Case 1 a Lenda Do Peixinho Vermelho ALUNOS

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1 CULTURA E MUDANÇA ORGANIZACIONAL: em busca da compreensão sobre o dilema das organizações Carmem Dias Monteiro, Elvira Cruvinel Ventura e Patrícia Nassif da Cruz 1 Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho No centro de formoso jardim, havia um grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa. Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita. Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça. Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho menosprezado de todos. Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos. Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso. O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome. Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse. Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasião de aguaceiros. Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro. À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo: "Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?" Optou pela mudança. Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima. Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista pelo rego d'água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperança... Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos. Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhes mais fácil roteiro. Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo. Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais. Conseguiu, desse modo, atingir o oceano, ébrio de novidade e sedento de estudo. De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária. 1 Carmem Dias Monteiro, Elvira Cruvinel Ventura e Patrícia Nassif da Cruz (Originalmente publicado no Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 8, p. 69-80, primeiro trimestre 1999).

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    CULTURA E MUDANA ORGANIZACIONAL: em busca da compreenso sobre o dilema das organizaes

    Carmem Dias Monteiro, Elvira Cruvinel Ventura e Patrcia Nassif da Cruz1

    Antiga Lenda Egpcia do Peixinho Vermelho

    No centro de formoso jardim, havia um grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa.

    Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas guas, do outro lado, atravs de grade muito estreita.

    Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes a se refestelarem, ndios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidados de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguia. Junto deles, porm, havia um peixinho vermelho menosprezado de todos.

    No conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.

    Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvrias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.

    O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela cancula ou atormentado de fome.

    No encontrando pouso no vastssimo domiclio, o pobrezinho no dispunha de tempo para muito lazer e comeou a estudar com bastante interesse.

    Fez o inventrio de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poo, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com preciso, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasio de aguaceiros.

    Depois de muito tempo, custa de longas perquiries, encontrou a grade do escoadouro.

    frente da imprevista oportunidade de aventura benfica, refletiu consigo:

    "No ser melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?"

    Optou pela mudana.

    Apesar de macrrimo pela absteno completa de qualquer conforto, perdeu vrias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitssima.

    Pronunciando votos renovadores, avanou, otimista pelo rego d'gua, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperana...

    Em breve, alcanou grande rio e fez inmeros conhecimentos.

    Encontrou peixes de muitas famlias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalos da marcha e descortinando-lhes mais fcil roteiro.

    Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcaes e pontes, palcios e veculos, cabanas e arvoredo.

    Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais.

    Conseguiu, desse modo, atingir o oceano, brio de novidade e sedento de estudo.

    De incio, porm, fascinado pela paixo de observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda gua do lago em que vivera no seria mais que diminuta rao; impressionado com o espetculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituam a primeira refeio diria.

    1 Carmem Dias Monteiro, Elvira Cruvinel Ventura e Patrcia Nassif da Cruz (Originalmente publicado no Caderno de

    Pesquisas em Administrao, So Paulo, v. 1, n. 8, p. 69-80, primeiro trimestre 1999).

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    Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando proteo no bojo do monstro e, no obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetceo comeou a soluar e vomitou, restituindo-o s correntes marinhas.

    O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpticas e aprendeu a evitar os perigos e tentaes.

    Plenamente transformado sem suas concepes do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas mveis e flores diferentes no seio das guas. Sobretudo, descobriu a existncia de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.

    Vivia, agora, sorridente e calmo, no palcio de coral que elegera, com centenas de amigos, para residncia ditosa, quando, aos se referir ao seu comeo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquticas dispunham de mais slida garantia de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as guas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.

    O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixo daqueles com quem convivera na infncia, deliberou consagrar-se obra do progresso e salvao deles.

    No seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? No seria nobre ampar-los, prestando-lhes o tempo valiosas informaes?

    No hesitou.

    Fortalecido pela generosidade de irmos benfeitores que com ele viviam no palcio de coral, compreendeu comprida viagem de volta.

    Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.

    Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e servio a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supes que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ningum se mexia.

    Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de ltus, de onde saam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezveis.

    Gritou que voltara a casa, mas no houve quem lhe prestasse ateno, porquanto ningum, ali havia dado pela ausncia dele. Ridicularizado, procurou, ento, o Rei de guelras enormes e comunicou-lhe a reveladora aventura.

    O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.

    O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com nfase, que havia outro mundo lquido, glorioso e sem fim. Aquele poo era uma insignificncia que podia desaparecer de momento para outro. Alm do escoadouro prximo desdobravam-se outra vida e outra experincia. L fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o servio de tainhas e salmes, de trutas e esqualos. Deu notcias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o cu repleto de astros sublimes e que descobrira rvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palcio do coral, onde viveriam todos, prsperos e tranqilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porm, tinha igualmente seu preo. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessrio aventurosa jornada.

    Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleo. Ningum acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida alm do poo era francamente impossvel, que aquela histria de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de crebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.

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    O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele at grade de escoamento e, tentando de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:

    "No vs que no cabe aqui nem uma s das minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! No nos perturbe o bem-estar...Nosso lago o centro do universo...Ningum possui vida igual nossa!"

    Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no palcio de coral, aguardando o tempo.

    Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca.

    As guas desceram de nvel. E o poo onde vivam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a perecer, atolada na lama...

    Apresentada a histria, faremos agora associaes entre alguns elementos do texto e aqueles elementos que encontramos na cultura de uma organizao, notadamente a dificuldade em gerir a mudana e o papel fundamental do agente de mudana (embora, nesta histria, ele no tenha conseguido "salvar" a sua comunidade "organizacional"). Ou seja, quais os elementos do texto que podem representar:

    a Organizao,

    a Cultura Organizacional,

    o Poder nas Organizaes,

    o Agente de Mudanas,

    o Universo de insero das organizaes,

    os Obstculos para a Mudana,

    o Perigo da Precipitao,

    o Destino das Organizaes Estanques

    o Futuro das Organizaes.

    Outros elementos diferentes dos citados acima podem e devem ser citados.