Cartilha projeto Olhares Cruzados Brasil Cabo Verde

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Cabo Verde Cururuquara Oceano Atlântico Brasil África África Luíza Camargo de Jesus 78 anos, nascida no Cururuquara. Trabalhou na roça até os 12 anos de idade e hoje é doméstica. Neta de escravos, D. Luíza e sua família nunca mais saíram do bairro. “O meu avô foi escravo aqui na Boa Vista e ele viveu na casa do Sr. Manuel Bueno até a libertação dos escravos. Com a lei áurea recebeu 8 alqueires de terra, casou-se e nunca mais se mudou do Cururuquara. Gostamos de tudo aqui, é um bairro muito tranquilo.” Entrevistadores: Tamara S. de Oliveira, Tamires S. de Oliveira, Maria Vitória Pontano, Monique Cardoso Alce CURURUQUARA: TERRITÓRIO DE FESTA Aos 13 de maio de cada ano acontece no bairro do Cururuquara a festa de mesmo nome em louvação a São Benedito pela libertação. A Reza Cabocla, a Procissão, o Encontro das Procissões, o Levantamento do Mastro e o Samba de Bumbo são elementos fundamentais dessa comemoração. Ao que consta, a localidade foi um bairro de maioria negra desde a sua fundação por vol- ta de 1890. Para Henrique Cunha Jr. e Maria Estela Ramos territórios predominantemente ocupados por afro-descendentes além de terem quantitativamente a predominância da população negra, são definidos pela produção sociocultural vinculada ao cotidiano, a me- mória coletiva e a história do local que se conecta com signos das culturas de base africana. Ainda segundo Cunha Jr. estes núcleos embora abriguem outros grupos com formação his- tórica e cultural diversa, são as africanidades que determinam a dinâmica social e cultural do território. Tese que pode ser comprovada na dinâmica antiga e atual do bairro do Cururuquara em vários aspectos. O Samba de Bumbo praticado na localidade há 126 anos (tendo como base o ano de 2013) tem sua origem nos ritmos e instrumentos trazidos da África; a principal prática cultural e histórica do bairro é o Samba de Bumbo e a Festa de São Benedito, o que caracteriza como um território de forte influência afro-descendente. O samba prati- cado no Cururuquara é o elemento agregador que faz com que todos os anos as famílias de sambadores se desloquem de Santana de Parnaíba, Itapevi, Grajaú e outras localidades para participar dessa manifestação festiva e religiosa. O Cururuquara enquanto território gira em torno de uma tradição: o Samba do Cururuqua- ra que evoca modos próprios para rezar, dançar, tocar o Bumbo, cantar o samba, e fazer dessa festividade um espaço de lazer, religiosidade e sociabilidade, onde a festa do Curu- ruquara é elemento fundamental para manter a memória do lugar vivida, e o Samba de Bumbo é o elemento trans-geracional que evoca a tradição tanto para os antigos quanto para as novas gerações. Na atualidade, podemos vislumbrar a juventude como mantenedora da memória e tradi- ção do Cururuquara. Apoiados por iniciativas que buscam a revisão da história local por uma outra perspectiva: a dos que resistiram à escravidão e fizeram da região o que ela re- presenta hoje para a população: um lugar de história e de memória. Juliana de Souza Mavoungou Yade Educadora, Doutoranda em Educação- UFCe (2461) BRASIL CABO VERDE OLHARES CRUZADOS é o 12° projeto da série “Olha- res Cruzados” que começou em 2004 e possibilitou o conhecimento recíproco entre 1.580 crianças e adolescentes de 48 comunidades quilombolas e indígenas no Brasil e, em onze outros países da América Latina, Caribe e África, que compartilharam vivências e saberes por meio da troca de fotografias, cartas, entrevistas e objetos produzidos por eles em ofici- nas de fotografia, redação e arte. A proposta de fazer o intercâmbio com Cabo Verde teve início em setembro de 2009 quando, com o apoio da Embaixada do Brasil naquele país, 50 crianças das ilhas de São Vicente e San- tiago participaram de oficinas de imagem e criação onde produziram fotografias, desenhos e instrumentos musicais com o objetivo de se fazerem conhecer por crianças brasileiras. Em 2013 por meio de uma parceria com o Instituto HSBC Solidariedade, tornou-se possível a continuidade dessa iniciativa e, com o apoio da Prefeitura de Santana de Parnaíba, teve início a fase brasileira do projeto que, para além do intercâmbio cultural, visa contribuir para a implementação da Lei 10.639 tendo como base a realidade local. Usando a musicalidade como fio condutor entre o Cabo Verde e o Brasil escolhemos para participar do intercâmbio o bairro do Cururuquara em Santana de Parnaíba, comunidade descendente de africanos que preservou sua identidade através do samba de bumbo, que marcou a celebração de sua liberdade em 1888, e onde todo 13 de maio ocorre uma festa para lembrar o dia em que os escravos foram alforriados e receberam do seu senhor a posse da terra que deu origem ao Cururuquara. Ao longo de 2013 o projeto Brasil Cabo Verde Olhares Cruzados promoveu diversas ativi- dades educativas: uma exposição fotográfica sobre o Cabo Verde no Centro de Memória e Integração Cultural; uma palestra com a escritora cabo-verdiana Vera Duarte Pina; oficinas de música, fotografia e redação com alunos do Colégio Aurélio Gianini Teixeira do Cururu- quara; a produção do documentário do projeto e uma exposição varal do trabalho realiza- do que foram exibidos na 126ª Festa do Cururuquara. Em agosto, uma parceria da OSCIP Imagem da Vida com a Universidade de São Paulo pos- sibilitou que 20 professores de Santana de Parnaíba participassem do “III Colóquio Inter- nacional Áfricas, Literatura e Contemporaneidade”. No segundo semestre foram realizados no auditório da Secretaria de Educação quatro encontros com orientadores pedagógicos e professores do município para sensibilizá-los para a importância do ensino da história e cultura da África e dos afro-descendentes nos currículos escolares. O encerramento das atividades de 2013 ocorreu em novembro no Teatro Coronel Raymun- do com uma apresentação de Samba de Bumbo dos alunos do Cururuquara que participa- ram do projeto para autoridades, professores, orientadores pedagógicos e integrantes do tradicional Bumbos do Cururuquara. Em 2014 estão previstos novos encontros de sensibilização com a participação dos alunos do projeto, e o lançamento do livro Brasil Cabo Verde Olhares Cruzados na Festa do Curu- ruquara em maio. A obra juntamente com o documentário serão disponibilizadas gratuita- mente para escolas, bibliotecas e instituições. Dirce Carrion Coordenadora do projeto Olhares Cruzados Emi Soares de Souza 57 anos, auxiliar de enfermagem, nasceu e cresceu em Itapevi e conheceu o Cururuquara por sua mãe ter nascido no bairro. Desde então acompanhou o Samba de Bumbo e sempre participou das festas. “Na infância vinha pra cá com meu vô e meus tios para o Cururuquara na época da festa e ficávamos quase uma semana. Eles organizavam a festa, limpavam a igreja, montavam as barracas de bambu, e faziam duas repartições onde uma eram quartos para as crianças dormirem durante a noite e na outra era onde vendiam pastéis, churrasco, cachaça. Existia também o rancho de café e pão para os que não podiam comprar as outras coisas. O samba era até 7h00 da manhã, mas hoje não pode mais, tem horário pra acabar, também não pode mais dar lanche de graça na festa como naquela época. O que mais sinto falta é a festa ser como era antes.” Entrevistadores: Gabriel Macena, Kauê Reis Marcondes, Guilherme Gomes da Silva, Fabrício Gomes da Silva Malvina da Silva Oliveira 85 anos, nascida no Cururuquara mudou-se aos 50 anos para Itapevi para acompanhar o marido. Trabalhou na roça durante a adolescência e hoje é dona de casa. “O Bumbo começou com meu pai. Ele mesmo construiu as caixas e nós tocávamos esses bumbos, eu ele e minha mãe.” Entrevistadores: Hannah Reis Marcondes, Mariana Andrea de M. Carpintéro, Mariana Vieira de Farias, Crislene Pereira dos Santos, Gabriela dos Santos Norberto de Oliveira Rocha 58 anos, motorista, bisneto de escravos e morador do Cururuquara desde que nasceu. “Quando eu era criança o Cururuquara era bem diferente e mais bonito que agora, mas as mudanças são boas, pois o bairro foi melhorando e crescendo.” “Meu bisavô já tocava o samba de bumbo, e meu avô continuou e também construía as caixas para tocar. O Samba de Bumbo está vivo até hoje, graças à Deus.” Entrevistadores: Hannah Reis Marcondes, Mariana Andrea de M. Carpintéro, Mariana Vieira de Farias, Crislene Pereira dos Santos, Gabriela dos Santos Maria Novaes Soares 85 anos, atualmente é moradora de Itapevi, mas viveu durante a maior parte de sua vida no Cururuquara e acompanhou todas as mudanças do bairro. “O bairro mudou muito, não tinha quase nada naquela época só casa, uma escola e muita roça de milho e feijão. O samba de Bumbo começou com os escravos, e hoje são os moradores do Cururuquara que continuam com o samba.” Entrevistadores: Gabriel Macena, Kauê Reis Marcondes, Guilherme Gomes da Silva, Fabrício Gomes da Silva Benedita Soares dos Santos 86 anos, moradora de Itapevi e nascida no Cururuquara precisou mudar-se pois a família teve suas terras tomadas. “Quando morei aqui não tinha muita coisa, as casas eram feitas de barro e sapé e era tudo longe. Quando eu era bem pequena, ainda não tinha escola e a gente aprendia as coisas com a criançada. Participei de todas as Festas do Cururuquara, desde pequena e sambo até hoje” Entrevistadores: Gabriel Macena, Kauê Reis Marcondes, Guilherme Gomes da Silva, Fabrício Gomes da Silva Carmelino de Jesus 91 anos, nascido em São Roque. “Aqui no Cururuquara aprendi muita coisa, aprendi a trabalhar! Mas aqui é muito alegre, jogamos bola muitas vezes, íamos ao baile no sábado, eu era dançador de baile” Entrevistadores: Tamara S. de Oliveira, Tamires S. de Oliveira, Maria Vitória Pontano, Monique Cardoso Alce realização parceria apoio SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA E TURISMO SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO www.imagemdvida.org.br (11) 3266.4711 Alameda Rio Claro, 137/22 - Bela Vista - São Paulo - SP - CEP 01332-010 Olhares Cruzados BRASIL CABO VERDE Odete de Oliveira Silva Bisneta de escravos, faleceu em 2013 aos 65 anos semanas depois de dar essa entrevista. Nasceu em Santana de Parnaíba e mudou-se para São Paulo para conseguir melhores condições de trabalho, foi funcionária pública, e participou do Samba de Bumbo ativamente, e incentivou quatro filhos e três netos à darem continuidade à essa tradição cultural: “O Samba de Bumbo já existia antes da abolição dos escravos, eles sambavam nas senzalas e essa era a única diversão que eles tinham na época. Quando foram abolidos o samba tocou durante três dias e três noites. Continuamos comemorando até hoje! Me mudei pra São Paulo mas não abandonei o Cururuquara.” Entrevistadores: Alex Silva, Paulo Vitor Andrade, Felipe Brás Batista, Viviane de O. Pontano, Wellington dos Santos Cartilha9.indd 1 2/12/14 12:42 PM

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Projeto da O

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Cabo Verde

Cururuquara

Oceano Atlântico

Brasil

ÁfricaÁfrica

Luíza Camargo de Jesus

78 anos, nascida no Cururuquara. Trabalhou na roça até os 12 anos de idade e hoje é doméstica. Neta de escravos, D. Luíza e sua família nunca mais saíram do bairro.

“O meu avô foi escravo aqui na Boa Vista e ele viveu na casa do Sr. Manuel Bueno até a libertação dos escravos. Com a lei áurea recebeu 8 alqueires de terra, casou-se e nunca mais se mudou do Cururuquara. Gostamos de tudo aqui, é um bairro muito tranquilo.”

Entrevistadores: Tamara S. de Oliveira, Tamires S. de Oliveira, Maria Vitória Pontano, Monique Cardoso Alce

CURURUQUARA: TERRITÓRIO DE FESTA

Aos 13 de maio de cada ano acontece no bairro do Cururuquara a festa de mesmo nome em louvação a São Benedito pela libertação. A Reza Cabocla, a Procissão, o Encontro das Procissões, o Levantamento do Mastro e o Samba de Bumbo são elementos fundamentais dessa comemoração.

Ao que consta, a localidade foi um bairro de maioria negra desde a sua fundação por vol-ta de 1890. Para Henrique Cunha Jr. e Maria Estela Ramos territórios predominantemente ocupados por afro-descendentes além de terem quantitativamente a predominância da população negra, são definidos pela produção sociocultural vinculada ao cotidiano, a me-mória coletiva e a história do local que se conecta com signos das culturas de base africana. Ainda segundo Cunha Jr. estes núcleos embora abriguem outros grupos com formação his-tórica e cultural diversa, são as africanidades que determinam a dinâmica social e cultural do território.

Tese que pode ser comprovada na dinâmica antiga e atual do bairro do Cururuquara em vários aspectos. O Samba de Bumbo praticado na localidade há 126 anos (tendo como base o ano de 2013) tem sua origem nos ritmos e instrumentos trazidos da África; a principal prática cultural e histórica do bairro é o Samba de Bumbo e a Festa de São Benedito, o que caracteriza como um território de forte influência afro-descendente. O samba prati-cado no Cururuquara é o elemento agregador que faz com que todos os anos as famílias de sambadores se desloquem de Santana de Parnaíba, Itapevi, Grajaú e outras localidades para participar dessa manifestação festiva e religiosa.

O Cururuquara enquanto território gira em torno de uma tradição: o Samba do Cururuqua-ra que evoca modos próprios para rezar, dançar, tocar o Bumbo, cantar o samba, e fazer dessa festividade um espaço de lazer, religiosidade e sociabilidade, onde a festa do Curu-ruquara é elemento fundamental para manter a memória do lugar vivida, e o Samba de Bumbo é o elemento trans-geracional que evoca a tradição tanto para os antigos quanto para as novas gerações.

Na atualidade, podemos vislumbrar a juventude como mantenedora da memória e tradi-ção do Cururuquara. Apoiados por iniciativas que buscam a revisão da história local por uma outra perspectiva: a dos que resistiram à escravidão e fizeram da região o que ela re-presenta hoje para a população: um lugar de história e de memória.

Juliana de Souza Mavoungou YadeEducadora, Doutoranda em Educação- UFCe (2461)

BRASIL CABO VERDE OLHARES CRUZADOS é o 12° projeto da série “Olha-res Cruzados” que começou em 2004 e possibilitou o conhecimento recíproco entre 1.580 crianças e adolescentes de 48 comunidades quilombolas e indígenas no Brasil e, em onze outros países da América Latina, Caribe e África, que compartilharam vivências e saberes por meio da troca de fotografias, cartas, entrevistas e objetos produzidos por eles em ofici-nas de fotografia, redação e arte.

A proposta de fazer o intercâmbio com Cabo Verde teve início em setembro de 2009 quando, com o apoio da Embaixada do Brasil naquele país, 50 crianças das ilhas de São Vicente e San-tiago participaram de oficinas de imagem e criação onde produziram fotografias, desenhos e instrumentos musicais com o objetivo de se fazerem conhecer por crianças brasileiras.

Em 2013 por meio de uma parceria com o Instituto HSBC Solidariedade, tornou-se possível a continuidade dessa iniciativa e, com o apoio da Prefeitura de Santana de Parnaíba, teve início a fase brasileira do projeto que, para além do intercâmbio cultural, visa contribuir para a implementação da Lei 10.639 tendo como base a realidade local.

Usando a musicalidade como fio condutor entre o Cabo Verde e o Brasil escolhemos para participar do intercâmbio o bairro do Cururuquara em Santana de Parnaíba, comunidade descendente de africanos que preservou sua identidade através do samba de bumbo, que marcou a celebração de sua liberdade em 1888, e onde todo 13 de maio ocorre uma festa para lembrar o dia em que os escravos foram alforriados e receberam do seu senhor a posse da terra que deu origem ao Cururuquara.

Ao longo de 2013 o projeto Brasil Cabo Verde Olhares Cruzados promoveu diversas ativi-dades educativas: uma exposição fotográfica sobre o Cabo Verde no Centro de Memória e Integração Cultural; uma palestra com a escritora cabo-verdiana Vera Duarte Pina; oficinas de música, fotografia e redação com alunos do Colégio Aurélio Gianini Teixeira do Cururu-quara; a produção do documentário do projeto e uma exposição varal do trabalho realiza-do que foram exibidos na 126ª Festa do Cururuquara.

Em agosto, uma parceria da OSCIP Imagem da Vida com a Universidade de São Paulo pos-sibilitou que 20 professores de Santana de Parnaíba participassem do “III Colóquio Inter-nacional Áfricas, Literatura e Contemporaneidade”. No segundo semestre foram realizados no auditório da Secretaria de Educação quatro encontros com orientadores pedagógicos e professores do município para sensibilizá-los para a importância do ensino da história e cultura da África e dos afro-descendentes nos currículos escolares.

O encerramento das atividades de 2013 ocorreu em novembro no Teatro Coronel Raymun-do com uma apresentação de Samba de Bumbo dos alunos do Cururuquara que participa-ram do projeto para autoridades, professores, orientadores pedagógicos e integrantes do tradicional Bumbos do Cururuquara.

Em 2014 estão previstos novos encontros de sensibilização com a participação dos alunos do projeto, e o lançamento do livro Brasil Cabo Verde Olhares Cruzados na Festa do Curu-ruquara em maio. A obra juntamente com o documentário serão disponibilizadas gratuita-mente para escolas, bibliotecas e instituições.

Dirce CarrionCoordenadora do projeto Olhares Cruzados

Emi Soares de Souza

57 anos, auxiliar de enfermagem, nasceu e cresceu em Itapevi e conheceu o Cururuquara por sua mãe ter nascido no bairro. Desde então acompanhou o Samba de Bumbo e sempre participou das festas.

“Na infância vinha pra cá com meu vô e meus tios para o Cururuquara na época da festa e ficávamos quase uma semana. Eles organizavam a festa, limpavam a igreja, montavam as barracas de bambu, e faziam duas repartições onde uma eram quartos para as crianças dormirem durante a noite e na outra era onde vendiam pastéis, churrasco, cachaça. Existia também o rancho de café e pão para os que não podiam comprar as outras coisas. O samba era até 7h00 da manhã, mas hoje não pode mais, tem horário pra acabar, também não pode mais dar lanche de graça na festa como naquela época. O que mais sinto falta é a festa ser como era antes.”

Entrevistadores: Gabriel Macena, Kauê Reis Marcondes, Guilherme Gomes da Silva, Fabrício Gomes da Silva

Malvina da Silva Oliveira

85 anos, nascida no Cururuquara mudou-se aos 50 anos para Itapevi para acompanhar o marido. Trabalhou na roça durante a adolescência e hoje é dona de casa.

“O Bumbo começou com meu pai. Ele mesmo construiu as caixas e nós tocávamos esses bumbos, eu ele e minha mãe.”

Entrevistadores: Hannah Reis Marcondes, Mariana Andrea de M. Carpintéro, Mariana Vieira de Farias, Crislene Pereira dos Santos, Gabriela dos Santos

Norberto de Oliveira Rocha

58 anos, motorista, bisneto de escravos e morador do Cururuquara desde que nasceu.

“Quando eu era criança o Cururuquara era bem diferente e mais bonito que agora, mas as mudanças são boas, pois o bairro foi melhorando e crescendo.”

“Meu bisavô já tocava o samba de bumbo, e meu avô continuou e também construía as caixas para tocar. O Samba de Bumbo está vivo até hoje, graças à Deus.”

Entrevistadores: Hannah Reis Marcondes, Mariana Andrea de M. Carpintéro, Mariana Vieira de Farias, Crislene Pereira dos Santos, Gabriela dos Santos

Maria Novaes Soares

85 anos, atualmente é moradora de Itapevi, mas viveu durante a maior parte de sua vida no Cururuquara e acompanhou todas as mudanças do bairro.

“O bairro mudou muito, não tinha quase nada naquela época só casa, uma escola e muita roça de milho e feijão. O samba de Bumbo começou com os escravos, e hoje são os moradores do Cururuquara que continuam com o samba.”

Entrevistadores: Gabriel Macena, Kauê Reis Marcondes, Guilherme Gomes da Silva, Fabrício Gomes da Silva

Benedita Soares dos Santos

86 anos, moradora de Itapevi e nascida no Cururuquara precisou mudar-se pois a família teve suas terras tomadas.

“Quando morei aqui não tinha muita coisa, as casas eram feitas de barro e sapé e era tudo longe. Quando eu era bem pequena, ainda não tinha escola e a gente aprendia as coisas com a criançada. Participei de todas as Festas do Cururuquara, desde pequena e sambo até hoje”

Entrevistadores: Gabriel Macena, Kauê Reis Marcondes, Guilherme Gomes da Silva, Fabrício Gomes da Silva

Carmelino de Jesus

91 anos, nascido em São Roque.

“Aqui no Cururuquara aprendi muita coisa, aprendi a trabalhar! Mas aqui é muito alegre, jogamos bola muitas vezes, íamos ao baile no sábado, eu era dançador de baile”

Entrevistadores: Tamara S. de Oliveira, Tamires S. de Oliveira, Maria Vitória Pontano, Monique Cardoso Alce

realização parceria apoio

SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA E TURISMO

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

www.imagemdvida.org.br(11) 3266.4711Alameda Rio Claro, 137/22 - Bela Vista - São Paulo - SP - CEP 01332-010

Olhares Cruzados

BRASIL CABO VERDE

Odete de Oliveira Silva

Bisneta de escravos, faleceu em 2013 aos 65 anos semanas depois de dar essa entrevista. Nasceu em Santana de Parnaíba e mudou-se para São Paulo para conseguir melhores condições de trabalho, foi funcionária pública, e participou do Samba de Bumbo ativamente, e incentivou quatro filhos e três netos à darem continuidade à essa tradição cultural:

“O Samba de Bumbo já existia antes da abolição dos escravos, eles sambavam nas senzalas e essa era a única diversão que eles tinham na época. Quando foram abolidos o samba tocou durante três dias e três noites. Continuamos comemorando até hoje! Me mudei pra São Paulo mas não abandonei o Cururuquara.”

Entrevistadores: Alex Silva, Paulo Vitor Andrade, Felipe Brás Batista, Viviane de O. Pontano, Wellington dos Santos

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Page 2: Cartilha projeto Olhares Cruzados Brasil Cabo Verde

APRESENTAÇÃO DAS CRIANÇAS DO CURURUQUARA

Para marcar o encerramento das ativida-des realizadas do ano de 2013 do pro-jeto Olhares Cruzados Brasil Cabo Verde apoiado pelo Instituto HSBC Solidarieda-de, preparamos uma apresentação com os alunos do Cururuquara que participa-ram das oficinas, e a exibição do docu-mentário do projeto.

O evento aconteceu no Teatro Coronel Raymundo, localizado no Centro Históri-co de Santana de Parnaíba e contou, , en-tre outros espectadores, com a presença da Secretária de Cultura e Turismo, Dra. Fátima Muro; do Secretário da Educação,

Professor Jailton Aparecido Rodrigues; do Supervisor da Secretaria de Educação, profes-sor Clecius Wanderley Santos; de orientadores pedagógicos e professores do município de Santana de Parnaíba, do Sr. Carmelino e da D.Luiza - integrantes do tradicional Samba do Cururuquara, da Sra. Dirce Carrion, presidente da OSCIP Imagem da Vida e coordenadora do projeto Olhares Cruzados, e do arte educador João Mário Machado que coordenou as oficinas de música com as crianças.

No evento, foi ressaltada pelo Secretário professor Jailton Rodrigues a importância de um povo conhecer sua história para que possa construir um novo futuro. A Secretária Dra. Fá-tima Muro apontou a importância do projeto Olhares Cruzados Brasil – Cabo Verde como meio de apropriação da história e da cultura local por parte das novas gerações.

As crianças e adolescentes receberam certificados pela participação nas oficinas viabiliza-das pelo projeto e, ao final vestin-do roupas tradicionais e munidos de instrumentos típicos, esses alunos do Colégio Aurélio Teixei-ra, conjuntamente com o artista e educador João Mário, apresenta-ram ao público o samba de bum-bo, reconhecido como Patrimônio Histórico Imaterial pelo IPHAN.

A apresentação emocionou os presentes, e o Sr. Carmelino e de D. Luiza ressaltaram a importância dessa tradição ser mantida viva, e da felicidade em presenciarem as crianças e os adolescentes no pal-co garantindo a sua continuidade.

Olhares Cruzados

BRASIL CABO VERDE

OFICINAS CURURUQUARA

OFICINAS CABO VERDE

Palestra Kiusan Oliveira

Dando continuidade ao tema das rela-ções étnico raciais em sala de aula, tam-

Palestra Dirce Carrion

Após o recesso escolar, em agosto de 2013, com o apoio da Secretaria de Edu-cação, a OSCIP Imagem da Vida deu iní-cio aos encontros de sensibilização com os orientadores pedagógicos e pro-fessores de Santana de Parnaíba, que tiveram como objetivo fomentar a dis-cussão e aplicação da lei 10.639/2003, através de um olhar que leva em consi-deração a diversidade, de forma a pos-sibilitar uma reflexão sobre a realidade do município e do país.

“É preciso desconstruir a visão negativa que se faz da África, sempre associada aos estigmas da pobreza, epidemias e guer-ras. E também a imagem da presença do negro na nossa sociedade historicamente relacionada à escravidão. A proposta do projeto Olhares Cruzados Brasil Cabo Ver-de é dar visibilidade aos aspectos positi-vos da cultura afro-brasileira, enfatizando a sua contribuição à construção da nossa identidade enquanto nação, com o obje-tivo de impactar positivamente a autoes-tima dos afro-descendentes para, dessa forma auxiliar no combate ao fracasso escolar das crianças negras, que sofrem pela depreciação de sua origem cultural e histórica no imaginário social brasileiro.”

Palestra Vera Duarte Pina

A palestra da escritora Vera Duarte, ex- ministra da Educação do Cabo Verde, foi realizada no auditório da Secretaria Municipal de Educação para os orienta-dos pedagógicos e professores da rede pública do município, autoridades e público em geral. A escritora ressaltou os vínculos existentes entre o Brasil e o arquipélago:

“Vencidos dois fenômenos vergonhosos da nossa história comum, a escravatu-ra e o colonialismo, de que, pelo menos, nos ficou como fator positivo a língua comum e a emergência de sociedades mestiças, por uma outra perspectiva deveria abrir-se para o relacionamento entre os nossos dois países. E foi o que realmente aconteceu. Após um período em que o relacionamento se abrandou significativamente, com a proclamação da independência de Cabo Verde e o estabelecimento de relações bilaterais, cedo os cabo-verdianos começaram a ver no Brasil um irmão mais velho, mais experiente e mais capaz, aonde ir colher as necessárias experiências para a cons-trução nacional.”

Ao visitar a mostra Olhares Cruzados Brasil Cabo Verde exposta no Centro de Memória e Divulgação Cultural de Santana de Parnaíba, e ao olharem as fotografias feitas pelas crianças de lá os alunos do Colégio Municipal Aurélio Gianini Teixeira do Curu-ruquara tiveram a percepção das semelhanças e identificaram diferenças entre seus modos de vida, suas culturas e realidades. A oportunidade de es-cutar ritmos do Cabo Verde, manipular e tocar os instrumentos musicais produzidos por seus cole-gas cabo-verdianos foram fatores facilitadores para romper a barreira da distância geográfica.

Numa roda de conversas sobre o Continente Afri-cano, onde o Cabo Verde foi contextualizado por meio da sua cultura e musicalidade, buscamos enfatizar a contribuição dos afros-descendentes à identidade brasileira.

Em oficinas de música, as crianças do Cururuqua-ra orientadas pelo arte educador João Mário, es-creveram versos e ensaiaram uma apresentação do Samba de Bumbo para a tradicional Festa do Cururuquara. Nas oficinas de fotografia, redação e desenho elas organizaram-se em grupos para a elaboração de um roteiro de perguntas que foram feitas às personalidades locais responsáveis pela manutenção da tradição do Samba de Bumbo no Cururuquara. Foram oito as personalidades esco-lhidas pelas crianças para serem entrevistadas.

No Cabo Verde o projeto Olhares Cruzados contemplou 50 crianças de duas escolas: Chã de Cemitério localizada na cidade de Minde-lo na Ilha de São Vicente, e da Escola Capeli-nha em Praia, capital do país situada na Ilha de Santiago.

As crianças cabo-verdianas participaram de oficinas de fotografia conduzidas pela coor-denadora do projeto Dirce Carrion e, sob a orientação do músico Mick Lima, produziram instrumentos musicais a partir de sementes, cabaças, e contas trazidas do Brasil, e de materiais recicláveis coletados por elas, tais como latas, garrafas pet, e tampinhas.

A proposta dessas atividades era que as crianças de lá se fizessem conhecer por crian-ças brasileiras, que as fotografias produzidas por elas contextualizassem o seu cotidiano, e que os instrumentos reforçassem a musicali-dade tão presente na sua cultura.

Palestra Rosa Andrade

A temática que norteou o encontro com os orientadores pedagógicos e professores de Santana de Parnaíba em setembro foi “Contatos e vivências: identidade étnico-racial nas relações cotidianas e na vivência escolar”.

Para compartilhar experiências vividas em sala de aula, foi convidada a Profes-sora doutora em Educação pela Uni-versidade de São Paulo Rosa Andrade, autora dos livros Lendas da África Mo-derna e Aprovados! Cursinho pré-vesti-bular e População Negra, que enfocou a questão étnico racial sob o ponto de vista da Biologia:

“A diversidade humana é um presente da vida, nossa espécie sobreviveu às al-terações ambientais do planeta graças à variabilidade genética do ser humano. As diferenças na aparência são apenas pistas da história geográfica de origem dos nossos ancestrais. Não existem raças humanas, não há etnias puras, qualquer pressuposto de hierarquia e superioridade de um biótipo sobre outro está totalmente em contradição aos conceitos biológicos.

Na produtiva reflexão realizada com os coordenadores pedagógicos sobre ‘o papel

do educador na valorização dos atributos individuais das crianças para a construção de sua identidade’, ofereci referências po-sitivas que podem contribuir para elevar a autoestima de estudantes negros e re--significar o olhar de seus pares para o re-conhecimento da beleza da estética negra, valorização sócio-histórica e cultural.

Ao narrar minha história de vida, desta-quei a importância de ter recebido desde a infância, no ambiente familiar, uma orientação positiva a respeito da minha aparência, incentivo e estímulo nos níveis cognitivo, cultural e físico. Sem constran-gimentos, nem mitos equivocados, fui apresentada a heróis negros brasileiros, ra-inhas e reis africanos, escritores, cientistas e dezenas de outras personalidades que compõem a negritude brasileira. Pertencer à população negra é um belo presente!”

Palestra Rosenilton Oliveira

O palestrante convidado para conduzir o primeiro encontro foi o doutorando em Antropologia Social na Universidade de São Paulo, Rosenilton Silva de Oli-veira. Com o tema “Etnicidade e Identidade Étnico--racial na Contemporaneidade”, abordou conceitos que permeiam as discussões acerca da questão do ensino de história e cultura afro-brasileira de modo a desmistificar idéias comuns e recorrentes no ima-ginário coletivo sobre raça, cultura e etnocentrismo.

Cururuquara, Santana de ParnaíbaMindelo, Ilha de SantiagoPraia, Ilha de São Vicente

Palestra Sueli Saraiva

No encontro de outubro contamos com a presença da Profa. Dra. Sueli Saraiva que nos trouxe reflexões sobre imple-mentação da Lei 10.639/03, as políticas públicas vigentes e a consciência social:

“No início deste milênio reafirmou-se a necessidade de abordar saberes “invi-sibilizados” em todos os níveis da edu-cação brasileira, com a atualização da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) pelas leis 10.639/03 e 11.645/08. Nelas, os educa-dores são informados sobre, entre outras providências, a inclusão da história e cul-tura africana, afro-brasileira e indígena nos currículos de ensino do país.

Esses marcos legais, conforme temos tes-temunhado em diferentes espaços de edu-cação, tornam-se efetivos (no sentido do aprendizado perene) na medida em que o seu entendimento e implementação resul-tam de um “descentramento do olhar” de educadores e educandos. Uma mudança de perspectiva que não significa a exclu-são de conteúdos consagrados, mas a in-

bém contamos com a contribuição da Professora doutora em Educação pela Universidade de São Paulo Kiusam de Oliveira, autora dos livros Omo-Oba: Histórias de Princesas e O mundo no black power de Tayó ambos recomen-dados pela Fundação Nacional do livro infantil e juvenil.

Kiusam relatou situações vivenciadas na sua infância, que marcaram profun-damente a sua trajetória, e que orienta-ram o seu trabalho e a sua luta em prol da valorização da população negra na sociedade brasileira, e do combate ao preconceito racial.

clusão de novas roupagens para um corpo já constituído de muitos saberes.

Podemos imaginar, para ilustrar tal pro-cesso cumulativo, uma espiral de apren-dizagem: a cada movimento ascendente, acrescentamos um saber que será solidifi-cado naquele estágio, então passamos ao próximo anel de conhecimento, e assim sucessivamente. Neste momento, o sistema educacional brasileiro tem a oportunidade de vivenciar, em sua espiral de aprendiza-gem, o conhecimento da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. Solidifi-quemos esse anel de conhecimento, tam-bém pela literatura produzida no continen-te africano, para seguirmos cada vez mais enriquecidos culturalmente.”

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