Casos lexicogenicos

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GÊNESE LEXICAL NAS LÍNGUAS EUROPÉIAS OCIDENTAIS: A INFLUÊNCIA GRECO-LATINA E O PERFIL IDEOLÓGICO DO LÉXICO Resumo: A Europa Ocidental constitui-se de povos étnica e lingüisticamente diferentes que, no entanto, graças à influência cultural da Grécia e Roma antigas, formaram uma única civilização. A influência unificadora da cultura clássica reflete-se na ideologia desses povos e, conseqüentemente, em suas línguas. Este artigo procura explicar a dinâmica de criação e renovação do léxico das línguas européias ocidentais (românicas e germânicas) de um ponto de vista ao mesmo tempo neológico e etimológico, isto é, com base na origem e nos processos de produção das unidades léxicas a partir da tensão entre o clássico (de influência greco-latina) e o vulgar. Palavras-chave: Criação lexical; neologia; etimologia; lexicogênese; línguas européias ocidentais. Abstract: Western Europe is constituted by ethnically and linguistically different peoples that, yet, due to the cultural influence of ancient Greece and Rome, have established a unique civilisation. The unifying influence of classical culture is reflected by the ideology of these peoples and, consequently, by their languages. This paper seeks to explain the dynamics of creation and renewal of the lexicon of the Western European languages (Romance and Germanic languages) from a point of view both neological and etymological, that is, on the basis of the origin and the processes of production of lexical units in view of the tension between classical (of Greco-Latin influence) and vulgar. Keywords: Lexical creation; neology, etymology, lexicogenesis, Western European languages. Introdução Este artigo é uma pequena condensação da teoria sobre a ideologia da formação do léxico das línguas européias ocidentais apresentada em detalhe em meu livro Léxico e ideologia na Europa ocidental, publicado em 1998, o qual resulta de minha tese de doutorado intitulada Processos lexicogênicos em línguas românicas e germânicas, na qual procurei construir um modelo teórico que desse conta dos principais fenômenos lexicogênicos conhecidos, ao menos no domínio das línguas ocidentais, para tanto incorporando os processos neológicos já descritos em trabalhos clássicos de lexicologia, bem como as categorias classificatórias constantes nas obras filológicas mais importantes e nos grandes dicionários etimológicos, ao mesmo tempo em que redefini alguns conceitos e instituí outros. A Europa Ocidental é talvez o melhor exemplo de povos étnica e lingüisticamente diferentes que, no entanto, graças a uma influência cultural comum — neste caso, a influência da Grécia e de Roma, exercida sobretudo por meio de suas línguas (o grego e o latim) e de sua religião (o cristianismo) —, constituíram uma única grande civilização. A influência unificadora da cultura clássica reflete-se na ideologia desses povos e, conseqüentemente, em suas línguas, principalmente no que diz respeito ao léxico. A história dessas línguas sustenta-se, assim, sobre uma constante tensão entre a influência greco- latina e o elemento vulgar. Por outro lado, inúmeros estudos têm sido empreendidos acerca do léxico dessas línguas, muitos dos quais visando à explicação dos processos de criação das palavras, à detecção de uma ideologia subjacente ao léxico, e mesmo à quantificação dos fenômenos observados, para tanto recorrendo até mesmo a análises estatísticas. Procuramos aqui abordar todas essas questões sob um novo prisma, tentando explicar a dinâmica da criação e renovação do léxico das línguas européias ocidentais, pertencentes às famílias lingüísticas românica e germânica, de um ponto de vista ao mesmo tempo neológico e etimológico, isto é, com base na origem e nos processos de produção das unidades lexicais, a partir da acima citada tensão entre o clássico (de influência greco-latina) e o vulgar, processos cuja tipologia pretendemos estabelecer. Como se sabe, parte do material léxico das línguas européias de cultura entrou nas mesmas por evolução direta a partir das línguas que as precederam historicamente (como é o caso do latim vulgar em relação às línguas românicas), parte resulta de importação a partir de outras línguas, e parte é fruto de criação intralingüística. A importação lexical pode, por sua vez, ser direta, isto é, a partir da própria língua na qual a palavra foi criada, ou indireta, quando aporta elementos léxicos a partir de línguas nas quais tais elementos também são resultado de importação. Cumpre ressaltar, ainda, que tanto as palavras resultantes de importação quanto aquelas engendradas intralingüisticamente estão igualmente sujeitas ao processo da evolução histórica. O princípio de análise aqui apresentado baseia-se na tensão permanente entre as línguas clássicas do Ocidente — grego e latim — e as línguas ditas vulgares, na verdade línguas nacionais dos povos da Europa Ocidental, tensão esta que se encontra na base de toda a tradição literária, religiosa, filosófica,

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  • GNESE LEXICAL NAS LNGUAS EUROPIAS OCIDENTAIS: A INFLUNCIA GRECO-LATINA E O PERFIL IDEOLGICO DO LXICO

    Resumo: A Europa Ocidental constitui-se de povos tnica e lingisticamente diferentes que, no entanto, graas influncia cultural da Grcia e Roma antigas, formaram uma nica civilizao. A influncia unificadora da cultura clssica reflete-se na ideologia desses povos e, conseqentemente, em suas lnguas. Este artigo procura explicar a dinmica de criao e renovao do lxico das lnguas europias ocidentais (romnicas e germnicas) de um ponto de vista ao mesmo tempo neolgico e etimolgico, isto , com base na origem e nos processos de produo das unidades lxicas a partir da tenso entre o clssico (de influncia greco-latina) e o vulgar. Palavras-chave: Criao lexical; neologia; etimologia; lexicognese; lnguas europias ocidentais. Abstract: Western Europe is constituted by ethnically and linguistically different peoples that, yet, due to the cultural influence of ancient Greece and Rome, have established a unique civilisation. The unifying influence of classical culture is reflected by the ideology of these peoples and, consequently, by their languages. This paper seeks to explain the dynamics of creation and renewal of the lexicon of the Western European languages (Romance and Germanic languages) from a point of view both neological and etymological, that is, on the basis of the origin and the processes of production of lexical units in view of the tension between classical (of Greco-Latin influence) and vulgar. Keywords: Lexical creation; neology, etymology, lexicogenesis, Western European languages. Introduo

    Este artigo uma pequena condensao da teoria sobre a ideologia da formao do lxico das lnguas europias ocidentais apresentada em detalhe em meu livro Lxico e ideologia na Europa ocidental, publicado em 1998, o qual resulta de minha tese de doutorado intitulada Processos lexicognicos em lnguas romnicas e germnicas, na qual procurei construir um modelo terico que desse conta dos principais fenmenos lexicognicos conhecidos, ao menos no domnio das lnguas ocidentais, para tanto incorporando os processos neolgicos j descritos em trabalhos clssicos de lexicologia, bem como as categorias classificatrias constantes nas obras filolgicas mais importantes e nos grandes dicionrios etimolgicos, ao mesmo tempo em que redefini alguns conceitos e institu outros.

    A Europa Ocidental talvez o melhor exemplo de povos tnica e lingisticamente diferentes que, no entanto, graas a uma influncia cultural comum neste caso, a influncia da Grcia e de Roma, exercida sobretudo por meio de suas lnguas (o grego e o latim) e de sua religio (o cristianismo) , constituram uma nica grande civilizao. A influncia unificadora da cultura clssica reflete-se na ideologia desses povos e, conseqentemente, em suas lnguas, principalmente no que diz respeito ao lxico. A histria dessas lnguas sustenta-se, assim, sobre uma constante tenso entre a influncia greco-latina e o elemento vulgar.

    Por outro lado, inmeros estudos tm sido empreendidos acerca do lxico dessas lnguas, muitos dos quais visando explicao dos processos de criao das palavras, deteco de uma ideologia subjacente ao lxico, e mesmo quantificao dos fenmenos observados, para tanto recorrendo at mesmo a anlises estatsticas. Procuramos aqui abordar todas essas questes sob um novo prisma, tentando explicar a dinmica da criao e renovao do lxico das lnguas europias ocidentais, pertencentes s famlias lingsticas romnica e germnica, de um ponto de vista ao mesmo tempo neolgico e etimolgico, isto , com base na origem e nos processos de produo das unidades lexicais, a partir da acima citada tenso entre o clssico (de influncia greco-latina) e o vulgar, processos cuja tipologia pretendemos estabelecer.

    Como se sabe, parte do material lxico das lnguas europias de cultura entrou nas mesmas por evoluo direta a partir das lnguas que as precederam historicamente (como o caso do latim vulgar em relao s lnguas romnicas), parte resulta de importao a partir de outras lnguas, e parte fruto de criao intralingstica. A importao lexical pode, por sua vez, ser direta, isto , a partir da prpria lngua na qual a palavra foi criada, ou indireta, quando aporta elementos lxicos a partir de lnguas nas quais tais elementos tambm so resultado de importao. Cumpre ressaltar, ainda, que tanto as palavras resultantes de importao quanto aquelas engendradas intralingisticamente esto igualmente sujeitas ao processo da evoluo histrica.

    O princpio de anlise aqui apresentado baseia-se na tenso permanente entre as lnguas clssicas do Ocidente grego e latim e as lnguas ditas vulgares, na verdade lnguas nacionais dos povos da Europa Ocidental, tenso esta que se encontra na base de toda a tradio literria, religiosa, filosfica,

  • intelectual, e tambm filolgica e gramatical do Ocidente. De fato, inmeras razes fazem que o grego e o latim (aquele principalmente por intermdio deste) estejam em posio hierrquica superior em relao s diversas lnguas vulgares, das quais constituem o grande paradigma. Embora o Imprio Romano do Ocidente tenha desmoronado frente s invases brbaras em 476, seu desaparecimento enquanto unidade poltica no significou a extino de sua influncia cultural sobre os povos da Europa. As instituies polticas, os fundamentos jurdicos, os cnones literrios e artsticos da Roma Antiga, bem como a prpria lngua latina, sobreviveram at a era moderna. Todas as vezes que a civilizao europia procurou reerguer-se, como poca de Carlos Magno, ou durante o Renascimento, sua fonte de inspirao foi a civilizao romana, que, por sinal, representava, para a Europa Ocidental, a prpria civilizao antiga, uma vez que, at o sculo XVI, o conhecimento que se tinha a respeito da Grcia Antiga se dava por meio da lngua latina. Alm de representarem o veculo de transmisso do patrimnio cultural da Antigidade, as lnguas clssicas, principalmente o latim, foram, durante muito tempo, consideradas as nicas lnguas dignas da literatura, da poesia, da cincia, da filosofia, da religio, etc. Nesse sentido, o epteto vulgar dado aos dialetos populares medievais possua uma forte carga pejorativa. De fato, tais dialetos no eram vistos como lnguas, no sentido em que hoje entendemos tal termo, e s tardiamente, e a muito custo, lograram estes impor-se como lnguas literrias e, mais tarde, como idiomas nacionais. De qualquer maneira, v-se que as diversas lnguas vulgares mantiveram entre si uma posio de igualdade, de equivalncia, e, ao mesmo tempo, uma posio de submisso cultural influncia greco-latina. Ainda que algumas lnguas pudessem, na Idade Mdia e na Renascena, desfrutar de algum prestgio cultural, como o caso do provenal da poesia trovadoresca, nenhuma lngua rivalizava com o grego ou o latim. Mesmo atualmente, quando essas lnguas j no exercem mais uma hegemonia absoluta sobre as demais lnguas do Ocidente, sua influncia est longe de ser desprezvel. Com efeito, ainda hoje, a maioria dos termos tcnicos, cientficos, ou simplesmente os vocbulos de cultura de qualquer lngua ocidental so emprstimos das lnguas clssicas ou esto formados com elementos morfolgicos dessas lnguas e segundo seus modelos.

    Entretanto, a enorme influncia cultural das lnguas clssicas, enquanto repositrio da cultura greco-romana e crist, deixou marcas desse estatuto hierrquico superior, que acima mencionamos, tambm ao nvel estritamente lingstico. Conforme dissemos, as lnguas clssicas representam o grande acervo de elementos lxicos que supre as necessidades de expresso das diversas normas de cultura das lnguas europias ocidentais. Assim, quando se introduz numa determinada lngua um grecismo ou latinismo, este no em nenhum momento sentido como um vocbulo estrangeiro (tomemos como exemplo os vocbulos portugueses organismo e temperatura). Na verdade, o mesmo j introduzido na lngua com todas as adaptaes fonolgicas, morfolgicas e ortogrficas que lhe garantem, desde o incio, o estatuto de unidade genuinamente pertencente ao lxico da lngua vulgar. J um vocbulo proveniente de uma outra lngua qualquer, seja ela europia ou no, entra no lxico da lngua sempre como um estrangeirismo, o que revelado pela grafia, pela pronncia e pela morfologia, e somente mais tarde poder vir a perder esse carter estrangeiro (por exemplo, ing. football > port. futebol, fr. abat-jour > port. abajur). nesse sentido que podemos afirmar que um emprstimo ao grego ou ao latim, mesmo quando vulgarizado, no tem o mesmo estatuto de um emprstimo a uma lngua vulgar. Dado que todas as lnguas do Ocidente sofreram e ainda sofrem a influncia das lnguas clssicas, e que, ao mesmo tempo, todas elas intercambiam elementos lxicos clssicos ou vulgares entre si, a opo de uma lngua, em face de uma determinada necessidade de criao neolgica, entre um vocbulo greco-latino e um vocbulo vulgar estrangeiro, entre a importao e a criao intralingstica, a partir de material lxico autctone, pode revelar algo a respeito da prpria ideologia dessa lngua, e, conseqentemente, do povo que a fala. Eis por que nenhuma anlise etimolgica do lxico das lnguas europias ocidentais pode ignorar essa tenso importantssima entre o clssico e o vulgar, entre o nacional e o importado.

    Em vista disso, qualquer anlise do lxico dessas lnguas deve estar baseada na natureza lexicognica das palavras, isto , deve ter como ponto de vista sua origem e as transformaes e adaptaes fontico-fonolgicas, morfolgicas e semnticas por elas sofridas, tanto no momento de sua introduo na lngua quanto ao longo de sua evoluo. Tal abordagem do lxico , conforme dissemos anteriormente, simultaneamente neolgica e etimolgica, e conduz a uma classificao das unidades lexicais da lngua segundo sua tipologia gentica. A partir dessa classificao, pode-se estabelecer um perfil lexicognico de cada lngua. Uma anlise quantitativa e qualitativa desse perfil permite estudar a dinmica neolgica da lngua em questo, bem como identificar suas tendncias predominantes, suas preferncias, suas coeres, e, conseqentemente, correlacionar tal comportamento a uma viso de mundo subjacente.

    Procuramos, assim, construir um modelo terico que desse conta dos principais fenmenos lexicognicos conhecidos, ao menos no domnio das lnguas ocidentais; para tanto, incorporamos os processos neolgicos j descritos em trabalhos clssicos de lexicologia, bem como as categorias

  • classificatrias constantes das obras filolgicas mais importantes e de grandes dicionrios etimolgicos, ao mesmo tempo que redefinimos alguns conceitos e institumos outros. O aspecto ideolgico do lxico

    Conforme dissemos anteriormente, o lxico das lnguas europias ocidentais se sustenta basicamente sobre as dicotomias autctone/importado e clssico/vulgar. Isso significa que tais lnguas sofrem influncias verticais do grego e do latim, lnguas que lhes servem de paradigma, e influncias horizontais das demais lnguas vulgares europias, bem como de lnguas extra-europias. Em princpio, essas influncias se exercem de igual maneira em todas as lnguas consideradas. No entanto, o lxico de cada uma delas vai apresentar um comportamento diverso, vale dizer, vai criar ou renovar suas unidades segundo processos lexicognicos diferentes, de que resultam lxicos de configurao bastante desigual. Torna-se evidente, ento, que cada lngua realiza certas opes e demonstra certas preferncias por um ou outro processo de criao lexical. Essas opes e preferncias obviamente mudam ao longo do tempo, de modo que o aspecto do lxico de uma lngua numa determinada etapa sincrnica de seu desenvolvimento o resultado de todas as tendncias lexicognicas verificadas nessa lngua desde o incio de sua histria at aquele momento. Tais tendncias, historicamente delimitadas, so responsveis pela feio que o lxico apresenta a cada novo corte feito em sua histria. Mas, mais do que isso, determinam de certa forma o porvir desse lxico, na medida em que muitos dos traos que o caracterizam se repetem de modo sistemtico, tornando-se com o tempo injunes em nvel de norma ou mesmo de sistema. Assim, se num primeiro momento a escolha em favor de um determinado processo lexicognico, quando da introduo de um novo vocbulo, totalmente livre e resulta exclusivamente do arbtrio do criador mesmo desse vocbulo, a partir do instante em que tal escolha, inspirada em modelos anteriores (vale dizer, em vocbulos dotados das mesmas caractersticas previamente criados), comea a sofrer algum tipo de coero em termos de norma, dela resultando uma forma fontico-fonolgica e/ou morfolgica recomendada, passam a existir, ainda que informalmente, regras de criao lexical que, de certo modo, vo condicionar as perspectivas futuras do lxico em questo. nesse sentido que podemos dizer, conforme o fizemos mais acima, que tais escolhas, tais coeres positivas e negativas da norma, dizem respeito prpria ideologia do lxico de uma lngua, especialmente no que tange aos elementos lxicos de origem externa, pois sobretudo em face da influncia estrangeira, particularmente de lnguas que exercem o papel de paradigmas culturais em relao a outras, que o carter ideolgico do lxico vai sobressair. Esse comportamento lexical ideologicamente orientado, firmando-se historicamente atravs da repetio temporal, e socialmente atravs da difuso e da proliferao das formas que engendra, acaba, como vimos, por cristalizar-se no seio do sistema. Pode-se falar ento de uma ideologia lexical cristalizada.

    Assim sendo, no o material lxico vulgar puro, isto , o conjunto das unidades herdadas ou criadas intralingisticamente, que nos vai revelar a ideologia da lngua, mas sim o material de origem estrangeira, seja ela greco-latina ou vulgar. Com efeito, do ponto de vista do material vulgar puro, as lnguas europias no se diferenciam. a escolha feita por cada lngua entre conservar um emprstimo em sua forma original ou de algum modo adapt-lo fontico-fonolgica ou morfologicamente a fim de torn-lo mais familiar aos falantes da lngua, mais prximo, pois, das palavras genuinamente nacionais, que vai diferenar as lnguas em termos lexicognicos. Mais ainda, uma vez tendo-se decidido pela nacionalizao do emprstimo, qual dentre os vrios processos disponveis para realiz-la ser o escolhido outra caracterstica individualizadora de cada lngua.

    Uma vez que todas as lnguas literrias europias beberam na mesma fonte greco-latina, e tendo sido esta a principal influncia lingstica sofrida pelas mesmas, o carter ideolgico do lxico de cada uma delas vai-se mostrar principalmente na forma particular assumida pelos incontveis emprstimos de vocbulos gregos ou latinos efetuados a partir de fins da Idade Mdia, passando pela Renascena e chegando at nossos dias, uma vez que, ainda hoje, a influncia do lxico greco-latino nas lnguas vulgares est longe de ser desprezvel, especialmente em certos universos de discurso, como o da cincia e o do direito, por exemplo.

    Mais modernamente, outras lnguas de cultura, como o francs e o ingls por exemplo, passaram tambm a gozar de grande prestgio, seja em virtude da preponderncia poltica e econmica dos pases que as falam, seja em funo da importncia da produo cultural (literria, cientfica) que possibilitaram. Esse fato faz que as prprias lnguas vulgares passem a apresentar uma hierarquia entre si: algumas lnguas exercem marcada influncia sobre outras, que por sua vez so mais susceptveis a receber do que a exercer influncias. De qualquer modo, toda lngua exerce e ao mesmo tempo recebe influncias. Cumpre perceber, no entanto, que a intensidade da influncia que uma lngua exerce ou sofre varia em funo do domnio do conhecimento considerado. Assim, o ingls ser muito influente no discurso tecnolgico, ao passo que o italiano se mostrar hegemnico no discurso da msica, e assim por diante.

  • Tambm nas trocas vocabulares entre lnguas vulgares possvel depreender um comportamento lxico ideologicamente muito bem definido. Emprstimos de vocbulos greco-latinos

    Do ponto de vista das relaes significante/significado existentes no interior do signo, o emprstimo de um vocbulo de uma lngua A para uma lngua B pode ser de trs tipos (Barbosa, 1981, p. 293-294), a saber:

    a) emprstimo total, quando a lngua B toma emprestado o vocbulo como um todo, isto , significante e significado, ressalvadas as adaptaes fontico-fonolgicas, morfolgicas e ortogrficas obrigatrias;

    b) emprstimo de significante, quando a lngua B toma emprestado um significante de A, atribuindo-lhe um novo significado, criado em B;

    c) emprstimo de significado, quando a lngua B toma emprestado um significado de A, substituindo o respectivo significante por um outro, j existente em B, ou criado especialmente nessa lngua para constituir, com aquele significado, o novo vocbulo.

    Quando uma lngua vulgar decide tomar emprestado ao grego ou latim um vocbulo, este sofre necessariamente um processo de modificao estrutural, a fim de compatibiliz-lo ao novo sistema lingstico em que deve enquadrar-se. Em primeiro lugar, devemos lembrar que quase nunca o significado que tal vocbulo dever ter na lngua receptora do emprstimo coincide exatamente com o significado original grego ou latino, at porque a prpria rede semntico-conceptual em que esse significado se insere diferente para cada lngua. Muitas vezes, em especial na norma tcnico-cientfica, um emprstimo greco-latino adotado para dar conta de um conceito totalmente novo, prprio daquele universo de discurso. Tem-se a puramente um emprstimo do significante greco-latino, ao qual se atribui um novo significado. Entretanto, tambm o significante greco-latino pode sofrer alteraes, as quais podem ser espontneas ou deliberadas, obrigatrias ou facultativas, em funo da prpria estrutura fontico-fonolgica da lngua receptora. De qualquer maneira, convm lembrar que, quando do emprstimo, necessariamente ocorre a adaptao da pronncia do significante ao sistema fontico-fonolgico da lngua receptora, bem como a adaptao da grafia do vocbulo ao sistema ortogrfico dessa lngua. Cabe ressaltar aqui que quase nunca possvel preservar ao mesmo tempo a grafia e a pronncia greco-latinas. Mesmo quando o sistema ortogrfico de uma lngua vulgar permite conservar, total ou quase totalmente, a grafia greco-latina, como ocorre, por exemplo, em francs ou ingls, isso invariavelmente se d em detrimento da pronncia grega ou latina, pois, evidentemente, os mesmos grafemas possuem valores diferentes nos diferentes sistemas. Da mesma forma, se a lngua vulgar optar pela conservao da pronncia original, dever faz-lo em prejuzo da grafia, j que sons idnticos costumam ser representados graficamente de forma diversa em cada lngua. Na grande maioria dos emprstimos greco-latinos por lnguas vulgares europias, a grafia apresenta ntida precedncia sobre a pronncia. Tal fato se deve a duas razes principais: em primeiro lugar, tais emprstimos possuem quase sempre carter erudito, e por isso entram nessas lnguas por via escrita, e no oral; em segundo lugar, devemos lembrar que o prprio conhecimento que se tem das lnguas clssicas se baseia em textos escritos nessas lnguas, no se sabendo ao certo qual era a exata pronncia das palavras gregas ou latinas.

    Com relao aos emprstimos, convm lembrar, por outro lado, que, alm das adaptaes e/ou modificaes que uma palavra pode sofrer no momento de sua introduo no lxico da lngua, esta sofre tambm o processo da evoluo histrica, que poder provocar mudanas tanto no significante como no significado. Entretanto, antes de prosseguirmos, preciso fazer uma clara distino entre a adaptao fontico-fonolgica pura e simples, que no seno uma adaptao da pronncia do vocbulo grafia latina (por exemplo, o th de theatrum pronunciado como fricativa linguodental em ingls, visto ser esta a pronncia usual de tal grafema nessa lngua), e a mutao fontico-fonolgica, resultante esta quer da evoluo histrica natural da lngua, quer da alterao intencional do significante do vocbulo, quando de sua introduo na lngua, por analogia s palavras vernculas da mesma, fenmenos a que damos o nome de metamorfismo. Ao contrrio da adaptao fontico-fonolgica, o metamorfismo confere ao emprstimo um aspecto formal vulgar. Veremos, a seguir, os tipos possveis de processos de adaptao e/ou mutao, ao nvel do significante, que um emprstimo greco-latino pode sofrer. Tipologia lexicognica dos vocbulos de uma lngua

    Do ponto de vista de sua lexicognese, isto , dos processos atravs dos quais uma lngua cria e renova seu lxico, os vocbulos de uma lngua podem ser divididos, numa primeira abordagem, em dois grandes grupos:

  • 1) Vocbulos vernculos, isto , aqueles que constituem o material lxico de base da lngua no momento em que esta se individualiza historicamente, e que, numa perspectiva diacrnica, correspondem aos elementos existentes na lngua desde sempre, visto que foram herdados diretamente do estgio diacrnico anterior, chamado de lngua-me.

    2) Neologismos, isto , vocbulos engendrados em poca posterior do incio histrico da lngua, e que, segundo Guilbert (1975), podem ser fonolgicos, sintagmticos, semnticos e alogenticos.

    Por outro lado, no caso especfico das lnguas europias ocidentais, a influncia das lnguas clssicas grego e latim, especialmente o latim medieval e eclesistico enorme, sobretudo na assim chamada norma culta (universos de discurso filosfico, cientfico, jurdico, etc.), permanecendo at hoje essas duas lnguas a grande fonte de elementos lxicos (radicais, afixos, etc.) onde se abastecem os discursos cultos das lnguas europias modernas. Conseqentemente, poderamos tambm agrupar os vocbulos dessas lnguas em relao s lnguas clssicas em vocbulos eruditos, aqueles tomados de emprstimo ao grego ou latim, ou resultantes da combinao sintagmtica de elementos greco-latinos, e vocbulos vulgares, correspondendo basicamente aos vocbulos vernculos, seus compostos e derivados. Entretanto, muitos vocbulos apresentam hibridismo de elementos eruditos e vulgares, razo pela qual so chamados de vocbulos semi-eruditos. Resultam em geral da combinao sintagmtica de elementos eruditos e vulgares (por exemplo, composio a partir de um radical grego ou latino e outro vernculo, ou derivao de radical erudito com afixo vulgar), da substituio de algum(ns) dos morfemas do vocbulo greco-latino original por morfema equivalente vernculo, ou ainda de emprstimos greco-latinos que sofreram mutao fontico-fonolgica natural (resultante da evoluo histrica da palavra) ou induzida, mutao esta que, como vimos acima, recebe o nome de metamorfismo. Contudo, h ainda vocbulos cujos morfemas so todos vulgares, e que no entanto so semi-eruditos, porque so calcados em vocbulos greco-latinos, isto , so verdadeiras tradues desses vocbulos.

    Tendo em vista que tanto os vocbulos semi-eruditos quanto os vocbulos vulgares possuem um carter de vernaculidade, ao menos do ponto de vista do significante, e tendo em vista tambm que o carter mais classicizante ou mais vulgarizante dos vocbulos de uma lngua pode revelar, em ltima instncia, a prpria ideologia subjacente ao lxico dessa lngua, que preside escolha das unidades que devem compor esse mesmo lxico, optamos por dividir o lxico das lnguas europias ocidentais em duas macrocategorias, a saber, os grecolatinismos (vocbulos dos quais a totalidade dos morfemas, salvo as desinncias, so greco-latinos, sem nenhum metamorfismo) e vulgarismos (vocbulos dos quais pelo menos um dos morfemas constituintes, exceo das desinncias, vernculo ou metamorfizado). Resulta dessas definies que tais termos no tm exatamente o mesmo significado que usualmente se lhes atribui, particularmente em trabalhos de filologia e etimologia. Cumpre ressaltar, ainda, que tais termos dizem respeito exclusivamente ao aspecto formal, lexicognico, dos vocbulos, e no ao seu aspecto pragmtico, no importando, pois, se um determinado vocbulo, formalmente classificado como grecolatinismo ou vulgarismo, efetivamente de uso culto ou popular, at porque muitos termos tcnicos, dentre os quais muitos compostos de elementos greco-latinos, podem ser veiculados at mesmo na norma coloquial, assim como muitos significantes de vocbulos vulgares pertencentes ao discurso banal podem ser adotados por algum discurso tcnico, transformando-se assim em termos tcnicos.

    Assim, para evitar uma eventual ambigidade terminolgica, convencionamos que os termos erudito, semi-erudito e vulgar tero aqui valor estritamente lexicognico, de tal modo que o termo erudito se referir aos grecolatinismos, e os termos semi-erudito e vulgar diro respeito aos vulgarismos, tais como definimos essas macrocategorias lexicognicas mais acima.

    Apresentamos a seguir uma tipologia dos grecolatinismos e dos vulgarismos, a qual, embora possa ser insuficiente, nos balizar por ora em nosso labor classificatrio. de notar que, dada a complexidade dos fenmenos que intervm na produo das unidades lxicas, nossa classificao, por partir de uma perspectiva lexicognica, procura, especialmente no tocante aos neologismos, abranger e, ao mesmo tempo, superar a teoria do neologismo de Guilbert, acima mencionada. 1. VULGARISMOS 1.1. Vulgarismos resultantes de herana verncula

    Como j vimos, os vulgarismos resultantes de herana verncula so aqueles vocbulos herdados diretamente do sistema lingstico anterior consolidao de uma lngua vulgar como lngua literria, e, portanto, como lngua de cultura autnoma.

    No caso das lnguas romnicas, vernculo tudo quanto j existia no latim vulgar e continuou a existir, sem soluo de continuidade, nos diversos romances regionais (galo-romance, talo-romance, ibero-romance, etc.), de modo que, quando esses romances ganharam o estatuto de lnguas literrias autnomas, distintas do latim, e, eventualmente, lnguas de comunicao comum aos membros de uma

  • mesma comunidade tnico-cultural (a designao lnguas nacionais seria, sem dvida, anacrnica para esse perodo), esse acervo de material lxico (e tambm gramatical, evidentemente) passou a constituir o lxico de base dessas novas lnguas.

    Ser vernculo nas lnguas germnicas aquele material lxico e gramatical que j existia nos diversos dialetos integrantes da famlia germnica (gtico, anglo, saxo, juto, franco, lombardo, alemnico, bvaro, burgndio, nrdico, etc.), e que, conforme j dissemos, convencionamos denominar germances, por analogia aos dialetos romances. Poderamos, assim, falar de um anglo-germance, de um goto-germance, e assim por diante.

    A caracterstica bsica de um vulgarismo vernculo a regularidade das mutaes fonticas (metaplasmos) que sofreu ao longo de seu percurso histrico. H, sem dvida, uns poucos casos de vocbulos vernculos que apresentam evoluo fontica irregular, mas trata-se de casos excepcionais, que, no mais das vezes, podem ser explicados historicamente. Entretanto, deve-se evitar absolutizar a idia, to cara aos lingistas histrico-comparativos e aos neogramticos, da infalibilidade das leis fonticas, visto que o prprio progresso da cincia lingstica provou o seu no fundamento. Convm ressaltar, a esse respeito, que os chamados metaplasmos fonticos tm existncia e vigncia relativa, isto , restrita a um lugar e a um tempo determinados. Aplicam-se, alm disso, a um certo nmero de elementos fonticos, em dados contextos, e, portanto, mister, antes de tudo, situar espao-temporalmente tais processos evolutivos, para reconhecer, inclusive, a existncia de um metaplasmo zero, isto , a ausncia de mutao fontica. A palavra italiana porta, por exemplo, no parece apresentar nenhuma diferena em termos de qualidade fontica em relao ao latim porta, que lhe deu origem. Tal vocbulo no menos vernculo, por causa disso.

    interessante notar que as lnguas europias ocidentais apresentam muitos elementos lxicos vernculos que podem parecer primeira vista estranhos s suas respectivas lnguas-mes. Assim, h nas lnguas romnicas inmeros vocbulos de origem germnica, e que seriam erroneamente classificados como emprstimos, visto que tais vocbulos no passaram diretamente de uma lngua germnica para uma lngua romnica, mas, sim, passaram de um dialeto germance para o latim vulgar ou dialeto romance, e da para a lngua romnica que sua continuao histrica. O mesmo se deve dizer de palavras vernculas das lnguas germnicas que so, entretanto, de origem latina. Um exemplo tornar isso mais claro. Temos em francs a palavra garder, que provm do franco wardn. Todavia, tal palavra no foi do franco diretamente ao francs, at porque essas duas lnguas no coexistiram na mesma poca histrica. O que verdadeiramente ocorreu foi o emprstimo do franco wardn ao latim vulgar, na forma guardare. Esta forma, por sua vez, que produziu o fr. garder, it. guardare, port. e esp. guardar. Do mesmo modo, o al. Kopf, ing. cup, sue. kopp, etc., por exemplo, vm do lat. cuppa. Contudo, tal emprstimo no foi efetuado do latim pelo alemo, ingls, etc. Na verdade, o lat. cuppa passou, ainda poca dos primeiros contatos entre os romanos e os brbaros germnicos (sculos IIII d.C.), ao gtico e demais germances, sendo por esses transmitido, por herana, s lnguas germnicas modernas. Do que foi dito resulta que tanto o fr. garder quanto o al. Kopf so perfeitamente vernculos. No obstante, muitos trabalhos de pesquisa etimolgica no do conta de tal fato. O prprio latim clssico apresenta vocbulos vernculos de origem alogentica, como por exemplo, ambactus, cambiare, carrus, carruca, de procedncia cltica, porm ingressos no latim em poca pr-histrica, quando coabitavam a Pennsula Itlica povos falantes de dialetos paleolatinos (como o falisco, o prinestino e o prprio latim) e povos falantes de dialetos clticos, como os volscos e gauleses, dentre outros. 1.2. Vulgarismos alogenticos (emprstimos de vulgarismos estrangeiros)

    Um vulgarismo alogentico um vocbulo resultante do emprstimo de um vulgarismo estrangeiro. Esse emprstimo se d sempre em etapas. Segundo Guilbert (1975, p. 92-93), num primeiro momento, o termo estrangeiro introduzido num determinado ato de fala em referncia a um significado prprio lngua estrangeira. o que ele chama de xenismo, isto , termo que permanece efetivamente estrangeiro. Nessa categoria entram inicialmente todos os nomes prprios de pessoas, nomes geogrficos de rios, de cidades, bem como todas as palavras da lngua que exprimem realidades que no possuem correspondente na lngua do falante ou que so voluntariamente integrados por ele sua elocuo justamente para ressaltar seu carter estrangeiro. O emprstimo propriamente dito se inicia a partir do momento em que se introduz na sociedade o objeto ou conceito designado inicialmente na lngua estrangeira, de tal modo que a comunidade lingstica acolha ao mesmo tempo o termo que o designa, ou ento quando ela recorre ao termo estrangeiro em referncia a um significado j denominado em sua prpria lngua. A essa nova situao, em que o termo ainda conserva seu carter estrangeiro, mas j se incorporou aos hbitos lingsticos dos falantes, Guilbert d o nome de peregrinismo. Segundo ele, o emprstimo a fase posterior, em que, dada a generalizao de seu uso, o termo se integra de tal modo ao lxico, a ponto de no ser mais sequer percebido como termo estrangeiro.

  • Retomando os conceitos de xenismo, peregrinismo e emprstimo, acima definidos, diremos que o xenismo se caracteriza como um elemento de baixa freqncia e distribuio irregular, e que no se integrou ainda ao lxico da lngua em que ocorre. Muitos xenismos podem mesmo ocorrer uma nica vez, num nico discurso, ou ser reempregados algumas vezes, durante certo tempo, e depois ser abandonados. Isso se deve ao fato de que muitas palavras estrangeiras so objeto de modismos passageiros.

    Quando uma palavra estrangeira, havendo ingressado na lngua como xenismo, passa a ser reiterada em novos discursos, aumentando de freqncia e assumindo distribuio regular, ela acaba por integrar-se ao lxico da lngua, embora ainda conserve seu carter estrangeiro, o que atestado pela pronncia, em geral estranha ao sistema fontico-fonolgico da lngua, e, principalmente, pela grafia discordante das regras ortogrficas da lngua, alm de ser convencionalmente grafada em caracteres itlicos. Temos a o peregrinismo.

    Quando, finalmente, um peregrinismo perde totalmente seu carter estrangeiro, atravs da adaptao fontico-fonolgica, ortogrfica e, principalmente, morfossinttica ao padro da lngua que o abriga, est definitivamente consumado o emprstimo.

    Convm notar que existem duas diferenas bsicas entre o emprstimo de um vocbulo grego ou latino (grecismo ou latinismo) e o emprstimo de um vocbulo vulgar estrangeiro (estrangeirismo):

    1) Embora palavras e expresses latinas no vernaculizadas (por exemplo, statu quo, ipso facto, ibidem, etc.) possam ser introduzidas na lngua como xenismos ou peregrinismos, um grecismo ou latinismo, em geral, sofre sempre um processo de adaptao fontico-fonolgica, morfossinttica e ortogrfica, que o integra perfeitamente, desde sua introduo na lngua, no lxico da mesma. J, em relao ao vulgarismo estrangeiro, isso quase nunca acontece de imediato, mas, na verdade, o estrangeirismo deve passar por todas as etapas de sua adoo.

    2) Um significante grego ou latino pode no ser importado juntamente com seu(s) significado(s), mas pode adquirir, j de incio, um novo significado na lngua que importa o significante. Ao contrrio, o estrangeirismo penetra na lngua sempre como um vocbulo completo, com significante e significado estrangeiros, embora, por se tratar justamente de um vocbulo, unidade lexical de norma discursiva, por definio monossmico e monoisotpico, esse significado que, em relao ao vocbulo, tambm se denomina acepo seja, conseqentemente, nico, at porque o emprstimo de um estrangeirismo pressupe a adoo de uma das acepes da lexia original, com a concomitante filtragem das demais.

    Quanto mais antigo o emprstimo de um estrangeirismo, maior a probabilidade de que este j se tenha nacionalizado. Assim, a maior parte dos galicismos da lngua inglesa penetraram nesta durante o perodo de dominao francesa sobre a Inglaterra, o que se deu na Baixa Idade Mdia, entre os anos de 1066 e 1399. Por isso mesmo, tais galicismos j no so mais, h vrios sculos, sentidos pelos falantes do ingls como palavras estrangeiras. Alm de termos como change, channel, city, country, cover, danger, money, point, royal, valley, value, vine, etc., tambm elementos gramaticais, tais como os sufixos -ty e -ous, depreendidos de galicismos como pity e nervous, passaram a fazer parte do acervo gramatical do ingls, entrando posteriormente em novos derivados, muitos deles autctones, como, por exemplo, safety e flatterous.

    Por outro lado, h lnguas extremamente mais resistentes adoo do estrangeirismo, como o caso do italiano e do espanhol, por exemplo. Nestas, s recentemente parece estar-se subvertendo essa tendncia, por fora da influncia das novas tecnologias e das telecomunicaes, o que tem feito tornarem-se mais comuns vocbulos como software, hardware, computer, charter, alm de outros, j internacionalizados, como hotel, choc, etc. Nessas lnguas, a grande barreira penetrao de estrangeirismos de ndole fonolgica: com efeito, numa lngua como o italiano, em que a maioria absoluta das palavras termina por vogal, termos estrangeiros, de terminao consonantal, representam, sem dvida, elementos de difcil assimilao pelo sistema da lngua. Esses estrangeirismos tendero, com certeza, a permanecer sempre como peregrinismos. 1.3. Emprstimos de traduo

    Partindo das definies de emprstimo total, emprstimo de significante e emprstimo de significado dadas anteriormente, podemos definir emprstimo de traduo como um emprstimo de significado em que o significante vulgar, isto , total ou parcialmente constitudo de morfemas vernculos ou metamorfizados. Por tratar-se de um tipo de emprstimo, a traduo do significante sempre intencional, motivada pelo vocbulo original. Isto significa que o criador do emprstimo de traduo conhece a lngua cujo vocbulo deve ser traduzido, e, alm disso, opta conscientemente pela sua traduo. Faz-se necessria essa observao, visto que h vocbulos que, primeira vista, parecem tradues de vocbulos estrangeiros, mas que em verdade no o so, pois falta-lhes justamente o carter de intencionalidade. Trata-se apenas de solues anlogas, porm independentes, como o ingls go out ou o alemo ausgehen em face do latim exire (ex out aus, ire go gehen). (O smbolo significa a

  • equivalncia semntica.) Os emprstimos de traduo podem ser sintagmticos ou semnticos, diretos ou indiretos, obrigatrios ou facultativos, e, ainda, podem partir de um grecolatinismo ou de um vulgarismo.

    O emprstimo de traduo sintagmtico um neologismo sintagmtico (composto ou derivado) vulgar criado para traduzir um vocbulo estrangeiro, o qual, em geral, tambm composto ou derivado. Normalmente, substituem-se um a um os morfemas do vocbulo original por seus correspondentes na lngua receptora do emprstimo. Temos assim o emprstimo de traduo total (por exemplo, lat. verisimilis, superficies > fr. vraisemblable, surface). Pode ocorrer, entretanto, que nem todos os morfemas de um vocbulo emprestado sejam traduzidos, mas que alguns sejam mantidos em sua forma original. Nesse caso, o emprstimo de traduo ser dito parcial (por exemplo, lat. promovere, naturalis > fr. promouvoir, naturel, onde os elementos pro- e natur- so latinos e mouvoir e -el so vernculos). O mesmo ocorre com a traduo dos vulgarismos estrangeiros (por exemplo, fr. surnom > ing. surname, ing. skyscraper > fr. gratte-ciel).

    O emprstimo de traduo semntico um neologismo semntico vulgar criado para traduzir um vocbulo grego ou latino. Consiste, portanto, em atribuir-se a um significante vulgar j existente na lngua um novo significado, emprestado a um vocbulo grego, latino, ou a um grecolatinismo de outra lngua vulgar. Um exemplo disso o lat. angulus no domnio da geometria, ao qual o alemo faz corresponder o vernculo Ecke, canto, esquina, ao passo que o francs cria angle.

    Contudo, mister assinalar que nem todo emprstimo de significado configura traduo. Com efeito, quando uma lngua vulgar realiza emprstimo de significado de vocbulo de outra lngua vulgar, na qual esse vocbulo neologismo semntico que poderamos considerar como emprstimo de significante intralingstico , no temos emprstimo de traduo, mas sim emprstimo de sentido. Assim, se em ingls tree significa inicialmente rvore, e, posteriormente, ganha, no discurso tecnolgico, o significado adicional de eixo rotativo que transmite energia (cfr. rvore de transmisso), e se ao vernculo portugus rvore, rvore, se acrescenta a acepo tecnolgica tomada de emprstimo ao ingls, a palavra portuguesa rvore continuar verncula em qualquer das duas acepes, pois houve apenas emprstimo do sentido ingls.

    Os emprstimos de traduo diretos so aqueles que provm diretamente de vocbulo estrangeiro, por substituio do significante original por outro, autctone. Entretanto, h vocbulos que podem constituir-se em emprstimos de traduo por via indireta. Se um vocbulo, dito primitivo, pertencente a uma determinada lngua A possui um derivado nessa lngua, e se a esse vocbulo primitivo corresponde numa lngua B um vocbulo igualmente primitivo, que, por sua vez, admite um derivado vulgar, este derivado pode ser um emprstimo de traduo indireto do derivado de A, se satisfizer a uma das seguintes condies1:

    a) O vocbulo primitivo de B traduo do vocbulo primitivo de A. Exemplo: lat. condemnare it. condannare (traduo direta) > condemnatio condanna (traduo indireta)

    b) O vocbulo primitivo de B emprstimo, vernaculizado ou no, do vocbulo primitivo de A.

    Exemplo: lat. natura fr. nature (emprstimo no vernaculizado) > naturalis naturel (traduo indireta)

    Observao: Se o vocbulo primitivo de B vernculo, o derivado no necessariamente traduo.

    Exemplo: lat. aurum ing. gold > aureus golden

    De modo geral, o emprstimo de traduo um procedimento facultativo e portanto voluntrio de substituio de morfemas de um vocbulo importado por correspondentes vernculos. Por seu carter de no obrigatoriedade, esse tipo de traduo, quando ocorre, revela, por parte de quem a realiza, um sentimento lingstico nativista, se nos lcito empregar esse termo. Essa modalidade de traduo costuma afetar tanto os radicais quanto os afixos do vocbulo, e ocorre quer pela proximidade fontica entre o morfema tradutor e o morfema traduzido (lat. comprobare > port. comprovar, ou lat. litteratura > it. letteratura, por influncia do vernculo lettera), quer pela necessidade de enquadrar o emprstimo nos

  • paradigmas de flexo da lngua (lat. praevidere > port. prever, enquadrvel no paradigma de conjugao de ver), quer ainda pelo simples sentimento nativista a que acima nos referimos, e que conduz substituio de morfemas por outros, sem nenhum parentesco gentico ou semelhana fontica, apenas por haver entre eles equivalncia semntica (lat. expressio > al. Ausdruck).

    Entretanto, em muitos casos, a traduo de um emprstimo torna-se obrigatria, pela inconvenincia de se introduzir na lngua importadora um elemento gramatical que lhe seria estranho. Por exemplo, o sufixo deverbal latino -atione sistematicamente traduzido, em portugus pelo correspondente vernculo -ao, ao passo que o francs, que j possua o sufixo vernculo -aison, introduz, posteriormente, o sufixo erudito correspondente -ation. Assim, a traduo portuguesa do lat. comparatione por comparao obrigatria, enquanto a traduo francesa comparaison facultativa (compare-se com as formas francesas nation, transformation, ducation, etc., em que no h traduo). A traduo obrigatria afeta em geral apenas os morfemas gramaticais (gramemas), especialmente os sufixos.

    O emprstimo de traduo de grecolatinismo aquele que se origina de vocbulo grego ou latino, ou de vocbulo proveniente de qualquer outra lngua vulgar, na qual dito vocbulo seja exclusivamente formado de elementos greco-latinos. Assim, o port. contemplao traduz o vocbulo latino contemplatione, ao passo que televiso traduo do grecolatinismo ingls television, composto do grego tele- e do latim -visione. Por sinal, boa parte dos emprstimos de traduo que encontramos nas lnguas germnicas, especialmente na norma tcnico-cientfica, provm de grecolatinismos criados em outras lnguas vulgares (por exemplo, o al. Wasserstoff, traduo do fr. hydrogne, criado a partir do grego hydor e genos).

    Cumpre ressaltar que a tendncia traduo de vocbulos latinos no deve ser tomada como um trao absoluto de uma determinada lngua, mas, antes, como um fenmeno lingstico relativo a uma poca e a um contexto scio-poltico-cultural. Assim sendo, observa-se no desenvolvimento lxico das lnguas europias um perodo de predominncia da influncia latina, seguido de uma fase de predominncia francesa, e, posteriormente, inglesa. No obstante, essa tendncia traduo assumida por certas lnguas permanece de modo geral ainda hoje, quer de forma residual, quer porque j se incorporou estrutura lxica da lngua.

    O emprstimo de traduo de um vulgarismo estrangeiro possui as mesmas caractersticas do emprstimo de traduo de grecolatinismo, porm origina-se de um neologismo sintagmtico vulgar isto , do qual pelo menos um dos morfemas vulgar pertencente a uma outra lngua vulgar. Conseqentemente, o emprstimo de traduo de vulgarismo s apresenta a modalidade sintagmtica. (Como vimos anteriormente, quando a um neologismo semntico de uma determinada lngua corresponde em outra lngua um outro neologismo semntico, no temos emprstimo de traduo, mas sim emprstimo de sentido.) Alm disso, s se pode falar de traduo de vulgarismo quando h efetivamente correspondncia entre os morfemas do vocbulo original e do vocbulo traduzido. Caso contrrio, tem-se simplesmente o emprstimo do significado, concomitante ao emprstimo do fato cultural que seu referente, com a criao de um novo signo, para dar conta desse novo recorte cultural. Assim, o port. computador e o fr. ordinateur so tradues do ing. computer, mas, sem dvida, o port. escavadeira no traduo do ing. bulldozer. Alm disso, no demais recordar que toda traduo motivada, razo pela qual um vocbulo como port. sapateiro no traduo do ing. shoemaker ou vice-versa, mas so apenas construes semelhantes, motivadas pelo mesmo fato cultural. 1.4. Vulgarismos resultantes de metamorfismo

    Conforme vimos anteriormente, chama-se metamorfismo ao processo de mutao fontico-fonolgica, acompanhado de adaptao grfica correspondente, sofrido por um emprstimo de origem grega ou latina, ou por um grecolatinismo emprestado de uma lngua vulgar estrangeira, no mbito da lngua vulgar receptora do emprstimo. Chama-se igualmente metamorfismo ao vocbulo resultante desse processo. Convm mais uma vez distinguir a mutao fontico-fonolgica, seja ela espontnea (resultante de evoluo fontica natural) ou deliberada, da simples adaptao fontico-fonolgica, que, por sinal, todas as lnguas realizam, ao importarem um vocbulo estrangeiro.

    Pode-se dizer que, enquanto o emprstimo de traduo a substituio de um morfema estrangeiro por um vernculo, o metamorfismo a substituio de um fonema ou seqncia de fonemas estrangeiros por um fonema ou seqncia de fonemas vernculos, com a substituio paralela do grafema (ou grafemas) original correspondente por uma grafia semelhante quela das palavras vernculas.

    O metamorfismo pode, como dissemos, ser espontneo ou deliberado (analgico). Pode ser tambm obrigatrio ou facultativo.

    O metamorfismo espontneo resulta da evoluo fontica natural que um emprstimo greco-latino pode sofrer ao longo do tempo. Em alguns casos, coincide com aquilo que os gramticos chamam de corrupo ou corruptela. Atinge em geral os emprstimos mais antigos (por exemplo, os vocbulos gregos

  • ou latinos introduzidos numa lngua vulgar nos primeiros sculos de sua histria), e, por seu carter natural, decorre do prprio uso da lngua pelos falantes comuns, especialmente pelos menos letrados. Alm disso, costuma ocorrer em etapas. Metamorfismos desse tipo so: lat. capitulu, titulu > fr. chapitle, title > chapitre, titre lat. melancholia > it. malinconia

    O metamorfismo deliberado (analgico) consiste na mutao fontico-fonolgica e grfica intencional de um emprstimo greco-latino, no momento de sua introduo, por analogia aos vocbulos vernculos da lngua. Trata-se de atribuir aos significantes dos novos vocbulos o mesmo padro fonolgico j vigente na lngua. Assim, na medida em que uma determinada seqncia fonolgica, caracterstica do grego ou do latim, ainda que fonologicamente possvel na lngua vulgar (e nem sempre o ), apresente na mesma uma freqncia de uso muito baixa, h grande probabilidade de que um vocbulo greco-latino que contenha tal seqncia a tenha substituda por outra, mais freqente na lngua, e que geralmente a forma verncula resultante daquela seqncia mediante os metaplasmos da evoluo fontica regular. O metamorfismo deliberado atinge, em geral, os emprstimos mais recentes (especialmente a partir do final da Idade Mdia), principalmente os vocbulos cultos (termos tcnicos, cientficos, etc.), e , por isso mesmo, realizado em grande parte por eruditos, conhecedores das lnguas clssicas. Devido a seu carter intencional, esse tipo de metamorfismo revela, por parte de seu criador, um sentimento nativista semelhante ao que norteia o emprstimo de traduo. So exemplos de metamorfismos deliberados: lat. functione > fr. fonction lat. sollicitu > it. sollecito lat. directu > it. diretto lat. doctore > port. doutor

    Na medida em que a estrutura fonolgica da lngua vulgar no seja compatvel com a das lnguas clssicas, v-se o falante introdutor do emprstimo greco-latino constrangido a introduzir o vocbulo em questo com sua estrutura fonolgica original, o que, se aceito pelos demais falantes, conduzir modificao do prprio sistema fonolgico da lngua2, ou a modificar o vocbulo para adapt-lo a esse padro, procedimento este que, se realizado de maneira sistemtica numa determinada lngua, ir configurar o metamorfismo obrigatrio. Exemplo disso o e prottico das lnguas ibricas diante de s seguido de consoante (lat. statua > port. esttua). Entretanto, quase todas as lnguas europias ocidentais metamorfizam emprstimos greco-latinos, sem que tal procedimento seja imposto por coeres da estrutura fonolgica dessas lnguas. Temos assim o metamorfismo facultativo. Em certas lnguas, como o italiano, por exemplo, um determinado tipo de metamorfismo, embora facultativo, realizado de forma sistemtica. Nesse caso, diremos tratar-se de um metamorfismo recomendado.

    Embora todo metamorfismo difira do vocbulo greco-latino que lhe d origem tanto grfica como foneticamente, nem todo vocbulo de uma lngua vulgar que apresente divergncia do grego ou latim em ambos os aspectos um metamorfismo. Com efeito, muitas vezes ocorre de um vocbulo greco-latino j entrar na lngua vulgar com sua grafia adaptada ao sistema ortogrfico dessa lngua. Posteriormente, pode haver evoluo fontica do vocbulo, o que o far diferir do original greco-latino, sem que isso, no entanto, configure metamorfismo.

    Tambm no constitui metamorfismo a adaptao fontico-fonolgica de um vocbulo greco-latino, com posterior reforma ortogrfica. Assim, por exemplo o al. Proze (< lat. processu) surge primeiro como process [p{otsEs], portanto, com simples adaptao do c pronncia que essa letra tem em alemo; uma posterior reforma da ortografia alem substituiu todo c com valor de [ts] por z. Em nenhum momento houve evoluo fontica dessa palavra.

    Igualmente, no constitui metamorfismo o vocbulo que j seja introduzido em lngua vulgar com grafia e pronncia divergentes do original greco-latino, mas que se enquadre no paradigma de vocbulos correspondentes s situaes descritas acima. Assim, o esp. abduccin [aBuksjon] j entrou na lngua nessa forma, porm se enquadra no paradigma de nacin. O mesmo vale para o al. Holozn em relao ao paradigma de Proze. J um vocbulo como o it. giubilo no se enquadra em nenhum desses dois paradigmas: com efeito, no h em italiano nenhuma palavra cuja grafia tenha passado de j a gi, bem como tambm no h nenhuma palavra cuja pronncia inicial [j] tenha evoludo para [dZ], pois todas as palavras italianas com essas caractersticas so vernculas. Portanto, giubilo uma forma latina vulgarizada por analogia com palavras vernculas: um legtimo metamorfismo.

    O metamorfismo um fenmeno muito mais comum nas lnguas romnicas do que nas germnicas. Isso se deve ao fato de, naquelas lnguas, o prprio vernculo, por analogia com o qual os emprstimos

  • greco-latinos so vulgarizados, proceder do latim, havendo, portanto, um sentimento de parentesco muito ntido entre os vocbulos vernculos e os emprstimos. J as lnguas germnicas emprestam elementos do grego ou do latim sempre em sua forma original, salvo poucas alteraes na vogal ps-tnica, justamente por estarem geneticamente mais distantes do latim. Assim, pode-se dizer que o metamorfismo de emprstimos greco-latinos tanto mais freqente quanto mais prxima do latim est uma lngua vulgar. Por essa razo, o italiano, dentre as lnguas romnicas, a que mais metamorfiza, visto ser a lngua que menos diferenas fontico-fonolgicas apresenta em relao ao latim. Inversamente, o francs a lngua romnica foneticamente mais distante do latim; por conseguinte, tambm a que menos metamorfiza. 1.5. Vulgarismos resultantes de combinao sintagmtica (composio ou derivao)

    Um dos mecanismos mais freqentes de criao vocabular a chamada neologia sintagmtica, a qual compreende basicamente os processos de composio e derivao.

    J vimos que os emprstimos de traduo sintagmticos so essencialmente compostos e derivados vulgares criados para traduzir um vocbulo estrangeiro. Entretanto, a maior parte dos compostos e derivados de uma lngua so de tipo autogentico, isto , criaes intrnsecas da lngua, sem nenhuma motivao externa, quer de significante, quer de significado. Essas criaes podem resultar da combinao de elementos exclusivamente greco-latinos, da combinao de elementos exclusivamente vulgares, ou ainda podem resultar da combinao de ambas as espcies de elementos. No primeiro caso, o vocbulo resultante ser um grecolatinismo. Nos demais casos, o vocbulo resultante ser um vulgarismo.

    A composio de radicais greco-latino e vulgar ou a derivao de um radical greco-latino com afixos vulgares, de que resulta um vocbulo lexicogenicamente hbrido, particularmente interessante por mostrar como, numa lngua vulgar, um grecolatinismo pode dar origem a vulgarismos, o que revela, em ltima instncia, a perfeita integrao desse grecolatinismo ao lxico da lngua. Um exemplo desse tipo a palavra meter em ingls. Alm de existir de forma independente, com o significado de medidor, tambm se depreende de compostos eruditos como thermometer, dynamometer, photometer, dentre outros. A existncia desses compostos eruditos em ingls autorizou a criao de termos como speedometer, por exemplo. Mais freqentes ainda so as derivaes (por exemplo, metering), especialmente deverbais de verbos latinos e denominais de adjetivos latinos, como o al. Planung, a partir de planen, ou o ing. politeness, a partir de polite.

    So compostos hbridos, isto , formados de um radical grego ou latino e outro vulgar: port. auriverde, rubro-negro, semi-aberto; fr. bureaucratie, demi-ton; ing. biochemistry, self-confidence, etc. Derivados de radical greco-latino com afixo vulgar so: port. desequilbrio, recusador, sobre-humano; fr. actanciel, ractionnaire, rvolutionnaire; ing. computer, typing, etc. 1.5. Co-ocorrncia de processos lexicognicos no mesmo vocbulo

    Um mesmo vocbulo vulgar pode resultar de mais de um processo de vulgarizao. Assim, o port. reduo, por exemplo, provm do lat. reductione por traduo do sufixo latino -tione pelo vernculo -o, bem como por sncope do c latino do grupo -ct-, o que configura um metamorfismo. Da mesma forma, o vocbulo correspondente it. riduzione vem do lat. reductione por traduo do prefixo latino re- pelo vernculo ri- e, alm disso, por metamorfismo do grupo consonantal -ct- para -z- (sncope do c).3 A incidncia de dois processos de vulgarizao no mesmo vocbulo pode ser simultnea, no instante mesmo da criao deste, ou sucessiva. Neste caso, um vocbulo greco-latino pode sofrer emprstimo de traduo parcial, podendo, mais tarde, aqueles morfemas que no foram traduzidos ser alvo de metamorfismo. Esses dois fenmenos podem tambm ocorrer na ordem inversa.

    Por outro lado, pode ocorrer simultaneamente num dado vocbulo a vulgarizao de um morfema erudito e a substituio de um morfema vulgar por seu correspondente erudito. Seja, por exemplo, o ing. extravaganza, emprstimo do it. stravaganza. O ingls procedeu substituio do prefixo vernculo italiano stra- pelo correspondente latino extra- por um processo que denominamos restituio, conforme veremos mais adiante. Entretanto, o elemento italiano -vaganza, formado a partir do verbo erudito vagare mediante o sufixo igualmente erudito -anza, constitui por sua vez metamorfismo em ingls. Ocorre que, em ingls, -vaganza difere do lat. hipottico *-vagantia tanto pela grafia quanto pela pronncia, o que configura o metamorfismo.

    Igualmente, seja o it. rivoluzionario, emprstimo do fr. rvolutionnaire. Por um lado, o italiano substituiu o prefixo erudito francs r- pelo vernculo ri-; por outro lado, substituiu o sufixo vulgar francs -aire pelo erudito -ario.

  • 2. GRECOLATINISMOS 2.1. Grecolatinismos resultantes de emprstimo direto ou indireto do grego/latim

    Constitui grecolatinismo todo vocbulo formado exclusivamente de morfemas de origem grega ou latina, no metamorfizados, excetuadas as desinncias. Um grecolatinismo pode resultar do emprstimo de uma palavra efetivamente pertencente ao lxico do grego ou do latim, mas pode tambm ser criada, no mbito da lngua vulgar, atravs da combinao sintagmtica de morfemas greco-latinos. Para que um vocbulo se caracterize como grecolatinismo, basta que seu significante seja greco-latino. Assim, o grecolatinismo pode resultar de um emprstimo total ao grego ou ao latim, ou de um emprstimo de significante em relao a essas lnguas. Um grecolatinismo, uma vez introduzido na lngua vulgar, com um determinado significado, pode, assim como todas as outras palavras da lngua, adquirir novos significados, mediante o processo da neologia semntica. Desse modo, inicialmente, um grecolatinismo como o port. ncleo no significa, como em latim, caroo, semente, mas tal signo foi tomado apenas em seu significado abstrato, o de essncia, mago, cerne. Posteriormente, tal vocbulo adquire novos significados, alguns especializados (em biologia, em qumica, em fsica, em lingstica, etc.), inclusive o significado original de semente.

    muito comum que, quando uma lngua vulgar necessite de uma designao para um novo conceito, busque essa designao nas lnguas clssicas, ou porque tal conceito j exista nas mesmas, ou porque se trate de conceito referente a alguma norma discursiva culta ou especializada. Assim, tambm comum que, quando uma primeira lngua vulgar opte pelo emprstimo ao grego ou ao latim, essa tendncia seja seguida pelas demais lnguas vulgares, as quais, importando daquela primeira lngua o conceito, importam tambm a expresso desse conceito. Portanto, quando uma lngua vulgar importa um vocbulo diretamente do latim, d-se um emprstimo greco-latino direto, ao passo que, quando uma lngua vulgar importa um vocbulo greco-latino de outra lngua vulgar, tem-se um emprstimo greco-latino indireto. Um exemplo disso o fr. direction, importado diretamente do latim directione; j o ing. direction um emprstimo do grecolatinismo francs. 2.2. Refeces de vulgarismos

    Muitas vezes, um vocbulo vulgar ou vulgarizado, de origem latina, pode ser substitudo por seu equivalente erudito, num processo que se chama refeco. Na verdade, a substituio do significante vulgar pelo erudito no se d instantaneamente, mas durante algum tempo a forma vulgar e a erudita convivem na lngua como altropos (Bizzocchi, 1991). O grecolatinismo, surgindo inicialmente como neologismo, proposto como sinnimo do vulgarismo, uma vez aceito pela comunidade lingstica, tende a ter uma freqncia de uso cada vez maior, ao passo que o vulgarismo comea ento a diminuir de freqncia, at tornar-se um arcasmo e, eventualmente, desaparecer.

    Entretanto, o apogeu da tendncia refeco sobre o modelo greco-latino parece ter ocorrido durante a Renascena, quando uma verdadeira torrente de grecismos e latinismos invadiu as lnguas europias ocidentais. Facilitada pela moda literria e, principalmente, pela ideologia da poca, a adoo desses grecolatinismos baniu progressivamente os vulgarismos correspondentes, embora em alguns casos tenha havido alguns refluxos posteriores, ou mesmo a distino de significado entre as formas erudita e vulgar, o que conduziu permanncia de ambas na lngua.

    Por vezes, a adoo de uma grafia latinizada pode induzir a uma falsa refeco. Isso ocorre quando a grafia de uma palavra reassume a forma latina, porm no plano fontico-fonolgico nada ocorre que possa indicar tratar-se de um novo vocbulo. Essas falsas refeces foram particularmente freqentes em francs, em que palavras como as vernculas ni e salu tiveram, em fins da Idade Mdia, sua grafia alterada para nid e salut, por inspirao do latim nidu e salute, respectivamente. Entretanto, no se trata a de emprstimos ao latim, seno de simples reforma ortogrfica. Note-se que, nesse caso, no houve concorrncia na lngua entre as formas antigas e as novas, e os falantes iletrados, que obviamente jamais tomaram conhecimento dessa mudana de grafia, em nenhum momento surpreenderam o aparecimento de duas novas unidades no lxico da lngua francesa. Por conseguinte, os vocbulos nid e salut permanecem vernculos, em que pese sua grafia latinizada.

    Alguns exemplos de vocbulos refeitos sobre o latim so: port. chor > frol > flor, coa > cauda, diago > dicono, dino > digno, eivigar > edificar, esmar > estimar, fremoso > formoso, inhorar > ignorar, seeno > silncio, sordo > surdo, zeo > zelo, etc.; fr. aerdre > adhrer, esmer > estimer, ranon > rdemption, soutil > subtil, tre > tribut, etc.; it. cerchio > circolo, rovina > ruina, romore > rumore, etc.

  • 2.3. Emprstimos de restituio

    A partir das definies de emprstimo total, emprstimo de significante e emprstimo de significado que demos anteriormente, definiremos o emprstimo de restituio como um emprstimo de significado de um vulgarismo estrangeiro, em que o significante greco-latino, isto , totalmente constitudo de morfemas de origem grega ou latina no metamorfizados. Pode-se dizer, assim, que o emprstimo de restituio o processo inverso do emprstimo de traduo, pois, neste, parte-se de um vocbulo greco-latino e chega-se a um vocbulo vulgar, ao passo que, na restituio, parte-se de um vulgarismo e chega-se a um grecolatinismo. O emprstimo de restituio, a exemplo do emprstimo de traduo, pode ser de dois tipos, a saber:

    a) Emprstimo de restituio sintagmtico: ocorre quando uma lngua vulgar realiza neologismo sintagmtico (composto ou derivado) com morfemas greco-latinos e significado emprestado de vocbulo vulgar estrangeiro. Exemplo: ing. feed back > fr. ralimentation.

    b) Emprstimo de restituio semntico: ocorre quando uma lngua vulgar realiza emprstimo de significante de vocbulo grego ou latino, com emprstimo de significado de vocbulo vulgar estrangeiro, o qual neologismo semntico (= emprstimo de significante intralingstico) na lngua de origem. Exemplo: fr. entier, nmero inteiro (conceito matemtico) > ing. integer.

    Da mesma forma que o emprstimo de traduo, tambm o emprstimo de restituio pode ser facultativo ou obrigatrio. Ser obrigatrio especialmente quando a um morfema vulgar estrangeiro (por exemplo, um sufixo) corresponder na lngua importadora exclusivamente um morfema greco-latino (por exemplo, ao sufixo vulgar francs -aire correspondem em portugus os sufixos -ar e -rio, ambos eruditos).

    interessante notar que, nas lnguas romnicas, o processo de emprstimo por restituio particularmente freqente na norma tcnico-cientfica. Como se sabe, as lnguas clssicas, especialmente o grego, apresentam uma grande facilidade para a formao de compostos, o que tambm ocorre em relao s lnguas germnicas. J as lnguas romnicas privilegiam a criao sintagmtica por derivao, at devido prpria estrutura morfolgica dessas lnguas (Rey, 1979, p. 71). Desse modo, as lnguas germnicas ganham em coeso e economia, pois a uma locuo nominal romnica opem uma palavra composta ou mesmo uma locuo nominal de menor extenso (compare-se o port. atraso devido chuva com o ing. rain delay, por exemplo). Assim sendo, quando uma lngua germnica produz um neologismo tcnico-cientfico (nenimo) por composio, este resulta ser, devido estrutura peculiar da lngua, um termo compacto e sinttico. Por fora das prprias exigncias de normalizao terminolgica, as lnguas romnicas devem traduzir tal termo por outro, igualmente sinttico. justamente nas lnguas clssicas que elas encontram o material lxico e os recursos morfossintticos necessrios formao desse termo sinttico. Assim, a um termo tcnico ingls como English-speaker, o portugus contrape anglofone, mais sinttico do que falante de lngua inglesa. V-se a por que grande parte dos termos tcnico-cientficos romnicos so emprstimos de restituio de termos tcnico-cientficos ingleses ou alemes.

    Vejamos, a seguir, alguns exemplos de emprstimos de restituio, nas diversas lnguas europias. ing. bedding (termo de geologia) > fr. stratification ing. football > port. balpodo (desusado) fr. noyau (termo de lingstica) > port. ncleo fr. actantiel > esp. actancial fr. fonctif > ing. functive al. Weltanschauung > it. cosmovisione al. berich > port. superego it. umanesimo > port. humanismo 2.4. Grecolatinismos resultantes de combinao sintagmtica (composio ou derivao)

    Alm da importao de vocbulos s lnguas clssicas, as lnguas vulgares tambm podem constituir grecolatinismos atravs da combinao sintagmtica de elementos lxicos greco-latinos. Essa combinao sintagmtica, como se sabe, pode ser de dois tipos: derivao ou composio. No primeiro caso (tambm chamado de afixao), tem-se a combinao de radicais gregos ou latinos com afixos igualmente gregos ou latinos; no segundo caso, tem-se a combinao de dois vocbulos lexicais (isto , que contenham pelo menos um lexema) gregos ou latinos, sendo que cada um deles pode, por sua vez, j ser o resultado de combinaes anteriores, podendo conter, pois, mais de um radical, ou um radical e um ou mais afixos.

    Convm lembrar, contudo, que, por vezes, a derivao pode consistir da combinao de um radical com afixo zero (derivao regressiva) ou da simples mudana de categoria gramatical de uma palavra.

  • Assim, em ingls, a partir do grecolatinismo substantivo experience formou-se o derivado verbal to experience. Este ltimo, por sua vez, passou ao portugus na forma experienciar.

    A composio e derivao greco-latinas so particularmente freqentes no discurso tcnico-cientfico, no qual abundam radicais e afixos oriundos do grego e do latim, e cujas prprias normas terminolgicas aconselham a formao de novos termos atravs da combinao sintagmtica desses elementos lxicos. 3. VOCBULOS NO CLASSIFICVEIS NAS CATEGORIAS ANTERIORES

    Nem sempre possvel classificar um vocbulo como grecolatinismo ou vulgarismo porque h vocbulos que contm elementos no pertencentes propriamente ao lxico da lngua, tais como nomes prprios (principalmente topnimos e antropnimos estrangeiros), siglas, onomatopias, morfemas fragmentrios (fractomorfemas ou quase-morfemas), neologismos fonolgicos, etc. Por isso, a classificao lexicognica das palavras compostas ou derivadas de tais vocbulos nos obriga a instituir uma terceira categoria, a das palavras que no so nem grecolatinismos nem vulgarismos.

    Teremos nessa classe palavras como ampermetro, andaluzita, cuco, crocante, frmio, hitlerista, informtica, kantismo, kimberlita, liliputiano, macadamizar, metr, napolenico, newtoniano, nylon (ou nilon), permiano, foto, radar, tique-taque, ufologia, voltagem, wattmetro, etc. Percurso gerativo de criao vocabular

    H casos em que, para classificar lexicogenicamente um vocbulo, temos de postular a existncia de etapas evolutivas no documentadas desse vocbulo, e que, por sinal, jamais existiram efetivamente, mas que so necessrias para explicar a configurao atual do vocbulo. Os exemplos a seguir tornaro isso mais claro.

    Tomemos o vocbulo francs privaut. Tal vocbulo no pode ser explicado como emprstimo ao latim, visto que no existe nessa lngua um suposto vocbulo *privalitas, nem tampouco como emprstimo a qualquer outra lngua vulgar, como, por exemplo, o ing. privacy ou o port. privacidade. Todavia, esse vocbulo tambm no pode ser explicado como um neologismo sintagmtico vulgar formado pelo adjetivo priv e pelo sufixo -t, j que a combinao desses dois elementos jamais produziria a forma privaut. Assim, a nica maneira de explicar privaut admitir que no deriva diretamente de priv, mas sim de uma forma hipottica *prival por analogia com os pares royal/royaut, loyal/loyaut.

    Seja agora o vocbulo ingls chronicle. Tal vocbulo no pode ser explicado diretamente a partir do latim, uma vez que no existe *chronicula nessa lngua. Tal forma tambm inexiste nas demais lnguas vulgares, e tampouco se explica por derivao a partir do lat. chronica com um sufixo -le, j que tal sufixo no existe em ingls. S nos resta ento postular um latim hipottico *chronicula para explicar chronicle.

    Nota-se, assim, que os processos de vulgarizao no incidem apenas sobre vocbulos greco-latinos efetivamente existentes, quer nas lnguas clssicas, quer nas lnguas vulgares, mas podem afetar tambm vocbulos hipotticos. interessante notar que alguns desses processos de vulgarizao esto to fortemente arraigados em certas lnguas, que chegam a intervir no prprio momento da criao de um novo vocbulo, fazendo que este apresente, desde seu nascimento, as mesmas caractersticas lexicognicas de outros vocbulos semi-eruditos j existentes. Pode-se dizer, nesse sentido, que os falantes cultos conhecem, ainda que de forma intuitiva em certos casos, os processos de vulgarizao da lngua, e os aplicam a suas criaes vocabulares, como se fossem verdadeiras regras de converso fontico-fonolgico-ortogrfica do grego e do latim para sua lngua que devem ser respeitadas. Mecanismos de emprstimo

    Os processos lexicognicos que acabamos de discutir podem ser agrupados em duas categorias bsicas, segundo o vocbulo resultante seja constitudo apenas de elementos pertencentes prpria lngua, sem nenhum emprstimo a outro sistema lingstico, quer em nvel de contedo, quer em nvel de expresso, ou, ao contrrio, contenha algum elemento importado de outro sistema lingstico. Temos, assim:

  • 1) Processos lexicognicos autogenticos (autogenia): 1a) herana verncula; 1b) neologia fonolgica; 1c) neologia sintagmtica; 1d) neologia semntica.

    2) Processos lexicognicos alogenticos (alogenia): 2a) emprstimo sem vernaculizao; 2b) emprstimo com vernaculizao fonolgica; 2c) emprstimo com vernaculizao sintagmtica; 2d) emprstimo semntico; 2e) refeco.

    Aplicaes do modelo lexicognico

    Na obra que deu origem a este artigo (Bizzocchi, 1998), realizei uma primeira aplicao prtica do modelo terico aqui descrito: a anlise quantitativa da freqncia de ocorrncia dos processos lexicognicos nas principais lnguas romnicas e germnicas, por meio do emprego de mtodos estatsticos, para, a seguir, comparar o comportamento dessas lnguas com base nos perfis dos respectivos lxicos. Desse modo, uma das possveis aplicaes dessa teoria a anlise contrastiva de lxico do ponto de vista de sua nature gentica. possvel, assim, realizar estudos sobre o comportamento lexicognico das lnguas do Ocidente, indicador da ideologia subjacente ao lxico dessas lnguas.

    Alm disso, um modelo que torna possvel estudar e descrever os fenmenos relativos lexicognese deve ser, sem dvida, muito til em muitos outros campos, tais como:

    a) no ensino, particularmente no que concerne ao ensino do lxico; b) no projeto do lxico, que consiste na fixao e na observncia de critrios segundo os quais novos

    vocbulos so introduzidos na lngua, tarefa que assume uma fundamental importncia nos campos de atividade em que a criao lexical seja objeto de uma rgida normalizao, como a terminologia tcnico-cientfica, por exemplo;

    c) na elaborao e confeco de obras lexicogrficas, notadamente de dicionrios etimolgicos. Evidentemente, h inmeras outras aplicaes possveis desse modelo, mas somente as apresentadas

    aqui bastam para fazer compreender a importncia de levar em conta fenmenos lexicognicos, muito mais do que simplesmente os neolgicos e etimolgicos, quando se trata de estudar cientificamente a lngua ou de utiliz-la como ferramenta tcnica ou pragmtica. Essas questes certamente no so desconhecidas dos especialistas da lngua, mas -nos foroso dizer que os modelos atuais de explicao da histria das palavras no d conta de muitos aspectos considerados aqui, sem os quais a anlise do lxico de uma lngua se torna simplista, incompleta ou mesmo equivocada. Com efeito, a maior parte das pesquisas etimolgicas nas lnguas romnicas e germnicas foi efetuada ainda no sculo XIX e no incio do sculo XX, por lingistas e fillogos pertencentes corrente histrico-comparativa. Assim, este trabalho pretendeu abordar essas questes sob uma perspective moderna, isto , pancrnica, dialtica e complexa. Referncias AUERBACH, E. (1974) Introduzione alla filologia romanza. Turim, Einaudi. BARBOSA, M. A. (1981) Lxico, produo e criatividade: processos do neologismo. So Paulo, Global. BIZZOCCHI, A. (1991) Aspectos da alotropia nas lnguas romnicas: esboo de uma tipologia. Anais da

    43 Reunio Anual da SBPC, Rio de Janeiro, p. 401-402. _______ (1998) Lxico e ideologia na Europa ocidental. So Paulo, Annablume/FAPESP. GUILBERT, L. (1975) La crativit lexicale. Paris, Larousse. REY, A. (1979) La terminologie : noms e notions. Paris, P.U.F. Notas

    1. Os exemplos aqui apresentados referem-se a tradues a partir do latim; contudo, essas condies so vlidas para quaisquer lnguas.

    2. Tal fato ocorreu, por exemplo, em francs, que no possui palavras vernculas iniciadas por s subverteu o sistema fonolgico primitivo do francs, que, a partir de ento, passou a admitir tal combinao de fonemas.

    3. A passagem de ti zi no constitui metamorfismo, mas apenas uma adaptao ortogrfica obrigatria do italiano. Com efeito, h mudana grfica sem mudana fontico-fonolgica.