Casamento de Experiência

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  • 7/25/2019 Casamento de Experincia

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    Duan Harford vivia cercado de mulheres e

    aduladores, levava uma vida em meio a festas,diverses e esbanjamento. Quando descobriu que

    havia herdado os negcios de seu tio, conheceuJane, uma eficiente mulher de negcios que noestava disposta a entregar a empresa para Duan semantes tentar salv-lo de si mesmo. Precisavadespertar nele o interesse pela Harford, pelos

    problemas que estavam enfrentando com golpistas, efaz-lo lutar pelo seu patrimnio.

    No seria uma tarefa simples. Para comear,teve que casar-se com Duan por capricho, at queele se sentisse curado de sua paixo por ela. Jane

    teria que suportar todas as mulheres de Duan, etodas as suas recadas e vcios pela vida que ofascinava. O amor que ela sentia pela Harford estavacomeando a se estender perigosamente para seuirresponsvel marido, que seria seu at que aexperincia do casamento o libertasse.

    Disponibilizao: Marisa Helena, Digitalizao: Marina, Revisao: Talissa

    Traduo de OLIVEIRA RIBEIRONETODo original ingls: ORDEAL BY MARRIAGE

    1960Direitos para a lngua portuguesa adquiridos pela

    COMPANHIA EDITORA NACIONALImpresso nos Estados Unidos do BrasilPrinted in the United States of Brazil

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    CAPITULO INo campode plo de Ranelagh, lindo e resplandecente sob o sol quente de junho,alegre multido se comprimia: mulheres elegantes e cavalheiros distintos, vindos parao nico fim de gozar rpida e excitante partida de um bonito jogo.

    Nessas circunstncias at parecia ridculo que se pensasse em desastres. E comcerteza, quando Duan Harford saiu do pavilho, frio e correto na roupa de plo, parareunir-se a um pequeno grupo de rapazes, enquanto com eles atravessava calmamenteo gramado em largos passos, ningum sups, ainda que de longe, que a catstrofe no

    s lhe ocupava o pensamento como estava iminente.Talvez estivesse falando de maneira bastante afetada e se risse um poucobarulhentamente; talvez mesmo houvesse no seu jeito uma certa desateno. Masnenhuma dessas coisas era de se admirar em Duan Harford.

    De quase quatro anos para c, somente de um defeito podia ser acusado: de tertido dinheiro demais e no fazer coisa alguma que valesse a pena. Eis, em poucas

    palavras, a histria da sua vida at o presente:Jamais conhecera famlia prpria; nunca soubera o que significa poder dizer

    "minha gente"; disso, naturalmente, se ressentia, o que, se no bastante paradesculp-lo, no deixa entretanto de ser penoso.Tinha como nico parente o velho tio Jeremias, que lhe cuidara da educao; eis o

    pior arremedo que se possa conceber de uma famlia.O tio era dessas pessoas que acham que as crianas so para ser vistas e nunca

    para serem ouvidas; que poupar-lhes o chicote, seja qual for o caso, corromp-lasirrevogavelmente; e quem pensasse ou sentisse diferente, com isso demonstravaapenas ser um imbecil ou um patife. Intil, pois, dizer-se que, em menino, Duan foi

    contrariado em todos os impulsos e desejos.Para ele planejara cuidadosamente o tio Jeremias carreira das mais enfadonhas,em Liverpool, no seu prprio negcio de importao (mercadorias orientais e outrasdo ramo).

    Ao completar 21 anos que o rapaz herdou a fortuna deixada pelo pai. Jamaissoube que deveria receber esse dinheiro, pois o velho parente cuidadosamente lheescondera esta circunstncia para que no crescesse tendo em vista outra idia queno a de importao. Por isso a herana, alis considervel, veio ter-lhe s mos

    como a possibilidade deslumbrante de uma liberdade inesperada. E resolveu libertar-se.

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    O tio Jeremias podia argumentar, prometer ou ameaar. Duan se recusouabsolutamente a escutar o que ele chamava "a razo". Tendo passado a vida toda emsua companhia, pensava o rapaz que quem tivesse a ocasio de se libertar, e no aaproveitasse, no teria o direito de usar a palavra "razo".

    Depois de discusses interminveis, Duan abandonou finalmente o lar do tio.Com muito dinheiro para desperdiar, comeou vida nova de moo ocioso.

    A guerra estava para acabar, quando atingiu a idade de ser soldado; assim, teveque servir apenas durante os ltimos meses, o tempo necessrio para gozar dasglrias sem correr perigo, tirando a farda logo que foi assinado o armistcio.

    Alto e esbelto, se no era bonito era de uma simpatia encantadora que chamava aateno, especialmente das mulheres. Com tanto sucesso tinha gasto a fortuna, queagora, aos vinte e quatro anos, encarando o mundo e pondo a mo no corao, podia

    jurar solene e verdadeiramente que, durante esses quatro anos da sua vida de mooelegante, no se fizera culpado de nenhum trabalho realmente til, nem do mnimoimpulso generoso, nem da menor emoo que valesse a pena.

    So essas as circunstncias em que encontramos Duan Harford, naquela lindatarde de junho, dirigindo-se atravs do gramado para as rvores a cuja sombra o

    palafreneiro lhe guardava o pnei. Nero tocava lira enquanto Roma ardia murmurou. Por que ento no

    haveria eu de jogar plo?

    Deu uma gargalhada e continuou:Meus amigos, essa de fato a minha ltima partida.Da mesma forma que o "manhattan" que voc est bebendo sempre o seu

    ltimo coquetel?perguntou Jack Somers. Ou do mesmo jeito que sua "deusa" atual ser o seu ltimo amor?

    acrescentou Mason Clavering, rindo-se despreocupadamente.Ou ainda que a perdida no momento sempre a sua ltima aposta?rematou

    Charles Villiers.

    O pequeno Teodoro Penn permaneceu calado, sendo a ligeira palestrainterrompida pela chegada barulhenta de trs bonitas criaturas: Tommee, Billie eTonee, famosas mariposas da Revista do Teatro Folly, que, esvoaando graciosasvieram pousar-lhe frente.

    Ol, Duan! Como vai?gritaram em coro.Ele sorriu, maquinalmente:

    timo, obrigado. E vocs, que contam de novo? Continuamos esperando que milionrios com dentes de ouro queiram

    transformar-nos em vivas lindas e ricasacudiu Billie, sacudindo os cachos ruivos

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    e brilhantes sob as abas finas do chapu.Voc nos esqueceu vergonhosamente nestes quinze diasdisse Tommee.

    Vamos cear hoje, depois do espetculo? Gostaria muito, Tommee respondeu Duan mas no posso. Sinto

    bastante, mas isto impossvel.Na recusa de Duan havia um certo embarao que discordava do seu carter.

    Tommee logo o notou, tornando-se-lhe, de repente, astuciosos os olhos castanhos:Que isso? disse, ameaando-o com o dedo. Ser que o nosso Duan

    pensa em se casar, e ter-lhe-ia a noiva proibido de sair conosco?Entretanto, haviam alcanado a sombra, onde "Midge", pnei favorito de Duan, o

    saudou rinchando, enquanto Hooton, o palafreneiro, com a sua cara de jqueiaposentado, levava a mo ao bon, contraindo a boca num ar triste que sempre tinha.

    Matrimnio e Duan Harford... comentou Somers. A esto duas idiasque no concordam.

    Quem sabe? disse Clavering. O nosso Duan corajoso, as dificuldades ofascinam. E quando o perigo ameaa...O resto se perdeu em meio de risadas.

    De resto interveio Teodoro Penn, com voz desagradvel e spera seriauma nova experincia... E que mais poderia desejar um experimentador nato?

    Teodoro Penn era um homenzinho sardnico, de meia-idade, de cara ressequida eenrugada, onde desabrochava um sorriso de carranca; o gosto extravagante com que

    se vestia dava-lhe um ar de manequim vivo. Dizia-se que o que ele no sabia domundo, da carne e do diabo, no valia a pena de se aprender; mas como ningum oconhecia a fundo, o que dele se dizia no era para se tomar em considerao.

    Entodisse Tommee com despeitoperguntem a Laura Fane... e vejam oque ela tem para dizer.Virou as costas para a linda mulher que se aproximava:Sempre melhor obter informaes de primeira mo.

    E riu-se maliciosamente, apontando a cara enrubescida de Duan.Laura Fane, de cabelos pretos e olhos escuros, cuidadosamente pintada e

    impecavelmente vestida, aproximou-se, estendendo languidamente dois dedos paraDuan. Saudou os outros com ligeira inclinao da cabea, e perguntou

    preguiosamente:De que se trata?Estvamos procurando descobrir o porqu da repentina mudana de Duan

    disse Somers. Tommee sugeriu o matrimnio. Por acaso, Laura, poderia vocesclarecer melhor o caso?

    Laura Fane passeou os olhos alternativamente de Duan a Somers.

    Muitas histrias se contavam a respeito de Laura. Supunha-se que se casara pelo

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    menos duas vezes, principiando a carreira matrimonial mais ou menos aos dezesseteanos, e que perdera ambos os maridos na guerra. Nessa roda ftil e descuidada poucose perguntava e muito pouco se sabia acerca dos companheiros. Fiavam-se nasaparncias e classificavam a gente pela grossura da carteira. Era esse o nico padro,

    e Laura sempre conseguiu apresentar-se devidamente. O fato de ela viver de crdito echeia de dvidas, no importava a ninguma no ser aos credores.

    Dela agora se sabia que era uma viva muito atraente e ainda moa, sendocorrente a opinio de que, se existisse uma mulher capaz de reter o volvel Duan noslaos do matrimnio, provavelmente havia de ser Laura.

    E disso a prpria Laura tinha mais certeza do que ningum. As suas dvidasaumentavam de maneira assustadora e no restava dvida de que ela precisava fazeralguma coisa. Pouco se importava o que ou com quem...

    Talvez possa esclarecer o caso, mas no quero respondeu ela a Somers,com uma espcie de impudncia negligente que maravilhosamente lhe assentava.

    Mas veja bem! Duan, o nosso Duan, o nico no gnero, est apresentando osprimeiros e fatais sintomas de mudana!insistiu Somers.

    De fato interrompeu Tommee segurando as outras duas moas pelobrao, o ar se est tornando irrespirvel... Vamo-nos, queridas...

    E o trio de borboletas se retirou, entre risos.Laura no fez caso. Segura de si e de Duan, dele se apoderou, levando-o de lado,

    onde lhe falou em voz baixa e confidencial. Olhava-o com olhos ternos e aveludados,acariciando-o com os longos dedos. Despediu-se, finalmente, deixando claramente amo entre as do moo.

    Boa noite, querido, disse docemente ao deix-lo.Se me permitir, vou acompanh-la ofereceu-se o pequeno Teodoro Penn,

    seguindo-a.No se incomoderespondeu a moa, pois no havia em todo o mundo uma

    s pessoa que ela detestasse mais do que Teodoro Penn, que lhe dava sempre a

    impresso desconcertante de que podia ler no pensamento, mormente quando aolhava, como fazia agora, atravs do monculo. Mas como no teve a coragem derecusar-lhe a companhia seguiram juntos.

    Entoinsinuou Somerspodemos ou no felicit-lo?Ora, basta de tolices!disse Duan, com voz de repente to alterada que ps

    termo frvola palestra. J no restava dvida de que ali estava mesmo um Duan queno o costumeiro. Esse no era mais o rapaz com quem passaram tantas horasdespreocupadas, aproveitando-lhe o automvel e os cavalos, comendo e bebendo

    sempre sua custa.

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    Mas, Duanperguntou Villiersque tem voc afinal?O moo, distrado, acariciava o pescoo lustroso de Midge. Olhava para longe,

    para o outro lado do gramado, para Penn e Laura, notando, numa semi-inconscincia,que estavam parados. Penn parecia falar muito seriamente com Laura que, de repente,

    o deixou; este, depois de ligeira inclinao de cabea, dirigiu-se para o lado dosamigos. Quando ele chegou, Duan levantou bruscamente o rosto, e encarando o

    pequeno grupo, disse de maneira spera:Meus amigos, preciso dizer-lhes: Estou completamente arruinado.Houve um silncio curioso, inquieto; depois do que Jack Somers riu-se

    nervosamente.Ser uma brincadeira?perguntou.Levaram algum tempo para compreender que isto era a pura verdade, e que afinal

    o bolso generoso e inesgotvel se esvaziara.Ento vocs acham que sem isso eu me conformaria em viver como um porco,

    num hotelzinho sujo, em vez de ficar no apartamento?perguntou ele. Mas... voc falou em consertos interrompeu Somers disse que estava

    modernizando a casa...Disse, mas no verdaderespondeu ele.Deixei-o porque no tinha mais

    coragem para enfrentar os credores que me perseguiam.Arre!atalhou Villiers.Que azar!

    No se desanime; se no me engano, voc ainda encontrar dinheiro ondeachou o primeiro...sugeriu Clavering.

    Nem um tosto!insistiu Duan, que teve muito trabalho para conseguir queo acreditassem, sendo-lhe preciso entrar em toda a espcie de detalhes penosos antesde persuadi-los.

    Depois disso, nunca se pde lembrar exatamente do que disseram; ouviu um vagomurmrio de consolo e teve a ntida impresso de que os olhos o estavam acusando,enquanto os lbios proferiam palavras de simpatia.

    Incendiaram-se-lhe as faces. Erguendo um pouco mais a cabea, olhou um decada vez.

    Posso contar com vocs, ou no?perguntou provocante.Todos efusivamente lhe protestaram amizade, mas logo se afastaram sob vagos

    pretextos. Despediram-se de maneira embaraada e com inmeras desculpas, verdade, mas nem por isso deixaram de se retirar. Com os outros, tambm se foiTeodoro Penn.

    Duan seguiu-os com o olhar amargurado. Abandonavam-no, dele fugiam como de

    um morftico! Fechou os punhos nervosamente. E mais uma vez um Favorito dos

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    Deuses da Frivolidade experimentou a dor de se ver subitamente rejeitado.Quanto tempo ficou ele fremindo de furor no o poderia dizer, mas sbito, vendo

    a alguma distncia Laura Fane, que se dirigia para a sada, mudou de expresso.Sentiu-se invadido pelo sentimento da solido. Quis cham-la, pedir que ficasse a

    seu lado. Havia um momento olhava-o com tanta ternura, acariciara to docemente asua mo! Sem dvida, ela...

    No sabia ainda que Teodoro Penn, com a voz irritante, se tinha encarregado delhe transmitir as notcias que ele dera aos trs homens. No poderia pensar que toda adoura lhe abandonara os olhos, que ela estava espantada com a prpria situao eindignada contra ele que lhe destrura os planos.

    Absolutamente no podia o rapaz saber disso, pois no tinha a mnima idia deque Penn conhecesse coisa alguma dos seus negcios. Mas que Penn possua o

    segredo de conseguir saber da vida de toda gente. Era essa uma das suasespecialidades.

    Duan acompanhou com os olhos os trs homens que desapareciam atrs dopavilho. E no se pde conter:

    Que vo para o diabo!Muito bem, senhordisse uma voz atrs dele.Ao virar-se, encontrou Hooton, com o sorriso melanclico de sempre.

    Oh! Tinha-me esquecido de vocdisse de mau humor.

    Compreendo, senhorrespondeu Hooton, com os ares magnnimos de quemaceita desculpas.

    Ouviu o que lhes disse?Com a cabea, Duan indicou a direo tomada pelos rapazes.

    Alguma coisa, senhor.Voc bem sabe que ouviu tudo.J que o senhor o afirma...Ento j sabe que deve procurar outra colocao?

    Sim, senhor.O melhor que posso fazer pedir ao Sr. Villiers que lhe d um emprego.Ele monta mal, senhor.Ento, talvez o Sr. Somers.No sabe conduzir o cavalo, senhor. Oh! Ento a outro companheiro. Qualquer ficar muito satisfeito em t-lo

    como empregado!Mas Hooton j estava farto.No pensemos nisso, senhor, no pensemos nissomurmurou cansado.

    Duan abaixou os olhos para o pequeno palafreneiro. Hooton levantou os seus para

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    o patro.Mas eu no terei mais cavalos, seu estpido!A violncia do modo mal lhe disfarava a emoo.

    Ento guiarei o carro, senhor. Um pouco de tudo, sempre foi o meu lema!

    No seja idiota! No terei mais carro!... Ora bolas, senhor! gritou Hooton num rompante. J que assim

    empurrarei o carrinho de mo... mas, por enquanto, acho bom o senhor montar acavalo e entrar no campo, antes que o insultem por estar atrasando o jogo!...

    Sem outra palavra no conseguiria falar no momento, nem que fosse parasalvar a prpria vidaDuan obedeceu, e a partida comeou.

    Era pssimo o seu humor; sentia-se amargamente ressentido: contra a sorte quelhe virara as costas, contra os que se diziam seus amigos e que a imitaram... Que

    amigos! Abandon-lo desse modo, depois de terem disposto da sua fortuna durantetrs anos seguidos...

    No podia concentrar a ateno na partida e bem sentia que estava jogandopessimamente. Se pudesse esquecer os olhares de Somers, de Clavering, de Villiers,esses olhares acusadores, esses olhares de compaixo, de desprezo... Amaldioou-osintimamente e percebeu que perdera uma ocasio maravilhosa de colher a bola...Depois disso, no lhe foi possvel fazer mais nada do que queria. Cada vez que agia

    parecia errar propositadamente. Durante os dois primeiros tempos, sentiu-se aturdido

    e triste; no terceiro, atingira ao mais frio desespero. Midge, parecendo consciente doseu estado, tornou-se empacadora e cabeuda.

    Conseguiu afinal pegar a bola e desatou a correr. Mas, em vez de conservar osangue frio, essa reviravolta da sorte o excitou... Consigo mesmo, dizia: Calma,vamos, calma. Mas o humor lhe estava to varivel, to incerto, que ele passou, derepente, de seu primitivo jogo a uma atuao brilhante. Tornou-se temerrio, na nsiade recuperar o tempo perdido; para esquivar-se de um adversrio muito prximo, fezcom que Midge se virasse com rapidez mal calculada; o pnei resistiu, escorregou,

    contraiu os msculos para se endireitar, mas acabou caindo.Duan teve a sensao de ser atirado ao ar como um foguete e de que a terra subia

    vertiginosamente ao seu encontro. Um choque terrvel... e depois a mais completaconfuso.

    Quando voltou a si, verificou que sofrera apenas leves contuses e a luxao deum tornozelo. Hooton o conduzia para casa, num txi, depois de lhe terem sidoministrados os primeiros socorros, estando o pnei fora de perigo.

    Que maada, Hootondisse Duan, cansadamente, sentindo o corpo dolorido.

    H mais de uma semana que no vou ao apartamento, e s Deus sabe quem que

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    vou encontrar na porta, esperando, com um revlver numa das mos e uma conta naoutra.Recostou-se melhor, fechando os olhos.

    Mas o senhor no pode ir para o hospitaldisse Hooton. verdade, no posso. Mas, Hooton, que azar tenho nisso tudo, no? Que teria

    feito para merec-lo? Isso que me d raiva!Era amargurada a sua expresso, ao voltar-se para o palafreneiro.

    A sorte... Questo de sorte, senhor. Boa ou m, no pode ser contrariada. melhor conformar-se.

    No quero consolo de ningum!... E persisto em pensar que fui muitomaltratado...tornou Duan, enervado com os acontecimentos do dia.

    Fechou novamente os olhos, exprimindo terrvel mau humor.Ao descer do txi, em frente porta de sua casa, Duan ainda achou meio de bater

    com o tornozelo machucado. Foi to aguda a dor que sentiu que quase desmaiou.Agarrou-se a Hooton, enquanto que uma nuvem vermelha parecia subir da terraameaando envolv-lo. Deu alguns passos hesitantes, e a nuvem se cobriu de

    pontinhos pretos fazendo um redemoinho. Atravs da zoeira dos ouvidos, ouviu umavoz desconhecida que dizia:

    Ser que posso ajudar?Foi apenas um desmaio comum, mas ele teve a sensao de ser lanado, pela

    porta de entrada da sua casa, num longo e escuro tnel.

    CAPITULO IIQuando voltou a si, a primeira coisa que percebeu foi que estava em casa, deitado

    no sof de couro, e que algum se inclinava sobre ele aplicando-lhe na fronte umacoisa fria algum que permanecia sobre-humanamente quieta, dando a impressode ser toda ouro e luz.

    Que era mulher, seus olhos, apesar de nublados, o percebiam. Mas quem seria?

    A Sra. Bradford, sua senhoria, antes parecia um saco de penas; e um saco depenas nada tem de radiante nem de dourado.

    Quem seria, ento?Despertando lentamente, seu crebro lutava para resolver o problema. Procurou

    recordar-se de todas as suas amizades femininas. Laura Fane? Era morena. Tommee,Billie, Tonee: morena, ruiva, morena... Engraado, todas pareciam ser morenas ouruivas...

    Sem querer, falou em voz alta, que lhe parecia chegar de longe:Pois bem, desisto. Seja l como for, afinal aqui estou.

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    O resplendor dourado se aproximou um pouco mais e aquela mesma voz quedisse antes: Ser que posso ajudar?, agora perguntou, lmpida e musical.

    Aqui?. Aqui no cu, sabe? Com certeza entrei, aproveitando qualquer descuido de

    So Pedro.Riu-se fracamente.Ah! Simdisse a voz sossegadamente.Mas no foi desta vez. Ento disse Duan, fazendo com a mo um gesto incerto como pode

    explicar a apario do anjo com o halo de luz?A voz no explicou, mas disse:

    Quero que o senhor beba isso. Deixe-me levantar-lhe a cabea.Um brao se insinuou por baixo do travesseiro, erguendo-o ligeiramente. Um

    copo foi-lhe chegado aos lbios e, obedientemente, o moo bebeu uma dose de

    conhaque puro.As coisas comearam a se concretizar e ele percebeu que estava olhando para o

    rosto completamente estranho, emoldurado nos cabelos dourados mais macios ebrilhantes que jamais tinha vistode uma jovem totalmente desconhecida.

    Esta f-lo abaixar a cabea e endireitou-se.No est melhor?perguntou, animando-o.Muito. Enquanto recobrava os sentidos, permaneceu calado. Obrigado

    acrescentou pouco depois.

    E ficou olhando para a moa.Era esbelta, e como estivesse de p a seu lado, parecia-lhe alta (ele jamais gostara

    de mulheres altas). Vestia um vestido cinzento claro, de linhas retas, com a gola e ospunhos brancos. O rosto era de feies particularmente suaves; no era bonita, Duanlogo se convenceu. Tirara o chapu. Os cabelos eram lindos para quem admirassecabelos loiros, o que no era o seu caso. Desgostoso, reconheceu que nem de longe se

    parecia com o tipo de mulher que sempre o interessara.E cortesmente, perguntou:

    A senhora teria a bondade de me explicar?...O senhor no se lembra mesmo de nada?disse ela sorrindo.Ele gemeu, ao reviver, com essa resposta, todos os acontecimentos do dia:

    Lembro-me de muita coisadisse com ar aborrecidomas no me recordoda senhora! Desculpe-me. Ser que eu devo lembrar-me de si, e que o golpe querecebi na cabea me fez perder parte da memria?

    No. O senhor no me conhece pessoalmente.No seria melhor buscar algum que nos apresentasse? Sorriu fracamente.

    A dor que sentia no p era intensa.

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    Ela lhe correspondeu o sorriso, dando-lhe a impresso de que at o sorriso, nela,era calmo e medido.

    Eu mesma o farei. Chamo-me Clare.Sbito veio-lhe um desejo perfeitamente ridculo de lhe quebrar a serenidade, de

    v-la desconcertada, enrubescida.A senhora muito amvel de me dar o seu prenome, quando nos conhecemos

    h to pouco tempo... Seus olhos brilharam novamente com audcia.Clare o meu sobrenomeexplicou ela, secamente.Ah!interrompeu ele, bastante embaraado.Sou a secretria do Sr. Voyle. O Sr. Voyle repetiu Duan, como se com o nome procurasse despertar a

    memria. Foi em vo.Ser que o conheo?

    O Sr. Voyle o seu administrador.Duan franziu as sobrancelhas, desorientado.

    Como? Eu tenho um administrador?No se assuste. Logo o senhor se lembrar...Duan, que sempre se irritava com ser tratado ternamente como uma criana,

    soltou um suspiro. Clare sentou-se, tirando o chapu de uma poltrona.Agora ela lhe parecia menor, e ele podia ver-lhe o rosto numa perspectiva mais

    natural. O perfil, que se desenhava contra a janela, pareceu-lhe friamente penetrante;

    mas, apesar disso, no era frio nas suas linhas... E desejou, com um pouco devaidade, que ela no fosse to longnqua.

    No estava acostumado a ser tratado como criana pelas mulheres. Suas amizadescom o sexo fraco tinham sido sobretudo uma srie de escaramuas numa eterna linhade fogo.

    Mas essa moa parecia consider-lo simples e unicamente como um objeto deque, por enquanto, estivesse cuidando. Isso o irritou.

    Endireitou-se um pouco, apoiado no cotovelo.

    Como sabe que hei de me lembrar? Detesto no compreender as coisas...E num gesto fora de propsito, no apenas como uma criana, mas como uma

    criana geniosa, golpeou com os punhos o sof de couro.Calma, calmaexclamou a Srta. Clare, levantando-se e acudindo. Com uma

    das mos hbeis obrigou-o a se deitar no travesseiro e pegando-lhe o punho entre osdedos firmes e o polegar, tomou-lhe o pulso.

    No pde deixar de rir-se apesar de lhe doer o p. Encarou-a, divertido, mas elano tirava os olhos do relgio.

    No sei como pude chegar a confundir uma pessoa to competente como um

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    anjodisse brincando.Mas a Srta. Clare no queria brincar e continuou a tomar-lhe o pulso.

    Os anjos no so competentes continuou ele.Cometem coisas que nadatm de ajuizado, como por exemplo andar descalos sobre nuvens midas.

    A Srta. Clare continuava tomando o pulso.Os anjos no so...quis continuar. Mas ela deixou-lhe o punho como se ele

    nada tivesse falado, voltou para a poltrona dizendo secamente:Acho que est perfeitamente normal.Duan indignou-se. Quem sempre foi mimado e adulado durante quatro anos de

    vida fcil e feliz, quem tem sido o centro de uma roda que tudo quanto ele fazconsidera original e acertadssimo, recebendo com gargalhadas o menor trocadilho,no pode deixar de se indignar com o comportamento igual ao da Srta. Clare.

    Duan estava com vontade de sacudi-la. Tanto que, para no estender as mos eexecutar a prpria inteno, teve de se apressar em dizer:

    Srta. Clare, a senhora sabe quem eu sou?Naturalmente. Sendo a secretria do Sr. Voyle o seu nome me perfeitamente

    familiar.Mas, afinal, quem esse Sr. Voyle?No se lembra de ter recebido dele um telegrama dizendo que se apresentaria

    hoje de manh?

    No. Que que ele quer? Acaso lhe devo alguma coisa?Dever-lhe alguma coisa?Parecia-lhe absurda a idia do rapaz.

    No importa. Continue.Ela se inclinou ligeiramente, cruzando sobre os joelhos as mos hbeis.

    Ele veio de manh. Mas no foi atendido. Quis ento telefonar masresponderam-lhe que o aparelho tinha sido retirado.

    A Companhia Telefnica desligou. Essa gente egosta parece fazer questo de

    receber... E ento?disse Duan. Tencionando demorar-se apenas alguns dias na cidade e sendo urgente o

    negcio, o Sr. Voyle me mandou pedir-lhe uma entrevista, se possvel para amanh.Estava na porta, quando o trouxeram para casa. E o palafreneiro...

    Hootoninterrompeu Duan.Um dos melhores.Pois bem, ento Hooton me pediu para ajud-lo a tratar do senhor e a fazer-lhe

    companhia, enquanto ia buscar o mdico.A senhora foi muito amvel.

    No podia deix-lo abandonadorespondeu a Srta. Clare, como se estivesse

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    falando apenas de um mao de papel que lhe tivesse sido confiado. E tal foi o tomcom que falou, que Duan teve a sensao de ser de fato apenas um pacote de papel deembrulho. Sensao estranha e bastante desagradvel!

    melhor a senhora saberdisseQuem quer que seja, melhor que saiba!

    E ps-se a revelar-lhe a triste histria da sua situao financeira.Como v, nunca recebi o telegrama disse por fim pois no estava em

    casa. Os credores me tornaram a vida impossvel aqui. E no tenho cartas,telegramas, flores ou diamantes h mais de uma semana...

    Ficou a olh-la para ver como ia receber a notcia, esperando secretamente quedemonstrasse ter sentido o golpe. Qualquer coisa era prefervel a essaimpassibilidade. Qualquer coisa, contanto que ela cessasse de olh-lo de modo tofrio e calculado.

    Mas a resposta foi simples:Ah! Ento tambm no recebeu o aviso do advogado?No recebi.Ah! No falta de memria, porque no soube! Isso explica tudo.Explica? Como? Hooton me pediu para no o aborrecer declarou ela, olhando-o

    circunspecta.Mas a senhora no est vendo que me estou agitando precisamente porque no

    entendo?gritou Duan.A Srta. Clare no fez caso dessa impacincia.

    Acho melhor agir a meu mododisse a meia voz.Tenho toda certeza de que o seu modo a coisa mais acertada que se encontra

    em toda a imensido do mundo.Ela continuou a no fazer caso. Recostou-se na poltrona, refletiu, e disse afinal,

    com toda a seriedade:Sr. Harford, promete receber com calma as notcias que eu lhe der?

    Juro que serei absolutamente glacialprometeu Duan. que o choque pode ser violento...Terei grande satisfao em ouvir da sua parte qualquer coisa de chocante...Por favorprotestou ela.Isso no brinquedo! Srta. Clare respondeu Duan com olhos e voz provocantes ser que a

    senhora j disse alguma coisa na vida por brincadeira?No, mas quis dizer que desta vez ainda falava mais seriamente.No duvido. Mas ser que a senhora j falou alguma coisa que no fosse ultra

    sria?

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    Com esse humorismo Duan se divertia bastante custa da moa de olhar to frioque no conseguia se divertir.

    Trata-se do seu tio, Sr. Jeremias Harford...Que aconteceu?perguntou Duan, que se tornou atento de repente.

    Encarando-o a hesitar, a jovem continuou:Ele... morreu.Pobre velho tio Jeremias!exclamou Duan.No silncio que se seguiu, parecendo-lhe que da o estava observando, Duan disse

    bruscamente: Olhe. Tenho pena de todo mundo que morre, seja quem for. Deve ser to

    custoso! Mas no posso sentir a desolao sincera que a senhora provavelmenteesperava. Vamos deixar de hipocrisia: meu tio e eu nunca nos demos bem.

    J o supunha. Nunca o ouvi falar no senhor, mas imagino que devia ser difcila convivncia com ele.

    Dificlima, pode acreditar. No entanto, em questes de negcios, sempre se mostrou... Ela parou e

    continuou mais vivamente: O caso que deixou um testamento pelo qual nomeiao senhor seu herdeiro universal.

    Duan ergueu-se novamente sobre os cotovelos, olhando-a fixamente.De qu? Do velho negcio de importao?

    Ela confirmou com a cabea.Por que motivo?O senhor o nico sobrevivente dos Harfordinsinuou ela, lentamente.Deus meu!exclamou Duan arregalando ainda mais os olhos.O Sr. Voyle h muitos anos o administrador do negcio.A voz musical lhe chegava atravs do sbito redemoinho das idias.

    Ento no estou arruinado!gritou com o rosto congestionado.No estouarruinado! Passei por essas angstias inutilmente e, sem razo, aqueles desgraados

    me viraram as costas, fugiram de mim como de um morftico! Hei de me vingardesses malditos... Quanto dinheiro poderei tirar imediatamente do velho negcio?

    Deu uma risada e sem esperar a resposta continuou: Por favor, senhorita, toque a campainha, sim? E pea Sra. Bradford para

    trazer dois chs e uma poro de doces, de creme, tudo que quiser. Vamos celebrar!Quando esse meu tornozelo estpido estiver bom, faremos uma festa daquelas, no ?Oh! Como eu gostaria de v-la numa festa, como seria engraado v-la to deslocada!

    Deu mais uma gargalhada e prosseguiu:

    Meu Deus! Eu que pensava ter acabado a vida e eis que ela recomea!

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    Benditos sejam os velhos e mofados negcios de importao! Oh! Por favor, atire seuchapu para o ar e d um hurra em minha honra!

    Parou de pronto, ao observar que agora havia mesmo uma mudana na atitude daSrta. Clare. Por alguma razo inexplicvel, ela parecia sentida. Foi esse o nico termo

    que ele encontrou para lhe descrever o olhar.Apoiando-se ao sof, inclinou-se para ela:

    Preciso absolutamente de dinheiro, no compreende?Ficou admirado ao perceber que a expresso desses olhos o obrigava a procurar

    desculpas:No tenho vintm e estou devendo uma fortuna! Fui meter-me num hotelzinho

    sujo, e agora nem para isso tenho meios. Preciso absolutamente de dinheiro repetiu afinal, subitamente irritado contra ela, por ter que lhe dar explicaes, e

    consigo mesmo porque as deu.O negcio seudisse a moa calmamente. mesmo, e no vejo por que teria de dar explicaes ou pedir desculpas...

    senhoraconcluiu quase grosseiramente.De fato, no h razo para isso.Mas havia uma razo: o curioso olhar ressentido. No sabia por que havia isso de

    ser uma razo, mas o fato que o era.Ento, no me olhe desse mododisse nervosamente.

    Um pouco de vermelhido lhe subiu ao rosto.De que modo?perguntou, surpreendida.Como se se importasse! Como se fosse de sua conta!Ela corou ainda mais.

    Tenho estado nesse negcio desde os dezesseis anos disse em voz bastantebaixa.E no posso deixar de me interessar.

    Duan estava nervoso, exaltado, sofrendo, irritado contra ela e contra si mesmo poruma razo misteriosa que lhe dava vontade de maltrat-la. E disse asperamente:

    No tenha medo de perder o emprego. Se for esse o seu receio, pode sossegarque no a despedirei.

    Ela se havia levantado, firme e altiva. Duan no pde prosseguir, tal foi aimpresso de que sob essa aparncia fria e reservada alguma coisa ardia.

    No estivesse o senhor doente e nervoso, acho que eu levaria muito tempopara esquecer o que acaba de me dizerdisse com voz um pouco trmula.

    Houve um silncio que ela quebrou:Vou buscar-lhe ch.

    Chame a Sra. Bradford disse, mal-humorado, consciente de que tinha que

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    pedir desculpas jovem de cabelos de ouro embora no o quisesse fazer.A Sra. Bradford saiu.Ento chame o marido.Acho que tambm saiu.

    Os dois? Mas nunca saem juntos... Est muito bem, vou despedi-los...Alguma coisa na expresso da Srta. Clare f-lo acrescentar logo:

    A senhora quis dizer que saram ou que se despediram?Ela aprovou com a cabea a ltima hiptese.

    Eles tambm parecem fazer questo de receber o ordenado de vez em quando.Foi esse o recado encontrado por Hooton na mesa da cozinha, quando os foi buscar

    para que o ajudassem...Numa folha de papel, sobre a mesa, Duan leu:

    "Prezado senhor:

    No tendo sido pagos h mais de trs meses e no tendo o costume de nos

    rebaixarmos, eu e a Sra. Bradford achamos melhor ir para outro lugar, aproveitando

    uma vaga num timo emprego.

    Seu criado Ato. Obr. Bradford"

    Sim, senhores!gritou.Que grandssimos ces!A julgar pelos lbios da Srta. Clare, esta indignao parecia diverti-la muito.

    Mas de qualquer forma, quem lhes pregou uma pea fui eu finalizou com

    pueril satisfao.So capazes de adoecer quando souberem da verdade.Dirigiu-se a ela.

    Diga-me: no est ofendida comigo?Nofoi a resposta imediata.Por que?estranhou ele, como que lamentando o fato.Para que se ofender algum com o que os outros fazem?No sei. E sorrindo levemente acrescentou: Por que ficou ao meu lado,

    sabendo que sou um cnico incorrigvel?

    O senhor se esquece de que eu tambm sabia que tinha herdado o negcio deHarford.

    Dos seus lbios cerrados as palavras saiam frias como gelo.Duan permaneceu um momento silencioso, para dizer afinal, tranqilamente:

    Merecia esta sua resposta mas ser que a senhorita paga sempre assim,escrupulosamente, as suas dvidas?

    Ela no deu resposta.Agora mesmo, creio que a ofendiponderou ele momentos depois.

    Como ainda no obtivesse resposta, insistiu:

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    ou no ?J que era impossvel deixar de responder, ela admitiu simplesmente:

    , sim.Era a pura verdade, mas, no obstante, os olhos do rapaz mostraram que ele no

    esperava resposta to direta.Com certeza, o senhor esperava que eu respondesse: "Absolutamente no"?

    comentou a moa, desdenhosa.Ele implorou:

    Por favor, no ralhe tanto comigo.De novo, outro silncio.

    A senhora no quer desculpar-me?perguntou, depois de um momento.Quero.

    S isso?No o bastante? No dei resposta cabal sua pergunta?Com mil demnios! Poderia faz-lo um pouco menos friamente!Ela no replicou. Momentos depois, entrou Hooton, dizendo que o mdico

    chegaria dali a meia hora, e retirou-se para tratar do ch depois de receber as boasnotcias e de com elas se regozijar apesar da cara triste de sempre.

    A Srta. Clare ps o chapu, pegou as luvas e se despediu, apertando a mo queDuan lhe estendeu. Os dedos se uniram e desuniram convencionalmente, e com as

    costumadas maneiras comedidas ela se dirigiu para a porta.Agora que ela se ia embora, Duan sentia um grande desejo de ret-la:

    Escute, faa o favor de transmitir ao Sr. Voyle os meus cordiais cumprimentose diga-lhe que terei muito prazer em receb-lo amanh,

    Muito bemrespondeu ela, prosseguindo para a porta.Ser que a senhora me perdoou sinceramente?J disse que sim.Em suas palavras no transparecia a menor cordialidade.

    O desejo de ret-la aumentou. Ainda que fosse para salvar a prpria vida ele noteria podido dizer o que o obrigou a pronunciar estas palavras:

    Ento, prove-o dizendo-me seu prenome.Ela olhou-o surpreendida:

    isso, que pode demonstrar? Diga-o de qualquer forma pediu ele, percebendo subitamente quanto

    desejava conhec-lo.Janedisse ela. E saiu.

    Jane! No poderia deixar de ser esse o seu nome!

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    Recostou-se rindo, at que a dor no p lhe tirou o riso dos lbios.

    Quando, pouco mais tarde, Teodoro Penn veio visit-lo, encontrou-o de cama. Omdico que lhe tratou o p lhe ordenara completo repouso mandando tambm que a

    partir do dia seguinte e at segunda ordem Duan se conservasse no leito. Isso,acrescentando-se ao ocorrido, contribura para tornar o moo de mau humor, raivosoe excitado.

    Penn foi recebido com bastante frieza, pois a sua atitude durante a tarde, ao seguiro exemplo dos trs amigos das boas horas, o rebaixara no conceito de Duan. Alis,Hooton, o pequeno palafreneiro, quisera interditar-lhe a entrada.

    Um pouco frio, no? perguntou Duan, do seu grande e confortvel leito,enquanto que, empurrando Hooton, Penn entrava no quarto.

    No percebi a baixa da temperaturarespondeu Penn.Tinha entretanto a impresso de que h poucas horas baixara a zero.Ah! Sim! Isto freqente...concordou Penn, suavemente.Voc nada tem a dizer. Se aqueles canalhas me abandonaram, no me consta

    que voc tenha agido de modo diferente.Ante o sarcasmo de Duan, o sorriso de carranca de Penn descobriu duas fileiras

    de dentes artificiais extremamentes artsticos. que eu achei que aquele momento era oportuno para lhes dizer que no

    poderia continuar a v-losdisse Penn com a sua voz estranha.Oh, To!exclamou Duan, compreendendo logo.No se engane! que eu no gosto do modo de eles se vestirem esclareceu

    Penn.Mas durante alguns momentos as suas pequenas mos ossudas apertaram muito

    cordialmente as de Duan.Depois de um breve silncio, Duan chamou Hooton para pedir-lhe de beber.

    Olhe, Hooton, traga trs copos. Voc tambm vai tomar parte no brinde.

    Depois disso, Penn sentou-se aos ps da cama, como um periquito esperto. Duancontou-lhe os acontecimentos do dia desde a sua chegada ao apartamento depois daqueda. Disse da morte do tio Jeremias e do feliz testamento. Falou tambm da Srta.Clare, por sinal que bastante, muito mais do que poderia imaginar... Penn escutavatudo com interesse. Tanto assim que nem se lembrou de admirar-se de no ter sabidoantes de todas aquelas notcias. Na roda de Teodoro Penn era considerado quasemalcriado quem tivesse conhecimento da morte de um parente ou da herana de umafortuna enquanto ele ainda nada soubesse a respeito. E eis, agora, que lhe noticiavam

    essas duas coisas juntas, e que ainda por cima havia uma mulher no meio de tudo.

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    Ento voc afinal no est to arruinado? disse pondo o monculo eencarando Duan.

    Pelo contrrio, meu velhorespondeu este com exuberncia.No fosse op, e tudo correria s mil maravilhas.

    Oh! O p lhe dar tempo e oportunidade de somar os seus pecados.Que pecados! O dinheiro que eu vou somar! Que cara vo fazer aqueles trs

    infames quando forem publicadas as ltimas notcias sobre o seu Duanzinho! Voc selembra da forma por que Somers se afastou, quando, durante dois anos, a minha casatem sido dele para todos os efeitos? E Clavering? Aposto como esse gastou dois outrs jogos de pneus passeando com amiguinhas na minha barata. Canalhas! Como eusenti com isso, To, senti tanto!...

    Penn aprovou, com a cabea.

    Mas no faz mal continuou Duan. Foram-se. Para mim j no existemmais. E pode acreditar que vou escolher com muito cuidado quem me ajude a gastaressa nova mina de ouro. O futuro h de ser brilhantssimo, voc ver, To!

    Penn permaneceu calado um momento, para dizer depois, distraidamente:Os cabelos so loiros, no so?Loiros? Ah! Voc se refere Srta. Clare? Que tem ela a ver com isso?Nada. Estava pensando que uma loira no deixa de ser uma novidade entre as

    suas eternas morenas e ruivas...

    Pois continuo preferindo as morenas e as ruivas, ouviu? Viver com Jane Clare a mesma coisa que no viver. Se fria? Pois se bastante olh-la para que eu mesinta gelado!

    Isso tambm novidadeobservou Penn com a mesma abstrao. Perfeitamente. Jane uma novidade. Mas ela no vai intervir na fortuna do

    velho tio Jeremias. De to boa e desinteressada que , haveria de querer entregar odinheiro a qualquer associao beneficente...

    Boa e desinteressada! repetiu Penn, levantando as mos pequenas e dando

    ao rosto uma expresso cnica de espanto. Ento afaste-se j e j! Boa edesinteressada... que coisa mais fora de moda! E deu uma gargalhada constran-gida.

    Duan tambm riu, perfeitamente feliz. E continuou alegremente, fazendo planosde um brilhante futuro.

    CAPITULO III

    Todos os planos de riqueza fcil, que Duan edificou em sonhos naquela noite,

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    ruiram fragorosamente no dia seguinte, com a chegada do Sr. Voyle. Por este homemcorpulento, de olhos pequenos e maliciosos, soube que, longe de ser uma mina deouro, a firma Harford atravessava um perodo de assustadora calmaria. Tanto assimque quando Duan lhe perguntou qual a importncia que podia sacar com urgncia, o

    Sr. Voyle sugeriu uma quantia to miservel, segundo Duan, que no dava ao menospara pagar a conta da lavadeira.

    Deitado no sof, com ordens terminantes de no pousar o p doente no cho,Duan estava em tal posio que, para lhe falar, o gordo Sr. Voyle tinha de abaixar acabea, fazendo cair a papada sobre o colarinho numa infinidade de rugas:

    Sinto saber que o senhor est to mal de finanas. Pensava encontr-lo emboas condies econmicas...

    Ento o velho tio Jeremias nunca lhe falou em mim? No lhe disse que era um

    grande sem-vergonha que andava direitinho no caminho da perdio? estranhouDuan, com uma careta.

    Seu tio, senhor, era um cavalheiro muito reservado. Raras vezes, ou melhor,nunca falava em assuntos particulares... E, quanto a usar termos assim severos paracom o senhor, eu lhe garanto...

    E moveu a mo num tal gesto que Duan no pde deixar de pensar num peixenadando.

    Os negcios que vo para o inferno! Pensei que me tirassem de apuros! Mas o

    que foi que lhes aconteceu? Por que que vo indo mal? Antigamente andavamsempre excelentes!

    Ah! Isso foi em saudosos tempos idos, mas hoje em dia as condies somuito diferentes. Veja! Se o senhor me der licena de lhe explicar quanto a guerratransformou os negcios mundiais, tudo que se lhe seguiu... insinuouhumildemente.

    Oh! No, por favor, no faa isso!... Dos negcios s me interessa a renda. Osenhor no parece fazer uma idia exata das dificuldades em que me encontro

    disse Duan, usando do privilgio da franqueza sempre concedido a um doente.Com isto, o Sr. Voyle desistiu da conferncia sobre os costumes e hbitos do

    comrcio de aps-guerra, e voltou a tomar a sua expresso de tolerante simpatia. Com certeza insistiu Duan a firma poderia dispor de uns... cem... ou

    duzentos mil cruzeiros para que eu possa ir vivendo... O senhor compreende bem queeu estou completamente arruinado? Sem um vintm! E, ao que parece, isso no

    passageiro, mas permanente. Quem sabe se o senhor no encontraria quem meadiantasse o dinheiro, com a fiana de um negcio to antigo como o de Harford?

    Posso tentar disse o Sr. Voyle sem muito prometer. Porm, h uma

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    proposta que lhe devo transmitir, se bem que no saiba como o senhor vai receb-la.Olhou para Duan, com expresso de dvida.

    Algum plano?, mas no alimento grandes esperanas... No conheo a sua opinio nem a

    sua inteno a respeito do velho negcio. Se for um plano bom e lucrativo, a minha opinio no tem importncia

    exclamou Duan alegremente.O Sr. Voyle passou, ainda que com certas reticncias, a desenvolver o projeto:

    H poucos dias, fizeram-me, para transmitir-lhe, uma proposta para a comprada Harford... alis uma das razes que me fizeram querer encontr-lo com urgncia.

    Duan aproximou-se, escutando atentamente.Uma oferta decente?

    Muito razovel, dadas as circunstncias desfavorveis por que passa onegcio. Trata-se exatamente de dois milhes de cruzeiros...

    Com os olhos maliciosos, Voyle estudava o rosto subitamente ruborizado dorapaz, com uma ateno que a este escapava. Voyle tinha um jeito todo especial dever as coisas, sem parecer observ-las. O olhar que lanou a Duan mostrou-lhe uma

    poro de fatos: a fatal bondade de carter que sempre foi a causa de que todo omundo dele fizesse o que entendia; o amor vida despreocupada; a ansiedade dasltimas semanas; a dor sentida no desastre da vspera; a satisfao de si mesmo

    aliada a um encanto decisivo. Num simples golpe de vista, descobriu Voyle asfraquezas e a vulnerabilidade de Duan. S num detalhe no reparou na foraescondida no moo, muito claramente revelada numa coisa bem pequena: oestoicismo com que Duan suportava a dor horrvel do tornozelo. Detalhe talvezinsignificante que assim mesmo indicava sob a aparncia do rapaz uma certa energiaem potencial. Voyle no a percebeu, e, em conseqncia, enganou-se redondamentena sua apreciao sobre Duan Harford.

    Duan riu-se.

    Este sim, parece bom plano. Quando poderei ter na mo os dois milhes decruzeiros?E abriu, sorridente, a mo fina e ociosa.

    Voyle tambm se riu, pesadamente.Oh! A transao s est em princpio! Ainda vai demorar... O senhor no se

    deve esquecer de que nada poder vender at que terminem as formalidades doinventrio!

    Meu Deus! E isso leva muito tempo? No se poderia dar um jeito? O senhordeve admitir que com dois milhes de cruzeiros em perspectiva duro no se poder

    dispor nem de um vintm...

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    Novamente, o Sr. Voyle acudiu com outro projeto:Talvez, se o senhor assinasse um termo pelo qual se comprometesse a vender o

    negcio logo que este lhe chegasse inteiramente s mos, como o caso, nos termosdo testamento de seu tio talvez pudesse obter do candidato a comprador o

    adiantamento de uma parte do preo de compra... por exemplo: uns quinhentos milcruzeiros.

    Duan no escondeu a satisfao:Agora sim, o senhor est me interessando... Mas no seria possvel chegarmos

    a um milho de cruzeiros?Voyle riu-se, como se tratasse de excelente pilhria, para depois fechar-se num

    sorriso:Pode ser... Faramos o possvel... Ento, se eu entendi bem, o senhor venderia

    mesmo a casa se a oferta se precisasse?Duan respondeu com entusiasmo:

    Pergunte a uma formiga se deseja acar!O Sr. Voyle exps o plano com maiores detalhes. Mas Duan no lhe deu mais

    ateno, pois a venda de Harford s o interessava pela possibilidade de lhe trazer odinheiro de que Voyle falara.

    Quando este saiu, deixou Duan satisfeitssimo. Tudo afinal ia endireitar! Benditosos velhos negcios de importao! Se o livrassem dos apuros, havia de mostrar a

    Somers, a Clavering e a Villiers exatamente o que deles pensava!Foi com maior surpresa que o rapaz, nessa mesma tarde, soube por Hooton da

    presena da Srta. Clare, que lhe queria falar. E quando ela entrou, hesitando na porta,a sua satisfao aumentou at se tornar ridcula.

    Jane Clare! Como est passando? perguntou como uma criana excitada esem educao.

    Ela respondeu com calma, aproximando-se lentamente, perguntando pelotornozelo machucado.

    Oh! Logo ficar bom. Por acaso a senhora traz algum recado do velho Voyle?No. Ele nem sabe que estou aqui.Duan olhou-a, provocante.

    Como isto parece deliciosamente clandestino! Sente-se e sejamos amigos.Ela continuou:

    Creio que se zangaria bastante, se soubesse. Talvez seja muito intrometida...mas no pude deixar de...

    Sentou-se numa cadeira junto ao sof, e falou de arranco, to asperamente, que

    ele se assustou:

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    O senhor vai mesmo vender a Harford?Como no? Vend-la-ei, sim, se o velho Voyle arranjar o negcio! E acho que

    dois milhes de cruzeiros bom dinheiro.Dois milhes de cruzeiros! O senhor vai vender a Harford por dois milhes de

    cruzeiros?exclamou ela, como se no acreditasse.Dois milhes de cruzeiros um timo preo para um negcio decadente como

    esteescusou-se ele.Quem disse que a Harford est... decadente?O prprio Voyle.Os olhares se encontraram por um momento e num suspiro ela ponderou:

    Sabia que vinha reduzindo as despesas, mas nunca pensei que houvesse nadade alarmante!

    H, sim. O velho negcio est por cair. Voyle me contou tudo direitinho. Ascondies do comrcio desde a guerra, e... e... enfim, tudo isso que a senhora j sabe.

    No, no sei de nada! com a maior surpresa que ouo falar disso. O Sr.Voyle no lhe deu detalhes?

    Deu, naturalmente. Deu tantos que at fiquei tonto.Quais foram?Como?Quais foram os detalhes?

    J lhe disse que me fizeram ficar tonto. No posso lembrar-me. O senhor no se lembra? No se pode lembrar de detalhes referentes

    Harford?Como que algum se poderia lembrar de coisas que o deixaram tonto?

    perguntou Duan rindo.No me olhe assim, Jane Clare. Desfaa a carranca, alegre-se, vamos!

    Aproximou-se, para persuadi-la.Custa tanto a acreditar, essa histria a respeito da Harford...disse ela.

    Mas verdade. Por isso, a senhorita deve concordar que eu seria um tolo seno aceitasse reconhecidamente os dois milhes de cruzeiros. s assinar um dessesdocumentos imponentes, sabe? "Eu, Duan Edward Jeremias Harford, aceito comominha legtima..." No, no, errei.Fitou-a com olhos brilhantes de provocao.

    Mas os de Jane Clare no lhe correspondiam ao sorriso. Encaravam-no graves,intensamente, demonstrando-lhe que de novo ele se estava comportando como umacriana tola.

    Toda a exaltao desapareceu, cedendo lugar a uma violenta crise de raiva contra

    ela.

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    Aproximou-se mais, com toda a seriedade.Por que ser que a senhorita sempre me trata como bobo?Encarando-o, calma, ela respondeu:

    No o tenho na conta de bobo... infelizmente.

    Duan estranhou:Infelizmente?Depois de uma hesitao, veio a resposta:

    Infelizmente, repito. Porque se pensasse realmente que era um bobo no meimportaria que se comportasse como tal.

    Rpido como um raio, ele perguntou:E a senhorita se importa? No posso deixar de me preocupar, quando vejo algum, capaz de fazer

    melhor, gastando tempo -toa.Com mil diabos! Que ser que a senhorita espera que eu faa?No espero que faa coisa alguma, mas acho que poderia fazer muitssimo.Os olhares se encontraram novamente, num desafio. Ela se inclinou, com

    gravidade:Ser que o senhor nunca leva nada a srio?Pareceu recear a resposta, pois se levantou apressadamente, dizendo que devia ir.

    Mas uma emoo nova, confusa, se apoderou de Duan. Agarrando a moa pela

    manga, pediu:No, no v ainda! Tenho tanta coisa para lhe dizer! No sei exatamente o que

    , mas sei que tanto que quase me sufoca!Riu-se fracamente, sentindo um desejo torturante de deixar a mo descer at tocar

    a da Srta. Clare, s para ver que aconteceria. Ela balbuciou: O Sr. Voyle e eu pretendemos voltar para Liverpool, pelo trem das quatro

    horas.Liverpool!repetiu o rapaz, desapontado.Mas no precisa ir j...

    A sua mo, de fato, tinha pegado a da moa. Mas no o percebeu at que ela oolhou zangada, retirando-a.

    Foi sem querer... juro que foi...Questo de hbito, provavelmentefoi a resposta acerba.Pois bem disse o rapaz, arrufado. Pouco antes, sim, tive a inteno de

    faz-lo.Ao contrrio do que esperava, ela deu uma risada estranha.

    Que que a est divertindo?perguntou o moo, mal-humorado.

    A sua original franqueza.

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    a verdade. Queria ver o que a senhorita faria suspirou.A senhorita to convencida... to materialista... to imperturbvel... to distante... Enfim, tudoque eu detesto que uma mulher seja!

    Exps todas as suas queixas contra ela, numa fria quase cmica e rematou:

    Por que h de ser assim? Nunca ningum foi dessa forma comigo!Ningum... isto , nenhuma mulher, no isso? E ento as mulheres sempre o

    namoram?Por que no faz a mesma coisa?Ela lhe encontrou firmemente os olhos e perguntou:

    Sr. Harford... o senhor quereria realmente que o fizesse? No sei respondeu furioso. A senhorita em absoluto no me atrai...

    Detesto cabelos claros, lbios contrados, mos hbeis. E assim mesmo, tenho

    vontade de lhe desmanchar o penteado... ou... ou... de beij-la... s para ver o quefaria. S para sacudi-la, s para que saiba que eu existo!

    s palavras violentas seguiu-se um profundo silncio. Ela o olhava. Rpido,alguma coisa que era quase ternura apareceu-lhe nos olhos.

    Mas eu bem sei que existedisse suavemente.Ento prove-oreplicou ele, com vivacidade. Ergueu-se de forma que o seu

    rosto ficasse bem perto do dela.Prove-o e no me irrite mais.Enquanto ele se ria, bastante constrangido, ela no fez um nico movimento, mas

    disse:J o comprovei hoje, vindo pedir-lhe...Pedir o qu?Batia-lhe o corao.

    Para no vender a Harford.Ele reclinou-se, frio e desapontado. No sabia o que, por um momento, havia

    esperado! Mas sabia que no era isso. E falou descontente:E que significa isso?

    Afastando-se e virando-se de lado, ela respondeu em voz to baixa que ele malouviu:

    Prova que no gosto de v-lo descuidado, como traidor.Traidor? Sempre tem estado um Harford frente do negcio, por isso seu tio lhe

    deixou! Ele queria que houvesse um Harford frente, assim deve ser...Como ela se calasse, o rapaz acudiu:

    Mas se o velho negcio no vale mais nada!

    Faa-o valer.

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    Como?Voltando-se para enfrent-lo, disse ela, como que a acus-lo:

    O senhor bem sabe que se um comerciante de esprito lcido oferece doismilhes de cruzeiros pela Harford, h de ser porque a casa ainda no morreu de todo!

    Fugindo ao assunto, pois a verdade lhe era desagradvel demais ele exclamou:Mas que diabo, quem sabe se so de esprito? Tambm pode ser um louco!Com isso, os olhos frios da moa pareceram arder:

    O senhor nem ao menos quer dar-se ao trabalho de averiguar que espcie dehomem que vai fazer a compra?

    Eu no dou para essa espcie de coisas.Oh!foi a resposta desdenhosatoda a gente pode ser covarde.Arre! A senhora no tem o direito de me insultar dessa forma!

    Mas o senhor bem sabe que a verdade! O senhor sabe que isto covardia. Osenhor sabe que isto traio.

    Agora, os dois gritavam. Traio? Que lealdade devo eu ao velho Jeremias? Sempre foi uma peste

    comigo. No gosto de falar mal dos mortos, mas a senhora me insultou e precisojustificar-me.

    Certas pessoas sempre se justificam, quaisquer que sejam as suas ms aes...E depois, quem sabe se no foi justamente a sua conduta que o fez ser o que foi para

    comigo? Sempre foi justssimo nos negcios, um patro ideal! So muito maisnumerosos os que lamentam a perda de Jeremias Harford que os que conhecem onome de Duan Harford... Operrios gente simples, gente pobre, gentetrabalhadora... traio deixar que tudo o que ele edificou venha a parar em mosestranhas. Pura traio!

    Com a emoo, seu rosto oval se enrubescera e os olhos se lhe tornarambrilhantes. Duan interveio:

    Ento a senhora pensa que todos os homens do para comerciantes? A senhora

    acha que eu, por exemplo, poderia tornar-me negociante s por querer? Antes de falarem covardia, deveria lembrar-se de que nem todos so feitos na mesma forma.Porque tem vivido sempre entre gente laboriosa, no se segue necessariamente queesta seja a nica a merecer considerao. Ponha um deles no meu lugar e veja que

    bonita figura faria!No poderia ser figura pior do que a de um homem forte e so que vive de um

    dinheiro que no lhe custa esforo... Por acaso ser o senhor dbil, mental oufisicamente, que no possa ocupar seu lugar e tomar parte, por pequena que seja, no

    trabalho do mundo?

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    Isso no vem ao caso. tudo uma questo de tipos. H o tipo laborioso e o...o...

    Parou, na impossibilidade de encontrar um qualificativo que no o fizessevencido. Mas ela lhe continuou a frase desdenhosamente:

    O tipo dissipador. Muito bem; ento continue dissipando. Mas, sendo assim,no tenha a fraqueza de se desculpar. O senhor sabe que no h desculpa aceitvel,sabe que nada o impede de se pr frente da Harford e de faz-la prosperar. Agoraque comea a haver sinal de perigo, no o momento oportuno para se fugir responsabilidade. a ocasio de se lhe dedicarem todas as energias, e o senhor sabeque poderia faz-lo. Sabe to bem quanto eu que no nenhum bobo, e que, se sequisesse dar ao trabalho, tudo conseguiria. Mas o senhor no quer; a que est!Preguioso demais, prefere a vida folgada!... Pois bem... Adeus...

    E voltando as costas, precipitadamente, rumou para a sada. Enquanto Duan achamava asperamente, ela abriu a porta. Mas recuou, pois uma senhora entrava nessemomento: Laura Fane, alinhadssima no seu ltimo modelo de Paris.

    A Srta. Clare deteve-se um momento, enquanto Laura deslizava at o sof eestendia ambas as mos a Duan, dizendo:

    Meu querido! Agora mesmo soube da sua queda e vim correndo saber comoestava passando.

    (O que, traduzido para a verdade, queria dizer que agora mesmo tinha lido no

    jornal a notcia da morte do tio de Duan, e achara melhor no se apressar demasiadoem largar Duan como quem larga uma brasa).

    Parou de repente, examinando Jane com os olhos pretos e preguiosos.Oh! No sabia que voc estava ocupado, Duan.Jane respondeu calmamente ao olhar, inclinou-se ligeiramente, e seguiu o seu

    caminho enquanto Duan se perdia em explicaes, s quais ningum prestavaateno.

    Passar de Jane a Laura era passar de alguma coisa estranha e inquietante a uma

    velha conhecida. Por isso o modo com que acolheu a ltima, foi muito mais afetuosoque de costume.

    O tumulto desencadeado por Jane acalmou-se um pouco, pois Laura foi de talforma gentil e carinhosa, mimou-o tanto e deu-lhe tamanha importncia, que logotornou a se encontrar no seu mundo, o mundo que ele conhecia e que sempre osatisfizera.

    Enquanto tomavam ch, ele lhe contou a situao da casa Harford qual elaprestou a maior ateno, concordando entusiasticamente com a necessidade de vender

    o negcio.

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    Duan, em cujos ouvidos ainda ecoavam as palavras "traidor" e "covarde",consolava-se com a concordncia carinhosa de Laura.

    Naturalmente que deve vender, querido. (Ela tinha timas razes paraquerer v-lo novamente com os bolsos cheios de dinheiro). E conseguir a maior

    quantia possvel vista!Sorriu, e curvando-se sobre a mesinha de ch, sbito ps os lbios perfumados

    sobre os de Duan. Este correspondeu, sem refletir. Logo depois ficou com raiva de simesmo, mas no procurou compreender porque. Laura j o beijara antes, pois nasociedade que freqentavam trocavam-se beijos com a maior facilidade... O certo que nesse dia ficou com raiva disso.

    Surgiu-lhe frente uma viso de olhos cinzentos, cabelos loiros e boca cerrada.Uma viva exasperao o tomou e, novamente, aquelas duas palavras o martirizaram.

    Por que essa moa que mal conhecia, de quem no gostava e por quem no sentiaa menor admirao, haveria de se interpor entre ele e todas as suas coisas de maneirato intrometida? No permitiria isso, absolutamente, no poderia permitir!Estendendo a mo, atraiu Laura para si e deliberadamente lhe deu um beijo... Outravez a raiva aumentou.

    Laura que no cabia em si de contente. Sentia naquele beijo uma emoo nuncapercebida nos anteriores. Com certeza, se tivesse compreendido que essa emoo foramais determinada por uma simples rebelio contra a influncia de uma outra moa,

    do que por uma ternura maior para com ela, teria ficado menos satisfeita com a vida.Mas no sabendo disso pensou que tudo se desenrolava como ela queria e

    murmurou provocante:Voc gosta um pouco de mim, queridinho?Bem sabe que sim, Laura.Ela suspirou, sentimental:

    Passamos to bons momentos juntos!Maravilhosos acrescentou Duan. E passaremos ainda mais. Com voc,

    eu me sinto to bem! Se Laura notou a nfase, no soube discernir que eracomparativa...Voc no aborrece a gente, no prega sermes, nem quer que tudoseja como no nem pode ser!

    Desta vez, sim, ela perguntou com bastante vivacidade quem era que fazia coisadesagradvel. Mas o moo desviou a questo, com uma resposta banal egeneralizadora. Certas moas faziam isso; ele sabia por ter ouvido de outros. MasLaura tinha um gnio to bom e to alegre, era de to agradvel convivncia!

    Laura sentia-se feliz e cheia de esperanas. Entretanto, mais tarde, arranjou um

    jeito de perguntar negligentemente quem era aquela criaturinha esquisita, de ctis

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    plida e cabelos oxigenados.Sendo homem, Duan perguntou vivamente:

    Sero mesmo oxigenados? Julguei que fossem naturais.Laura deu uma gargalhada ctica.

    Querido, voc pensou mesmo que fossem? O pobre cordeirinho inocenteprecisa da mo de uma mulher para gui-lo...

    Mas nem sempre fcil de se ter a certeza.E corou...

    Quem ela, afinal? No da nossa sociedade, ?No. secretria do administrador da Harford... ou mesmo uma empregadinha

    qualquer do escritrioacrescentou Duan com despeito, ficando logo envergonhadocom as prprias palavras.

    Logo vi que no era da nossa sociedade.Duan sentiu subitamente uma vontade louca de dar um soco em alguma coisa,

    sem saber qual. Desviou a conversa, e passaram o resto da tarde fazendo projetos paraquando tivessem os dois milhes de cruzeiros.

    Logo que o velho Voyle mandar os documentos necessrios, hei de assin-los concluiu Duan num tom de desafio que ela no percebeu e que no entenderiamesmo que o tivesse notado.

    De fato, logo que recebeu de Voyle os papis to importantes, Duan os firmou,pensando: Quem se importa com o que ela pensa? Idia essa que lhe fez a assinaturasair com um risco nervoso que nunca tivera antes.

    Uma consulta urgente ao advogado do finado tio Jeremias, em Liverpool,assegurou-lhe que no havia razo de ordem legal que se pudesse opor venda.Visitando a firma Harford, falando com Voyle e o comprador eventual, vendo oslivros e fazendo todas as averiguaes que lhe pareciam necessrias, tratando-se deum velho e fiel servidor como Voyle, declarou o advogado a Duan que a decadncia

    da Harford era um fato, acabando por concordar que o melhor era vender a casaenquanto ainda podia alcanar bom preo.

    Assim estimulado, Duan confirmou a sua deciso: Venderia! E Jane Clare quefosse para o inferno com as suas manias!

    Por que foi ento que ele deixou de mandar os papis a Voyle pela volta docorreio e de fechar logo o negcio? No poderia diz-lo. S sabia que alguma coisa oimpedia. Entretanto, Voyle insistira na urgncia com que precisava receber osdocumentos... Por que ser que Duan deixou passar mais dois dias? Por que no

    mandou logo os papis ao administrador? Era preciso!... Contando com o dinheiro,

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    fizera tantas promessas... Os credores lhe haviam novamente aberto crdito, comocostumam fazer os mais rebeldes quando o vento traz de novo o cheiro do bom ouro.A fortuna tornara a favorec-lo, os deuses da frivolidade o mimavam novamente...

    Era s mandar esses documentos para Voyle e o primeiro milho lhe cairia no

    bolso. Mas, apesar de tudo, achava difcil, estranhamente, exasperadamente difcil dedespach-los. Difcil! Imaginem! Difcil de estender a mo para receber os maisfceis milhes da sua vida! Com certeza, alguma coisa lhe estava acontecendo, semque tivesse a mnima idia do que podia ser.

    Na outra quarta-feira s primeiras horas da tarde (uma semana exatamente depoisdo desastre), recebeu um telegrama urgente de Voyle, dizendo que se os documentosno estivessem em seu poder na manh seguinte, o mais tardar, o negcio estaria

    perdido. Ento, sem pensar mais, Duan fechou os papis num envelope e mandou

    Hooton despach-los pelo correio, registrados, ao mesmo tempo que da remessaavisava Voyle, pelo telgrafo.

    Agora disse consigo mesmo, com certo ar de rebelio s esperar...Graas a Deus, est liquidado o assunto.

    Mas agora as coisas estavam to transtornadas, que achou difcil esperar.Estranhamente, exasperadamente difcil. Mal enviara Hooton a despachar os papis,ficou inquieto. Ps na conta de uma impacincia bem natural ou de um certo medo deque algum obstculo lhe viesse atrapalhar o negcio. Podia ser tambm porque o

    tornozelo custava a sarar, sendo-lhe preciso ficar todo o tempo na cama, curando etratando da perna trs vezes por dia, o que sumamente o desagradava. A isso tudo eleatribuiu a importncia e a inquietao sentidas. A tudo, menos viso atormentadorade uma jovem de cabelos loiros, que no conseguia afastar da memria, e ao som deduas palavras maldosas que continuava a ouvir.

    Eram mais de onze horas da noite, naquela mesma quarta-feira. Tendo Hootonsado para tomar um pouco de ar depois de lhe ter tratado do p, Duan se encontravasozinho. Laura no tinha aparecido, apesar de ter prometido fazer o possvel, e o

    rapaz se aborrecia consigo mesmo, com aquele p estpido, com o calor abafado danoite, com a inquietao incompreensvel que o atormentava.

    Lera todas as colunas de trs jornais da noite, quase que palavra por palavra;comera a metade de uma caixa de bombons que Laura lhe trouxera; fumara a pontode tornar espesso o ar da sala e de estar em perigo de ficar defumado, como diziaconsigo mesmo.

    A noite era calma e sem virao, a janela aberta de par em par no conseguiarenovar a atmosfera carregada do quarto.

    No havia dvida de que era amolante, com um tempo desses, estar preso num

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    sof com um p doente!Irritava-o tambm, quando tudo estava acontecendo como ele queria, no poder

    reencontrar a despreocupao e a alegria de viver que sentia antes.Nessa altura, o seu pensamento sempre se detinha e Duan perguntava a si mesmo:

    Antes de qu?Mas ele prprio se recusava a responder:

    Antes que Jane Clare me chamasse de covarde e traidor.No queria que Jane Clare lhe penetrasse no ntimo. Algumas vezes, ou melhor,

    freqentemente, a moa parecia querer faz-lo, mas ele sempre se esforava pordeix-la severamente de fora. E repetia:

    Esperemos at o dinheiro estar no meu bolso... Ento, nada mais h de mepreocupar!

    Estava repetindo isso pela centsima vez quando soou a campainha da porta.Sentou-se no sof, sobressaltado, para logo pensar que devia ser Laura, e levantou-secom a ajuda da bengala que Hooton lhe deixara ao alcance da mo.

    A campainha tocou novamente, duas vezes, com impacincia.Calma... j vaimurmurou eleque pressa essa?Mancando, avanou para a porta. Ao passar pela janela aberta, puxou a cortina e

    olhou para fora. De p, em frente a porta, na mancha de luz projetada pelo seu quarto,reconheceu Jane Clare...

    Jane!exclamou com um acento indescritvel.Ela virou-se vivamente. Tinha os olhos excitados, os cabelos loiros um pouco em

    desordem. Foi baixa e ofegante a voz musical com que disse:Deixe-me entrar. Preciso falar-lhe j!

    CAPITULO IVUm momentinhogritou Duan, alegremente.A depresso sentida durante toda a noite desaparecera, deixando-o num estado

    inexplicvel de excitao, com o corao batendo furiosamente.Um momentinho, o tempo de mancar at a porta e de abri-la...Duan ria-se, ridiculamente feliz. Abriu a porta de par em par.Foi tal a precipitao com que ela entrou que quase lhe caiu nos braos; e,

    coincidncia estranha! os braos do rapaz estavam mesmo abertos, como quepreparados para receb-la!

    Mal percebeu o que estava fazendo, tal era a sua felicidade em v-la novamente, e

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    nem teve o tempo de se perguntar por que razo podia estar to satisfeito vendo urnapessoa que tanto o maltratara.

    S quando ela parou abruptamente e recuou, ele recuperou os sentidos, baixou osbraos e disse num riso perturbado, para mostrar que estava perfeitamente calmo:

    Como vai? Como est? Como tem passado? Como... No quer entrar?A esta srie de perguntas, ela respondeu:

    J entrei, obrigada.E acrescentou:Como est o seu tornozelo?Vai indo. Por qu?J se pode mover?Muito bem, no; mas posso andar mais ou menos, com a ajuda da bengala.Ai, meu Deus! Esperava que estivesse melhor... enfim, no faz mal; sempre

    havemos de conseguir alguma coisa.

    Que que h?...comeou Duan, intrigado; mas ela o interrompeu:Voltemos para seu quarto, onde poder sentar-se e eu lhe explicarei. Mas... a senhora sabe... muito tarde... e estou sozinho em casa... Isto no

    parece da sua discrio habitual!Duan queria gracejar, ao que ela replicou vivamente:

    No brincadeira.Pegando o brao do rapaz ajudou-o a voltar ao sof. Vendo-o sentado, comeou:

    Trata-se de Voyle. Ele desleal e est querendo despoj-lo da Harford.

    Como? exclamou. Agora j no pensava em brincar. E a venda de quefalou uma armadilha. No verdade que o negcio esteja decadente... A Harfordest em timas condies, e Voyle est simplesmente querendo aproveitar-se dosenhor, junto com o tal senhor Tuffley, o suposto comprador. Os dois se conluiaram

    para tomar-lhe o negcio...Jane Clare parou, ofegante, enquanto Duan a olhava, com olhos arregalados.

    o cmulo! E como sabe disso tudo?Por enquanto, no importa. Mais tarde lhe explicarei. O que interessa agora

    que a venda vai ser ultimada amanh de manh, na reunio que ter lugar s dezhoras, no escritrio de Voyle. Conforme entendi, os documentos que o senhor assinoudevem chegar pela primeira mala e sero logo remetidos para Tuffley, contra ocheque de um milho de cruzeiros... Esse dinheiro, o senhor o receber, mas perdera Harford! E veja bem que a Harford est em timas condies! Voyle alterou oslivros, para que o negcio parea andar mal. Juntamente com Tuffley s queremarranc-lo das suas mos... J sei que o senhor est disposto a vender a Harford. Masestar disposto a se deixar lesar?

    Encontraram-se os olhos, e Duan experimentou a sensao at ento

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    completamente desconhecida de que a Harford era alguma coisa sua. Jane bemdissera: estava disposto a vend-la, mas quereria ser furtado, fazer papel de vtima? Eainda mais por um velho canalha, gorducho e papudo como Voyle, com olhos derato!

    Essa foi a forma desprovida de romantismo por que lhe entrou no corao osentimento da traio e da propriedade. Levantou-se lentamente, e apoiado na

    bengala encarou a Srta. Clare de maneira inteiramente nova.Nodisse lentamente.No pode ser assim! Isto demais!Falou como uma criana indignada, tanto que Jane Clare caiu logo ria gargalhada.Duan convidou-a secamente a explicar o riso. Apesar de no poder faz-lo por

    serem mltiplas as causas, ela se esforou:Estava ansiosa... aflita... e... e... estou contente. Muito contente!

    Tomou alento, e depois de segundos de completo silncio prosseguiu secamente:O nosso nico recurso apanhar Voyle em flagrante na reunio de amanh e

    impedir a concluso da venda. O senhor sabe que os documentos assinados estaroem seu poder...

    Quer dizer que... vou precisar de enfrent-lo?Ela afirmou, com a cabea.

    Ento preciso seguir ainda hoje... agora mesmo!Novo assentimento:

    Pelo noturno. Est de acordo? Ser que o p lhe permite faz-lo?A atrao da aventura empolgou o rapaz e o corao lhe bateu precipitado.

    Se posso? Naturalmente! A senhora pensa que eu sou o qu? Acha que eupoderia ficar aqui deitado a tratar do p, enquanto esse canalha gorducho se apoderada minha propriedade? A que horas parte o trem?

    s onze horas e cinqenta, da estao de Euston. Tenho um txi esperando, evou ajud-lo no possvel.

    Duan olhou o relgio.

    Upa! Temos pouco tempo... J so onze e quinze... Terei que ficar ali algunsdias, no?

    Creio que sim.Vou voando jogar algumas coisas na mala de mo... Oxal Hooton chegasse

    para me ajudar...falou contrariado. Ser que posso auxili-lo? replicou logo. D-me o brao, em todo o

    caso.J estava ao seu lado, ajudando-o, antes que ele percebesse, e juntos chegaram

    porta do quarto de dormir. Ali, Duan hesitou, mas ela disse vivamente, fazendo-o

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    entrar:S temos cinco minutos. Diga-me onde esto as coisas.Ele quis protestar:

    Mas, olhe, no...

    Ora! Deixe de tolices... Pois bem, pegue as coisas e eu vou arrumando... Masdepressa!

    Duan, finalmente consentindo, indicou o armrio embutido:A maleta est aqui em cima.Ela subiu numa cadeira, pegou-a, desceu, abriu-a habilmente, tomou um monte de

    camisas que ele lhe atirou. Colarinhos, gravatas, pijamas e lenos vieram depois. Elaos dobrava com destreza e os arrumava na mala com a maior naturalidade, como sefosse coisa a que estivesse acostumada. Escovas de dentes e para cabelos, aparelho de

    barba, sabonetes, uma enorme esponja, vieram do banheiro parar na mala. Finalmentefecharam-na e ela a carregou, dando ao rapaz o apoio do ombro para sair.

    Deixaram um bilhete descrevendo rapidamente a situao a Hooton. Depois elalhe vestiu o sobretudo, deu-lhe o chapu e o ajudou a entrar no txi que os estavaesperando. Voltou correndo para casa, apanhou no sof dois cobertores e duasalmofadas macias, passou pelo hall, pegou ainda a maleta, e entrou no txi, como sefossem Tweedledum e Tweedledee preparados para a batalha.

    Depois de colocar tudo no automvel e de dar ordens ao chofer, entrou

    finalmente, sentando-se ao lado de Duan, ofegante, com os cabelos loirosresplandecendo desordenados em volta do rosto.

    Era muito pesada para a senhorita protestou Duan, designando a maletacheia.Deveria deixar-me carreg-la!

    Pelo amor de Deus, seja um pouco prtico! No se esquea de que precisapoupar o seu p!

    E quase no falaram mais at que o txi chegasse ao ptio da estao, quandopulou, tirou todas as coisas, pagou o txi e estendeu a mo a Duan. Quando este

    desceu Jane chamou um carregador, deu-lhe a bagagem, indicando: onze e cinqenta,Liverpool, e se dedicou toda a levar Duan, sem perigo, at o trem.

    Ele no perguntou mais nada, at se achar instalado num carro de primeira classe,evidentemente "Reservado". Logo que o trem partiu lentamente, que Duan reparou:

    Mas a senhorita no desconfia que este carro est reservado?Pois se eu mesma o reservei!...Como?! Quando?Quando cheguei, tarde.

    Permaneceram silenciosos, escutando o ritmo das rodas, enquanto o trem tomava

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    velocidade, na escurido. Sbito, ele perguntou:Por que que a senhorita comprou a minha passagem?A gente precisa de passagem para viajar, no sabia?E por que reservou este carro?

    Para o senhor poder estender o p.Mas no custou muito dinheiro?Ora! Estava bem de finanas. Por acaso tinha mais de mil cruzeiros na bolsa...A senhorita no acha que se arriscou um pouco arranjando essa viagem antes

    de saber se eu viria?Acho que... sabia. Como assim? A senhorita me julgou to mal da ltima vez que nos

    encontramos...

    Mas teria sido... inqualificvel... se tivesse permitido que o negcio seultimasse... por uma questo de milhes de cruzeiros.

    Ele teve um riso breve.Oh! Quer dizer que pelo menos no sou ainda inqualificvel, no ?Na luz fraca do carro percebeu que ela corara, e continuou: Jane Clare, a senhorita me irrita mais do que qualquer outra pessoa no

    mundo...Mas, continuou lentamente:mas assim mesmo acho-a um amor.Ela no perdeu tempo em responder-lhe:

    Esperava que viesse se o seu p o permitisse, pois ningum que se possachamar um homem, ainda que de longe, poderia ter agido diferentemente. Almdisso, pensei que o fato de eu ter arranjado tudo poderia ajudar... se a persuaso setornasse necessria.

    Falou isso asperamente, e, afastando-se dele com frieza, foi olhar o mundo l defora.

    Num suspiro, o rapaz perguntou:A senhora pensou que talvez fosse preciso um pouco de persuaso?

    Do que at agora conheci do senhor nada me deu razo alguma para ter acerteza de que, por um milho a vista e mais outro depois, no deixaria uma dupla decanalhas tirar-lhe a casa Harford.

    Duan suspirou de novo, mais fortemente, e depois de um momento:Muito bem... Tomei essa indireta em pleno rosto. duro reconhecer, Srta. Jane

    Clare, que a senhorita tem prtica de dar socos. Conseqentemente, e a partir dessemomento, risco do meu dicionrio a palavra amor.

    Houve um curto silncio. Ela apenas disse:

    Deixe que eu ponha alguma coisa atrs das suas costas, para que possa

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    estender o p mais comodamente.Sem uma palavra, ele obedeceu.Ela tirou a mala da prateleira para p-la no assento, virou-a de cima para baixo,

    colocou-a no canto, ps-lhe uma almofada em cima e disse a Duan para se recostar

    outra vez.De novo este obedeceu, estendendo as pernas compridas sobre o assento

    fronteiro. Envolvido por ela completamente no cobertor, com um quase sorriso, Duanolhou-a, agradecendo.

    Por espao de um segundo surgiu no rosto de Jane uma expresso risonha quedeterminou em Duan, como j antes o fizera, sbita e temerria alegria.

    Vejadisse ele, felizsomos amigos novamente, no ?Amigos?repetiu ela, sentando-se novamente no seu canto.

    Quero dizer que a senhorita me magoou bastante h pouco. Mas agora estbeijando a ferida para cur-la... Isto , em sentido figurativo acrescentouapressadamente, encarando-a com olhos maliciosos.

    Quis mesmo machuc-lorespondeu ela sem se comover.Ah! J sabia disso! Mas, diga-me seriamente: a senhorita achou mesmo que

    para me decidir a ir a Liverpool seria preciso que eu pensasse que j tinha feitoarranjos dispendiosos?

    J lhe disse que pensei que isso pudesse ajudar.

    Pensou mesmo? No o inventou agora, por maldade?No.Ento responda: Somos ouno amigos? J no tenho mais certeza...Depende do que o senhor considera como "amigos".Da ltima vez em que a vi, a senhorita ralhou comigo e me chamou de uma

    poro de nomes feios. Isso, no pode negar!Nem tenho a menor inteno de faz-lo...Pois bem. Mas a senhorita j no pensa mais essas coisas de mim, no ?

    Isto agora no afirmei...Ele a olhou, um pouco desconcertado, como se tivesse sido repreendido.

    Mas ainda as pensa?Muito calma, veio a resposta:

    No tenho bem a certeza. Estou esperando a prova definitiva, de que no soverdadeiras, antes de retir-las.

    Ora bolas! Uma espcie de condenao suspensa?Ela pensou um momento:

    Vamos dizer... um armistcio ?

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    Ele se riu, mas sem muita vontade, pois se lhe acalmara a satisfao.Muito bem, Jane Clare. Vamos selar o acordo com um aperto de mo?Inclinando-se um para o outro, deram-se as mos. Depois de escutar novamente,

    em silncio, o ritmo das rodas, disse Duan:

    Agasalhe-se no outro cobertor e me v contando o caso direitinho, do comeoao fim.

    Jane ps uma almofada atrs da cabea, puxou o cobertor at o joelho e contou.Contou como h dois dias tivera a sensao de que havia qualquer coisa de

    esquisito nesse negcio da venda da Harford; como o seu instinto, por uma razomisteriosa, a havia prevenido contra Tuffley, que comeou tambm a vigiar, quandoele se encontrava com Voyle; como naquele dia deixara o escritrio cedo, comlicena especial, para fazer algumas compras, como, tendo chegado loja e comprado

    uma capa azul e uma saia bastante caras, descobriu que se esquecera da bolsa noescritrio. Explicou o fato vendedora e lhe pediu para reservar a capa e a saia atque voltasse com o dinheiro, o que ficoucombinado.

    Voltei para o escritrio, entrei no gabinete do Sr. Voyle e fui para ocompartimento em que havia pendurado a roupa de trabalho. Tendo encontrado a

    bolsa, me dispunha a sair, quando ouvi as vozes do Sr. Voyle e de Tuffley, que seaproximavam. Alguma coisa me fez entrar no armrio e encostar a porta de maneira a

    poder ver e ouvir...

    E ento?perguntou Duan, interessadssimo. Ouvi Voyle dizer que acabava de receber do senhor um telegrama,

    comunicando que mandava ao mesmo tempo o termo do compromisso, assinado, oqual chegaria pelo primeiro correio do dia seguinte. Depois disto falaram os dois toanimadamente que no pude distinguir as palavras.

    Ento a senhorita tem apenas a impresso de que esto querendo enganar-me. No, escute um momento. Fiquei quietinha no armrio e, depois de uns

    minutos, vi que Voyle se dirigiu para a estante, de onde tirou todos os livros de

    contas, dizendo a Tuffley: "Esses so os que mostraremos durante a reunio deamanh... os verdadeiros livros esto guardados alie indicou o cofre. E voc sabeo que deles consta". Foi assim que terminou a conversa. Tuffley concordou com acabea, e comeara a folhear os livros, falando to baixo que no pude ouvir, apesardos meus desesperados esforos. Comecei a pensar num meio de abrir depois o cofree de examinar os livros que, segundo Voyle, ali estavam. Vi ento Voyle atravessar asala, abrir o cofre, tirar grandes registros e traz-los para a mesa, onde comearam acomparar a escrita..

    Canalhas indecentes! exclamou Duan com mais fora que delicadeza.

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    Mas, pacincia, hei de ter a minha vez amanh.Jane Clare concordou vigorosamente e continuou:

    Logo mais, guardaram novamente os livros, trancaram tudo a chave e sairam.Durante alguns momentos, receei que Voyle fechasse o escritrio por esse dia e que

    eu ficasse presa, mas isso no se deu. Quando eles se retiraram eu sa do armrio epus-me a pensar no que poderia fazer. No tinha muito tempo, pois j eram cinco edez, mas minha nica idia foi a de chegar a falar com o senhor. Desci a ruacorrendo, pulei num txi. Chegando estao, soube que havia um trem que me dariao tempo necessrio de busc-lo e de voltar agora... E foi o que fiz.

    Ento a senhorita foi minha casa logo que chegou?Fui logo, sim.Mas a senhorita se apressou tanto s para me pr a par do que se tramava?

    Acho que razo bastante, no acha?Mas por que que no me mandou um telegrama?Depois de hesitar um momento, ela respondeu:

    Queria ter a certeza de que viria.E sabia que era capaz de me obrigar a vir, mesmo que eu no gostasse?...Pensei que poderia expor melhor a situao, indo pessoalmente.Ele insistiu:

    A senhorita sabia que era capaz de me obrigar ?

    No, no sabia disso. Mas tambm pensei que precisasse de algum que oajudasse, por causa do p, e fiquei com medo que o seu criado estivesse ausente.

    Pois bem, Jane Clare, sabe o que penso de si?No.Penso que uma verdadeira maravilha. E acho que tudo isso muito divertido.

    No acha?Ela pareceu no concordar, durante alguns momentos, mas logo sorriu um pouco:

    Bom, talvez seja... se o quiser encarar dessa forma.

    A gente deveria sempre encarar tudo desse modo...Ela ainda parecia duvidar, mas admitiu:

    verdade que parece um pouco menos... grave, agora que est a caminho paraenfrentar Voyle... E, de resto acrescentou j no tenho mais tanta raiva dosenhor.

    Tinha raiva por que queria vender a Harford?Imediatamente, ele se ps novamente na defensiva, sentindo a necessidade de se

    justificar, de se prevenir contra as suas crticas:

    Mas ainda estou disposto a vender. O que no quero ser roubado!

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    Ah! Bom!disse Jane virando-se novamente para a janela.Duan olhou o perfil calmo at ficar exasperado, e perguntou:

    Quer recostar-se um pouco na maleta?Muito obrigada. Estou muito bem.

    Mas fico sem jeito por estar to confortavelmente instalado, enquanto que asenhorita...

    Por favor, seja prtico. O senhor est machucado e eu no estou... Detesto a palavra "prtico" interrompeu Duan de mau humor. E

    sobretudo quando sai dos seus lbios!Sinto muito.Foi esse o fim da conversa e Duan adormeceu para mais tarde acordar em

    sobressalto, no sabendo, por um momento, onde estava. Depois bocejou e olhou o

    relgio. Duas e meia.Arre!exclamou. E olhou para Jane Clare que estava dormindo, sentada no

    canto. Tirara o chapu, e a cabea brilhante e dourada descansava um pouco de lado,na almofada macia. Mas, mesmo assim, conservava o seu modo calmo, composto e

    severo.At dormindo!pensou Duan.Mas, no mesmo instante, percebeu que a curva do colo era redonda, suave e

    branca... O pescoo nada tinha de severo... era docemente feminino... at um pouco

    infantil. Ela havia puxado o cobertor mais para cima e suas mos finas e abandonadaso mantinham sobre o peito... A severidade parecia ter fugido das mozinhas, agoratambm doces e infantis, e que, sem anis de qualquer espcie, davam a impresso de

    pureza e simplicidade. Somente o rosto conservava a inalterabilidade, at no sono; oslbios fechados permaneciam severos. Com certeza, ela penteara os cabelos, queestavam lisos e arranjados como sempre. Que ouro! Ouro de anjo, ouro de virgem,especialmente sobre a almofada azul... Apesar de nunca ter gostado de cabelos loiros,devia reconhecer que esses eram um magnfico espcime. Especialmente onde as

    mechas brilhantes se fundiam na brancura do pescoo... E Duan percebeu que nopodia contemplar o pescoo alvo e flexvel ou as mos pequeninas sem suspirar deemoo...

    No sei que diabo ser que essa moa tem! murmurou ele, e resolveu olharpara outro lado; mas, sem que o quisesse, voltaram-lhe logo os olhos para Jane.Como se desta vez sentisse o olhar, esta se mexeu, abriu os olhos e endireitou-se.Agora que estava acordada, desaparecera dela a iluso de doura, pois no acordoucom lindas hesitaes. No, no era essa a sua maneira. Acordava simplesmente, da

    maneira mais rpida, mais completa e mais ajuizada possvel.

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    Contudo, Duan sentiu-se aliviado. Momento havia em que essa moa irritante setornava perigosa, entre esses minutos sossegados do sono.

    Diga-meperguntou eleque faremos quando chegarmos a Liverpool?Achei que o melhor para o senhor seria vir para casa comigo, para descansar,

    tomar banho e almoar.Esplndido!Antes de deixar a estao, passei um telegrama minha me dizendo-lhe que o

    traria nesse trem.No sabia que ainda tinha me.No? No. No podia imagin-la com famlia. Tinha a impresso de que havia

    sado... de nada.

    Ela teve um riso breve e ele acrescentou:Eu, por minha parte, no tenho famlia.Os olhos de Jane contemplaram-no, com doura.

    J sei que no temj pensei nisso... uma ou duas vezes.Verdade? E que foi que a fez pensar nisso?O senhor mesmo.Como assim?disse Duan, intrigado, franzindo as sobrancelhas.Porque isso explica, at certo ponto, sua conduta.

    Minha conduta?Sim!No entendo... Ah! Sim! A senhora acha que explica as coisas que censura em

    mim?Ela concordou.

    A senhora muito amvel em desculpar-me.Mas eu no disse que o desculpava!... Apenas disse que at um certo ponto

    podia explicar... E isso bem diferente!

    Ento, nem por descuido a senhora me concede nada?disse Duan com risosentido, acrescentando depois de um longo silncio:Assim, nada do que a senhoraconheceu de mim at agora, lhe deu razo alguma de ter certeza absoluta de que

    por um milho de cruzeiros de entrada, e mais outro depois havia de entregar aHarford a uma dupla de canalhas!

    Jane dirigiu-lhe um olhar de expectativa, enquanto ele continuava:Como ento que avisou sua me que eu viria para tomar banho e almoar?A moa enrubesceu.

    Pois olhe; eu no creio que tenha de mim a pssima opinio que pretende.

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    Enquanto falava, aproximou-se dela, que corou ainda mais, at o pescoo alvo.Duan estendeu a mo, pousando-a sobre seu joelho.

    Jane murmurou diga-me, de vez em quando, uma palavra maiscarinhosa!

    O sorriso dos seus lbios mal disfarava a emoo que lhe transparecia nosolhos... Mas ela no a viu, porque olhava de propsito para outro lado. Sem obterresposta, depois de um momento, ele endireitou-se, triste, e o silncio continuouininterrupto.

    Duan teria jurado que no poderia voltar a dormir. E, entretanto, a nica coisa deque teve conscincia depois disso foi do leve toque da mo de Jane no seu brao e dosom de sua voz,