Case Sociologia Jurídica
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SINOPSE DO CASE: Entre Muros e Linhas: Controle social e Fascismo na Sociedade Contemporânea.
Patricia Kecianne Costa Ribeiro ²
Nilvanete de Lima ³
1 DESCRIÇÃO DO CASO
No filme brasileiro “Bicho de Sete Cabeças” (2000), um drama dirigido por Laís
Bodanzky, com roteiro de Luiz Bolognesi e baseado no livro autobiográfico de Austregésilo
Carrano Bueno, “Canto dos Malditos”, retrata-se a história de um adolescente o Neto, que é
internado pelo pai Sr.Wilson num manicômio, que toma essa decisão simplesmente pelo
suposto envolvimento do rapaz com drogas, pelo fato de ter sido encontrado um cigarro de
maconha nas suas coisas.
Esse adolescente não encontra apoio algum no âmbito familiar, composto por seu
pai conservador, rude e ignorante que não procura em nenhum momento dialogar com o
rapaz, uma mãe submissa e uma irmã mais velha que chefia essa família. Sem preparo nem
informação alguma o jovem é simplesmente deixado pelo pai nessa instituição onde é tratado
de maneira agressiva, impiedosa e desumana. Dessa forma, além de abordar questões sobre a
relação pai/filho e sobre o uso de drogas, o filme trata principalmente, dos abusos realizados
pelos hospitais psiquiátricos.
No livro “Holocausto brasileiro” lançado em 2013 pela jornalista Daniela Arbex,
um livro-reportagem, sobre o Hospital Psiquiátrico de Barbacena - MG, palco de uma das
maiores e mais longas tragédias brasileiras, lugar onde a desumanidade, a dor, a crueldade e o
comércio humano estiveram travestidos de hospital sob um discurso de limpeza e cura.
Este foi cenário de barbárie e da dor de milhares de internos, um genocídio
cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos,
funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais
básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Pelo menos 60 mil pessoas
morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca
de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais,
prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder.
_____________
1 Case apresentado à disciplina (Sociologia Jurídica) na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.2 Aluna do segundo período, do curso de Direito noturno, da UNDB.3 Professora Mestre , Nilvanete de Lima.
Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido
pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do
casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas
tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.
No texto “Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia
de saberes”, Boaventura, (2009, p.31) afirma que o pensamento moderno ocidental é um
pensamento abissal, pois:
Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, e estas últimas são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”. A divisão é tal que o “outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, incompreensível e é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo. Para o pensamento abissal, os dois lados da linha não podem conviver no mesmo espaço.
O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, ou seja, uma forma
encontrada pela modernidade ocidental para se perpetuar enquanto humanidade universal, e
para essa dualidade, “o outro lado” corresponde não somente ao que é legal ou ilegal, ou
aceito, ou não aceito, da verdade, ou da falsidade, mas sim, a uma produção do que seria uma
ausência de humanidade, chamada de sub-humanidade moderna, necessitando ser negada
cada vez mais, porém, não há para isso suspensão legal de direitos e garantias.
Sendo a característica fundamental do pensamento abissal a impossibilidade da
co-presença dos dois lados da linha, há que se dizer que a modernidade ocidental, diante da
distinção do visível e do invisível, faz surgir um novo paradigma, o de que esta é fundada no
campo do visível, na tensão entre regulação/emancipação social, e no campo invisível a
distinção entre sociedades metropolitanas e os territórios coloniais, na qual, os territórios
coloniais estariam totalmente atrelados à dicotomia apropriação/violência, que para “este lado
da linha” seria inconcebível aplica-lo.
O colonial, nesse caso, são aqueles que conseguem perceber essa dicotomia e
entendem que suas experiências de vida estão ocorrendo do outro lado dessa linha abissal de
exclusão radical e de inexistência jurídica e se rebelam, são totalmente contra isso e por isso
regressa às sociedades metropolitanas, são eles, o terrorista, o imigrante indocumentado e o
refugiado.
Nessas circunstâncias o abissal metropolitano ao dar conta da limitação do seu
território reage remarcando a linha abissal (Ex: o muro da segregação israelita na Palestina e o
combate inimigo ilegal nos EUA). Portanto a regulação/emancipação é cada vez mais
pressionada e desfigurada pela presença e crescente pressão da apropriação/violência no seu
interior, porém, nada disso pode ser completamente percebido, o pensamento abissal é inábil
nesse contexto, pois não se percebe essa pressão como algo estranho à
regulação/emancipação, sob o pretexto da salvaguarda do próprio estado, percebe-se então o
surgimento no contexto atual do estado de exceção, nos fazendo acreditar que somente haverá
expansão global da modernidade ocidental na medida em que viole todos os princípios do
paradigma da regulação/emancipação desse lado da linha.
Nesse sentido, a democracia os direitos e garantias básicas das constituições
nacionais tem que ser violados para poder ser defendido. No sentido literal das linhas abissais,
as fronteiras são verdadeiras vedações e campos de morte, as cidades são divididas em zonas
civilizada, prisões são divididas entre locais de detenção legal e locais de destruição brutal.
O outro lado desse movimento é o regresso do colonizador, ou seja, o resgate da
forma de governo colonial, o que seria denominado agora de governo indireto, ou seja, o
estado se retira da regulação social e os serviços públicos são privatizados.
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE
2.1. DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS
Boaventura distinguiu três formas de fascismo social, no caso narrados no livro
“Holocausto brasileiro” e no filme “Bicho de Sete Cabeças”, quais desses tipos de fascismo
podem ser relacionados?
2.2. DESCRIÇÃO DOS ARGUMENTOS
Fascismo Social
O fascismo social é totalmente verificado no filme Bicho de Sete Cabeças, pois, a
instituição da família pelo poder tutelar, físico e simbólico que exercem sobre os filhos, faz
com que estes se tornem dependentes de sua vontade, juridicamente até os 18 anos quando
atingem a maioridade e simbolicamente pelos laços afetivos e de sobrevivência.
O poder de veto que o fascismo social impõe a parte mais fraca sobre o modo de
vida, também fica evidente no filme, onde o personagem Neto, fruto de uma família
paternalista onde o diálogo não existia, não teve poder de escolha, seu futuro foi totalmente
decidida e imposta pelo pai, que supôs que o filho era drogado, sem ao menos ele ter tido
direito de defesa, ou seja, o extremismo absoluto do pai impõe ao filho uma situação
degradante e desumana.
Essa realidade, vivida no hospital, é tratada como o lado de lá, pois ao mesmo
tempo em que os incluem em um contexto, não lhes permite nenhum tipo de escolha, nem
liberdade, nem direito como indivíduo, diferente daquele ideal de sociedade que encontramos
na maioria dos países que acreditam na democracia atualmente.
“Pro lado de cá, não tem acesso, mesmo que me chamem
pelo nome, mesmo que admitam meu regresso. Toda vez
que eu vou, a porta some, a janela some na parede. A
palavra, de água, se dissolve…” – Pro lado de cá,
representando a sociedade livre por detrás dos muros do
hospital, não dá espaço para alguém que por algum motivo,
algum dia, foi excluído. (TRECHO DA MÚSICA: O
BURACO NO ESPELHO, TRILHA SONORA DO
FILME)
Entre internações e tentativas de se reestabelecer e reintegrar à sociedade, Neto
passa por diversas situações, convivendo no seu dia-a-dia com o preconceito, os medos, as
inseguranças e as sequelas causadas pelos intensos e absurdos tratamentos utilizados na
tentativa de ser “salvo”.
Todos aqueles que não se encaixam aos moldes da sociedade democrática que
deveria prezar pela liberdade, pelo culto às diferenças e pela justiça, e que, a partir do
momento em que determina moldes, deixam de praticar tudo aquilo que a conduziu ao seu
estado atual, são automaticamente marginalizados, caem facilmente no esquecimento. Assim
como tudo, as relações humanas, o respeito pelo outro, o respeito pelo espaço do outro, saíram
de moda muito rapidamente, se tornaram “cafona”, descartáveis.
Fascismo Contratual
Por conta da deficiência da regulação pública esses, os contratos de trabalho não
preconizam aspectos decisivos para a proteção dos consumidores e que por isso se tornam
extracontratuais ficando à mercê da benevolência das empresas. A partir desse momento elas
assumem a função de reguladoras sociais anteriormente exercidas pelo estado que ao deixar
faze-lo sem a participação dos cidadãos, torna-se conivente com a produção social do
fascismo colonial.
No caso do filme, fica claro, essa relação mercantilizada, quando o médico, figura
respeitada pela sociedade e representante daquela instituição, pleiteia incentivos do governo
instituição pelo número de pacientes existentes no local, ou seja, o estado transferiu a sua
responsabilidade pela saúde (direito fundamental constitucional) mental das pessoas a clinicas
particulares, poderosos atores não estatais adquire desta forma controle sobre as vidas e o bem
estar de vastas populações.
Em uma ligação feita pelo diretor do manicômio vemos outra denuncia da reforma
psiquiátrica: a mercantilização da loucura. É dado um incentivo a e para tanto não há
escrúpulos, o diretor diz: “pegaremos qualquer mendigo e lotaremos isso aqui!” (BICHO de
sete cabeças, 2001).
2.3. DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES
Os valores sociais, encontrados no filme Bicho de Sete Cabeças, torna clara a
atitude da sociedade com qualquer pessoa que demonstra algum comportamento diferente, ou
seja, que está fora daquilo que a mesma considera normal.
No livro “Holocausto brasileiro” percebe-se que os “loucos” eram apenas pessoas
diferentes que “ameaçavam” a ordem pública e os valores sociais da época. Por isso, o
Colônia tornou se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras,
alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de
indesejados, inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de
limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória,
desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar (ARBEX, 2013).
REFERÊNCIAS
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício
do Brasil. São Paulo: Geração, 2013.
BICHO de sete cabeças. Direção: Laís Bodanzky. Interpretes: Othon Bastos; Rodrigo
Santoro; Kássia Kiss. Roteiro: Luiz Bolognesi. Brasil: Colúmbia Pictures do Brasil, 2001, 1
DVD (1h14min).
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.)
Epistemologias do Sul. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 2009.