, Mantemos o mesmo climaSério/Alegre de 1Alternativas, pois não acreditamos que a sisudeze a falta de colorido sc-:jam,sinônimos de credibilidade pessoal ecientífica. !mpn'mimos alegria porque, apesar da d~{icü real'idade~gostamos multo da uida 'ot>Q,

Este II Sinlpósio, dando continuidade ao I, discute as mai, dife-rentes formas de expressão e trabalho corporal, da umbanda e docandomblé à dança e ao Tai-Chi. Assuntos os mais variados são debatidosno palco: desde o direito ao aborto, a questão da psicanálise, as posturas"neocontestatórias" que trabalham na política e no C01pO, até o u'abalhoCOll) deficientes físicos, as "novas terapia.s integradas", as práticas orien-tais, as propostas rcichianas e "neo-reichianas", o psicoclrama, o teatro, abiodança, dentre outros.

Estão presentes muitos dos mais conhecidos profissionai<; da área,como Romel Alves Costa, Eugênio Marer, Esther Frankel, Geni Cobra, opsicodramati,ta paulista José Fonseca Filho e o carioca Ivan Campos,Ana Verônica Mautner, Bia de Paula, Uane Zink, Fábio Lancla,José AngeloGaiarsa, Martha Berlin, Eliane Siqueira, Nicolau Maluf Júnior e JovinoCamargo Júnior do recém-criado Instituto Wilhelm Reich de São Paulo,dentre outros. Durante quatro dias, cerca de 1~()eventos são programa-dos no Parque Lage.

Neste mesmo ano, surge como continuidade .da Revi'ta Rádice,que após quatro anos e meio de trabalho "fecha suas portas", oJornalRádice Luta & Prazer, que por algum tempo centralizará o debatesobre a Politica do Corpo, ra!acionando-a com os dil'erentes movimentossociai, da época. Também estão presentes Carlos Ralph, como editor

(j) "Rádice, Luta & Prazer", ln: Espaço PsiJoroal. Ano L, nº 2, março/198l, 03-13, p, 03.

293

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ger:I1c Eugênio Marer c Pedro Castel, dentre outros. O primeiro númerodeste jornal é dedicado à visão sexual que a esquerda brasileira tem - à"sua miséria sexual".

No ano seguinte é realizado o I Ciclo Reich nas FaculdadesIntegradas Estácio de Sá, quando cerca de 1000 pcssoas debatcm aspráticas reichianas e "neo-reichianas", com o apoio de Rádice Luta &Prazer.

Ainda em J 982 acontece omSimpósio Alternativas no EspaçoPsi com o tema "Expressões de Vida", também promovido peio JornalRádice Luta & Prazer, já no Colégio Bennett

a própria Vida é discutida e uívida em três dias de encontrohumano. Vivências, debates, palestra ••, shows, mostras de arte,artimanhas, baile. Tudo que ousamos criar e viver. Um espaço

para se pensar, rtifletir. mudar a vida. Abrir POrias, abrir cabe-ças, canaL>.;de sensibüidade"~.

Presentes não somente "corporalistas" como Gaiarsa Roberto FreireBia de Paula, Paulo Hindemburgo, Romcl Alves Costa, 'Nicolau Maluf:Esther Frankel, José Alberto CoUa, Rubens Kignel, além dos psico-dramatistas Ronald de Carvalho, Norma Jatobá, José Fonseca Filho, mastambém psicanalistas - em sua maioria, aqueles vinculados ao IBRAPS[-, representantes de diferentes movitnentos sociais e alguns exiladosrecém-chegados, tais como Alfredo Sirkis, Liszt Vieira e Herbert Daniel.

Em 1983, ocorre o último e IVSimpósio Alternativas no EspaçoPsi, com o tema "Prevenção, Psicologia e Política", já sob a organizaçãode Raízes e Cê Ralph. Aftrmam que

" .. no momento bistôrico e po/itico que atravessamos temos querepensar a.prátfca da Pslcologia e ajormaçao de seus profissionaisNão só tratar a doença, mas apt'ender a redimensionar umaatuaçdo pela pre..wm)açdo da saúde "71.

Ainda neste mesmo ano, é realízado o II Ciclo Reich, que abordao tema "Desenvolvimento e Aplicações Práticas do Pensamento Rei-chiano", a que comparecem pessoas de quase todo o Brasil. CarlosRalph, ainda à frente de todos esses eventos, sai da Rádice Luta &Prazer e funda Raízes - Centro de Estudos do Homem, um esta-

70 Luta&: Prazet'- Ano J, n2 4, dezembro/1981, p. 02.71 Jomal Psi - Ano 1Il,nº 12, iu1ho/t(J83, p. 16.

294

belecimento que se propõe funcionar sem sócios, sem local, sem direto-ria, numa espécie de aUlOgestão. j\.li é org''!nizado um centro de estudosque, através de conferências, nlesas redondas, etc., pretende o debate e"... assuntos diretamente ligados ao humano, à expansão de conheci-mentos e disseminaçào de práticas propiciadoras dc consciência pessoal,social e cósmica"". Há grupos de estudo sobre as concepções de W.Reich,cursos introdutórios de "Bioenergia" e de "Reich e os Neo-Reichianos" evários profissionais ali prestatn servj\-'os, conlO Roberto freire, Deni~C'Dessoni, José A. (~aiarsa c Francesco Drag:otto, dentre outros. No anoseguinte, é organizada uma clinica terapêutica "corporal" para discutir aprópria prática clinica. Raízes e sua c1inica sobrevivem somente até1984, quando Carlos Ralph edita a Revista Orgon, que traz, inclusive,uma conferência do bioenergicista John Pierrakos. A Revista Orgon

fica somente neste prinleiro nÚ111ero.

2.3 - Alguns Estabelecimentos: CIO, lOOR e Outros

Os anos 1981 e 1982 marcam, portanto, no Rio de Janeiro, o inícioda expansão das práticas "corporais". Estas, num pritneiro mOIl1ento,forjadas isoladamente por uma série de profissionais já assinalados e poroutros, femlentalTI o terreno para os grandes eventoS que ocorrem deJ 980 a 1983. Estes repercutem enonnemente entre os jovens profIssio-nais "psi" de Zona Sul carioca e vão estimulando demandas e subjetivi-dades voltadas par'! o trabaUlO com o corpo. Já se constitui uma clien-telá significativa, preocupada com a questão corporal, que será aconsumidora dessas práticas que se expandem massivamenle entre a

juventude de classe média.A partir daí, reúnem-se OS primeiros grupos: até mesmo pessoas

dispersas passam a se preocupar canl uma formação maio;;si<;temitica na

área.Em J 982, Paulo Hindemburgo, por exemplQ, inicia uma forma-

çào "corporal" que denomina "Programa de Capacitaçào Profissional".É um curso "teórico/vivencial", no qual a teoria, os conceitos e asinformações são vivenciados através do conhecimento que cada um

72 JomalPsI- AnalIl, nQ J1, maiolL983,p· 10.

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passa a ter de si próprio. No inicio dos anos 90, chama este trabaUlo de"Ateliê de Emoções", pois continua conjugando terapia e irúormação.Toda atuação é grupal; ele sÓ atende individualmente em casosexcepcionais. De dois em doil) meses reúne todos os seus clientes eformandos num sítio onde fazem "trabalhos de laboratório".

Neste mesmo ano. Sandra Guimarães e Eliane Siqueira, que játrabalham no mesmo consultório. desde 1979, abrem grupos de for-mação em bioenergética, embora sofram muita influência de D. Boadella.com quem fazem formação em Biossintese. Por intermédio delas, de1983 a 1989, o bioenergicista Frank Ledig vem regularmente ao BrasilpaIa vivências e womshops com seus grupos de formação.

Em 1983 surge o primeiro estabelecimento no Rio de Janeiroencarregado de uma formação dentro da orgonoterapia. o Centro deInvestigação Orgonômica W.tlhelm Reich (CIO). rrmdado por DeniseDessoni de Almeida. Carlos Eugênio (;uimarães Marer e o argentinoFelipe Fernandez. A primeira, de 197'; a 1977.faz com Arom Abend, noRiode Janeiro, terapia bioenergética; em 1978,inicia fonnação no InstitutoWilhe1m Reich do México com Blanca Rosa Anorre, que ilaviadesenvolvido e sistematizado a técnica de ma.'Sagem reichiana. Volta aoBrasil em 82 e, nos Ciclos Reich, conhece Eugênio Marer e FelipeFernandez.

Desde 1970esse argentino havia organizado em Buenos Aires aI' Liga de lnfonnação Sexual. uma espécie de Casa de Cultura. tendocomo inspiração o movinlento Sexpol criado por Reich, na década de30, na Alemanha. Após várias perseguições políticas em seu pais. chegaao Brasil, em 1981,e assiste ã explosão do movimento "corporal" cariocacom os Sirupósios Alternativos e os Ciclos Reich.

A proposta do CIO é:

reproduzir, controlar e documentar os descobrimentos deWúhelm Reich prosseguindo com as investigações em todas as

áreas da ciência orgonômlca, difundir o pensamento e obra deWühelm Reich a um nível informativo e formativo através decursos. paiestras, etc (. __). II,IossoCentro espera estar regido por

uma verdadeira democracia do trabalho e, portanto,convida os trabalhadores, operários, professores, médicos,psicôlogos, estudantes, etc., à sua construçào"73 (grifos meus),

73 "C10". In: Orgon. Riode Janeiro, Raízes, s/data,p. 1[.

296

Sobre o texto final acirua citado, gostaria de tecer um breve co-mentário. Após a dupla expulsão de Reich - da Associação PsicanalíticaAJemã e do Partido ComunL'ta Alemào - já no inicio dos anos 40, esteautor aproxirua-se de grupos anaIquistas, criando o conceito de "demo-cracia natural do trabalho", que é bastante idealista e ingênuo. Reichconsidera a existência dessa "denl0cracia do trabalho" como a formanatural de organização social que sempre ocorreria quando as pessoascooperassem harmonicanlente cnl serviços de necessidades comuns einteresses mútuos. Este conceito, alénl de naturalizar as formas deorganização social, compreende, iruplicitamente, o mito de Rousseau

sobre o "bom selvagem".E o CIO, ingênua e idealisticamente -localizado na Zona Sul do

Rio de Janeiro e composto essencialmente por elementos de classemédia - convoca trabalhadores e operários para sua construção. Seráque suas práticas estão voltadas para a produção de espaços singulaIesque possam fortaiecer esses segmentos sociais', Este estabelecimento iniciaseu funcionamento oferecendo um cursochamado "Economia Sexual para Prevenção das Neuroses", aberto aqualquer proflSSionalinteressado na área; proporciona formação indivi-dual terapêutica/teórica em orgonoterapia de análise do caráter emassagem reichiana; realiza maratonas vivenciaL,e informativas, gruposde estudo orientadoS. supervisão de terapeutas. terapias e abre umacreche-escola, dentro do enfoque reichiano de prevenção.

Em 1986, Ivan Gonçalves Campos, que vinha de uma formaçãopsicodraInática. elegendo-se, inclusive, presidente da SOPERJem 1983,associa-se ao CIO. Desde 1977,mantém estreito contato com pessoasque estudam Reich,como Geni Cobra,Guy Tonella,MariaMello,FredericoNavaIro, ete. Abandona progressivamente o enfoque psicodramático eutiliza cada vez mais o orgonoterapêutico. Após a criação do C10 dáaulas no curso de formação; entretanto, somente três anos depois é que

passa a fazer parte do estabeleciruento. .l:m outro grupo organizado no Rio paIa formação de orgono-

terapeutas é o Instituto de Orgonomia ola Raknes (IOOR), que éaiado em 1989pelo italiano Frederico Navarro e pelos brasileiros AlfredoAllemand e Fernando Acosta. dentre outros. NavaIro, que foi psicanalista,de 1970a 1974faz formação em vegetoterapia com o próprio Ola Raknes.

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Em Paris, desde 1980 dá formação a alguns brasileiros e vem ao Rio, em1986 e 1987, para dirigir seminários e workshops. Em 1989, defmitiva-mente instalado no Brasil, organiza junto ao Instituto Ola Raknes umaescola de formação, a Escola de Orgonomia Latino-Americana(EOLA).Navarro implanta uma metodologia da vegetoterapia sob basesneurofisiológicas, desenvolvida por ele, "o que Ola Raknes - enquantodiscípulo de Reich - pretendia realizar", segundo declarações do próprioNavarro. Esta é a metodologia empregada pela Escola Européia deVegetoterapia e pelo Instituto Ola Raknes.

A principal atividade do Instituto de Orgonomía Ola Raknes é aEscola de Orgonomia Latino-Americana, que regula o funcionamentoda formação de orgonoterapeutas e de operadores orgonõnticos, daqualfalarei mais adiante, quando recorrerei a tal formação como um dosanalisadores das terapia., ligadas ao Movimento do Potencial Humano.

Em solo carioca esses dois estabelecimentos são os que mais sedestacam nos anos 80 e 90, embora surjam outros, de menor expressão,assim como outros terapeutas "corporais"continuem a oferecer forma-ções isoladamente, constituindo suas "escolas", ainda que não instituidasoficialmente. É o caso de Esther Frankel, que começa a oferecer gruposde formação em 1984, de Romel Alves da Costa e de Nicolau MalufJúnior, a partir de 198~.

Em 1986, Pedro Vieira Castel- que desde 1977 flZera terapia comRoberto Freire, participando ativamente dos Simpósios Alternativos, dosCiclos Reich e do Jornal Rádice Luta & Prazer - com outros "cor-poralistas" funda a Clínica social de Terapia Reichjana. Esta apre-senta três frentes de trabalbo: a da clinica (através de atendimentosindividuais, "pronto socorro" para situações de crise, terapia para usuáriosde droga e trabalho com aidéticos); a da prevenção (através de cursos epalestras, prevenção de neuroses em jovens, pais, gestantes e adultos); ea da formação (através de grupos de treinamento, cursos - introdutório,básico e de formação - para orgonoterapeutas). De início a formaçãoliga-se à terapia "corporal" em geral; no início dos anos 90, o grupodcfme-se por uma formação orgonõntica.

No fmal da década de 80, dois estabelecimentos vinculados a D.Boadella e por ele autorizados surgem em solo carioca, embora semmuita expressão. São, em realidade, filiais de seu Instituto de Biossin-

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I

tese. O primeiro a se organizar está associado a José Alberto MoreiraCorta e outros '·corporalistas", que fundam o Centro Brasileiro deBiossintese. O segundo liga-se a Liane Zink, Rubens Kignel (ambosatuam em São Paulo, mas deslocam-se freqüentemente ao Rio para darformação) e Esther Frankel, recebendo o nome de Instituto Brasileirode Biossintese.

O argumento utilizado por ambos os grupos é a legitimidade ereconhecimento internacionais para si e seus alunos em formação. Estesdois grupos, após fazerem formação com D. Boadella, receberam de seuInstituto de Biossintese o título de training em biossintese e, por interessedo próprio Boadella, assumiram o encargo de organizar uma filial deseu Instituto no Brasil. É uma forma de expandir sua formação para omercado "corporal" brasileiro. Por questões de poder e com a autoriza-ção de Boadella, são criados dois estabelecimentos visando a uma for-mação em biossintese. Sobre a formação oferecida discorrerei, poste-riormente, ao consignar alguns anali,adores das práticas ligadas aoMovimento do Potencial Humano.

De forma bem mais explícita que os outros quatro estabelecimentospaulistas (Sedes, Ágora, IPE c Instituto W. Reich) e o CIO no Rio deJaneiro, estes três estabelecimentos de formação - o Ola Raknes e os deBiossintese - apresentam suas propostas seguindo o tradicional eacadêmico modelo da formação analítica "oficial". Os demais induzemseus formandos a fazerem terapia com profISsionais de seus própriosestabelecimentos, apresentando uma relação de ter"peutas indicados ereconhecidos para a chamada "terapia didática".

Não obstante todas as críticas e questionamentos feitos no planodi'cursivo à formação analítica, as chamadas terapias "alternativas", deum modo geral, entram nos anos 90 no Brasil com práticas que produ-zem módelos, di'positivos e subjetividades bem próximos das institui-ções "verdadeira" psicanálise c formação analítica. De uma formaçãoinicial bastante assistemátíca, em que uma das caraCleristícas é o fatode seus atores serem elementos "desgarrados" - em· todos os sentidos,pela própria influência do movimento contracultural-, a.' terapias "neo-reichianas" chegam à década de 90 em franco processo de institucio-nalização. aspecto que tanto combateram em suas gêneses.

É verdade que a Bioenergética nos Estados enidos, desde os anos

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70, já se havia transformado numa nascente e lucrativa empresa capita-lista. De um modo geral, tanto Lowen, quanto Gerda, Boadella e muitosoutros "corporalistas" norte-americanos e europeus desde a década de70, vendem e supervisionam seu know-how corporal pard a AméricaLatina bem dentro de caracterislÍcas empresariais, aos moldes das maisbem "organizadas" multinacionais.

A"im é que, em 1991, realiza-se um lAJngressoEuropeu de PráticasCorporais que, sob a direção de D. Boadella, propõe a organização deuma Associação Internacional das Terapias Corporais. Uma 'outra" IPA'Parece que sim, pois sente-se ao longe e no ar o '·mau cheiro" danormatização, da disciplina e, principalmente, da comda para o controlede um mercado "corporal" mundial, um monopólio que tão bem a IPAtem desempenhado há mais de 80 anos.

Ao lado disso - afrrmam alguns corporalistas - as técnicas consi-deradas "alternativas" são utilizadas de qualquer forma, por qualquerum, sofrem um processo de banalização pela núdia e por muitos de seusprofissionai~, sendo vendidas em qualquer esquina. Este é o dilema comque se defrontam no Brasil algumas terapias "alternativas" - princi-palmente as "neo-feichianas": institucionalização ou autonomia, ainda

que sob um minimo de seriedade na formação. Os anos 90 talvezrespondam a esta questão.

Esta história instituida de algumas prática~ "corporais" nos anos 70e 80 no eixo Rio-São Paulo não pretende esgotar o assunto, que apre-senta muito mais facetas e informações do que aquelas aqui apresen-tadas. Entretanto, da mesma forma que as práticas psicodramáticas noRiode Janeiro, as gestalti~ta.~no Rioe em SãoPaulo, também as "corporais"não dispõem nestes dois espaços geográficos de nenhum material escritosobre sua história. A cultura "neo-reichiana" no Brasil é profundamenteoral, bem dentro da tradição do movin1ento contracultura!. O que foimostrado neste Capítulo está ligado ao conteúdo das entrevistasrealizadas com alguns "corporalista.Ç do eixo Rio-São Paulo, assimcomo artigos de jornais e revistas "psi" da época.

Há, sem dúvida, outros profissionai~ da área que aqui nãoaparecem; esta pequena síntese do movimento "corporalista" no Rio eem São Paulo representa, assim, uma primeira contribuição ao assunto.

300

rf

f

I,

v - ALGUMAS SrnrAçÕES ANAIlSADORAS DAS PRATICAS

I.JGADAS AO MOVIMENTO DO POTENCIAL HUMANO

Como fiz com as práticas psicanalíticas e as psicodramáticas,recorrerei neste item a alguns acontecimentos e caracterlSlÍcas relalÍvosao Movimento do Potencial Humano como situações analisadoras.

Aqui, além dos acontecimentos que se impuseram a mim aopesquisar as histórias dessas práticas, também algumas de suas carac-terlSlÍcas se apresentaram, constituindo-se, portanto, em analisadores.São aspectos que aparecem como reveladores, catalisadores do seupróprio sentido e, dentro do conceito de analisador, estas caracteristicase acontecimentos aqui apresentados realizam a análise.

Citarei dois anali~adores por mim denominados como os espe-cialistas-peritos e a mágica da salvação.

1- O ANALISADOR ESPECIAllSTA - PERITO

Dentre as muitas críticas que o Movimento do Potencial Humanofaz à prática psicanalítica encontra-se a questão do especialista "psi".Mais do que a procura de terapias "alternativas", este Movimento aliadoà contracultura pretende instaurar uma nova concepção de vida queconteste os valores típicos de uma "sociedade industrial e consumista". Edentre estas contestações encontra-se a função do perito "psi" no mun-do capitalistico, extremamente consolidada pela prática hegemônica da

psicanálise.Tal crítica - que toma vulto nos anos 60 e 70 com a expansão do

Movimento do Potencial Humano nos Estados Unidos, Europa e AméricaLatina, respectivamente - já desde os anos 50, em solo norte-americano,é empreendida por C. Rogers e os seguidores do "aconselhamentocentrado na pessoa". Posteriormente, F. PerIs e os terapeutas gestaltistas,assim como os "neo-reichianos", engrossam as fileiras daqueles quepretendem questionar o lugar de saber/poder ocupado pelo especialista,

pelo "técnico em psicoterapia".Como já vimos no início deste Capítulo, tal questão se insere no

bojo de uma série de outras críticas às psicoterapias dominantes à época

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(tanto a behaviorist..1.,quanto a psicanalítica), e visanl à construção depsicoterapias "alternativas" a essa.' duas formas enLáo hegemônicas depensar o s LI icito.

O "aconselhamento centrado na pessoa", tanto nos EstadosUnidos, quanto em outros paic;;es- como () Brasil ~ é utilizado tambénlpor profLssionais fora cio setor "psí", e L'to é bast:lnte enbtizaelo porseus seguidores, que chegam a criar o termo "conselheiro-leigo", Umclaro exemplo está na apresent:l(:ão elo livro Aconselhamento Psi-cológico, ela brasileira R. Scheekr, que allrma:

"Este !il-ro10i escn'to para estuâantes de P.~kologia, de ()ril'11taçàoRducacional, de Sen'iço Social e para outms pmfi<sionais qUi!

estejam interessados em .wfamiliarizar com os métodos utilizadosna pràtica do Aconselhamento Psicológico ":'4.

Esta referência a outros profissionais não "psi" é uma constantenas obras de C. Roger.~c de muitos de seus seguidores, que utilizam ostermos "conselheiro" e "facilitador ,llfupal", para diferentes profissionai..;;;em suas atuaçües terapêuticas Alguns "rogcrianos" paulistas afirmamque:

"Podemos/alar de um reconhL'Cim.ento da /unçao - conselheiroque transcende a e,'.1Jeci/icfdar/(>de um unico tilm de j)mfir;;sionalContudo, e.staafinnaçâo só é pálida para pair;;escomo os E.ojados[Jnido,,~Canadâ l' Inglaterra, onâl' o conse/beiro funciona comouma espi?ciede jJr(J,fissional de pn"neira linha (... ). No Brasil, afigura do conselheiro com esta" car-acti..'ri<;ticasé quuw' ine:\1,stenteL ..) Notamos que o Aconselhamento Psicológico chega ate nósconfundido de n7·ta forma com a !,sicotemJ)ia () conselheiroapresenta-sl' como jJsicólogo clínico I ) A !)1'Ô/JrialegislaçdolJ,.asileim define o Aconselhamento Psicológico como Jun(.~do(~1)ecifica dos !,skólogo.<;"."'.

Há sobre este 3."isunto<lua."qucstôes digna.'i de retlexão: a primeirarefere-se J. possihilidade de uma quebra do saber "pse e a segunda,como efeito, à nlptura dos cspecialismos.

Sobre a primeira questào, () que ern realidade é produzido nãodiz respeito à quebra do monopólio do saher "psi", mas à sua extensãoe alnpliaçào para outros profissionais, como orientadores educacionais

"'"1 ScheL'fer. R Op dt., p. ()l)

"''j Schmidt, 1\1.J .. S. I )p_ cit., pr- 22 e 2;;.

302

e assistentes sociais, dentre outros. Aquilo que é visto por tnuitos - e istoé bastante enfatizado por C Rogers e seus seguidores - como uma"dCl1l0cratizaçâo" do saber "psi", entendo co1110enc1ausuramcnto des-seS diferentes profi~sionai.s no estreito território "psi", no estreito terri-tório ela "psicologizaçào" c, portanto, na imposição e fortalecinlento deum "certo" (nadeIo "psi": o "aconselhmnento não-diretivo e humanista

centrado na pessoa"Asegunda queslào relacionada 3 ruptura dos cspecialismos - pelo

fato ele qllC o "conselheiro" e () "facilitador" poderiam ser quai~querprofissionais - refere-se, em realidadc, 3 "produção de um tipo deespecialL,ta em nada diferentc do já conilecido As práticas, os saberes eos sujeitos forjados pelos c11al11ados"conselileiro" e "bciliL~dor" encon-tram-se no espaço do psicológico-existencial. É mais um especialistnoque está sendo construído, pelo qual, se "facilita" aos outros "crescerem"

através de uma relação de "a;uda".

Apesar disso, ~:tlgLms"rogeriallos" que, em São Paulo, cunham otermo "psicólogo-conse1l1ciro" consideram específico do profL"siona1"psi"o aconselhamento c enfaticamente declaram:

" .msa questão interessante fepolêmica) diz reslNiJoãcon-

lJeni€ncia de fonn~lr",o.~ conselheiros "leigos" para atua-rem junto ao .tistema de atendimento à saúde mcwtal, cujaprecariedade é e7'idenle na sociedade bmsileira'" {grifos meus),

Ou seja, fugindo totalmente ao que é colocado - pelo menosnos di.~cllrsos - por C. Roger.s e muitos ele seus seguidores, aliás, deforma bastante estreita, legalista e corporativa. allrma-se que o "acon-selhamento" é funçào específica do psicólogo e que os demais prot1sio-nai.'i seriam meros "conselheiros-leigos", A superioridade de utna cate-goria é enfatizada em fun\~à()da inkrinridade de outra; IImesmo esque-ma já apontado nas suhjetividades produzidas pela divi.<io social do

trabalho no mundo capitalislico.

Da lnesma forma que o "aconselhamento centrado na pessoa" édesqualificado. mcnorizacio e infcriorizaclo - como todas as demai.5terapias "~lternativa.s'· - pelo discurso totalizante, arrogante e autoritárioda "vcrdadeil.1·' psicanálise, que o acusa de ser uma terapia pouco séria

76 Idem, p. 25.

Page 168: Cecília Coimbra - Guardiães da Ordem - Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre

e superficial, também isto se reproduz no seio do próprio mmimento"rogeriano" .

Com relação ao Movimento Californiano de Grupos, onde seindueol F. Perls, A. Lowen e vários outros "neo-reichianos", também há

uma série de discursos contrários ao lugar sagrado ocupado peloespecialL'ita ;'psi". Todavia - como já salientei ao analisar o Movimento

do Potencial Humano ~, pelas criticas feitas por Max Pages e GeorgesLapassade à direção imprimida, à época, pelos coordenadores de grupo,vislumbra-se, facilnlente, a existência de um e.xpert que. ao coordenar ()

grupo, dirige a "autenticidade" dos componentes, reprimindo qualquercriação em nome das regras da "espontaneidade" e da "honestidade".Há portanto uma hiperdiretividade nesses coordenadores de grupo; daía extrema dependência com relação a esses "facilitadores"

Ainda como exemplo de que práticas silo produzidas em cimados discursos criticos aos especialismos forjados pelo Movimento doPotencial Humano, temos a tórmaçilo "corporal" em dois estabele~cimentos cariocas já citados na história dessas práticas.

O primeiro deles é o Instituto de Orgonomia ala Raknes, que,com sua Escola de Orgonomia Latino-Americana, tóm1a orgonoterapeu-tas e operadores orgonômicos, funcionando no Rio de Janeiro desde1989.

Para a prinlcira formação - a de orgonoterapeutas - os requisitos

necessários sào: ser nlédko, psicólogo ou outro profISsional reconhe-cido pela Escola de Orgonomia; estar em terapia de base com umterapeuta do Instituto de Orgonomia; ser aceito em entrevista de seleçãocom o diretor diclático. O curso de três anos consta de parte teórica,supervisão didática e em grupo por um ano, terapia individual e degrupo com terapeutas do Instituto de Orgonomia e supervisão clínicaportempo indeterminado,

A formação de opeF.ldores orgonômicos é aberta a qualquer pro~fissional, sem obrigatoriedade de diploma de curso superior, sendoexigido estar em terapia de base com um terapeuta do Instituto deOrgonomia. O curso é também de três anos, contendo parte teórica,supervisôes didáticas e seminários, com a obrigatoriedade de terapiaindividual e gru pal.

Há nesses dois cursos de formação presença obrigatória e apre-

304

'.

sentação de monograftlS ao tlnal do I' e 2° anos e de uma tese global aotlnal do 3º ano.

O que se percebe desta t()11l1açãoacademicamente instituída' Doisaspectos maLo;; relevantes POdCll1 ser aqui levantados.

Um refere-se aos dois tipos ele forma.;;ào oferecidos: a de orgo-

noterapeuta."i e a de técnicos Cfi1 orgonoterapia. Os primeiros são psi-

cotcrapeutas; os demais, auxiliares no trabalho orgonônlico. Justifica-se,

assitn, a não obrigatoriedade de um título de nível superior. Reitera-se a

mesnla separação produzida no seio do movimento "rogeriano" acL'itrita

à divisão social do trabalho no mundo capitalístico: de um lado osterapeutas cujo curso, obviamente, deve ser mate;; "rigoroso"; de outro.

os técnICOS.lneros auxiliares e execu[Qres das tardas pensadas,

pesquisadas e pianelacias pelos "competentes" orgonoterapeutas

O segundo aspecto diz respeito à própria formação instituída que,pelo que foi exposto, não deixa margem a dúvidas: cópia fiel do modelode fomlação analítica oferecido pelas Sociedades "oficiais" com suasobrigatoriedades, exclusôes/inclusões e a produção de um lugar sagradode saber/poder ocupado pelo especialista "psi".

O outro estabelecimentu cariuca ele form.a\~ão "corporal", CJl1

realidade, silo doi, grupos filiados ao Instituto de Biossintese de D.Boadella em Londres: o Centro Brasileiro de Biossintese e o institutoBrasileiro de Biossíntese surgidos no final dos anos 80, C0010 já foi

assinalado anteriormente neste Capítulo.

A formaçilo oferecida por estes dois grupos segue as regras dopróprio Instituto londrino: é de doi, anos (correspondendo a 400 horas)de teoria e de prática clinica individual com terapeutas fonnados embioss[ntese e reconhecidos pelo Instituto de Boadella, e 100 horas desupervic;;ão individual com supcrvic;;orcs formados em biossíntese c

reconhecidos também pelo referido Instituto.

O que esta formaçilo apresenta' () mesmo tripé que o modelode formação analítica "oficial" vinculada à IPA. 0)1 seja, da mesmaforma que no Instituto Ola Raknes - este de maneira mais rígida edisciplinadora ~ é produzido e consolidado o lugar do especialista"corporal". E mais, com este modelo de formação pretcnde~se garantiruma certa fatia do mercado "psi-corporal" carioca para aqueles "didatas"(os terapeutas e supervisores) que detêm o saber/poder da vegetotera-

30,

Page 169: Cecília Coimbra - Guardiães da Ordem - Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre

.

pia e da biossíntese. Por isso, a terapia e a supervisão só podem serfeitas com proftssionai~ reconhecidos pelos estabelecimentos fOffim.dores.

Portanto, no que se rcfere à instituiçào formação "corporal" tcnlOSem muitos aspectos a reprodução das pràticas, dispositivos e modelosque tão radicalnlente foram combatidos no inicio do Movilnento doPotencial Humano pelas chamadas terapias '·alternativas". Afirma Castelque:

., _os ideólogos (deste) mopimento têm certo um di,curso sobre asociedade em geral concebida como jator de alienação, com ~'-ua.r;

hierarquias rígidas. a coi.\~fi<;açaoda..o:;retardes .pessoais sob as e~xigências de rentabilidade, etc. Mas não existe nunca andlisedesses mecanismos sociais por si mesmos,da numeira comoai funciona realmente a flutaridade, cujo poder se encar-na e se exerce em estruturas, instituições. classes~ /1 (grifos

meus).

Não estou, com estas observ3.c,;:ões, tentando negar a iInportânciade uma formação "psi"; n:io estou, nem pretendo pregar a ÍI1utilidadedas formações. Estou querendo frisar que há diferentes formações eque, enl especial, aquelas que são acadenucamente instituídas caem,SClll dúvida, na arrogância, no elitismo, no dLo;;;curso da "C0111petência",nas exclusões/inclusões c, por conseguinte, na criação e fortaleciolentode lugares sagrados de saber e não-saber. Em suma, na construção dolugar de especiaIL,ta-perito.

2 - O ANALISADOR "A MÁGICA DA SALVAÇÃO"

No nascedouro do Movunento do Potencial HlItn:lno, nos anos60, nos Estados Unidos e no movimento contracultural está presentede f"rma bastante forte a produção de um intenso mistici,mo.

Os chatnados enfoques e técnicas orientais influenciam profun-damente as práticas "alternativas". Afetam não apenas as "psi", comotambém atíngem profundamente a sociedade em geral, sobretudo ajuventude da época78. Consolidarll-se tendências religiosas, místicas, ao

n Castel, R. AGestão dos Riscos. Op. dt., p. 1'53.78 "É interessante lembrar que o misticismo oriental tem sua origem em solo norte-americano via

colonização inglesa que traz para a Nova InglatetrJ. a ,",ualc::ituradas filosofus orientais, principalmenk"do budismo. E esta leitura via coloni23.Ção inglesa que estará presel11e nos movimentos contracultural

306

se apelar para as religiôes orientais que prometeul um sonho de p3.Z, deequililJfio, de sabedoria e de refúgio. O Movimento do Potencial Humano

['li

"(,,) uma mistura delirante de todos os ê.xtases_'Tibete, fndia,

parapsicologia. zen-budismo, reali.mlO mágico. diKOS voadores,astrologia, bolas de cli.çJalf" .). atucinaçoes /J.'õicodélicas(". j, E<;-

tào todos mi.~turados no mesmo saco místico da contracultura(.). A contrapm1ida da pio/ência que parre o pais (e a América

lAtina) e a mágka religiosa. A onda se espalha e ataga os países

ocidentais" 1Q.

() voltar-se par.! o mL,ticismo - aspecto presente e já realçado nafase amerjcana ele Reich - está também, de uma forma ou de outrJ., en1alguns de seus dL,cípu!os, como D. Boadella, o criador da BiossÍI1tese

C0l11sua orientaçào holística.Também em F. Perls, o criador da gestalt-terapia, essas influências

orientaL, se farão presentes. Já em sua primeira obra de 1942,Ego,HungerandAgression, Perls lança mão do círculo Yin e Yang, símbolo

taoi'ta de diferenciação dos opostos.Na."i três últirnas décadas. são cada vez tl1r.'l1_C;; estimuladas nos Estados

Unidos - no rastro dos movimentos contrJ.clIltllral e do Potencial Humano_ as subjetividades do etlSí1lCl-'rneCl vilJe~ do como fazer amígos e

influenciar peSSO(L',do self~helpi"g: a crença de que a maior causadoradas "... vicissitudes e doenças humana."i é a prática ou a Vl"ião errada daviela- coisas das quais qualquer um pode se libertar""', dentro elapromessade "felicidade" aos moldes do «meriam way oflife.

Não é por acaso, pois, que alguns "corporalistas" brasileiros, hoje,voltam-se para Ulna série de técnicas orientai "i, COll10as de meditação,especialmente as tibetanas, conhecidas como Kuniê.

AdvÍI1do do Instituto Nygma, com sede em Berkeley, na Califórnia.o movimento Kuniê é introduzido em São Paulo por Paulina Rabinovitch,que funda o Instituto Nygma do Brasil, em 197'). No Rio de Janeiro sedesenvolve a partír de 1988 com Eleonora Furtado: Ambas, apesar de

e do Potencial Hununo nos anos 60 e 70". In Favre, R. Palestra reali:mda em São Paulo. em 26/l 0/

1901

j(j Maciel, L.c. Os Anos 60_ Op. ciL. p. 98.80 Rocha, E.F. "EmBusca do Ego Perdido" In:JB/Cademo de Domingo - Ano ]6, nº 806,13/10/

1991, \4-\8, p. \4.

307

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não terem formação "corporal", vinculam-se imediatamente aos "corpo-ralistas" pauli~tas e cariocas.

Com a crença de que somente uma revolução individual/pessoalpode mudar o mundo, enfatiza-se o "corpo espiritual", trabalhando-se avida e a morte, principalmente através de exercícios de meditação, emque as palavras não são utilizadas, mas "vibrações" que de muitas formaspenetram e agem no corpo do sujeito.

Não quero, em hipótese alguma, banalizar e/ou simplificar esteenfoque filosófico tibetano, pois ele transcende tudo que aqui foi apre-sentado. Meu objetivo é apenas oferecer uma panorâmica para que sepossa entender melhor o que hoje ocorre com as práticas de alguns"corporalistas" paulistas e cariocas que acrescentam esta abordagem emseus trabalhos. Como exemplo da ênfase dada ã dimensão espiritual nostrabalhos "corporais", temos a fundação por Esther FrankeI em 1990, noRio de Janeiro, de um estabelecimento - o Quiron (Centro de Estudose Práticas Transomáticas) - que, contando com a participação dealguns "corporalistas" cariocas e paulistas, procura associar o enfoqueespiritual ã prática clínica dentro da abordagem da Biossintese de D.Boadella e de uma visão holistica.

É também a partir da segunda metade dos anos 80 que a astro-logia e seus mapas passam a dominar em muitos consultórios paulistas ecariocas. Se a grande maioria dos astrólogos não têm formação "psi",encontramos alguns que fIZeram formação "corporal" e que se valemdos conhecimentos da astrologia como mai~ um instrumental em seutraballlo terapêutico.

Em São Paulo, tive noticia de que algumas empresas utilizam omapa astrológico como um dos instrumentos para a seleção de pessoal.

No plano clinico, esses mapas tornam-se uma terapia "barata":exigem poucas sessões para a sua feitura e posterior discussão com ocliente.

Todas essas inlIuências místico-religiosas, em sua maioria advindasdo Oriente, ao prometerem a "felicidade", um "mundo de paz interior",estimulam sem dúvida as subjetividades da "autenticidade", da "liberdadeinterna", do privado em detrimento do público.

Por isso, não é por acaso que entramos na década de 90 no Brasilcom um mercado editorial onde os livros de "auto-ajuda" se tornam um

)1,

rico ftlão. Em duas reportagens, uma na Folha de São Paulo, intitula~a"Mercado Editorial Cresce com Auto-Ajuda"" e outra no Jomal do Brasil,sob o título "Em Busca do Ego Perdido"", vê-se como este fenômenonão se circunscreve somente ao Brasil. Esta forma de encarar a si e aomundo, exportada dos Estados Unidos, encontra princ!palmente naAmérica Latina dos anos 90 um terreno propício e fertil para suadisseminação, pois apresenta-se como solução para os mais diversos evariados momentos de "crise", para os mais diversos e vanados problemas.

Para alguns esta tendência" ... mostra o estado de desespero daspessoas" e

"... passam um verdadeiro sabão em quem não é feliz, dan~ofórmulas para uma saida mágica para os problemas C.'); estaoconvertem:ro a feJicidade em capilar 83 (grifas meus).

A lista dos livros mais vendidos em 1991 é encabeçada por obras

",.que vendem misticismo como ltção de vida ("Bri~a.". "OAlquimista': "Diário de Um Mago ", etc.), Para o ~~or ~vid~,osenso comum disfarçado por uma lingU4gem mistu:o-científtcavira novidade"84.

Propondo um "novo padrão de pensamento" como solução paraos mais diferentes problemas, estas obras associam-se ao que R. ~astelassinala como cultura "psicológico-relacional", na qual a responsabilIda-de da mudança está única e exclusivamente no interior de cada pessoa,acrescentando a estas subjetividades fortes doses de esotensmo e rrus-ticismo. O mundo "lá fora" não existe, ou, se existe, em nada ou emmuito pouca coisa "toca" este sujeito fechado sobre si mesmo, o únicoresponsável por seu destino, na procura de u~ "verdadeira" alegna efelicidade, construidas sobre frágeis, superficialS e ilusonos arcabouços.

81 sca1zo, F. e Carone, S.M. ~Mercado Editorial Cresce com AutOo-Ajucla" in Folha de São Paulo/

c.dernoLetras-05/IO/1991, p. 09.82 Roclla, E.F. Op. clt. '( fe83 Depoimentos dados à reportagem da Folha de São Paulo p~Ley~Perrone-Moyses pro 550:

de literatura da USP) e MariaHelena Patto (professora de PSlcologIa da USP), respectlvamen .Op. dt., p. 09.

84 Sca1zo, F. e Carone, S.M.Op. cit.

309

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VI - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

>'Reichfoi, sem duvida, um ,Maneiro no gesto que aponta para aquestão da ''Política do desejo '; no gesto que aponta para a e~is-tmeta de uma relação incindínei entre economia pohtica eeconomia libidinal, entre história e geografia. Por outro lado acartografia de sua obra nào conseguiu cna,. o território troncoda indíssolubilidade daquelas duas economtas: em seu..çescritos,elas continuaram separada..'>.t.' ce1tamR11te eSsa separação que oh'ava a lX:'11.Saro desejo em tE't1nOSde uma "energetica "...w>.

E seus discípulos, sem dúvida, aguçardm tal separação. Não épor acaso que a "herança" reichiana é disputada por todos eles - tantonorte-americanos, quanto europeus - que, inaugurando diferentesabordagens, afIrmam enfaticamente que a "verdadeira herança" de Reichestá em suas mãos.

Bem distantes do "mestre", esses diversos enfoques "corporais"apresentam entre si aspectos muito semelhantes que - como já foiobservado - se idenlificanl claranlcnte no Reich "alnericano", em suaúltima fase, não obstante a virtual manifestaçào ao longo de sua obra.

Estes aspectos prendem-se principalmente à questão da prevenção,à gestão das fragilidades individuais, ao fortalecimento de uma novacultura "psicológico-relacional", a uma forma de trabalhar com anormalidade; caracterh~ticas que R. Castel nomeia como pertencentes àchamada "era da pós-psicanálise""".

A questão da prevenção, tão enfaticamente repetida por todosos discípulos ele Reich e, em realidaele, posta em prática pelo "mestre"na Alemanha dos anos 30, assume duas vertentes. A primeira, repre-sentada por seus discípulos diretos - tanto norte-americanos, quantoeuropeus -, realiza-se através dos chamados Centros e Grupos de AJuáa-te a ti mesmo espalhados nos anos 60 e 70 por vários pah~es. Fugmdototalmente aos objetivos defendidos por Reich para uma "prevenção deneuroses", tornam-se, elll última instância, territórios onde se enfatiza o"auto-conhecimento", a "liberdade", a "autonomia", produzindo e con-soli(lando os processos de subjetivação apontados dentro do Movimentodo Potencial Humano.

8'5 Rolnik, S. Cartografia Sentimental Op. cit., p. 173.8S Castel, R.Op. dt.

310

.1

Na segunda vertente, representada pelos "corporalistas" brasilei-ros - os do eixo Rio~~ão Paulo - a prevenção situa-se somente ao niveldo discurso. Em todas as entrevistas realizadas é enfatizada por todos,sem exceção, a importància de um trabalho preventivo proposlO ecolocado em prática por Reich. Contudo, nà.Óhá nenhuma atuação efetivanesta área por parte desses "corporalistas". É inegável que, na maioriados programas e propostas apresentados pelos diferentes estabeleci-mentos de formação "corporal" pauli~tas e cariocas, está presente aamação preventiva. Em nenhum deles isto tem sido efetivado; à exceçãodo CIO, que, no Rio de Janeiro, consegue organizar uma creche-escola,sobrevivendo precariamente. As demais propostas de atendimento adrogados, gestantes, pais, aidéticos, etc. pouco ou nada se materializamem termos práticos, A ênfase, portanto, do trabalho "corporal" é colocadanos atendimentos privados através de terapia, supervisão e grupos de

formação.A questão abordada por R. Castel, que reúne todos esses enfo-

ques "corporais-alternativos" no que chama a "era da pós-psicanálbe",relaciona-se ao fato de que a pós-psicanáIL~e não é o fim da psicanálise,mas "... o fim do conlrole (feito) pela psicanálise elo processo de difusãoda cultura psicológica na sociedade"'". Com isso, as subjetividades quecultuam o psicológico começam a ser caela vez mais prestigiadas peloMovimento do Potencial Humano, que instala na psicologia e no sujeitoa responsabilidade por toda e qualquer mudança. Esta subjetividade queafirma que cabe a cada um a mudança, enfatiza

"... a exigência de trabalhar a sua própria disponibüídade e suaflexibilidade relacional, pelo menos tanto quanto seus conhe-cimentos. Como de fato enfrentar as mudanças tecnológicas e os

imperativo.ç da concorrência, se não jaz(;'ndo do trabalhador umser sem asperezas e sem crispaçào. cujas capacidades sao mobüi-závei'i a qualquer instante? Mas como conseguir isso, se não fOrperseguindo seus bloqueios e suas reSiStências, cultilJando umaespontaneidade reencontrada, capaz de responder às injunç6esdo presente?"íIl .

Além disso, Castel afIrma que todas essas novas técnicas psico-lógicas derivadas da própria psicanálise tornam-se completamente

I)j' Idem, p. 133.HS [dem, p, 1<;0.

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independeptes dela. São "pós-psicanalíticas", uma vez que a sucedem,coexistem com ela e, principalmente, retêm muitas de suas mensagens.mas recusam tal fIliação, apesar de transmitirem "sem querer" parte da"herança" psicanalítica.

''Poder-se-ía interpretar seu sucesso como uma revanche póstumade Reich sobre Freud, mas do Reich do períodO americano, o qualteria fortemente atenuado a dimensão marxista de sua ohra. queseus herdeiros teriam substituído por uma sensibilidade para osvalores da contracuJtura espalhados nos anos ses..wmta: critica daautoridade. obrigações e hierarquias, cultos da espontanf?idade. daautenticidade, do não-diretivismo e da conuivência informal"!I9.

É O que muitos autores têm mostrado serem os valores. as subje-tividades fortalecidas e produzidas pela chamada sociedade "alternativa"que - segundo os "slogans" contraculturais tão fortes ã epoca, como lávimos, no Movimento do Potencial Humano - deveria "correr" paralelaã sociedade de consumo oficial. Almeja-se, deste modo, a construção deuma sociedade alternativa ã dominante, com valores e subjetividadestambém "alternativos". Entretanto, em realidade, tenninam por privilegiara parte marginalizada dessa sociedade e, ao reivindicarem e enalteceremesta marginalização, nela peomnece01. Este é, ainda hoje, o perfil dealguns "corporalistas" brasileiros que, em nome de Reich, se situam emterritórios marginais, com a justifIcativa de estarem produzindo valores epráticas "alternativos" ã sociedade capitalistica.

A "cultura relacional", enfatizada por R. Caste] como uma dascaracterísticas da "era pós-psicanálise" apresentada, faz com que amobilização psicológica seja como um fim em si mesma que satura todosos valores da existência.

"lntensi,{icaçâo das relações. tna.••sem o quadro de um comercioinscrito nas estruturas sociais e na história. a cultura psicológicavê-se como um fim em si. Ê como uma democratização do quejá se teria podido chamar uma "cu/tura do divà", esta maneirainimitável, observâvel nos velhos freqüentadores da psicanálise.de recobrir sua vida real com um duplo fantasmático no qual elesexistem mai..<;ainda do quepara oprosa1'imOcotidiano. E'tSaSnovastécnicas alímentam assim um "ethos", pelo qual o desenoo/vimentodo seu potencial psicológico e a intensíjkação de suas relaçõescom os outros podem tornar-se o alfa e o ômega da extstêncta,A

00 Idem, p, 141.

312

I,

",i

\1I

11

psicolngiafazai a experl_a de s••apr6priajiludizaçãocomo ati1Jidade autônoma, de uma só vez porque as outrasdimensôes da existtmeia estilo a ela subordirNldas. e porqueesse-poroirpa..roapor uma implicação em um nolJOuni1X?rSOplenode relaçÕesdo qual não acabaremos nunca de dar a volta. Entrarrul cultura relacionol é abordar uma paisagem social decontornos fluídos, munida da unica cerleza de ter perpetuamenteque retecer a imagem jrágü de lmM sociabilidade perfeita,clfias imagens estào exibidas nllm umverso uttid:imensionaldo psicológico "<Xl (grifas meus).

Há, portanto, um superinvestimento no psicológico e um nãoinvestiInento no social e no político.

Estas caracteristicas apontadas por R. Castel produzem saberes,priticas e sujeitos voltados para "(J superinvestinlento nas relações",para a construção de pretensas novas formas de sociabilidade. As "tira-nias do intimismo", assinaladas por R. Sannett e já destacadas por mim,também são focalizadas por R. Castel. Neste processo,

. o psicolôgico invade e .'iatura novos espaços liberados peloreflu..w do social,faz a vez de social representando o estatutode uma sociabilidade completa quando os fatores propriamentesociais escapam ao dominio dos atores "91 (grifos do autor).

É a chamada "inflação do psicológico", poderosa subjetividadehegemônica dos anos 70 e ainda hoje não só afeita ao território "psi",mas largamente difundida na sociedade em geral. A chamada família"normal" representa hoje a maior consumidora destas técnicas "alter-nativas". Não sào, portanto, as fanúlias mais "necessitadas" fmanceira-mente as que têm utilizado eSlas abordagens. Ao contririo, tais famíJiasnão têm acesso ã chan1ada cultura "psicológico-relaciona]", privilégiodas classes médias urbanas que têm sempre a esperança de realizar econstmir uma "verdadeir.l" família.

.. cuja vida relaCÚJnal seja ao mesmo tempo intensa e har-momosa.A psicologia represetlla aqui um/Japei homólogoao da cirurgia estética, cuia finalidade é meno,,; reparar oscorpos do que lhes proporcionar "ma mais-valia deharmonia e de beleza t . .) Dai, o "potencial h"mano" - aum só tempo pessoal e retacional - é de fato um capital

(l;) Idem, p. 1'i4.

Q] ldem,o. ['i"7

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objelivdvel que se cultiva a fim de se torntlr mais "atuante'"na. sociabiliLhlde, no trabalho O" nogozo"<J2 (grifos meus).

Todavia, o que se manifesta na superfície não são essas produções,mas o fato de essas práticas "corporais" serem - com relação à tradicionalpsicanálise - mais "flexíveis", "abertas" e mesmo "democráticas", o queatrai um novo público em nome desta relação terapêutica "amplia-da","diferente" e, por extensão, "alternativa".

Estas abordagens "corpomis" vêm no rastro do que R.Castel chamade um "trabalho sobre a normalidade", poLs ".. retomam. exploram einstrumentalizam um aspecto importante da descoberta freudiana: apossibilidade de trabalhar o próprio conceito de normalidade"", fato jáapontado quando me referi à produção de uma cultura "psicológico-relaciona}" e aos processos de suhietivação desenvolvidos no decorrerdos anos 70 no Brasil.

Além de todos esses aspectos assinalados por Castel sobre asteraplas "alternativas" e "corpomL," e a "era da pós-psicanálise", háainda uma questão que gostarla de mencionar, relacionada à produçãode um intenso intimismo.Típico das subjetividades capitalislicas c muitofonalecido pelas práticas chamadas "corporais", o intimismo estáfundamentalmente articulado com a cultura "psicológico-relacional" ecom o retomo para o "eu privado". Impõe-se em decorrência dLsso aprodução de muitas questões ligadas ã valorização da autenticidade e ãmaior transparência de todos os atos do sujeito.

No entanto, malgrado toelasessas aiticas, há nas tempias "corporaLs"aspectos inlportantes e que devem ser ressaltados. Um deles refere-se àdimensão corporal, enfatizada por tais abordagens, esquecida, e mesmoproibida de ser abordada nas terapias ditas "ortodoxas". Se, nocapitali~mo, os corpos são adestrados e disciplinados nas diferentesinstâncLasde poder para se tornarem dóceis e produtivos9', sua liberaçãofaz parte de ações inslituintes que colocam em cheque as estruturassociais.

Se na terapla reichiana isso aparecia claranlente - nas suas pri-meiras fases -, aos poucos a produção política do corpo vai perdendo,

W. ldem,pp.l'Sge 172.93 Idem, p. 144.94 Foucault, M. Vigiare Putllr. Rio de Janeiro, Vozes, 19M e Foucault. M.Microfisica do Poder.

Op.dt.

314

no próprio Reich, sua força - vide suas últimas fases. Assim. a hipótesede ITmitosentrevistados de que as terapias corporais ;'neo-reichianas"que chegam ao Brasil, nos anos 70, produzem um corpo alienado,desvinculado da ordem capitalLsta, para mim é simplLsta. Não foramsomente os discípulos de Reich (cuja influência foi mais sensível naformação dos "corporalistas" brasileiros) que. em suas práticas eformulações teóricas, ocultaram a produção politica do corpo. No próprioReich - como já apontei - tais dL,cípulos encontraram base para aexpansão de suas práticas psicologi72das/psicologizantes, destituídas dequalquer articulação histórico-sociaLAs terapLasditas "neo-reichianas" eo Movimento do Potenclal Humano - pelo próprio momento históricoetn que se inserem - favorecem uma visão a-histórica do homem,ocultando sua dimensão política.

Entretanto, apesar de tudo isso, se entendemos ()aspecto político-corporal como importante, não podemos desqualificá-Io e ignol"Aralgunsenfoques introduzidos por essas teraplas. Há sim que acrescentar oUlmsdimensões que nelas não estão presentes: a instirucional- reconhecendoque instituições, dispositivos e modelos têm sido construídos e forta-lecidos - e a dimensão política, ao assinalar os tipos de corpos que têmsido produzidos nas e pelas sociedades capitalisticas.

315

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CAPtTIJLO V

Os ANos 80 EA

ANÁLISE INSTITUCIONAL NO BRASIL

Aproximando-me do embarcadouro de chegada nesta viagempelos anos 70 no Brasil, não poderia deixar de mencionar - mesmoque superficialmente - um outro conjunto de práticas que vão seforjando e fortalecendo entre os "psi" paulistas e cariocas, durante adécada de 80, advindas do movimento institucionalista francês, da análi~einstitucionaL

Embora a referência a esta década fuja um pouco ao título destetrabalho, considero este Capitulo uma espécie de estação onde de-sembarco no final dos 80 e inicio dos 90, após a viagem em que percorrias diferentes práticas psícoterapêuticas dominantes nos anos 70 e asque surgem como "alternativas" no decorrer desses anos no eixo Rio-São Paulo.

Não pretendo, portanto, empreender aqui uma história domovimento institucionalista paulista e carioca, mas apenas apontaI algunsprocessos de subjetivação que vão sendo produzidos e desenvolvidosao longo da segunda metade dos anos 80 no Brasil, esboçando umabreve sintese das gêneses histórico-sociaL~ e teóricas deste movimentoinstituCÍonalista e da expansão dessas práticas entre alguns profissionais"psi" brasileiros.

316

I- ALGUNS PROCESSOS DE SUBjETIVAÇÃO NA SEGUDA

METADE DOS ANos 80 NO BRASIL

"Vapor &rato, um mero seroiçal do narco/ráfico,Foi encontrado na ruína de uma escola em construçãoAqui tudo parece que é ainda construção ejá é rufnaTudo menino e menina no olho da rua() asfalto, a ponte, o viaduto ganindo frrá lua .."""adacontinuaÉ o cano da pf...c;tola que as crianças mordem

Alguma coisa está fora da ordemFora da nova ordem mundial.

Meu canto esconde-se como um bando de ianomânis na floresta.

Na minha testa caem,Vêm colocar-se plumas de um velho cocar.Estou de pé em cima do monte de imundo lixo baiano,Cuspo chicletes de ódio no esgoto exposto do Leblon,Mas retribuo a piscadela do garoto de frete do Trianon.Eu sei o que é bomEu não espero pelo dia em que todo.<;os homens concordem,Apenas sei de diversas harmonia. ••bonitas po,rnvei..<; sem Juizo final.A/guma coisa está fora da ordemFora da nova ordem mundial"

(Fora de Ordem - Caetano Veloso)

No Capítulo I salientei que a prinleira metadc da década de 80caracterizou-se pela grande mobilização popular, repúdio e indignaçãoao ciclo militar que se instalara no Brasil em 1964através, principalmente,dos diferentes movimentos sociaL~ que tlorescem desde o limiar dosanos 70, culminando com a ('-ampanha das Diretas Já!, em 1984.

Esses movimentos, no início dos 80 - como já mostrei -

".__expressam tendências profundas na sociedade que awinalama perda de sustentaçào do sistema político instituido; Expressama enorme distância existente entre os mecanismos políticos

instituídos e as jorma~ de llida social. Ma.'isão mal'i do que {'iSOsdo fatores que aceleram essa crise e que apontam um sentidopara a transfonnaçâo social. fiá neles a promessa de uma radicalrenOl'açào da 1-ridapolítica Apontam no sentido de uma políticaconstituida a pariir das questóes da l1da cotidklna. Apontam para

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uma nova concepçdo da política, a partir da interoença.o direta

dos interessados. Colocam a reiuindicaçâo da democracia r4eridaâs regra.s da vida social, em que a população trabalhadora estádireta1lWnte implicada: nas fábricas. nos sindicatos, nos seruiçospúblícos e nas administmções nos bairros. Eles mostmm que hárecantos da realidade ndo recobertos pelos discursos instituidos endo iluminados nos cenarios estabelecidos da vida puhUca

Constituem um espaço público além do sistema da representaçãopolítica. Atraves de suas jormas de organização e de luta, elesalargam a..••fronteiras da política. Neles aponta-se a autonomiados sujeitos coletivos que buscam o controle de suas condições devida contra as instituições de poder estabelecidas "1_

Entrementes, à medida que a "transição" política se efetua, nasegunda metade dos 80, quando se instala a chamada "Nova República",os projetos políticos implícitos nestes movimentos sociais vão sendopaulatinamente "derrotados".

Após as eleições presidenciais indiretas, com a escolha de TancredoNeves pelo Colégio Eleitoral, inicia-se a "Nova República" de Sarney -este assume o poder com a morte de Tancredo -, que promete como"governo civil" completar a "transição" política iniciada por Geisel eestimulada por Figueiredo. Isto significa, em realidade, o fortalecimentoda representação politica instituída e das instituições de poderestabelecidas em detrimento dos espaços singulares construídos pelosmovimentos sociais em ascensão até então.

Para isso, dentre outras medidas, a "Nova República" lança em1986o chamado Plano Cruzado, que temporária e ilusoriamente mantéma economia congelada e contém a inflação, conseguindo nas eleiçõespara governadores dos estados eleger uma maioria esmagadoramentegovemi'ta e con,eIVadora. Dias depois eiaseleições, o Mini,tro da Fazendaafrouxa os preços e a inflação reprimida estoura, chegando à casa dostrês dígitos ao ano. O Fundo Monetário Internacional continua ditandoas regras e o país é cada vez n1ai.~ assolado por Ulna forte e crescenterecessão e por ondas de greves que estouram em vários pontos e setores.

O descrédito do governo Sarney intensifica-se em todos ossegmentos sociais após a "Iàlência" do Plano Cruzado; entretanto, outros"pacotes" e planos econômicos continuam sendo forjadossob a orientaçáodireta do FMI. E os diferentes movimentos sociais e populares vão

Sadet, E. Quando Novos Personagen.'l Entraram em Cena. Op. cit., p. 313.

318

perdendo gás, vão simplesmente se colocando na defensiva e lutamdesesperadamente por questôes salariais e/ou estabilidade no emprego.Segundo Sader, estes movimentos fOfaIll

"_.. projetados para enfrentamentos decisioos quando ainda malse haviam constituído como sujeitos políticos_ O nJ,.no de suas

história." não era o mesmo que o da polftica instituída, efoi estaquefi."<OUas datas Levados "precocemente" aos embates políticos,expre..'.saram sua imatun·dade enquanto alternativas de poderno plano da representaçdo política "l.

A Constituinte instalada desde 1986 sofre, apesar de tudo isto,pressões populares e, quando a Constituiçào é votada dois anos depoc"apresenta somente alguns avanços nos capítulos referentes aos direitosdo cidadào. No entanto, em sua maior parte é ainelaba,tante conseIVadora,pois com a fonnação e a pressão do charnado Centrão - grupo deparlamentares de extrema direita ligados à llniào Democrática Ruralc,ta(UDR), porta-voz dos grandes fazendeiros e proprietários rurais - umasérie de garantias trabalhistas e o próprio início de uma reforma agráriaaos moldes capítalistas ficam prejudicados e mesmo impedidos.

'~VoBrasil, quando o presidente não consegue aprovar suas lei,>,deixa-se levar por fis';ologi..'uno-,compra de consciências e dis-tribuiçdo de benesses entr-e parlamentares, como ocorre durantea Constitu';nte na época em que se jonna o Centra0 Em trocada aprovaçâo dos cinco anos e do presüienctalismo, o governodistribui cargos e canai.ç de rádio e teleuisdo com apetite panta+

gruelesco. Interrogado sobre se o Centra0 acha normal trocarvotos jxJr cargos púhlícos, °deputado Roberto Cardoso Alues r. ..l.responde: 'if dando qt.W se recebe" E ri assim que, sob o signoconstrangido de São Francisco de A.'i.m, a Assembléia Consti·tuime atravessa 578 dias de trabalho, dando e rece·

betulo ":'(grifas meus).

Consolidam-se cada vez mais as subjetividades hegemônicas nosanos 80: a do "cinc,mo consensual", por meio da qual a corrupção énaturalizada e a "troca de favores" penetra nos diferentes micro espa-ços, época em que a núcliaexpõe as numerosas e infmdávec, "falcatrua,"dos chamados "colarinhos brancos" e nada acontece a esses "senhores";da mesma forma algumas corrupçôes nos altos escalões dos governos

2 Ickm,p . .31'53 Schlafman, I . ~OsAnos 80". In:JBlEdlção Centeruirlo - 07/04/1991, p. 09

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federal e estaduais são comentadas, mas nada se comprova seriamente,nada se apura.

Forjam-se também outros processos de subjetivação que seinsinuam pelos mais diversos segmentos sociais: a descrença na polltica,nos seus representantes; a crença de que todos os políticos são iguais eque não adianta lutar ou reivindicar, pois se "meter" em política é lidarcom coisa suja, espúria, anti-ética e seUl princípios.

Vive-se uma cri.c;;c,portanto,

",.. de modelos de 1Jida,de modelas de sensibilidade. de modelosde relações social" (.,) que não se situa apenas a nível dessasre!açóes sociai.,>explícitas. mas envoloe Jonnações do inconscien-te, jonnaç6es religiosas, míticas, estéticas Trata-se de uma crisedos modos de subjetil!açào, dos modos de organização e da socia-bilidade, das formas de imJeStimento coletivo de formaçàes doinconsciente ... "4.

Aumentam assustadoramente os crimes e assassinatos nas cidadese no campo brasileiro. Nos centros urbanos, crescem não somente osnúmeros de agressões a lideranças sindicai~ e/ou trabalhadores, massobretudo as cifras da execução de "meninos e meninas de rua". Gruposde exterllÚnio criados especificamente para estes fins e fmanciados porcomerciantes e empresários estimulam, com o auxílio da llÚdia, assubjetividades que produzem juízes e autores como 5u,ieitos necessáriospara a "limpeza" do corpo social "enfermo". É indispensável uma "lim-peza" social: a pena de morte se fortalece extra-oficialmente em nossopaís, a violência em seus mais diferentes aspectos se naturaliza e essassubjetividades penetram em todos os microespaços, em todas as relaçõessociais.

No campo brasileiro, a UDR ofensivamente contra-ataca as di-ferentes organizações de trabalhadores rurals surgidas ao longo dos anos70 e início dos 80. Milhares de assassinatos são praticados em nome dadefesa da propriedade privada, culminando com a morte elo seringueiroChico Mendes, em 23 de dezembro ele 1988.

Não obstante todas as elenúncias feitas sobre estes fatos, aimpunidade continua vigente no país, acarretando a dissetninaçào cadavez maior da crença de que os ricos nunca são punidos, a eles tudo é

4 Guauari, F. c Rolnik, S.Micropolítica.: Cartografia.'i do Desejo. Op. GiL, pp. 190 e 191.

320

l

f

permitido, desde os grandes roubos e corrupções até os mais bárbarosassassinatos. A Ética neste pais não é somente ignorada; pior, ela éachincalhada, ironizada, desqualificada e apresentada como um deleito,como coisa de pessoas ingênuas, idealistas e puristas.

É neste clima que, em 1989, tem início a campanha presidencial;a primeira eleição direta para presidente do pais após 25 anos. Ovencedor será um candidato desconltecido e sem partido, produzádoespecialmente para ser o ·'campeão contra a corrupção", "o caçador de

marajás".Há neste ano novamente um ascenso dos movimentos populares

que se engajam na campanlla presidencial e muitos, "sem medo ele serfelizes", vivem o sonho das Dit"etasJál, vivem o sonho de que é possívelmudar este pais. Os comícios realizados, principalmente os do segundoturno, que reúnem toelas as oposições, levam muitos às lágrimas. Éininuginável para os que viveram os terriveis anos 70 que se pudessenovamente viver o que a campanlu presidencial evidencia: a crença de

que o sonho é possível, realizável.

"A campanha presidencial de 1989 ( ) significou transforma-ções profundas na politíca brasileira { }, Os partidos lJÍtOnosos

de 86 (PMDB e PFl) stlO uanidos; o PDT mostra ser uma agre-

miaçao regional, o PSDB busca se uiabilizar como fiel da balançae o PT se consolida enquanto partido nacional de peso "s.

É como afirma o articulista elaFolha de São Pau1o,jãnio de Freitas:

''Depois da eleíçiio presidencial de 89, não somos nem seremos osmesnws que éramos C.,). Muüo m;lis do que uma disputa de v0-tos, travou-se naqueles meses, e sobretudo no intervalo do primei-ro para o segundo turno, um confronto de princípios pessoais(. _.). Desde muito cedo, e por motiuos que vários candidatos ofe-receram, ficou claro que a campanha eMtoral se desenvol1Je'Tiaem torno de um valor, diante do qual todos os demais se mostra-riam secundários: a Étícn .A 1Jtica de cada candidato, a Éticapolitka, a tWs ekitores, a Hica tWJustiça Eleitoral, a dosmeios de conuutkação (desculpem esta lembrança tamentá-

vet)"6 (grifas meus).

S Singer, A. "Os Novos DesafiO.'ln.In: Singer, A. (org.) Sem Medo de Ser Feliz. São Paulo, Scritta,

1990,10-ll,p.10_6 Freitas,]. "A Estrela de Lurian~.ln: Singer, A. (Org.). Op. ciL, OS.09, p. 08.

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Amídia e as chamadas pesquisas de opinião produzem a vitóriade Fernando Collor de Mello, que possui entre seus eleitores não somenteos grandes empresários e fazendeiros, como também os chamados"descamisados", parcelas marginalizadas e desorganizadas politicamenteque ainda nutrem esperanças nas promessas megalômanas e populistasdo então presidente da república.

Há, como resultado de toda a paixão. de toda a emoção que foijogada nesses meses de canlpanha por segmentos organizados da popu-lação brasileira, uma massiva produção de subjetividades: Ufn gr.1ndesentimento de apatia, desânimo e até desinteresse político começa atOluar conta ele muitos.

Ao lado disso, a nivel mundial f3b-se do "fimda História", do "fImdas utopias', da queda elo Muro de Berlim e do "fUlldo comunismo".T\'ovos desenhos aparecem na Europa com a reunificação da Alenlanha

c a quebra da rígida divisão Ocidente x Oriente. () que se tem agora éum profundo conforntisnlo, um olhar-se para o próprio ulnbigo e UHlíntimismo exaltado. O quc nos anos 70 se plantou, coLhe-se nestes 80.

cas e paulistas começanl a se inlplicar com estes rnovinlentos, começama pensar sua prática vinculada a uma realidade concreta, começam aperceber que produções as práticas "psi", ao lado de suas instituições edispositivos, têm concebido. Inicia-se, assinl, no eixo Rio-São Paulo adifusão de muitas ferramentas advindas da análise institucional de origemfrancesa, de M. Foucault, G. Deleuze e F. Guattari.

n- O MOVIMENTO INSTITUQONAIlSTA FRANCÊS

Sem a pretensão de aprofundar as gêneses conceitual e histórico-social do movimento institucionalista francês, mas apenas indicar algunscaminhos trilhados por esta corrente - desde a psicossociologia, pas-sando pelas intervenções socioanalíticas realizadas, até a fase da"institucionalização" da análise institucional francesa' -, tenciono mostrar,ainda que sucintamente, as diferentes e variadas influências que sofreramnos anos 60 e 70.

É neste clima que se "fecha" a elécada ele 80 no Brasil, cl",madapor muitos de a "década perdida". Persiste porém - apesar ela apatia eele outras produções tão competentemente forjadas - a crença ele '1uE',. a derrota nas urnas jamais será capaz de apagar de nossa memória

que o sonho é possivel""

E é neste momento que, gradativamente - malgrado o descensodos movimentos sociais -, algumas parcelas de protlssionais "psi" cario-

''.4lida doméstica l!ffl1sendogangrenada pelo consumo da mídia,a [JUlaconjugaI ejàmiliar se ("ncontrafreqüentemente "ossificada"/JOruma espeâede padronização dos compol1mnentos, as relaçõesde f'iZinlJança estão gemlmenll' 1'eduzidas a sua mai." poiJr(!e.-cpressdot._J. O capUalimlO pás-industrial que, de minha parte.prefiro qualificar como Capitalismo Mundial Integrado (Clv[J)

tende, cada vez mais, a deKentrar seus focos de poder dasestmtura.' de produçeio de IX"nse de serviços para as estruturasprodutora." de signos, de síntese e de subjetividade, por intermédio,especialmente, do controle que e,wrce sobre a mídia, a puhJicidade,as sondagens, etc" 7 (grifos do autor),

8

Guattari, F. As Três Ecologias. São Paulo, Papirus, 1990, pp. 07 e 31.Kotscho, R. "OAno em Que Quase Lavamos a Alma~. In: Singer, A. (OrR). Oro cit., 14-2';, p. 14

522

1- O PERÍODO DA PSICOSSOCIOLOGIA INSTITUCIONAL

A análise institucional que vai se organizando na primeira metadeda década de 60 na França nasceu da Psicoterapia Institucional, da Peda-gogia institucional e da críticainterna nas ciências sociais. Nasceu também

"... das crises dos movimentos da juventude (união de estudantes,jovens catõlicos, jovens protestantes, jovens comunistas), da criseda escola, do hospttal, das igrejas, das correntes modemi'ltas emCiências Sociais,. da critica à burocracia e da teorização daautogestão na Revista "Socialismo ou Barbán'e"lO; da cri"e do

9 Sobre a história do movimento institucionalista francês, consultar Coimbra, eM.B. Os C..aminhosde Lapassade e da AnáUse institucional: Uma Empresa Possivel? Trabalho apre~ntado noCurso de Doutorado - USP, 1989, mimeogr. Todo este item 11é uma síntese de algumas partesdesse trabalho. Consultar também Baremblit, G. Compêndio de Análke lnstiIucional e OutrasCorrentes. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1992 e, principalmente, Rodrigues, H.S.C.SubJetividades em Revolta: as novas análises e o instltuclonalismo francês. Dissertação deMestrado - UERJIIMS, 1994, que, brilhantemente, desvela o surgimento das ferramentasinstitucionalistas na França, desde o final da II~Guerra MuncUalaté os anos 70,

10 A Revista SodaUsmo ou Barbárle foi fundada em 1946 por Qaude Leforte Cornelius Castoriadis,que a dirigiu até sua dissolução em 1966. Tomou-se um importante espaço de discussão sobre o

323

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Estado que se segue à descolonização. da guerra da Argélia e dasmudanças que se seguem a esta guerra "11.

Em suma, nasceu da crise interna das diferentes instituições edispositivos da sociedade capitalista pós-industrial.

A corrente institucionalista vai incorporando diferentes

.. discursos de uma maneira original, ndo vai tomá-los ao péda letra, Vai pinçar dos corpos teóricos de que se originamdeterminados recursos e (.,) uai tentar reformular esses conceitospara incorporá-los a um aparelho teórico próprio (" J R"tesprincipais recursos têm sido determinadas sociologias, teoriasde economia da sociedade e da história (as disciplinas que seocupam do problema do poder e dos processos sociais da produçãode bens materlai5), disciplinas antropológicas que se ocupamda gênese do homem (mitos, costumes, sistemas simbólicos),semióticas (as disciplinas que se ocupam do signo, do sentido,da informação, da comunkação) e, é claro, as que se ocupamdaquilo que ( .. ) chamamos de subjeHvidade"12.

Deste modo, o movimento institucionalista é influenciado, dentreoutros enfoques, pela Sociologia das Organizações ou Psicologia Socialdos pequenos grupos, passando pelas correntes da Psicossociologia none-americana com marcada influência do marxismo (de Lênin, Trot,ky, R.Luxemburgo, Gramsci a A1thusserl, da dos an:uquistas e mesmo dossocialistas utópicos. Também a Antropologia, que vai desde a culturalista,estruturalista de L. Strauss à de P. Clastres, tem tido bastante influênciaem alguns pensadores institucionalistas.

"o que o institucionalismo jaz com todas essas influências émuito difícil de sistematizar, porqueo instituciorudismo MO d

uma teoria, mas muitas, e o que elas têm em comum são ascaracterísticas já apontadas r ..) ã." quais podemos acrescentaruma crítica do conceito de Verdade €, em segundo lugar, oproblema do Poder - sf!ja dos micro e macropoderes -, do podereconômico, político, seja do poder como uma questão do domínioou da capacidade de fazer"13 (grifos meus).

saber marxista e as práticas daí decorrentes, contendo teses, dentre outros assunios, sobre o

~capita1ismo moderno" e o movimento operário, a autogestão, etc.11 Lourau, R. ~lntrodución: Pequem Histeria de Los lnstitucionalistas"_ In: EIAnáUsh Insdtucional

Madrid, Campo Abierto, 1977, pp. 01 e 04.12 Baremblit, G. "Apresentação do Movimento Institucionalista" In: Saúde e Loucura 1. São Paulo,

Hucitec, 1989. 109-119, pp. 109 e 112.13 Idem, p. 114.

324

1I

Vamos, portanto, um pouco à história desse movimento.

A Psicoterapia Institucional - Unta de suas primeiras vertentes _caracteriza-se, desde o pós-guerra, pelas tentativas de reorganização davida intra-hospitalar numa direção liberalizante. Nos anos 50, ao lado deuma série de experiências que reiteram tal compromisso, os trabalhosrealizados no Hospital Psiquiátrico de Saint-A1bain e na Clinica La Bordeenvolvendo as figuras de Tosquelles e Jean Oury, respectivamente:revelam a dimensão inconsciente da instituiçào e a participação dosenfermos na autogestão do chamado processo de ··cura".

Pouco a pouco torna-se V.5ível que é a sociedade que institui,pois é o sistenta social exterior ao hospital que promove o cone sadios!doentes, mesmo que suas portas permaneçam abertas. É também asociedade que institui a hierarquização e mantém um sistenta de nornJase regras que atravessa o hospital, mesmo o ma.5 "aberto".

A Pedagogia Institucional, por sua vez, influenciada pelas expe-riências da psicoterapia institucional, leva para o âmbito pedagógico oprocedimento aUlogestionário.

"O movimento procura difundir no interior das escolas (_.) umnovo modo de funcionamento das relações humanas: não re-pressivo, e notadamente não {mmcrático. Nesta linha. o alunose torna o centro de decisão, ou melhor, o grnpo caminha paraa autogestào·'14.

Surgida do Movimento Freinet1j• a Pedagogia Institucional- dentroda qual, no inicio dos anos 60, estavam Fernand Oury, Aída Vasquez e opróprio G. Lapassacle - conduz a autogestão restrita à autogestãogeneralizada, ampliada a toda a classe de aula.

A Corrente de Lapassade, anos depois, junta-se a Michael Lobrot eRene Lourau, por cllscord:u dos companheiros anteriores que defendiamuma "pedagogia terapêutica" de orientação psicanalítica e, segundoLapassade, de "cunho reforntista", lima vez que não se interrogavamsobre a escola enquanto d.5positivo social.

14 Rodrigues. H.C. e Barros. R.D.S. IU<rtória do Movimento 1n.'Jtltudonalista. Rio de Janeiro,1986, mimeogr.,p. 13.

15 O movimento pedagógico Freinet, surgido tu França desde 1924, Consistia tu invenção de novosmeios e métodos educacionais, como () texto livre, () diário, a correspondência. Era, na realidade,uma técnica de autogestao. I'reine, levou o jornalismo e a imprensa JY.l.faa escola e tais técnicas,segundo Lapa..<;&Lde,prepararJ.m a autogestâo pedagógica.

32';

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''Amm como a Psiquiatria Institucional não questiona o "solo" ou

o "enquadre" de sua atuação - "a" Psiquiatria - a PedagogiaImtituc~na/ não indaga "a" Escola como tar as tratlf!ormaçõessão introduzidas nas relações humanas à mesma"16.

A Pedagogia Institucional de Lourau. Lobrot e Lapassade, deorientação autogestionária, tem como base inicial a técnica da dinãmicade grupo aplicada à formação e o T. Group. Aos poucos, passam para a"autoregulação de grupo": um grupo capaz de tomar em suas mãos nãosomente sua análíse, mas muitas outras atividades. Lembremo-nos deque as experiências de self-government, na primeira metade da décadade 60, estão na ordem do dia em muitos países europeus.

Os anos de 1962, 63 e 64 na França fervilham com as propostasautogestionárias. A União Nacional dos Estudautes Franceses (UNEF),ainda em 1%2, constituíra-se em um "laboratório social", no qual co-meçam a se desénvolver algumas concepções institucionalistas. ]\'umaintervenção com a presença de Lapassade, descobre-se a importãnciada "instituição-colóquio" como possível lugar de análíse. Com isto, inicia-se a separação com relação à dinãmica de grupo de inspíração norte-americana.

Foi nesses anos que cresceram nos meios estudantis e intelectuaisfranceses os efeitos do informe de Krushev, em 19';6, no XXCongressodo PCUS, dando início à "desestalinização". A onda se expandiu e aUNEF,percorrendo o mesmo rastro em seu Congresso de 1963, interessa-se pelas experiências de autogestão pedagógica e pela crítica àburocracia. As experiências autogestionárias argelina e iugoslavaempolgam muitos estudantes e intelectuais franceses, entre eles Louraue Lapassade.

Estão assim lançadas as bases para a formação da corrente daPsicossociologia Institucional, cujo principal representante seráLapassade. O mais importante dispositivo de intervenção é o grupo.

"... atua-se com grupos (.. J, esclarecem-se as relaç6es internas aogrupo e entre os grupos num ·'grupo de grnpos", a organizaçãoNeste sentido a ênfase está posta na.,. "relações humanas" (... ). O

sociograma substitui o organograma (e) quando os trabalhosgrupais sdo realizados em organizaç6es (empresas, assocmções.etc.) aparece o nível chamado institucional peJos promotores do

16 Rodrigues, H.c. e Barros, R.D.B. Op. cit., pp. 13 e 14.

326

mommento. No entanto, deve-se frisar que o sentido det1lsti:tu-cimuú, aqui, está marcado pela orientaçâo funcionalista daSociólogia dtlS Organizações: a instituição fi concebida como"grupo lie grupos" e suas eventuais crises são vistas como"disfunções'· que demandam alguma espécie de terapia social(boas técnicas, bons métodOS)"17(grifo das autoras).

Várias intervenções sociológicas influenciaram a PsicossociologiaInstitucional e permitiram a Lapassade dar o "salto" para a intervençãosocioanalítica. Lourau a isto se refere ao observar que este "salto" se deuquando Lapassade superou a sedução da psicologia dos pequenos grupos,ao mostrar a dimensão institucional, ao destacar ,.... toda a políticareprimida pela ideologia das boas relações sociais. Nós somos os filhosdesse acróbata"18, afIrma Lourau.

A partir dai, os institucionalístas fral1ceses fazem criticas aospsicossociólogos de grupo que, em realidade, "arranjam e tornam maissuportável o capitalismo". Seriam os agentes da modernização,propiciando o aparecimento de uma nova burocracia. Realçam a inapor-tãncia do trabalho com grupos e a análise de uma dimensão oculta: adimensão institucional.

"Eu propus então (em 1963) chamar de "Análise Institucional"o método que visa a revelar nos grupos esse nít}e! oculto de suavida e de seu funcionamento "1<'>, afuma Lapassade.

Assim, é a partir ,las próprias intervenções realizams nos diferentesmovimentos sociais e do seu trabalho cotidiano que a Análise Institucionalvai se construindo,. vai sendo produzida.

Ainda dentro desse primeiro momento de sua história - a fase dapsicossociologia institucional -, a análíse institucional em curso sofregrande influência dos enfoques antÜilstitucionais surgidos no decorrerdos anos 60, tanto na pedagogia quanto na psiquiatria.

A antipsiquiatria, surgida no início da década de 60, foi um movi-mento de contestação à Psiquiatria tradicional, incluindo uma série deexperiências que questionam o problema da palavra e da loucura,criticando a própria sociedade. Segundo Robert Lefort, estas correntestrazem

17 Idem, p. 14.18 Lourau, R. "lntrodución: Pequem Historia de Los lnstitucionalistas". In: Op. cie, p. 01.

19 Lapassade, G. C-napos. Org~ões e lnstltuJções. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1983, p.13.

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., a politização do movimento psiquiátrico e psicanúlítico.· talpolíJizaçào tem sentido na medida em que permite colocar asquestDeSque a ideologia burguesa tem procurado ocuitar"li!.

Desta forma, Laing, Cooper e Basaglia apresentam formas maL.radicais para o entendimento da "loucura" e de sua produção.

A antipedagogLa surgiu também da crise da escola, por sua vezligada ã crise elas instituições da sociedade capitalistica. Assim como aantipsiquLatria, sua análise é política e seu apogeu encontra-se no maiode 68 francês. Logo no início da década de 70, Ivan lllich prega a"desescolarização", considerando a escola como um agente reprodutorda sociedade de consumo.

Essas correntes antíinstilucionais são vistas por Lapassade, Louraue seu grupo como institucionalistas, pois revelam

" a precariedade institucional, ao mostrarem qUi? alnstitl4içào

nilo éuma tultrweza, que traz em si a sua decadência, A antipst-.quiatrla não é uma análise institucional critica, simplesmente por-que propóe o fechamento dos asilos. sua destruição, Entretanto,está ligada ao mouimento e Ibe dá sentido. na medida em que,como anttpsiquiatrla, interroga a hipótese de hase da Psiquiatria,ou seja, certa concepçdo dos "transtornos mentais" que dánascimento a estabelecimentos de cuidados, a prátiCa."terapêuticasdeterminadas, a conceitos, um enstnamento, uma organização,a práticas sociais "21 (grifos meus).

Portanto, não ficam no interior do espaço institocional - como aPsicoterapia e a PeclagogLa InstitucionaL, -, visto atacarem seus própriosprincípios.

Estas correntes ligam-se ao movimento contracultuf'<ll já em francodesenvolvimento na Europa, ã época. O deslocamento que então é feitotorna-se fundamental: em lugar de tentar transformar as instituições deseu interior, a fim de fazê-las terapêuti=, ou educativas, renuncLa-se aesse propósito. O sentido de irrecuperabilidacle das instituições transferesua problematização para fora, para o qoestionanlento de suas gêneseshL.tórico-socLais. Observa Lapassade que:

2IJ Lefort, R.- "La Paro1e et la Mort - La NçuP'. nº especial de La AntlpsiquJatrla, 42, janlmal 1971,citado por Lapassade, G. "História dei Movimiento lnstitudonalista" In: ElAnállst ••Institucional.Op. cit., 0)-22, p. 10.

21 Lapassade,G. "EI Encuentro Institucional" _In: Anállsis lnstltucional Y Socioanállsls. México,Nueva lmagen, 1977. 197-241, p. 204.

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.~ Análise Institucional ( ... ) tem hoje, com trabalhos taí..•como osde Cooper, Basaglia, l//ich e com as novas formas de luta("esquerdismo pedagógico ", "antipedagógico") um conteúdonovo, ligado à mudança socia/"u,

2 - O PERíODO DAS INTERVENÇÕES SOCIOANALínCAS

Este segundo momento da histórLado movimento institucionalistafrancês tem seu marco imcial no maio de 68. Nos anos anteriores jáhavLasido produzida uma série de ações e experiêncLas antiinstitucionaise autogestionárias, o que mostra que os acontecimentos de 68, naFrança, não foranl pontuais.

Como já apontado, a contestação foi o denominador comum nadécada de 60 e, mesmo se pensarmos em escala mundial, os estudantesforam os principaL. personagens nas lutas que se travam em 1968. Acrítica ao conservadorismo penetra em todas as esferas do cotidLano:nos costumes e comportamentos; ela minL,saLa, da pilula, elas drogas àpop-arte. Circula e cresce, enfim, a necessidade de se repensarem asrelações entre política e subjetividade.

O maio de 68 é tomado pelo movimento instiluciona1ista francêscomo um analisador,

",.. porque ninguém pode reivindicar para si este acontecimento,porque ele funewna como condensador de uma sérte de movi-mentos, tendências e contestaçDes que circulavam no mundodurante aqueles anos. Apesar de certa diversidade quanto àsmotivaçóes das lutas nos diferentes países, parece-nos signi~ficativa a expressão de Marcuse, para quem o maio de 68expre.çsou a "grande recusa".- recusa do autoritarismo, da cen-tralização do poder, da tecnocracia, da burocracia, do C011.SU-

mismo, do "oftcialí.ooo". do cientiftcismo, ou melhor, do TO-TAlfTARISMO em toda.,. as suas manifestaç6es - do Estado à vidacotidiana - fossem de direita ou de esquerda, do '~mericanWay ofLife" ao estalinismo. Recusa esta, pois, global, ~totalizante,do "Stablisbment'; do Sí.rtema. embora sem estratégia global,totaUzante, de en.frentamento do mesmo "23,

Também os movimentos pós-68 tiveram uma profunda repercussão

22 Lapassade, G_~His(ória de] Movimiento Institucionallst.:.l", In: Op, cit., p. 21.

2.1 Rodrigue" H.C. e Bac"". R.DB, op. dt., p. 02.

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sobre o movimento institucionaJista francês: os movimentos de liberaçãoda mulher, dos homossexuais, dos trabalhadores sociais, grupos deintervenção nos cárceres, grupos maoístas, dentre outros, flZeram comque o número de intervenções socioanalíticas se tornasse cada vez maisfreqüente, não somente na França, mas além de suas fronteiras.

A auto gestão sai dos circulos restritos daqueles que a praticam,alcançando uma grande difusão. Alguns institutos universitários fran-ceses, na década de 70, dizem adotar a autogestão que, no maio de 68francês, durante as ocupações das universidades e fábricas, tornou-seuma palavra de ordem revolucionária. Diferentes experiências auto-gestionárias ocorrem e se multiplicam.

'~ corrente institucionalista, em seus múltiplos aspectos, seguesendo atacada e combatida. Mas conseguiu se impor C.')' Até1963-64, aç primeiras e.''r:periências de autogestão haviam sidorecebida ••corno provocações; agora, figuram nos programas dasErocolasNormais e dos Deparlamentos de Ciência ••da Educaçàodas Universidades. 1\'05congressos internacionais recebem-se in-formes sobre autogestao,,24.

Os institucionalistas franceses, neste segundo momento, empre-gam a autogeslão como um questionamento ao sistema atual das institui-ções e dispositivos sociais c, em seu trabalho Autogestión Pedagogica,Lapassade mostra que a autogestão é impossivel de se realizar em umcontexto social de dominação. Por conseguinte, a proposta da análiseinstitucional passa a ser a de que a autogestão se torne uma "contra-instituição", revelando os elementos ocultos do sistema; que funcionecomo um dispositivo analisador.

O grupo de institucionalistas franceses demonstra em seus escri-tos e intervenções que a maioria das experiências autogestionárias pré-68 difundem ainda uma concepção positivista de autogestão. Esta erasimplesmente mais uma técnica e não um dispositivo analisador e uma"contra-instituição" que incessantemente permitL"e o aparecimento dosobstáculos, das resi,tências, provocando a análLge.

Assim é que, a partir desta segunda fase, a autogestão passa a serutilizada nas intervenções socioanalíticas como um dispositivo analisa-dor, como um "contraprojeto" organizacional e pedagógico. Bem diferente

24 Lapa-ssade, G, AutogcsdónPedagógica. Barcelona, Gedisa, 1977, p. lO.

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da técnica autogestionária que visa atuar somente sobre a organizaçãoou estabelecimento e não sobre as instituições que a atravessam e nelase atualizam. Supera-se a visão tecnicista da auto gestão e a visão idealistada não-diretividade. Sobre esta, asseguram os in,titucionalistas franceses- diferentemente do que pensavam - que não modifica as relaçõesinstituidas, já que tende a psicologizar a questão institucional das relaçõesque, em realídade, estão fundadas no modo de produção capitaJisticoe nos processos de subjetivação dominantes.

A análise institucional, por meio de situações de intervenção e desuas estreita, ligações com os mais diferentes movimentos sociais, pro-duz, paulatinamente, suas ferramentas de trabalho. Assim, nesta fase,aparecem algumas noções chave do pensamento institucionalista, comoanalisadores (históricos, espontáneos e construídos), análise das impli-cações e transversalidade, dentre outros.

Na primeira fase de sua história - o período da psicossociologiainstitucional. anterior a 1%8 ~ os institucionalistas franceses utilizam nasintervenções socioanaliticas ainda uma visão positivista/tecnicista. Tantoque a maioria eram experiências de autogestão, adotando o modelo daPsicoterapia e da Pedagogia Institucionais. Servem, em últIma instáncia,de suporte para a superação dos métodos grupalistas, então utilizadosem direção à análise institucional.

Já na segunda fase de sua história - no pós-68 - as intervençõesvão sendo realizadas com o apoio de uma série de dispositivos, objeti-vando atualizar, fundamentalmente, a luta e o conflito dentro dos grupose organiza,ões.

É deste segundo momento ~ por força das freqüentes intervençõessocioanalíticas realizadas - que o grupo de Lourau e Lapassade enfatizaa importância do analL,ador D (dinheiro). É no transcurso de uma desuas intervenções, em Marly-Le-Roy''' que a autogestão do pagamentodos anali,tas emerge como analL,ador D. Lapassade e outros institu-cionalistas declaram terem sofrido, em interveq.ções anteriores, asconseqüências do uso espontanei,ta e não elaborado do analL,ador D.Estas críticas referem-se à naturalização do dinheiro no enquadre freudo-lacaniano; naturalização não observada pelos institucionali.'il.a...'ifranceses

2'; Esta intervenção, assim como:J. importância do analisador D estão descritos in Lapassade, (T. "EIEncuentro Institucional". In: Op. ciL, pp_ 221 a 241.

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em suas intervenções precedentes. Coerentemente, então, o pagamentoe sua gestão passam a ser discutidos no interior de cada intervenção,desnaturalizando a relação de troca capitalística e seus lugares fixos: "eucobro", "você paga"; isto implica a análise no grupo-cliente e no staffanalitico.

3 - A ANÁliSE INSTITIJCIONAL SE INSTITIJCIONAUZA

Diferentemente da fase anterior, este terceiro momento na históriado movimento institucionali~ta francês associa-se ao 'que a década de 70apresenta na França e em todo o mundo: o desinteresse generalizadopeJas diferentes formas de partidpação e questionamento sociais. SegundoLapassade a fase vivida é a da institucionalização.

Sobre este perigo, também Lourau tece alguns comentários aoasseverar que, encerrada a etapa sob o signo do pós-68, quando o Estadoaprende a se fortalecer graças às debilidades das lutas antiinstitucionais,a análise institucional não poderá deixar de se institucionalizar, commaior ou menor rapidez. Concomitantemente, constatar-se-á uma re-gressão nos espaços que, no período anterior, solicitavam intervenções:escolas, setores da Igreja e de trabalhadores socíais; tal fenômenoefetivamente começa a ocorrer na segunda metade dos anos 70.

Não é por acaso que datam desta terceira fase os escritos queinvestigam a história do movimento institucionalista francês. Mostra-senecessárío buscar as gêneses sociais, históricas e teóricas da análiseinstitucional.

Neste período, Lapassade e seu grupo fazem a revisão dos trêsníveis: grupo, organização e instituiçã026 Isto acarretará efeitos impor-tantes em suas intervenções.

Colocada em prática nas intervenções do período anterior, a revisãodesses três níveis só será explicitada teoricamente a partir de 1972.Comoponto nevrálgico, deparamo-nos com a ferramenta instituição, que,gradativamente, vai sendo depurada das influências funcíonalistas e

2h Sobre a análise feita por lapassade em sua obra Gropos. Organizações e instituições, dentroda primeira fase da história dos institucionalistas franceses e, posteriormente, a revisão feita nessestrês níveis, chegando-se a uma nova ferramenta de instituiçào, consultar C..oimbra. CM.B. OsCanúnhos de Lapassade e da.An:álise Instltucional: Uma Empresa Possivel? Op. cito

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positivistas, tão presentes na primeira fase (de 1963 a 1968). Pautadoneste novo instrumento, Lapassade questiona a possibilidade de que,nos níveis do grupo e da organização, possam efetivamente ocorrer astransformações tão almejadas.

Tais revisões trazem importantes efeitos e os in..<;titucionalistasfranceses advertem para o termo "crisanálise", um tipo de intervençãoque geraria a possibilidade de se instituirem crises na organização-clien-te, para que alguns de seus setores possam apropriar-se da análise ecomeçar a praticá-la. Definem esta intervenção como sendo de curtaduração, ao contrário da dos psicossociólogos institucionais. O "encon-tro institucional" se proporia a instalar tal situação de crise.

Esta proposta de um outro tipo de intervenção prende-se à criticadas supostas mudanças progressivas e de larga duração que ocorreriamnos grupos e nas organizações segundo suas propostas anteriores. Porsua vez, a "crisanálise" ou o "encontro institucional" favoreceria a mani-festação ou o aparecimento da dimensão institucional oculta ou mesmoobscurecida pelos procedimentos prévios. Esta dimensão pode agoraser trazida à luz justamente através dos instituintes que, pelo encontro,emergem e se consolidam.

Lapassade justifica esta proposta, alirmando que:

(. ..); em um ponto-limite, a intervenção institucionalista e umaempresa imposslvel: contrariamente aos trabalhos dos psicos-

sociólogos intervencionistas e conselheiros em organização, seuobjeto não é uma terapia social, um melhoramento, mas, ao con-trário, uma subversao do instituído. Quem pode pedi-la? ( ..). Os

psicossociólogos, ao contrário, têm a ideologia da ajuda, da1acüi/açào da mudança ':'o que a meu ver impede de se ir à raizinstitucional do jato organizativo e relaciona/"l"i (grifo do autor).

Uma outra proposta de Lapassade e alguns outros institucionalistasfranceses, a partir de 1973, é a utilização das técnicas ligadas ao Movi-mento do Potencial Humano nas intervenções socioanaliticas,nào obstanteas interpelações que fazem posteriormente28•

A partir da intervenção em Mar1y-Le-Roy(973), a análise insti-tucional mostra que, até então, tinha esquecido uma instituição sempre

27 Idem, pp. 205 e 206.28 Sobre o assunto consultar; Lapassade, G. ~ElEncuentro Institucional". In: Op. cit.; Lapassade, G.

Socioanálisls Y Potencial Humano. Op. cit. e Lapassade, G. LaBio--eoergla. Op. cito

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presente no cotidiano de todos: o corpo, ou seja, a instituição sexuali-dade. Lapassade propõe que se faça a análise institucional da instituição"potencialista" e a utilização de sua" témicas numa perspectiva insti-tucionallita.

Dois anos depois, ao escrever Socioanálisis y PotencialHwna.no, Lapassade realiza esta anállie institucional do Movimento doPotencial Humano. Embora ainda defenda a utilização dessas técnicasnas intervenções socioanalíticas, apresenta algumas críticas não somen-te à pseudodespolitização do movimento, mas a uma série de "entraves"técnicos. Muitas dessas críticas relacionam-se às feilas por M. Pages aomovimento califomiano de grupos, conforme já se enunciou no Capítuloanterior

Ao concluir estc último momcnto, pós-73, não poderia deixar deassinalar algumas das principaL~ tendências da análL~cinstitucional fran-cesa que desde 1972 começam a se esboçar. Dentre as principais estão:o CERFI, de influência mais psicanalítica; o GAI (Grupo de AnállieInstitucional) de Paris, com posições maL~ intervencionistas e socio-analiticas; o GAI de Reims, com tendência mais militante e anti-socio-analítica. TaL~diferenciações alertam para o fato de que a análL,e insti-tucional, surgida de diferentes movimentos - políticos. sociaL~. etc. -,não se constitui num bloco monolítico, detentor da verdade e habituadoao expurgo daqueles que não "rezam pela mesma cartilha".

Há, hoje em dia, alguns setores do movimento institucionalistaque sofrem grande influência de I':ietzsche, Spinoza, Deleuze e Guattari,dentre outros, pois começam a se interessar

",. pela questào do Desfjo, da intervenção deforças inconscientesem todas as atividades humanas, (, _,J. Onde quer que a subje-tividade tenha partidpação, o institucionalismo esta preocupadoem deSlJe11dá~la. "lf!

Saliento que me foi e'X1.remamentedilicil tentar sistematizar - mesmoque precariamente - alguns eamínhos percorridos pelo movimentoinstitucjonalL~ta francês. Isso devido à escassez de material que nos temchegado ao Brasil sobre a análise institucional e também às informaçõesdescontínuas c incolnpletas sobre o referido movin1ento. Além de tcrdados dispersos, os maL~recentes datam de 1978, ou seja, de mais de I';

]f) Baremblit, 1..;."Apresentação do Movimento lnstlweionalista". [o: ()P. dt., p. 114.

334

anos atrás, o que me permite aventar a hipótese de que muitos aspectosaqui presentes podem ter mudado e/ou algumas ferramentas terem sidotransformadas pela realidade.

Reconheça-se - e este é um dos principias em que se baseLa aanálise institucional- que há uma constante articulação entre pensamento,prática e intervenções concretas. Ou seja, a anállie institucional tem tidocomo referêncLa os movimentos socLais; daí a célebre expressão"transformar para conhecer" ao invés de conhecer para transfonnar.

"Neste sentido, diriamos que os "conceitos" da Análise Institu-cional são 'ferramentas" de desarlicuJação das práticas e dis-cursos instituídos como científicos. Ferramentas prlncipairi des-ta desarliculação, tomadas de empréstimo daqui e dali ... ,,?f)

EvidencLa-se a própria descontinuidade e complexidade de algu-mas ferramentas utilizadas por esse movimento e, por extensão, dospróprios caminhos por ele percorridos.

m- O MOVIMENTO INsrrruaONAIJSTA NO

EIXO RIo-SAo PAULO

A partir da segunda metade dos anos 70, principalmente em solocarioca, expandem-se os principais conceitos da psicologia institucionalde J. Bleger e os grupos operativos de Piehon-Riviere que não podemser confundidos com a análise institucional francesa. É somente na décadaseguinte que esta "eaixa de ferramentas" começa a ser utilizada pelos"psi" paulistas e cariocas.

Acredito ser importante uma rápida e sucinta distinção entrepsicologia institucional e análise institucional, pois ainda hoje no meio"psi" há quem faça confusão, acreditando tratar-se do mesmo movi-mento. A psicologLa institucional "organizada" pelo argentino J. Elegertem como um dos seus alicerces os níveis de prevenção formulados porG. Caplan3'. E, conforme já foi salientado, além de uma atuaçãoemínentemente grupal, baseada nos "grupos operativos" de Pichon-Riviere, este movimento institucional valoriza sobremaneira o papel do

30 Rodrigues, H.C. e Barros, R.D.B. Op. cit., p.OZ.31 Caplao., G. Princípios de Psiquiatria Preventiva. Buenos Aires, Paidós, 1966.

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psicólogo. Vai postular que a atuação mais "nobre" e reahnente "pro-gressista" é a institucional-comunitária, cuja implantação competitia aospsicólogos que "saindo de seus consultórios, deveriam se transformarem agentes de mudança social".

Em realidade, este corpo teórico pode ser caracterizado comouma psicossociologia institucional, marcada ainda pela orientaçãofuncionalista da Psicologia das Organizações, na qual se sobressaemrelevantes aspectos: está presente um profundo "reformismoinstitucional"; o profL'Sional "psi" é um "técnico das relações interpes-soais"; as orgartizações ou estabelecimentos são percebidos como "coisasem sr', abstratos e a-históricos e a instituição é concebida como "grupode grupOS"32..

A psicologia institucional de ).Bleger, trazida pela primeira gera-ção de argentinos vinculados à APA, passa a ser muito utili2ada por umaparcela dos psicólogos cariocas nos anos 70.

A segunda geração de argentinos que desembarca exilada, após 1976,no eixo Rio-São Paulo, acolhendo as influências de Bleger e de Pichon eurna série de implicações politicas, será a responsável pela difusão dosprincipias da análise institucional francesa nesses dois espaços geográficos.

Entretanto, desde o inicio dos anos 70 há alguns trabalhos eintervenções isolados e pontuais feitos por dois psicanalistas: o cariocaChaim Samuel Katz e o mineiro Célio Garcia. Desde 1971, interessadospelos trabalhos de G. Lapassade e R. Lourau, acompanham alguns deseus escritos e intervenções. Em 1972 - de julho a dezembro - Lapassadevem ao Brasil, quando estes dois "psi", o professor de ComunicaçãoMarco Aurélio Luz'" e uma "pequena parcela da juventude universitárialigada às áreas humanas e sociais" interessam-se pelas palestras eparticipam de algumas intervenções feitas por csse institucionalista francês.O resultado dessa visita encontra-se em um número especial da Revistade Cultura Vozes, publicada em 1973, versando exclusivamente sobre

32 Sobre esses aspectos da Psicologia Institucional e as críticas a eles feitas, ver nota rf' 174 no capítulon. Ainda sobre o assunto, ver traballio de Barros, R.D.S. "Sobre Análisis Institucional o Desde queLugar Hablamos Cuando se Interviene en lnstituciones". [o: Boletin dei Centro Internacionalde Investigaciones eu Psicologia Social Y GnIpal. Rio de Janeiro, vot. 10, julho/1987, 16-22.

33 Marco Aurélio Luz,iunto com Lapassade, escreve na época o livro O Segredo da Macumba. Riode Janeiro, Paz e Terra, 1973. Este institucionaUsta francês se interessa pelo candomblé, umbanda,e por uma série de aspeetosligados a estes rituais e, posteriormente, publica sobre o assunto o livroLesChevauxdu Diable. Paris,j.P. Delarge, 1974. •

336

Ii

• ,

- I

"Análise Institucional: teoria e prática"".

'7'anto (a) apresentação, como os demai~ tex1o.\"que comp6em onúmero sdo assinados coletilJamente As rejlexoes relatiVas a estaestratégia, ainda na apresentação, são instigantes, embora cheia.çde ambigüidade" 3'>.

Asambigüidades c confusões presentes nos artigos que compõemesse número da Revista de Cultura Vozes - bastante compreensíveispor estarmos no início dos anos 70 no Brasil - prendem-se à misturaque é feita dos diferentes momentos da análise institucional. Algunstrecbos revestem-se ele noções tipicas da primeira fase da história domovimento institucionalista francês, a ela psicossociologia institucionale suas vertentes advindas da Psicoterapi:l e Pedagogia Institucionais. Emoutros, há a utilizaç'ão de algU111aSferramentas-chave da análise ins-titucional, enlbora de forma ba..'itante confusa, como anali'5ac!of, tran..'5-versalidade, etc.

Ainda nos anos 70, além da mencionada Revista de Cultura Vo-zes, Hcliana C. Rodrigues assinala que, com relação ao movimento edi-torial brasileiro que versa sobre temas institucionalLstas. podem serdestacadas as seguintes publica,ôes:

"Chaves da Sociologia, de R.Lourau e (J Lapassade. pelaCiv';lização Brasileira, em 1972 (on"Rinal de 197]); O .Segredoda Macumba, de G. lApassade e Marco Aurelio luz, pela Paz eTerra, ainda em /972; A Andlise ln..vtittlCÜ'm.al, de R. !nurau,pela Vozes, em 1975 (tradução de trabalho originalmente pu-blicado em 1970),'Grupos, Organizações e Instituições, pelaF Alves, em /977 (traduçào da .lI!- edição francesa, de /974. deuma publícação original de 1(66). dentro da série "Educação emQuestão" (quejá publicara Bourdieu e E. Reimer e. puhlicará. nomesmo ano, M, Lohrot) Referênciaç à produçãO dos socioana-listas serão tambetn encontradaç nos artigos que compõem acoletânea Metdforas da Desordem, de I A. Guilhon deAlbuqt«'Tque, IJUhlicada pela Paz e Terra em 1978"'6 (grifos da

autora).

34 Nesta Revista, além de uma série de artigos sobre o tema, há algumas intervt:'nçàes realizadas porLapassade junto com Chaim S. Kat7. e Célio Garcia, como a realizada em agosto de ]972 na Escolade Comunicação da UFMG. In: Revista de Cultura Vozes. Rio de Jandro, Voze.\ Ano 67, volumeLXVIl, maio/]973, n" 4.

3S Roddgu". H.C. M "Novas Análhes". op. dt., p. 4S.36 Idem, p. 47.

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Há também algumas coletineas organizadas por C. H. Escobarque contêm artigos que se referem de alguma forma ã produção ins-titucionalista, como os dois números da Revista Tempo Brasileiro (nº36/37 de janeiro-junho de 1974, "A IlL'tória e os Di,cursos". e o nº 35de outubro-dezembro de 1973, "As Instituições e o Poder") e o livroPslcanáJjse e Ciência da História, publicado pela Eldorado, em 1974.

Entretanto, todas essas publicações e algumas intervençõesponruais realizadas por C. S. Katz e C. Garcia não intluenciam o movi-mento "psi" carioca e paulista. Em realidade, é a segunda geração deargentinos que - pelo prõprio momento hL'tórico, tanto no Rio de janei-ro quanto em São Paulo, a partir dos anos 80 - começa a divulgar commais intensidade as idéias e ferramentas instirucionalistas aliadas a outrasvertentes como a foucauldiana e a nietzschiana, representantada estaúltima principalmente por Deleuze e Guattari.

Esta geração de argentinos aliada a grupos "psi" brasileiros - que,COIno já assinalei, não pode ser vi.'"tacomo lima "Escola" ou como um

grupo monolítico - traz

. conceüos que abrangem desde uma análise marxisla dasrelaçÕes de poder â análise foucauldiana dos mfcropoderes, doinconsciente restritivo freudiano psi<:analítico a uma teoria doinconsciente produti1XJde Deleuze e Guattari; castração. repres-são, "p/u..'i"de repressdo, produção de subjetividade, etc. -'3-~.

Temas que vão sendo cotidianamente revisados e ampliados notranscurso de diferentes cursos, intervenções, grupos de estudo, etc. eque buscam produzir, na segunda metade dos anos 80, tanto em solocarioca quanto paulista, uma proposta singular de trabalho em análiseinstitucional. E, quem sabe, uma "... tentativa de contribuir para a cons-tituição de uma corrente brasileira de análise institucional"''.

1- NO RIO DEJANElRO

É com a fundação do mRAPSI, em 1978, e mais notadamente doseu Departamento de Análise Institucional criado em 1982, que, em

37 Kamk1ugi, V.R. ~Pref:ício". In: Saidón, O. (Org.). AnáHse lnstltucionalno B:ra<>D.Rio deJaneiro,

Espaço e Tempo, 1987, 07-{f), p_ 08.

J8 Idem, p. 09.

338

solo carioca, as ferramentas do movimento instirucionaii'ta francêsagregadas, principalmente. a leituras foucauldianas, deleuzianas eguattarianas, dentre outras, começam a se expandir para uma pequenaparcela de profL,sionaL, '·psi". Embora este Departamento do lBRAPSI,desde seu inicio, tenha aberto formação de socioanalistas a quaisquerprofissionais, é sobretudo na categoria "psi" que tal prática vai seconsubstanciando. Portanto, diferentemente da França e da Europa emgeral - onde os institucionalistas em sua maioria não são profIssionais'psi", mas pedagogos, assistentes sociais, etc. -, no Brasil a análi,einstitucional liga-se quase que exclusivamente ao territõrio "psi". São,principalmente, psicõlogos e psicanalistas que aderem a esta 'nova"forma de se pensar as práticas sociais, as instituições e os dispositivosque atravessam e se atualizam nos diferentes estabelecimentos e orga-nizações, as implicações de cada um investido' do papel de especialista;e, enfim, como suas práticas produzem e fortalecem demandas esubjetividades.

Efetivamente, é do lBRAPSI que saem muitos profissionais "psi"que, individualmente ou em pequenos l;;rupos, espalham - ainda quetirrúdamente - no Rio de janeiro as principais ferramentas do movimentoinstitucionalista francês. Até mesmo algumas pessoas que diretamentenão se vinculam ao lBRAPSI sofrem os efeitos desta abordagem.

Os "rachas" ocorridos em 1983 naquele estabelecimento pro-piciam a formação de dois outros que, a partir de 1984, organizam-seautogestionariamente para pensar uma formação não tão instituída: oNúc1eo-psicanálise e Análise Institucional e o Centro de EstudosSocioPsicana1íticos (CESOP) que, até a primeira metade dos anos 90,funcionam agregando, principalmente, profissionais "psi" através decursos, formação, grupos de estudo e intervenções as mais variadas emestabelecimentos públicos e privados. Ao lado deles há outros "psi" que,isoladamente ou em pequenos grupos, realizam também grupos de esrudoe intervenções socioanalíticas diversas.

Em 1987, pessoas ligadas ao Núcleo e ao Centro de Investigaçãoem Psicologia Social e Grupal (CIR), representado no Rio de janeiro, emespecial, pelos argentinos Oswaldo Saidõn e Vida Kamkhagi (ex-IBRAPSI),lançam uma colel:inea de artigos sobre diferentes intervenções em favela,hospício, escola e FUNABEM,sob o título "Análise Institucional no Brasil".Sobre esses diferentes trabalhos, Saidõn assinala que há uma marca que

339

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distingue esses textos:

" ., a existência de uma 1JOntade de grupos. ou melbor. l'ontadegrupal, de perseverança popular em trabalhos de solidariedade. are:sísJênciade cenas agenciamentos no campo popular, apesar dadevastação causada na sodedade ciuilpelas diJaduras eseu modelode capitalismo se1t)agem"39

Aponta, ainda, cotno se dão as mistura.s dos conceitos institucio-nalistas argentinos e franceses COU1 os foucauldianos, deleuzianos eguattarianos ao mostrar que:

as referências à escola de Análiçe lnstüucional e à orientaçãolatino-arnericana degmpos epsicologia sacia/se mesclam, a pontode ser difícil reconhecê-las com as urgência.,>e as necessidades quecoloca o campo polítu:o-social-culturaJ onde as práticasse realizam(.,_J Sempre nos interessaram a Psicologia Social, seus grupos e

instUuições como obra aberta. Por is.so.nos mOIJemos deliherada-mente em direção a um território, onde as definições, quandousadas, são somente estrategias de pa.ssagem de um sentído.Interpretaçào, clínica, tarefa. horizontalídade, processo,epistemologia convergente são idéias que nos pn..pararam o terrenopara outras palm.1t'as mais imprecisa." e, por íçso mesmo, signosque nos obrigam ã iml(?Stigaçao Aqui, algumas palaum.~~'inter-venção, pragmdtica, esquizoanálise, produção, transversalidade,delJir. transdisciplinaridademl().

lIma grande figura que, nos anos 80 e 90, com seus grupos deestudo em filosofia, muito tem ajudado todos esses profissionais "psi" aaprofundar seus conhecin1entos nesses diferentes enfoques é CláudioClpiano41, que atinge t:lmbém a Paulicéia e Belo Horizonte.

Diferentemente de São Paulo - onde os profissionais ligados ãanálise institucional vinculan1-se lnai."ao setor de saúde mental -, emsolo carioca ligam-se ã instituição pedagógica. Aqui, é a partir deste

território que

".. os psicólogos que trabalham na área, seja a partir do papel desupervisores em uniwrsidades, seja de técniCOS em profetos

y} Saidón, O. (Org.). "Introdução". In: Op. dt., 11-16, p. 12.

40 Idem, pp. L2 e 13.41 Filósofo, professor na Lnivetsidade do Estado do Rio deJaneiro (uERj) e na LTniversichde Federal

Fluminense (UFF), que, em sua..sdezenas de grupos de estudo ao longo <.k~quase duas décadas,tem difundido as idéias de Nletzsche, Spinoza, Foucault, Deleuze e (~uattari, dentre outros, dentro

de uma visão esquizoanalitica.

340

]l\~

l'i.f!IIjt:~:.~

educacionais, rnunic~pais ou comunitários, encontram um espa-ço mais frrtil e rico para ampliar seus conhecimentos, politizarseus trabalhos, produzir novos acontecimentos, "investigartrabalhando ",-42

2 - NA PAULICÉIA

Como no Rio de Janeiro nos anos 80, t:lmbém em São Paulo sãoos argentinos da segunda geração aliados a alguns "psi" que espalhamas principaL. ferramentas institucionalist:ls .

Com menos força que em solo carioca - poL. lá não há umest:lbelecimento "forte"como o IBRAPSI-, a análise institucional tambématrai alguns profIssionais "psi".

É com o NEPP (Núcleo de Estudos de Psicologia e Psicanálise) -designação que, a partir de 1977, substitui a expressão Núcleo de Estudosde Psicologia e Psiquiatria, empregada por ocasião de sua fundação umano antes - que começa a se fazer sentir a influência dos argentinosGregório Baremblit, Oswaldo Saidón, Antonio Lancetti, Isabel Marazina,Nelly Simmonelli e Sérgio Maída, dentre outros, e um início de leiturainstitucional.

Entret:lnto, será nos anos 80, com a organização de dois esta-belecimentos, A Casa e o CEPAI, que vai se iniciando uma formaçãosocioanalítica em São Paulo. Est:ls formações para coordenadores d"grupo ligam-se desde logo a uma clientela mais volt:lda para a saúdemental. Tanto que as supervisões institucionais e as várias intervençõesfeitas por esses dois estabelecin1entos estão relacionadas com setorespúblicos estaduais e/ou municipaL, da área da saúde.

Em 1987, por exemplo, Antonio Lancetti, Isabel Marazina, SérgioMaida e alguns "psi" paulistas iniciam no Sedes Sapientiae um cursodestinado a trabalhadores em saúde ment:ll dentro de um enfoqueinstitucionalist:l. AfirmaA. Lancetti que

'Wessa época vivíamos uma multiplicidade de experiências nocampo da saúde pública: diversa<;tentatívas de modernizar os

tratamentos, ampliava-se a rede de ambulatórios de saúde men-tal, criavam-se hospUai.<;-dia,pretendia-se humanizar alguns

42 Kamkhagi, V.R. Op. cit., p. 08.

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hospitais psiquiátricos, integrar ações, descronificar pacientes efuncionários (. ..) enfim, investia-se para transformar a linhadominantemente hospitalocêntrica. Nos anos de 1985 e 1986, omovimento de trabalhadores em saúde mental man~festou im-porlante crescimento e singular intensidade. Eu e outros quatrocompanheiros abandonamos outras expen·ências formativas,aceitamos o convite de Mauro Hegenberg - na época diretor doSedes Sapientiae e membro do Plenário de Trabalhadores emSaúde Mental - e iniciamos a viagem. Três analistas institucio-nais: Isabel Marazina, Sérgio Maída e eu, dois psicodrarnatis-tas: Antonio Carlos Cesarino e Pedro Mascarenhas, compuse-mos a equipe que durante dois anos coordenou a experiênciacom muito afinco, vontade de transmitir e disposiçâo paraaprender.. ,,43

Além deste curso no Sedes, várias formações privadas atravésdas chamadas supervisões institucionais são realizadas em solo paulista,principalmente para "psi" ligados à área da saúde mental.

Nestes anos 80, um espaço que se torna conhecido, não somentepara lançamentos de livros, como também para debates e palestrastambém relativos à linha institucionalista é a Livraria Pulsional, fundadapelo sociólogo e psicanalista Manuel Berlinck. Ali, dentre outros, sãolançados Saúde e Loucura 1 (em 1989) e Saúde e Loucura 2 (em1990), ambos sob a coordenação de Antonio Lancetti e com o apoio deDavid Capistrano Filho, Secretário Municipal de Saúde de Santos.Naquela cidade, vem se realizando, desde 1989,uma belíssima cxperiênciadentro do enfoque institucionalista e antimanicomial na Casa de SaúdeAnchieta, através da Prefeitura Municipal, contando com o trabalho deLancetli e do psicodramatista Mascarenhas, dentre outros.

Além da figura de Cláudio Ulpiano - que com seus grupos deestudo de filosofIa tem também ajudado estes profIssionais "psi" aaprofundar seus conhecimentos institucionalistas - há Sueli Rolnik, atradutora dos trabalhos de F. Guattari no Brasil. Além da difusão dasidéias de Deleuze e Guattari - através de suas traduções e/ou coor-denações - esta psicanalista tem realizado vários grupos de estudo so-bre o assunto e difundido para muitos as principais ferramentasdeleuzianas e guattarianas em seus cursos de pós-graduação na PUe.

Assim, sem pretender um maior aprofundamento na história das

43 Lancetti, A. "Apresentação". In; Saúde e Loucura 1. Op. ci1., 01-02, p. 01.

342

práticas institucionalistas de origem francesa no eixo Rio-São Paulo - oque fugiria ao tema deste trabalho - apontei simplesmente, de formapanorâmica, algum pontos que nos perntitem pensar algumas pequenastransformações que vêm se produzindo ao longo da segunda metade dadécada de 80 nas práticas "psi" nesses dois espaços geográficos.

IV - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Até por estar fortemente implicada com as práticas instituciona-listas de origem francesa (é esta uma das vertentes que este trabalhopercorre) - e em meu cotidiano elas se constituírem em uma das "fer-ramentas" que utilizo -, gostaria de tecer alguns breves comentários

sobre tais práticas.Com base em todas as contribuições da análise institucional para

o desocultarnento e a desnaturalização dos diferentes equipamentos einstituições sociais que nos atravessam e de todo o instrumentalfornecido pelos dispositivos criados por essa análise das instituições,entendo que Lapassade e o grupo institucionalista francês apontampara uma apreensão da análise institucional como instituição - o quemostrei, anteriormente, no terceiro momento da história do movimento

na FrançaExplicitando melhor: a análise institucional pode também se cons-

tituir em ocultamento, naturalização e repressão, como qualquer outrainstituição, à medida em que ela nisso se transforme. Ao afirmar que ossabere~ são produções de controle através do ··racional", e que todosaber é uma instituição, os institucionalistas apontam, também, para

" a Colônia Penitenciária de Kajka, (onde) nenhuma teoriapode funcionar sem ruído, sem golpes, sem fracassos r.,.). AAndlise Institucional, (portanto), deve ser o estrangeironesta Colônia, se ndo quiser cair sob sua própria mâquina "44

{grifos meus).

Desta forma, quando se institucionalizatTI,tomam-se extrematnentefechados, autoritários, hierirquicos, com suas "verdades", e se situam à

44 Authier, M. "Criticas de la Teona lnstirucionalista" In: El Análisi<; Institucional. Op. ciL, 'i2- ';6, p.

')3.

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margem do que a realidade social lhes está dizendo. Ao ignoraI atransversalidade, estão decididamente mortos, institucionalizados.

A articulação que os analistas institucionais buscam fazer, então,entre movimentos sociais, saberes/práticas e intervenções concretasadvém da necessidade de se criarem incessantemente novas formaspara não se cair nas malhas do instituido, nas tentações dos micro-poderes e das subjetividades dominantes. Este tem sido o grande desafioenfrentado pela análise institucional, ao se implicar com os movimentossociais concretos, ao aprender com eles, ao tentar negar os modelos deatuação definidos e, portanto, estáticos.

Este tem sido o grande desaflo que se coloca para todos nósenvolvidos com o movimento institucíonalista: não utilizar a análL~einstitucional como uma instituição, como umsaber fechado, acabado e,portanto, p'ortador de verdades dogmáticas e universais.

Um outro aspecto a levantar é a questão do especiali~mo, quedentro do enfoque institucionalista é constante e cotidianamente apon-tado, questionado e desnaturalizado. Entretanto, surpreende-nos quemuitos profissionais, ao utilizarem estas ferramentas de trabalho, seautodenominem "socioanalistas", "institucionali,tas" ou mesmo "esqui-zoanalistas" ou "cartógrafos". São rótulos especializados que, com suaspráticas, em realidade, instituem outros especíalismos, outros lugares desaber, outras onipotências e, portanto, outras inclusões/exclusões. Perde-se o potencial subversivo do movimento institucionalista, que postula adesnaturalização cotidiana da instituição especialismo; reproduz-se ereforça-se a divisão social do trabalho no mundo capitalistico, que tantose critica nos discursos. Sabemos que somos psicólogos, psicanalistas,pesquisadores ou qualquer outro "perito"; sabemos que esta marca estáimpressa em nossa formação social e acadêmica e em nossas práticas.Sabemos, portanto, que nos percebem e esperam de nós a postura, afala e a prática, em suma, de um especialista. E por que continuamos afortalecê-Ia em nossas intervenções - e a "simples" apresentação de umprofi~sional não é tão simples assim; é uma intervenção concreta -, anos autonomearrnos e pennitir que nos nomeiem de especialista emalguma coisa? Por que não quebramos, rompemos com estes lugaressagrados?

É como afirma Guattari:

344

" essaspalavras foram tão gastas, tão desperdiçadas (,.,). Fui eumesmo quem, por descuido, lançou o termo "análise ínstitucionai",assim como "analisador': "transversalidade': etc., que tornaram-se ofilémignon de muílos professores universitários, psiquiatras epsicossociólogos Eles recuperaram tudo isso rapidamente,traduzindo-o em termos de interoençao psicossocio/ógica: hdgrupos de AndIise Institucional que se fazem contratarpelns grandes empresas para realizar algo equivalente aItnUl japoneização da classe operdrla AJ:5im, isso acabouremetendo a doutrinas de intervenção, a especialistas, acorpos instituciotUlis especializados ,,45 (grifos meus).

Em realidade, em muitos momentos, estamos trabalhando siste-maticamente na consolidação e na produção de subjetividades capita-listicas, apesar de nossos discursos contrários. Daí a eficácia e o poderda prática dos especiali,tas em nossa sociedade.

Sabe-se, usualmente, que

. o intelectual tctn uma tripla especificidade: a espec~fictdadede sua posição de classe (pequeno burguês a serviço do capitalismoou inte!ectual"orgânico" do proletariado); a especiflôdade de suascondições de vida e de trabalho, ligadas a sua condição deintelectual (1;eudomínio de pesquisa, seu lugar no laboratório, asexigências políticas a que se submete, ou contra as quais se revolta,na universidade, no bospüal, etc.);finalmente, a especijicilÚldede verdade nas sociedades contemporâneas. Ê então que suaposição pode adquirir uma significação geral, que ,çeu combatelocal ou especifico acarreta efeitos, tem implicações que não sãosomente profis ...'iionais ou setoriais, FJeft'nciOlUl ou luta ao nivelgeral deste regime de verdade, que ri tão essencial para asestruturas e para o funcionamento de nossa sociedade.lld umcombate "pela verdade" 011. ao menos, "em torno da ver·dade" ( .. ,J. 11preciso pensar osproblemas politicos dos intelectuaisnão em termos de "ciência/ideologia ",mas em termos de "verdade!poder". É então que a questão da profi-'\Sionalizaçâo do intelectual,da düJisào entre trabalho manual e intekctw:tl. pode ser novamentecolocada"40 (grifas meus).

Acredito que estes são pontos que merecem ser discutidos portodos nós, implicados com a desnaturalização das diferentes instituiçõesque nos alravessatn cotidianamente e que, subterraneamente, se alojam

-fi Guanari, r, e Rolnik, S. Micropolitica: Cartografia'i do Desejo. Op. cit., p. 228.46 f<)ucault, M. Microfisica do Poder. Op. cit., p. 13.

.04';

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dentro de nós.Um último aspecto a ser levantado prende-se ã questão de uma

produção mais recente: a de um discurso prolixo, fechado, incom-preensível para muítos "mortais" que não são "institucionalistas", "socio-analistas" ou "esquizoanalistas".Acentua-se uma tendência cada vez maiorentre alguns "psi" - que se utilizam do referencial institucionalista, dealgumas ferramentas de Deleuze, Guattari e mesmo de Foucault - parase iustituir um discurso e um vocabulário extremamente herméticos,somente decodificáveis pelos "iuiciados". Estaremos "macaqueando"Deleuze, Guattari, Foucault, da mesma forma que alguns lacanianos"macaqueiam" Lacan?

O próprio M. Foucault, no lJ11CIO dos anos 70, preocupava-secom este tema ao afrrmar que estava cansado de falar para meia dúziade "entendidos"''. Não estaremos fortalecendo a vL,ão do especialista -apontada acima - como aquele que tem seu próprio vocabulário, sóentendido por seus pares, por aqueles que lhe são próximos e idênticos?Será que o oposto - tentar ser iuteligível - é banalizar, vulgarizar nossasferramentas de trabalho? Penso que não, pois se pretendemos desna-turalizar as diferentes instituições sociaL" as primeiras que devemosdenunciar são aquelas iustituídas por nós próprios, por nossas práticas,por nossos saberes, pelos lugares ocupados por nós. Isto é, utilizarnossaspráticas, nossos saberes e os lugares que temos socialmente enquanto"especiali,tas" para colocá-los em análise a fim de, ao desnaturalizá-los,não produzirmos outros instituídos, mas historicizá-Ios e, quem sabe,transformá -los.

Não proponho, portanto, que saiamos do lugar de especialL'taou que iuventemos um outro; mas, ao contrário, que ao habitar esteterritório, consigamos utilizá-lo como máquiua de guerra, como iustru-mento de denúncia e questionamento do que ali "normalmente" e"naturalmente" é produzido, e que possamos forjar outras formas deocupar este espaço, dessacralizando-o cotidianamente.

Desafios terríveis que se nos colocam, mas fundamentais paraque a análL,e institucional não se tome uma iustituição que, como todasas demais, naturaliza, oculta, reprime.

47 Consultar a entrevista: "M. Foucault Condena o Hermetisrno do Intelectual e Faz Questão de SerClaro~. In:JB, 1973.

346

CAPíTULO VI

ALGUMAS CONCLUSÕES? É NECESSÁRIO?

"Esta é uma ttisão pessoal de uma grande dor coletiva. Falo para

reunir milhares de vozes que impeçam a fraude, o roubo, amistificação e a mentira sobre aquilo que foi a matéria de nossosdias e noites".

'Mas é, sobretudo) um pequeno fragmento da história que deveser contada. É apenas parte da história de uma dessas mulherese sua visão pessoal de uma vida coletiva (. . .). Tomara que sejasuficientemente controvertida para que outras 1JOzes acrescentemoutros fragmentos"

Lucy Garrldo2

É necessário concluir algo? Seriam algumas conclusões - mesmoque provisórias - uma forma de encerrar o assunto, de resolver aquestão?

Neste "fmal", muitas coisas me passam pela cabeça. Fragmentosde iuúmeras entrevistas, conversas que tive sobre este trabalho, a paixãoque senti ao escrever muitas de suas passagens; a solidão tão presenteno último ano de redação destes Capítulos.

1 Celiberti, L. e Garrido, L.Meu Quarto, MinhaCela. Porto Alegre, L& PM, 1989, p. 07.2 Idem, p. 06.

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Ao tentar agora uma conclusão, sou de imediato tomada peladúvida: é necessário concluir' Vejoque não se trata apenas de cansaço,como se o esforço tivesse sido em demasia; vejo também que não setrata apenas de me refazer do espanto, pois muitas vezes me surpreenditrL'te, alegre. Vejo que realmente há uma dificuidade que é precisopensar como questão.

Como afIrmam L. Celiberti e L. Garrido, antes de mais nada, oque aqui se produziu foram fragmentos de uma grande dor coletiva: ecomo concluir sobre a dor e sobre o coletivo, a não ser, talvez, "lançan-do mão da história como arma nos combates do presente'"

O que aqui se narrou foram fragmentos de histórias: do Brasil,de algumas décadas, de uma geração; histórias onde estiveram presen-tes categorias profIssionais englobadas todas como "psi", mas nem por'isto histórias mais ou menos rigorosas do que tantas outras leituras,tantas outras histórias.

Qual, então, o mérito possível desta narrativa' O que foi, aqui, omeu propósito?

Antes de maL, nada, era necessário documentar uma época, edocumentá-Ia de tal forma a trazer as vozes de seus protagonL,tas. Eranecessário que se pudesse falar desta dor, de muitos e muitos projetos.Não para lamentar o que se passou, o que se perdeu, o que não seconstruiu, embora isto também tenha acontecido. A exemplo deFoucault, a história que busquei foi a história do presente: quais agen-cianlcntos de pr~ticasJ discursos e instituições constituíram nossosprocessos de subjetivação - no caso aqui em questão, subjetividadescapitalísticas, produtoras e reprodutoras do que é hegemônico. Como,por exemplo, o "subversivo" e o "drogado" puderam ser apropriadoscomo "doentes mentais", "desajustados", "desadaptados", "deses-truturados" ou "carentes", aliando ã dor de seus desaparecimentos, desuas mortes - o que ocorreu com muitos deles - a desqualificação deseus projetos, de seus sonhos e lutas' E como os movimentos "psi" -não só eles, mas também eles - estiveram nisto implicados' O que seencontrava em questão?

Além de documentar este período, tive também o propósito defornecer elementos para o que chamei de desnaturalização de verdadesque nos aprisionam, à medida em que tais elementos nos servem como

348

ferramentas de luta contra as mais diversas formas de exploração, sujeiçãoe dominação,

Não pretendi aqui estabelecer verdades dogmáticas, embora creiaque estamos a todo momento produzindo verdades. Também nãopretendi cair num relativisnlO em que tudo se equivale, onde tudo é omesmo com pequenas diferenças,

Esta viagem, que se iniciou nos tumultuados, conflituados e ou-sados anos 60, continuou pelos dolorosos, tristes e anleaçadores anos70 para todos aqueles no interior dos quaL, - dentre tantas coisas - adignidade contra o terror e a resistência estiveram presentes. Entretanto,para outros, estes nlCS1110Sanos foram a década da euforia, da ascensão

social vertiginosa, do "ame-o ou deixe-o", do "milagre",da cumplicidadee da apatia,

Principiando com 3.') práticas psicanalíticas, tentei assinalar a que

modeios de subjetividade serviram e ainda servem as institui~'ôes"verdadeira" psicanálise e fonnação analítica, apesar das "reformas" feitasnos anos 80 após as chamadas "crises". Ambas, vinculada., à griJfe daiPA, são questionadas na década de 70 pelo movimento dos psicólogos,principalmente os cariocas. Entretanto, quando esses "psi" começam a

se autorizar psicanalista" nos estabelecimentos, nos maL,diferentes gruposque organizam, reproduzem as mesmas práticas que repudiam; instituem

de forma tão religiosa quanto os chamados "oficiais" certos modelos,certos dogmas, certos sacerdócios. Dentre os exemplos que vou mostrando

está o movimento iacaniano, assim como Unl3.série de outrosestabelecimentos "psi" no eixo Rio-São Paulo.

Já as práticas psicodramáticas e as lira das ao Movimento doPotencial Humano (rogerianas, gestaJtc,tase "n('()-reichianas"),que aindanos anos 70 pretenderam criticara hegemonia psicanalítica e desenvolver"outras" formas de se pensar e fizer psicoter:lpia, também, em muitoscasos, vão gradativamente sendo instituídas; tornanl-se, com algun1as

exceções, instituições modelares e di~ciplinadoras c(;)mo o "Santuáriode Vesta".

Viagem que chega aos 80 e 90 com o "cinismo consensual", coma naturalização do que é anti-ético, violento, corrupto, embora paramuitos permaneça a crença de que "o sonho é possivel", de que épossível no trabaUlo "psi" uma unplicaçào com os movimentos sociais

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que se espalham pelo mundo.

O que fica de todo este percurso, de todo este caminho'

Não ficammuitas verdades. Talvezpudesse dizer: ficam problemas,dúvidas e desafios, pois é muito importante tê-los e vivê-los, sem a"segurança" do que está pronto e acabado, instituido e naturalizado.Restammuitas histórias, muitos acontecimentos belos, apaixonantes, IJistese decepcionantes. Fica talvez uma única certeza: a minha implicaçãocom o meu tempo, com muitos sonhos, utopias e encontros, com algunsagenciamentos. Trago comigo também as dores, os desencontros, asseparações e as mortes.

Esta viagem não foi, propositalmente, um recordar melancólico,saudosista, piegas, mas uma tentativa de trazer esses tempos em sua.c;

mais diversas e diferentes diInensões, com todas as marcas, com toda a

paixão e a vida ali presentes.

Eis porque esta narrativa possui também o objetivo de pôr parafuncionar agenciamentos que tenham força, no sentido de expandiroutras formas de pensar uma genealogia de algumas práticas "psi" noBrasil. O que penso ser trabalho coletivo de todos os que atuam nocampo "psi" - e náo só nele - e que em seu cotidiano forjam outrdSpráticas. e faz parte desta sempre renovada luta contra as tendênciassedutoras ao acomodamento c ã naturalização, ãs facilidades e confortosdo que se estabelece, se institui e tenta permanecer.

Este trabalho é, portanto, - como afuma Lucy Garrido no iníciodeste Capitulo - apenas fragmentos de histórias, de acontecimentoscom os quais estive mais ou menos implicada. Com alguns de formaintensa, apaixonada e até irada ou mesmo decepcionada. Com outros,de forma mais distante, nem sempre os acompanhando, ainda que osobservasse ã distância.

São pedaços de uma trajetória, de uma geração - a minha - quenão estão absolutamente completos e que nunca estarão acabados.Daí não me atrever a uma conclusão que, pretensiosa e implicitamente,

procuraria "fechar" algo. Não me atrevo, portanto, a ser uma espéciede "consciência dos outros", como afirma Foucault - papel muitodesempenhado pelos intelectuais de esquerda que vêem reconhecidoo seu direito de falar enquanto donos da verdade e da justiça'.

3 Foucauit, M. MJcrofisica do Poder. Op. cit., p. 08.

350

tI

II

, '~

Todavia: nesses fraglllentos aqui narrados há. sem dúvida. uma

afnmação singular dos lugares por mim ocupados. Os lugares de psicóloga- que sem negar este especialismo. tenta colocá-lo em análise - e demilitante - que pretende uma outra produção desta prática.

Enfinl, esta narrativa pretende ser o que G. Deleuze e F.Guattariafjrmarn constituir o funcionamento de uma obra, pois

".. não se irá procurar nada a compreender num livro, masperguntarcmn o que ei.efunciotul, em conexão com o que elejaz ou não passar intensidades, dentro de quaL"multiplicidadesele se introduz e metamorfOseia as suas, "4 (grifas meus).

4 Deleuze. G. e Guattari, F. .Mille Plateaux:Capitalisme etSchlzopbrénie. Paris, '\'finuit,1980, p.

10.

351

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NErO, T. & GIL, G. "Marginália n". In lJ', (',Jllierto (',]1 Polygram, 1982-

RODRIX, Z, & TAVITO. "Casa no Campo". In LP, A Arte de Elis Regina. Phonogram,

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SFJXAS, R. "Ouro de Tolo". In LP, cito

TAPAJÓS, M, & PINHEIRO, P.c. "Pesadelo'. In lJ', MPB-4 - Cicatrizes. Phonogram,

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VANDRÉ, G. "Prá Não Dizer Que Não Falei de Flores". In CD: Convite .Para Ouvir

Geraldo v.mdré. RGE, 1988.

VELOSO, C. U Tropkália. Saturno, 1968.

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Fontana, 1971.

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369

Page 201: Cecília Coimbra - Guardiães da Ordem - Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre

ANExos

I - PSICANAIlSTAS ENTREVISTADOS

Adolpho Hoirisch - Alberto Goldin - Alduizio Moreira de Souza - Alejandro LuizViviani - Ana Lúcia Magalhães Barros - Ana rvlaria Segal - Antônio Celso Pires OsórioPereira - Antônio Lancetti - Beatriz Aguirre - Carlos AJberto da Silva Barreto - CarlosCésar Castellar - Carlos Guilhermo Bigliani - Carlos Roberto Aticó - Carmen FelicitasLent - Cecilia Montag Hirchzon - Chaim José Hamer - Chaim Samucl Katz - DavidRamos - Edgardo Musso - Edson Soares Lannes - Eduardo Alfonso Vida.l - EduardoLodzer - Eduardo Guimarães Mascarenhas da Silva - Elizabeth Cruz Miller - EustáquioPortella Nunes Filho - Fábio Antônio Herrmann - Fábio Penna Lacombe - Félix Gimenez- Galina Schneider - Geraldo do Prado Jucá - Gregório Franklin Baremblit - HelenaCelinia Besserman Vianna - Heliana de Barros ('.onde Rodrigues - Hórus Vital Brasil -lnaura Vaz Carneiro Leão - Isabel Victoria Marazina - Isaias Melsolm - lsidoro Americanodo Brasil - lvanise Fontes - Joana Helena da Cunha Ferraz - João Batista Ferreira -João Cortes de Barros - Joel Birrnan - Jorge de Figueiredo FOIbes - José Inácio Parente- José Nazar - Jurandir Freire Costa - Kátia Martins de Almeida - Léa Beatriz N. deBigliani - Undemberg Ribeiro Nunes Rocha - Luda Barbero Mardal de Fucs - LuizCésar de l\1iranda Ebraico - Luiz Fernando de Mello Campos - Luiz Miller de Paiva -Luiz Alberto Py de Mello e Silva - Luiz Carlos Nogueira - Luiz Roberto Salgado Candiota- Luiz Tenório Oliveira Lima - Luiz Werneck - Madre Cristina Sodré Dória - ManoelTosta Berlinck - Márcio Peter de Souza Leite - Maria Anita C. Ribeiro lima Silva - l'vL1.riaCristina Rios Magalliães - Maria da Paz Pereira Manhães - Marilza Tafarel Faerman -f-..1arialziraPerestrello Câmara - Maria Regina Domingues de Moraes - Mario Pablo Fucs- .Miriam Chnaidcrman - Nalunan Annony - Narciso José de Mello 'feixcira - Nilzal\tlatia Margareta. Ericson - Nelly Simonelli - :'-Jora BeatriZ Susmanscky de Miguelez -Oscar Angel CezaroUo - Oscar Miguelez - Paulo Sérgio Lima Silva - Potiguara Mendesda Silveira Júnior - Roberto Azevedo - Rosa Beatriz Pontes de JlvlirandaFerreira - SilviaLeonor Alonso Espósito - Sonia CUIVOde Azambuja - Stella Maria Gimenez Gordillo -Suzana Amalia Palácios - Szulim Maíowka - Virgínia Leone Bicudo - Yone C..aldasSilva- Wilson de Lyra CJlebabi

370

11 - OUTROS PROFISSIONAIS E

Ex-PREsos POLÍTIcos ENTREVISTADOS

Adriano Diogo - Arlete Lopes Diogo - Fernanda Coelho - Frandsca Abigail BarretoParanhos - Inês Etienne Romeu - Ivan Akselrud de Seixas - José Luiz Araújo Sabóia-Ivlarco Antônio de Oliveira Silva - Maria Dalva Leite de Castro de Bonet - Maria Lúciado Eirado da Silva - Raimundo José Barros Teixeira Mendes - Regina Maria ToscanoPereira

m - PSICODRAMATISTAS ENlREVISTADOS

Alexandre Ribeiro Bhering - Alfredo Correia Soeiro - Alfredo Naffah Netto - AmaryllisAlves Sduinger - Analúcia Linda Cossich - Antônio Carlos Cesarino - Antônio CarlosEva - Antônio Gonçalves dos Santos - Carlos Jose Rubini - Dalmiro Bustos - DirceFerreira da Cunha - Herialde Silva Fonseca - Içami Tiba - Ivam Gonçalves Campos -José de Souza Fonseca Filho - José Manuel D'Allesandro - Laércio de Almeida Lopes -Luiz Henrique Alves - Maria Alicia Romana - Maria Beatriz Canijo Silva e Weeks - MariaCortesi - Maria Helena Pinheiro I\azareth - Marilda Resende Camargo Fortes - MarisaNogueira Greeb - Miguel Perez ~a varro - Moysés Campos de Aguiar Netto - NeusaMaria Martins da Cunha - )\'ice Pereira Brandão - Pedro Henrique D'Ávila Mascarenhas~ Regina Foumeaut Monteiro ~ Ronald de Carvalho Filho - Ronaldo Pamplona Teixeiraclt Costa - Rosita Rodrigues Koschar - Vânia de Lara Crelier - Victor Roberto Ciacco daSilva Dias

IV - PROFISSIONAIS ENTREVISTADOS LIGADOS AO

MOVIMENTO DO POTENQAL HUMANO

Agripino Ail)erto Domingues - Ana Verônica Mautner - Antônio Carlos Fonseca -Antônio Carlos Marcílio Godoy - Alfredo Allemand - Carlos Eugênia Guimarães Marer- Carlos Ralph Lemos Viana - Carlos Rosário Briganti - Décio Cesarln - Denise Dessonide Almeida - Eliane Maria Duailibe Siqueira - Esther Frankel - Fábio Landa - FedericoNavarro - Geni Cobra - Jean Clark Juliano - José Alberto More~ C"otta- José ÂngeloGaiarsa - José Felipe Fernandez - Léa Maria Cardenuto - Liane Zink - Wian MeyerFra7..•1.0 - Maria Mello - Manha &rlin - Nicolau Maluf Júnior - Oswaldo de BarrosSantos - Paulo Hindemburgo Torres Galvâo - Pedro Vieira Castel ~ Rachei Vieira daCunha - Regina Favre - Romel Alves da Costa - Rubens Kignel - Sandra do CarmoGuimarães ~ Sandra Regina Paschoal Sofiari - Selma Ciomai ~ TIlereza HantzschlCTessy) - Yvonne Vieira

371

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,

Impress:to e Encadernação

"MARQUES-SARAIVA"GRÁFICOS E EDITORES S.A

Tels (02l!213-9498 - 273·9447

Seu admirável trabalho corno

secretária e, atualmente, corno

presidente do Grupo TorturaNunca Mais do Rio de Janeiro

é demonstração disso.

Assim, o compromisso com

a busca de um mundo melhor

e com a "criação de novos

espaços" está presente em

cada pãgina deste livro. A

obra, sem ser panfletária, bate

duro naqueles profissionais da

área "psi" que, comportando-

se como autênticos "guardiães

da ordem", tentaram fazer da

ciência mais um instrumento

de servidão aos poderosos.

Milton Temer

Cecilia Coimbraprafessara-adjuntade Psicologia na UFFe presidente do

Grupo Tortura Nunca Ma;s