Cartografia Do Contemporâneo: o Intempestivo Em Giorgio Agamben _ CAD_ Coletivo Acervo Em Diálogo

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Cartografia do contemporâneo: o intempestivo em Giorgio Agamben Posted on 29/09/2011 | 1 Comentário Pensar o contemporâneo é, antes de tudo, colocar-se numa situação de quebra, fratura, desligamento. Contemporâneo é um estado de espírito, uma condição: de forma alguma pode ser tido como um dado temporal. As reflexões a que este texto propõe dar ressonância estão embasadas no pensamento de Giorgio Agamben[1] e funcionam, aqui, como uma cartografia do seu texto, um apanhado geral de ideias que servem, no propósito a que nos dispomos[2] , pensar a arte e o mundo em que vivemos. A discussão gira em torno dos conceitos de intempestivo, escuridão e arcaico, que serão explicitados em seguida. A pergunta que inicia e, de toda forma, encerra a discussão é: “o que significa ser contemporâneo?”. Neste caso, devemos pensar mais especificamente “de quem e do que somos contemporâneos?”. A primeira resposta a isso, Agamben sugere que venha de Nietzsche. Para este autor, a contemporaneidade é uma condição intempestiva: está dada numa relação de desconexão e dissociação com o tempo presente. Somente aqueles que estão afastados do seu tempo (mas não de forma nostálgica), apreendem sua própria especificidade. Dessa forma, diz-nos Agamben, “a contemporaneidade é uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distancias”. aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela Este caráter intempestivo observado por Nietzsche, esse movimento de desconexão e dissociação é também representado por outra imagem, proposta pelo poeta Osip Mandel´stam: o tempo presente é uma vértebra quebrada, e ser contemporâneo é exatamente estar localizado nesta vértebra. Partindo para uma segunda definição do que é contemporâneo (melhor se dissermos uma segunda camada da mesma definição), Agamben sugere uma relação com o escuro: “contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. Portanto, conseguir ver nessa obscuridade é a condição de ser contemporâneo ao seu próprio tempo. Tendo em mente que o escuro do tempo não é uma ausência e sim uma construção histórica, podemos entender que ser contemporâneo é justamente “neutralizar as luzes que provém da época para descobrir as suas trevas, o seu escuro especial, que não é, no entanto, separável daquelas luzes”. Essa afirmação encontra-se fatalmente presente em nosso tempo: perceber o que há no “escuro” da comunicação ao neutralizar as luzes excessivas da televisão; entender o silencio, quando a música está exageradamente alta; as relações sociais, enquanto todos se evitam por pressa; a arte, enfim, quando o que há de produção artística é um sem-fim de lugares comum. É assim que Agamben nos sugere, de forma intimidadora, que ser contemporâneo é, sobretudo, uma atitude de coragem, nada mais que “ser pontal num compromisso ao qual se pode apenas faltar”. Faltar ao tal compromisso é justamente a atitude natural de uma vida cotidianizada, tendo em vista que tal

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Pensar o contemporâneo é, antes de tudo, colocar-se numa situação de quebra, fratura, desligamento.Contemporâneo é um estado de espírito, uma condição: de forma alguma pode ser tido como um dadotemporal. As reflexões a que este texto propõe dar ressonância estão embasadas no pensamento deGiorgio Agamben[1] e funcionam, aqui, como uma cartografia do seu texto, um apanhado geral de ideiasque servem, no propósito a que nos dispomos[2], pensar a arte e o mundo em que vivemos. A discussãogira em torno dos conceitos de intempestivo, escuridão e arcaico, que serão explicitados em seguida.

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  • Cartografia do contemporneo: o intempestivo emGiorgio AgambenPosted on 29/09/2011 | 1 Comentrio

    Pensar o contemporneo , antes de tudo, colocar-se numa situao de quebra, fratura, desligamento.Contemporneo um estado de esprito, uma condio: de forma alguma pode ser tido como um dadotemporal. As reflexes a que este texto prope dar ressonncia esto embasadas no pensamento deGiorgio Agamben[1] e funcionam, aqui, como uma cartografia do seu texto, um apanhado geral de ideiasque servem, no propsito a que nos dispomos[2], pensar a arte e o mundo em que vivemos. A discussogira em torno dos conceitos de intempestivo, escurido e arcaico, que sero explicitados em seguida.

    A pergunta que inicia e, de toda forma, encerra a discusso : o que significa ser contemporneo?. Nestecaso, devemos pensar mais especificamente de quem e do que somos contemporneos?. A primeiraresposta a isso, Agamben sugere que venha de Nietzsche. Para este autor, a contemporaneidade umacondio intempestiva: est dada numa relao de desconexo e dissociao com o tempo presente.Somente aqueles que esto afastados do seu tempo (mas no de forma nostlgica), apreendem suaprpria especificidade. Dessa forma, diz-nos Agamben, a contemporaneidade uma singular relaocom o prprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distancias.

    aqueles que coincidem muito plenamente com a poca, que em todos os aspectos a esta aderemperfeitamente, no so contemporneos porque, exatamente por isso, no conseguem v-la, no podemmanter fixo o olhar sobre ela

    Este carter intempestivo observado por Nietzsche, esse movimento de desconexo e dissociao tambm representado por outra imagem, proposta pelo poeta Osip Mandelstam: o tempo presente uma vrtebra quebrada, e ser contemporneo exatamente estar localizado nesta vrtebra.

    Partindo para uma segunda definio do que contemporneo (melhor se dissermos uma segundacamada da mesma definio), Agamben sugere uma relao com o escuro: contemporneo aquele quemantm fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber no as luzes, mas o escuro. Portanto, conseguir vernessa obscuridade a condio de ser contemporneo ao seu prprio tempo. Tendo em mente que oescuro do tempo no uma ausncia e sim uma construo histrica, podemos entender que sercontemporneo justamente neutralizar as luzes que provm da poca para descobrir as suas trevas, oseu escuro especial, que no , no entanto, separvel daquelas luzes. Essa afirmao encontra-sefatalmente presente em nosso tempo: perceber o que h no escuro da comunicao ao neutralizar asluzes excessivas da televiso; entender o silencio, quando a msica est exageradamente alta; as relaessociais, enquanto todos se evitam por pressa; a arte, enfim, quando o que h de produo artstica umsem-fim de lugares comum.

    assim que Agamben nos sugere, de forma intimidadora, que ser contemporneo , sobretudo, umaatitude de coragem, nada mais que ser pontal num compromisso ao qual se pode apenas faltar. Faltarao tal compromisso justamente a atitude natural de uma vida cotidianizada, tendo em vista que tal

  • compromisso (o tempo presente) algo inevitavelmente inapreensvel. O carter fugidio docontemporneo pode ser ilustrado com uma rpida reflexo sobre a moda: esta , de toda forma, algumacategoria vazia de tempo e espao. A moda algo que ao ser elaborado j passou, o agora da moda, oinstante em que esta vem a ser, no identificvel atravs de nenhum cronmetro. Dizer-se estar namoda, portanto, em si um contrassenso, tendo em vista que a moda no algo esttico e dado,encontra-se em contnua mutao, assim como o tempo.

    Estando o tempo, como vimos com a moda, dado numa relao de contiguidade (e, por isso mesmo,fugidio, inapreensvel), estabelece-se uma relao fundamental entre o tempo presente e passado: estarelao se d atravs do arcaico[3]. Aqui se estabelece o terceiro nvel da definio do contemporneoproposto no texto, e se d no sentido de que ser contemporneo perceber essa relao do tempo presentee o passado, estabelecido como origem, j que essa origem em nenhum ponto pulsa com mais fora doque no tempo presente.

    Atravs de apontamentos do texto Agamben (no substituindo, de forma alguma, a leitura do original,que alm de mais bela muito mais completa), pretendemos dar conta de pensar o que ocontemporneo e de como este termo pode ser aplicado ao pensar a arte. Conclumos, porm, com umacitao do prprio autor:

    Isso no significa que o contemporneo no apenas aquele que, percebendo o escuro do presente, neleapreende a resoluta luz; tambm aquele que, dividindo e interpolando o tempo, est a altura detransform-lo e de coloca-lo em relao com os outros tempos, de nele ler de modo indito a histria, decit-la segundo uma necessidade que provm de maneira nenhuma do seu arbtrio, mas de umaexigncia qual ele no pode responder. como se aquela luz invisvel, que o escuro do presente,projetasse a sua sombra, adquirisse a capacidade de responder s trevas do agora.

    [1] AGANBEM, Giorgio. O que contemporneo? In O que Contemporneo e outros ensaios.Chapec: Editora Argos, 2009.[2] Texto produzido pelo CAD MAMAN Coletivo Acervo em Dilogo do Museu de Arte ModernaAlusio Magalhes Recife.[3] Arcaico significa: prximo da ark, isto , da origem.

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    Leonardo | 30/09/2011 s 2:25 am | Responder

    Legal, nao tinha visto ainda que o texto estava postado. T ficando bonito o site da gente!