Cartilha - Conceitos Básicos de Democracia

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Conceitos Básicos de Democracia Módulo Básico

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Conceitos Básicos de Democracia

Módulo Básico

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EditorialA discussão, a troca de ideias está na base não só do aprendizado formal, mas daquele que se tem no dia a dia, ao se compartilhar pontos de vista, questionar posições ou esclarecer dúvidas. Em uma sociedade plural e democrática, o diálogo está no princípio e no fim da busca por soluções, sendo o meio e a forma de participar, de propor alternativas, de exercitar a cidadania na prática. Portanto, não é por acaso que o diálogo seja o fio condutor a partir do qual se desenvolvem os temas da grande maioria das cartilhas desta edição do CapacitaPOA – sistema permanente de ensino, cujo objetivo é preparar os participantes para atuarem de forma cada vez mais integrada, cooperativa e solidária, propícia à consolidação de um sistema de participação e governança.

Ao assumir o compromisso de levar adiante uma abordagem que aproxima assuntos considerados muitas vezes como inacessíveis, traçando paralelos com o cotidiano, a ideia é romper com preconceitos no que se refere ao conhecimento. Complexidade não precisa vir acompanhada de dificuldade necessariamente, assim como é larga a distância que separa o simples do simplório. Da mesma forma, a opção por uma linguagem coloquial, que preserva – e valoriza – o jeito e o sotaque porto-alegrense, e a utilização de bairros ou de personagens com suas variações de etnia/raça, idade e gênero não são à toa, mas foram pensadas para despertar um sentimento de familiaridade nos leitores.

E quem são eles? São, é claro, os participantes desta edição do curso, para os quais as cartilhas servem como apoio para as aulas – que não podem e nem devem se esgotar nesses materiais –, mas também podem ser muitos outros: famílias, amigos, vizinhos, quaisquer pessoas que tenham interesse em entender mais sobre os assuntos tratados. O desafio que lançamos àqueles que irão percorrer estes nove módulos conosco e a nós mesmos é justamente este: contribuir para disseminar esses conhecimentos junto ao maior número de pessoas, gerando novas discussões, novas trocas de ideias, para que o diálogo nunca tenha um fim.

Conselho Editorial

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Bem-vindo(a) ao programa do CapacitaPOA - sistema permanente de ensino. Serão nove módulos de aula, nos quais os participantes receberão informações e conteúdo sobre o funcionamento das instâncias de poder local, como a Prefeitura e a Câmara de Vereadores e as alternativas de participação e cogestão, como o Orçamento Participativo e a Governança Local.

Ao longo dos encontros, nosso objetivo será capacitar os agentes sociais a enfrentarem situações cotidianas de gestão participativa. Para tanto, optamos por um modelo ativo de explanação dos conteúdos, no qual situações imaginadas vão simular o dia a dia de comunidades envolvidas com questões locais, como as reivindicações por moradia, por direitos humanos ou por recursos do orçamento público, além de instigar o pensamento crítico e a noção de corresponsabilidade na relação entre comunidades e governos.

Neste primeiro módulo, porém, o tema é participação: dessa forma, será necessário conhecer um pouco alguns conceitos básicos que serão utilizados durante as aulas, para que todos possam acompanhar a evolução dos conteúdos. Bom aprendizado!

Sistema de capacitação emGestão Participativa

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Conceitos Básicos de Democracia

O QUE É PARTICIPAÇÃO?1

De forma simples, a participação pode ser entendida em duas dimensões complementares: 1) tomar parte nas decisões sobre as políticas públicas dos governos e 2) o envolvimento nas organizações ou nos movimentos sociais de qualquer tipo (entidades de moradores, sindicatos, de lazer, de cultura,

de esporte, religiosas, de assistência social, de mulheres, de jovens, étnica/raciais, ONGs,

partidos políticos, etc.).

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Palavra de origem grega (demos, povo; kratos, poder) que tem diversos significados quando aplicada à teoria política.

Doutrina política que atribui ao povo o poder soberano.

Ocorre que, hoje em dia, as práticas de participação se ampliaram e o seu conceito acabou adquirindo sentidos muito diversos, sendo usado por organizações de diferentes interesses e até ideologias contrárias. Entretanto, a partir da redemocratização do Brasil, com a nova Constituição de 1988, as experiências de democracia participativa na gestão pública local vêm ocorrendo nos marcos do estado democrático de direito e, em geral, vinculadas à descentralização político-administrativa, devido ao papel destacado que os municípios passaram a ter na organização federativa do país.

Mas, como se pode notar, esse anseio por participação não é novo na história da humanidade. Deve-se aos gregos a “invenção” da noção de democracia, há mais de 2,5 mil anos. Atualmente, discute-se muito no mundo sobre o sentido da democracia, porque um novo paradoxo (uma certa contradição) se formou: por um lado, cresceu o número de países que adotaram a democracia como regime político; mas, por outro lado, há uma crise de legitimação da representação política e uma visível queda da qualidade das práticas democráticas reconhecidas mundo afora.

A crescente perda da capacidade popular de influenciar as decisões de governo, apesar das formalidades democráticas, em prejuízo do peso cada vez maior das grandes corporações econômicas (que agem globalmente) e de uma espécie de monopólio dos meios de comunicação, pode ser apontada como um das causas da crescente falta de legitimidade da democracia representativa atual. A noção de autonomia e soberania popular, prevista pela modernidade (veja boxe na página 6), é cada vez mais distante da prática democrática.

De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal, “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.

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Conceitos Básicos de Democracia

Modernidade

Entende-se a modernidade como os avanços sociais, econômicos e culturais obtidos a partir da primeira revolução industrial, empreendida a partir do século 18 – anos 1700 (um dos marcos do período é o livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, que lançou as bases teóricas do capitalismo e criou uma nova ciência: a economia). A partir da mecanização crescente do processo de produção, a vida cotidiana mudou radicalmente: o trabalho, que era regido pelo tempo, passou a ser uma imposição do capital; as fábricas passaram a ser o local dos conflitos sociais; as cidades se transformaram no palco das grandes transformações cotidianas, incluindo comportamento, arte e política.

Por isso, inventar formas de democracia participativa é um desafio central para democratizar a democracia, especialmente quando a nossa época histórica trouxe a eliminação dos direitos coletivos no processo de reestruturação produtiva nos anos de 1980 e 1990. Vários governos democráticos mundiais tenderam a rever direitos sociais criados no âmbito do chamado Estado de Bem-Estar Social do século passado. Mas a participação pode assumir diversas formas. Por isso, é importante definir bem alguns conceitos básicos de democracia.

CONCEITOS BÁSICOS DE DEMOCRACIA

Todos esses conceitos podem ser aplicados tanto ao sistema político-eleitoral, como no dia a dia das organizações comunitárias e/ou dos movimentos sociais:

Democracia representativa: é quando a população participa delegando para representantes eleitos ou indicados a tomada de decisões.

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Orçamento Participativo (OP) é um processo pelo qual a população participa das decisões sobre a aplicação dos recursos em obras e serviços que serão executados pela administração municipal. Veja cartilha Orçamento Participativo.

Democracia direta: é a decisão coletiva sem intermediários, isto é, sem representantes eleitos ou escolhidos por determinada população ou comunidade.

Democracia participativa: em geral, se refere a uma forma mista que inclui participação direta com representantes escolhidos pela população ou pela comunidade.

Democracia deliberativa: é uma forma de participação que valoriza muito a discussão pública por meio da troca de argumentos racionais, antes de tomar as decisões. O termo deliberativo não diz respeito somente à decisão de uma maioria, mas, principalmente, se há ou não espaços e momentos para ampla discussão com igualdade de condições de participação entre os indivíduos para dotar a democracia de mais qualidade.

O SURGIMENTO DOS ORÇAMENTOS PARTICIPATIVOSÉ nesse contexto de disputa entre forças com interesses opostos que surgem as primeiras experiências de participação nos orçamentos públicos, especialmente na América Latina, como forma de caracterizar uma alternativa de democracia participativa em nível local. Embora já tivessem existido experiências pioneiras de participação no Brasil, como é o caso de Lages (década de 1970), de Pelotas (1982), de Boa Esperança (Espírito Santo, nos anos 1980), entre outras, o modelo do Orçamento Participativo (OP) de Porto Alegre foi reconhecido mundialmente quando a cidade ganhou o prêmio da ONU (Organização das Nações Unidas), em 1994, como uma das 40 melhores práticas de gestão participativa. Um dos aspectos que contribuiu muito para a criação do OP foi a existência de práticas associativas na história da cidade, desde décadas anteriores à redemocratização.

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De pouco mais de 10 cidades com modelos de Orçamentos Participativos (OP) entre 1989 e 1992, o país viu esse tipo de experiência se multiplicar ao longo dos anos: eram 140 municípios em 1997, hoje são mais de 200 no Brasil e cerca de 1,3 mil no mundo. A valorização do OP pelas agências de financiamento, como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ampliou o leque de administrações que adotam o modelo, que passou a ser um diferencial para disputar

projetos internacionais.

A partir do final dos anos 1990, a expansão do OP vem ocorrendo em praticamente todos os continentes – especialmente na Europa, na África e na América Latina. Embora seja difícil definir o que é um OP, já que não há um modelo único a ser copiado e eles são muito distintos entre si, é importante avaliar a qualidade desses processos, porque pesquisadores apontam casos em que autodenominados OPs não são efetivamente participativos. Ao contrário, há situações em que os OPs são usados para diminuir o papel do Estado na gestão pública, como em casos verificados na Europa.

Por isso, alguns parâmetros para avaliação e comparação são importantes:

1. Qual a importância dos OPs?Os OPs tornaram-se importantes porque podem possibilitar a intervenção popular no principal instrumento de gestão do Estado, que é o orçamento público. O orçamento sintetiza, em grande parte, o contrato social, pois regula os direitos e os deveres que nascem da reciprocidade entre governantes e governados e das relações entre os poderes representativos do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). Por isso, o orçamento representa, em grande parte, como se dá a

Informações sobre os OPs no mundo podem ser acessadas no site www.infoop.org.

Leia mais a respeito do tema na cartilha Orçamento Público.

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produção do fundo público (política de receitas) e de que forma esse produto social é distribuído ou apropriado pelos diferentes grupos, classes e camadas sociais na sociedade (política de despesas).

Por essas razões, o orçamento é o núcleo duro do planejamento governamental e está entre as chamadas decisões políticas fundamentais. Dar transparência a essa “caixa-preta” e promover a participação popular no destino dos recursos públicos adquire, por isso, alta relevância democrática. Do ponto de vista do conteúdo, os OPs podem promover condições para o acesso universal à cidade. Contudo, a discussão do orçamento não esgota todas as decisões importantes que afetam a vida social, em nível local, regional ou nacional, e sua compatibilização com outras políticas públicas tem se mostrado difícil de ser compreendida e, sobretudo, praticada nas experiências em curso.

O objetivo de transformar o modelo de gestão tradicional do Estado exige uma série de rupturas, a fim de abrir a Administração Municipal, tornando-a transparente e permeável à intervenção popular. Mas essa é uma tarefa difícil porque, em geral, é proporcional às complexidades relativas: 1) ao tamanho da cidade; 2) ao tipo de estrutura administrativa construída (níveis de verticalização e de pessoalização das decisões); 3) às capacidades tecnológicas de gestão; 4) à cultura do corpo técnico-burocrático

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(se mais ou menos aberta a inovações); 5) e ao nível de sustentabilidade financeira.

Por isso, uma dimensão importante dos OPs diz respeito às formas encontradas para o processamento técnico-político das demandas comunitárias dentro da administração municipal. Ou seja, qual o nível real de comprometimento dos órgãos municipais com o modelo, já que ele eleva a tensão entre os aspectos técnico e político? A pergunta é pertinente porque, em geral, a estrutura do Estado – entendido aqui como o governo – é fragmentada e compartimentada por uma questão meramente administrativa, o que tende a bloquear programas que exigem integração administrativa.

PERGUNTAS PARA DEBATE

No processamento técnico-político das demandas, como solucionar o encontro do saber técnico e do saber

popular? Além disso, como garantir integração administrativa para a execução das obras e dos

projetos aprovados? Como garantir integração entre os OPs e os demais canais de participação, tais como Conselhos Municipais, Plano

Diretor, etc.? Por fim, você acha que as comunidades participantes do OP

desenvolveram a noção e a prática da corresponsabilidade na sustentação de

projetos que as atingem?

2. Qual é o poder real de decisão e o grau de controle social nos OPs?A construção relativamente exitosa dos OPs está condicionada ao grau de convicção,

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principalmente do núcleo de dirigentes políticos da prefeitura, na participação como valor ético-político da democracia e na crença da capacidade da população em participar de escolhas complexas, como é o caso dos orçamentos. E isso depende, é claro, do lugar que o OP ocupa no projeto político-ideológico governamental.

O compartilhamento do poder de decisão com a população sobre a alocação dos recursos públicos e sobre as regras do jogo da participação é desafio de difícil implementação prática. Ela pressupõe efetiva vontade política dos governantes (a começar pelo prefeito, mas, também, do conjunto do governo) e do corpo técnico-burocrático (tem saber técnico e informações) de dividir o poder com a população.

A discussão das regras do jogo pelos próprios participantes, conjuntamente com a Administração, é um potencial dos OPs que pode possibilitar a prática da justiça distributiva e da inclusão social (componentes da igualdade).

A construção argumentativa das regras e dos critérios – além de oportunizar o exercício da racionalidade pública frente ao dilema sempre presente entre “recursos escassos versus demandas reprimidas” – parece ser um dos elementos de maior valor pedagógico e de aprendizagens favoráveis à construção da cultura democrática e de cidadania. Isso porque incentiva o reconhecimento do outro, o diálogo, a escuta e o respeito à diversidade e à pluralidade, possibilitando que a legitimidade das decisões passe a depender das relações entre as demandas particulares (de cada bairro, região, grupo, organizações, etc.)

Veja mais sobre a relação entre OP e prefeitura na cartilha do Orçamento Participativo.

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Conceitos Básicos de Democracia

Os delegados (as) são os representantes

da população participante das

assembleias regionais e temáticas do

OP. São eleitos na proporção de um para

cada dez presentes nas assembleias e

compõem os Fóruns de Delegados

do OP (FROPs). Os conselheiros

(as) também são representantes das Regiões ou

das Temáticas, que compõem o Conselho

do Orçamento Participativo (COP).

Mas são eleitos dois titulares e dois suplentes em cada

Assembleia. Veja cartilha Orçamento

Participativo.

e as regras pactuadas coletivamente. Sabe-se, entretanto, que a mudança da consciência social é a mais difícil de ser alcançada em todas as culturas.

Dessa forma, a questão do poder real de decisão é “prova de fogo” sobre o verdadeiro significado dos autodenominados OPs. Sabe-se que há diversos níveis de participação possíveis e diversas são as experiências reais quanto à relação de corresponsabilidade entre o governo e os agentes da sociedade civil. A escala a seguir estabelece possíveis níveis da relação de partilha do poder entre governantes e participantes.

Escala dos graus de participação nas decisões:

1 – Informação

2 – Consulta Facultativa

3 – Consulta Obrigatória

4 –Cogestão

5 – Delegação

6 – Autogestão

As experiências demonstram, em regra geral, que a cogestão é uma conquista prática com alto grau de dificuldade. Por isso, a maioria dos casos existentes envolve consulta – e não, como seria desejável, gestão compartilhada. O grau de dificuldade se justifica porque exige uma complementaridade – em geral, tensa – entre as formas clássicas e legítimas de democracia representativa, funções do Executivo e da Câmara de Vereadores, e as inovações participativas, como os OPs. Mas estes, em sua dinâmica própria, também exigem formas clássicas de representação, como é o caso da escolha de conselheiros e delegados. Por isso, considerar o Orçamento Participativo como uma forma de “democracia direta e independente do Estado” não só é incorreto, na

Mais informações sobre a Câmara de Veradores na cartilha Democracia e Participação.

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prática, como acaba mistificando esse OP, o que dificulta avançar mais.

Por outro lado, a legitimidade dos OPs é proporcional à capacidade de atendimento das demandas definidas pelas comunidades, em conjunto com o governo. Caso contrário, não se forma um ciclo positivo entre decisão e participação. Para isso, a transparência e o controle social não só da execução das demandas, mas também das finanças municipais são condição fundamental para a credibilidade e a sustentabilidade dos OPs. É importante não criar falsas expectativas. Todavia, o controle sobre as finanças (receita e execução orçamentária) também é uma tarefa bastante difícil.

PERGUNTAS PARA DEBATE

É possível exercer o controle social do orçamento (receitas e despesas)? Como isso pode ser feito? Qual é a melhor forma da prestação de contas pelo governo?

3 - Quem são os integrantes da participação?Pesquisas sobre OPs indicam a tendência de êxitos maiores (em termos de qualidade, de efeitos redistributivos e de sustentabilidade), quando existe, na história anterior à criação do OP, uma tradição associativa e de práticas de ação coletiva, em especial das camadas excluídas do desenvolvimento sociourbano e das decisões sobre as políticas públicas. Esse foi o caso da história de construção do OP em Porto Alegre.

Mas, a existência de uma tradição associativa numa comunidade qualquer não significa necessariamente maior nível de democratização das decisões. É claro que uma participação aberta a todos os indivíduos, sem a noção de compartilhamento de funções nem de hierarquização de

Para conhecer a história do surgimento do OP, entre outros escritos, consulte o livro O Poder da Aldeia: Gênese e História do Orçamento Participativo de Porto Alegre (Tomo Editorial, 2000, de FEDOZZI, Luciano).

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Para conhecer melhor o perfil dos

participantes do OP veja o estudo

Observando o Orçamento

Participativo de Porto Alegre -

Análise histórica de dados: perfil social e

associativo, avaliação e expectativas

(Tomo Editorial e Observapoa, 2007, FEDOZZI, Luciano).

Disponível no site www.observapoa.

com.br.

postos, tende a tornar as experiências mais bem-sucedidas. Isso desestimula o monopólio da representação comunitária por entidades, que, muitas vezes, reproduz a centralização inerente às formas clássicas de democracia. E também desestimula o clientelismo e o “caciquismo” comunitário.

Portanto, aos participantes cabe um duplo desafio: capacitar-se para a gestão compartilhada e também autogestionar-se, ou seja, garantir sua independência política e sua autonomia organizativa, sob pena de se criarem novas formas de tutela do Estado (governos) e do sistema político-partidário sobre os movimentos e organizações sociais. Trata-se de um dos desafios mais complexos da participação, pois, sem a capacidade autônoma da população, as possibilidades de democratização da sociedade como um todo – com liberdade e justiça – são bloqueadas.

Contudo, a capacidade de autogestão não depende somente do amadurecimento da consciência social. Depende também do tempo disponível dos indivíduos e cria mais uma contradição nas formas inovadoras de participação: a disponibilidade para a participação nas instâncias decisórias acaba se configurando como uma condição privilegiada para inúmeros agentes sociais. Não por acaso, quase 60% dos participantes do OP são de profissionais que têm “flexibilidade de tempo”, como autônomos, aposentados, desempregados e que exercem trabalho “do lar”.

Por isso, a relação entre participação e respeito às diferenças também é um desafio importante para experiências alternativas de poder. De um lado, trata-se

Tipo de relação política em que uma pessoa dá proteção à outra em troca de apoio, estabelecendo-se um laço de submissão pessoal.

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de ampliar o pluralismo dentre os participantes, levando em conta as limitações que muitos encontram (trabalho, família, despreparo, apatia, etc.). De outro, deve-se também priorizar certos grupos que ainda não foram beneficiados pelo acesso a bens ou serviços públicos – que caracteriza o caráter distributivo das formas de participação em orçamentos públicos. Os setores de extrema pobreza têm muito mais dificuldades para se organizar e participar dos OPs. Para esses setores, os custos da participação são maiores. Apesar do caráter redistributivo da experiência de Porto Alegre (a maioria dos participantes pertence às camadas que, no passado, não tinham voz e poder na destinação dos recursos públicos), há diferenças de oportunidades entre o público. Os indivíduos com menor nível de ensino e menor renda perdem proporcionalmente posições na formação das instâncias hierárquicas do OP (assembleias de base regional e temática, Fórum de Delegados e Conselho do Orçamento).

Da mesma forma, o conhecimento sobre as regras do jogo, por parte do público do OP, é dependente: a) do maior ou menor tempo de participação, b) da experiência na ocupação de postos na hierarquia das instâncias (de cúpula ou de base) e c) do maior ou menor nível de ensino. Esse fato leva ao tema crucial da necessária

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formação dos participantes, bem como da adoção de métodos pedagogicamente adequados para tornar a participação mais igualitária.

A participação nunca é homogênea, e o ponto de partida não é igualitário, seja por condições socioeconômicas (nível de ensino e renda familiar), por sexo ou em termos raciais/étnicos. Enfrentar essas desigualdades da participação é um grande desafio. Algumas experiências são interessantes: muitos municípios adotam OPs temáticos, para escolas, crianças, juventude, por exemplo. Em outros modelos, adota-se um mecanismo de igualdade obrigatória de gênero (representação feminina) na escolha dos representantes. Também é possível ampliar a base da participação adotando meios alternativos, como votação por internet e reuniões à distância por meio digital. Essa alternativa adotada por alguns OPs precisa ser bem balanceada para não causar prejuízos aos setores que não têm acesso a essas novas tecnologias.

PERGUNTA PARA DEBATE

Como ampliar a participação (de todas as camadas) e como equacionar as diferentes características e diferentes condições das comunidades, para que todos possam ser bem representados nos instrumentos de participação popular?

4. Quais são os possíveis resultados da participação?Do ponto de vista político, os OPs possuem um potencial de ruptura com os modelos de gestão autoritária, sejam tecnocráticos ou clientelistas. A adoção de

Sistema de organização política

e social fundado na supremacia dos

técnicos. Busca apenas soluções

técnicas ou racionais para os problemas,

sem levar em conta aspectos

humanos e sociais.

O objetivo do CapacitaPOA é contribuir para a formação dos integrantes da rede de participação democrática da Capital, a fim de qualificar ainda mais essa atuação.

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procedimentos compartilhados para definir regras de participação e critérios de seleção das prioridades (objetivos, universais, transparentes e impessoais) estabeleceu uma nova racionalidade política de acesso democrático aos recursos públicos. O confronto entre as demandas particulares, numa instância pública comum como o OP, é tendencialmente favorável à transparência e à preservação do interesse público.

O OP, apesar de seus problemas e limites, adquiriu popularidade em Porto Alegre, indicando importante mudança de comportamento favorável à incorporação da democracia participativa como uma marca da cidade. O Banco Mundial pesquisou a opinião dos porto-alegrenses com relação ao OP e descobriu que o mecanismo era considerado “muito importante” para 65 em cada 100 habitantes da cidade. Além disso, um em cada dois reconheceu que o OP “aumenta a eficiência do governo”, “melhora a qualidade de vida” e, mais importante, é “a favor dos pobres”.

Isso garante, por exemplo, que o mecanismo seja mantido, mesmo com a alternância no poder característico das democracias representativas – caso também de Porto Alegre.

Entre os efeitos sociais, as formas de compartilhamento sobre o orçamento têm proporcionado a universalização do direito à cidade e o combate à exclusão social. Uma rápida passada pelos temas centrais do caso de Porto Alegre revela o perfil das prioridades: habitação, pavimentação de vias urbanas, saneamento básico, educação e saúde, temas reivindicados pelas parcelas excluídas, como as populações de mais baixa renda das grandes metrópoles.

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O efeito distributivo também é demonstrado pela relação entre a renda das regiões e o volume de investimentos por pessoa. Quanto mais pobreza foi detectada, mais investimentos foram decididos. O próprio Banco Mundial reconheceu o caráter democrático em relação à renda, dos OPs, sugerindo que possam ter contribuído para a redução dos índices de pobreza em longo prazo nos municípios onde foi implementado

no Brasil.Além disso, a adoção de formas alternativas de

participação pode favorecer ganhos de consciência social

e de autoestima dos indivíduos, com alterações na cultura favoráveis

à consciência de cidadania ativa. Mas isso, evidentemente, se a participação

ocorrer por um período relativamente longo de tempo. Mas há uma questão que

sugere dúvidas. Ela diz respeito ao real efeito do OP no processo associativo da população.

PERGUNTAS PARA DEBATE

Você acha que, com o OP, o movimento popular em geral foi fortalecido ou enfraquecido? Por quê? Você já se sentiu mais valorizado por participar, ou ter sido convidado a participar, de mecanismos de decisão e poder?

No caso de Porto Alegre, a cidadania ativa foi estudada no livro O Eu e os Outros: Participação e Transformação da Consciência Moral e de Cidadania (Tomo Editorial e Observatório das Metrópoles, 2008, de FEDOZZI, Luciano).

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Expediente

Prefeitura Municipal de Porto Alegre

Secretaria de Coordenação Política e Governança Local

Produção: Signi - Estratégias para Sustentabilidade

Coordenação: Cristiane Ostermann (MTb 8256)

e Karen Mendes Santos (MTb 7816)

Edição: Carol Lopes

Textos: Flávio Ilha a partir de texto original de Luciano Fedozzi

Conselho Editorial: Adriana Burger, Adriana Furtado, Ana Paula Dixon, Beatriz Rosane Lang, Cézar Busatto, Débora Balzan Fleck, Eloisa Strehlau, Francesco Conti, Ilmo Wilges, Jandira Feijó, Jorge Barcellos, Júlio Pujol, Lisandro Wottrich, Luciano Fedozzi, Plinio Alexandre Zalewski Vargas, Ricardo Erig, Rodrigo Puggina, Simone Dani, Themis Regina Barreto Krumenauer e Valéria Bassani.

Projeto gráfico: Carolina Fillmann | Design de Maria

Diagramação: Daniela Olmos

Ilustrações: Marcelo Germano

Revisão: Press Revisão

Impressão: Hotprint

Tiragem: 1.500 exemplares

Apoio à produção das cartilhas: Departamento Municipal de Água e Esgotos - DMAE

Novembro | 2010

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