Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

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Catálogo de ilustrações a partir dos contos de Mia Couto, realizadas pelos alunos do 1ºano de Design Multimedia UBI. Com o apoio da Coolabora,CRL e CIG- Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género Design Gráfico: Linda Redondo e Edgar Fernandes ISBN: XXX-XXX-97709-X-2

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Título

Romper silêncios: Género em Mia Couto

Edição

CooLabora, CRL - Q.ª Rosas, lote 6, r/c esq . 6200-551 Covilhã PT

www.coolabora.pt

Coordenação

Francisco Paiva / Teresa Correia

Design gráfico

Linda Redondo / Edgar Fernandes

Produção

Gracinda Pereira

Impressão

Gráfica do Tortosendo

Tiragem

250 exemplares

Depósito Legal:

ISBN: 978-989-97709-4-2

Covilhã, 2012

Edição financiada pela CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, através do

Programa Operacional do Potencial Humano - POPH. Eixo 7 - Igualdade de Género. Tipologia

7.3. - Apoio Técnico e Financeiro às Organizações Não Governamentais

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I ENQUADRAMENTO 8

Rasgar Silêncios - Graça Rojão 9

APRESENTAÇÃO 11 Ilustrar o que conta - Francisco Paiva 12

Da Literatura para a Vida - Teresa Correia 15

II CONTOS,MIA COUTO 19

1.O BARALHO ERÓTICO | Mia Couto 21 ILUSTRAÇÕES 25 Alina Oliveira; Anabela Carvalho 26

Helena Coelho; João Rodrigues 27

João Artur 28

Linda Redondo 29

Luis Antunes 30

Luis Rodrigues; Nuno Coutinho 33

Pedro Freire 34

Rafael Dias; Rodrigo Antunes; Roksana Stasiak 36

Sara Vitória 37

Simão Mota 38

Vasco Silva; Victor Monteiro 39

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2. AFINAL CARLOTA GENTINA, NÃO CHEGOU A VOAR? | Mia Couto 41 ILUSTRAÇÕES 46 Albertina Pinto; João Rosa 47

Marta Correia; Sara Barreira 49

3. JOÃOTÓNIO,NO ENQUANTO | Mia Couto 51

ILUSTRAÇÕES 55 Ana Fernandes; Bárbara Seara 56

Danilo Silva 57

Eduarda Silva; Inês Ramos 58

Mélodie Deschans 59

Paulina Fonseca 61

4. MARIA PEDRA NO CRUZAR DOS CAMINHOS | Mia Couto 63

ILUSTRAÇÕES 66 André Melo; Catarina Nobre 67 Cristiana Farias; Diogo Charro 68

Edgar Fernandes 69

Joel Mariano; Juliana Neves 70

Manuel Abelho; Sofia Oliveira 71

5. ROSALINDA, A NENHUMA | Mia Couto 75

ILUSTRAÇÕES 76 Florian Oliveira; Joel Gonçalves 81

Elói Silva 82

Leonor Branco 84

Pedro Alves 85

Sérgio Vieira; Sofia Biserinska 86

BIBLIOGRAFIA 87

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8 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

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A violência contra as mulheres ensombra persistentemente

a nossa vida colectiva. Nas conversas quotidianas, acidentalmente

escutadas em qualquer esquina, nos relatos soltos, fugazmente

trazidos pela comunicação social, afloram indícios que denunciam

um fenómeno submerso, mas de dimensão colossal. Estima-se que

uma em cada três mulheres sofre violência, a maior causa de morte

e invalidez nas mulheres com idades entre os 16 e 44 anos, ultra-

passando mesmo o cancro, os acidentes de viação e as mortes em

contexto de guerra.

GRAÇA ROJÃO

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10 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Se buscarmos as raízes deste fenómeno o caminho leva-nos

à desigualdade estrutural entre homens e mulheres. O desequilí-

brio nas relações de poder entre uns e outras e as representações

sociais que remetem as mulheres para papéis de subalternidade

nutrem este plano indigno de humanidade, pautado por violência

física, psicológica e verbal; pelo assédio sexual e pela violação, entre

outras tenebrosas realidades.

A igualdade de género é premissa basilar da democracia e

de uma sociedade onde homens e mulheres se possam realizar

integralmente, sem as balizas de convenções sociais castradoras e

sem atropelos à dignidade.

A arte é por excelência um território de inquietação fecunda.

A sua linguagem universal facilita a disseminação e a mudança indi-

vidual e colectiva e pode apontar novos campos de acção que faci-

litem a desconstrução de mitos e crenças, que perpetuam relações

de poder assimétricas.

Este catálogo é fruto de um encontro de vontades e de sa-

beres: a CooLabora que assume como vertente fundamental do seu

trabalho a promoção da igualdade de género e a prevenção da vi-

olência contra as mulheres; duas pessoas que de forma generosa

têm tido um grande empenho cívico nesta causa: Teresa Correia, es-

pecialista em questões de género que selecionou os contos de Mia

Couto e Francisco Paiva, director do curso de Design Multimédia da

Universidade da Beira Interior que coordenou durante um semestre

lectivo os trabalhos de ilustração. Destacamos ainda o envolvimento

activo de todos os alunos e alunas do curso de Design Multimédia,

que criaram os trabalhos que aqui se apresentam, sobretudo Linda

Redondo e Edgar Fernandes que assumiram também o design grá-

fico.

A inclusão neste catálogo dos textos ilustrados foi possível

por gentileza da Editorial Caminho, do editor Zeferino Coelho e por

autorização do autor, a quem agradecemos.

Mia Couto rasga silêncios. Questiona-nos sobre a invisibi-

lidade, a repressão, o silenciamento, a menorização ou o controlo

e fala-nos das mulheres, essas entidades marginais, sem voz, sem

outra história senão a que os homens lhe emprestam.

Com este trabalho pretendemos contribuir para ampliar a

reflexão e a consciência crítica, fundamentais no reforço da capaci-

dade transformadora individual e colectiva para uma vida sem vi-

olência.

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12 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Este catálogo de trabalhos de alunos do 1º ano do curso de

Design Multimédia da Universidade da Beira Interior dá vivo teste-

munho da relação possível entre as diversas artes, em especial a

Literatura e o Desenho. Prova igualmente o possível contributo das

artes para a alteração de mentalidades e a inovação social, na me-

dida em que os autores dos vídeos aqui documentados pertencem a

uma geração que não tendo vivido muitas daquelas realidades cer-

tamente aumentará o sentido crítico perante fenómenos análogos.

Os resultados patentes são, pois, um panorama residual da

riqueza do processo de interpretação e imaginação provocado pela

leitura dos contos de Mia Couto seleccionados. Se, num primeiro

momento, estes contos provocaram uma certa estranheza – pelo

vocabulário e pela sintaxe da nossa língua ultramarina, mas também

pelo universo das narrativas, das suas personagens e concomitante

Francisco Paiva

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enquadramento das relações humanas –, rapidamente os alunos

perceberam o potencial criativo do onírico e até desconcertante uni-

verso literário do notável escritor moçambicano.

Embora tenhamos recebido com alguma reserva o desafio

lançado pela Teresa Correia e pela Coolabora, a reacção dos alu-

nos na primeira sessão de discussão dos textos dissipou as dúvidas

que houvesse sobre as possibilidades que este desafio abria para

o curso, ao colocar os alunos em contacto com outros âmbitos e

agentes sociais, em particular com esta cooperativa de intervenção

social, cujo trabalho publicamente reconhecido em prol dos direitos

humanos fundamentais vai de par com a permanente atenção à

produção e divulgação cultural na região.

Será por propiciar um campo de resistência, de emancipação

e de estímulo às necessárias mudanças sociais, inclusive no âm-

bito educativo, que a produção artística se vem distanciando da via

comemorativa institucional e assume progressivamente o primado

da intervenção cívica. Esse será, pois, um campo privilegiado para

a actuação dos nossos alunos de Design que justifica a presença

institucional da UBI em parcerias deste tipo.

É consabido que a presença de mulheres no panorama das artes visuais não é minimamente comparável ao da expressão lit-

erária, domínio em que se verifica maior equidade com os homens.

Não obstante a evidência de que a massiva entrada de mulheres na

arte contemporânea tem marcado um novo encontro com o sensível,

com as esferas da intimidade, do desejo e do corpo, perduram mui-

tos preconceitos que a arte ajuda a ultrapassar.

As mais celebradas obras da arte ocidental reservam um

papel central à imagem da mulher, estando esta presente maiori-

tariamente na qualidade de objecto passivo. Salvo raras excepções,

quem permanecia do lado de trás do cavalete era um homem, sendo

o ideal de beleza masculino a condicionar a escolha dos modelos

e dos temas dignos de representação. Não obstante essa predom-

inância, Mia Couto proporciona-nos uma abordagem de rara sensi-

bilidade para aspectos que pouco se encontram na arte, sejam os

problemas identitários e da violência ou as estratégias de poder e

submissão na vida quotidiana, onde o feminino e o masculino se

afastam dos estereótipos para encarnar narrativas particularmente

inquietantes para o sistema de valores tradicionais.

Os textos de Mia Couto proporcionaram um aprofundamento

da consciência sobre estes temas, e seguramente alteraram a nossa

visão do mundo, em particular dos alunos, certamente mais ávidos

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14 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

de perceber os nexos entre a vida íntima e a esfera pública, mesmo

política, mas também mais inquietos sobre os veículos gráficos e

visuais que melhor se ajustam a essa comunicação.

O processo criativo partiu dos textos seleccionados e apre-

sentados pela Teresa Correia, que foi participando nas diversas fases

do processo, desde a decupagem e divisão das orações, das cenas

à caracterização das personagens e ambientes. Entre o story-board

e a animação final houve momentos de intenso debate e partilha,

procurado-se evidenciar as particularidades de linguagem gráfica e

clarificar os conceitos e adequar os ritmos e a linguagem plástica ao

fluxo de interpretação da narrativa. Estes trabalhos resultam dessa

conjuntura e embora possam considerar-se num ou noutro aspecto

incompletos, experimentam um sem número de possibilidades que

transcendem o mero contexto do exercício escolar através do prisma

estético.

Os vídeos aqui documentados não são objectos acabados,

são antes embriões de objectos artísticos que procuram respond-

er aos problemas de que explicita ou implicitamente os contos se

ocupam, explorando linguagens e possibilidades de representação

que cada aluno intuiu, quis ou foi capaz de fixar. De certo modo à

margem do género pictórico e da efabulação paternalista, procurou-

se desenvolver abordagens singulares, que tanto serviu as histórias

e as suas personagens como foi útil aos autores. Tal diversidade está

bem patente na diferença estilística, técnica e material dos trabalhos

feitos sobre o mesmo conto, cuja riqueza semântica abriu direcções

criativas insuspeitas para cada aluno, que com a sua criatividade

aumentou o mundo.

Resta-nos agradecer ao escritor, pela talentosa obra que

connosco partilha e sem a qual esta dinâmica não teria existido.

Também ao seu editor que de pronto acolheu o nosso pedido e

generosamente cedeu autorização de publicação dos contos ora

ilustrados neste catálogo.

Bem-hajam!

Francisco Paiva

Director do Curso de 1º Ciclo em Design Multimédia da UBI

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Um livro tem de gerar inquietação. O universo literário de

Mia Couto, escritor moçambicano, segue este lema e, como tal, as

suas estórias albergam personagens e enredos aos quais raramente

ficamos indiferentes. São malhas tecidas em intrigas que recusam

um mundo estereotipado, cultivando a transgressão para assim al-

cançar uma verdade secreta que só o leitor atento e despojado de

ideias feitas alcançará.

A mundivivência feminina é absolutamente dominante nas

narrativas deste autor, construindo-se através de percursos diversos

que, no entanto, têm um traço em comum: a extraordinária força de

que estão investidas as personagens femininas e a responsabilidade

maior que lhes cabe na esfera do privado, mesmo porque estão

impedidas de ter voz no domínio público. Com efeito, impossibilita-

das de participar na construção de uma sociedade nova, procuram

nos seus tradicionais papéis de filhas, esposas e mães construir a

sua própria identidade, em atitudes de resiliência e de revolta que,

não raras vezes, se revelam de extrema violência. São os frutos da

TERESA CORREIA

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16 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

opressão e da negação da liberdade a que todo o ser humano tem

direito.

Assim, a tradicional matriarca moçambicana, espelhada nas

estórias de Mia Couto, possui uma força mística capaz de transfor-

mar as difíceis conjunturas das comunidades em que se insere. Se

nuns momentos é submissa noutros será insurreta, se é vulnerável

também é resistente, capaz de ultrapassar a solidão inerente à sua

condição feminina. Não obstante a sua posição de subalternidade,

ela ousa desobedecer e tomar para si uma voz própria, capaz de

garantir a segurança no domínio familiar. Nos contos apresentados

(“Maria Pedra no cruzar dos caminhos”1, “Afinal Carlota Gentina não

chegou de voar?”2, “O Baralho Erótico”3, “Rosalinda, a nenhuma”4 e

“Joãotónio, no enquanto”5 ), as temáticas são abordadas de modos

diversificados, no entanto em todas estas estórias compreendemos

que o mundo é muito mais heterogéneo do que nos querem fazer

entender e que o ser humano pode tomar o futuro nas sua mãos e

mudar o rumo dos acontecimentos, se assim o decidir.

Na verdade, as questões de género são particularmente rel-

evantes nestes contos e não é difícil concluirmos que se a oposição

homem/mulher se justifica a partir de um fator biológico, já a

diferença masculino/feminino assenta em questões culturais e ide-

ológicas, ou seja, construções sociais suscetíveis de mudança. No

primeiro conto, é a questão do alcoolismo associada ao desencanto

que conduzem a um desfecho enigmático, numa clara cumplicidade

entre mãe e filha; no segundo, a tremenda violência que advém das

superstições e da ignorância, capaz de conduzir à morte física e/ou

psicológica das personagens; no terceiro, o alcoolismo gera violên-

cia e desrespeito que apenas são ultrapassáveis por via da fantasia;

no quarto, a anulação da personagem feminina é aceite, mas a sua

“revivescência” enquanto pessoa e mulher são entendidas como

demência; no último, os estereótipos associados às questões de

género baralham-se e resultam em situações peculiares, suscetíveis

de quebrar tabus e de revelar outras realidades escondidas.

Por vezes, o olhar singular do autor sobre o quotidiano con-

creto das “mulheres” inquieta-nos, pois nele encontramos uma lógi-

ca de pensamento que, apesar de tão distante, nos coloca perante

realidades muito próximas da nossa. Afinal, apesar da entrada das

mulheres nos setores do mundo do trabalho e de todas as lutas

1 in MIA COUTO, O Fio de Missangas

2 in MIA COUTO, Vozes Anoitecidas

3 in MIA COUTO, Contos do Nascer da Terra

4 in MIA COUTO, Cada Homem é uma Raça

5 in MIA COUTO, Estórias Abensonhadas

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travadas, especialmente desde o início do século XX, verificamos

que o acesso a posições de liderança ainda é bastante limitado e

mantém padrões de desigualdade relativamente aos homens. Com

efeito, continuam a existir para as mulheres as chamadas “barreiras

de vidro” que dificultam o seu acesso a posições tradicionalmente

ocupadas pelos homens. Na verdade, a condição feminina resulta

de uma História que lhe não foi favorável, como facilmente con-

cluímos quando remontamos a tempos mais antigos e analisamos

os papéis impostos à mulher. Como se tal não fosse já um forte

obstáculo no caminho da igualdade, a violência doméstica assume,

nos nossos dias, proporções chocantes. A violência não é só contra

as mulheres, mas é sobretudo contra as mulheres. A superioridade

física ou psicológica, os paradigmas educacionais ou culturais e as

tradições contribuem para este estado de coisas. Na literatura como

na vida.

Foi a partir da convicção de que a mudança é possível que se

estabeleceu a ligação entre os textos do escritor moçambicano e as

ilustrações concebidas pelos alunos do primeiro ano do curso de De-

sign e Multimédia da Universidade da Beira Interior, numa parceria

fomentada pela Coolabora. A leitura crítica dos textos proporcionou

uma outra visão do mundo e o nascimento de opções artísticas ca-

pazes de chegar a um público mais diversificado. E assim se cumpriu

mais um propósito da criação literária – proporcionar o diálogo entre

diferentes linguagens. Simultaneamente, promoveu-se a descoberta

ou o conhecimento um pouco mais aprofundado de um escritor

maior da língua portuguesa.

O trabalho realizado a partir da obra de Mia Couto, cuja

diversidade é bem visível nas várias matrizes escolhidas e na story-

board criada por cada um dos alunos, desperta o leitor para uma re-

alidade ficcionada e conduz a uma leitura crítica e universalista dos

temas, conseguindo, desta forma, alcançar, por um lado, o prazer

estético e, por outro, a intervenção social que também compete a

podas as formas artísticas.

Assim se conclui que a busca de uma nova ordem social

onde as diferenças possam ser respeitadas e a aceitação do Outro

seja inquestionável impõem-se como condições para a construção

de um mundo mais justo e mais equilibrado. Essa é uma tarefa plu-

ridimensional. Nesse sentido, a literatura assume, agora tal como

aconteceu no passado, um papel único e contribui para fazer de

nós agentes de mudança e, como tal, esbater os impedimentos da

verdadeira evolução humana.

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m sua maior parte, o matrimónio é um

maltrimónio. Os dois pensando somar,

afinal, se traem e subtraem. Era o caso de

Fula Fulano mais sua respectiva Dona Nadinha.

O homem era um vidabundo, formado nas ma-

landragens. A mulher era muda durante o dia.

Mesmo que pretendesse não lhe saía palavra.

Só de noite ela falava. No resto, se arredava,

imóvel de fazer inveja às plantas. Se sentava a

desfolhar fotos e postais. Nadinha vivia por fo-

tografia, sonhava por interposição de imagens

recortadas em revistas. Coleccionava retratos,

cromos, postais. Ficava horas contemplando as

figurinhas. Assim, ela se desconhecia, desa-

parecendo de si mesma, invisibilizando a vida.

De noite é que ela pegava o trabalho, desfiava

horas de canseira. Em cada intervalo, mínimo

que fosse, ela sacava da colecção das fotogra-

fias e se sentava. Se enamorava das mulheres

das capas, que lindas, nem transpiram, nem

enrugam com os tempos.

- “Não existe uma foto em que saia o mundo?

“Existe, existe”, anuía o marido em sono.

“Coitada, a mulher. Devia ser que apanhou

de mais, tenho que abrandar a socar a. Eu lhe

bato não é desamor, é só porque você é uma

criança, entende Nadinha?

Está ouvir, Nadinha?”

Ela não entendia, parvinha que era, olho pre-

gado nas fotos. Ou será que esperava a noite

para emitir resposta? Mas ele, de noite, não

estava. Saía, remeloso, pelas barracas, se ate-

stando de tontonto até se apoisar em mesa de

jogo e bater cartas. Certa madrugada regressou

afadigado das jogatanas, acumulado de azares

e divida. Raio das cartas, raio da vida! Ficou

remexendo as cartas, como se repreendesse

os dedos de não terem sabido extrair vitórias

e ganhos. Desgostosa, Nadinha espreitou o

baralho: as cartas exibiam fotografias de mul-

heres nuas. A mulher acenou em reprovação:

- “Que vergonha, parece nem tem esposa,

você!

- “Que vergonha o quê! Tomara-se você ultra-

passar os calcanhares de qualquer destas.

- “Sabe o quê? Sinto pena mas não de mim.

- “Acabou-se, mulher. Esta noite não quero

barulheiras!”

Mas ela, entre panelas e panos, se estriden-

tou, numa quinquilhação de rasgar orelha. Fula

Fulano nem avisou: assentou logo uns tantos

e quantos sopapos na mulher. Como que ela

caiu,ficou. Toda em silêncio, lhe escapavam

lágrimas e sangues. Os líquidos eram rios que

caminhavam junto. Logo o marido percebeu: ela

só deixaria de sangrar se parasse de chorar. Em

acesso de pena, ele lhe pediu:

- “Se deixar de chorar eu prometo... prometo

que nem nunca mais vou sair para jogar!”

Ela lhe olhou, sem crédito. Seu olhar era irreal,

faz conta seus olhos figurassem no mortiço

papel de revista.

- “Eu juro, Nadinha. Pare de chorar que vou

ficar aqui todas as noites, a lhe fazer um boca-

dito de acompanhia”.

Na seguinte noite, ele ficou. Mandou recado

aos companheiros das jogatanas a dizer que

não ia, estava indisposto. Mesmo sendo noite,

Nadinha rodopiou sem falar. Posto perante

o silêncio dela, o homem ficou num canto a

desfolhar as revistas que ela tanto estimava.

De quando em enquanto, soltava risadas, se

esmilhofrava da mulher. Era aquilo que tanto

MIA COUTO

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24 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

i

derretia o coração dela? Ainda fosse mulhero-

nas dessas de arrebentar botões. Falou só, até

que se fartou.

- “Não quer falar-me, mulher?”

Ela respondeu, em vago tom, estranhas pala-

vras. Que sim, mas ela queria era conversar

com a mulher que estava dentro dele. Assim

que falou, apanhou logo uma chapada.

- “E nem pense em chorar! Pois que, da última

vez, com essa porcaria de sangue e ranhos

você quase me estragava o baralho das gajas

descascadas!”

E foi um relampejamento. Rápido, o homem

deitou a promessa para as traseiras. O prometi-

do não é de vidro? E, logo-logo, se fez à rua

para recuperar o quanto da noite já perdera.

Ainda por cima, ele tanto reclamara vingança

sobre o que perdera. Essa noite, os cabrões

haviam de ver. Azar no amor, sorte aonde?

Chega à barraca, se senta em firme silêncio.

Os jogadeiros estranham seus modos bruscos.

Fula Fulano baralha as cartas disposto, como

ele proclama, a enrabar valetes e descue-

car damas. Com os nervos, lhe tomba uma

carta. Um que apanha a carta e se espanta.

Nem querendo acreditar, passa a carta aos

restantes. Cochicham. Os amigos passam a

fotografia de mão para mão, gozando e rindo.

Até que um deles guarda a carta e todos se

arrumam sérios e graves. Fula Fulano, estra-

nhando os modos, pergunta.

- “Não é nada, Fula. É só uma dessas gajas que aparece nas costas das cartas.

- “Mostra!

- “Deixa lá esta merda. Continua a baralhar,

Fula.

- “Eu quero ver essa carta”.

O outro, com voz de funeral, diz:

- “É melhor não, você”.

Saltando sobre o tampo, Fulano arranca a

carta. Seu juízo deu o salto mortal, todo

despenhado naquela visão. Quem era a gaja?

Nadinha! Sim, Nadinha, sua esposa, toda cas-

cadinha, como o mundo lhe recebeu. Fula Fu-

lano desejou o buraco final. Saiu, de espuma e

raiva. Foi direito a casa, mãos nos bolsos com

tais fúrias que estrilhaçava o baralho. Chegou

a casa, demorou-se um momento na porta. Sa-

cou da carta onde a Nadinha se descamava em

carnes. Lhe subiu uma fervura, sangue adentro,

irrompeu pela casa e se dirigiu, certeiro, para o

leito onde a mulher dormia. E desatou a beijá-

la com paixão que nunca tanto dele emergira.

In Contos do Nascer da Terra

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26 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Alina OliveiraTécnica: ColagensDuração: 00:01:53

Autor: Anabela CarvalhoTécnica: AguarelaDuração: 00:02:07

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Autor: João RodriguesTécnica: LápisDuração: 00:01:32

Autor: Helena CoelhoTécnica: AguarelaDuração: 00:00:35

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28 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: João ArturTécnica: Técnica MistaDuração: 00:01:04

Page 29: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

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Autor: Linda RedondoTécnica: AcrílicoDuração: 00:02:49

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30 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Luis AntunesTécnica: Técnica MistaDuração: 00:02:04

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32 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Nuno CoutinhoTécnica: LápisDuração: 00:00:33

Page 33: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

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Autor: Luís RodriguesTécnica: ColagensDuração: 00:01:52

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34 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Page 35: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

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Autor: Pedro FreireTécnica: AguarelaDuração: 00:04:00

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36 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Rafael DiasTécnica: CanetaDuração: 00:01:15

Autor: Rodrigo AntunesTécnica: LápisDuração: 00:01:04

Autor: Roksana StasiakTécnica: GuacheDuração: 00:01:33

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COOLABORA 37

Autor: Sara VitóriaTécnica: AguarelaDuração: 00:03:11

Page 38: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

38 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Vasco SilvaTécnica: Técnica MistaDuração: 00:00:56

Autor: Victor MonteiroTécnica: LápisDuração: 00:01:02

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Autor: Simão MotaTécnica: Técnica MistaDuração: 00:01:21

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40 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

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42 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

SENHOR DOUTOR, LHE COMEÇO

Eu somos tristes. Não me engano, digo

bem. Ou talvez: nós sou triste? Porque

dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E

esses todos disputam minha única vida. Vamos

tendo nossas mortes. Mas parto foi só um. Aí,

o problema. Por isso, quando conto a minha

história me misturo, mulato não das raças, mas

de existências. A minha mulher matei, dizem.

Na vida real, matei uma que não existia.

Era um pássaro. Soltei-lhe quando vi que ela

não tinha voz, morria sem queixar. Que bicho

saiu dela, mudo, através do intervalo do corpo?

O senhor, doutor das leis, me pediu de escrever

a minha história. Aos poucos, um pedaço cada

dia. Isto que eu vou contar o senhor vai usar no

tribunal para me defender. Enquanto nem me

conhece. O meu sofrimento lhe interessa, dou-

tor? Não me importa a mim, nem tão pouco.

Estou aqui a falar, isto-isto, mas já não quero

nada, não quero sair nem ficar. Seis anos que

estou aqui preso chegaram para desaprender a

minha vida. Agora, doutor, quero só ser mori-

bundo. Morrer é muito de mais, viver é pouco.

MIA COUTO

Page 43: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 43

Fico nas metades. Moribundo. Está-me a rir de

mim?

Explico: os moribundos tudo são permitidos.

Ninguém goza-lhes. O respeito dos mortos eles

antecipam, pré-falecidos. O moribundo insulta-

nos? Perdoamos, com certeza. Cagam nos

lençóis, cospem no prato? Limpamos, sem mais

nada. Arranja lá uma maneira, senhor doutor.

Desarasca lá uma maneira de eu ficar mori-

bundo, submorto. Afinal, estou aqui na prisão

porque me destinei prisioneiro. Nada, não

foi ninguém que queixou. Farto de mim, me

denunciei. Entreguei-me eu mesmo. Devido,

talvez, o cansaço do tempo que não vinha.

Posso esperar, nunca consigo nada. O futuro

quando chega não me encontra. Onde estou,

afinal eu? O lugar da minha vida não é esse

tempo? Deixo os pensamentos, vou directo na

história. Começo no meu cunhado Bartolomeu.

Aquela noite que ele me veio procurar, foi onde

iniciaram desgraças.

ASAS NO CHÃO, BRASAS NO CÉUA luz emagrecia. Restava só um copo

de cu. Em casa do meu cunhado Barto-

lomeu preparava-se o fim do dia. Ele espreitou

a palhota: a mulher, mexedora, agitava as

últimas sombras do xipefo. A mulher deitava

mas Bartolomeu estava inquieto. O adormeci-

mento demorou de vir. Lá fora um mocho piava

desgraças. A mulher não ouviu o pássaro que

avisa a morte, já dormia entregue ao corpo.

Bartolomeu falou-se:

- Vou fazer o chá: talvez bom para eu garrar

maneira de dormir.

O lume estava ainda a arder. Tirou um pau

de lenha e soprou nele. Sacudiu dos olhos

as migalhas do fogo. Na atrapalhação deixou

a lenha acesa cair nas costas da mulher. O

grito que ela deu, nunca ninguém ouviu. Não

era som de gente, era grito de animal. Voz

de hiena, com certeza. Bartolomeu saltou no

susto: estou casado com quem, afinal? Uma

nóii1? Essas mulheres que noite transformam

em animais e circulam no serviço da feitiçaria?

A mulher, na frente da aflição dele, rastejava

a sua dor queimada. Como um animal. Raio

da minha vida, pensou Bartolomeu. E fugiu

1Feiticeira

de casa. Atravessou a aldeia, rápido, para me

contar. Chegou a minha casa, os cães agitaram.

Entrou sem bater, sem licenças. Contou-me o

sucedido assim como agora estou a escrever.

Desconfiei, no início. Bêbado, talvez o Barto-

lomeu trocou as lembranças. Cheirei o hálito

da sua queixa. Não arejava bebida. Era verdade,

então. Bartolomeu repetia a história duas,

três, quatro vezes. Eu ouvia aquilo e pensava:

e se a minha mulher também é uma igual? Se

é uma nóii, também? Depois de Bartolomeu

sair, a ideia me prendia os pensamentos. E se

eu, sem saber, vivia com uma mulher-animal?

Se lhe amei, então troquei a minha boca com

um focinho. Como aceitar desculpas da troca?

Lugar de animal é na esteira, algum dia?

Bichos vivem e revivem nos currais, para lá dos

arames. Se essa mulher, fidaputa, me enganou,

fui eu que animalei. Só havia uma maneira de

provar se Carlota Gentina, minha mulher, era

ou não uma nóii. Era surpreender-lhe com um

sofrimento, uma dor funda. Olhei em volta e vi

a panela com água a ferver. Levantei e reguei

o corpo dela com fervuras. Esperei o grito mas

não veio. Não veio, mesmo. Ficou assim, muda,

chorando sem soltar barulho. Era um silêncio

enroscado, ali na esteira. Todo o dia seguinte,

não mexeu. Carlota, a coitada, era só um nome

deitado. Nome sem pessoa: só um sono demo-

rado no corpo. Sacudi-lhe nos ombros:

- Carlota, porquê não mexes? Se sofres, porquê

não gritas?

Mas a morte uma guerra de enganos. As

vitórias são só derrotas adiadas.

A vida enquanto tem vontade vai construindo a

pessoa. Era isso que Carlota precisava: a

mentira de uma vontade.

Brinquei de criança para fazer-lhe rir. Saltei

como gafanhoto em volta da esteira. Choquei

com as latas, entornei o barulho sobre mim.

Nada. Os olhos dela estavam amarrados na

distância, olhando o lado cego do escuro.

Só eu me ria, embrulhado nas panelas. Me

levantei, sufocado no riso e saí para estou-

rar gargalhadas loucas lá fora. Gargalhei até

cansar. Depois, aos poucos, fiquei vencido por

tristezas, remorsos antigos. Voltei para dentro

e pensei que ela havia de gostar ver o dia,

elasticar as pernas. Trouxe-lhe para fora. Era

Page 44: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

44 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

tão leve que o sangue dela devia ser só poeira

vermelha. Sentei Carlota virada para o poente.

Deixei o fresco tapar o seu corpo. Ali, sentada

no quintal, morreu Carlota Gentina, minha

mulher. Não notei logo aquela sua morte. Só vi

pela lágrima dela que parara nos olhos. Essa

lágrima era já água da morte. Fiquei a olhar a

mulher estendida no corpo dela. Olhei os pés,

rasgados como o chão da terra. Tanto andaram

nos carreiros que ficaram irmãos da areia. Os

pés dos mortos são grandes, crescem depois

do falecimento. Enquanto media a morte de

Carlota eu me duvidava: que doença era aquela

sem inchaço nem gemidos Água quente pode parar assim a idade de uma pessoa?

Conclusão que tirei dos pensamentos: Carlota

Gentina era um pássaro, desses que perdem

voz nos contravento.

SONHOS DA ALMA ACORDARAM-ME DO

CORPO

Sonhei-lhe. Ela estava no quintal, trabal-

hando no pilão. Pilava sabe o quê? Água. Pilava água. Não, não era milho, nem mapira, nem o

quê. Água, grãos do céu.Aproximei. Ela cantava uma canção triste, pare-

cia que estava a adormecer a si própria.

Perguntei a razão daquele trabalho.

- Estou a pilar.

- Esses são grãos?

- São tuas lágrimas, marido.

Foi então: vi que ali, naquele pilão, estava a

origem do meu sofrimento. Pedi que parasse

mas a minha voz deixou de se ouvir. Ficou cega

a minha garganta. Só aquele tunc-tunc-tunc do

pilão sempre batendo, batendo, batendo. Aos

poucos, fui vendo que o barulho me vinha do

peito, era o coração me castigando. Invento?

Inventar, qualquer pode. Mas eu daqui da cela

só vejo as paredes da vida. Posso sentir um

sonho, perfume passante. Agarrar não posso.

Agora, já troquei minha vida por sonhos. Não

foi só esta noite que sonhei com ela. A noite

antepassada, doutor, até chorei. Foi porque

assisti minha morte. Olhei no corredor e vi

sangue, um rio dele. Era sangue órfão. Sem

o pai que era o meu braço cortado. Sangue

detido como o dono. Condenado. Não lembro

como cortei. Tenho memória escura, por causa

dessas tantas noites que bebi.

E sabe, nesse tal sonho, quem salvou o meu

sangue espalhado? Foi ela. Apanhou o sangue

com as suas mãos antigas. Limpou aquele

sangue, tirou a poeira, carinhosa. Juntou os

pedaços e ensinou-lhes o caminho para regres-

sar ao meu corpo. Depois ela me chamou com

esse nome que eu tenho e que já esqueci,

porque ninguém me chama. Sou um número,

em mim uso algarismos não letras. O senhor

me pediu para confessar verdades. Está certo,

matei-lhe. Foi crime? Talvez, se dizem. Mas

eu adoeço nessa suspeita. Sou um vivo, não

desses que enterra as lembranças. Esses têm

socorro do esquecimento. A morte não afasta-

me essa Carlota. Agora, já sei: os mortos

nascem todos no mesmo dia. Só os vivos têm

datas separadas. Carlota voou? Daquela vez

que lhe entornei água foi na mulher ou no pás-

saro? Quem pode saber? O senhor pode?

Uma coisa eu tenho máxima certeza: ela ficou,

restante, por fora do caixão. Os que choravam

no enterro estavam cegos. Eu ria. É verdade, ria. Porque dentro do caixão que choravam não

havia nada. Ela fugira, salva nas asas. Me viram

rir assim, não zangaram. Perdoaram-me.

Pensaram que eram essas gargalhadas que não

são contrárias da tristeza. Talvez eram soluços

enganados, suor do sofrimento. E rezavam.

Eu não, não podia. Afinal, não era uma morta

falecida que estava ali. Muito-muito era um

silêncio na forma de bicho.

VOU APRENDER A SER ÁRVORE

De escrever me cansei das letras. Vou

ultimar aqui. Já não preciso defesa, dou-

tor. Não quero. Afinal das contas, sou culpado.

Quero ser punido, não tenho outra vontade.

Não por crimemas por meu engano. Explicarei

no final qual esse engano. Há seis anos me

entreguei, prendi-me sozinho. Agora, próprio eu

me condeno. De tudo estou agradecido, senhor

doutor. Levei seu tempo, só de graça. O senhor

me há-de chamar de burro. Já sei, aceito. Mas,

peço desculpa, se faz favor: o senhor, sabe o

quê da minha pessoa? Não sou como outros:

penso o que aguento, não o que preciso. O

que desconsigo não é de mim. Falha de Deus,

não minha. Porquê Deus não nos criou já

Page 45: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 45

feitos? Completos, como foi nascido um bicho

a quem só falta o crescimento. Se Deus nos

fez vivos porque não deixou sermos donos da

nossa vida? Assim, mesmo brancos somos

pretos. Digo-lhe, com respeito. Preto o senhor

também. Defeito da raça dos homens, esta

nossa de todos. Nossa voz, cega e rota, já não

manda. Ordens só damos nos fracos: mulheres

e crianças. Mesmo esses começam a demorar

nas obediências. O poder de um pequeno fazer

os outros mais pequenos, pisar os outros como

ele próprio é pisado pelos maiores. Rastejar é o

serviço das almas. Costumadas ao chão como

que podem acreditar no céu? Descompletos

somos, enterrados terminamos. Vale a pena ser

planta, senhor doutor.

Mesmo vou aprender a ser árvore. Ou talvez

pequena erva porque árvore aqui dentro não

dá. Porquos baloii2 não tentam de ser plantas,

verde-sossegadas? Assim, eu não precisava

matar Carlota. Só lhe desplantava, sem crime,

sem culpa.

Só tenho medo de uma coisa: de frio. Toda a

vida sofri do frio. Tenho paludismo não é no

corpo, é na alma. O calor pode apertar: sempre

tenho tremuras. O Bartolomeu, meu cunhado,

costumava dizer: “fora de casa sempre faz

frio.” Está certo. Mas eu, doutor, que casa eu

tive?

Nenhuma. Terra nua, sem aqui nem onde.

Num lugar assim, sem chegada nem viagem,

preciso aprender espertezas. Não dessas que

avançam na escola. Esperteza redonda, es-

perteza sem trabalho certo nem contrato com

ninguém. Nesta carta última o senhor me vê

assim, desistido. Porquê estou assim? Porque o

Bartolomeu me visitou hoje e me contou tudo

como se passou. No enfim, compreendi o meu

engano. Bartolomeu me concluiu: afinal a sua

mulher, minha cunhada, não era uma nóii. Isso

ele confirmou umas tantas noites. Espreitava

de vigia para saber se a mulher dele tinha ou

não outra ocupação nocturna. Nada, não tinha.

Nem gatinhava, nem passarinhava. Assim,

Bartolomeu provou o estado de pessoa da sua

esposa.

Então, pensei. Se a irmã da minha mulher não

era nóii, a minha mulher também não era. O

2 Feiticeiros, deitadores de sorte.

feitiço mal de irmãs, doença das nascenças.

Mas eu como podia adivinhar sozinho? Não

podia, doutor. Sou filho do meu mundo. Quero

ser julgado por outras leis, devidas da minha

tradição. O meu erro não foi matar Carlota. Foi

entregar a minha vida a este seu mundo que

não encosta com o meu. Lá, no meu lugar,

me conhecem. Lá podem decidir das minhas

bondades. Aqui, ninguém.

Como posso ser defendido se não arranjo en-

tendimento dos outros? Desculpa, senhor dou-

tor: justiça só pode ser feita onde eu pertenço.

Só eles sabem que, afinal, eu não conhecia

que Carlota Gentina não tinha asas para voar.

Agora já é tarde. Só reparo o tempo quando

já passou. Sou um cego que vê muitas portas.

Abro aquela que está mais perto. Não escolho,

tropeço a mão no fecho. Minha vida não é um

caminho. É uma pedra fechada à espera de ser areia. Vou entrando nos grãos do chão, deva-

garinho. Quando me quiserem enterrar já eu

serei terra. Já que não tive vantagem na vida,

esse ser o privilégio da minha morte.

in Vozes Anoitecidas

Page 46: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

46 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

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Page 48: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

48 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

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Autor: Marta CorreiaTécnica: PastelDuração: 00:01:07

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50 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Page 51: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 51

Page 52: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

52 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

or enquanto, sou Joãotónio. Lhe digo e

desdigo, mano: com mulheres me ponho

em modos de ser tropa. Pois todo o en-

contro com elas se me aparenta uma batalha.

Assim, quando olho uma eu já adianto adivin-

hação: como será sua voz? Não me intriga a

voz visível mas a outra,silenciosa, subcorpórea,

capaz de tantas linguagens como a água. Outro

dizendo: eu quero adivinhar é os gemidos de-

las, esse resvalar de asas na frente do abismo,

o arrepio da alma perdendo morada. Você

sabe, mano: a voz da pessoa esconde o doce

sabor do sussurro. A voz encobre o suspiro. E

agora já ouço a sua pergunta: porquê esta ma-

nia de adivinhar suspiros? É a mesma vontade do general, mano. É o gosto de antecipar a rendição do adversário. É o desejo de antes-cutar como elas se podem requebrar, vencidas

e abandonadas. Às vezes penso, no fundo, eu tenho medo de mulher. E você não tem? Tem,

bem que eu sei. As ideias delas nascem num

lugar que está fora do pensamento. Daí vem

nosso medo, nós não deciframos o entendi-

mento das mulheres. Suas superioridades nos

MIA COUTO

Page 53: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 53

medonham, mano. Por isso, as concebemos

em tratos de batalha, versadas adversárias.

Mas volto aos começos, veja você, já eu rangia

como uma curva,derraspado em filosofices.

Agora recomece também sua audição. Ainda e

por enquanto: sou Joãotónio. Lhe conto,agora,

a ficção da minha tristeza. Não é para espal-

har por aí. Confio-lhe mano. Porque não é um

qualquer que publica assim as suas dores.

O que vou escrever é motivo das vergonhas.

Começo com Maria Zeitona, causadora de

todos motivos. Escrevo o nome dessa mulher e

ainda me sucede ouvir sua voz, suavezinha que

nem asa. Já disse: voz de mulher vale tanto

como a carne dela. Pelo menos, a mim me abre

os apetites mais que as visões e as tentações.

Como não ia dizendo: Maria Zeitona me apare-

ceu intacta e intacteável. Dela se soltava a

suspeita da brasa sob a cinza. Seu corpo falava

pelos olhos. E que olhos cristalindos! Casámos,

instantâneos. Eu queria sofrer a promessa

daquele fogo. Esposava para consumar aque-

las ardências que tanto enxamearam meus

sonhos. Contudo, meu mano: Maria Zeitona

era fria, calafrígida! Eu fazia amores era como

se fosse com uma defunta. O que eu com ela

praticava eram relações assexuais. E assim

ela se foi mantendo mais virgem que Maria.

Tentei, retentei, usei as técnicas da minha total

experiência. Contudo, mano: não valeu a pena.

Zeitona era lenha molhada: o fogo lhe desvalia.

Girei as tácticas,lhe ofereci valiosas surpresas.

Experimentei os namoros muito prévios. Até lhe

beijei desde a terminal dos pés. Não arrebitou

resultado. Beijo não se dá nem se recebe. A

vida é que beija, recíproca. Repito, mano: a

vida é que nos beija, dois seres se resumindo

num único infinito. Conversa afilhada? Está

certo, mano, regresso ao cujo assunto de Maria

Zeitona. No final das campanhas, lhe dei um

penúltimato: ou ela se açucarava ou eu tomaria

as medidas inconvenientes. E foi o que não se

sucedeu. Então, mano, me decidi: entregaria

Zeitona a uma prostituta. Sim, Zeitoninha faria

um estágio com uma dessas profissionais de

roça e destroca. Assim ela aprenderia a en-

rodilhar lençóis. Enfim, ela cometeria o pecado

imortal. Não demorei a escolher a adequada

mestra: seria Maria Mercante, a mais famosa

bacanaleira, mulher bastante inata nas artes de

se deitar. Escura, retintadinha, dona de delici-

osos recheios. Neste mundo há dois seres que

se apoiam no rabo para subir na vida: o javali e

Maria Mercante. Falei bem com a rabuda:

- Por favor, lhe ensine as viragens de núpcias!

- Se descanse, senhor. Corpo de mulher não

le basta ter qualidades: é preciso ter qualifi-

cações. E a qualificada prostituta pros- segiu.

Falou conversas deslocadas, quem sabe se

para aumentar o preço das lições. Zeitona

deixaria as virgindades mais arrependida que

aquela, única que concebeu sem pecado. Pois

ela conhecia era a versão do exacto: Virgem

Maria tinha, afinal, recusado a visita do Espirito

Santo. Respondera naqueles termos: ter filho

sem fazer amor? Qual o gozo? Deitar fora o

prato e ficar com o arroto? É essa a lição que vou dar a Zeitona: nada de platonismos: sexo

à primeira vista. Lhe interrompi, desviando

a conversa dos anjos para minhas materiais

aflições. Consoante pagamentos antecipados,

Maria Mercante aceitou o serviço. Eu que

ficasse repousado minha esposa sairia do

curso mais acesa que o pino do meio-dia. Que

eu me haveria tanto de despentear com ela

que até o colchão reclamaria urgentes remen-

dos. E Zeitona lá foi para um lugar desses, de

baixa seriedade. Vamos lá: um pronto-a-despir.

Passaram semanas, o curso terminado, minha

esposa regressou a casa. Vinha, de facto, mu-

dada. Seus modos eram demasiado estranhos

mas não da maneira que eu esperava. Caram-

ba, mano, até ponho vergonha nesta confissão:

Zeitoninha vinha com jeitos de homem! Ela que

era tão metida nos ombros dela agora parecia

uma manda-bátegas. Isto é, isto foi: minha Zei-

tona se inchara de masculina. E não era só no

momento dos namoros. Era sempre e em tudo.

Na voz, inclusive...

Tudo nela se emendara, mano, a pontos de

eu ter que coçar as minhas machas partes

para me confirmar. Digo mesmo: ela é que me

empurrava a deitar, acredite, ela é que me

desapertava,me ia roubando os ares. Eu ficava

para ali sem nenhuma iniciativa, executado e

mandado como se fosse rapariga iniciada. E a

coisa continua até ao presente actual. O prob-

lema, mano, é o seguinte:

Page 54: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

54 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

eu até gosto! Me custa admitir, tanto que

hesito em escrever. Mas a verdade é que me

agrada esta nova condição, sendo-me dada

a passiva idade, o lugar de baixo, a vergonha

e o receio. E é isto, mano. Me explique, caso

lhe chegue o entendimento. Eu não sei qual

pensamento hei-de escolher. Primeiro, ainda

me justifiquei: afinal, a verdade tem versões

que até são verdadeiras. Como, por um exem-

plo: nos amores sexuais não há macho nem

fêmea. Os dois amantes se fundem num único

e bipartido ser. Não haveria, portanto, razões

para meu rebaixamento. Está-me a seguir,

meu irmão? Mas agora, no momento que lhe

escrevo, nem mais me apetece explicação.

Quero desraciocinar. Em cada dia não espero

senão a noite, as brandas tempestades em que

eu sou Joãotónio e Joanatónia, masculina e

feminino, nos braços viris de minha esposa. Por

enquanto, mano, ainda sou Joãotónio. Me vou

despedindo, vagarinhoso, do meu verdadeiro

nome.

in Estórias Abensonhadas

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COOLABORA 55

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56 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Ana FernandesTécnica: Técnica MistaDuração: 00:01:40

Autor: Bárbara SearaTécnica: AguarelaDuração: 00:01:34

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COOLABORA 57

Autor: Danilo SilvaTécnica: Técnica MistaDuração: 00:00:44

Page 58: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

58 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Eduarda SilvaTécnica: Tinta da ChinaDuração: 00:00:46

Autor: Inês RamosTécnica: Técnica MistaDuração: 00:01:53

Page 59: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 59

Page 60: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

60 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Mélodie DeschansTécnica: AcrílicoDuração: 00:01:11

Page 61: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 61

Autor: Paulina FonsecaTécnica: AguarelaDuração: 00:02:00

Page 62: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

62 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Page 63: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 63

Page 64: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

64 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

uando deu conta do tempo, Maria Pedra

foi a correr para o cruzar dos caminhos,

na encosta da Chão Oco, e ali se deitou,

saia levantada à espera que algum macho a

encontrasse. Era de Dezembro, ela tinha anos

e era virgem. E assim ficou cinco dias e cinco

noites, destapada e oferecida até que um

vizinho a trouxe inanimada. Depositou o corpo

à porta de casa, ali onde a praça se enche

de luz, avistosa de todos, redonda como a

vozearia da aldeia. O que acontecera? Tinham

passado tantos, e tantos dela fizeram uso

que ela ficara ofendida, mal-procedida para a

vida inteira. Isso dizem uns. Outros juram que

ninguém ousou tocar-lhe. Que ela assim, esten-

dida e de olhos cerrados, parecia já possuída

por forças do outro mundo. E lhe escapava até,

viscosa e amarelenta, uma baba dos queixos.

Nem o mais carente e maiúsculo dos máscu-

los desejaria mulher naqueles escagalhos. Ou

ainda, segundo outros escondidos rumores, o

vizinho se tinha despenteado com ela, anoi-

trevido? Esse vizinho sempre saíra um mosca-

viva, homem com desculpas no cartório. Mas a

MIA COUTO

Page 65: Catálogo Romper Silêncios: Género em Mia Couto

COOLABORA 65

mãe assegurou: ela tinha chegado virgem. Ela

mesma confirmara, espreitando-lhe as partes,

abaixo dos pêlos públicos. As marcas de dentes

que trouxe no peito eram mordidelas de bicho,

desses tão nocturnos que nunca ninguém

esteve desperto para os testemunhar. Naquelas

cinco noites ninguém em casa se mexeu, com

medo que fosse cumprimento de promessa, um

preventivo de feitiço. Pelo sim pelo enquanto, a

família ficou de olho no ventre de Maria Pedra,

alertada para o mais leve arredondar. Passar-

am-se meses e a moça mantinha-se magra,

rectilinda. Um suspiro percorreu todos. Se hou-

vesse gravidez, a desconfiança rondaria entre

todos. O culpado poderia ser qualquer um e

até irmãos e tios caberiam entre os suspeitos.

Nove meses escoaram e, todo esse tempo,

a moça não falou uma palavra que fosse. No

resto, cumpria os afazeres: casa para parente

para aguar, bosque para lenhar. E, de novo,

em cada noite, o sonhado fogo regressava à

cinza: o infinito ciclo do seu inexistir. Cumpria-

se o último dia de Setembro quando a moça

arrumou uns panos, avolumou com eles uma

trouxa e atou esse volume à cintura. Quem a

visse caminhar, no lusco-fulgir da madrugada,

diria que Maria Pedra despertara subitamente

grávida. Para onde se descaminhou? Pois se di-

rigiu, de novo, ao cruzar dos caminhos e ali se

deitou, enroscada, pteridófíta. Foram avisar a

a mãe. Que a moça sofrera de novo acesso.

- Vou lá - disse a mãe, passando um gesto

rápido frente ao espelho. Alisava o ventre que

engordara, fruto das preocupações que a filha

lhe trouxera. O que ela sofrera, naqueles nove

meses de angústia! E como se ganhasse mais

decisão, repetiu:

- Vou lá, antes que seja tarde.

- Para ela há muito que já é tarde.

Era o pai, em murmúrio, num canto da sala.

Inválido, o homem vivia entre o vazar de gar-

rafa e o desarolhar de outra garrafa. O vizinho,

solícito, sossegou-a:

- Vá, à vontade. Eu tomo conta aqui do nosso

homem.

E empurrou o assento e o assentado. O marido

bateu com ambas mãos nos braços da cadeira

de rodas. Agredia o seu próprio destino:

- Você devia era arranjar-me uma garrafa de

rodas! E voltou a apagar-se, escuro no recanto

escuro. O vizinho fez um sinal para que a dona

de casa se afastasse, rumo aos seus afazeres.

A mãe cruzou a aldeia. Primeiro, apressada.

Queria adiantar-se aos rumores, enxotar as

vergonhas. Mas à medida que ia descendo a

encosta, o seu passo foi esmorecendo. Vaga-

rosa como

sombra se chegou à filha que se conservava

enroscada sobre a rocha do entroncamento.

- Venha, minha filha. Volte a casa.

- Agora não posso - respondeu Maria Pedra.

Uma tremura na voz? A miúda chorava. Seria

dessas inventadas mágoas, dessas que ela cri-

ava apenas para se sentir existente?

- Venha, traga essas roupas, antes que a aldeia

acorde.

A mãe puxou pelos panos que nela se enrodil-

havam. A moça resistiu, as duas mulheres se

disputaram com violência, até que se envolver-

am corpo contra corpo. Houve rasgo e unha: já

sangue escorria pelas pernas da mãe. Foi quan-

do se descortinou, por entre o emaranhado das

roupas, o corpo de um menino, recém-nado. E

o choro inaugural de um novo habitante. A mãe

ficou anichando o recém-recente no ofegante

ventre. As duas deitadas, lado a lado, alonga-

ram um silêncio.

- Esse filho é seu, Maria Pedra!

- Sossegue, mãe. Eu digo que é meu.

in O Fio das Missangas

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66 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

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Autor: André MeloTécnica: PastelDuração: 00:00:48

Autor: Catarina NobreTécnica: Lapis de CorDuração: 00:00:33

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68 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Cristisna FariasTécnica: LapisDuração: 00:01:05

Autor: Diogo CharroTécnica: Técnica MistaDuração: 00:01:01

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COOLABORA 69

Autor: Edgar FernandesTécnica: Lápis de corDuração: 00:01:14

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70 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Joel MarianoTécnica: AguarelaDuração: 00:01:20

Autor: Juliana NevesTécnica: AguarelaDuração: 00:01:04

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COOLABORA 71

Autor: Manuel AbelhoTécnica: Técnica MistaDuração: 00:01:15

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72 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: So' a OliveiraTécnica: AguarelaDuração: 00:02:10

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74 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

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76 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

preciso que compreendam: nós não temos

competência para arrumarmos os mortos

no lugar do eterno. Os nossos defuntos

desconhecem a sua condição definitiva: deso-

bedientes, invadem-nos o quotidiano, imis-

cuem-se no território onde a vida deveria ditar

sua exclusiva lei. A mais séria consequência

desta promiscuidade é que a própria morte, as-

sim desrespeitada pelos seus inquilinos, perde

o fascínio da ausência total. A morte deixa de

ser a mais incurável e absoluta diferença entre

MIA COUTO

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COOLABORA 77

os seres. Rosalinda era mulher retaguarda,

fornecida de assento. Senhora de muita polpa,

carnes aquém e além roupa. Sofria de tanto

volume que se sentava no próprio peso, super-

lativa. Já fora esbelta, dessas mulheres que

explicam o amor. Magreza sucedida em seus

tempos. Pois que, desde que enviuvou, ela

se desentreteu, esquecida de ser. Rosalinda,

agora, se cansava de tanta hora: mascava

mulala1, enrolando a saliva-laranja. As mulheres

gordas não zangam com a vida: fazem lem-

brar os bois que nunca esperam tragédias. No

desfolhar das tardes, ela se aprovava em triste

rotina. Visitava o cemitério. E isso fazia muito

diariamente. A campa do falecido marido, o

Jacinto, ficava bem no fundo do cemitério. Con-

dizia com o lugar que ele sempre tivera, nas

traseiras da vida. De passo miúdo, Rosalinda

rumava entre as moradias subtérreas, vacilando

como se magoasse em sua própria sombra. Já

no lugar, ela em si se joelhava, vencendo as

pernas. E ali se deixava, na companhia sozinha

do defunto. Assim se foram prostrando as

datas, anos suados, anos somados. Rosalinda

se antepassava, tantos eram os parentes já

enroscados no grande sono. Só ela restava, em

seus retroactivos pensamentos. Junto à campa,

ela se memoriava:

- Jacinto, grande sacana.

Com gesto terno, ela alisava a areia, afagando

lembranças. Deus lhe punisse, Deus adoecesse.

Mas quem explicava aquela saudade do sofri-

mento, o doce sabor de amargas lembranças?

- Tu me amarraste a vida, me forneceste de

porrada. Ela estava de razão: o Jacinto só

jurara fidelidade às garrafas. Se é que par-

tira, sua alma devia ter viajado em forma de

garrafa. Para mais, ele nos amores se mul-

tiplicara, retribuindo-se às tantas mulheres.

Quando chegava a casa, noite imprópria, já

seus lábios estavam cegos. A esta hora, dizia

ele, só sei ler nos copos. Falava assim só para

lhe magoar. Porque ele se matriculara na escola

nocturna, cumprindo promessa de mudar de

vida. Frequentou as aulas mas só por poucas

noites. Rosalindinha: estou-te a explicar-me. A

vida não vale as penas. Não sou um homem de

1 Mulala - raiz de planta usada para limpeza dos dentes e que tinge de laranja os lábios e gengivas dos que dela se servem habitualmente.

escola, as letras me cansam de mais. Eu sou

um fruto, Rosalinda. Um fruto, mesma coisa o

caju. Alguém ensina um fruto a ficar maduro?

Responde, Rosalinda. Alguém explica alguma

coisa ao caju? Ninguém. Ele só recebe lições da

terra. Então, um homem só tem que ficar bem

em cima do chão, beneficiar das completas

raízes. Não é como esses que deixam a terra,

vão para o estrangeiro, acabam por nem sentir

o chão que pisam. Esses são lenha seca: um

pedacito de fogo e ardem logo. Rosalinda já

sabia. Aquela era conversa prévia dos murros,

prefácio de porrada. Mal que surgisse o fundo

da garrafa, as palavras davam lugar à pontape-

saria. Depois, ele saía, farto de ser marido,

cansado de ser gente. Jacinto, enfim, só dava

despesa no coração da doce Rosalinda. Mesmo

no leito da morte, os olhos dele, recém-

falecidos, teimavam em espreitar o mundo. Já

nada viam. O silêncio governava a sala, nem

palavra ousava mover-se. Mas quando alguém

se aprontou a descer as pálpebras do defunto

uma voz se ordenou:

- Não lhe fechem os olhos!

Um espanto arrepiou-os todos. Rosalinda de-

sceu o rosto, evitando o sujo da vergonha.

- Esse homem ainda está à espera de alguém.

E foi assim que Jacinto se abismou, de vista

aberta, atento aos encontros do porvir. Mesmo

sabendo da eterna infidelidade, Rosalinda lhe

destinou a mais perfumosa roupa. De igual

como fizera em vida, ajeitando-lhe as aparên-

cias, antes dele sair:

- Você vai ter com as mulheres, assim escan-

galhado?

Deixa que eu lhe arrumo bonito.

A boca é o esconderijo do coração? No caso,

até nem. Ela encarecia o marido com sincera

vontade. As outras não pensassem que ela

não cumpria cuidados de esposa. Que no gozo

de Jacinto elas respeitassem a mão de sua

vaidosa obra. Agora, na interruptura da vida

dele, Rosalinda tudo lembrava com benevalen-

tia. Com a trespassagem, ela tudo lhe perdoou:

mulheres, copos, compridas ausências. A

bondade lhe surgira logo na primeira reza, na

berma do túmulo. Enquanto orava, sua alma

amolecia. Depois dos amens, ela se descobriu

apaixonada, por estreia na esteira da vida.

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78 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Afinal, o Jacinto, meu Jacinto.

- Amor certo é mais que único.

Morto sem cura, amor sem remédio. Afinal,

quanto a viuvez tem de orfandade? Quanto se

despe a existência, deixando a pessoa de umbi-

go na mão? Os outros admiravam-se da gorda

Rosalinda. Então só depois do homem falecer é

que ela lhe coroara em trono do seu coração?

Sim. Também só agora ela dispunha totalmente

de Jacinto, só agora ele lhe pertencia inteiro,

exclusivo. Afinal, aqueles olhos que ele levara

escancarados estavam destinados só para ela.

Só para mim, se indemnizava Rosalinda. Ele

nunca mais se repartiria por colo alheio. Jacinto

estava garantido em imaginoso juramento. Só

um retrato podia ser assim tão fiel. O triste

consolo nela se confirmava: a morte de Jacinto

não era mais que o matrimónio que sempre

cismara. As outras, rivais, se esvoaram, gajas e

momentâneas. De repente, elas não eram mais

que um sopro de lábios esquecidos. Mulher

perversa não se preserva Rosalinda, agora,

concebia: a vida que juntos despenderam foi

um simples noivado, coisa de inacabado juízo.

E aceitava, sem mágoa, a lembrança de suas

velhas injúrias:

- Teu nome, Rosalinda, são duas mentiras.

Afinal, nem rosa, nem linda. Ela, em sorriso,

comemorava. Suspirava em maré de alma,

vaziando-se. No tardio presente, ela toda se

dedicava a Jacinto, em subterrâneo namoro. A

gorda se derramava como sumo de fruto tom-

bado. Já não joelhava. Isso é gesto viúvo. Que

ela agora se bonitava, lustrando seu recente

matrimónio. Mas foi um dia. Rosalinda comp-

rava flores quando viu chegar uma moça bela e

ligeirenta. A estranha se abeirou da campa de

Jacinto e ali se prostrou, em mostrada tristeza.

Rosalinda estranhou-se. Seus olhos se moeram,

a menos ver que adivinhar. Aquela era uma

jovem muito concreta, suprametida. Via-se que

nunca usara capulana2, sempre dispensara

mulalas.3

- Essa deve ser Dorinha, a outra última dele.

A viúva chegou-se mais perto mas sem se fazer

ver. Não pisava fora das pegadas. Parou em

2 É o nome que se dá, em Moçambique, a um pano que, tradicionalmente, é usado pelas mulheres para cingir o corpo,fazendo as vezes de saia, podendo ainda cobrir o tronco e a cabeça. 3 Arbusto cuja raiz é usada para limpar os dentes e avermelhar os lábios.

campa vizinha, ficou espreitando, emboscada

em seus próprios olhos. A outra exibia um

punhado de lágrimas, pouco peso de saudade.

Rosalinda amaldiçoou a lacrimaruja.

- E você, Jacinto, aí em baixo do chão, aposto

que está a rir. Bem gozaste em vida, fidamãe:

agora, acabou-se as brincadeiras.

Rosalinda se decidiu, pronta e toda. Dirigiu-se

ao serviço funerário e solicitou que mudassem

o lugar do caixão, trocassem o "aqui jaz".

- A senhora pretende transladar os restos

mortais?

E, logo, o funcionário lhe mostrou os longos

papéis que a superavam. A viúva insistiu: era só

uma mudançazita, uns metritos. O empregado

explicou, havia as competências, os deferimen-

tos.

A viúva desistiu. Mas apenas se fingiu vencida.

Pois ela se enchera de um novo pensamento.

Voltou à noitinha, trazendo Salomão, o sobrin-

ho. Às vistas da intenção, o miúdo se assustou:- Mas, tia, é para fazer o quê? Desenterrar o

titio Jacinto?

Não, sossegou ela. Era só para trocarem as

inscrições dos vizinhos túmulos. Mesmo assim,

Salomão tremia mais que a luzinha do xipefo4.

A viúva tomou dianteira, covando ela própria:

- Eu sempre disse: lume pedido nunca acende.

Jacinto, translapidado, devia de se admirar

daquelas andanças. Agora, só eu sei qual é

sua verdadeira tabuleta, malandro. Rosalinda

sacudiu as mortais poeiras, se administrou o

devido perdão. Que esse gesto de aldrabar a

intrusa lhe fosse minimizado por Deus. A outra

paraviúva, que dedicasse seus ranhos ao vizin-

ho, o de morte anexa. Porque aqueles olhos de

Jacinto, aqueles olhos que a terra se abstinha

de comer, só a ela, Rosa e Linda, estavam

destinados. Aconteceu como ela previra. No dia

seguinte, a intrusa compareceu e entregou seu

sentimento à campa errada. Rosalinda nutria-se

de risos, enquanto espiava o equívoco. Ela se

benzia, mais para si que para Deus:

- Em vida me enganaram. Agora, é o meu troco.

Rosalinda, a esposa póstuma, se vingava. E

foi por tempos, o ajuste. Então, um dia, ela

pensou: antes, eu sempre desconsegui. Sempre

fui nada. Mas agora eu sinto meus poderes.

4 Lamparina.

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COOLABORA 79

Rosalinda se enchia de crença, ela mexia para

além da morte, lá onde já não havia destino

nenhum. E, assim, ela acreditava entender um

juízo sem dimensão. Pelas ruinhas do cemitério,

Rosalinda saltava sonoras risadas.

- Vamos Jacinto, vamos beber xicadjú5.

Entornava aguardente num invisível copo,

servia-se de ocultas carícias. Às tantas, brigava:- Deixa os livros, marido. Agora é que quer

estudar?

E empurrava ninguém. Seus risos, inacredita-

dos, ainda uns tempos estremeceram os mu-

dos cantos do cemitério. Mas depois, os out-

ros, cumpridores de seriedades, temeram suas

desordens. A viúva desconhecia os métodos

da tristeza, suas gargalhadas incomodavam o

sagrado repouso das almas. E levaram a gorda

mulher, aquela que foi viúva antes de ter sido

esposa. Levaram-lhe para um lugar sombrio

onde ela se converteu em ausência. Rosalinda,

por fim, se promoveu a nenhuma.

In Cada Homem é uma Raça

5 Aguardente de caju.

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Autor: Florian OliveiraTécnica: Tinta da ChinaDuração: 00:01:11

Autor: Joel GonçalvesTécnica: Lápis de CorDuração: 00:02:15

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82 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

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Autor: Elói SilvaTécnica: AguarelaDuração: 00:02:00

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Autor: Sérgio VieiraTécnica: Lápis Tempo: 00:00:44

Autor: So' a Biserinska Técnica: Lápis de corTempo: 00:02:00

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Autor: Pedro AlvesTécnica: Lápis de corDuração: 00:11:10

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86 ROMPER SILÊNCIOS: GÉNERO EM MIA COUTO

Autor: Leonor BrancoTécnica: Técnica MistaTempo: 00:01:43

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COOLABORA 89

MIA COUTO, "Joãotónio, no enquanto", in Estórias Abensonhadas, Caminho

(Outras Margens), Lisboa, 2011, pp. 135-141, conto de 1994

MIA COUTO, "Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?", in Vozes

Anoitecidas, Caminho (Uma terra sem amos). Lisboa, 2002, pp. 83-95, conto de

1987

MIA COUTO, "O baralho erótico", in Contos do Nascer da Terra, Caminho (Outras

margens), Lisboa, 2006, pp. 125-130, conto de 1997

MIA COUTO, "Rosalinda, a nenhuma", in Cada Homem é uma Raça, Caminho

(Outras margens, Lisboa, 2002, pp. 47-57, conto de 1990

MIA COUTO, "Maria Pedra no cruzar dos caminhos", in O Fio das Missangas,

Caminho (Outras margens),Lisboa, 2004, pp. 87-90, conto de 2004

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