Cavalcanti & Goncalves Cultura, Festas
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Cultura, Festas e Patrimônios
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
José Reginaldo Santos Gonçalves
Festas e patrimônios permeiam e pontuam nossa vida cotidiana, exibindo em
comum sua vivacidade na experiência social, erguendo-nos, de certo modo, a lugares de
compartilhamento e re-elaboração de muitas experiências pretéritas, articulando relações,
imagens e ressonâncias que nos projetam também no porvir. Ambos são mediadores
sensíveis entre passado, presente e futuro. A marcante presença desses temas no horizonte
contemporâneo das ciências sociais, e em especial da antropologia feita no Brasil, expressa
os efeitos desencadeados pela extensão, transformações e aprofundamento mesmo da
noção de cultura.
Um dos pontos teóricos fundamentais que a noção antropológica de cultura vem
afirmar é o primado da dimensão simbólica da experiência humana como irredutível às
dimensões ecológicas, psicológicas, sociais, econômicas ou políticas. A abordagem das
festas e dos patrimônios, sua existência mais plena mesmo para a reflexão antropológica,
parece requerer, assim, que escapemos tanto das “concepções estratigráficas da cultura”,
criticadas por Clifford Geertz (1973), como da “razão prática”, criticada por Marshall
Sahlins (1976), as quais tanto têm obcecado os cientistas sociais. Ao tratar desses temas,
imergimos nos imbricados domínios de pensamento propostos por Marcel Mauss (2003),
pois nas festas e nos patrimônios, o obrigatório parece desejável, as ambivalências imperam
e homens e coisas misturam-se e constituem-se reciprocamente de modo inextricável. Os
processos culturais que abordamos, expressos pelas categorias “festas” e patrimônios”, são,
portanto, fenômenos totais, i.e., fenômenos de ordem fisiológica, performativa, moral,
estética, cosmológica e econômica. Neles, a dimensão inconsciente e não controlável da
experiência humana atua de modo marcante.
Se esse é o nosso ponto de partida, a abordagem dos dois temas será, entretanto,
inversa. Isto porque a noção de patrimônio é uma das pedras de toque das políticas
públicas de cultura no país e sua incontornável inserção nos discursos institucionais e
públicos oficiais configura, por si só, um complexo horizonte de questões para a reflexão
antropológica. Ao dar conta da inserção da categoria patrimônio nesse campo discursivo e,
em especial de suas transformações desde os anos 1980, nosso esforço será o de reafirmar a
abordagem etnográfica dessa categoria, ampliando o enfoque analítico dos processos de
patrimonialização para além de seus limites estritamente jurídicos ou mesmo, o que é nítido
2
na construção da noção de patrimônio imaterial ou intangível, para além de seu referencial
estritamente identitário. As festas, por sua vez, embora possam, do ponto de vista dos
discursos públicos do patrimônio, ser consideradas como fenômenos “intangíveis” ou
“imateriais”, transbordam em muito esse enquadramento discursivo. Nada mais concreto e
sensível do que um evento festivo a desenrolar-se necessariamente no espaço e no tempo.
A natureza cíclica e simbólica das festas e seu forte apelo aos sentidos humanos estão na
base de sua notável dimensão estética e de sua capacidade de resistência à usura do tempo.
A plasticidade e a multiplicidade de seus meios de expressão tornam-nas particularmente
adequadas à expressão da história, dos valores, conflitos e da dinâmica social dos grupos
humanos. Uma abordagem da literatura produzida sobre festas, no contexto das teorias do
ritual, explorando contribuições significativas para seu entendimento e focalizando três
universos festivos (Os carnavais, os folguedos do boi e as festas do divino), servirá assim
para relativizar a própria noção de patrimônio. Ao mesmo tempo, poderemos evidenciar
alguns aspectos estruturalmente partilhados por esses temas que, nas últimas décadas, têm
atraído de modo notável a atenção dos cientistas sociais.
I.Patrimônios Culturais
Desde as duas últimas décadas do século XX, os chamados processos de
patrimonialização destacam-se pela sua variedade e extensão. A palavra “patrimônio”
transformou-se numa espécie de “grito de guerra” em diversos contextos nacionais e
internacionais. Qualquer espaço de uma cidade, uma estrutura arquitetônica, um
monumento, um bairro, festas populares, formas de conhecimento tradicional ou objetos
materiais podem ser, de uma hora para outra, identificados e reivindicados como
“patrimônios” por um ou mais grupos sociais. Essas ações envolvem usualmente
reivindicações identitárias, fundadas na experiência social de uma memória coletiva ou
numa narrativa histórica, mas sempre associadas a interesses muito atuais e precisos de
natureza social e econômica.
Desde então, o meio acadêmico vem repercutindo sensivelmente esses processos.
Desde meados da penúltima década do século XX, é crescente o número de projetos,
dissertações, teses, artigos, livros sobre o tema. Na área de ciências sociais, nas reuniões da
ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais) e da ABA
(Associação Brasileira de Antropologia), são numerosos os grupos de trabalho e as mesas
voltadas para “patrimônios” e “museus”. Na área de história, onde é extensa a literatura
sobre memória e patrimônio, o mesmo se pode dizer em relação à ANPUH (Associação
3
Nacional de Pós-Graduação em História). A participação de antropólogos como
consultores em processos de registro e de tombamento e em processos de reconhecimento
de identidades étnicas envolvendo populações indígenas, populações negras identificadas
como ex-quilombolas, etc. têm recebido destaque nos meios de comunicação1. Os laudos
antropológicos tornaram-se já um tema de reflexão nas reuniões da ABA. A participação de
antropólogos nos trabalhos de inventário que precedem os registros propriamente ditos do
patrimônio imaterial é perceptível.
Não somente os processos sociais de patrimonialização, mas a própria categoria
“patrimônio” vem sofrendo, nas últimas décadas, uma notável expansão. Falamos
atualmente de patrimônios históricos, etnográficos, naturais, ecológicos, genéticos, virtuais,
entre outros. A construção da categoria do “intangível” ou do “imaterial” lança mão de
concepções compreensivas e antropológicas de cultura, deslocando o foco no juízo externo
da excepcionalidade artística do item patrimonializável para o juízo interno daqueles que o
produzem – expresso nos saberes, ofícios, festas, rituais, expressões artísticas e lúdicas – os
quais vêm a ser percebidos como referencias identitárias na visão dos próprios grupos que
exercem cotidianamente esses conhecimentos. Ampliou-se assim imensamente o escopo
da atuação das políticas públicas de cultura com a criação de um Programa Nacional de
Patrimônio Imaterial, que abrange, para além do registro propriamente dito, o inventário e
os planos de salvaguarda em parcerias com grupos e instituições da sociedade como um
todo. Esse deslocamento tornou possível patrimonializar virtualmente qualquer objeto,
espaço, práticas sociais ou mesmo “pessoas”. É o caso dos “tesouros humanos vivos”,
programa patrocinado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e que visa proteger e preservar indivíduos que controlam e
corporificam determinados saberes tradicionais.
Essa expansão social e intelectual do campo do patrimônio está articulada a uma
série de transformações ocorridas nos últimos vinte anos. No plano institucional, é possível
constatar que o Estado nacional, que durante décadas operava com certa exclusividade na
elaboração e implementação das políticas culturais de patrimônio, já não detém hegemonia
nessa área. Organizações não-governamentais, movimentos sociais, empresas, grupos
sociais e indivíduos assumem iniciativas no sentido de reivindicar, estabelecer e mesmo
contestar “patrimônios culturais”.
Esse campo não só expandiu-se como diversificou-se e tornou-se mais complexo,
seja em sua organização institucional, seja no plano discursivo. Sem deixar de ser uma
1 Territórios quilombolas. ABA, 2004.
4
agência legitimadora e apoiadora fundamental, o Estado não mais exerce de forma
impositiva as suas políticas de patrimônio, sendo obrigado a reconhecer e a lidar com uma
série de outros atores sociais.
Acompanhando essa mudança na configuração institucional, assiste-se a uma
fragmentação dos patrimônios, a qual repercute no plano discursivo. Se até os anos oitenta,
as narrativas eram voltadas firmemente para o horizonte da nação, e todo e qualquer bem
cultural era tombado em função de seus vínculos com a história e a identidade nacional; se
o movimento folclórico brasileiro, entre os anos 1940-1960, estava voltado basicamente
para a busca de uma “autêntica” identidade nacional expressa na “alma popular”
(Cavalcanti &Vilhena 1992; Vilhena 1997); nas últimas décadas, patrimônios associados a
grupos sociais, a grupos étnicos, a grupos profissionais, grupos religiosos, a movimentos
sociais, vêm sendo reivindicados, estabelecidos e reconhecidos, sem que os vínculos com
uma “identidade nacional” sejam necessariamente colocados em primeiro plano.
Essa mudança é visível nos vocabulários do patrimônio. Se até os anos 1980, o
vocabulário da história, e especialmente da história da arquitetura, eram fundamentais na
construção do patrimônio; nas últimas décadas, assiste-se a uma intensificação dos usos do
vocabulário da moderna antropologia social e cultural. A chamada “concepção
antropológica de cultura” acompanha, portanto, o próprio “patrimônio” como outro “grito
de guerra”, e vem desempenhando, nos últimos anos, um papel fundamental na expansão
dessa categoria. Nesse contexto social e discursivo, a palavra “cultura” passa a ser usada no
plural e assume uma dimensão ostensivamente democrática.
Muitos estudos produzidos nas duas últimas décadas do século XX sobre
patrimônio cultural no Brasil repercutem essas transformações, uma vez que,
sintomaticamente, distanciam-se temporalmente dos discursos e políticas de patrimônio
cultural que dominaram o cenário brasileiro a partir dos anos trinta até o fim dos anos
setenta daquele século (Arantes 1984; Gouveia & Miceli 1985; Gonçalves 2003; Rubino
1991; Santos 1992; Fonseca 1997; Williams 2001; Abreu & Chagas 2003; Chuva 2009).2
2 Atualmente, é extremamente vasta a bibliografia nacional e internacional sobre patrimônios culturais. Sendo um tema abordado pelo ângulo de diversas disciplinas (antropologia, sociologia, história), essa bibliografia torna-se ainda mais vasta. Não será evidentemente um propósito exequível, nos limites deste artigo, apresentar e avaliar de modo exaustivo essa bibliografia. No contexto brasileiro recente, para uma cuidadosa, panorâmica e atualizada coletânea de estudos sobre patrimônios culturais no Brasil ver o excelente livro organizado por Lima Filho, Eckert, Beltrão (2007). Vale a pena ainda consultar Chagas; Abreu; Santos (2007); Gonçalves (2007a); e, ainda, um excelente guia multidisciplinar para a literatura contemporânea sobre patrimônios culturais realizado por Oliveira (2008); para a legislação sobre patrimônio culturais no Brasil, consultar Iphan/Minc (2006). Para a discussão do estado da arte das políticas públicas relacionadas ao patrimônio cultural imaterial, ver Cavalcanti e Fonseca, 2008.
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Mais do que repercutirem tais mudanças, esses estudos, na verdade, tornaram-se possíveis e
necessários em decorrência daquelas transformações, que, por sua vez, desencadearam uma
série de novos problemas de natureza social e política em relação aos patrimônios: como
identificar e reconhecer os patrimônios? Nas mãos de quem está o direito de realizar essa
identificação e reconhecimento?
Os especialistas da área encontram-se atualmente diante da tarefa de identificar,
descrever e analisar as categorias que emergem desse novo cenário, assim como os agentes
e as práticas sociais e institucionais que acompanham os novos discursos e políticas de
patrimônio. Assim, pode-se perceber, nesse contexto, uma intensificação das relações entre
o patrimônio e o chamado mercado e, especificamente, o turismo (Aguiar 2006). Cada
lugar que vem a ser reconhecido como “patrimônio” já é ou torna-se rapidamente em uma
atração turística. Não por acaso, nos discursos modernistas do patrimônio, incluídos aí o
discurso dos estudiosos do folclore, o turismo sempre foi classificado como uma fonte de
“inautenticidade”, algo que deveria ser mantido à distância, na medida em que o patrimônio
permanecesse “autêntico” (Gonçalves 2001).
Se um determinado regime de autenticidade articulava-se à hegemonia e à
centralidade do Estado nacional na formulação e aplicação políticas de patrimônio, esse
regime alterou-se significativamente em função da nova configuração institucional e
discursiva que vem se desenhando a partir das duas últimas décadas do século XX.
Os discursos do patrimônio cultural na atualidade parecem evidenciar regimes de
autenticidade, nos quais a ênfase vem a ser colocada, não mais numa relação orgânica com
o passado, e que era expressa pela “retórica da perda” (Gonçalves 2003), mas na própria
possibilidade presente de reprodução desse passado; ou seja, na transitoriedade, dinâmica e
reprodutibilidade dos chamados bens culturais.
Há uma extensa rede social de mercado intimamente associada aos discursos do
patrimônio cultural: companhias de transporte, redes de hotéis e restaurantes, visitações
turísticas, festivais, comércio de souvenirs (postais, reproduções, fotografias, filmes, objetos),
edição e circulação de jornais, revistas, livros. Ao dirigirmos o olhar etnográfico na direção
dessa complexa rede de agentes e instituições, usualmente excluída de nosso campo de
observação, percebemos que, longe de serem apenas o seu suporte supostamente neutro,
elas na verdade desempenham um papel mediador e constitutivo dos patrimônios
(Kirshenblatt-Gimblett 1998). De certo modo, os objetos materiais, espaços e práticas
sociais classificados como “patrimônio” são ao mesmo tempo condição e efeito da
chamada indústria turística. Ao focalizarmos os patrimônios nos limites discursivos das
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políticas estatais de preservação, tendemos a ignorar o papel desempenhado por diversas
agências sociais (inclusive as agências do mercado) na sua produção.
Talvez se possa perceber nas limitações desse enquadramento os efeitos de um
contexto (em aparente declínio) em que os Estados nacionais ocupavam uma posição
central na configuração mundial. Uma vez constatado o avanço do mercado e outras
agências sociais sobre espaços antes controlados pelo Estado, desestabiliza-se aquela forma
de perceber os patrimônios como entidades organicamente ligadas à história e à identidade
nacional e articuladas em contraposição ontológica ao mercado. Nas últimas décadas, entre
muitos outros exemplos, podemos citar o processo de registro das “baianas de acarajé”.
Reconhecidas como “patrimônio cultural”, as baianas vêm suas formas sociais e culturais
de ocupação do espaço urbano, em cidades como Salvador e Rio de Janeiro, oficialmente
reconhecidas pelo Estado. Articulando simultaneamente dimensões religiosas, culinárias,
estéticas, sociais, turísticas, econômicas e jurídicas, elas evidenciam a natureza total que
podem assumir os patrimônios (Bitar, 2010).
Um dos caminhos possíveis para o entendimento dessa nova configuração talvez
esteja nas transformações que atingiram a própria noção de “cultura”, especificamente no
campo da antropologia social ou cultural nas últimas décadas do século XX. Essas
transformações intelectuais acompanham os processos de globalização e
desterritorialização, fazendo com que a clássica noção antropológica de “cultura” viesse a
assumir um precário equilíbrio semântico nos limites do universo contemporâneo, o qual
Clifford Geertz, em seu esforço para entender os variáveis contornos semânticos dessa
categoria, caracterizou como um “mundo em pedaços” (2000: 218-264).
Em outras palavras, parece difícil descrever e analisar as novas formas de
produção, expropriação, circulação e exibição dos chamados patrimônios culturais fora
desse contexto globalizado e desterritorializado. Os agentes, os espaços e os tempos de
produção, circulação e exibição dos patrimônios transitam em contextos que
necessariamente ultrapassam os limites locais e nacionais. Assinale-se o campo
internacional da construção e aplicação da noção de patrimônio imaterial ou intangível, em
que a UNESCO desempenha papel articulador fundamental.
Ao contrário do que se possa imaginar, essa afirmação não implica em reconhecer
um suposto processo inexorável de homogeneização cultural. Ao contrário, como sugere o
mesmo autor:
“Há um paradoxo, ocasionalmente percebido, mas sobre o qual
não se tem refletido profundamente, e que diz respeito ao estado presente
7
daquilo que nós, casualmente, chamamos de “cenário mundial”: está se
tornando mais global e mais dividido, ao mesmo tampo mais amplamente
articulado e mais intricadamente partido. Cosmopolitismo e paroquialismo
não são mais opostos; estão ligados e se reforçam mutuamente. Na medida
em que um se intensifica, o outro também.” (Geertz 2000: 246).
De modo diverso do que indicavam as ideologias oficiais, os patrimônios culturais
deixam de se configurar como um consenso (o que efetivamente nunca foram); e exibem-
se como fragmentários e divididos contra si mesmos. Sua unidade parece constituir-se em
uma promessa jamais cumprida, uma realização constantemente adiada. Assistimos a uma
extensa, complexa e diversificada produção contemporânea de patrimônios culturais que se
desdobra para além (ou aquém) das fronteiras nacionais.
Um dos riscos que esse processo de expansão e fragmentação dos patrimônios
culturais tem trazido no mundo contemporâneo é a sua possível banalização. Num
extremo, se tudo pode ser patrimônio, nada é patrimônio. Há limites para esse processo?
Um dos pontos importantes a serem considerados pelos antropólogos é a
“ressonância” que os patrimônios podem (ou não) exibir junto a determinados segmentos
sociais (Gonçalves 2005). Essa noção pode ser útil, não exatamente para decidirmos sobre
sua “autenticidade”, mas para percebermos a inserção efetiva dos patrimônios na vida
intelectual e afetiva dos grupos sociais que os exercem e reivindicam. Ao abordarmos
etnograficamente os patrimônios; ao acompanharmos descritivamente os seus processos de
produção, circulação, consumo e destruição; percebemos o quanto eles podem estar
intimamente associados ao corpo e à alma dos grupos sociais e o quanto eles não apenas
expressam ou representam esses grupos sociais, mas, na verdade, os constituem.
Nesse sentido, cabe sublinhar a dimensão eminentemente material dos
patrimônios, que, ironicamente, vale mesmo no caso dos chamados “patrimônios
imateriais” (Gonçalves 2003; 2005). Alvos privilegiados dos processos de
patrimonialização, reunidos em coleções particulares e acervos museológicos ou em uso na
vida cotidiana, os objetos materiais, sem os quais a vida social é inviável, sem os quais
nenhum rito é realizável, escondem em sua cotidiana humildade o papel ativo que
desempenham nas diversas modalidades de vida social e cultural.
Não basta, apenas, falar do patrimônio no plural. Trata-se de entender essa
categoria em contextos sociais e culturais específicos, o que vem a tornar altamente
problemática a noção de “patrimônio” aplicada genericamente a toda e qualquer
8
experiência sociocultural. O entendimento antropológico implica em reconhecer que os
chamados patrimônios não são artifícios ideológicos; ou simples emblemas identitários; ou
instrumentos de mobilização social e política (embora também possam ser usados desses
modos); mas, basicamente, conjuntos de relações necessárias a estruturarem formas de vida
sociocultural (Gonçalves 2005; 2005a; 2007; 2007).
Entre os alvos dos processos sociais, políticos e jurídicos de patrimonialização, as
festas permitem iluminar o quanto os processos culturais transbordam de modo expressivo
a própria discussão da patrimonialização. As festas, evidentemente, não se constituem em
objeto recente de discursos e políticas culturais. Os intelectuais associados ao chamado
movimento folclórico brasileiro viam nas festas (os “folguedos”) um item privilegiado de
suas ações preservacionistas, entre as quais se incluíam muito especialmente o seu estudo e
a sua documentação. As festas primeiramente evidenciavam a permanência, a atualidade e o
caráter vivo e concreto das manifestações folclóricas. Ao mesmo tempo, elas pareciam
guardar múltiplas dimensões da vida sociocultural popular, as quais, aos olhos desses
intelectuais, surgiam como expressões fundamentais da alma do “povo”, possibilitando um
contato mais próximo e sensível com o que era entendido como a fonte mais “autêntica”
da identidade nacional brasileira. Na transitoriedade de sua realização, nos notáveis
esforços de organização que as precedem, em sua notável variedade e heterogeneidade, em
sua natureza eminentemente espacial, material e sensível, em sua ligação com correntes
civilizatórias duradouras, as festas parecem corporificar a imbricação, tão característica nos
processos culturais contemporâneos, entre cosmopolitismo e localismo a que nos referimos
acima. Por essas razões, as festas são, cada vez mais, um tema dileto da antropologia
contemporânea.
II. As festas
O espectro de teorias da festa é amplíssimo. Em Freud (2005 [1913]), a idéia de
festa associa-se aos excessos e transgressões permitidas que estariam na base das
expressões coletivas de alegria; em Bataille (1967) , o excesso e a transgressão festivos,
vistos como eclosões do que é ordinariamente suprimido na calculista sociedade burguesa,
revelariam o potencial revolucionário da festa; em Callois (1950), a festa liga-se ao sacrifício
e ao efeito catártico da violência acumulada pela sociedade que nele se libera; em Durkheim
(1996 [1912]) à força criadora exercida pela efervescência social sobre a própria
consciência humana. O tema mobiliza as disciplinas humanas de modo geral. Nesse vasto
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emaranhado, nosso ponto de partida é a visão da festa, não como instituição autônoma,
mas como atividade ritual por excelência a compartilhar características chaves com outras
atividades rituais. A compreensão de sua natureza, e mesmo de seus traços peculiares,
inscrevem-se no amplo campo das teorias antropológicas do ritual. 3 Nessa ótica, alguns
pressupostos básicos conformam um fecundo ponto de partida na abordagem das festas e
têm sido experimentados de modo criativo na antropologia brasileira. São eles: a idéia de
que os rituais são portas de entrada privilegiadas para a compreensão das sociedades
humanas (DaMatta, 1973, 1979); a idéia da existência de uma relação de
complementariedade entre o mundo festivo e o mundo cotidiano – que dificilmente se
elabora de maneira unívoca na vida concreta das festas; a natureza cultural pública e
coletiva (Geertz,1973 ) das festas; sua forte relação com as formas sociais de organização
do tempo (Hubert e Mauss,1929 [1905]); sua sobreposição com os domínios do lúdico e do
estético e sua intensa corporalidade, afetividade e materialidade (Cavalcanti, 1999a, 1999b,
2002, 2006, Contins 2007d; Contins e Gonçalves, 2009a, Gonçalves e Contins 2009b,
Cavalcanti e Gonçalves, 2009).
Como rituais, i.e. agregados de comportamentos simbólicos, elas, as festas,
realizam, com a linguagem mediatizada dos símbolos, o trabalho dos ritos (Valeri, 1994).
Articulando, desarticulando e rearticulando aspectos do quotidiano, de experiências
históricas, de correntes de tradição, elas operam de forma múltipla na experiência social, e
seus efeitos podem sobrepor-se de modo involuntário. Ao final, é sempre a pesquisa e a
análise etnográfica que nos proporão as chaves de sua compreensão. Elas podem estimular
de modo mais ou menos consciente o trabalho reflexivo, produzir reinterpretações, críticas,
reformulações, ou reiterações; propiciar aprendizagem de códigos sociais; estimular a
produção de novas informações e perspectivas. Atraem, encantam e integram participantes
e admiradores. Envolvem ricos e pobres; brancos, mulatos, caboclos, negros; distintas
origens étnicas; sagrado e profano. Não resolvem conflitos e desigualdades sociais, mas
expressam uma face das coletividades que se superpõe a essas diferenças. São sempre,
todavia, lugares onde o mundo e a experiência vivida recobra e recria sentido.
* * *
3 A genealogia da noção de ritual, como sabido, se confunde com a própria história da moderna antropologia, ocupa posição central na reflexão de muitos autores: James Frazer (1981 [1890]), Émile Durkheim (1996 [1912]), Radcliffe-Brown (1948 [1922]), Bronislaw Malinowski (1976 [1926]), E.-P. Evans-Pritchard (1972 [1937]), Gregory Bateson (1965 [1958]), Edmund Leach (1954), Mary Douglas (1976 [1966]), Victor Turner (2005 [1968]), Roberto DaMatta (1979), Stanley Tambiah (1970), Clifford Geertz (1973), Valério Valeri (1985), entre tantos outros.
10
Algumas reflexões sobre as festas expressam um tom profundamente nostálgico.
Trata-se, de certa forma, de lamentos sobre a redução do vínculo social à razão utilitarista
pela ideologia burguesa. Leia-se, por exemplo, a primeira frase do excelente verbete de
Valeri (1994b, p. 403-13): “As nossas festas estão reduzidas a uma sombra do que foram:
cocktails, recepções – fechados como doenças contagiosas nos férreos limites de um tempo
e de um espaço medidos com avareza – reenviam a sua imagem empobrecida, ressudam o
enfado da excitação bem calculada, a que se segue o cálculo angustiado dos sucessos e dos
falsos passos” que reafirma, no correr do texto “a festa já não faz parte da nossa
experiência, a não ser em casos esporádicos (p. 406).
A experiência brasileira das festas parece muito diversa e integra certamente a
história da constituição nacional do país, contrastando fortemente com a paisagem
nostálgica sugerida por alguns estudos. Vale mencionar, ainda que brevemente, dois fatores
notáveis na conformação dessa peculiaridade.
O catolicismo ibérico
Num pequeno e luminoso artigo, Gilberto Freyre (1975) chamou a atenção para a
particularidade da noção de tempo dos ibéricos nos séculos XVI e XVII. Já seria sabido e
aceito que os ibéricos, descobridores e navegadores pioneiros, detinham um sentido de
espaço mais avançado e científico, diverso da maior parte dos demais europeus de então.
Sua noção de tempo, entretanto, seria também peculiar e defasada com relação à de espaço,
pois operaria dentro de parâmetros muito mais tradicionais, aproximando-os do sentido de
tempo arcaico, próximo do tempo cíclico do homem “primitivo” (Eliade, 1991). O
argumento de Freyre desenvolve-se na direção do conhecido elogio da colonização ibérica
que teria trazido vantagens culturais e psicossociais do ponto de vista do contato humano
no contexto do empreendimento colonial4. Retemos aqui, entretanto, o ponto, fortemente
antropológico, das consequências sociológicas da existência em ato de uma certa noção de
tempo. Ao contrário do tempo veloz e cronometrado, de ritmo constante e progressivo,
consagrado na idéia do “tempo é dinheiro”, o tempo agido pelos ibéricos seria o tempo a
serviço do homem. Fluindo lentamente e na ausência de sistema pré-determinado, essa
noção de tempo teria permitido o surgimento de novas modalidades culturais no contato
com os povos não europeus, em contraste com o que Freyre chamou de “exclusividade
pan-européia sistemática dos demais europeus”. O cristianismo católico dos ibéricos - que
diante dos demais povos teriam enfatizado, acima de sua condição européia e nacional, sua
condição sociologicamente cristã - os teria aproximado dos povos não europeus por meio
4 Para a problematização desse elogio, ver Araújo, 1994.
11
de um tempo que não era simples adequação ao trabalho contínuo; mas um tempo em que
muita alternação entre trabalho e lazer, dança e labor, era propiciado pela própria igreja.
Produziu-se assim uma temporalidade que remeteria a uma série de ritos relacionados à
renovação da vida, uma vida qualitativa, concebida de modo diverso de uma série de
atividades lógica e quantitativamente valoráveis.
Ora, efetivamente, o calendário cosmológico do catolicismo ibérico foi, como já
chamou a atenção Mário de Andrade (1982 [1945]) uma espécie de nicho na configuração
das festas e expressões populares brasileiras que acolheram diferentes correntes de
tradições étnicas e culturais (Mello Moraes Filho, 1999[ 1901] e Abreu 1998; Carneiro
(1974); Jancsó e Kantor 2001, vols 1 e 2; Santiago, 2009 [1920] 5. É notável a presença das
festas de diferentes conformações nos relatos dos viajantes, e Câmara Cascudo (1965)
compilou-os e comentou-os em trabalho exemplar. Nos anos 1970, a relevância dos rituais
festivos para a compreensão dos dilemas constitutivos da sociedade brasileira foi proposto
também de modo inovador por Da Matta (1979). Mais recentemente, diversos autores vem
assinalando a relevância mesmo de um “ethos festivo” que impregnaria as construções
identitárias nacionais (Amaral, 1998; Perez, 2002; Montes e Meyer, 1985) e Encontros e
Colóquios sobre festas e sociabilidades tem sido organizados (Santos, 2006) revelando a
força desse campo de estudos no país6.
Modernismo, es tudos de fo l c lore e as f es tas nas c i ênc ias soc iais
Em suas análises sobre o Modernismo, Moraes considerou Mário de Andrade o
representante de uma “via de pesquisa, no sentido quase universitário da palavra” (1978, p.
93), demonstrando, com particular clareza, o lugar estratégico ocupado pela categoria
“folclore” na proposta de nacionalismo cultural do autor.7 Merquior (1981), por sua vez,
chamou atenção para o caráter fortemente inclusivo do nacionalismo andradiano. Esse viés
etnográfico do modernismo brasileiro é herdeiro da grande tradição romântica que valoriza
a diferença e a particularidade, consagrando o povo como objeto de interesse intelectual 8 e
5 Certamente, nas últimas décadas, a expansão das seitas protestantes junto às camadas populares vem tornando a cultura popular brasileira muito mais multicultural do que em seu período de formação (fins do século XVIII e XIX em especial). 6 Fora do ambiente estritamente acadêmico, o assunto “festas” tem sido também amplamente abordado por antropólogos. Veja-se, por exemplo, o volume recente, intitulado Textos do Brasil, n. 15. Festas Populares, organizado pelo Ministério das Relações Exteriores, 2009. 7 Mário de Andrade procurou compreender o folclore em estreito diálogo com as ciências humanas e sociais então nascentes no país. Para ele, o folclore, expressão da nossa brasilidade, era decisivo no ideal de uma “cultura nacional”, permitindo ao país a construção de uma identidade diferenciada no contexto mundial. Moraes, op. cit. Ver também Travassos, 1997. 8 Ver a respeito Burke, 1989, Cavalcanti et al, 1992, e Ortiz, s/d, e Duarte, 2004.
12
que, no campo nacional, deita raízes nos trabalhos pioneiros de intelectuais como Sílvio
Romero (1851-1914), Amadeu Amaral (1875-1929), Celso Magalhães (1849-1879).
Essa vertente mais etnográfica do nacionalismo cultural inspirou também, desde cedo,
a própria constituição de algumas instituições culturais republicanas a partir dos anos 19309; e
está na origem do amplo movimento intelectual em prol do estudo e da defesa do folclore
brasileiro que teve sua pujança entre os anos 1940/1960 (Vilhena, 1997). Por esse viés, essa
visão de mundo integrou a própria conformação das instituições culturais de diferentes regiões
brasileiras (Cavalcanti, 2009), entre elas museus, centros e secretarias de cultura e de turismo
municipais e estaduais. Quando falamos de folclore no Brasil, é preciso lembrar que a voz dos
intelectuais que o estudaram nos interpela desde dentro das expressões populares que foram
valorizadas por eles como especialmente características de nossa originalidade cultural. Ora,
aqui nos interessa assinalar que, no amplo conjunto de iniciativas forjadas pelo Movimento
Folclórico, o fomento ao estudo das expressões populares – poesia oral, dança, música,
artesanias, culinárias, tradições religiosas – e mais do que isso os folguedos que reuniam num
todo articulado toda essa variedade de expressões – ganhou notável impulso. O estudo dos
folguedos em particular revelava, numa direção contrária à nostalgia romântica tão
característica desses estudos, a apreensão da dinâmica e do caráter contemporâneo das
expressões festivas, mostrando a cultura popular como um todo integrado, inseparável da vida
cotidiana. Eram o objeto em ação, aberto e contraditório, ligado ao passado e continuamente
adaptado ao presente; um caminho privilegiado para captar a originalidade do processo de
formação da cultura brasileira e seu movimento.
Se seguimos a trilha desses estudos em direção aos anos 1930, logo nos
encontraremos dentro dos estudos da própria sociedade brasileira pelas ciências sociais que
iniciavam, então, sua institucionalização em centros universitários. A colaboração de
pesquisa que resultou em “A Festa de Bom Jesus de Pirapora”, de Mário Wagner Vieira da
Cunha (que logo seria assistente de sociologia na Faculdade de Filosofia da USP e
estudante de Donald Pierson na Escola Livre de Sociologia e Política/SP), e “Samba rural
paulista”, de Mário de Andrade (na época Diretor do Departamento de Cultura da
Secretaria Municipal de SP), ambos artigos reunidos na Revista do Arquivo Municipal Paulista,
n. 41, de 1937, expressa exemplarmente a proximidade entre o enfoque antropológico e o
interesse cultural modernista pelas expressões populares. Não menos notável é o grande
interesse pelas festas evidenciado em muitos dos autores dos chamados estudos de
comunidade que, também entre os anos 1930 e 1960, marcaram época no país (Galvão, 9 Em especial, a própria discussão da idéia de patrimônio no país nos anos 1930, veja-se o ante-projeto para o Serviço do Patrimônio Artístico Nacional de Mário de Andrade, 2002.
13
1976; Thales de Azevedo, 2004). Trabalhos como A Dança do Lêle e Tambor de Crioula de
Sérgio Ferrretti (1978, 1981), ou A Taieira de Sergipe (1972) e A Dança de São Gonçalo de
Beatriz Góes Dantas10, o exemplar Os Homens de Deus, de Alba Zaluar, e o gosto de Carlos
Rodrigues Brandão pelo estudo das festas religiosas (1974, 1977, 1985)11, realizados entre
os anos 1970/80 atestam a continuidade desse interesse que ganha atenção central na
antropologia brasileira com Carnavais, malandros e heróis, de Roberto DaMatta (1979).
Dos anos 1980 em diante, o estudo do vasto universo festivo brasileiro, com sua
riqueza, variedade e heterogeneidade interna, vem se expandindo de modo notável na
antropologia feita no país e, em especial, a partir do ano 2000, a expansão e reconfiguração
dos discursos de patrimônio abarcaram decididamente o tema reforçando o interesse
antropológico pelo assunto. 12
Mais ou menos religiosas, mais ou menos profanas, sejam elas urbanas ou rurais, é
possível dizer que, no Brasil, grande parte das festas encontrou abrigo e ambiente de
formação no quadro temporal do calendário cristão de fundo católico, ao qual se
acomodaram diferentes tradições étnicas e culturais (Ferreti, 1995). Como bem assinalou
Caro Baroja (1974), esse calendário que se expandiu no território europeu com a
decadência do Império Romano a partir do século IV, deu ao desenrolar do ano uma
ordem passional, repetida ao longo dos séculos. A variedade de formas festivas existentes
no país é extensa, qualquer esforço de dar conta da bibliografia construída em torno de
cada uma delas parece ser tarefa para mais de uma vida, uma vez que depara-se com
10 Vale mencionar aqui também os trabalhos de Maria Isaura Pereira de Queiroz, que no contexto de seu interesse pelo campesinato rústico, enfoca de modo notável expressões festivas como a dança de São Gonçalo (1958) e o Bumba-meu-boi (1967). 11 Observo também que a amplitude e diversidade não só das festas religiosas como da bibliografia que sobre elas se debruça mereceria também por si só uma reflexão exclusiva e extrapola em muito os limites deste artigo. Para o catolicismo popular, ver também Menezes 2000, 2004. Para a tradição afro-brasileira, ver Ferretti, ops. Cits. 12 O site do IPHAN - http://portal.iphan.gov.br/portal - disponibiliza os processos de registro do patrimônio imaterial efetuados e em andamento, bem como os inventários realizados e em andamento. Levando em consideração que os registros requerem a etapa anterior de inventário (que não leva, entretanto, obrigatoriamente ao registro), enumeramos aqui os registros que bem demonstram a presença expressiva dos folguedos ou das festas (aqueles como “formas de expressão” e estas como “celebrações”) no movimento de expansão do processo de patrimonialização que se encontra em pleno curso. Maranhão: Complexo cultural do Bumba-meu-boi (registro em processo) e Tambor de Crioula. No Pará, Círio de Nazaré; Carimbó (em processo) e Festas de São Sebastião (de Cachoeira do Arari/ Ilha de Marajó). Em Pernambuco, Frevo. No Espírito Santo, Minas e Rio de Janeiro: o Jongo no sudeste. Minas Gerais: Congadas (em processo). No Rio de Janeiro: o Divino Espírito Santo em Parati; e As matrizes do samba: partido alto, samba de terreiro e samba-enredo. Na Bahia, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano. No Rio Grande do Norte: a festa de Sant’Anna de Caicó (em processo). Na Paraíba: Caboclinho, Cavalo-Marinho, Maracatu Nação, Maracatu Rural (em processo). Paraná e São Paulo: Fandango Caiçara (em processo).
14
verdadeiros universos bibliográficos e etnográficos particulares tamanha a disparidade
interna do tema festas13 (talvez o último grande e bem sucedido e esforço nessa direção seja
a preciosa compilação realizada no âmbito dos estudos de folclore por Câmara Cascudo,
em seu Dicionário do Folclore Brasileiro (1984). Sem qualquer pretensão de exaustividade,
selecionamos três universos festivos para um breve exame que permite iluminar, ainda que
muito parcialmente, a densidade e complexidade das festas, bem como os muitos desafios
propostos por sua análise.
Os carnavais
A dimensão civilizatória e universalizante do carnaval, seu papel ativo na
conformação da cultura festiva e grotesca medieval (Bakthin, 1987), seu lugar mesmo na
própria constituição da noção de cultura popular no Ocidente (Burke, 1989) inscreve o
carnaval brasileiro num amplo quadro comparativo. Festa pública e urbana por excelência,
o carnaval conclama os cidadãos a reivindicarem territórios para a folia – rua, avenida,
passarela, pista, quadra, terreiro, praça, salão, palco, terraço, onde quer que se possa
acender sua faísca. No que tange ao carnaval, ou melhor, aos carnavais brasileiros, sua
abordagem contemporânea pelas ciências sociais encontra dois marcos importantes de
referência. Roberto DaMatta, em Carnavais, malandros e heróis (1979) examinou o dilema da
sociedade brasileira, dividida entre o mundo holista e hierárquico regido pelo código da
‘patronagem’ e do ‘jeitinho’, e o mundo democrático e fragmentado, regido pelos valores
individualistas. Sua análise tem como porta de entrada a dimensão sincrônica, cósmica e
ritual do carnaval, pois nesse plano da ação coletiva se encontrariam dramatizados os
valores centrais e duradouros da vida social (Cavalcanti, 2000). Maria Isaura Pereira de
Queiroz, por sua vez, trouxe com Carnaval Brasileiro: o vivido e o mito (1992), análises
histórico-sociológicas. Significativamente, ambos enfatizam o lugar das escolas de samba
do Rio de Janeiro em suas abordagens. Queiroz examinou a chegada da festa européia aos
trópicos via península Ibérica, e indicou o papel decisivo da cidade do Rio de Janeiro como
núcleo disseminador dos folguedos no país, ao longo dos séculos XIX e XX. No século
XIX, com o entrudo, a folia se transforma com a chegada do 'grande Carnaval' (bailes e
grandes sociedades) e do 'pequeno Carnaval' (ranchos e blocos) em fins do século XIX e
início do século XX, até chegar ao Carnaval popular. Este, nascido com as escolas de
samba, torna-se dominante a partir de meados do século XX e se espraia pelo Brasil ao
longo do século XX. O carnaval das escolas de samba e seu desfile festivo e espetacular,
13 Talvez o último grande e bem sucedido e esforço nessa direção seja a preciosa compilação realizada no âmbito dos estudos de folclore por Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro (1984).
15
sua elaborada forma estética - que transforma a cada ano um novo enredo nas linguagens
rítmica e musical do samba-enredo e plástica e visual das alegorias e fantasias - traz para o
centro da cena analítica aspectos pouco percebidos e, no entanto, muito relevantes, no
universo mais amplo das festas populares, em especial sua dimensão agonística
institucionalizada em disputa competitiva, e sua decidida participação no mercado, no
turismo e na mídia (Cavalcanti, 1999, 2006).
Um extenso conjunto de questões descortinado pelo carnaval das escolas de
samba e seus antecedentes vem recebendo continuada atenção na bibliografia
antropológica com forte interlocução com os estudos urbanos14, com as áreas da música,
das artes plásticas, dos estudos de performances de modo geral (Baêta Neves, 1979,
Ericeira, 2006, Ferreira, 2001, Pereira, 2003; Goldwasser, 1975, Gonçalves, 2007 e 2009,
Guterres, 1996; Leopoldi, 1978, Santos, 2009; Sepúlveda, 1998; Cavalcanti e Gonçalves,
2009; Araújo, 2001, entre outros).
A partir de meados dos anos 1980, acompanhando as transformações já
assinaladas na própria forma de representar a nacionalidade, que valoriza agora cada vez
mais o pluralismo e as diferenças culturais, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro
veio perdendo a hegemonia como emblema do nacionalismo cultural carnavalesco15.
Muitos outros carnavais, como o de Salvador (BA) (Góes, 2000; Moura, 2008) e de Olinda
e Recife (PE) (Associação dos Maracatus do Baque Solto do Recife/Prefeitura do Recife,
2009), com sua diversidade de expressões, emergiram de modo mais marcado nas
diferentes regiões do país, incentivados também pelas políticas culturais e de turismo
interessadas em afirmar mais amplamente a particularidade das expressões culturais locais.
Constituem-se atualmente em focos de renovação da pesquisa antropológica e do que
sabemos sobre nossos carnavais16.
Os fo lguedos do boi
14 O tema das festas entre os estudos de antropologia urbana requereria por si só todo um artigo, tamanha a diversidade dos assuntos abrangidos nessa confluência. Ver, entre eles, Magnani, 2003. A conformação histórica do carnaval é também assunto que tem atraído o interesse da história da cultura e da geografia humana, entre eles Ferreira, 2005, Soihet, 1998 e Cunha, 2001. 15 Importante observar, entretanto, que as escolas de samba concretas, e sua forma de brincar o carnaval, permanecem ativas e lutando por seu direito de cidadania cultural em muitas cidades do país, muitas vezes contra a corrente das políticas culturais e de turismo que tendem, no novo contexto cultural configurado a partir dos anos 1980, a sobre-enfatizar expressões exclusivamente regionais ou locais, vistas como “mais autênticas”. Veja-se, por exemplo, as pungentes análises do caso maranhense em Araújo, 2001 e Ericeira,2006. 16 A reunião e reflexão sobre o conjunto de trabalhos sobre a diversidade dos carnavais brasileiros é também assunto a requerer investimento exclusivo e tarefa inexeqüível nos limites deste texto.
16
A brincadeira do boi foi consagrada como manifestação brasileira tradicional pelo
lugar que foi chamada a ocupar em especial a partir da obra folclórica de Mário de
Andrade, que nela viu “a mais exemplar, original e estranha” de nossas danças
(Andrade,1984; ver a respeito Cavalcanti, 2004).
A brincadeira tem fascinado gerações de estudiosos, tanto pelo lugar de honra
ocupado no pensamento modernista e folclórico, como por sua grande maleabilidade a
diferentes contextos sócio-culturais. Tornou-se efetivamente impar entre os folguedos, pois
existe Brasil afora e seus nomes diferem, grosso modo, conforme suas variações regionais.
'Boi-Bumbá', no Amazonas e no Pará; 'Bumba-meu-boi', no Maranhão; 'Boi Calemba', no
Rio Grande do Norte; 'Cavalo-Marinho', na Paraíba; 'Bumba de reis' ou 'Reis de boi', no
Espírito Santo; 'Boi Pintadinho', no Rio de Janeiro; 'Boi de mamão', em Santa Catarina. Sua
inserção no calendário festivo anual do catolicismo popular é também diferenciada e ela
marca presença nos três ciclos festivos mais importantes do país: no norte, o folguedo
acontece no ciclo junino17; no nordeste, encontra abrigo no ciclo natalino. No sudeste,
especialmente no Rio de Janeiro, ele ocorre muitas vezes durante o carnaval (Cavalcanti,
2000a).
Vicente Salles (1970) ligou o folguedo à presença do negro na Amazônia. O Bumbá
teria se estruturado na primeira metade do século XIX, antes da revolta popular da
Cabanagem, numa época de precária estabilização do regime escravista na região e teria
resistido à desorganização do regime servil, espraiando-se pela sociedade. De fato, já na
primeira metade do século XIX, breves notícias em jornais ou relatos de viajantes
registraram o folguedo em São Luís (Maranhão), Óbidos e Belém (Pará) e Manaus
(Amazonas). Sua designação já era clara: um “bomba” ou “bumbah”. Palavras de expressiva
etimologia cuja ambivalência vale assinalar: bumba ou bumbá = surrar, bater e dançar
(Cascudo, 1984).
Tudo indica o surgimento simultâneo ou a rápida difusão do folguedo a
partir da norte/nordeste (Salles, op. cit.; Cascudo, op. cit.). Porém, em cada lugar ou áreas
distintos, a evolução da brincadeira seguiu desde sempre cursos diversos. Consideraremos
aqui, neste breve exame, apenas os folguedos da região norte, nela incluído o estado
limítrofe entre norte/nordeste, o Maranhão. Nessa região, a brincadeira ocorre na estação
seca, por ocasião das festas em homenagem aos santos juninos João, Pedro e Marçal. Os
laços da brincadeira com a religiosidade popular são muitos e, independentemente da
crença religiosa, os folguedos do boi fornecem amplo repertório simbólico capaz de 17 Para o exame de outras formas de celebração dos festejos juninos no nordeste, ver Chianca, 2006 e Menezes, 2009.
17
expressar muitos sentimentos, mensagens e experiências sociais. Suas características
tradicionais se articulam a aspectos modernos e, freqüentemente, seu ciclo festivo integra o
calendário turístico regional (Michol, 1995; Marques, 1999, Araújo, 1986, Paes Loureiro,
1995; Lady Selma, 2004). Sua maleabilidade a diferentes contextos sócio-culturais gerou
um dinamismo avesso a normas únicas e uma grande riqueza de matizes e expressões.
Algumas confluências podem, entretanto, ser encontradas no folguedo. Em ruas,
terreiros, pátios, praças, e mesmo em arenas especiais, o centro das atenções é um boi-
artefato, que brinca animado por pessoas que dentro dele se enfiam. Os brincantes que o
cercam – que variam em número e organização interna - chamam-se de “Bois”, e atribuem-
se nomes individuais típicos: Boi Misterioso, Tira-teima, Cana-verde, Mimo de São João, Fé
em Deus, entre tantos outros. Um “Boi” é uma organização local, geralmente urbana, de um
bairro e seus arredores. Uma forte afetividade permeia o grupo e um “Boi” chama outros,
pois rivalizar é parte importante da brincadeira.
O boi-emblema do grupo brincante é muitas vezes figurado em objetos, desenhos,
pinturas e bordados. A indumentária do grupo é sempre cuidadosamente elaborada, como
nas esmeradas fantasias com motivos indígenas das tribos dos Bumbás de Parintins, ou nas
peças ricamente bordadas da farda dos grupos maranhenses. Toadas de variados ritmos e
conjuntos instrumentais acompanham a farra. Nos dias atuais, os principais grupos
freqüentemente gravam e lançam seus CDs. Há, por vezes, bailados com coreografias e
performances específicas, e, por vezes, uma elaborada produção de bordados (Carvalho,
2002) e máscaras (Mazzilo et. Al, 2005). Em alguns casos, como no boi de orquestra
maranhense ou nos bumbás de Parintins, o público participa ativamente da dança. Em
outros casos, como nos bois de matraca de São Luis, quem leva e toca uma matraca pode
integrar a percussão da massa em festa pelas ruas da cidade.
Muitas vezes, há seqüências de ações dramáticas. Não há necessariamente ordem ou
conteúdo padrão para isso. Essas seqüências podem ser cômicas, como ocorre nos bois de
zabumba da cidade de Mirinzal no Maranhão, onde “palhaceiros” criam divertidas histórias
para as matanças do boi (Carvalho, 2005). Podem também articular-se em torno de
personagens com indumentárias típicas, cuja importância, nomes e funções na brincadeira
variam: amo do boi, vaqueiros, índios e índias, tuxáuas, pajé, Pai Francisco, Bastião e/ou
Mateus, Mãe Catirina, Cazumbás, sinhazinhas. Cada grupo de boi organiza de modo
relativamente livre o seu conjunto cênico, incorporando e modificando temas e
personagens.
18
Um rico universo narrativo associa-se às diversas formas da brincadeira. Lendas e
fabulações emergem na poesia das toadas e nas histórias relatadas pelos próprios brincantes
e organizadores que buscam as razões de ser do folguedo anualmente vivido com tanta
animação. Dentre elas, destacam-se as narrativas que tematizam a morte e ressurreição do
boi e marcaram especialmente a compreensão do folguedo no país. Essas narrativas
começaram a ser recolhidas por estudiosos em meados do século XX, no bojo do interesse
pelos fatos populares estimulado pela Campanha Brasileira de Defesa do Folclore. O núcleo
de suas tramas é a morte de um boi precioso pertencente a um rico fazendeiro por um
vaqueiro (Pai Francisco, ou nego Chico) premido pelo desejo de sua mulher grávida de
comer a língua do dito boi. Essa “traição” ao amo, que é ao mesmo tempo “lealdade” à
esposa, provoca um terrível impasse quando descoberta. Um médico e um padre tentam a
ressurreição do bicho, finalmente obtida por um pajé. Aí então, nos dizem essas narrativas,
“o grupo todo celebra em festa”.
As muitas versões dessa lenda abrigam um tenso universo de relações sociais e
ocultam grande riqueza de significados simbólicos. Essas narrativas não são, entretanto,
uma explicação direta do que deveria ocorrer na encenação do folguedo, como se a lenda
correspondesse ao roteiro de um suposto auto popular originário. Elas não correspondem
a uma autêntica verdade histórica. Trata-se antes de uma narrativa mítica (Cavalcanti: 2006,
2009). Uma temporalidade diversa daquela da rotina cotidiana instaura-se quando essa
história de fundo é relatada (e não necessariamente encenada), ou quando as encenações do
folguedo a ela aludem, ainda que por meio de frouxos laços. A lenda traz consigo o tempo
extraordinário e lúdico da festa, o tempo cíclico do calendário ritual no qual, assim como o
boi mítico que morreu e ressuscitou, cada grupo de boi renova a busca de sua própria
continuidade ao longo dos anos que correm. O Bumbá de Parintins no Amazonas, um
festival no qual se opõe apenas dois grupos de boi (Valentin, 2005; Braga, 2002; Cavalcanti,
2000 e 2002) e os muitos bumbas-boi do Maranhão18 são expressões tão díspares quanto
notáveis da pujança contemporânea do folguedo.
18 O inventário do complexo cultural do bumba-meu-boi maranhense (CD. Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, 2005) afirma existirem, apenas na cidade de São Luís, cerca de duzentos grupos estáveis cadastrados pelos órgãos estadual e municipal de cultura. A diversidade apresentada pelos bois da capital e do interior é imensa e originou um elaborado sistema classificatório local que os distingue em sotaques. Esses diferentes estilos da brincadeira são identificados, basicamente, por suas particularidades musicais e por seu local de origem, por preceitos e tradições próprias. Reconhecem-se hoje cinco sotaques: de zabumba ou de Guimarães, de pandeirões ou da Baixada, de matraca ou da Ilha (de São Luís), de costa-de-mão ou de Cururupu e, finalmente, de orquestra, que, originado na região do Rio Munim, está em franca disseminação. Esse inventário, que embasou o registro, atualmente em fase de processo, lidou com essa grande
19
As fes tas do Divino
É vasta a literatura produzida sobre as festas do divino espírito santo. Estudiosos
de folclore (Van Gennep, 1947; 1949; Moraes Filho, 1999; Cascudo, 1962), historiadores
(Melo e Souza, 1994; Abreu, 1999), antropólogos (Brandão 1978; Salvador 1981; 1987;
Leal, 1994, 2001; Berocan, 2002; Gonçalves e Contins, 2008; 2009; Spinelli, 2008) têm
produzido uma extensa bibliografia sobre a ocorrência dessas festas na Europa, no
Arquipélago dos Açores, na Ilha da Madeira, no Brasil, nos Estados Unidos e no Canadá.
Embora tragam contribuições de valor inestimável em termos etnográficos, os
estudos de folclore (por certo os mais numerosos dentre as três categorias de estudos que
distinguimos); assim como alguns estudos de história, quando voltados para uma
perspectiva estritamente descritiva; foram acertadamente avaliados em função das
limitações trazidas por alguns dos pressupostos etnocêntricos com que foram conduzidos.
Conseqüentemente, estudos antropológicos e históricos modernos deslocaram sua atenção
dos “traços culturais” que distinguiriam essas festas, assim como de seu processo de
difusão, para as funções sociais e simbólicas que elas desempenham em determinadas
sociedades e períodos históricos. Dentro desse conjunto, estudos recentes realizados por
antropólogos e por historiadores têm focalizado esta celebração em contextos sócio-
culturais específicos: nos Açores (Leal 1994; 2001); no Brasil (Brandão 1978; Melo e Souza
1994; Abreu 1999; Gonçalves; Contins 2008; 2009); e nos Estados Unidos (Salvador 1981;
1987).
Difundida no Brasil colonial especialmente pela imigração açoriana, a festa
encontrou abrigo em diversas regiões do país, transformando-se e assumindo perfis sociais
e semânticos específicos em termos geográficos e históricos. No entanto, é importante
assinalar que a festa conhece contemporaneamente uma dimensão transnacional, sendo
realizada em algumas cidades em Portugal, extensa e intensamente no arquipélago dos
Açores, especialmente na Ilha Terceira, mas não só (Leal 1994; 2001); nos Estados Unidos,
especialmente na região da Nova Inglaterra e da Califórnia, onde a há significativa
imigração de açorianos desde o século XIX (Salvador 1981; 1987); no Canadá, em áreas de
imigração de açoriana. No Brasil, essas festas marcam profundamente a experiência
sociocultural e a memória coletiva de vastos segmentos da população. Elas vêm sendo
sutileza de distinções com a idéia da existência de um “Complexo Cultural”, buscando a abordagem mais etnográfica da idéia de patrimônio imaterial.
20
realizadas, por mais de um século, no Rio de Janeiro (Melo e Souza 1994; Abreu 1999;
Gonçalves; Contins 2008; 2009); em Santa Catarina (área de forte imigração açoriana); mas
também em Goiás (Berocan 2002; Spinelli, 2008); no Maranhão (Pacheco et al, 2005;
Ferreti, 1997, 2007; Pereira, 2005); e em outras regiões e cidades do país.
Não só extensa é a sua difusão em termos espaciais. As festas do divino
conhecem também uma notável profundidade histórica, suas origens remontando ao
período medieval europeu (Van Gennep 1947; 1949). Os mitos de origem das festas do
divino, em diversas variantes, situam seu aparecimento no reinado de Dom Diniz (1261-
1325). A esposa deste, a rainha santa Izabel (1271-1336), teria realizado uma promessa ao
divino Espírito Santo para que cessassem as guerras em que estavam envolvidos seu esposo
e seu filho. Teria sido na forma de uma ampla e generosa distribuição de alimentos e
bebidas aos pobres, que ela retribuiria a graça alcançada junto ao divino. Em algumas
versões, a rainha teria coroado os pobres com sua própria coroa.19 Em termos históricos, é
possível dizer que a inspiração religiosa da rainha santa encontra sua fonte intelectual
inspiradora no monge franciscano Joachim de Fiore (1135-1202), cujas teses messiânicas
defendiam a existência de três idades do mundo: a idade do pai, a idade do filho e,
finalmente, a idade do espírito santo. Esta terceira idade do mundo conheceria um novo
tempo, quando o império do divino espírito santo traria paz e fartura para todos
(Gonçalves; Contins 2008; 2009).
No Rio de Janeiro, estas festas se realizam desde o século XVIII, e, no século
XIX, durante o Império, conheceram expressão social altamente significativa, agregando
em sua realização extensa quantidade e variedade de participantes (negros e brancos; ricos e
pobres; nobres e plebeus) chegando então muitos intelectuais a cogitar em elevá-la à
condição de símbolo da nacionalidade (Abreu 1999). Proibida pelo Estado republicado, por
razões de ordem pública, a festa, no entanto, permaneceu fortemente ancorada na memória
coletiva da população do Rio de Janeiro. A extensão espacial, a profundidade temporal e a
permanência dessas festas no contexto dessa cidade foram asseguradas, em grande parte,
pelos imigrantes açorianos, cujas irmandades religiosas celebram anualmente o divino em
diversos bairros e subúrbios, desde fins do século XIX (Gonçalves; Contins 2008; 2009).
Atualmente, há no Rio de Janeiro, irmandades em Vila Isabel, na Tijuca, no Catumbi, no
Engenho de Dentro (Irmandade do Outeiro), no Encantado, na Baixada Fluminense
19 No contexto norte-americano, esse mito é bastante presente entre os imigrantes açorianos, que freqüentemente trazem em suas procissões em louvor do espírito santo uma adolescente vestida com o manto, o cetro e a coroa da Rainha Santa Izabel.
21
(Olinda) e uma no bairro da Engenhoca, em Niterói.20 Dessas, a mais antiga, segundo
alguns informantes, é provavelmente a do Outeiro, no Engenho de Dentro. A sede da Casa
dos Açores (no bairro da Tijuca) possui também a sua própria irmandade. Algumas
irmandades existem provavelmente desde fins do século XIX (como a do Outeiro); já a
Casa dos Açores foi fundada no século XX, no início dos anos cinqüenta21
Cada uma dessas irmandades, embora tradicionalmente administradas por
açorianos e seus descendentes, mantém uma forte relação com a população em cada um
dos bairros em que existem, integrando de modo sensível a memória local. As festividades
anuais incorporam um extenso número de moradores desses bairros, que comparecem na
condição de devotos do divino. O núcleo ritual da festa consiste numa relação de dádiva e
contra-dádiva entre os devotos e o divino. Durante sete semanas consecutivas, a partir do
domingo de Páscoa até domingo de Pentecostes, diversas famílias abrigam em suas casas a
coroa do divino, recebendo ao longo de toda uma semana os devotos que visitam sua casa
para fazerem e para pagarem promessas ao divino espírito santo. Ao longo dessas sete
semanas, a coroa percorre a casa de sete famílias, cuja “graça” de hospedar o espírito santo
foi assegurada em sorteio realizado no ano anterior. Sendo fundamentalmente uma festa de
celebração da fartura, entendida aqui essa categoria em seus múltiplos sentidos (saúde,
felicidade, dinheiro, sorte, alegria, etc.), um dos focos de sua realização é a comensalidade e
a fartura alimentar. Todo o processo festivo é pontuado, iniciado e concluído com
generosas e fartas mesas, onde são servidas, de modo necessariamente abundante, bebidas
e comidas. No domingo de Pentecostes, clímax da festa, serve-se obrigatoriamente a “sopa
do divino”, que inclui, além da sopa propriamente dita, um cardápio que inclui alcatra,
vinho, refrigerantes e sobremesas. O que sobra das comidas e bebidas preparadas para a
festa é distribuído entre os pobres, sendo parte eventualmente encaminhada a abrigos,
orfanatos e hospitais. Durante as celebrações, as irmandades transbordam seus limites para
as ruas adjacentes, incluindo todos os moradores do bairro, seja na forma de procissões,
seja na forma de ampla distribuição de carne e pão aos pobres, na véspera de Pentecostes.
20 Alguns de nossos informantes mais velhos mencionam a existência de uma rica irmandade no Estácio, que teria existido na primeira metade do século XX, mas que teria encerrado suas atividades. Quando perguntados por que do fechamento dessas atividades, os informantes são unânimes em dizer que “a igreja tomou”. Referem-se evidentemente à igreja católica e expressam aí o caráter ambíguo e tenso de suas relações seculares com a igreja: as irmandades buscam autonomia, enquanto que a igreja busca o seu controle e disciplinamento. 21 “Associação luso-brasileira sem fins lucrativos”, a Casa dos Açores do Rio de Janeiro foi fundada em julho de 1952. Lê-se na sua home page que entre seus objetivos está o de “...ter sempre unida a comunidade açoriana do Rio de Janeiro, mantendo sempre as tradições açorianas...”. Há Casas dos Açores também em outras cidades brasileiras como Porto Alegre, Santa Catarina, São Paulo. Reuniões nacionais e internacionais das Casas dos Açores são promovidas regularmente.
22
Um ponto especialmente importante da festa, e que é realizado antes do domingo
de Pentecostes, é a coroação das crianças, o que é feito necessariamente dentro de uma
igreja e pelas mãos de um padre, indicando a forte complementaridade desses festejos com
o catolicismo oficial. Ter sido coroado pelo divino é, para os açorianos e seus
descendentes, uma espécie de segundo batismo, marcando fortemente sua identidade
pessoal.
Operando ritualmente por meio variados códigos (social, mágico-religioso,
espacial, temporal, étnico, culinário, estético, jurídico), as festas do divino operam
mediações sensíveis e especialmente importantes em termos de tempo e espaço. Pela sua
profundidade histórica e pela sua extensão geográfica, talvez merecesse a qualificação de
um patrimônio transnacional, reunindo social e simbolicamente uma vasta rede de relações
seja no plano mundano, seja no plano extra-mundano.
Alguma conclusão
Na medida em que nos situamos na perspectiva que assume a natureza e a origem
simbólicas da sociedade (antes que a origem social do simbolismo), vemos nas festas e
patrimônios, modalidades de estruturação simbólica da experiência humana. Festas e
Patrimônios articulam, e se articulam, como lugares de elaboração de amplos processos
sócio-culturais e emergem como operadores simbólicos privilegiados entre domínios
distintos da experiência social, como articuladores críticos da continuidade e
descontinuidades da experiência coletiva nas dimensões de passado, presente e futuro.
Realizam-se no tempo e espaço concretos, na conjunção entre pensamento e práticas
sociais, entre uma dimensão metafórica e uma dimensão metonímica de elaboração da
experiência coletiva. São lugares, em suma, em que a inventividade das tradições (Sahlins,
2004) se exerce de modo pleno.
Festas e patrimônios não são, assim, apenas a propriedade cultural de um grupo ou
de uma sociedade nacional; emblemas, sinais diacríticos a delimitarem fronteiras sociais
entre grupos. Por meio das festas, enquanto estruturas simbólicas, o mundo pode ser
reinventado periodicamente, exibindo dimensões também estéticas e lúdicas, fazendo com
que existam por si mesmas e não apenas submetidas a determinadas finalidades de ordem
social, religiosa, econômica ou política. No caso dos patrimônios, com a marcante presença
da categoria nos discursos oficiais das políticas públicas de cultura, é preciso manter ativa a
idéia de que "patrimônios" são também e, sobretudo, uma categoria de pensamento
23
presente em qualquer comunidade humana, de modo a construir, em bases compreensivas,
sua diversidade e sua comparabilidade.
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