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CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011 1 USINA HIDRELÉTRICA BELO MONTE: IMPLICAÇÕES INSTITUCIONAIS, ECONÔMICAS E SOCIOAMBIENTAIS 1 NOTA DE ENSINO Apresentação O processo de construção de uma usina hidrelétrica é, muitas vezes, marcado por um debate polarizado entre os que são favoráveis e os que são contrários à viabilização do empreendimento. Normalmente os primeiros justificam a realização de grandes obras de infraestrutura energética porque temem as consequencias negativas que a falta de energia elétrica pode ocasionar para o crescimento econômico do Brasil, enquanto os segundos preocupam-se mais com os impactos, alguns irreversíveis, que esses empreendimentos podem causar no meio ambiente e na população que vive próxima à área atingida. A situação de conflitos multifacetados não é diferente quando se trata da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. A realização de uma obra de infraestrutura de grande porte como essa, localizada na Bacia do Rio Xingu, no Pará, tem suscitado acirrados conflitos de interesses que tomaram enormes proporções a ponto de repercutir inclusive na esfera internacional. Esses conflitos, que já ultrapassaram as fronteiras nacionais, são alguns dos aspectos que intensificam o debate sobre a questão do desenvolvimento econômico do país, uma vez que tais conflitos podem gerar insegurança na realização dos negócios jurídicos celebrados entre o Estado e empresas privadas, como as concessões de serviços públicos. A alocação contratual dos riscos do negócio e as 1 Esse caso didático foi produzido em 2011, no âmbito da Casoteca Latinoamericana de Direito e Política Pública da DireitoGV, por Ana Mara França Machado, mestre e doutoranda em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo, Bruno Ramos Pereira, mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo e advogado em São Paulo, e Luciana de Oliveira Ramos, mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pesquisadora da Direito GV e responsável pela coordenação dos trabalhos de elaboração deste caso didático. Para que a equipe possa ter um feedback do uso e aplicação deste caso didático em sala de aula, colocamo-nos à disposição nos seguintes e-mails: [email protected] ; [email protected] e [email protected] . Agradecemos a Luiz Mauricio França Machado, graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelas contribuições feitas durante a primeira fase de elaboração deste caso; a todos os profissionais que foram entrevistados; e aos participantes do Workshop, organizado com a finalidade de debater o os produtos desta pesquisa: Esdras Costa, Fernando A. de Almeida Prado Jr., Francisco Anuatti Neto, Lie Uema do Carmo, Luciana Reis, Mario G. Schapiro e Rafael Mafei. A redação desse caso didático foi finalizada em agosto de 2011.

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CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

1

USINA HIDRELÉTRICA BELO MONTE:

IMPLICAÇÕES INSTITUCIONAIS, ECONÔMICAS E SOCIOAMBIE NTAIS1

NOTA DE ENSINO

Apresentação

O processo de construção de uma usina hidrelétrica é, muitas vezes, marcado

por um debate polarizado entre os que são favoráveis e os que são contrários à

viabilização do empreendimento. Normalmente os primeiros justificam a realização de

grandes obras de infraestrutura energética porque temem as consequencias negativas

que a falta de energia elétrica pode ocasionar para o crescimento econômico do Brasil,

enquanto os segundos preocupam-se mais com os impactos, alguns irreversíveis, que

esses empreendimentos podem causar no meio ambiente e na população que vive

próxima à área atingida.

A situação de conflitos multifacetados não é diferente quando se trata da

construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. A realização de uma obra de

infraestrutura de grande porte como essa, localizada na Bacia do Rio Xingu, no Pará,

tem suscitado acirrados conflitos de interesses que tomaram enormes proporções a

ponto de repercutir inclusive na esfera internacional.

Esses conflitos, que já ultrapassaram as fronteiras nacionais, são alguns dos

aspectos que intensificam o debate sobre a questão do desenvolvimento econômico

do país, uma vez que tais conflitos podem gerar insegurança na realização dos

negócios jurídicos celebrados entre o Estado e empresas privadas, como as

concessões de serviços públicos. A alocação contratual dos riscos do negócio e as 1 Esse caso didático foi produzido em 2011, no âmbito da Casoteca Latinoamericana de Direito e Política

Pública da DireitoGV, por Ana Mara França Machado , mestre e doutoranda em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo, Bruno Ramos Pereira , mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo e advogado em São Paulo, e Luciana de Oliveira Ramos , mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pesquisadora da Direito GV e responsável pela coordenação dos trabalhos de elaboração deste caso didático. Para que a equipe possa ter um feedback do uso e aplicação deste caso didático em sala de aula, colocamo-nos à disposição nos seguintes e-mails: [email protected]; [email protected] e [email protected]. Agradecemos a Luiz Mauricio França Machado, graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelas contribuições feitas durante a primeira fase de elaboração deste caso; a todos os profissionais que foram entrevistados; e aos participantes do Workshop, organizado com a finalidade de debater o os produtos desta pesquisa: Esdras Costa, Fernando A. de Almeida Prado Jr., Francisco Anuatti Neto, Lie Uema do Carmo, Luciana Reis, Mario G. Schapiro e Rafael Mafei. A redação desse caso didático foi finalizada em agosto de 2011.

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eventuais necessidades de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato podem

produzir impactos negativos para a estabilidade do ambiente de negócios no Brasil, o

que tende a afastar os investidores, nacionais ou estrangeiros e, consequentemente,

pode ser bastante prejudicial à economia nacional.

Para explorar esse caso, a nota de ensino está dividida em duas partes, as

quais denominamos “Nota de ensino - A” e “Nota de ensino - B”, cada qual

representando um enfoque distinto de abordagem da narrativa: (i) o primeiro diz

respeito às questões ambientais e procedimento de licenciamento ambiental; e (ii) o

segundo versa sobre o desenho contratual e a análise de riscos envolvendo a

construção de Belo Monte.

NOTA DE ENSINO - A: proteção ao meio ambiente versus desenvolvimento

econômico

1. Objetivos pedagógicos

O item “Preservação do meio ambiente versus desenvolvimento econômico“ da

narrativa permite apresentar aos alunos as principais fases e procedimentos que

devem ser seguidos para a viabilização de um empreendimento como a UHE Belo

Monte, bem como os problemas dela decorrentes.

O objetivo é estimular a reflexão dos alunos acerca do modelo institucional

brasileiro de proteção do meio ambiente frente à viabilização e à construção de

empreendimentos energéticos destinados à promoção do desenvolvimento econômico

do país.

A partir da análise do caso concreto e de alguns estudos, levantamos alguns

questionamentos que podem guiar a dinâmica em sala de aula:

(i) o processo de licenciamento no Brasil é efetivo, ou seja, seu objetivo é

alcançado, qual seja, a proteção ao meio ambiente?

(ii) Quais são as críticas quanto ao processo (de acordo com os diversos

atores envolvidos)?

(iii) Os órgãos responsáveis pela concessão da licença são capacitados

para essa função? Como funciona a sua atuação?

(iv) O processo é demasiadamente burocrático ou inefetivo a ponto de

barrar o desenvolvimento econômico?

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Essas questões podem servir de base para a pergunta central que se coloca:

No contexto da construção de uma usina hidrelétrica de grande porte, as normas e

procedimentos de proteção ao meio ambiente e às comunidades indígenas são um

entrave ao desenvolvimento econômico do país?

A narrativa do caso, especialmente a sua primeira parte, está voltada para o

ensino em disciplinas como direito ambiental, direito constitucional, política e

instituições.

2. Temas

Licenciamento ambiental

O procedimento de licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à

instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou

degradadora do meio ambiente. A exigência de estudo de impacto ambiental está

presente no artigo 225 da Constituição Federal2 e o procedimento é disciplinado pela

lei nº. 6.938/81 (que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e

mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências) e pelas Resoluções

CONAMA 1, de 23 de janeiro de 1986, e 237, de 19 de dezembro de 1997.3

No processo de licenciamento o Poder Público expedirá as seguintes licenças4:

I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do

empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a

viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem

atendidos nas próximas fases de sua implementação;

II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou

atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e

projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais

condicionantes, da qual constituem motivo determinante;

III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou

empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das

2 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

3 O Ministério do Meio Ambiente emitiu recentemente o Parecer nº. 312, sobre conflito positivo de competência entre o IBAMA e a FATMA/SC para a realização do licenciamento ambiental do Estaleiro Aker Promar, no Município de Navegantes/SC.

4 Art. 8º da Resolução CONAMA 237/97.

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licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes

determinados para a operação.

No caso de Belo Monte há uma peculiaridade: trata-se de uma das primeiras

vezes em que é concedida uma “licença prévia de instalação”. Uma vez que não

houve o cumprimento de todas as condicionantes listadas na licença prévia (66

condicionantes) para que a emissão da licença de instalação inicial do

empreendimento fosse concedida, foi “criada” essa nova modalidade de licença.

Esse fato suscitou uma série de protestos por parte da sociedade civil e o MPF

entrou com um pedido de liminar para suspender essa licença e impedir que as obras

fossem iniciadas5. Em 3 de março de 2011, a liminar que impedia o início da

construção do canteiro de obras de Belo Monte foi derrubada e a licença de

instalação, concedida pelo IBAMA em janeiro de 2011, foi mantida.

Essa particularidade do caso Belo Monte ilustra que há pressão de atores

interessados na construção da UHE. O estudante que se deparar com esse caso terá

de analisar essa questão a partir do prisma da contraposição do interesse público,

representado pelos interesses do Governo, e a questão da possível degradação do

meio ambiente, caso o procedimento de licenciamento ambiental não respeite a todas

as fases previstas em lei. Além disso, o aluno depara-se com a “criação” de um

instituto jurídico que atende à demanda do Poder Público para dar andamento a um

caso específico, com vistas a ampliar a matriz energética do Brasil, o que, segundo o

Governo e alguns especialistas na área de energia, é essencial para o

desenvolvimento econômico do país (os argumentos das partes podem ser

identificados ao longo da narrativa).

Outro ponto que pode ser explorado no caso é a análise crítica do próprio

processo de licenciamento ambiental no Brasil. O relatório do Banco Mundial,

“Licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos no Brasil” (2008)6, por

exemplo, faz criticas ao processo de licenciamento brasileiro apontado como um

grande obstáculo ao desenvolvimento do país. As críticas feitas nesse documento têm

como base a experiência internacional e podem ser resumidas na seguinte questão: O

licenciamento ambiental de projetos hidrelétricos no Brasil pode ser considerado um

grande obstáculo para que a expansão da capacidade de geração de energia elétrica

ocorra de forma previsível e dentro de prazos razoáveis. A não-expansão da matriz

5 ACP nº. 25997-08.2010.4.01.3900. 6 Relatório disponível em:

http://siteresources.worldbank.org/BRAZILINPOREXTN/Resources/LicenciamentoAmbiental_Relatorio_PRINCIPAL.pdf

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energética através de UHEs, por sua vez, poderia representar séria ameaça ao

crescimento econômico.

A utilização do relatório acima visa estimular o aluno a refletir sobre os

aspectos institucionais envolvidos no processo de licenciamento ambiental. Tal

reflexão pode ser incentivada quando o professor solicita ao estudante que identifique

qual é dinâmica institucional dos órgãos envolvidos no processo de licenciamento. Por

exemplo, qual é o papel desempenhado pelo IBAMA no processo de concessão das

licenças ambientais? Qual é o papel do CONAMA? E, ainda, quais as funções do

Ministério do Meio Ambiente no processo de licenciamento ambiental?

Outra questão intrínseca ao caso é a analise do desempenho dos órgãos

envolvidos nos processos de planejamento, aprovação e fiscalização da construção do

empreendimento. Um tema para análise dos alunos é se as competências desses

órgãos se sobrepõem ou se há déficit para com isso analisar se haveria um problema

de desenho institucional.

De acordo com estudo realizado pelo Instituto Acende Brasil, que perguntou a

cem especialistas no licenciamento ambiental de empreendimentos de energia qual o

principal problema do licenciamento ambiental no Brasil, foram identificados 25

problemas principais. Tais problemas foram separados em quatro categorias:

Planejamento da infraestrutura; legislação; estrutura e processo.

Representam problemas de planejamento (i) a falta de qualidade dos estudos

ambientais, (ii) a falta de qualidade dos projetos, (iii) os custos elevados para

cumprimento de determinadas exigências, (iv) falta de planejamento integrado entre o

setor econômico e ambiental etc.

Os problemas na legislação dizem respeito (i) à ausência de definição de

competências dos responsáveis pelo licenciamento (há uma tendência a centralizar o

licenciamento ambiental no âmbito federal - IBAMA), (ii) à quantidade excessiva e

dispersiva de normas, (iii) à possibilidade de revogação das licenças etc.

No que concerne à estrutura, detectou-se: (i) a inexperiência das equipes

técnicas avaliadoras, (ii) os baixos salários das equipes avaliadoras, (iii) a falta de

fiscalização dos empreendimentos após a emissão das licenças, (iv) a dificuldade de

obtenção das declarações solicitadas pelos órgãos ambientais etc.

Por fim, os problemas relacionados ao processo são os seguintes: (i) os termos

de referência são impraticáveis e pouco claros, (ii) a imprevisibilidade dos processos,

(iii) a demora para vistorias, entre outros.

A partir dos resultados desta pesquisa, o professor pode problematizar os

diversos aspectos do licenciamento ambiental e estimular os alunos a refletirem sobre

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possíveis alterações legislativas e institucionais capazes de aprimorar o licenciamento

ambiental no Brasil.

Críticas ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA)

O EIA relativo à UHE Belo Monte, realizado pelo IBAMA, sofreu muitas críticas

por parte da sociedade civil. Há uma série de estudos realizados por especialistas, dos

quais destacamos Sônia Magalhães e Francisco Hernandez, “Painel de Especialistas

– Análise crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de

Belo Monte” e Marijane Lisboa e José Guilherme Zagallo, “Relatório da Missão Xingu –

Violação de Direitos Humanos no Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte”

(Anexos).

As principais críticas feitas nesses estudos partem da conclusão de que os

impactos socioambientais e a viabilidade da obra não estão adequadamente

avaliados, nos seguintes termos:

• Subdimensionamento da população atingida e das áreas afetadas;

• Risco de proliferação de doenças endêmicas;

• Ausência de estudo sobre índios isolados;

• Hidrograma ecológico não-baseado nas necessidades dos

ecossistemas;

• Subdimensionamento das emissões de metano;

• Ameaça de Extinção de Espécies endêmicas no Trecho de Vazão

Reduzida;

• Ausência de análise de impacto de eclusas;

• Perda irreversível de biodiversidade;

• Ausência de análise de impactos a jusante da usina;

• Análises insuficientes sobre impacto da migração sobre desmatamento

e terras indígenas;

• Ausência de análise sobre impactos associados ao assoreamento no

reservatório principal.7

Dentre esses pontos, um argumento bastante debatido é a capacidade de

geração de energia de Belo Monte durante o ano. Estudos demonstram que o projeto

produzirá muito menos do que os 11.181 MW de potência instalada, devido à variação

7 Dados extraídos de Sônia Magalhães e Francisco Hernandez, “Painel de Especialistas – Análise crítica

do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”, 2009.

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da vazão do rio Xingu durante o ano, tendo como média a geração de 4.428 MW. O

Governo e a Eletrobras alegam que, mesmo assim, o projeto será importante dentro

do sistema interligado, uma vez que nenhuma hidrelétrica opera em sua potência

máxima ao longo de todo o período.

Além disso, sustenta-se que “enquanto houver vazão para ativar as turbinas

em Belo Monte, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) pode fazer com que

outras usinas parem de produzir e, portanto, economizem água nos reservatórios. É

essa a grande vantagem de Belo Monte, segundo os técnicos do setor.”8

Outro argumento favorável à construção da UHE Belo Monte diz respeito às

suas características. Segundo documentos do Ministério de Minas e Energia, a UHE

Belo Monte, quando pronta, será o terceiro maior complexo hidrelétrico do mundo pelo

quesito capacidade instalada. Só será menor que o projeto binacional de Itaipu, entre

o Brasil e o Paraguai e a Usina Hidrelétrica de Três Gargantas, na China.

A disposição do Governo para levar Belo Monte adiante levou cientistas,

pesquisadores, professores e intelectuais brasileiros a redigirem uma carta entregue à

presidente Dilma Roussef em 25 de maio de 2011 expressando a preocupação com o

cumprimento de dispositivos legais relativos aos direitos humanos e ambientais e

pedindo a suspensão do processo de licenciamento da UHE Belo Monte (Anexo I ).

Violação de direitos humanos

O artigo 231, § 3º da Constituição Federal9 e a Convenção 169 da OIT dispõem

sobre os direitos dos índios. O primeiro dispositivo determina que o aproveitamento

dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das

riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do

Congresso Nacional e se ouvidas as comunidades afetadas. O diploma internacional

estabelece a necessidade de realização de oitivas dos povos indígenas, garantindo o

direito de serem informados de maneira objetiva sobre os impactos da obra e de terem

sua opinião ouvida e respeitada.

8 “IBAMA emite licença para a instalação da usina de Belo Monte”, 01/06/2011, disponível em:

http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2011/06/01/ibama-emite-licenca-para-instalacao-da-usina-de-belo-monte.jhtm

9 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (...) § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

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Na tentativa de ver garantidos tais direitos, o Ministério Público Federal propôs

uma Ação Civil Pública10 (ACP nº. 26161-70.2010.4.01.3903) para obrigar a realização

de audiências públicas em todas as comunidades afetadas. Nesta ação, o MPF

argumenta que esse direito não foi concedido aos povos indígenas, o que representa

uma grave violação os direitos humanos desses povos. Sustenta-se que, nas quatro

audiências públicas realizadas sobre o projeto (ocorridas entre os dias 9 e 15 de

setembro de 2009), não houve condições para a efetiva participação da população e

dos grupos diretamente afetados. Vale ressaltar que a Bacia do Xingu é composta por

24 grupos éticos.

Esse fato levou entidades da sociedade civil a proporem uma demanda na

Comissão Interamericana de Proteção aos Direito Humanos (CIDH). Uma vez

esgotados todos os meios judiciais internos e tendo sido alegada a violação de um

direito ou liberdade protegido pela Convenção de Direitos Humanos, entidades civis

recorreram à CIDH.

Para tratar especificamente dos problemas envolvendo as comunidades

ribeirinhas e os indígenas que vivem na região que será atingida pela construção da

usina Belo Monte na bacia do Rio Xingu, recomenda-se ao professor que transmita

aos alunos o documentário “À margem do Xingu: vozes não consideradas”11. Como o

próprio nome indica, o filme apresenta os modos de vida e as opiniões dos que serão

atingidos pela construção da UHE Belo Monte, explicitando a marcante falta de

informação das pessoas: elas não sabem, por exemplo, quais serão exatamente as

áreas a serem alagadas, qual a parte do rio que irá secar, o que acontecerá com as

terras dos agricultores, qual o valor da indenização que cada um dos afetados irá

receber. O filme retrata também a preocupação por parte de algumas pessoas com a

falta de infraestrutura de Altamira, por exemplo, que deverá receber um enorme

10 Trata-se da ACP nº. 26161-70.2010.4.01.3903, proposta em face do IBAMA, da Eletrobras e da

Eletronorte. 11 À Margem do Xingu: Vozes não consideradas (documentário). Diretor: Damià Puig. Brasil-Espanha:

2011. Para mais informações, ver: <http://amargemdoxingu.wordpress.com/o-documentario-3/>. A estrutura da trama está pensada como uma viagem em barco pelo rio Xingu, na qual se conhecem as diferentes comunidades que serão afetadas por Belo Monte. Seus moradores são os protagonistas, e têm voz ativa. A primeira parte da viagem termina na Terra Indígena Arara de Volta Grande onde se vê o papel que exercem os indígenas nessa situação. A retrospectiva da questão indígena é vista através imagens de arquivo na luta contra Belo Monte. Ela ajuda a entender a situação atual assim como elucidar o importante papel que essa comunidade exerce neste contexto. A segunda parte da viagem começa com a frase do Bispo Erwin que diz que “todos os projetos da Amazônia são decididos fora da Amazônia”, e segue rumo à Belém, Rio de Janeiro e Brasília, onde são apresentados os interesses econômicos e políticos que rodeiam o projeto da hidrelétrica de Belo Monte. Destaca-se o papel que o governo exerce na situação atual. Por fim, questiona-se sobre os custos econômicos, sociais e ambientais deste projeto, suscitando mais uma vez a reflexão do espectador sobre a construção de uma obra desta envergadura no rio Xingu. (Conforme informações disponíveis em: <http://amargemdoxingu.wordpress.com/o-documentario-3/>.)

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contingente de pessoas que serão desalojadas de suas casas e de suas terras em

virtude das obras da usina e da seca do rio.

O aspecto central do documentário pode ser sintetizado na pergunta: afinal,

qual é tipo de desenvolvimento que o Brasil deseja?

A partir da transmissão desse documentário aos alunos, o professor pode

propor aos alunos que identifiquem a problemática central retratada no filme. A

transmissão do documentário em sala de aula é um exercício interessante porque,

além de entreter os alunos, o filme ilustra muito bem os conflitos entre as comunidades

indígenas e ribeirinhas, de um lado, e o Governo Federal, de outro.

3. Competências e habilidades

Diversas são as competências e as habilidades que podem ser desenvolvidas

com a aplicação do presente caso didático. Algumas delas são possíveis de serem

estimuladas neste ou em outro caso, por isso, elas serão chamadas de competências

e habilidades gerais. Mas, além destas, o caso propicia o desenvolvimento de

competências e habilidades específicas, que são aquelas relacionadas diretamente à

aplicação deste caso.

Competências e habilidades gerais:

Os alunos devem ser capazes de desenvolver a aptidão de identificar e

compreender quais os problemas jurídicos envolvidos; mapear os interesses em

conflito; refletir sobre quais ações podem ser propostas diante de tal ou qual problema;

saber analisar documentos das mais variadas ordens, como contratos, petições,

decisões judiciais, estudos de viabilidade, relatórios públicos.

Competências e habilidades específicas:

Os alunos devem ser capazes de analisar o processo de licenciamento de

forma crítica, levando em conta problemas na legislação, problemas de ordem

estrutural, de planejamento, desenho institucional e no próprio processo de emissão

das licenças ambientais.

Além disso, a dinâmica proposta para utilização do caso Belo Monte requer que

o aluno desempenhe adequadamente o papel que lhe foi atribuído, sendo capaz de

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identificar quais são as suas competências, qual o seu papel e quais as providências

que lhe cabe adotar no caso concreto. Para ilustrar:

• Na qualidade de Juiz, o aluno deve reconhecer o conflito e dimensionar os

argumentos das partes envolvidas de modo a sustentar sua decisão final.

• Na qualidade de Procurador Federal do Estado do Pará, o aluno deve ser

capaz de elaborar uma petição inicial contendo os argumentos e o pedido

muito bem definidos.

• Na qualidade de entidades civis em defesa da população indígena, os alunos

podem ser incentivados a buscar compreender como o caso Belo Monte

chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos; refletir sobre os

impactos da recomendação da OEA ou de uma eventual decisão da Corte

Interamericana de Direitos Humanos no processo de licenciamento ambiental;

analisar se é possível haver um impacto efetivo na paralisação das obras de

Belo Monte.

• Na condição de formuladores de políticas públicas, os alunos devem ser

capazes de realizar uma análise institucional da problemática envolvida no

caso, sendo capaz de avaliar se o processo de licenciamento ambiental, por

exemplo, efetivamente garante a proteção ao meio ambiente ou apenas retarda

o andamento de uma obra relevante ao desenvolvimento do país.

4. Sugestão de dinâmica em sala de aula

Uma sugestão de norte para o trabalho em sala de aula com o CASO A é

solicitar aos alunos que identifiquem e sistematizem os conflitos, atores e demandas.

Em seguida, o professor poderá avaliar se os alunos foram capazes de identificar e de

demonstrar os principais conflitos de interesses apresentados na narrativa do caso A,

mapeando os atores envolvidos em cada um deles e os seus respectivos interesses.

Nesta dinâmica, será utilizado o método do caso, que tem como objetivo

central a identificação dos problemas jurídicos envolvidos no caso.

Identificados corretamente os elementos da narrativa, o professor pode sugerir

que eles proponham soluções para cada um desses conflitos. Nessa situação, os

alunos podem exercer diversos papéis: juiz, que deverá decidir uma das ações civis

públicas propostas pelo MPF do Pará; Procurador do MPF, e redigir uma peça

processual com o objetivo de paralisar o andamento da obra; ou podem trabalhar

como se estivessem na posição de Ministro de Minas e Energia e avaliar a pertinência

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dessa obra tendo em vista o planejamento energético brasileiro para os próximos

cinco anos. Nessa dinâmica, serão utilizados dois métodos de ensino: o Problem-

based Learning e o Role-play.

A pergunta central da aula, como já mencionado, é: Como conciliar as normas

e procedimentos de proteção ao meio ambiente e às comunidades indígenas com o

desenvolvimento econômico do país no contexto da viabilização da construção de uma

usina hidrelétrica de grande porte?

Tendo em vista esta questão central, o professor poderá avançar nos objetivos

pedagógicos, a depender de qual semestre a turma está cursando, propondo a

seguinte atividade: os alunos devem refletir sobre a pergunta central e ser capazes de

formular uma política pública que seja capaz de articular os interesses envolvidos no

caso, minimizando os problemas gerados e potencializando os ganhos.

O conflito de visões/interesses entre sociedade civil (representada pelo

Ministério Público Federal e organizações não-governamentais) e Governo e iniciativa

privada fica claro a partir da análise de documentos. Com o objetivo de instrumentar o

professor com ferramentas que permitam a realização de dinâmicas em sala de aula

em que, através da análise de documentos/pareceres, seja possível aos alunos

identificar os argumentos e dados contrapostos pelas partes.

A partir da questão central proposta, outra indagação pode ser apresentada

aos alunos: Tendo em vista o quadro atual, de que a energia que será produzida por

Belo Monte já está vendida e, portanto, passa a fazer parte do planejamento

energético para o ano de 2015, como arquitetar os conflitos existentes?

Para ilustrar essa discussão, transcrevemos trecho de entrevista concedida

pelo professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Fernando Almeida

Prado Jr.12 sobre o tema:

“Belo Monte hoje é fundamental. Se sair [do planejamento energético] haverá um buraco de contratações que vai levar ao aumento do nível de risco de suprimento por volta 2015. Não é possível repor esse volume de energia com hidráulica, tem de ser termoelétrica e isso vai na contramão do aumento de emissões etc. E ano que vem [2012] é o ultimo ano de vigência do protocolo de Kyoto e talvez o Brasil tenha obrigações objetivas a partir de 2013. Então temos dois problemas, aumento de emissões e do risco de suprimentos.”

Em contraposição a esta visão, vale destacar o seguinte: Entre 2001 e 2002,

durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil enfrentou uma crise nacional

que afetou o fornecimento e a distribuição de energia elétrica no Brasil, que ficou

12 Cf. trecho de entrevista realizada em 09/05/2011.

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conhecida como “crise do apagão”. Como reflexo, o então candidato à Presidência,

Luís Inácio Lula da Silva, lançou como parte do seu programa de Governo para o ano

de 2002 o documento “O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil”13 no qual

afirma-se que “a matriz energética brasileira, que se apóia basicamente na

hidroeletricidade, com mega-obras de represamento de rios, tem afetado a Bacia

Amazônica”14 e “demanda modernização urgente, começando por assimilar conceitos

de sustentabilidade”.15 Esse documento apresenta críticas pontuais à construção de

hidrelétricas, dentre elas Belo Monte, por se tratar de empreendimentos que afetam o

meio ambiente de forma direta, conforme se verifica no trecho a seguir.

“[n]um cenário em que a água doce passa a ser um recurso escasso e pode se tornar grande alvo de disputas territoriais, a matriz energética do Brasil deve ser repensada, com fortes investimentos em inovação tecnológica, para evitar intervenções de grande impacto ecológico sobre os recursos hídricos.”16

O documento em análise termina por propor uma “revisão dos atuais projetos

de usinas hidrelétricas na Amazônia, submetendo os estudos e projetos a grupos de

cientistas independentes que avaliarão a pertinência tecnológica, impactos

socioambientais agregados a curto, médio e longo prazos, considerando a bacia

hidrografia como um todo”.17

O professor poderá utilizar essas informações para inserir maior complexidade

ao debate e com isso estimular os alunos a pensarem em novas alternativas para a

resolução dos conflitos presentes no caso. Os argumentos apresentados pelo

professor acrescentam novas variáveis ao caso que podem levar os alunos a

repensarem suas posições com relação à questão central que propusemos ao caso.

5. Preparação para a dinâmica

A narrativa é a leitura base para desenvolver a dinâmica proposta. Como a

narrativa está organizada em itens, é possível que o professor indique apenas um dos

itens da narrativa para leitura. Para desenvolver a dinâmica aqui proposta, o item mais

13 Disponível em: http://www.fpabramo.org.br/uploads/olugardaamazonianodesenvolvimento.pdf. 14 “O lugar da Amazônia no desenvolvimento do Brasil”, p. 13. 15 Idem, p. 15. 16 “O lugar da Amazônia no desenvolvimento do Brasil”, p. 14. 17 Idem, p. 18.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

13

indicado seria o 2, denominado “preservação do meio ambiente versus

desenvolvimento econômico”.

Além da narrativa, sugerimos que os alunos tenham acesso a parte do material

que consta da relação dos anexos. De acordo com o papel exercido por cada um dos

alunos, sugerimos a relação a seguir:

i) Juiz: Relatório do painel de especialistas, EIA-Rima, Ações Civis

Públicas, contato de concessão;

ii) Ministério Público Federal: Relatório do painel de especialistas, EIA-

Rima, contrato de concessão, edital do leilão e resultado;

iii) Ministério de Minas e Energia: dados sobre o planejamento

hidrelétrico brasileiro, relatório do painel de especialistas, ações

civis públicas, contrato de concessão, EIA-Rima.

iv) Ministério do Meio Ambiente: Relatório do painel de especialistas,

EIA-Rima, contrato de concessão.

v) Entidade civil de proteção aos indígenas: Relatório do painel de

especialistas, EIA-Rima, contrato de concessão, ACP que obriga a

realização de audiências públicas em todas as comunidades,

decisão judicial desta ACP, decisão da OEA.

Para melhor compreenderem o papel que devem desempenhar, é

recomendável que os alunos busquem notícias veiculadas na mídia e documentos

disponíveis nos sites do Governo, de empresas concessionárias e organizações não-

governamentais. Os próprios documentos por nós sugeridos indicam onde procurar

por mais informações sobre o caso.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

14

NOTA DE ENSINO - B: Interações público-privadas, mo delagem contratual e

análise de riscos no contrato de concessão

1. Objetivos pedagógicos

O item “Interações público-privadas, modelagem contratual e análise de riscos

no contrato de concessão” da narrativa tem a finalidade de desenvolver nos alunos

alguns conceitos essenciais na análise e no desenho dos contratos de concessão de

serviços públicos (lei federal nº 8.987/1995) e que, normalmente, não recebem a

devida atenção no ensino jurídico e na literatura jurídica nacional. Um dos desafios

que podem ser propostos aos alunos é identificar e analisar criticamente os contornos

do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos de concessão.

Os principais assuntos a serem desenvolvidos são: riscos, alocação de riscos e

equilíbrio econômico-financeiro no contrato de concessão. Tais aspectos são

essenciais para potenciais investidores e financiadores de projetos de infraestrutura,

cujos ativos são de propriedade pública, sendo revertidos ao Estado ao final do

contrato de concessão. Esperamos que a aplicação do caso contribua para que o

aluno seja capaz de analisar criticamente o edital de uma licitação para a concessão

de serviços públicos, consciente da perspectiva dos investidores ou financiadores.

Com o objetivo de permitir que o aluno possa dialogar sobre a dimensão

jurídica de tais conceitos com profissionais de diferentes áreas (economia e

contabilidade, por exemplo), algo demandado na prática profissional, o modo como o

caso foi estruturado incentivará que o aluno utilize-se não apenas da literatura jurídica

como base para o enfrentamento da situação-problema.

No plano macro, o caso tem como alicerce o que pode ser chamado de “Direito

Público dos Negócios”, aqui traduzido como o ambiente institucional em que o Estado

seleciona e/ou regula as empresas privadas responsáveis por, parcial ou

integralmente, construir, manter, operar e financiar a infraestrutura pública necessária

para a prestação dos serviços públicos. Atentar para o ambiente institucional é uma

competência exigida do aluno ao trabalhar com esse caso.

A situação-problema é relevante para o ensino do direito porque ela apresenta

desafios que envolvem o relacionamento entre empresas privadas, empresas estatais

e Estado em projetos que visam ao desenvolvimento do país. Um dos gargalos para o

desenvolvimento nacional é a situação de suas infraestruturas (rodovias, ferrovias,

portos, aeroportos, energia elétrica, saneamento básico etc.). O Estado, desde a

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

15

década de 1990, vem desenvolvendo arranjos institucionais com o objetivo de

incentivar a participação da iniciativa privada no desenvolvimento da infraestrutura

nacional. Nesse cenário, por exemplo, está inserida a criação de agências

reguladoras.

É importante que os alunos compreendam a evolução do Estado de ente

burocrático para o Estado gerencial18 e consigam, a partir de casos concretos, refletir

sobre as mudanças inseridas nesse contexto. O principal instrumento jurídico que

viabiliza a participação da iniciativa privada em atividades de interesse público é o

contrato de concessão (ANEXO XI), que no caso de Belo Monte, é um dos principais

documentos base para os alunos, por ser este instrumento a base para a análise do

perfil risco/retorno do negócio19.

Pretendemos sensibilizar os alunos para debates sobre as seguintes questões

que são recorrentes na análise de qualquer contrato de concessão: como avaliar o

equilíbrio entre a satisfação do interesse público e a atratividade para o capital privado

na concessão de serviços públicos? Qual a relação entre custo de capital e segurança

jurídica? Como compreender a alocação de riscos e, se for o caso, questioná-la?

O caso dialoga, principalmente, com as seguintes disciplinas: Direito

Administrativo e Direito Contratual. De modo indireto, o caso também mantém relação

com Direito Empresarial, Direito Ambiental, Direito Concorrencial e Direito Processual

Civil.

No que diz respeito ao Direito Administrativo, o aluno entrará em contato com

alguns pilares da relação entre Estado e iniciativa privada nas situações em que esta

última se responsabiliza por investir e prover serviços públicos (concessão de serviços

públicos, concessão administrativa e concessão patrocinada). No âmbito desta área

do Direito, trabalhamos os conceitos de licitação, contrato de concessão, equilíbrio

18 Termo utilizado por Luiz Carlos BRESSER PEREIRA em diversos trabalhos, tais como: BRESSER

PEREIRA, Luiz Carlos. A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Cadernos MARE. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997; e BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania: A Reforma Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional. São Paulo: Ed. 34; Brasília: ENAP, 1998.

19 WEBER e ALFEN (2010, p. 34): “(...) This and similar kinds of tables of common risk/return profiles serve to oversimplify the complexity of infrastructure investments to a fatal extent. They suggest that the identity of the sector or the fact that the market is regulated provides sufficient evidence of the risk/return profile of an investment. This is a severe mistake, which is commonly made by (inexperienced) investors and unfortunately also their advisors. Strictly speaking: the sector alone does not allow any conclusions to be drawn about the risk/return profile of an asset. An analysis of the individual case is always necessary. Also, a regulated market cannot be automatically equated with low risk. This is particularly apparent in the regulated telecommunications market, which embodies an extremely high level of market risk. Hence, it is the combination of the aforementioned influencing factors and characteristics – and the contractual structure in particular – that ultimately determines the risk/return profile of an investment. Therefore, it is possible for investments that appear identical on the surface, for example, road or power plant projects, to have entirely different risk/return profiles depending on the underlying structure of the individual transactions (…)”.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

16

econômico-financeiro do contrato, alocação de riscos, formas de reequilíbrio

econômico-financeiro, regulação dos prestadores de serviços públicos, agências

reguladoras, empresas estatais e financiamento privado20 de infraestrutura, cuja

propriedade é pública e que, portanto, será revertida ao Estado.

Do ponto de vista do Direito Contratual, o aluno entrará em contato com

questões envolvendo redação e estratégia contratual, elaboração do contrato (de

concessão e do acordo de acionistas), noção das obrigações de fazer e não fazer.

O caso foi organizado de modo a permitir que o aluno, ao consultar os

documentos públicos relacionados à hidrelétrica de Belo Monte (edital do leilão,

contrato de concessão), possa desenvolver suas percepções quanto aos temas

mencionados acima e vinculados ao Direito Administrativo e Direito Contratual.

2. Competências e habilidades

São muitas as competências e as habilidades que fazem fronteira com o caso.

Algumas delas serão reforçadas21 com a aplicação do caso, mas não serão objetivos

centrais deste. Tais competências e habilidades serão denominadas de competências

e habilidades gerais. Além destas, haverá o desenvolvimento de competências e

habilidades específicas, que são aquelas consideradas prioritárias durante a utilização

do caso.

Competências e habilidades gerais: interpretação e redação contratual; análise

crítica de minuta contratual e capacidade de aprimoramento da redação do contrato;

interpretação do texto legal; capacitação do aluno para lidar com as fontes normativas,

conhecer as normas e institutos jurídicos basilares do direito administrativo; adquirir a

capacidade de identificar interesses e posições conflitantes em casos reais e

complexos; identificação e extração de informações relevantes de documentos;

contextualização da norma frente ao sistema jurídico; interpretação de normas;

argumentação; expressão escrita e oral.

Competências e habilidades específicas: aptidão para o estudo de casos

envolvendo negócios com o Estado (desenvolvimento de capacidade de interpretação

de edital de licitação e contrato de concessão); construção de percepções sobre a

20 Na concessão de Belo Monte, entretanto, o financiamento será prioritariamente público, por intermédio

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, nos termos com que esse aspecto foi tratado na narrativa do caso.

21 Reforçadas no sentido de que tais competências já foram desenvolvidas ao longo da graduação e, no presente caso, poderão ser exercitadas mais uma vez.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

17

prática do Direito Administrativo e seu contexto; análise de literatura econômica sobre

licitação pública, contratos de concessão e parcerias público-privadas; identificação de

aspectos essenciais sobre o ambiente que envolve os negócios entre iniciativa privada

e Estado brasileiro; estabelecimento de vínculos entre ambiente institucional e

desafios para o financiamento e estruturação de projetos para o desenvolvimento de

infraestrutura pública; análise crítica de acordo de acionistas; previsão de potenciais

conflitos de interesse entre sócios; capacidade de identificar e/ou prever as

consequências práticas decorrentes da adoção de certas opções contratuais.

3. Temas

A concessão de Belo Monte é adequada para tratar dos temas, bem como para

exercitar as competências e habilidades indicadas acima, porque, a despeito de ser

um caso recente e ainda encontrar-se em estágio inicial de desenvolvimento, trata-se

de concessão que pode se classificada como um dos paradigmas recentes do

relacionamento entre iniciativa privada e Estado tendo em vista o objetivo de

desenvolver um serviço público essencial para o desenvolvimento do país (no caso, a

geração de energia elétrica).

Pode-se dizer que a edição da lei federal nº. 8.987/1995 (lei de concessões

públicas) foi um momento importante da evolução institucional do ambiente dos

negócios com o Estado. Outro avanço se deu com a edição da lei federal nº.

11.079/2004 (lei das PPPs), que estabeleceu o regime jurídico das parcerias público-

privadas. Ambos os momentos, podem ser considerados paradigmáticos quando se

coloca em perspectiva a evolução recente do relacionamento entre Estado e iniciativa

privada tendo em vista a prestação de serviços públicos e o desenvolvimento das

infraestruturas públicas.

O período entre as edições das mencionadas leis federais (1995-2004) foi um

período de sedimentação do ambiente dos negócios com o Estado. O mesmo pode

ser dito do período posterior ao da edição da lei das PPPs.

O professor pode questionar os alunos para saber se Belo Monte (e as

circunstâncias que envolveram a licitação) pode ser considerado um novo paradigma

no ambiente de negócios que vinha sendo desenvolvido entre Estado e iniciativa

privada para a prestação de serviços públicos. Alguns elementos podem levar a

pensar que se trata de um novo paradigma, tais como: (i) o fato de a concessão de

Belo Monte ter contado com forte participação do Estado para a formação dos

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

18

consórcios que disputaram a licitação (inclusive por intermédio de empresas estatais);

(ii) o fato de a concessão de Belo Monte não ter atraído, com a mesma intensidade, a

atenção da iniciativa privada que normalmente atua no mercado dos negócios com o

Estado; e (iii) o fato de tratar-se de um projeto que será quase que inteiramente

financiado pelo BNDES.

Em função dos pontos mencionados acima, pode-se considerar que Belo

Monte representa uma inflexão política no modo como o instrumento da concessão de

serviços públicos vinha sendo utilizada no Brasil desde 1995. Em Belo Monte, a

fronteira entre os papeis do Estado e da iniciativa privada foi ampliada, reduzindo-se a

participação privada e ampliando-se a participação do Estado22. O aluno deverá

compreender esse cenário, contextualizando-o às peculiaridades da hidrelétrica de

Belo Monte e ao arranjo do contrato de concessão.

A lei que estabeleceu o regime jurídico da concessão de serviços públicos teve

como uma de suas finalidades a criação de um ambiente de negócios eficiente e

atrativo para que o capital privado pudesse contribuir com a prestação de serviços

públicos23.

22 Isso se deu, principalmente, em função das características relacionadas à concessão de Belo Monte.

Houve uma intensa participação da União para a formação dos consórcios que disputaram a licitação. A União, por intermédio da Eletrobras e suas subsidiárias, foi um ator relevante na formação e viabilização dos dois consórcios que participaram da licitação. Em certo sentido, a intensa participação das subsidiárias como investidoras em conjunto com a iniciativa privada revela uma distorção no modelo das concessões de serviços públicos. Ou seja, o Estado recorreu a um instrumento para viabilizar investimentos privados em infraestrutura pública (reduzindo sua exposição aos riscos do negócio), mas, na medida em que tal capital privado não se engajou plenamente no negócio, as empresas estatais foram convocadas a também serem responsáveis pelos investimentos necessários. O professor, tendo em vista este aspecto da concessão de Belo Monte, não pode deixar de ter consciência de que os arranjos societários entre os investidores privados e públicos que formaram a sociedade de propósito específico (SPE), concessionária de Belo Monte, poderiam revelar outros riscos assumidos pelo Poder Público, via subsidiárias da Eletrobras e os fundos de pensão públicos que também integram a SPE. A despeito do fato de que o caso B se dedica à alocação de riscos no contrato de concessão, dado o perfil societário da SPE, uma investigação completa sobre os riscos alocados ao Poder Público em sentido amplo dependem de análise do arranjo societário da SPE, pois ela conta com estatais federais e fundos de pensão de servidores públicos entre os investidores consorciados. Este cenário reduz a possibilidade de que o cidadão e a sociedade civil compreendam a exata extensão dos riscos que serão de fato assumidos pela União em função do negócio (há os riscos alocados à União como poder concedente, parte do contrato de concessão, e há os riscos alocados à União, via estatais e fundos de pensão, partes da SPE). Esse é o contexto que sustenta a afirmação de que Belo Monte representa uma inflexão política a respeito da utilização do instrumento da concessão de serviços públicos. O professor poderá explorar este aspecto em algum momento dos debates sobre o caso. Mas é importante lembrar que o foco do caso B e o exercício proposto vinculam-se aos riscos decorrentes da relação entre poder concedente e concessionária.

23 A lei federal nº. 8.987/05 teve como origem um Projeto de Lei do Senado Federal (PLS nº 179/1990, de autoria do então Senador Fernando Henrique Cardoso). Depois de ir para a Câmara dos Deputados e voltar para o Senado Federal para a apreciação dos substitutivos, foi finalmente aprovado em 1995. Ao sancionar a lei, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso manifestou-se nos seguintes termos: “A economia do país está madura o suficiente para que se possa convocar a parceria da iniciativa privada nessa responsabilidade de financiamento do desenvolvimento”, Folha de São Paulo, FHC diz que lei é fim da era Vargas´, 14 de fevereiro de 1995. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/2/14/brasil/26.html (consulta em 08/02/1995).

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

19

O período entre 1990 e 1995 foi um período de grandes transformações no

país. No campo econômico, buscava-se a superação do cenário de inflação

descontrolada e consolidava-se uma análise crítica sobre o tamanho do Estado. É

nesse cenário que surge a aprovação da lei de concessões de serviços públicos.

Dada a incapacidade econômica e financeira do Estado para dar conta das

necessidades de investimento de sua responsabilidade, criou-se um regime jurídico

que permitisse, em tese, o equilíbrio entre o interesse público (prestação de serviço

público eficiente e de qualidade) e o interesse privado (investimento com taxa de

retorno compatível com os riscos envolvidos no negócio).

Houve, pode-se dizer, uma alteração no perfil da atuação do Estado na

economia. Por intermédio das privatizações em sentido amplo24, o Estado deixa de ser

empresário e passa a ser o regulador, criando incentivos para a canalização de capital

privado em vários setores regulados (rodovias, ferrovias, energia elétrica, portos,

telecomunicações).

O esforço, desde 1995, vem sendo o de aprimorar o regime jurídico das

concessões de modo a tornar o mercado dos negócios com o Estado o mais eficiente

possível. Tal esforço envolveu a criação das agências reguladoras, o desenvolvimento

da cultura regulatória, o aprimoramento dos desenhos dos contratos de concessão e

das formas de solução de conflitos entre as partes do contrato, entre outros. Um dos

aprimoramentos foi a aprovação da já mencionada lei nº 11.079/2004, que prevê

expressamente a necessidade de que a contratação de parcerias público-privadas

estabelecesse a repartição objetiva de riscos entre o parceiro público e o privado.

A hidrelétrica de Belo Monte, a despeito de não ter envolvido a edição de uma

lei geral sobre o relacionamento entre Estado e iniciativa privada para a prestação de

serviços públicos, é paradigmática no contexto da recente evolução mencionada

acima em função dos contornos e circunstâncias que caracterizaram o negócio em

questão.

Em primeiro lugar, não é frequente que um edital de licitação para a concessão

de serviços públicos suscite um debate público de âmbito nacional, ativando a

sociedade civil organizada e atraindo a atenção da imprensa.

Em segundo lugar, o negócio é paradigmático porque ressaltou alguns conflitos

essenciais do desenvolvimento econômico brasileiro nos tempos atuais:

(i) a atuação do Estado na ordem econômica (empresário, regulador ou

fomentador da iniciativa privada); 24 Para os fins do texto, privatização em sentido amplo é o gênero que compreende duas espécies:

privatização em sentido estrito (venda de ativos do Estado para a iniciativa privada) e concessão de serviços públicos.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

20

(ii) o caráter pouco competitivo do processo licitatório; e

(iii) o conflito de escolha entre crescimento econômico, perfil da matriz energética e

meio ambiente.

Além disso, o caso é importante porque envolve um dos setores brasileiros cuja

regulação é mais desenvolvida e organizada. A Agência Nacional de Energia Elétrica

(ANEEL) foi criada em 1996 e o setor em que atua foi um dos primeiros setores a

contar com uma agência reguladora, autarquia em regime especial, com autonomia

decisória, orçamentária e financeira. Sendo assim, trata-se de um setor com

considerável experiência regulatória.

É relevante mencionar que o setor de energia elétrica é extremamente

complexo e sensível politicamente. No começo da década de 2000, o Brasil teve uma

experiência traumática com a necessidade de racionamento de energia elétrica. A

partir daquele momento, o setor passou a integrar com maior intensidade a pauta do

debate e da ação política. Em 2004, já no Governo do Presidente Lula, a legislação

federal passou por algumas reformas.

Em busca da segurança energética, foram construídas termoelétricas com a

função de aumentar a pluralidade da matriz energética brasileira, reduzindo-se, assim,

a probabilidade de ocorrer novamente crise como a ocorrida no começo da década de

2000. Por outro lado, as termoelétricas são mais poluentes do que as hidroelétricas, o

que gera constantes críticas a respeito da decisão governamental que optou por tal

solução.25

Um dos temas centrais do caso é o papel do Estado na economia. Não se

pretendeu com esse breve texto apresentar um posicionamento sobre os erros ou

acertos das decisões políticas dos recentes Governos federais (FHC e Lula). A

finalidade do texto foi contextualizar a concessão de Belo Monte no recente cenário

político brasileiro sob a perspectiva do papel do Estado na economia.

A análise da alocação de riscos é relevante até mesmo para que o debate

público sobre a postura do Estado apresente uma maior qualidade, permitindo, assim,

que essas escolhas sejam analisadas pelo cidadão e pela sociedade civil. Os alunos

deverão, ao fim da aplicação do caso, incorporar os vetores do cenário político

recente, pois, tais vetores, são formalizados pelo direito e são relevantes para a

tomada de decisão referente a investimentos privados.

25 Com o objetivo de contribuir para que esse cenário não seja visto como desestimulante para o

professor que não seja tão próximo do setor elétrico, foram selecionados textos de apoio.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

21

4. Sugestão de dinâmica em sala de aula

A partir da leitura da narrativa do caso B, os alunos deverão ser capazes de

identificar a problemática derivada da construção de um empreendimento de grande

porte, como a UHE Belo Monte, que traz impactos ambientais e sociais.

Detectado esse problema, a equipe propõe o seguinte exercício aos alunos: a

construção da matriz de riscos do contrato de concessão de Belo Monte. Para tanto, o

aluno deverá ter lido alguns textos de sensibilização a respeito dos riscos nos

contratos de concessão (indicados na nota de ensino) antes da primeira aula em que o

professor explorar o tema em classe.

Caberá ao professor, nessa primeira aula, conduzir um debate a respeito da

importância da alocação e clareza sobre os riscos nos contratos de concessão,

debatendo com os alunos o material que eles tenham lido previamente.

Finalizada essa aula (ou essa primeira etapa), o professor deverá apresentar o

exercício que deverá ser realizado pelos alunos para a próxima aula (ou para a

próxima etapa). O professor explicará o formato mínimo da planilha onde os alunos

deverão realizar ou concretizar a matriz de risco do contrato de concessão de Belo

Monte (ver anexo que apresenta o formato mínimo da planilha). Contudo, o professor

deverá incentivar os alunos a aprimorarem o formato mínimo da planilha, com análises

e sistematizações novas, que revelem mais percepções sobre o tema dos riscos no

contrato de concessão (tanto do ponto de vista do setor público, quanto do setor

privado).

Nesse momento, o professor deverá indicar que há um modelo de matriz de

riscos na minuta de edital de concessão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante

(ASGA), objeto de audiência pública em 2010 e licitado pela Agência Nacional de

Aviação Civil (ANAC) em julho de 2011. O professor não deverá, entretanto, fornecer o

arquivo aos alunos; ele deverá incentivar a busca do documento por eles e, quando da

análise das matrizes de riscos produzidas pelos alunos, o professor deverá questioná-

los sobre os porquês derivados da decisão de usar ou não usar as variáveis dos

relatórios de riscos do ASGA.

O professor deverá avaliar, antes da reunião em que os alunos (em grupo)

apresentarão seus resultados, se não seria o caso de realizar uma aula apenas para

debater as variáveis sugeridas pelos alunos que transcendam o formato mínimo da

planilha. Nesse caso, o produto dessa aula seria que a classe alcançasse um

consenso sobre o formato final da planilha em que analisarão os riscos no contrato de

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

22

Belo Monte. Se o professor optar por esta atividade preliminar, deverá dar como nortes

aos alunos que o consenso gerado na sala deve levar em consideração um equilíbrio

entre o prazo que terão para fazer a análise e os ganhos de cada uma das variáveis

sugeridas em relação a uma percepção mais plena sobre os riscos do contrato de

concessão.

O professor, no que diz respeito ao preenchimento da planilha, deve ressaltar

aos alunos que não há necessariamente nos contratos de concessão a menção

expressa de todos os riscos do negócio. Sendo assim, os alunos deverão ter um olhar

mais amplo sobre o negócio para perceber seus riscos inerentes, sendo que o direito

(leis, regulação, Poder Judiciário, regulador e contrato) revelará quais são as

consequências normativas no caso em que, eventualmente, os riscos do negócio se

concretizarem durante a vigência do contrato.

Em outras palavras: a pretensão de que um contrato aborde expressamente

todos os riscos é uma pretensão irreal, pois a capacidade de prevê-los tem limites. A

pretensão do direito, entretanto, é regular, de modo objetivo e pleno, as

consequências jurídicas dos riscos para as partes do contrato.

É neste ponto que o tema dos riscos alcança uma finalidade prática do ponto

de vista da gestão do contrato de concessão. A finalidade da concessão, pode-se

dizer, é descentralizar para a iniciativa privada a realização de algumas tarefas antes

realizadas pelo setor público. O pressuposto é que a iniciativa privada possui

condições, de modo mais eficiente, para realizar certas tarefas. Sendo assim, a

concessão permite ao Estado que repasse riscos, que até então eram gerenciados

pelo Poder Público, para o concessionário.

Para que o negócio seja atrativo para a iniciativa privada, deve existir um

equilíbrio entre os riscos alocados ao concessionário e o retorno esperado por este. A

tarifa deve representar tal equilíbrio.

A título meramente exemplificativo foram preenchidos alguns campos da

planilha mínima sugerida (versão do professor) para que o professor possa ter em

mente alguns exemplos de preenchimento.

Deve se atentar para o fato de que a planilha mínima deverá ser entregue aos

alunos sem que seus campos estejam preenchidos.

A planilha mínima é formada pelas seguintes colunas (as explicações que se

seguem devem ser informadas aos alunos, para que compreendam a finalidade de

cada coluna da planilha):

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

23

• situação fática26: a situação deve ser narrada com a maior riqueza de detalhes

possível. Como estamos a analisar um contrato que está em seus primeiros

meses de vigência, são poucos os fatos que já aconteceram. Sendo assim, o

aluno deve fazer uma análise prospectiva sobre situações que podem acorrer

durante a vigência do contrato e podem ser relevantes para o tema do

equilíbrio econômico-financeiro do contrato;

• natureza do risco: risco político, regulatório, de construção, de demanda,

tecnológico, ambiental, de financiamento etc.

• potencial desestruturante para o negócio: o aluno deve tentar mapear o

potencial desestruturante para o negócio de cada uma das situações fáticas

propostas. Pode-se usar a convenção baixo, médio e alto potencial;

• momento mais provável: a sugestão é que seja analisado se a situação fática

pode acontecer em qualquer momento durante a vigência do contrato ou

apenas em uma fase específica, como a fase de construção ou os anos finais

em que o contrato estará em vigor, por exemplo;

• parte com capacidade para mitigá-lo: neste trecho, o aluno deve indicar se é o

poder público, a concessionária ou ambas as partes que podem gerenciar a

situação fática de modo mais eficiente. O ponto aqui é: quem tem a maior

capacidade de interferir para mitigar os potenciais danos decorrentes da

situação fática indicada?

• alocação contratual: poder público (concedente), concessionária ou

compartilhada entre ambos;

• motivação do aluno: neste campo, o aluno deverá indicar suas observações e

demais comentários pertinentes a sua análise;

No que diz respeito à avaliação do desempenho do aluno na construção da

matriz de riscos do contrato de Belo Monte, esboçamos algumas ideias que poderão

ser aproveitadas pelo professor durante a aplicação do caso.

No momento da avaliação, o professor pode aferir o desempenho dos alunos

se eles forem capazes de incorporar na planilha de riscos não só aqueles derivados da

própria redação contratual, mas também aqueles decorrentes da situação fática e do

contexto institucional em que o contrato está inserido como, por exemplo: os

questionamentos do Ministério Público Federal no Judiciário com o intuito de

26 Os exemplos de situação fática indicados na planilha devem ser apagados pelo professor antes do

envio da planilha mínima para os alunos.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

24

paralisação das obras, os custos gerados por eventuais atrasos no processo de

licenciamento ambiental etc.

Outra questão-chave é a capacidade do aluno de se posicionar diante das

consequências jurídicas para as partes do contrato no caso em que os riscos

detectados se concretizem durante o prazo de vigência do contrato. A pergunta aqui é

quem arcará com as consequências econômico-financeiras dos riscos que se

concretizarem? O Poder Público ou o parceiro privado?

O contrato de Belo Monte é claro ao alocar à concessionária o risco de

construção da usina hidrelétrica (Cláusula Quinta, Subcláusula Terceira), risco de

construção das Instalações de Transmissão de Interesse Restrito à usina hidrelétrica

(Cláusula Quinta, Subcláusula Sexta), risco de entrada em operação da usina na data

estabelecida pela ANEEL (Cláusula Sétima, Subcláusula Primeira, II) e risco de

licenciamento e autorizações ambientais (Cláusula Sétima, Subcláusula Primeira, XII).

Para o Poder Público, foi alocado o risco de atraso da entrada em operação da

usina hidrelétrica na data estabelecida pela ANEEL nos casos de atos do Poder

Público e nos casos decorrentes de casos fortuitos e força maior (Cláusula Sétima,

Subcláusula Primeira, II, parte final).

Esta alocação de riscos, entretanto, será posta à prova em função de situações

concretas que já aconteceram ou podem acontecer em Belo Monte (outras

hidrelétricas de grande porte no Brasil vêm enfrentando desafios que podem estar

presentes também em Belo Monte). Por exemplo: atraso na construção da linha de

transmissão principal (que não aquela de interesse específico da UHE de Belo Monte),

danos decorrentes de manifestações seguidas de distúrbios envolvendo os

trabalhadores contratados pela concessionária, atraso na licença ambiental em função

de limitações materiais do órgão federal responsável pela análise das licenças e

atraso na licença ambiental em função de ação judicial proposta pelo Ministério

Público Federal. Tais circunstâncias, assim como outras, poderão colocar à prova a

alocação de riscos de Belo Monte.

Um contrato que faça um esforço de definir objetivamente e alocar

expressamente os riscos do negócio entre as partes não terá a capacidade de reduzir

plenamente os “tons de cinza” que envolvem o tema da alocação de riscos. A

realidade sempre é mais criativa que a capacidade de previsão de engenheiros,

economistas e advogados. Entretanto, quando estamos a falar de um contrato cuja

redação nem se propôs a expressa e objetivamente alocar os riscos entre as partes,

como é o caso do contrato de concessão de Belo Monte, os “tons de cinza” tendem a

ser ainda mais frequentes e intensos.

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A única cláusula do contrato de Belo Monte que aborda uma eventual

compensação do Poder Público para a concessionária envolve o valor residual dos

ativos não amortizados ou depreciados no advento do termo final do contrato de

concessão (Cláusula Décima Segunda, Subcláusula Primeira).

Os argumentos indicados acima não devem ser encarados como o único modo

de se interpretar o tema da alocação de riscos do contrato de Belo Monte. Os

argumentos servem apenas para problematizar alguns aspectos do desenho do

contrato de concessão, que podem ser pauta dos debates em sala de aula.

Para finalizar este item, indicamos algumas matérias jornalísticas que, de modo

implícito, podem sinalizar potenciais argumentos da concessionária de Belo Monte

(Norte Energia S.A.) para questionar a alocação de riscos. As matérias não retratam

apenas fatos ocorridos na UHE de Belo Monte, mas também fatos relacionados às

hidrelétricas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau. Tais fatos e acontecimentos

poderão ser explorados em sala, para avaliar a argumentação dos alunos.

Jornal da Energia, 10 de junho de 2011:

“A demora do IBAMA para a emissão da licença de instalação definitiva - que autoriza o início das obras - para a hidrelétrica de Belo Monte (11.233MW) inviabilizou os planos da Norte Energia, responsável pela usina, de antecipar o cronograma e iniciar a geração antes de janeiro de 2015, data prevista no contrato de concessão do empreendimento”;

Jornal da Energia, 10 de junho de 2011:

“O IBAMA emitiu nesta quinta-feira (9/6) a licença de instalação para a linha de transmissão coletora Porto Velho - Araraquara 2 número 1 - o Linhão do Madeira, que vai escoar a energia produzida pelas hidrelétricas de Jirau (3.450MW) e Santo Antônio (3.150MW), que estão sendo construídas em Rondônia. O documento, porém, será contestado pela IE Madeira, responsável pela construção do trecho e constituída por Cteep (51%), Furnas (24,5%) e Chesf (24,5%).De acordo com o diretor de Engenharia da Chesf, José Aílton de Lima, a licença trouxe, como condicionante, a exigência de alterações no projeto, com a mudança de lugar e do tipo de torres utilizadas em alguns trechos, apontados como de maior sensibilidade ambiental. "Temos uma visão muito crítica da licença que saiu", afirma Lima. "Nós vamos rebater essas questões, tentar argumentar".Para o executivo, as condicionantes, além de aumentar os custos do empreendimento, resultarão em mais atraso no cronograma, que já foi alterado pela demora do IBAMA para dar o aval ao projeto”;

Folha de São Paulo, 18 de maio de 2011:

“Se a licença de instalação da usina de Belo Monte, no rio Xingu (PA), não sair nos próximos dois meses, o atraso no cronograma das obras poderá comprometer o prazo para o início da operação da usina, em janeiro de 2015. A avaliação foi feita ontem pela Norte Energia - empresa responsável pela construção e operação da hidrelétrica - e pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas

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e Energia, Altino Ventura, durante evento para a imprensa, em Brasília. Segundo eles, é necessário aproveitar o período de seca na região de Altamira (PA) para iniciar a construção. "Caso a licença não saia a tempo de se aproveitar a janela hidrológica [período de baixa vazão no rio Xingu], pode haver atraso que comprometa o atendimento do prazo de geração."”;

Jornal da Energia, 16 de maio de 2011:

“A estratégia é conhecida de todos e chega a gerar protestos por parte dos grandes consumidores de energia. Para vencer a concorrência nos leilões de hidrelétricas, cada vez mais disputados, as empresas oferecem deságios vultosos e fecham a venda da produção das usinas a preços baixos para o mercado cativo, formado pelas distribuidoras de energia. Para compensar, o restante da energia a ser gerada é negociado no mercado livre a preços mais altos, o que equilibra a conta. O Jornal da Energia chegou a apurar que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem recebido orçamentos de hidrelétricas nos quais somente uma venda da parcela de energia que vai para o mercado livre por preços elevados no mercado livre tornaria o negócio atrativo. Esse modelo, porém, pode ser atropelado pelo cenário atual, em que especialistas prevêem um viés de baixa nos preços da energia.”;

Jornal da Energia, 30 de março de 2011:

“Os problemas da Camargo Corrêa com a construção da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, não devem acabar com a retomada dos trabalhos após a destruição parcial do canteiro de obras. Uma disputa interna no consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), liderado pela belgo-francesa GDF Suez, demandará muita disposição da construtora para garantir o ressarcimento de custos adicionais causados por alegadas alterações nos contratos de Jirau. No chamado "claim", a Camargo Corrêa reclama R$ 1,2 bilhão de um "pacote" adicional de serviços de escavações, concretagens e desvios feitos no rio Madeira pela empreiteira para, entre outras ações, acomodar duas novas turbinas na hidrelétrica de 3.450 megawatts instalados. Nessa discussão estão ainda reajustes de custos de mão-de-obra, aumentos salariais, encargos tributários e despesas de escritório da construtora. Consultada, a Camargo preferiu não comentar o caso.”;

Jornal da Energia, 30 de março de 2011:

“O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, avaliou ontem que a revolta dos operários da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, ocorreu no momento em que o consórcio construtor tentava antecipar a entrega da obra. Em entrevista no Planalto, Carvalho disse que o Governo não vai tolerar nos canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) trabalho "indecente" e a contratação de "gatos", intermediários que recrutam operários. "De fato, em Jirau, a decisão da empresa de antecipar a entrega da obra provocou maior concentração de trabalhadores", afirmou. "Eu fiz a ponderação de que era o caso de rever o contingente para diminuir a tensão."”;

Jornal da Energia,10 de março de 2011:

“Desafios continuam rondando a usina hidrelétrica de Jirau em seu terceiro ano de construção. O volume de escavação da obra foi muito maior que o previsto, o que fez a construtora Camargo Corrêa pedir um valor adicional de R$ 900 milhões no contrato de obras civis. O pedido eleva mais uma vez o investimento, que hoje chega perto dos R$

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13 bilhões, ante os R$ 9 bilhões previstos. Liderado pela GDF Suez, a concessionária Energia Sustentável do Brasil pretendia antecipar para o primeiro semestre de 2012 o início da geração e usar o tempo ganho para vender 100% da energia do primeiro ano a preços do mercado livre, em geral superiores aos R$ 72 o megawatt-hora (MWh) da tarifa com a qual venceu o leilão. Até agora, porém, não conseguiu o preço de R$ 130 o MWh que garantiria retorno do negócio nem mesmo para a parcela que poderá vender no mercado livre a partir de 2013.”;

Jornal da Energia, 8 de fevereiro de 2011:

“A hidrelétrica de Dardanelos (261MW), instalada no rio Aripuanã, no Mato Grosso, está pronta para operar, mas ainda aguarda a construção da linha de transmissão que vai conectá-la ao sistema. A usina foi viabilizada pela Energética Águas da Pedra, enquanto a linha ficou a cargo da Empresa Brasileira de Transmissão de Energia (EBTE). Por problemas com terras indígenas no traçado da estrutura, a EBTE não conseguiu terminar a instalação a tempo de escoar a produção da planta, que tinha início da geração de energia marcado para o início deste ano. Nesta terça-feira (8/2), a diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reconheceu que o não cumprimento do cronograma pela Energética Águas da Pedra aconteceu por motivo de força maior. Com isso, o relator do processo referente à hidrelétrica, André de Nóbrega, deu à empresa duas opções: comprar energia no mercado livre para honrar os contratos fechados com as distribuidoras na ocasião do leilão da usina, recebendo a receita total prevista nesses acordos; ou se eximir de cumprir os compromissos, mas, nesse caso, ficando também sem a receita deles proveniente. "O estudo dos autos deixa evidente que a Águas da Pedra não pode ser responsabilizada pela não entrada em operação", apontou Nóbrega. O diretor deu à companhia um prazo de dez dias para que seja feita a opção por qual saída será utilizada para contornar os problemas no empreendimento. Durante a discussão do caso, o diretor ainda lembrou que os dados apontam que a hidrelétrica estava pronta para gerar desde julho, o que também fez os investidores perderem receitas que poderiam surgir com a venda dessa energia de antecipação no mercado livre.”.

4.1. Justificativa da escolha da dinâmica

Na tradição jurídica brasileira, a temática dos riscos foi e, em muitos casos,

ainda é analisada sob o viés diferença entre “álea ordinária” e “álea extraordinária”. Os

manuais de direito administrativo comumente referem-se a tais termos quando se

dedicam, como regra, em poucos parágrafos, ao tema do equilíbrio econômico-

financeiro dos contratos de concessão. Entretanto, a pretensão didática decorrente do

uso de tais termos limita uma percepção mais contemporânea dos riscos nos contratos

de concessão.

Classificar, posteriormente à celebração do contrato de concessão, eventos

que ocorrem durante seu prazo de vigência como “álea ordinária” ou “álea

extraordinária”, sendo que estes últimos podem gerar como consequência a

necessidade do reequilíbrio do contrato de concessão, é um cenário que gera

inseguranças para as partes do contrato, quer seja o poder público, quer seja a

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iniciativa privada. Em outras palavras, não saber de antemão quais são os riscos e os

responsáveis pelas respectivas consequências econômico-financeiras para as partes

do contrato de concessão implica em um ambiente institucional mais inseguro (para a

tarifa paga pelo usuário, para o orçamento público e para o retorno do parceiro

privado).

A partir de 2004, porém, o tema dos riscos nos contratos de concessão vem

recebendo maior atenção da literatura e da prática jurídica em virtude, especialmente,

da edição da lei de PPPs, que determinou, em seus artigos 4º, VI, e 5º, III, que, na

contratação de parceria público-privada, será observada uma repartição objetiva de

riscos entre as partes. Como consequência, o tema dos riscos vem se aprimorando no

recente debate público brasileiro sobre o ambiente institucional dos investimentos

privados em infraestrutura econômica ou social.

A lei federal de 2004 explicitou uma temática importante quando se fala em

estratégias e em institutos que tendem a incentivar investimentos privados para

atividades de interesse público de maneira mais eficiente. Na medida em que essa

legislação impõe a obrigação de que os contratos de concessão administrativa e

patrocinada explicitem a alocação dos riscos, torna-se possível que os atores

envolvidos direta ou indiretamente com as concessões (poder público, iniciativa

privada, cidadão e usuário dos serviços públicos) possam opinar, debater e tomar

decisões mais eficientes e racionais sobre esse modelo de negócio público.

Apenas para obter uma perspectiva normativa histórica, quando observamos a

lei federal nº. 8.987/1995, que era, até então, o principal diploma normativo que

regulava as concessões no Brasil, verifica-se que pouca atenção foi destinada ao tema

dos riscos. A lei que rege a concessão comum é mais econômica e menos plural

quando aborda o tema dos riscos, pois apenas faz referência à regra de que a

concessionária atuará por sua conta e risco, podendo levar à compreensão,

equivocada, de que a concessionária deverá assumir todo e qualquer risco do negócio

(artigo 2º, II e III).

A lei das PPPs, portanto, demandou a necessidade de que os riscos fossem

levados mais a sério e, consequentemente, tal pretensão também passou a reger

alguns contratos de concessão comum, regidos pela lei federal nº 8.987/1995, pois a

essência da concessão comum é a mesma das parcerias público-privadas em sentido

estrito.

Os riscos podem estar previstos em qualquer contrato. Trata-se de um recurso

que contribui para a boa gestão dos contratos e a ciência das partes sobre quais são

suas responsabilidades. A clareza e a objetividade quanto aos riscos nas concessões

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permitem que os licitantes formulem seus preços de modo racional, o que contribui

para que sejam evitados desacordos entre as partes durante a gestão do contrato, que

é de longo prazo.

Há uma vasta literatura internacional a respeito dos riscos no contrato de

concessão. Essa literatura, liderada pelo ponto de vista da ciência econômica, precisa

ser conhecida pelos operadores do direito que trabalham com o tema dos contratos de

concessão, sob pena de que o direito e o advogado ignorem algumas dimensões

envolvidas nas concessões. O exercício proposto terá a potencialidade de fornecer tal

percepção mais ampla aos alunos.

5. Programação da dinâmica

Preparação do aluno

Além de ler o contrato de concessão de Belo Monte, o aluno também deverá ler

alguns textos de sensibilização a respeito dos riscos nos contratos de concessão.

Se o professor quiser, poderá sugerir a leitura da decisão do Tribunal de

Contas da União a respeito da minuta de edital do Trem de Alta Velocidade; e a matriz

de riscos da concessão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (Rio Grande do

Norte). Abaixo, são indicadas as justificativas em relação a cada uma das leituras

sugeridas.

• Decisão do Tribunal de Contas da União a respeito da minuta de edital do

Trem de Alta Velocidade

Justificativa: a finalidade da leitura é permitir que aluno tenha uma dimensão

mais complexa e multidisciplinar a respeito da alocação de riscos em um

contrato de concessão. O Trem de Alta Velocidade é um negócio público cuja

complexidade é similar à Belo Monte. Na medida em que a decisão completa

do TCU tem 93 páginas (TC-002.811/2006-6), sugere-se que o professor

escolha alguns trechos do documento como de leitura obrigatória por parte dos

alunos. Sugerimos: item IX – Conclusões da Unidade Técnica (página 69 a 72),

item XIII – Proposta de Encaminhamento (página 73 a 75), voto do Ministro

Augusto Nardes (página 76 a 90). O professor deve incentivar os alunos a

lerem as partes da minuta de contrato de concessão do Trem de Alta

Velocidade que abordem o tema dos riscos e do equilíbrio econômico-

financeiro.

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• Matriz de riscos da concessão do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do

Amarante (Rio Grande do Norte)

Justificativa: a finalidade da leitura é exemplificar uma matriz de risco derivada

da estruturação de uma concessão de serviços públicos, no caso, trata-se de

uma concessão de aeroporto internacional27. O documento tem a finalidade de

concretizar ao aluno o exercício que terá que realizar sobre Belo Monte. O

professor também deve incentivar os alunos a lerem as partes da minuta de

contrato de concessão do referido aeroporto que abordem o tema dos riscos e

do equilíbrio econômico-financeiro.

Preparação do(a) professor(a)

Além da leitura mínima dos alunos, recomendamos alguns textos para o

professor. A finalidade dessa sugestão é que o professor aumente seu repertório não

somente sobre os riscos em Belo Monte (3 documentos sobre esta temática), mas

também sobre a temática geral dos riscos nos contratos de concessão (sobre este

tópico, indicados o manual do Governo do Estado de Vitória, na Austrália, sobre o

tema dos riscos nos contratos entre poder público e iniciativa privada).

Literatura mínima do professor:

• Mega-Projeto, Mega-Riscos/Zachary Hurwitz... [et al.] – SP: Amigos da Terra –

Amazônia Brasileira; International Rivers, 2011. 68 p. (ANEXO E)

• Análise de riscos socieconômicos e ambientais do Complexo Hidrelétrico de

Belo Monte. Sousa Júnior, Wilson Cabral de; e Reid, John. V Encontro

Nacional da ANPPAS, 2010. (ANEXO M)

• Avaliação sócio-econômica e ambiental do Complexo Hidrelétrico de Belo

Monte. Neidja Cristine Silvestre Leitão. Mestrado, 2005, Instituto Tecnológico

de Aeronáutica, São José dos Campos. (ANEXO F)

• Manual da do Estado de Vitória, Austrália, “Risk Allocation and Contractual

Issues”, publicado pelo Estado de Victoria, junho de 2001. (ANEXO I)

Como dito, entre as leituras indicadas ao professor, há material específico

sobre os riscos envolvidos com Belo Monte. Há duas finalidades para a indicação de

27 Fonte: http://www2.anac.gov.br/transparencia/audiencia/audiencia21-2010/Relat%C3%B3rio%205%20-

%20Matriz%20de%20Riscos.pdf.

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tais textos. Em primeiro lugar, os textos são importantes para que o professor conheça

em maiores detalhes algumas análises sobre percepções de riscos na concessão de

Belo Monte. Em segundo lugar, tais textos podem ser facilmente encontrados na

internet e, assim sendo, é possível que os alunos mais engajados também os

encontrem. Nesse caso, é importante que o professor tenha consciência dessa

possibilidade para que possa exigir mais dos alunos, segundo a percepção do

professor, que tiveram acesso, por seus próprios méritos, a uma análise mais profunda

sobre a temática dos riscos em Belo Monte.