Cartilha Saúde Mental e Direitos Humanos - Livro

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Livro sobre direitos humanos e saúde mental

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  • Cartilha: Sade Mental e Direitos Humanos

    ABRE Associao Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia

    Rua lvaro Rodrigues, 182 So Paulo SP CEP: 04582-000 - Fone: (11) 5533 1789

    [email protected] www.abrebrasil.org.br

  • CENTRO DE DIREITOS HUMANOS CDH CNPJ: 03.895.316/0001-87

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE AMIGOS, FAMILIARES E PORTA-

    DORES DE ESQUIZOFRENIA ABRE CNPJ: 05.469.302/0001-27

    Texto e Pesquisa: Andr Zillio

    Assistente de pesquisa: Jos Alberto Orsi Colaborao: Jefferson Nascimento e Carolina Popoff Coordenao: Fabiola Fanti e Mara Soares Salomo

    Superviso: Joana Zylbersztajn

    Colaborao: Jorge Cndido de Assis

    Prof. Dr. Hlio Lauar

    Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais

    DIRETORIA DA ABRE 2009/2010

    Nilton Vargas - Presidente Jorge Cndido de Assis Vice-Presidente

    Wagmar Barbosa - Secretrio Wallace Bezerra de Menezes - Tesoureiro

    Diretores Adjuntos

    Ceclia Cruz Villares Jos Alberto Orsi

    So Paulo, 2010- Segunda Edio

    Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra,

    desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A

    responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea

    tcnica.

  • SUMRIO

    APRESENTAO ............................................................................... 01

    INTRODUO .................................................................................... 04

    I. SADE MENTAL E DIREITOS HUMANOS ................................ 07

    II. SADE MENTAL NO DIREITO ...................................................

    1.DIREITO INTERNACIONAL

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    2. DIREITO BRASILEIRO A) CONSTITUIO FEDERAL B) CAPACIDADE CIVIL, INTERDIO E CURATELA C) IMPUTABILIDADE PENAL D) TRIBUTOS E) RELAO DE TRABALHO E EMPREGO F) DIREITO SADE E MEDICAMENTOS

    III. SISTEMA DE ATENO EM SADE MENTAL ...................... A) HOSPITAIS PSIQUITRICOS B) UNIDADES/ CENTROS PSIQUITRICOS EM HOSPITAIS GERAIS C) ATENDIMENTO DE URGNCIA EM PRONTO-SOCORRO GERAL D) HOSPITAL-DIA E) CAPS F) OFICINAS TERAPUTICAS G) Atendimento Ambulatorial H) SERVIOS RESIDENCIAIS TERAPUTICOS I) Internao Psiquitrica J) CENTRO DE CONVIVNCIA E COOPERATIVA

    62

    IV. BENEFCIOS DESTINADO S PESSOAS COM TRANSTORNO METAL.......................................................................................................

    A) BENEFCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAO CONTINUADA B) SEGURADOS DA PREVIDNCIA SOCIAL C) AUXLIO-DOENA D) OS BENEFCIOS DE APOSENTADORIA E) AQUISIO DE MEDICAMENTOS F) De Volta para Casa G) COOPERATIVAS SOCIAIS

    78

  • V. SADE MENTAL NOS TRIBUNAIS ..............................................

    A) CAPACIDADE CIVIL B) CASAMENTO C) CURATELA D) MEDIDA DE SEGURANA E TRATAMENTO EM LIBERDADE E) RELAO DE TRABALHO E EMPREGO F) AUXLIO-DOENA G) BENEFCIO DE ASSISTNCIA CONTINUADA H) APOSENTADORIA POR INVALIDEZ I) MEDICAMENTOS J) INTERNAO EM HOSPITAL PSIQUITRICO L) INTERNAO COMPULSRIA M) Sade, Direito do Cidado, Dever do Estado

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    VI. RGOS RESPONSVEIS .............................................................

    A) INSS (DISQUE-PREV) B) SUS C) MINISTRIO PBLICO D) DEFENSORIAS PBLICAS E) OAB ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL F) Organizaes da Sociedade civil

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    VII. INFORMAES TEIS .............................................................. 121A) MINISTRIOS DA PREVIDNCIA SOCIAL B) MINISTRIO DO DESENVOLVIMENTO E COMBATE FOME C) MINISTRIO DA SADE D) MINISTRIO PBLICO E) DEFENSORIAS PBLICAS F) ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL G) TRANSPORTE PBLICO

    VIII. BIBLIOGRAFIA ...........................................................................

    ANEXOS

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  • 1

    Apresentao

    Esta Cartilha fruto da parceria entre as organizaes Centro de Direito Humanos CDH e a Associao Brasileira de Amigos, Familiares e Portadores de Esquizofrenia ABRE. Seu objetivo difundir noes gerais sobre direitos humanos relativos rea de sade mental, de forma clara e acessvel.

    A falta de informao agrava problemas enfrentados pelas pessoas com transtornos mentais. De um lado, a sociedade no tem conhecimento das caractersticas dos transtornos mentais e de suas possibilidades de tratamento e, como conseqncia, passa a agir de forma preconceituosa, aumentando o estigma e a exclu-so social dessas pessoas. De outro lado, as pessoas com tais transtornos, seus amigos e familiares, muitas vezes no tm aces-so a informaes importantes e indispensveis para o exerccio completo de seus direitos.

    O CDH e a ABRE se propuseram, por meio desta Cartilha, a identificar os direitos relativos sade mental, dispersos nas mais diversas reas do direito, como civil, penal, trabalhista e previdenciria, alm das leis especificas sobre esse tema. Procu-ramos, ainda, apresentar os programas governamentais destina-dos a promover a incluso e integrao dessas das pessoas com transtornos mentais na sociedade e os benefcios a que elas tm direito, como, por exemplo, o acesso gratuito medicaes, num contexto de entrecruzamento do direito individual com a respon-sabilidade social.

    Ainda so poucas as obras dedicadas ao tema e, as que e-xistem, geralmente no atingem a profundidade desejada e neces-sria. Os casos decididos pelo Judicirio a chamada jurispru-dncia - visam apenas interesses individuais isolados, sem abran-ger a sade mental como um todo. Quer dizer, as aes so pro-postas por uma s pessoa de cada vez, na tentativa de resolver um problema particular e especifico. No h muitos julgados que be-

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    neficiem a coletividade de pessoas com transtorno mental, como poderia ocorrer se aes coletivas, como a ao civil pblica e o mandado de segurana coletivo, fossem propostos por associa-es civis de defesa de direitos.

    O Brasil teve papel histrico importante na construo da poltica de sade mundial ao questionar o sistema de sade e o tratamento oferecido s pessoas com transtorno mental. A partir da dcada de 90, o poder Legislativo passou a editar leis reestru-turando o sistema de ateno em sade mental no Brasil, constru-indo junto a outros pases como Itlia e Frana uma tendncia mundial que indicava o atendimento em meio aberto de incluso social. No entanto, o que se percebe que os benefcios conquis-tados pelas pessoas com transtorno mental ainda so poucos se comparados queles destinados a outros grupos merecedores de ateno especial, como as pessoas com deficincia fsica que, de alguma forma, conseguiram uma maior incluso e mobilizao da sociedade em torno de suas necessidades e seus direitos.

    Os benefcios a que tm direito as pessoas com transtorno mental devem ser conhecidos e efetivamente pleiteados, para que de fato nossa sociedade promova uma igualdade real entre seus diversos membros, proporcionando o bem estar de todos e com-batendo qualquer forma de discriminao.

    Por tudo isso, a pesquisa que resultou nessa cartilha ino-vadora por trazer informaes s pessoas que no atuam exclusi-vamente na rea jurdica. Outra preocupao que tivemos foi a de usar linguagem simples e cotidiana, evitando as expresses do meio jurdico, e a de explicar, em linhas gerais, o funcionamento do sistema de sade, a estrutura das leis no Brasil e os instrumen-tos e rgos de promoo dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais.

    Seguindo os mais recentes movimentos sociais e a evolu-o acadmica sobre o tema, optamos adotar nesta cartilha as expresses: pessoa com transtorno mental ou pessoa que tem

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    transtorno mental, para indicar que no campo do direito deve-mos colocar o foco sobre a pessoa, que como tal tem uma digni-dade a ser respeitada e direitos que no lhe podem ser negados, ainda que estejamos discutindo os direitos de uma populao especfica, a que tem transtorno mental.

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    Introduo

    As pessoas com transtorno mental, durante muito tempo sofreram, e ainda sofrem, com a falta de informao, com o iso-lamento e com a discriminao da sociedade. So, muitas vezes, tratadas como desiguais, incapazes para certos atos. Como conse-qncia so normalmente segregadas da vida social e no desen-volvem plenamente suas capacidades.

    Lutar contra esta situao e contra esse senso comum pre-sente em nosso meio social fundamental, e tarefa de cada um de ns.

    Todo ser humano singular e tem direito vida digna. H a igualdade de direitos entre todos os seres humanos, indepen-dente de suas diferenas. Os direitos humanos igualdade, dig-nidade e no discriminao, assim como muitos outros que se-ro expostos ao longo de toda a cartilha, esto assegurados na Declarao Universal dos Direitos1, e na Constituio Federal2. , portanto, dever do Estado e da sociedade, zelar para que tais di-reitos sejam protegidos.

    A cartilha Sade Mental e Direitos Humanos tem o obje-tivo de informar s pessoas com transtorno mental, assim como seus familiares e amigos, os direitos que elas possuem. Estes di-reitos esto assegurados na legislao brasileira e internacional e no podem ser violados.

    fundamental que as pessoas com transtorno mental co-nheam e exeram seus direitos, pois s assim se tornaro cida-

    1 Para saber mais sobre a Declarao Universal dos Direitos Humanos consultar o item Direito Internacional. 2 Para saber mais sobre a Constituio Federal de 1988, consultar o subitem Constituio Federal, na parte de Direito Brasileiro.

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    dos ativos. O desconhecimento dos direitos pode facilitar o acon-tecimento de violaes, que ferem a dignidade humana.

    Esta cartilha tambm tem o objetivo de informar sobre as possibilidades de incluso das pessoas com transtorno mental em uma sociedade que muitas vezes as discrimina. Com o exerccio constante dos seus direitos, e a permanente luta para que eles sejam fortalecidos e ampliados, incentiva-se uma cultura de in-cluso e de no discriminao.

    A cartilha identifica, nas mais diversas reas do direito, aqueles de que as pessoas com transtorno mental so titulares. Esses direitos esto presentes em documentos internacionais, na Constituio Federal, no direito civil, penal tributrio, trabalhista, previdencirio e tambm em leis que tratam especificamente do tema na lei brasileira.

    Esta cartilha pretende dar s pessoas com transtorno mental, e tambm aos seus familiares e profissionais da sade, uma noo geral de tais direitos, para facilitar o seu exerccio. A cartilha pretende mostrar que nem sempre uma pessoa com transtorno mental estar incapacitada de exercer seus direitos diretamente.

    Outra questo que deve ser abordada, e que muitas vezes causa dvidas, a diferenciao entre transtorno mental e defici-ncia mental. Quando uma pessoa tem algum tipo de deficincia mental pode-se dizer que esta uma caracterstica dela (assim como ter olhos azuis ou cabelo enrolado), centrada num prejuzo da sua inteligncia ou da sua capacidade motora. Tal pessoa nas-ceu com aquela caracterstica, ou a adquiriu durante a vida e de-ver lidar com ela durante toda sua vida social e ocupacional.

    No caso do transtorno mental, pode-se dizer que ele se manifesta durante a vida da pessoa, e que pode ser controlado atravs de tratamentos teraputicos, e, eventualmente, pode de-saparecer. Como exemplos de transtornos mentais podemos citar a esquizofrenia, a depresso, o transtorno obsessivo compulsivo,

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    a sndrome do pnico, entre outros. Tais transtornos podem se manifestar isoladamente ou em conjunto (at ao mesmo tempo em que a deficincia mental).

    Finalmente, ressaltamos que a luta pela efetivao e am-pliao dos direitos humanos, em especial aqueles ligados sade mental, tema presente e extremamente importante. necess-ria a luta diria contra o estigma, muitas vezes reafirmada pelo meio social, e pela informao, no s das pessoas com transtorno mental acerca de seus direitos, mas tambm da sociedade sobre o que so os transtornos mentais.

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    I. SADE MENTAL E

    DIREITOS HUMANOS

    1. Evoluo e Conquista de Direitos

    As pessoas que tm transtorno mental foram discrimina-das e excludas da sociedade durante sculos. Nesta cartilha a-bordaremos esta questo propondo solues a partir da reviso dos direitos das pessoas que tm transtorno mental, tentando diferenciar estes transtornos de outros tipos de prejuzos cogniti-vos ainda hoje conhecidos como deficincia mental.

    Historicamente podemos identificar quatro grandes fases da poltica de ateno sade mental.

    Num primeiro momento, as pessoas com transtorno men-tal padeceram de um processo de excluso social completa, sendo deixadas sem amparo algum, prpria sorte, ou sendo vistas co-mo aberraes. A histria da loucura nos mostra que na Idade Mdia as pessoas com transtorno mental e com qualquer tipo de deficincia eram vistas como castigos de Deus e relegadas a uma vida de mendicncia.

    Num segundo momento da histria, passou-se segrega-o institucional. Essas pessoas eram completamente isoladas da sociedade em instituies destinadas exclusivamente a elas. Nes-ses locais, muitas vezes, eram privadas de visitas e de qualquer informao sobre o mundo exterior, o que normalmente gerava agravamento de sua situao ou surgimento de novos transtornos mentais; algumas, inclusive, nem possuam transtorno algum. No nos esqueamos, tambm, que em muitas dessas instituies praticavam-se corriqueiramente maus tratos, realizavam-se expe-rincias cientficas sem o consentimento dos pacientes e utiliza-

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    vam tratamentos cruis. Ainda hoje, em alguns hospitais psiqui-tricos, possvel encontrar pessoas abandonadas pela famlia e pelo Estado h dcadas e, conseqentemente, apresentando alto grau de dependncia institucional e agravamento de seu transtor-no mental.

    Na esteira desses fatos, novidades cientficas e novos pac-tos sociais permitiram polticas de tratamento e assistncia em sade mental alternativos ao hospital psiquitrico. Isto possibili-tou o acompanhamento da pessoa com transtorno mental no cur-so da construo progressiva da sua autonomia, preservando-lhe a liberdade, dentro de critrios de responsabilidade pessoal, fami-liar e institucional. Numa terceira fase, foi promovida a integra-o das pessoas sociedade, fazendo com que este tratamento pudesse ser feito o mais prximo do local onde a pessoa e sua famlia vivem de modo autnomo e independente. Numa quarta fase, busca-se inclu-las de forma scio-ocupacional e como cida-dos, que tm direito a ter direito, numa sociedade capaz de tole-rar diferenas.

    H uma grande diferena entre integrao e incluso. Sob o modelo da integrao, busca-se dar condies para que as pes-soas com transtorno mental e deficincia sejam capazes de se a-daptar vida em comunidade, ou seja, integram-se apenas os que conseguem viver de um modo semelhante maioria das pes-soas. Os que no o conseguem cumprir esta meta so deixados margem da comunidade. J sob a viso da incluso, as pessoas com transtorno mental continuam participando da sociedade, ou seja, no so excludas ou segregadas. Na incluso, no so ape-nas as pessoas com transtorno que devem se adaptar sociedade, mas a sociedade que deve se adaptar para permitir de modo tole-rante e solidrio a participao delas.

    Assim, na dcada de 80 e 90, principalmente, foram reali-zadas discusses em mbito internacional e nacional, que culmi-naram, em 1990, na Declarao de Caracas da Organizao dos Estados Americanos (OEA) e em diversas normas internas em

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    muitos pases. Todas essas normas, assim como a Declarao de Caracas, possuem como idia principal a integrao e, sobretudo, a incluso das pessoas com transtorno mental na sociedade, por meio de uma poltica de assistncia integral a essas pessoas e a seus familiares. H, inclusive, a uma mudana no modelo de tra-tamento em relao oferecido a elas. Antes, a internao em hos-pital psiquitrico era praticamente a nica forma de ateno em sade mental; atualmente existe uma srie de outras modalidades institucionais e tratamentos em meio aberto que do suporte ao tratamento necessrio sem afastar o paciente do local onde ele vive, buscando proporcionar, desde o incio, a incluso das pesso-as com transtorno mental na sociedade.

    Ainda em mbito internacional, a Organizao das Naes Unidas (ONU) aprovou, em 17/12/1991, por sua Assemblia-Geral, a Resoluo 46/119, que trata dos Princpios para a prote-o de pessoas acometidas de transtorno mental e a melhoria da assistncia sade mental. Esse documento estabelece uma srie de direitos relativos liberdade, igualdade, dignidade e sa-de das pessoas com transtornos mentais, bem como uma srie de procedimentos relativos internao e ao tratamento, inclusive medicamentoso, e de servios mnimos a serem prestados nos estabelecimentos de sade para garantir tais direitos. Essa resolu-o da ONU foi adotada pelo conselho federal de medicina (Reso-luo 1407 /94), como guia a ser seguido pelos mdicos do Brasil em 1994 (Anexo 1).

    Ressalta-se neste ponto que a mencionada resoluo do CFM foi substituda pela Resoluo 1952/2010 (Anexo 5). No en-tanto, h que se registrar a possvel ilegalidade da nova normati-va. Ao apenas adotar as recomendaes da Associao Brasileira de Psiquiatria, a nova Resoluo ignorou os princpios da ONU e da lei brasileira de reforma psiquitrica como se apresentar a seguir.

    No Brasil, o ano de 1987 o principal marco na mudana do modo como a sociedade lida com as pessoas com transtorno

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    mental. Foi nesse ano que um grupo de trabalhadores do setor de sade mental se reuniu em Bauru, no Estado de So Paulo, e fize-ram o Manifesto de Bauru. Esses trabalhadores reivindicavam uma reestruturao social e estatal no sentido de mudar o rumo da opresso sofrida nas fbricas, nas instituies de crianas e adolescentes e nos crceres, alm de lutar contra a discriminao contra os negros, homossexuais, ndios, mulheres e pessoas com transtorno mental. nesse momento que o Movimento de Traba-lhadores de Sade Mental lana a bandeira Pelo Fim dos Mani-cmios, associando essa forma de isolamento a todas as formas de opresso citadas. Esse movimento foi tido como o marco inici-al da Luta Antimanicomial no Brasil, que teve papel de destaque na implementao dos servios de sade substitutivos ao hospital psiquitrico, bem como na tentativa de humanizar o tratamento despendido s pessoas com transtorno mental.

    Foi tambm no ano de 1987 que se implementou o primei-ro Centro de Assistncia Psicossocial (conhecido pela sigla CAPS), na cidade de So Paulo. Como veremos adiante, o CAPS uma das formas alternativas de ateno em sade mental que existem em nosso pas atualmente. Em 1989, a prefeitura de Santos, SP, interveio na Casa de Sade Anchieta, fato que teve grande reper-cusso e mostrou, de forma inequvoca, a possibilidade de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquitri-co.

    Em 1988 foi editada a nossa atual Constituio e criado o Sistema nico de Sade - SUS. Em 1989 apresentado no Con-gresso Nacional o projeto de lei do deputado Paulo Delgado, sen-do a origem da Lei 10.216/2001 (Anexo 3) que redireciona a assis-tncia em sade mental.

    Assim, desde 1987, e mais efetivamente na dcada de 1990, tem-se verificado uma reforma do Sistema de Ateno em Sade Mental. Em 1991, o Ministrio da Sade criou uma srie de servios alternativos aos hospitais psiquitricos para tratamento,

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    ospitalares.

    integrao e incluso social das pessoas com transtorno mental3. So eles o CAPS, as Unidades Ambulatoriais, as oficinas terapu-ticas e as visitas domiciliares. No ano seguinte, o mesmo minist-rio regulamentou os servios criados pela Portaria anterior e criou outros4, a saber: o Hospital-dia, o Servio de Urgncia em Pronto Socorros Gerais e as Unidades de Psiquiatria em Hospitais Gerais.

    Em 1999, criaram-se, por meio da Lei n 9.867, as Coope-rativas Sociais para integrao de pessoas em desvantagem (conforme termos da lei). Entre essas pessoas esto aquelas com transtorno mental e os egressos de hospitais psiquitricos. No ano seguinte foi criado o servio de Residncias Teraputicas5 e o programa De Volta para Casa (por meio da Lei 10.708). Ainda entre 1990 e 2000, conforme dados do Ministrio da Sade, 57 hospitais psiquitricos foram desativados em todo o territrio nacional, com a extino de 30 mil leitos e a criao de mais de 100 servios de cuidados extra-h

    Ressalva-se, no entanto, que no observou-se na poca uma atuao proporcional do Estado para dar ateno a todas essas pessoas desospitalizadas, permitindo sua freqncia regular s novas instituies, segundo suas necessidades clinicas. Levan-do-se em conta que os servios de cuidados extra-hospitalares (Centro de Ateno Psicossocial CAPS e outros) ainda so insu-ficientes, esta poltica acabou sobrecarregando algumas famlias, que nem sempre so assistidas com medidas complementares na sua nova condio (cuidar das pessoas com transtornos mentais em casa e na estrutura do funcionamento familiar). Entre 1988 e 2003 houve uma reduo de verbas para a sade mental que che-gou a ser de 40% per capita. Este um fato preocupante, conside-rando-se que em casos de transtornos mentais graves pode haver a necessidade de internao por um perodo curto de tempo para o controle de eventuais crises, bem como h a necessidade de in-

    3 Portaria SNAS no 189 4 Portaria SNAS no 224 5 Portaria GM 106, do Ministrio da Sade

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    vestimento em estruturas que permitam a reabilitao scio ocu-pacional.

    No Brasil, somando os leitos psiquitricos disponveis mais os servios fornecidos pelos CAPS, ainda h uma grande insuficincia nos atendimentos s necessidades em sade mental. Segundo estudo recente6, existem 10.188.000 pessoas com trans-torno mental grave das quais 5.263.000 so persistentes. Consi-derando os atendimentos institucionais que precisam ser feitos e a estrutura disponibilizada pelos 689 CAPS e 42.076 leitos psi-quitricos no pas, h a sinalizao para a necessidade urgente de ampliao da rede de atendimento.

    No captulo Sistemas de Ateno em Sade Mental ve-remos cada um dos servios e polticas pblicas de tratamento, integrao e incluso das pessoas com transtorno mental.

    Cumpre destacar ainda que tm sido criadas comisses federais, estaduais e municipais para averiguar a qualidade desses servios (inclusive dos hospitais psiquitricos) e para propor pol-ticas pblicas de ateno em sade mental. Este um instrumen-to importante de participao de entidades organizadas e repre-sentativas, para alterar a realidade dos tratamentos e da incluso das pessoas com transtorno mental.

    2. Os Principais Marcos

    Legislativos

    No tpico anterior vimos como a sociedade, ao longo da histria, modificou sua forma de lidar com os transtornos mentais e como o Brasil se inseriu nesse contexto, com a criao de um Sistema de Ateno em Sade Mental. Neste ponto cabe ressaltar

    6 Marcelo Feij Filho et al. Epidemiologia da Sade Mental no Brasil. Artmed Editora, 2007, pgs 42 e 138.

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    os principais marcos legislativos existentes que servem de base para a atual e futura implementao do tratamento e da incluso social das pessoas com transtorno mental.

    No mbito internacional, cujas regras tm validade no Brasil, existe a Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), um dos primeiros documentos internacionais a estabele-cer os direitos essenciais da pessoa humana, resultado da mobili-zao da comunidade internacional ps Segunda Guerra. A Decla-rao Universal ser objeto de anlise mais aprofundada no cap-tulo sobre o Direito Internacional.

    Ainda na esfera internacional, existe a Declarao de Ca-racas de 1990, que, embora no possua fora de lei, uma reco-mendao e um apelo aos Governos nacionais para que imple-mentem um sistema de ateno mais adequado s pessoas com transtorno mental, de acordo com a idia mais moderna de abso-luta incluso social de toda pessoa humana.

    Como veremos com mais detalhes no captulo sobre o Di-reito Internacional, essa Declarao possui como principal objeti-vo humanizar as relaes sociais e teraputicas em face das pes-soas com transtorno mental. Segundo a Declarao, os hospitais psiquitricos no so uma boa forma de se lidar com os transtor-nos mentais, pois absolutamente comum nesses estabelecimen-tos a violao dos direitos da pessoa internada. Assim, esse do-cumento estabelece que devem ser criadas formas de tratamento distintas da internao psiquitrica e, no caso de a internao ser realmente necessria, deve ocorrer em hospitais gerais7.

    No mbito interno, a Constituio Federal estabeleceu como um dos fundamentos da Repblica Brasileira a dignidade da pessoa humana e como um de seus objetivos a promoo do

    7 A diretriz principal da Declarao a ser seguida pelas polticas pblicas em sade mental justamente essa: reduzir a quase zero o tratamento de pessoas com transtorno mental via internao. No entanto, importante lembrar que h casos graves que ainda requerem a internao, desde que respeitados os princ-pios de direitos humanos aqui tratados.

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    bem estar de todos. Isso cria uma obrigao ao Estado e socie-dade civil de promover aes que atinjam essas finalidades.

    Temos ainda, no Brasil, a Lei 10.216, de 06 de abril de 2001. Essa lei tem um significado importantssimo, pois, em con-formidade com a Declarao de Caracas, estabelece os novos ru-mos na rea de sade mental que foram objeto de intensas dis-cusses na dcada de 90. Nessas discusses foi constatada a ne-cessidade de superao absoluta do modelo assistencial existente at o final da dcada de 1980, denominado hospitalocntrico, por ter como principal - ou nica - forma de tratamento o hospital psiquitrico. Nesse sistema, foram constatados diversos tipos de violaes aos direitos humanos de pessoas com transtornos men-tais, assim como a presena de condies que levavam a um gran-de isolamento dessas pessoas. Desta forma, props-se a adoo dos modelos substitutivos de assistncia psiquitrica j vistos no tpico anterior8.

    Alm da mudana no modelo assistencial em sade men-tal, essa lei traz tambm os direitos das pessoas com transtornos mentais, que devem ser assegurados sem qualquer tipo de discri-minao. A lei assume que responsabilidade do Estado o desen-volvimento da poltica de sade mental, a assistncia e a promo-o de aes de sade s pessoas com transtornos mentais, com a devida participao da sociedade e da famlia. Esta posio foi assumida a partir da Constituio Federal de 1988, que tambm trata das diretrizes norteadoras da rea de sade.

    No que diz respeito s internaes, a lei estabelece que e-las devam visar reinsero social do paciente em seu meio e que s sero indicadas quando os recursos extra-hospitalares se mos-trarem insuficientes. Deve-se ressalvar ainda que as internaes involuntrias s podero ser realizadas mediante laudo mdico

    8 No se confunde internao psiquitrica com tratamento asilar. Como men-cionado anteriormente, a internao psiquitrica pode ser necessria em casos graves, desde que excepcionalmente e desde que respeitados os princpios de direitos humanos.

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    que caracterize seus motivos e que devem ser notificadas ao Mi-nistrio Pblico, no prazo de 72 horas, nos casos em que se dem contra a vontade do paciente. Para a garantia do tratamento com humanidade, a lei estabeleceu, ainda, diversos direitos aos paci-entes internados, que sero vistos no captulo Sistema de Ateno em Sade Mental, no tpico Internao Psiquitrica.

    As instituies em que se do as internaes no podem apresentar caractersticas asilares, desprovidas de servios mdi-cos, assistncia social, psiclogos, terapeutas ocupacionais, ativi-dades de lazer e outros. Assim, essas instituies devem obedecer a diretriz estabelecida na Lei 10.216/2001, qual seja, a internao deve visar exclusivamente a atender as pessoas com transtorno mental em momentos de crise, no podendo de forma alguma significar uma excluso social.

    A Lei ainda estabelece as principais formas de internao psiquitrica, o que tambm ser visto no capitulo Sistema de A-teno em Sade Mental.

    Em relao aos pacientes hospitalizados por muito tempo, so considerados dependentes institucionais aqueles que no possuem famlia capaz de ajud-los ou a possibilidade de deixa-rem o hospital imediatamente. Esses tero sua reabilitao psi-cossocial como objeto da poltica especfica de alta planejada e reabilitao psicossocial assistida, conforme dispe a lei. A idia que essas pessoas sejam tratadas adequadamente para serem in-cludas na comunidade. Dessas polticas merecem destaque o benefcio De Volta para Casa e as cooperativas sociais, que sero tratadas mais adiante.

    H ainda dois importantes instrumentos emitidos pelo Conselho Federal de Medicina para a defesa de direitos em sade mental. O primeiro a Resoluo do Conselho Federal de Medici-na 1407/94 que adota a Resoluo 46/119 da ONU como guia a ser seguido pelos mdicos do Brasil (Anexo 1). O segundo a Re-soluo do Conselho Federal de Medicina 1408/94 que regula-

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    menta o tratamento em Sade Mental (Anexo 2). Estas resolues so uma forte ferramenta de defesa de direitos, na medida em que envolvem diretamente a responsabilidade do mdico frente a sua entidade de classe. Como se pode ver nas resolues, o cumpri-mento dos procedimentos indicados garante os direitos da pessoa e evita o tratamento de carter asilar. Observa-se que essas Reso-lues foram substitudas pela Resoluo 1952/2010 do CFM, representando um retrocesso na garantia de direitos de pessoas com transtornos mentais.

    3. Responsabilidade do Estado e da Soci-edade

    A Seguridade Social9

    A Seguridade Social um conjunto integrado de aes dos Poderes Pblicos e da sociedade, baseado nos princpios do bem-estar da populao e da solidariedade da sociedade, que visa asse-gurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social.

    Conforme o texto da Constituio Federal, a participao da sociedade com a promoo do bem de todos se d: indireta-mente, ao pagar seus impostos, fornecendo meios financeiros para o Estado agir e, diretamente, atravs de atuaes de cada cidado, promovendo a incluso no dia-a-dia, ou entidades da

    9 Wagner Balera. Sistema de Seguridade Social. 3a ed. So Paulo: LTr, 2003. Miguel Horvath Jnior. Direito Previdencirio. 4a ed. So Paulo: Quartier Latin, 2004. Jos Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20a ed. So Pau-lo: Malheiros, 2002.

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    sociedade civil e da participao de todos na gesto do Sistema de Seguridade Social.

    Amparado pelo princpio da solidariedade, nem todos con-tribuem economicamente da mesma maneira e aproveitam os benefcios estatais do mesmo modo. Quem possui um poder aqui-sitivo maior paga tributos mais elevados (quem tem mais paga mais) e somente as pessoas consideradas em situao de vulnera-bilidade por motivos econmicos, de sade, de idade ou, ainda, por possurem alguma deficincia podem desfrutar de determi-nados benefcios fornecidos pelo Estado e custeados por toda a sociedade.

    Conforme dissemos, um dos objetivos do Estado brasileiro a promoo do bem-estar de todos. Para que esse objetivo seja cumprido, a Constituio Federal e um conjunto de leis assegu-ram direitos mnimos para que os cidados tenham segurana ao enfrentar os riscos inerentes vida, e para que seja garantida sua dignidade enquanto pessoa humana.

    Esses riscos so os mais variados, todos prejudicando de alguma forma o bemestar da pessoa. Por exemplo, citamos o risco de ficar doente, desempregado, impossibilitado para o tra-balho face idade, acidente ou possuir uma deficincia.

    O Sistema de Seguridade Social dividido em trs subsis-temas, o da Assistncia Social, o da Sade e o Previdencirio. Ca-da um deles possui um objetivo especfico, conforme veremos nos itens seguintes.

    a) O Sistema da Assistncia Social

    O Sistema da Assistncia Social possui como objetivo principal a proteo das pessoas que esto em situao de vulne-rabilidade social, isto , aqueles que no possuem renda para ga-rantir a prpria subsistncia, nem possuem famlia que os ampa-re. Assim, qualquer pessoa que se encontre nessa situao e que

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    preencha os requisitos estabelecidos em leis especficas pode ser beneficiada por este sistema, sem a necessidade de uma contribu-io especfica para isso.

    Por meio dessas aes do Estado so concedidos, por e-xemplo, cesta-bsica, salrio-famlia e bolsa-escola, visando proteo da famlia, da maternidade, da infncia e adolescncia e combatendo a pobreza e a excluso social. H, ainda, o dever do Estado de garantir a habilitao e reabilitao das pessoas com deficincia ou doena e a promoo de sua incluso na vida co-munitria.

    A Constituio tambm garante um benefcio mensal s pessoas com deficincia e aos idosos que no possam prover sua subsistncia, nem ser amparados pela famlia. o chamado Be-nefcio Assistencial de Prestao Continuada, que pela sua im-portncia para o tema desta cartilha, ser tratado com mais deta-lhes no captulo Benefcios.

    Sua organizao se d pela descentralizao poltico-administrativa e com participao da populao. Isso significa que a Unio estabelece as normas gerais, a serem complementa-das pelos Estados, Municpios e Distrito Federal, conforme situa-o da regio e do local, e coordena os programas do Sistema de Seguridade Social em todo o pas. O Distrito Federal, os Estados e os Municpios coordenam e executam os programas em seu terri-trio. Significa ainda que a populao pode participar, por meio de organizaes representativas, como associaes civis, e parti-cipando de conselhos administrativos quando previsto em lei, na formulao, implementao, gesto, fiscalizao e acompanha-mento das polticas pblicas e atividades da seguridade social.

    b) O Sistema de Sade

    O Sistema de Sade possui como principal objetivo a pro-moo da sade de toda a populao, independente de contribui-

  • 19

    o especfica ou do poder aquisitivo da pessoa, por meio de aes que previnam doenas e de aes que protejam e curem os enfer-mos.

    Nas aes de recuperao, o Estado deve fornecer os servi-os mdicos, hospitalares, os remdios e todas as outras aes que sejam necessrias recuperao das pessoas que no estejam em plena sade, alm de cuidar da sade dos trabalhadores.

    J nas aes preventivas, o Estado deve garantir a reduo do risco da doena e de outros agravos sade, por meio de pol-ticas pblicas sociais e econmicas nas mais diversas reas. Isso inclui aes tais como o saneamento bsico, a formao de recur-sos humanos na rea de sade, a vigilncia nutricional, e orienta-o alimentar e a proteo do meio ambiente, includo o do traba-lho, fiscalizao e inspeo de alimentos e bebidas, bem como qualquer outro produto de qualquer modo relacionado sade. Deve ainda promover o aprimoramento tecnolgico na rea de sade e afins e instituir a poltica de sangue e seus derivados.

    Note-se que a sade no a pura e simples ausncia de doenas, mas, conforme a Organizao Mundial da Sade (OMS), o estado de completo bem-estar fsico, mental e social da pesso-a. Vale dizer que o meio acadmico avana em relao a esse con-ceito, por no acreditar ser possvel esse estado de bem-estar permanente. Desta forma, a sade a constante busca por esse estado de equilbrio, reafirmando a necessidade de cada um ser ativo nessa conquista.

    Os recursos financeiros do Sistema de Sade tambm pro-vm basicamente do oramento da seguridade social. Havia ain-da uma verba extra obtida por uma porcentagem da arrecadao da Contribuio Provisria sobre Movimentaes Financeiras CPMF , tributo recolhido nas movimentaes bancrias, extinto em 2008.

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    c) O Sistema Previdencirio

    No Sistema Previdencirio, somente podem ser beneficia-das pelas aes estatais as pessoas que contribuem periodicamen-te para a Previdncia e seus dependentes, alm de se encontrarem na situao do risco previsto na lei. Veremos no captulo Benef-cios, quais so as pessoas que podem ser favorecidas (os segura-dos) e quem deve contribuir para esse sistema.

    O Sistema Previdencirio compreende trs regimes de se-guridade: o Regime Geral da Previdncia Social10, o Regime Espe-cial de Previdncia Social11, e o Regime da Previdncia Privada.

    Aqui nos interessa o Regime Geral de Previdncia Social, que abrange o maior nmero de trabalhadores no pas. So mui-tos os benefcios concedidos por esse regime. De um modo geral, eles possuem como objetivo assegurar os seguintes riscos: doen-a, impossibilidade para o trabalho, morte, includos os resultan-tes de acidente do trabalho, idade avanada, priso e desemprego involuntrio (que no tenha ocorrido por opo do trabalhador).

    O Regime Geral ainda ajuda a manuteno dos dependen-tes dos segurados de baixa renda e protege a maternidade e a ges-tante.

    Alm dos benefcios em dinheiro, o Regime Geral de Pre-vidncia Social ainda possui servios sociais e programas de habi-litao e reabilitao profissional das pessoas que se tornem im-possibilitadas, total ou parcialmente, para o trabalho, inclusive por motivos de transtorno mental. Os servios sociais ainda com-preendem um conjunto de aes para esclarecer os beneficirios desse regime sobre seus direitos e solucionar os problemas entre

    10 So segurados os trabalhadores e seus dependentes, da iniciativa privada ou de empresa pblica, desde que sejam contratados sob o regime da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT). 11 So segurados os funcionrios pblicos e seus dependentes, contratados sob as regras de lei especial.

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    os segurados e a Previdncia Social, inclusive com participao da sociedade, atravs de entidades representativas.

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    II. SADE MENTAL NO DIREITO

    1. Direito Internacional

    importante ressaltar que, para as finalidades da presente Cartilha, trataremos de uma rea especfica do Direito Interna-cional geral, qual seja, o Direito Internacional dos Direitos Hu-manos, que guarda maior similaridade com o tema Sade Mental e Direitos Humanos. O Direito Internacional dos Direitos Huma-nos teve origem no contexto do ps-Segunda Guerra Mundial, perodo no qual a indignao com a barbrie ocasionada pelo con-flito despertou, na comunidade internacional, o desejo de fixar regras tratando dos direitos essenciais do ser humano universal-mente considerado, ou seja, independentemente do pas de ori-gem. Essa mudana de conscincia apontada por alguns autores como um marco da modernidade, trazendo ao debate em todas as partes do mundo a importante temtica dos Direitos Humanos. Assim, ser feita referncia, a seguir, aos principais instrumentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com meno importncia deles no que toca ao tema Sade Mental e Direitos Humanos.

    Em 10 de dezembro de 1948 foi aprovada pela Organiza-o das Naes Unidas (ONU) a Declarao Universal dos Direitos Humanos12. Pela primeira vez na histria a comuni-dade internacional expressava seu desejo de considerar os seres humanos iguais em dignidade e direitos, livres desde o nascimen-

    12 Declaraes so diretrizes que exprimem um consenso de determinada comu-nidade, so recomendaes que no obrigam juridicamente, mas trazem as a-es ideais a serem assumidas pelos Estados.

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    to, dotados de razo e de conscincia, devendo agir uns para com os outros em esprito de fraternidade. O conceito de dignidade humana (prembulo e art. 1) trazia na Declarao Universal seus primeiros contornos, identificando-se com a idia de que todos os seres humanos devem ser tratados com respeito. A Declarao Universal tambm traz expressa previso do direito a um nvel de vida suficiente para lhe assegurar, entre outros, assistncia mdi-ca e servios sociais necessrios segurana na doena e em ou-tras situaes (art. 25.1).

    Em 1966, a Comisso de Direitos Humanos da Organiza-o das Naes Unidas - ONU13 aprovou dois tratados internacio-nais14 de grande importncia: o Pacto Internacional de Direi-tos Civis e Polticos e o Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais15. Este ltimo prev em seu texto o reconhecimento do direito de todos a usufruir os mais altos padres possveis de sade fsica e mental (art. 12.1). Alm disso, os dois Pactos previram o estabelecimento de um sistema de anlise de relatrios, a serem enviados pelos pases, por meio do qual possvel verificar se os compromissos assumidos estari-am realmente sendo cumpridos.

    Em 17 de dezembro de 1991, a Assemblia-Geral da ONU16 apresentou uma resoluo17 contendo os Princpios para a

    13 rgo da ONU encarregado de tratar de questes envolvendo direitos huma-nos. Em maro de 2006 a ONU aprovou a criao do Conselho de Direitos Hu-manos, que ir substituir a Comisso de Direitos Humanos, basicamente com as mesmas funes. 14 Tratados internacionais so normas jurdicas que obrigam os pases que os aceitam. So ratificados (aceitos) e depois internalizados no sistema jurdico nacional. 15 Os Pactos mencionados so Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais o Brasil faz parte. Seus contedos foram includos no ordenamento jurdico brasileiro, portanto tm fora de lei. 16 rgo composto por todos os pases que fazem parte da ONU. 17 Instrumento jurdico de carter recomendatrio (como as declaraes), apro-vado por maioria.

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    Proteo de Pessoas com Doena Mental e Incremento dos Cuidados com a Sade Mental. Esta resoluo um do-cumento detalhado sobre os direitos das pessoas com transtorno mental. Conforme salientamos anteriormente, ela importante na medida em que o Conselho Federal de Medicina a adotou co-mo guia a ser seguido pelos mdicos do Brasil (Resoluo do CFM 1407/94, substituda pela Resoluo 1952/2010 (Anexo 5), um retrocesso garantia de direitos da pessoa com transtorno mental, conforme explicitado acima).

    Esta uma ferramenta relevante para humanizar o trata-mento s pessoas com transtorno mental. Dentre os princpios declarados encontram-se:

    O direito que todas as pessoas tm aos melhores cuidados em sade mental disponveis, que devero ser parte do siste-ma de sade e assistncia social;

    O direito de todas as pessoas com doena mental (ou assim referidas) serem tratadas com humanidade e respeito, de-corrente da dignidade inerente pessoa humana;

    O direito a que todas as pessoas com doena mental, ou que estejam sendo tratadas como tais, sejam protegidas de ex-plorao de natureza econmica, sexual e outras, abusos fsicos e outros, bem como tratamento degradante;

    O direito de viver e trabalhar, tanto quando possvel, em co-munidade.

    Em 1993, na cidade de Viena, realizou-se a Segunda Con-ferncia Mundial sobre Direitos Humanos, um dos grandes en-contros das Naes Unidas decorrentes de nova viso de mundo, vinda do contexto ps-Queda do Muro de Berlim. Em tal ocasio, os pases presentes renovaram os valores pactuados 45 anos an-tes, na Declarao Universal dos Direitos Humanos, expressando, atravs da Declarao de Viena e do Plano de Ao, dentre diver-sos aspectos:

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    a. A prioridade promoo e proteo dos Direitos Huma-nos conferida pela comunidade internacional.

    b. O reconhecimento e a afirmativa de que todos os Direitos Humanos derivam da dignidade e valor inerentes s pes-soas humanas.

    c. A relao estreita entre Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento.

    Declarao de Caracas (Anexo 4)

    Em novembro de 1990 realizou-se em Caracas, na Vene-zuela, a Conferncia Regional para a Reestruturao da Assis-tncia Psiquitrica no Continente. Essa Conferncia foi convoca-da pela Organizao Pan-americana da Sade (OPAS)18 e pela Oficina Regional da Organizao Mundial da Sade para as Am-ricas19 e produziu a chamada "Declarao de Caracas" que, embo-ra no possua fora de lei, consiste em uma recomendao aos Governos nacionais para implementar mudanas legislativas e sociais, e em um parecer de especialistas da rea de sade mental acerca da melhor forma de se lidar com os transtornos mentais.

    Organizaes, associaes, autoridades, legisladores e ju-ristas reunidos fizeram um apelo aos diversos pases, para que seus Ministrios de Sade e de Justia, Parlamentos, Sistemas de Seguridade Social, organizaes profissionais, associaes de u-surios, universidades e outros centros de treinamento e meios de comunicao de massa apoiassem a Reestruturao da Ateno Psiquitrica20 proposta. Esse apoio seria necessrio para assegu-

    18 rgo da Organizao dos Estados Americanos (OEA). 19 A Organizao Mundial da Sade (OMS) um rgo da Organizao das Na-es Unidas (ONU) 20 A reestruturao da ateno psiquitrica proposta deve ter por objetivos ga-rantir a dignidade e os direitos dos pacientes, basear-se em critrios tecnicamen-

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    rar o sucesso de seu desenvolvimento em benefcio das popula-es dos pases da Amrica Latina (Opas, 1990).

    Em termos gerais, a Declarao de Caracas parte da idia de que a internao hospitalar uma forma de tratamento que no se mostra adequada, principalmente em hospitais psiquitri-cos, pois tende a isolar o paciente de seu meio social e caracteriza uma situao de perigo de violao aos direitos humanos. Sendo assim, a internao deve ser considerada como um ltimo recur-so, devendo apenas ser realizada, em casos extremamente neces-srios, em hospitais gerais21.

    Assim, a Declarao estabelece que o modelo de Assistn-cia deve guiar-se pela descentralizao (por meio dos Sistemas Locais de Sade22), mantendo a pessoa em seu meio social. Ela tambm determina que a legislao em sade mental deva prote-ger a dignidade e direitos das pessoas que sofram de algum trans-torno mental, assim como organizar os servios comunitrios nesta rea.

    O governo brasileiro participou das reunies que tiveram como resultado a Declarao de Caracas, sendo que o Ministrio da Sade do pas incorporou essas diretrizes e agiu no sentido de reorientar o modelo de ateno em sade mental no Brasil.

    te adequados e promover a manuteno do paciente no seu meio social, evitan-do, assim, o isolamento do paciente, a violao de seus direitos humanos e a excluso social. 21 Hospitais gerais so estabelecimentos que atendem todos os tipos de enfermi-dades. 22 O conceito de Sistema Local de Sade (SILOS) considera como aspectos fun-damentais a reorganizao do nvel central de administrao, a descentralizao e a desconcentrao da estrutura administrativa, o desenvolvimento da partici-pao social, a implantao da intersetorialidade, a readequao dos mecanis-mos de financiamento do setor de sade e o desenvolvimento de um modelo de ateno que procure desenvolver a capacidade de anlise da situao de sade das populaes, a estratgia de Vigilncia Sade, a integrao dos programas de preveno e controle dos agravos, o reforo da capacidade administrativa local e a capacitao continuada da fora de trabalho.

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    Na dcada de 90 diversas portarias23 foram expedidas no sentido de estabelecer servios substitutivos aos hospitais psiqui-tricos, ampliar e diversificar os procedimentos cobertos pelo Sistema nico de Sade SUS (Tabela do SIH/SUS24 e SI-A/SUS25). Alm disso, determinam padres mnimos de recursos tcnicos e humanos, cuidados e tratamentos para o funcionamen-to dos servios de sade mental no Brasil e modificam a forma de financiamento ao setor privado, medidas condizentes com os compromissos assumidos pela Declarao de Caracas.

    Em 2001, depois de demorada tramitao legislativa, foi finalmente aprovado o projeto de lei do Deputado Paulo Delgado com algumas das alteraes feitas pelo Senado Federal, em con-formidade com os ditames da Declarao de Caracas, embora o projeto original fosse mais ambicioso, prevendo a extino pro-gressiva dos hospitais psiquitricos. Essa lei teve o propsito de reformar significativamente a assistncia psiquitrica em nvel nacional. Trata-se da Lei 10.216/2001, que ser exposta no cap-tulo sobre legislao especfica.

    23 Portarias so normas jurdicas atravs das quais autoridades de nvel inferior ao Chefe do Executivo (Presidente, Governadores ou Prefeitos) dirigem-se a seus subordinados, transmitindo decises de efeito interno (como andamento de atividades, questes relativas vida funcional de servidores etc). 24 SIH/SUS: Sistema de Informaes Hospitalares do Sistema nico de Sade. Tem dentre inmeras funes fornecer informaes para viabilizar a efetuao do pagamento dos servios hospitalares prestados pelo SUS. 25 SIA/SUS: Sistema de Informaes Ambulatoriais do Sistema nico de Sade. Fornece informaes bsicas para o gerenciamento do SUS, devendo atender aos 3 nveis de gesto, quais sejam, o Ministrio da Sade, as Secretarias Estaduais de Sade e Secretarias Municipais de Sade.

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    2. Legislao Brasileira

    A) Constituio Federal (CF)

    A Constituio Federal (CF) a lei mais importante do pa-s. Nela esto escritas as normas que regulam os direitos e garan-tias dos cidados, a forma como deve ser o governo, como deve ser o exerccio do poder do Estado, entre outras disposies. To-dos devem obedecer ao que diz a CF, incluindo os trs poderes que compem o Estado (Executivo, Legislativo e Judicirio). To-das as outras leis que forem criadas tambm devem estar de acor-do com as regras da Constituio.

    A CF, por ser uma norma que estabelece as diretrizes es-senciais do Estado, no tratou especificamente dos direitos das pessoas que tm algum transtorno mental. Entretanto, por meio da anlise das diretrizes constitucionais (contidas nos art. 1, in-ciso III, art.3, inciso IV e art. 5, caput), percebe-se que nenhu-ma pessoa pode sofrer qualquer tipo de discriminao, tampouco as que tm algum tipo de transtorno mental.

    Isso porque a Constituio estabelece que todos so iguais em direitos e obrigaes e os tratamentos diferenciados somente so possveis quando visam igualdade material, ou seja, quando se destinam a corrigir alguma injustia, dando as mesmas opor-tunidades a um grupo de pessoas que por alguma razo no pos-suem seu direito de igualdade efetivado.

    Ainda conforme a Constituio, todo tratamento relativo a qualquer pessoa, inclusive as com transtorno mental, deve ser pautado pelo princpio da dignidade da pessoa humana. Alm disso, a Constituio Federal garante assistncia jurdica gratui-

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    ta para as pessoas que no possuam recursos para pagar um advogado26.

    CONSTITUIO FEDERAL Art. 1, inci-so III.

    Art. 1o A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana

    Art. 3, in-ciso IV.

    Constituem objetivos fundamentais da Re-pblica Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem precon-ceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao

    Art. 5, ca-put.

    Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-sileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberda-de, igualdade, segurana e proprieda-de....

    Art.5, inci-so LXXIV.

    O Estado prestar assistncia jurdica inte-gral e gratuita aos que comprovarem insufi-cincia de recursos.

    Art. 196. A sade direito de todos e dever do Esta-do, garantido mediante polticas pblicas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao a-cesso universal e igualitrio s aes para sua promoo, proteo e recuperao

    26 Para saber os locais de assistncia jurdica gratuita, consultar o item Infor-maes teis desta cartilha.

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    Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Es-tado e da famlia, ser promovida e incenti-vada com a colaborao da sociedade, visan-do ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho.

    B) Capacidade Civil, Interdio e Curatela

    1) Capacidade Civil27

    Todas as pessoas tm direitos, mas nem todas podem e-xerc-los pessoalmente, pois falta a elas o discernimento exigido para tanto.

    Essas pessoas so denominadas pelo Direito como inca-pazes de praticar os atos da vida civil28, e essa incapacidade varia conforme as diferentes formas que a falta de discernimento pode apresentar.

    Quando declarada pelo juiz, a incapacidade dividida em dois graus: a absoluta e a relativa. A incapacidade absoluta ocorre quando o indivduo no pode exercer seus direitos sem o auxlio de outra pessoa. J a incapacidade relativa acontece quando a pessoa tem a possibilidade de realizar apenas uma parte dos atos da vida civil.

    27 Caio Mario da Silva Pereira. Instituies de Direito Civil, 20 ed., vol. 1, rev. e atual., Rio de Janeiro, Forense, 2001. 28 Podemos citar como exemplos de atos da vida civil o casamento, a compra e venda, o aluguel de um imvel, a assinatura de um contrato, realizao de um testamento, a doao, o emprstimo, entre tantos outros.

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    Incapacidade Absoluta

    Tanto na rea do direito quanto na mdica muito difcil afirmar ao certo o quanto o transtorno mental tornou o indivduo incapaz para os atos da vida civil, considerando a imensa diversi-dade que podem assumir seus estgios e conseqncias.

    Em geral, considera-se como absolutamente incapaz aque-la pessoa a quem a percia mdica indique que falte o discerni-mento, que se mostra incapaz de avaliar perfeitamente os atos que pratica.

    Os absolutamente incapazes tm direitos, mas no so permitidos de exerc-los pessoalmente. So representados por pessoas que agem em seu nome, falam e decidem por eles, como o caso do curador da pessoa interditada, que veremos a seguir.

    Quando o absolutamente incapaz pratica algum ato da vi-da civil, este ato pode ser declarado nulo judicialmente, isto , declara-se que nunca existiu validamente, j que uma das partes que praticou o ato no tinha capacidade para entender o que esta-va fazendo e as conseqncias deste ato.

    A existncia da incapacidade deve ser verificada em pro-cesso judicial, no qual se decidir, caso ela seja constatada, pela interdio da pessoa com a nomeao de um curador que o repre-sente nos atos da vida civil.

    O artigo 3 do Cdigo Civil determina que so absoluta-mente incapazes para exercer os atos da vida civil os menores de dezesseis anos; os que, por possurem enfermidade, transtorno ou deficincia mental no tiverem o necessrio discernimento para a prtica desses atos; e os que, mesmo por causa transitria, no puderem exprimir sua vontade.

    Deve-se ressaltar que no so todos os casos de transtorno mental que geram a incapacidade, seja ela absoluta ou relativa.

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    Incapacidade Relativa

    A incapacidade relativa se d em razo de circunstncias pessoais que levem algum a no possuir discernimento suficien-te para praticar os atos da vida civil sem assistncia. Os relativa-mente incapazes devem ser assistidos, e no representados (como ocorre com os absolutamente incapazes), e isto quer dizer que podem praticar os atos civis, mas sempre com a assistncia de quem for designado pelo juiz ou pela lei para exercer esta funo. Se os atos forem praticados sem assistncia, podero ser anula-dos.

    O artigo 4 do Cdigo Civil define quem so as pessoas relativamente incapazes. Contudo, no h meno expressa em tal artigo s pessoas que tm transtornos mentais, havendo a-penas referncia queles considerados, de acordo com a nomen-clatura inadequada do Cdigo, excepcionais e aos que tm de-ficincia mental.

    Entretanto, devem ser entendidos como relativamente in-capazes aquelas pessoas que tenham um transtorno mental que as impea de realizar apenas determinados atos da vida civil, no faltando o total discernimento para participar de outros tipos de negcios jurdicos.

    So tambm considerados relativamente incapazes pelo artigo 4 do Cdigo Civil aqueles que tm entre 16 e 18 anos, e os dependentes qumicos e de lcool.

    Casamento e Alimentos

    No que diz respeito ao casamento, a pessoa com transtor-no mental tem os mesmos direitos de escolher seu parceiro, casar e constituir famlia. O caso tem apenas algumas especificidades no que diz respeito manifestao de vontade, que deve ser livre e consciente para que a pessoa com transtorno mental no se pre-judique praticando um ato que no compreende.

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    O Cdigo Civil exige que toda a pessoa que decida se casar tenha plena conscincia do ato que est praticando, para que o casamento seja vlido.

    O casamento pode ser nulo ou anulvel, dependendo das caractersticas de cada caso. Assim, o artigo 1.548 do Cdigo Civil prev o casamento nulo, que no gera nenhum efeito jurdico, quando a pessoa que se casou no tinha nenhuma condio de entender o ato que praticou. O casamento anulvel previsto pelo artigo 1.550 do Cdigo Civil, e pode ou no ser anulado. Se for, gera efeitos jurdicos at o momento da sentena que declara sua anulao.

    O casamento nulo quando a pessoa com transtorno mental absolutamente incapaz para os atos da vida civil. J o casamento anulvel (que pode ou no ser desfeito) aquele em que a pessoa incapaz de consentir ou de manifestar de modo inequvoco o seu consentimento, isto , a pessoa considerada relativamente incapaz, e precisa ser assistida nos atos da vida civil.

    importante ressaltar que o casamento de uma pessoa com transtorno mental no pode ser anulado pelo simples fato de ela ter um transtorno. A anulao uma medida extrema que s deve ser tomada para evitar que a pessoa se prejudique nos casos em que ela no tinha nenhuma conscincia do ato que pra-ticou.

    Outro assunto que interessa s pessoas com transtorno mental so os alimentos, ou penso alimentcia como so popu-larmente conhecidos. Estes so valores, normalmente pagos em dinheiro, a uma pessoa com quem se tem vnculo familiar, que, por diversos motivos, no pode prover a prpria subsistncia. Essa obrigao se baseia no princpio da solidariedade familiar. A lei exige que os familiares amparem uns aos outros nos momen-tos de necessidade.

  • 34

    O artigo 1.694 do Cdigo Civil determina que podem os parentes, os cnjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatvel com a sua condio social, inclusive para atender s necessidades de sua educao.

    Dessa forma, a penso alimentcia no um favor, mas um direito de quem necessita, e um dever do familiar (ou ex-cnjuge ou ex-companheiro, tanto homem quanto mulher), que pode pagar. Poder, portanto, ser exigvel judicialmente.

    O valor dos alimentos vai ser estabelecido a partir de dois critrios: a necessidade de quem os est pedindo e a condio econmica de quem os deve pagar. Isso quer dizer que o juiz deve buscar um valor que satisfaa as necessidades de quem precisa dos alimentos sem, no entanto, prejudicar o sustento da prpria pessoa que deve pagar. o que diz, em outras palavras, o artigo 1.695 do Cdigo Civil.

    Normalmente recebem alimentos os filhos menores de 18 anos que no vivem com a pessoa que tem o dever de lhes garan-tir a subsistncia e os estudos. Neste caso, essa necessidade no-tria, ou seja, no exige que se prove a incapacidade para a sub-sistncia, j que as crianas e adolescentes devem estudar, no trabalhar.

    Os maiores de 18 anos tambm podem pedir os alimen-tos, mas neste caso, exige-se a prova de que a pessoa no pode se sustentar e necessita de ajuda financeira29. Isso porque se ima-gina que aps completar 18 anos a pessoa j seja capaz de se sustentar atravs seu prprio trabalho.

    Porm, essa capacidade pode no ser verdadeira. o ca-so das pessoas que possuem alguma deficincia ou transtorno

    29 A jurisprudncia defere o direito a alimentos ao filho que comprove a freqn-cia a curso superior, at aos 24 anos de idade.

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    mental que as impea de trabalhar ou, mesmo trabalhando, o salrio no seja suficiente para cobrir seus gastos essenciais.

    Esse ponto muito importante. No o fato de a pessoa trabalhar que a impede de receber alimentos. Para que a penso alimentcia no seja devida, necessrio que o montante recebido por seu trabalho lhe seja suficiente para uma vida digna. Nada impede que os parentes mais prximos sejam chamados a com-plementar a renda dessa pessoa30, segundo suas possibilidades econmicas.

    Deve-se ressaltar que nem todo transtorno ou deficincia mental impede que a pessoa trabalhe e garanta sua prpria sub-sistncia.

    A lei obriga os parentes a suprirem as necessidades daque-le que precisa, mas no exige que o faam na hiptese de no te-rem condies para tal. Essas condies so medidas pela capaci-dade econmica para sustentar o parente que necessite de ali-mentos sem comprometer sua prpria subsistncia.

    Quem deve pagar os alimentos, em princpio so os pais, por serem os parentes mais prximos. Mas outros parentes e o cnjuge, ou companheiro, podem ser obrigados a pagar alimentos se os pais no tiverem condies econmicas para tanto ou se forem ausentes.

    Somente na hiptese de no existncia, ou impossibilidade econmica, de um dos obrigados da lista acima que se pode re-querer alimentos aos parentes do nvel seguinte. No existem diferenas entre o homem e a mulher, ambos possuem o mesmo dever de sustento dos descendentes e ascendentes, afinal homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes.

    30 Os parentes mais prximos (pais) so os primeiros a possurem a obrigao de prestar alimentos. Na sua ausncia, os progressivamente mais distantes, primei-ro os ascendentes (avs, bisavs), depois os descendentes (filhos, netos) e ento os colaterais (irmos) Assim, tem-se a seguinte ordem de obrigaes: (i) os pais; (ii) os avs; (iii) os filhos; (iv) os netos; e (v) os irmos.

  • 36

    O clculo para o valor dos alimentos no se restringe alimentao propriamente dita. Inclui-se tudo que necessrio para a vida digna da pessoa que os requer como, por exemplo, gastos com moradia, vesturio, sade, transporte, lazer e edu-cao, no caso das crianas ou adolescentes menores de 18 anos.

    De acordo com o artigo 1.699 do Cdigo Civil, o valor da penso pode ser alterado tanto para mais quanto para menos, dependendo de novos acontecimentos. Se quem recebe penso passa, por algum motivo, a necessitar de uma quantia maior e o devedor possui condies econmicas para pagar mais, deve-se requerer em juzo esse aumento. Da mesma forma se procede no caso em que o devedor no puder mais arcar com a quantia ini-cialmente estipulada.

    Se no houver sido corrigido o valor da penso, a pessoa que a recebe pode requerer aumento da quantia paga para re-cuperar o poder aquisitivo perdido pela inflao. Da mesma forma, se a correo monetria dos alimentos tornou a sua pres-tao impossvel ou muito difcil, o devedor pode requerer a di-minuio.

    A pessoa com transtorno ou deficincia mental no precisa estar interditada para ter o direito a receber alimentos. A interdi-o, que pode ser total ou parcial, pode ajudar a provar a necessi-dade de receber alimentos e, para alguns autores, inquestion-vel o direito de penso alimentcia nesse caso.

    De qualquer forma, a interdio no necessria para que se consiga penso alimentcia. Basta a prova, no processo judicial, de que a pessoa no possui condies de se sustentar.

    Deve-se lembrar que no h diferena alguma entre filhos adotivos e filhos naturais no que diz respeito ao pagamento e re-cebimento de alimentos. Conforme as disposies da Constituio Federal, a adoo idntica filiao natural. Assim, quem foi adotado , para a lei, igual ao filho biolgico, possuindo os mes-mos direitos e deveres, inclusive no que refere aos alimentos.

  • 37

    Quando ocorre o no pagamento da penso alimentcia, pode haver a priso do devedor. Nesse caso deve-se ingressar com uma ao de execuo de alimentos para pedir que o devedor pa-gue os atrasados no prazo de trs dias, sob pena de priso31. S se decreta a priso pelo no pagamento das ltimas 3 prestaes anteriores ao ajuizamento da execuo e das que se vencerem no curso desta32. As prestaes vencidas anteriormente podem ser cobradas pela execuo comum, que no autoriza a priso.

    No havendo pagamento, o juiz determinar que o deve-dor seja preso pelo prazo de um a trs meses. Aps esse perodo, mesmo que continue devendo, ser solto. Mas, enquanto perdu-rar o processo judicial de cobrana, basta que se deva um nico ms de penso para que se possa voltar priso, desde que esta no se refira s mesmas prestaes que geraram a priso anterior.

    O direito prestao alimentcia acaba quando as circuns-tncias que a tornaram necessria no mais existirem ou quando o devedor no possuir mais nenhuma condio de arcar com o pagamento. A suspenso do dever de pagar a penso deve ser re-querida pelo devedor em ao judicial, e demonstrada uma das condies acima.

    O simples desemprego do devedor, por si s, no significa o fim do pagamento dos alimentos, h que se demonstrar a real incapacidade de prest-los, pois o devedor pode ter outros bens, inclusive aplicaes financeiras, que lhe garantam a sobrevivncia e ainda lhe permitam sustentar o parente que tenha necessidade.

    31 Esse tipo de priso uma das modalidades da chamada priso civil. Nas prises civis a pessoa no presa porque cometeu um crime, mas porque deve fazer alguma coisa que no fez, sendo a priso um modo de for-la a fazer. So raros os casos em que a lei permite a priso civil, sendo o no pagamento de penso alimentcia um desses casos. J que essa priso ocorre para forar o pagamento da dvida de alimentos e no pela prtica de um crime, assim que o preso cumprir a obrigao alimentcia ele solto, e mesmo que ele no a cumpra a priso no pode se estender por mais de 3 meses. 32 Neste sentido, a smula 309 do Superior Tribunal de Justia.

  • 38

    Observe-se que se o devedor morre, a obrigao de pagar alimen-tos transmite-se aos herdeiros33. O ex-cnjuge, ou ex-companheiro, perdem o direito penso alimentcia na hiptese de se casarem novamente, ou terem um novo companheiro.

    2) Interdio34

    O processo de interdio de uma pessoa com transtorno mental costuma ser doloroso, tanto para ela como para sua fam-lia. Por isso, ressalta-se que esta deve ser uma medida excepcio-nal, a ser tomada apenas como ltima alternativa.

    No processo de interdio por incapacidade relativa ser avaliada pelo juiz a capacidade da pessoa para reger sua vida e administrar seus bens, situao em que se for declarada sua inca-pacidade o juiz nomear um curador para assisti-la. Em primeiro lugar, podem propor esta ao o pai, a me, o tutor, o cnjuge ou qualquer parente. Caso estes estejam ausentes ou no o faam, o Ministrio Pblico poder dar incio ao processo de interdio. Decretada a interdio, dever o juiz estabelecer alguns limites para a curatela, tomando em considerao o estado ou desenvol-vimento mental da pessoa interditada. usual essa hiptese para casos em que o interditado tenha relativo discernimento e, at por recomendao dos tcnicos dos servios de sade, deve manter certa atividade civil, como, por exemplo, movimentar contas ban-crias ou receber vencimentos ou penses.

    importante ressaltar que, na interdio por incapacidade absoluta, o curador no assiste, mas sim representa o interdito, substituindo integralmente a sua vontade nos atos da vida civil. A

    33 Muitos autores sustentam que essa transmisso se d nos limites da herana, ou seja, o herdeiro somente deve pagar a penso com a renda proveniente dos bens herdados, ficando a renda de todos os seus outros bens e de seu salrio livres. 34 Vicente Greco Filho. Prtica Jurdica, Braslia, ano 3, n.24, p.54-55, mar. 2004.

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    atividade do curador, em qualquer caso, estar sujeita a limites, devendo prestar regularmente contas ao juiz e buscar a autoriza-o judicial para a prtica de certos atos.

    3) Curatela

    A curatela concedida pelo juiz em processo de interdio, a fim de que a pessoa que foi interditada tenha algum, o curador, capaz de defend-la e de administrar seus bens. Como dito, deve-se lembrar que o curador obrigado a apresentar ao juiz balanos anuais e prestao de contas dos valores que administrou em no-me do curatelado, os quais sero tambm avaliados pelo Promo-tor de Justia.

    A curatela interrompida quando o sujeito considerado incapaz readquirir sua integridade mental, segundo o que se apu-rar em processo judicial de levantamento de interdio.

    Segundo o artigo 1.767 do Cdigo Civil, esto sujeitos a cu-ratela as pessoas que, por possurem deficincia ou transtorno mental, no tiverem a compreenso de mundo suficiente para praticar os atos da vida civil; as pessoas que por outro motivo duradouro no puderem exprimir sua vontade; os dependentes qumicos e de lcool e os prdigos, ou seja, pessoas que gastam mais do que possuem, de forma to extremada que colocam em risco seu prprio patrimnio.

    B) Imputabilidade Penal

    Os inimputveis so as pessoas que no so capazes de en-tender que praticam atos proibidos ou de agir de acordo com esse entendimento. Nesses casos, as penas previstas para o crime que praticam no podem ser aplicadas da mesma forma que aquelas aplicadas a pessoas que no apresentam a falta de discernimento.

  • 40

    O Direito Penal um conjunto de regras que define crimes e estabelece punies para tais condutas. Esse ramo do direito pretende proteger os bens e os interesses da sociedade. Crime uma conduta humana que a lei probe e estabelece, em regra, uma punio para quem pratic-lo. Os crimes que existem no ordena-mento jurdico brasileiro esto contidos no Cdigo Penal e em leis especiais.

    Nem todas as pessoas que praticam conduta definida co-mo crime podem sofrer as penas que o Cdigo Penal e as leis es-peciais estabelecem. Para que alguma pessoa possa ser submetida a penalidades, ela deve ser capaz de entender que praticou um ato proibido e poder agir conforme esse entendimento. Isso no a-contece em uma srie de situaes previstas no Cdigo Penal. o caso dos menores de 18 anos e de algumas pessoas com algumas deficincias ou transtornos mentais.

    Para que essas pessoas no sofram a pena prevista, so necessrios trs requisitos:

    (i) Ter um transtorno mental.

    (ii) No terem a possibilidade de entender que praticaram uma conduta proibida, ou, mesmo entendendo, no serem capa-zes de no pratic-la, sendo essa circunstncia dependente de comprovao por meio de percia mdica autorizada judicialmen-te.

    (iii) Esses dois requisitos devem estar presentes no mo-mento da prtica do ato.

    Uma pessoa com transtorno mental, por exemplo, pode em meio a um quadro agudo da doena cometer um ato proibido e definido como crime pela lei. Nesse caso, esta pessoa, mesmo que capaz de entender que no deveria fazer isso, no tinha con-dies de agir de modo diferente porque se encontrava em um momento crtico de seu transtorno.

  • 41

    Assim, as pessoas nessas condies incapazes de enten-der que praticam atos proibidos ou de agir de acordo com esse entendimento so chamadas pela lei de inimputveis. Isso sig-nifica que a pena prevista para o crime que praticaram no pode ser aplicada a elas.

    De acordo com o artigo 26 do Cdigo Penal so inimput-veis aqueles que tm deficincia ou transtorno mental, e que em virtude disso, ao tempo em que praticaram o crime no podiam, de forma nenhuma, entender o carter ilcito (proibido) do que fizeram ou de agir de acordo com esse entendimento.

    O mesmo artigo traz a possibilidade de uma reduo de um a dois teros da pena correspondente ao crime praticado, se o agente no era inteiramente capaz de entender o carter ilcito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nes-te caso, o agente considerado semi-imputvel.

    Para que uma pessoa seja considerada pela justia como inimputvel ou semi-imputvel, devem ser provados os requisitos citados acima. Esses requisitos so provados por uma srie de meios: testemunhas, exames anteriores que provam a existncia do transtorno mental, entre outros. Porm, essencial que o ad-vogado pea ao juiz que se faa um "exame mdico especfico, chamado de exame de sanidade mental, e prove que h indcios da inimputabilidade da pessoa, para que o juiz aceite o pedido de exame.

    Os inimputveis praticam um crime ou no?

    Eles praticam um ato previsto como crime, mas devem ser absolvidos no processo criminal. Assim, no podem ser conside-rados reincidentes (algum que volta a cometer um crime) se pra-ticarem outro crime, mas podem, desde a prtica da primeira conduta proibida, serem obrigados a cumprir medida de seguran-a, o que ser explicado a seguir.

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    J os semi-imputveis praticam crime, pelo qual so con-denados, tendo apenas a sua culpabilidade, e portanto a pena, mitigada, podendo ainda, se for o caso, substituir-se a pena por medida de segurana, conforme se explicar adiante.

    O que pode acontecer com os inimputveis quando eles praticam um crime?

    Eles podem ser obrigados a pagar os prejuzos que causa-rem, podem ser processados criminalmente e ter que cumprir o que a lei chama de medida de segurana.

    O que medida de segurana?

    De acordo com o artigo 96 do Cdigo Penal existem duas formas de medida de segurana. Uma consiste na internao em hospital de custdia e tratamento psiquitrico, os chamados manicmios judicirios. A outra consiste em tratamento ambu-latorial, cumprido em liberdade.

    No tratamento ambulatorial a pessoa deve dirigir-se a um estabelecimento especial, determinado pelo juiz, e receber uma srie de tratamentos psiquitricos definidos por mdico ou por uma equipe multidisciplinar. Esses tratamentos podem envolver a administrao de medicamentos, terapias individuais, em grupo entre outras formas de tratamento. importante dizer que nin-gum obrigado a se submeter a tratamentos invasivos, tais como cirurgias.

    As medidas de segurana visam proteger a pessoa com o transtorno mental e a sociedade, em razo da possvel existncia de perigo. Ressalte-se que o fato de a pessoa ter um transtorno mental no determina que ela v representar um perigo ao conv-vio social. A princpio, obrigatria a aplicao de uma das duas espcies de medida de segurana citadas, mas isso no impede que o juiz determine que a pessoa continue o tratamento que j

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    realizava na poca da prtica do crime, no sendo necessrio que seja aplicada medida de segurana alguma.

    Em que caso se aplica cada uma das medidas de segurana?

    O Cdigo Penal, no artigo 97, manda que se aplique a me-dida de internao em hospital de tratamento psiquitrico sempre que presentes os dois requisitos abaixo:

    (i) For praticada uma conduta descrita como crime;

    (ii) Que esta conduta seja punida com recluso para pes-soas imputveis (que tm discernimento de seus atos).

    A recluso uma das espcies de pena de priso, prevista para crimes mais graves. Na recluso o regime de cumprimento da pena pode ser fechado, semi-aberto ou aberto.

    A medida de tratamento ambulatorial, conforme o Cdigo Penal, pode ser aplicada se:

    (i) For praticada uma conduta descrita como crime;

    (ii) Esta conduta for punida com deteno para pessoas imputveis.

    A deteno o outro dos dois tipos de pena de priso, pre-visto para crimes menos graves. O regime de cumprimento da pena s pode ser semi-aberto ou aberto, nunca fechado.

    Note-se que o Cdigo Penal no permite explicitamente que se aplique a medida de tratamento ambulatorial para os cri-mes cuja pena seja de recluso, porm, j decidiu o Superior Tri-bunal de Justia que a medida de segurana deve se ajustar ao tipo de tratamento de que necessite o inimputvel ou semi-imputvel (veja prxima pergunta); podendo, ento, ser aplicada a medida de tratamento ambulatorial, em liberdade, tambm na

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    prtica de crime apenado com recluso35. No entanto, o inverso no possvel. Em caso de crime previsto com deteno, a nica medida possvel o tratamento ambulatorial, no sendo permiti-da a internao hospitalar.

    O Cdigo Penal permite que o tratamento ambulatorial se-ja substitudo, por deciso do juiz, por internao hospitalar, se for demonstrada a necessidade da internao para o tratamento curativo da pessoa. importante ressaltar que tal medida de in-ternao no possui carter punitivo e sim finalidade teraputica, destinada a um processo de adaptao ou readaptao vida so-cial.

    O que semi-imputvel?

    Semi-imputvel a pessoa que, em virtude de transtorno ou deficincia mental, no podia, no momento da prtica do cri-me, entender a proibio da conduta que praticava ou de agir em conformidade com esse entendimento. A diferena entre o inim-putvel e o semi-imputvel que naquela a falta de discernimento total, nesta parcial.

    Conforme dito acima, a maior conseqncia dessa dife-rena que o semi-imputvel, ao invs de ser absolvido, ser condenado, mas a pena de priso ser reduzida de um a dois teros ou ser substituda por medida de segurana, conforme a necessidade de tratamento mdico da pessoa, de acordo com o artigo 98 do Cdigo Penal.

    Qual o prazo das medidas de segurana?

    De acordo com o pargrafo nico do artigo 97 do Cdigo Penal, ambas as medidas internao e tratamento mdico am-bulatorial sero de prazo indeterminado, enquanto durar a

    35 RESP 324091/SP

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    periculosidade da pessoa. O juiz determinar um prazo mnimo de 1 a 3 anos, antes do qual a medida de segurana no poder ser interrompida. Ao trmino desse prazo ser feito novo exame m-dico. Se comprovado que terminou a periculosidade da pessoa que cometeu o crime, a internao ou tratamento ambulatorial no ser mais obrigatrio, embora seja possvel que os mdicos aconselhem a continuidade da medicao.

    Se for observado no novo exame que ainda existe perigo para a pessoa ou para a sociedade, ela ser obrigada a permanecer internada ou em tratamento at que outro exame comprove o trmino da periculosidade.

    Se at um ano depois do trmino da medida de segurana a pessoa praticar um ato que indique que a periculosidade conti-nua existindo, ela ser internada novamente ou retornar ao tra-tamento ambulatorial.

    Nesses casos, preciso haver cuidado da sociedade para que a pessoa com transtorno mental no receba o estigma de pe-rigosa. Da mesma forma, preciso que o juiz tambm no contri-bua para este rtulo, determinando a internao ou tratamento ambulatorial quando este no realmente necessrio.

    O que acontece com quem adquire ou manifesta um transtorno mental enquanto cumpre pena?

    H a possibilidade de uma pessoa, que era plenamente imputvel (possua pleno entendimento de que praticava uma conduta proibida e podia no pratic-lo) quando praticou o crime (e foi condenada a uma pena de priso por isso) adquirir ou mani-festar na cadeia um transtorno mental.

    Nesse caso, havendo necessidade de tratamento psiqui-trico, a pessoa deve ser transferida para um hospital de custdia ou outro estabelecimento adequado ao seu tratamento.

  • 46

    A no transferncia ilegal, conforme j decidiu o Superi-or Tribunal de Justia em uma srie de decises36. Entende tam-bm esse tribunal que no transtorno posterior prtica do crime a internao no se dar por tempo indeterminado, como ocorre na medida de segurana, mas pelo restante do tempo de priso no cumprido37.

    Por exemplo, uma pessoa condenada por qualquer crime a uma pena de 5 anos, depois de 3 anos de priso, manifesta certas condies e tem o diagnstico de que possui esquizofrenia. Em razo desse transtorno essa pessoa passa a necessitar de trata-mento psiquitrico especfico. O juiz da execuo da pena deve determinar que ele cumpra os 2 anos restantes num hospital de custdia ou outro estabelecimento adequado ao tratamento que necessite.

    A transferncia para esse hospital deve ser feita em no mximo 30 dias, conforme j decidiu o Superior Tribunal de Jus-tia.38

    O preso que possui alguns transtornos mentais, manifes-tos na execuo da pena, poder ter atendimento psicolgico (en-tendido como assistncia sade) no prprio estabelecimento penal, caso esse esteja aparelhado para prover a assistncia mdi-ca necessria.39

    C) Tributos

    O Estado possui uma srie de obrigaes e, para cumpri-las, arrecada dinheiro atravs da cobrana de tributos. Cada um

    36 Cf. HC 24455 / SP, HC 22916 / MG, HC 14363 / SP. 37 Cf. HC 24455/SP 38 Cf. HC 18803 / SP 39 Conforme previsto no art. 14, pargrafo segundo da LEP, Lei de Execues Penais.

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    dos entes pblicos que formam o Estado40 autorizado pela Constituio Federal a criar impostos prprios. Para o tema de sade mental, nos importam o Imposto de Renda e os impostos relativos aquisio de automveis (IPI, o ICMS, IPVA e o IOF), pois para alguns desses impostos existe iseno (dispensa do pa-gamento) s pessoas com transtorno mental. Vejamos alguns ca-sos.

    Imposto de Renda

    Imposto de Renda uma quantia em dinheiro que o con-tribuinte deve pagar ao Estado toda vez que recebe uma renda. Essa renda, entre outras fontes, pode ser proveniente do seu tra-balho o salrio de aluguis, de investimentos financeiros e de benefcios previdencirios, inclusive a aposentadoria.

    As pessoas com transtornos mentais, desde que conside-radas pela Receita Federal como alienadas mentais41, so isen-tas de tributao sobre alguns rendimentos. Ou seja, no pagam Imposto de Renda sobre o valor de alguns benefcios, que so os seguintes:

    (i) Aposentadoria, inclusive a aposentadoria privada;

    (ii) Penso, inclusive a alimentcia;

    (iii) Reforma do militar.

    No h limites de valor, todo o rendimento proveniente das fontes acima citadas isento. J sobre a renda proveniente de qualquer outra fonte, como, por exemplo, a de atividade profis-sional como empregado ou autnomo aluguis e investimen-

    40 So eles a Unio, os estados, os municpios e o Distrito Federal. 41 O termo alienado mental, utilizado pela legislao, no o mais adequado; representa uma contradio aos movimentos sociais pela incluso das pessoas com transtornos mentais e melhor seria se fosse alterada. Trata-se de uma ter-minologia equivocada e pejorativa.

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    tos financeiros, cobrados o imposto, mesmo que a pessoa pos-sua algum transtorno mental e esteja recebendo aposentadoria por esse motivo.

    O termo alienado mental, conforme utilizado pela legis-lao, refere-se quelas pessoas que, devido a algum transtorno mental, no possuem condies para gerir sua vida sozinha, ne-cessitando do auxlio de outra pessoa.

    Assim, no qualquer transtorno mental que possibilita a iseno do imposto de renda sobre os rendimentos listados na questo anterior, mas to somente aqueles mais graves, que atin-jam o discernimento das pessoas com tais transtornos.

    Qual o procedimento para conseguir a iseno do imposto de renda?

    H diferentes procedimentos, dependendo da origem do rendimento. Para a iseno do Imposto de Renda sobre os benef-cios pagos pelo INSS (Aposentadoria Social, Penso e Reforma), deve ser levado ao prprio INSS laudo de exame mdico, emitido por servio mdico oficial da Unio, Estados, DF ou Municpios42, comprovando que a pessoa possui transtorno mental grave que a torna alienada mental (conforme nomenclatura legal).

    Esse servio mdico oficial no especificado pela legis-lao, podendo ser qualquer instituio do Sistema nico de Sade. Porm, a Receita Federal tem exigido (o que pode ser considerado ilegal) que o exame seja realizado pelo INSS, o que pode ser contestado em ao judicial.

    Aceito o laudo de exame mdico pela Receita Federal, o desconto mensal do Imposto de Renda deixar de ser feito.

    42 A necessidade do laudo mdico emitido por servio mdico oficial decorre de disposio expressa da Instruo Normativa no 5 da Secretaria da Receita Fede-ral, artigo 5, pargrafo 1.

  • 49

    No caso da Aposentadoria Privada, o procedimento o mesmo, porm, ao invs de levar o laudo do exame mdico ao INSS, a pessoa com transtorno mental deve lev-lo instituio que lhe paga a aposentadoria.

    Para a iseno do Imposto de Renda sobre a penso ali-mentcia, deve-se enviar o laudo do exame mdico juntamente com sua declarao anual de Imposto de Renda. Se quem paga a penso possui emprego e tem o Imposto de Renda descontado na fonte, o laudo pode ser levado ao empregador para que ele deixe de fazer o desconto correspondente a iseno.

    Note-se que a pessoa com transtorno mental continua o-brigada a fazer a declarao de Imposto de Renda. Essa declara-o ser a de isento se ela no atingir o mnimo estipulado em lei ano a ano para a cobrana do Imposto de Renda, excludos desse clculo os rendimentos isentos a que nos referimos at o momen-to.

    Na hiptese de a pessoa ter rendimentos no isentos e a-tingir o valor estipulado para a cobrana do Imposto, ela dever fazer a declarao padro, como todas as outras pessoas. Porm, a lei permite que a pessoa com transtorno mental declarada alie-nada mental seja includa na declarao do Imposto de Renda de seus pais ou responsveis legais, independentemente de possuir rendimentos inferiores ou superiores ao mnimo para a cobrana do Imposto.

    Ressalte-se que no h necessidade alguma de a pessoa com transtorno mental ser interditada para a aquisio da isen-o, uma vez que a lei traz somente como requisito a apresenta-o do laudo que a considere alienada mental, ou seja impossi-bilitada de gerir sua vida sozinha.

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    Existe iseno de algum imposto relativo aquisio de autom-vel para as pessoas com transtorno mental?

    Existe uma srie de impostos cobrados no momento da aquisio de um automvel. Para muitos deles a legislao conce-deu iseno para as pessoas que possuem certas deficincias. Quanto s pessoas com transtorno mental, no h nenhuma pre-viso que lhes conceda iseno.

    Nesse ponto necessrio relembrarmos que deficincia mental e transtorno mental so distintos. Conforme visto no in-cio desta cartilha, quando uma pessoa tem algum tipo de defici-ncia mental pode-se dizer que esta uma caracterstica dela, assim como ter olhos azuis ou cabelo enrolado. Tal pessoa nasceu com aquela caracterstica, ou a adquiriu durante a vida e sempre estar com ela. No caso do transtorno mental, pode-se dizer que ele se manifesta durante a vida da pessoa, e que pode ser contro-lado atravs de tratamentos teraputicos e, eventualmente, pode at desaparecer.

    No que tange s pessoas com deficincia, j so concedi-das isenes na aquisio de veculos automotores em determina-dos casos, como veremos a seguir. Isso ainda no ocorre no caso das pessoas com transtorno mental, mas valeria uma mobilizao para que fosse estendida a concesso da iseno a estas pessoas, criando facilidades para o dia a dia, como o transporte aos servi-os de sade.

    Para que isso ocorra, necessrio que o Congresso Nacio-nal faa uma lei que conceda isenes de tributos para as pessoas com transtorno mental. Vejamos agora os principais tributos en-volvidos na aquisio de automveis e quem possui iseno a eles:

    O primeiro imposto a ser visto o IPI, que consiste numa quantia de dinheiro que o contribuinte deve pagar ao governo federal na compra de um produto industrializado. Trata-se, assim como o Imposto de Renda, de um imposto federal.

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    A Instruo Normativa da Secretaria da Receita Federal no 375, de 23/12/2003, concede iseno do IPI somente para as pes-soas com deficincia fsica, visual, mental, severa ou profunda, ou autistas ao adquirirem automvel de passageiros ou veculo de uso misto, que so aqueles que tanto podem levar passageiros quanto carga, de fabricao nacional.

    Note-se que a iseno ao IPI foi dada tambm s pessoas com deficincia mental. No h razo alguma para que as pessoas com transtorno mental no tenham sido includas na lei como isentas, j que esto numa situao de desvantagem social muito semelhante s pessoas com deficincia mental. Assim, impor-tante que as pessoas com transtorno mental e toda a sociedade lutem para que se faa uma lei estendendo a iseno ao IPI tam-bm para essas pessoas.

    O segundo imposto que citamos o Imposto sobre Operaes Financeiras (IOF), criado pelo governo federal, e con-sistente num valor em dinheiro pago pelo contribuinte toda vez que realiza determinadas operaes financeiras, entre elas o fi-nanciamento de automvel.

    A Lei 8.383/91 isentou as pessoas com deficincia fsica do pagamento do IOF para o financiamento de automveis de pas-seio de fabricao nacional de at 127 HP de potncia bruta43.

    O terceiro imposto que citamos o Imposto sobre Circula-o de Mercadorias e Servios (ICMS), criado pelos governos dos Estados e do Distrito Federal sobre a circulao de mercadorias ou servios. No caso do automvel, ele devido no momento de sua compra. Por ser um imposto estadual, a existncia ou no de iseno depende de lei criada por cada um dos Estados.

    43 HP ou Horse Power, uma unidade de medida internacionalmente utilizada para quantificar a potncia do motor de um veculo, corresponde, basicamente, ao que se chama no Brasil de CV ou Cavalo de Fora.

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    No Estado de So Paulo, a Lei no 6.374/89 torna isentas do ICMS as pessoas com paralisia parcial do corpo ou com defici-ncia fsica, impossibilitadas de conduzir veculos comuns, na compra de automveis novos, de at 1.600 cilindradas e com a-daptao e caractersticas esp