Case Sociologia Jurídica

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SINOPSE DO CASE: Entre Muros e Linhas: Controle social e Fascismo na Sociedade Contemporânea. Patricia Kecianne Costa Ribeiro ² Nilvanete de Lima ³ 1 DESCRIÇÃO DO CASO No filme brasileiro “Bicho de Sete Cabeças” (2000), um drama dirigido por Laís Bodanzky, com roteiro de Luiz Bolognesi e baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, “Canto dos Malditos”, retrata-se a história de um adolescente o Neto, que é internado pelo pai Sr.Wilson num manicômio, que toma essa decisão simplesmente pelo suposto envolvimento do rapaz com drogas, pelo fato de ter sido encontrado um cigarro de maconha nas suas coisas. Esse adolescente não encontra apoio algum no âmbito familiar, composto por seu pai conservador, rude e ignorante que não procura em nenhum momento dialogar com o rapaz, uma mãe submissa e uma irmã mais velha que chefia essa família. Sem preparo nem informação alguma o jovem é simplesmente deixado pelo pai nessa instituição onde é tratado de maneira agressiva, impiedosa e desumana. Dessa forma, além de abordar questões sobre a relação pai/filho e sobre o uso de drogas, o filme trata principalmente, dos abusos realizados pelos hospitais psiquiátricos. _____________ 1 Case apresentado à disciplina (Sociologia Jurídica) na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. 2 Aluna do segundo período, do curso de Direito noturno, da UNDB. 3 Professora Mestre , Nilvanete de Lima.

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SINOPSE DO CASE: Entre Muros e Linhas: Controle social e Fascismo na Sociedade Contemporânea.

Patricia Kecianne Costa Ribeiro ²

Nilvanete de Lima ³

1 DESCRIÇÃO DO CASO

No filme brasileiro “Bicho de Sete Cabeças” (2000), um drama dirigido por Laís

Bodanzky, com roteiro de Luiz Bolognesi e baseado no livro autobiográfico de Austregésilo

Carrano Bueno, “Canto dos Malditos”, retrata-se a história de um adolescente o Neto, que é

internado pelo pai Sr.Wilson num manicômio, que toma essa decisão simplesmente pelo

suposto envolvimento do rapaz com drogas, pelo fato de ter sido encontrado um cigarro de

maconha nas suas coisas.

Esse adolescente não encontra apoio algum no âmbito familiar, composto por seu

pai conservador, rude e ignorante que não procura em nenhum momento dialogar com o

rapaz, uma mãe submissa e uma irmã mais velha que chefia essa família. Sem preparo nem

informação alguma o jovem é simplesmente deixado pelo pai nessa instituição onde é tratado

de maneira agressiva, impiedosa e desumana. Dessa forma, além de abordar questões sobre a

relação pai/filho e sobre o uso de drogas, o filme trata principalmente, dos abusos realizados

pelos hospitais psiquiátricos.

No livro “Holocausto brasileiro” lançado em 2013 pela jornalista Daniela Arbex,

um livro-reportagem, sobre o Hospital Psiquiátrico de Barbacena - MG, palco de uma das

maiores e mais longas tragédias brasileiras, lugar onde a desumanidade, a dor, a crueldade e o

comércio humano estiveram travestidos de hospital sob um discurso de limpeza e cura.

Este foi cenário de barbárie e da dor de milhares de internos, um genocídio

cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos,

funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais

básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Pelo menos 60 mil pessoas

morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca

de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais,

prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder.

_____________

1 Case apresentado à disciplina (Sociologia Jurídica) na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.2 Aluna do segundo período, do curso de Direito noturno, da UNDB.3 Professora Mestre , Nilvanete de Lima.

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Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido

pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do

casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas

tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.

No texto “Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia

de saberes”, Boaventura, (2009, p.31) afirma que o pensamento moderno ocidental é um

pensamento abissal, pois:

Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, e estas últimas são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”. A divisão é tal que o “outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, incompreensível e é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo. Para o pensamento abissal, os dois lados da linha não podem conviver no mesmo espaço.

O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, ou seja, uma forma

encontrada pela modernidade ocidental para se perpetuar enquanto humanidade universal, e

para essa dualidade, “o outro lado” corresponde não somente ao que é legal ou ilegal, ou

aceito, ou não aceito, da verdade, ou da falsidade, mas sim, a uma produção do que seria uma

ausência de humanidade, chamada de sub-humanidade moderna, necessitando ser negada

cada vez mais, porém, não há para isso suspensão legal de direitos e garantias.

Sendo a característica fundamental do pensamento abissal a impossibilidade da

co-presença dos dois lados da linha, há que se dizer que a modernidade ocidental, diante da

distinção do visível e do invisível, faz surgir um novo paradigma, o de que esta é fundada no

campo do visível, na tensão entre regulação/emancipação social, e no campo invisível a

distinção entre sociedades metropolitanas e os territórios coloniais, na qual, os territórios

coloniais estariam totalmente atrelados à dicotomia apropriação/violência, que para “este lado

da linha” seria inconcebível aplica-lo.

O colonial, nesse caso, são aqueles que conseguem perceber essa dicotomia e

entendem que suas experiências de vida estão ocorrendo do outro lado dessa linha abissal de

exclusão radical e de inexistência jurídica e se rebelam, são totalmente contra isso e por isso

regressa às sociedades metropolitanas, são eles, o terrorista, o imigrante indocumentado e o

refugiado.

Nessas circunstâncias o abissal metropolitano ao dar conta da limitação do seu

território reage remarcando a linha abissal (Ex: o muro da segregação israelita na Palestina e o

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combate inimigo ilegal nos EUA). Portanto a regulação/emancipação é cada vez mais

pressionada e desfigurada pela presença e crescente pressão da apropriação/violência no seu

interior, porém, nada disso pode ser completamente percebido, o pensamento abissal é inábil

nesse contexto, pois não se percebe essa pressão como algo estranho à

regulação/emancipação, sob o pretexto da salvaguarda do próprio estado, percebe-se então o

surgimento no contexto atual do estado de exceção, nos fazendo acreditar que somente haverá

expansão global da modernidade ocidental na medida em que viole todos os princípios do

paradigma da regulação/emancipação desse lado da linha.

Nesse sentido, a democracia os direitos e garantias básicas das constituições

nacionais tem que ser violados para poder ser defendido. No sentido literal das linhas abissais,

as fronteiras são verdadeiras vedações e campos de morte, as cidades são divididas em zonas

civilizada, prisões são divididas entre locais de detenção legal e locais de destruição brutal.

O outro lado desse movimento é o regresso do colonizador, ou seja, o resgate da

forma de governo colonial, o que seria denominado agora de governo indireto, ou seja, o

estado se retira da regulação social e os serviços públicos são privatizados.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE

2.1. DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

Boaventura distinguiu três formas de fascismo social, no caso narrados no livro

“Holocausto brasileiro” e no filme “Bicho de Sete Cabeças”, quais desses tipos de fascismo

podem ser relacionados?

2.2. DESCRIÇÃO DOS ARGUMENTOS

Fascismo Social

O fascismo social é totalmente verificado no filme Bicho de Sete Cabeças, pois, a

instituição da família pelo poder tutelar, físico e simbólico que exercem sobre os filhos, faz

com que estes se tornem dependentes de sua vontade, juridicamente até os 18 anos quando

atingem a maioridade e simbolicamente pelos laços afetivos e de sobrevivência.

O poder de veto que o fascismo social impõe a parte mais fraca sobre o modo de

vida, também fica evidente no filme, onde o personagem Neto, fruto de uma família

paternalista onde o diálogo não existia, não teve poder de escolha, seu futuro foi totalmente

decidida e imposta pelo pai, que supôs que o filho era drogado, sem ao menos ele ter tido

direito de defesa, ou seja, o extremismo absoluto do pai impõe ao filho uma situação

degradante e desumana.

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Essa realidade, vivida no hospital, é tratada como o lado de lá, pois ao mesmo

tempo em que os incluem em um contexto, não lhes permite nenhum tipo de escolha, nem

liberdade, nem direito como indivíduo, diferente daquele ideal de sociedade que encontramos

na maioria dos países que acreditam na democracia atualmente. 

“Pro lado de cá, não tem acesso, mesmo que me chamem

pelo nome, mesmo que admitam meu regresso. Toda vez

que eu vou, a porta some, a janela some na parede. A

palavra, de água, se dissolve…” – Pro lado de cá,

representando a sociedade livre por detrás dos muros do

hospital, não dá espaço para alguém que por algum motivo,

algum dia, foi excluído. (TRECHO DA MÚSICA: O

BURACO NO ESPELHO, TRILHA SONORA DO

FILME)

Entre internações e tentativas de se reestabelecer e reintegrar à sociedade, Neto

passa por diversas situações, convivendo no seu dia-a-dia com o preconceito, os medos, as

inseguranças e as sequelas causadas pelos intensos e absurdos tratamentos utilizados na

tentativa de ser “salvo”. 

Todos aqueles que não se encaixam aos moldes da sociedade democrática que

deveria prezar pela liberdade, pelo culto às diferenças e pela justiça, e que, a partir do

momento em que determina moldes, deixam de praticar tudo aquilo que a conduziu ao seu

estado atual, são automaticamente marginalizados, caem facilmente no esquecimento. Assim

como tudo, as relações humanas, o respeito pelo outro, o respeito pelo espaço do outro, saíram

de moda muito rapidamente, se tornaram “cafona”, descartáveis.

Fascismo Contratual

Por conta da deficiência da regulação pública esses, os contratos de trabalho não

preconizam aspectos decisivos para a proteção dos consumidores e que por isso se tornam

extracontratuais ficando à mercê da benevolência das empresas. A partir desse momento elas

assumem a função de reguladoras sociais anteriormente exercidas pelo estado que ao deixar

faze-lo sem a participação dos cidadãos, torna-se conivente com a produção social do

fascismo colonial.

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No caso do filme, fica claro, essa relação mercantilizada, quando o médico, figura

respeitada pela sociedade e representante daquela instituição, pleiteia incentivos do governo

instituição pelo número de pacientes existentes no local, ou seja, o estado transferiu a sua

responsabilidade pela saúde (direito fundamental constitucional) mental das pessoas a clinicas

particulares, poderosos atores não estatais adquire desta forma controle sobre as vidas e o bem

estar de vastas populações.

Em uma ligação feita pelo diretor do manicômio vemos outra denuncia da reforma

psiquiátrica: a mercantilização da loucura. É dado um incentivo a e para tanto não há

escrúpulos, o diretor diz: “pegaremos qualquer mendigo e lotaremos isso aqui!” (BICHO de

sete cabeças, 2001). 

2.3. DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES

Os valores sociais, encontrados no filme Bicho de Sete Cabeças, torna clara a

atitude da sociedade com qualquer pessoa que demonstra algum comportamento diferente, ou

seja, que está fora daquilo que a mesma considera normal.

No livro “Holocausto brasileiro” percebe-se que os “loucos” eram apenas pessoas

diferentes que “ameaçavam” a ordem pública e os valores sociais da época. Por isso, o

Colônia tornou se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras,

alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de

indesejados, inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de

limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória,

desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar (ARBEX, 2013).

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REFERÊNCIAS

ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício

do Brasil. São Paulo: Geração, 2013.

BICHO de sete cabeças. Direção: Laís Bodanzky. Interpretes: Othon Bastos; Rodrigo

Santoro; Kássia Kiss. Roteiro: Luiz Bolognesi. Brasil: Colúmbia Pictures do Brasil, 2001, 1

DVD (1h14min).

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma

ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.)

Epistemologias do Sul. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 2009.