Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para...

139
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Relatório da Pesquisa de Pós-Doutorado Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) CANCIONILA JANZKOVSKI CARDOSO Fevereiro de 2009

Transcript of Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para...

Page 1: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Relatório da Pesquisa de Pós-Doutorado

Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação

(1977-1985)

CANCIONILA JANZKOVSKI CARDOSO

Fevereiro de 2009

Page 2: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 04

1. CAMINHOS PERCORRIDOS 07

2. ALGUNS INTERLOCUTORES 10

3. O CONTEXTO DA CARTILHA ADA E EDU 20

A VOZ DO PRESIDENTE ANUNCIANDO A AÇÃO DO MEC – O II PLANO SETORIAL DE

EDUCAÇÃO E CULTURA (1975-1979)

O II PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO: BREVE LEITURA DAS ENTRELINHAS

O PNM NO ESTADO DE MATO GROSSO

4. A GÊNESE DE NOSSA TERRA, NOSSA GENTE: ELEMENTOS DE SUA PRODUÇÃO 40

UM LIVRO À SOMBRA DE UM PROJETO

A NÃO PROFISSIONALIZAÇÃO DAS AUTORAS

5. VOO INESPERADO: NOSSA TERRA, NOSSA GENTE NO RIO DE JANEIRO 55

REPRESENTAÇÕES SOBRE REGIONALIZAÇÃO

OS INTERMEDIÁRIOS

EDIÇÃO DO CONJUNTO ADA E EDU: ELEMENTOS DE SUA TRANSFORMAÇÃO

CERIMÔNIA DE LANÇAMENTO

6. A DIFUSÃO DA CARTILHA ADA E EDU 70

DISCURSOS E AÇÕES EM TORNO DO “BALUARTE PARA O PROFESSOR MINISTRAR

MELHOR SUAS AULAS”

OS CURSOS DE TREINAMENTO DOS ALFABETIZADORES

BOLETINS INFORMATIVOS E MATERIAIS COMPLEMENTARES: ELOS DA HISTÓRIA DAS

PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO

VISITAS TÉCNICAS

ENCONTROS ESTADUAIS DE ALFABETIZAÇÃO

7. CIRCULAÇÃO DE ADA E EDU 87

A EXPANSÃO DO PNM EM MATO GROSSO

FENAME: ELEMENTOS DA POLÍTICA DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE LIVROS

DIDÁTICOS

A CO-EDIÇÃO COM A FENAME E A CIRCULAÇÃO NACIONAL

Page 3: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

3

8. LEITORAS/USUÁRIAS: A VOZ DAS PROFESSORAS 102

LEITURAS/USOS PREVISTOS

LEITURAS/USOS NÃO PREVISTOS

9. OCASO DA CARTILHA ADA E EDU 117

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS 125

REFERÊNCIAS 130

Page 4: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

4

Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985)

Introdução

A história dos livros começou a ter seus próprios periódicos, centros de pesquisa, conferências e circuitos de palestras. Congregou tanto os mais velhos do clã quanto os jovens radicais. E, embora ainda não tenha criado senhas, códigos secretos para o aperto de mãos ou uma população própria de doutores, seus adeptos podem se identificar pelo brilho nos olhos (Darnton, 1990, p. 110).

Desde 2001 o Grupo de Pesquisa Alfabetização e Letramento Escolar

(ALFALE) participa da pesquisa interinstitucional “Cartilhas escolares: ideários,

práticas pedagógicas e editoriais; construção de repertórios analíticos e de

conhecimento sobre a história da alfabetização e das cartilhas (MG/RS/MT, 1870-

1980)”. Este grupo está sediado no Núcleo de Pesquisa em Educação (NUPED),

campus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Rondonópolis-MT. Ao

longo dessa caminhada, professoras pesquisadoras, alunas bolsistas de iniciação

científica e mestrandas ligadas ao ALFALE têm-se dedicado à produção de um

conhecimento, prioritariamente, sobre a alfabetização em Mato Grosso. Tais estudos

têm focado a cultura escolar mato-grossense em suas diversas nuanças. Na pesquisa

geral, um dos aspectos enfocados tem sido o estudo da nacionalização do livro

didático, que vem ocorrendo no Brasil desde o final do século XIX, acompanhada do

surgimento e da expansão do mercado editorial brasileiro, “que na escola encontra

espaço privilegiado de circulação e público consumidor de seus produtos” (Mortatti,

2000, p. 42). Como já dissemos em outra oportunidade, as investigações de aspectos

da história da alfabetização no Mato Grosso, concentradas no início do século XX,

sobretudo na questão da produção e da circulação de cartilhas apontam que,

No Mato Grosso, não se verificam publicações de cartilhas de alfabetização ou livros didáticos de leitura. Não se tem notícia de autores dedicados a esse âmbito da produção editorial nem de editoras que se dediquem à produção de livros dessa natureza antes da década de 1970. Um único caso de elaboração de material didático para a alfabetização de crianças

1, como iniciativa da Secretaria de Estado da

Educação, considerado significativo por sua repercussão foi registrado na década de 1970 (AMÂNCIO E CARDOSO, 2006, p.194/5).

Desta forma, o nosso Estado se caracteriza mais como um consumidor do que

produtor de material didático. Era justo, pois, que a única cartilha elaborada por

1 Foram localizadas três cartilhas/livros, elaborados a partir de iniciativas de Secretaria de Educação do

Estado e relacionados à alfabetização de Jovens e Adultos. (Ver: Cardoso e Amâncio. Fontes para o Estudo da produção e circulação de cartilhas no Estado de Mato Grosso, 2005, cap.1).

Page 5: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

5

professores mato-grossenses, até então localizada, fosse objeto de uma investigação

mais rigorosa. A oportunidade surgiu com uma investigação de caráter individual, em

nível de pós-doutorado, realizado na Universidade Federal do Paraná, na linha de

pesquisa Cultura, Escola e Ensino, que desenvolve suas atividades junto ao Núcleo de

Pesquisas em Publicações Didáticas2 e teve como orientadora a professora Doutora

Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia.

Esta pesquisa que tem por título "Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e

circulação (1977-1985)" representa, assim, a continuidade dos esforços em recuperar

e registrar uma história da alfabetização que, embora regional, soma-se a resultados

das investigações de outros pesquisadores, de outros estados brasileiros, na

construção desse campo de conhecimento ainda novo no Brasil.

O foco foi a história dos livros escolares, tomando como objeto de análise o

funcionamento do circuito que foi organizado em torno de um deles, ao longo da

segunda metade do século XX no contexto escolar mato-grossense. É sabido que nos

últimos anos cresce o interesse pela história da leitura e dos livros escolares. Trata-se

de um campo de estudos rico e diversificado, no qual a História da Educação tem

dado significativa contribuição. É nesse contexto que se inscreve essa investigação

que partiu do “circuito das comunicações”, modelo proposto por Robert Darnton

(1990), para examinar o percurso da produção mato-grossense Nossa Terra Nossa

Gente, posteriormente transformada em Cartilha Ada e Edu. O esforço foi o de

levantar aspectos do circuito dessa cartilha: produção, difusão e circulação. Seu

caminho investigativo encontra-se orientado por referenciais teórico-metodológicos

ligados à história cultural (Burke, Chartier, Certeau, Julia, Frago), à história das

disciplinas escolares (Chervel, Cuesta Fernández) e, mais precisamente, pela história

2 O Núcleo de Pesquisas em Publicações Didáticas desenvolve ações de extensão e pesquisa

relacionadas ao Livro Didático. Criado em 2001, está vinculado ao Grupo de Pesquisa Cultura, práticas escolares e educação histórica, certificado pela UFPR e cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ. Sua constituição está ligada às preocupações em compreender o papel que os materiais didáticos – também denominados suportes didáticos ou recursos de ensino – cumprem na constituição dos “modos de ensinar”, nas diferentes áreas de conhecimento específico. O Núcleo tem articulado seus trabalhos especialmente em torno dos manuais didáticos, entendidos como elemento da cultura escolar e tem como objetivos: 1. Desenvolver atividades de investigação voltadas à produção de conhecimentos sobre os manuais didáticos, do ponto de vista da sua produção e do ponto de vista do seu uso por professores e alunos

2; 2. Desenvolver atividades de produção de materiais didáticos

destinados aos professores e alunos, buscando alternativas que favoreçam novas formas de ensinar e aprender; 3. Organizar bases de dados e acervos que se constituam em fontes de pesquisa educacional, particularmente relacionadas aos recursos de ensino nas práticas escolares; 4. Publicizar resultados de investigação por meio de base de dados virtuais, seminários e publicações, de forma a contribuir com a formação inicial e continuada de professores; 5. Contribuir para a formação de pesquisadores na temática dos materiais didáticos e, em especial, dos livros escolares.

Page 6: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

6

dos livros (Darnton, Choppin), os quais permitem abordar a elaboração e a circulação

de um impresso em um contexto abrangente e multifacetado.

Assim, o trabalho se propôs como objetivo geral contribuir para a constituição,

sistematização e socialização de uma história do livro mato-grossense, mediante a

investigação da produção, difusão e circulação da Cartilha Ada e Edu, elaborada por

professoras deste estado, na década de setenta do século XX. Para tanto,

especificamente, procurou: localizar e reunir fontes documentais pertinentes ao estudo

do tema em pauta; organizar, selecionar e analisar as fontes documentais mais

específicas relacionadas à produção e circulação da Cartilha Ada e Edu; levantar

dados impressos das escolas que participaram do Projeto Novas Metodologias;

localizar e entrevistar as professoras autoras da Cartilha Ada e Edu; localizar e

entrevistar professoras que utilizaram a Cartilha Ada e Edu.

Page 7: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

7

1. Caminhos percorridos

Em história tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar

em “documentos” certos objetos distribuídos de outra maneira. [...] Na

realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de

recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo

tempo o seu lugar e o seu estatuto (Certeau, 2002, p. 81).

Este estudo está inscrito na história da alfabetização, campo caracterizado por

Frago (1993, p.81) por meio dos termos “ruptura e abertura, desagregação e até

mesmo explosão”. Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com,

interessa-se por e abriu-se a campos e questões tão diversos – mas todos conectados

– que finalmente parece ter-se diluído”. Esse campo de estudo interdisciplinar e

confluente é, segundo Soares e Maciel (2000), ainda novo no Brasil. Em meio à

diversidade, abertura e diluição do campo, esta pesquisa aborda aspectos dessa

história em Mato Grosso, em especial, a circulação e a utilização de uma determinada

cartilha, de autoras mato-grossenses.

De natureza qualitativa e de fundo histórico, o trabalho buscou subsídios no

âmbito das Pesquisas em Educação e da História Cultural. A escolha se justifica, por

um lado, por entender que a alfabetização e seus suportes materiais situam-se num

campo que aglutina diferentes campos de estudo, que por ela se interessam e nela

intervêm (Soares, 1985), mantendo forte interface especialmente com a História da

Educação. Por outro, pela própria definição da História Cultural como sendo uma nova

forma de abordar eventos e interrogar a realidade contemporânea, incluindo nela,

novas fontes, novos objetos, novos sujeitos. E, ainda, uma nova forma de se inserir

como pesquisador nesse campo, “produzindo” documentos, como reflete Certeau.

Nesse sentido, a nova História Cultural, como é chamada, tem-se dedicado a

abordagem de certos temas, antes esquecidos por historiadores, incluindo neste rol os

manuais didáticos, tal como afirmam Nunes e Carvalho:

O campo tradicionalmente relegado à história da educação vem sendo progressivamente ocupado e redefinido pelas investigações da nova história cultural. A ênfase no estudo dos processos de circulação e apropriação culturais vem fazendo com que esta privilegie, como constitutivo de seu próprio campo de investigação, estudos relacionados a questões educacionais, que vinham sendo, de certa forma, relegados pela produção historiográfica anterior a uma situação de desprestígio intelectual e institucional (NUNES; CARVALHO, 1993, p.46).

Page 8: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

8

É nesse contexto que se insere esta investigação. A partir do levantamento das

condições de produção e da análise qualitativa da Cartilha Ada e Edu, pretendi

desvendar pressupostos metodológicos, projetos pedagógicos e práticas escolares de

alfabetização. Como registro histórico e científico, o trabalho caminhou no sentido de

recuperar, reunir, selecionar e organizar fontes documentais primárias e secundárias

sobre o ciclo de vida dessa cartilha no estado de Mato Grosso e nos outros estados

brasileiros pelos quais ela circulou.

O esforço foi o de realizar análises da configuração textual3 dos documentos

impressos considerados mais emblemáticos para o estudo, aliadas a análise de dados

oriundos da História Oral, o que permitiu o cotejo desses diferentes dados.

A periodização eleita nesta investigação contempla o ano de 1977, que marca

a data da produção da Cartilha Nossa Terra Nossa Gente, depois

transformada/editorada pela Bloch Editores como Cartilha Ada e Edu, e o ano de

1985, data da última edição encontrada.

Na busca das fontes foram visitados os seguintes acervos: 1. APM – Arquivo

Público de Mato Grosso; 2. Biblioteca Nacional – RJ; 3. Arquivo Central da

SEDUC/MT; 4. “Arquivo” da Bloch Editores - RJ; 5. Arquivo Administrativo do

Ministério da Educação – Brasília; 6. CIBEC (Centro de Informação e Biblioteca em

Educação) - Brasília; 7. Arquivo do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira) – Brasília; 8. Centro de Documentação do

NUPED/UFMT; 9. Acervo da Escola Daniel Martins de Moura - MT.

Foram, ainda, realizados contatos por e-mail, telefone e visitas nos seguintes

órgãos: 1. FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; 2. SEB –

Secretaria de Educação Básica; 3. Programa Nacional do Livro Didático; 4. COGEAM

– Coordenação Geral de Avaliação de Materiais; 5. Coordenação de Avaliação e

Qualidade do Livro Didático; 6. SBIB - Secretaria de Biblioteca do Senado Federal.

As fontes orais são oriundas das seguintes entrevistas:

3 Conceito explicitado adiante.

Page 9: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

9

Quadro 1: Entrevistas

01 Rosa Maria Jorge Persona4 Autora 26/04/2004

02 Maria Antonieta Fernandes Autora 23/04/2008

03 Regina Lúcia Borges Araújo Autora 24/04/2008

04 Francisca Amélia Marques Autora 24/04/2008

05 Rosa Maria Jorge Persona Autora 25/04/2008

06 Renete M. de Almeida Maciel Autora 25/04/2008

07 Maria de Lourdes Amaral Professora - Rondonópolis 25/06/2008

08 Ana Maria Pereira Barbosa5 Professora - Rondonópolis 14/05/2003

09 Ana Maria Pereira Barbosa Professora - Rondonópolis 28/06/2008

10 Mari Luci Ianhes Bitencourt Supervisora - Rondonópolis 10/07/2008

11 Lucia Elvira Rigolin de Almeida Autora 11/07/2008

12 Doquelza de Almeida Pessoa6 Professora - Cáceres 17/07/2008

13 Julita do Carmo Mendes Povo Supervisora - Cáceres 21/07/2008

14 Maria da Conceição de Paula da Silva Intermediária – Coordenadora do

PLIDEF/MT

25/08/2008

15 Terezinha Lizete de Figueiredo Professora - Cuiabá 19/09/2008

Trabalhei, ainda, com os depoimentos escritos de Arnaldo Niskier, Diretor da

Bloch Educação no período em que Ada e Edu foi editada, (correspondência pessoal

de 30/03/2005) e de Nívia Gordo, consultora da Secretaria de Educação no período

em que a cartilha foi elaborada, que aparece na publicação como “coordenadora”

(depoimento, a partir de um questionário, enviado por e-mail em 12/06/2008)7.

4 Entrevista realizada por mim e Lázara Nanci de Barros anteriormente a essa pesquisa, que

faz parte do Acervo do NUPED. 5 Entrevista realizada por Maria Lúcia Marques Pimentel para a pesquisa de Iniciação científica

(CNPq/UFMT) “Alfabetização em Mato Grosso: uma contribuição da história oral no período de

1971 a 2000”. Acervo do NUPED. 6 Agradeço a Luciane Miranda Faria pela realização das entrevistas com a professora e a

supervisora de Cáceres-MT: Doquelza de Almeida Pessoa e Julita do Carmo Mendes Povo. 7 É importante registrar que parte das fontes utilizadas nessa pesquisa já compunha o acervo

do NUPED/UFMT. Muitos documentos impressos (relatórios, projetos, ofícios, fichas, boletins, apostilas, etc.) são frutos de doação de Rosa Persona, uma das autoras do livro didático aqui estudado.

Page 10: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

10

2. Alguns interlocutores

Nous avons connu dans les années 1970-1980 un bouleversement des valeurs

auquel la littérature scolaire n´a pas échappé ; la tradition n´est plus considérée

comme un gage de qualité ; il faut innover à tout prix, dans la forme sinon dans le

fond. Par ailleurs, dans de nombreux pays occidentaux, ce qu’on appelle la

massification de l’enseignement et le recours aux technologies nouvelles ont

favorisé le renouvellement de la production, l’accroissement et la diversification de

l’offre éditoriale (Choppin, 2007, p.7).

Nas duas últimas décadas, no Brasil, tem crescido o número de pesquisas que

se interessam em apreender o papel desempenhado pela escola e por outras

instâncias sociais na definição de saberes, julgados essenciais, num determinado

momento histórico, para a formação das novas gerações. Tal campo de pesquisa se

fundamenta no que se convencionou denominar História das Disciplinas Escolares.

Em nível mundial, segundo Bittencourt, os estudos nesse campo aparecem em

diferentes países quase que simultaneamente, possuindo em comum a preocupação

em “identificar a gênese e os diferentes momentos históricos em que se constituem os

saberes escolares, visando perceber a sua dinâmica, as continuidades e

descontinuidades no processo de escolarização” (2003, p. 15).

Para Chervel (1990), um dos precursores desses estudos, a especificidade

desse campo reside na investigação dos ensinos da idade escolar, pois o seu

elemento central é a história dos conteúdos. Nessa história confrontam-se as

finalidades da escola e as transformações do público escolar, originando as evoluções

e adaptações das disciplinas escolares. “Fruto de um diálogo secular entre os mestres

e os alunos, elas constituem por assim dizer o código que duas gerações, lentamente,

minuciosamente, elaboraram em conjunto para permitir a uma delas transmitir à outra

uma cultura determinada” (Chervel, 1990, p. 222).

Cuesta Fernández (1998, p. 8) denomina de código disciplinar uma “tradição

social que se configura historicamente e que se compõe de um conjunto de idéias,

valores, suposições e rotinas, que legitimam a função educativa” atribuída a cada

disciplina escolar e “que regulam a ordem prática de seu ensino”. Ao se debruçar

sobre a sociogênese da história como disciplina escolar, o autor lembra que “como

toda tradição sociocultural duradoura, a mudança e a continuidade se inscrevem em

ritmos próprios do tempo largo e em relação com as estruturas profundas da

Page 11: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

11

sociedade” (p.9), fazendo com que os processos de formação do código disciplinar da

história não acompanhem o ritmo dos distintos regimes políticos.

O conjunto de conhecimentos, valores e métodos que compõe o código

disciplinar se expressa nas propostas de cursos, nos programas de ensino, nos

periódicos pedagógicos e, principalmente, nos manuais didáticos. Nesses se verifica o

que Chervel denomina de vulgata, ou seja, aspectos comuns às diferentes disciplinas:

Todos os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso. Os conceitos ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus de conhecimentos, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações aproximadas (CHERVEL, 1990, p. 203).

Portanto, essas considerações sobre os conteúdos das disciplinas escolares

elevam para um plano privilegiado a análise dos manuais e das edições didáticas, ou

seja, a história dos livros escolares.

Em artigo publicado originalmente em 2002, Alain Choppin apresenta um

balanço da produção mundial sobre a história dos livros e das edições didáticas. Em

que pesem os argumentos sobre as dificuldades de se fazer um “estado da arte

exaustivo sobre o que foi feito e escrito”, esse trabalho se tornou um texto fundador na

medida em que mapeia as principais problemáticas e principais temas abordados pela

pesquisa histórica, além de destacar tendências e perspectivas para esse campo de

estudo. .A maior justificativa dada pelo autor para a realização do balanço e da análise

sobre a produção ajusta-se, também, para a continuidade na realização de pesquisas

dessa natureza. Para ele, “Uma das razões essenciais é a onipresença – real ou

bastante desejável – de livros didáticos pelo mundo e, portanto, o peso considerável

que o setor escolar assume na economia editorial nesses dois últimos séculos”

(Choppin, 2004, p. 551).

As reflexões desse autor sugerem que os livros didáticos assumem múltiplas

funções, destacando quatro delas, consideradas essenciais: 1. função referencial –

quando o livro se constitui em suporte privilegiado de conteúdos previstos em

programas de ensino; 2. função instrumental – quando ele põe em prática métodos de

aprendizagem, propondo exercícios e atividades com vistas à memorização do

conhecimento e a aquisição de competências e habilidades relativas a uma

determinada disciplina; 3. função ideológica e cultural – quando ele se constitui em

vetor da língua, da cultura e dos valores da classe dominante; 4. função documental –

quando ele fornece, sem que a leitura seja dirigida, um conjunto de documentos,

textuais e icônicos, com o intuito de desenvolver o espírito crítico dos alunos. Tais

funções “podem variar consideravelmente segundo o ambiente sócio-cultural, a época,

Page 12: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

12

as disciplinas, os níveis de ensino, os métodos e as formas de utilização” (Choppin,

2004, p. 553).

Outro aspecto a ser considerado no estudo de livros didáticos é, segundo o

autor, “a multiplicidade dos agentes envolvidos em cada uma das etapas que marcam

a vida de um livro escolar, desde a sua concepção pelo autor até seu descarte pelo

professor e, idealmente, sua conservação para as futuras gerações” (p. 553/4).

Refletindo sobre o problema da autoria, Bittencourt (2004, p. 483) pondera que

“O livro didático traz, desde sua origem, uma ambigüidade no que se refere ao seu

público. O professor é a figura central, mas existe o aluno. O livro didático não pode

separá-los”. Essas duas figuras de leitores se entrelaçam na história do livro didático

que, assim como a história dos livros em geral, aponta para significativas mudanças

na função-autor (Chartier, 1996, p.48), ocorridas em função das condições sociais,

econômicas, políticas e educacionais de cada período. Muitas dessas mudanças se

vinculam ao fenômeno do crescimento escolar. É assim que, por exemplo, no final do

século XIX muda o perfil dos autores brasileiros de livros didáticos representado por

“homens pertencentes à elite intelectual e política da recente nação” para o de homens

que “possuíam, na maioria das vezes, experiências pedagógicas provenientes de

cursos primários, secundários ou de escolas normais voltadas para a formação de

professores” (Bittencourt, 2004, p.480 e 483). Para essa autora, essa mudança tem

sua explicação na percepção, por parte de editores e autores, de sensível mudança no

público do livro didático. A partir da segunda metade do século XIX entra em cena o

aluno que, assumido como consumidor direto do livro demanda novas exigências,

originando o aparecimento de novos “gêneros didáticos”, expressos nas

transformações na linguagem, nos usos das ilustrações e nas atividades de

aprendizagem.

Nessa linha de raciocínio é emblemática a alteração na concepção do

professor como leitor, ocorrida nos anos 1970 e, ainda, vinculada ao crescimento

escolar. Segundo Soares (2001, p 73/4), nesse período, com a crescente

democratização das oportunidades escolares, modifica-se profundamente o alunado,

cujo perfil inclui os filhos da burguesia, mas também, os filhos dos trabalhadores. A

multiplicação dos alunos exigiu a multiplicação de agências de formação de

professores, muitas delas oferecendo cursos aligeirados e inadequados. Diante dessa

realidade, os autores ajustam sua produção no sentido de instrumentalizar esse

professor, supondo suas (im)possibilidades para formar o aluno-leitor. O professor

passa a ser concebido como um profissional “cada vez menos capaz de assumir

autonomamente a ação docente, num movimento em que a profissão ‘professor’ vai-se

transformando em trabalho e o profissional, em trabalhador” (Soares, 2001, p. 33).

Page 13: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

13

Assim, a democratização do ensino trouxe para o contexto escolar novos alunos e

grandes alterações nas condições de formação e de trabalho dos professores. É

nesse contexto que surge e/ou se consolida o “Livro do Professor”8, cujas

características são as de apresentar minuciosamente o planejamento e

desenvolvimento das aulas, explicitando a ação docente passo a passo. Objetivos,

orientações metodológicas, sugestões de atividades e, “o que seria impensável até os

anos 60, as respostas dos exercícios” (op. cit., p.71), interferem na autonomia do

professor e o “ajudam” a equacionar o perverso binômio democratização versus não

vinculação constitucional de recursos, induzindo-o a uma sobrecarga de trabalho de

até três turnos.

Esses apontamentos evidenciam a variedade de aspectos passíveis de serem

abordados pela pesquisa histórica sobre livros e edições didáticas. Choppin distingue,

em meio a uma grande gama de possibilidades de abordagens, duas grandes

categorias: 1. o livro tomado como documento histórico, similar a outros documentos,

cuja análise se pauta em seus conteúdos; 2. o livro tomado como objeto físico, cuja

análise se pauta nas formas como ele foi fabricado, comercializado, distribuído e/ou

consumido. É, especialmente, nesse segundo sentido que desenvolvi a presente

pesquisa.

Em O Beijo de Lamourette, Robert Darnton (1990) reconhece a história dos

livros como uma nova e importante disciplina, cuja principal peculiaridade é a

convergência de diversas disciplinas, reunidas na composição de sua identidade

acadêmica, que se debruçam sobre um conjunto comum de problemas. Também para

o autor, a história dos livros é hoje um campo de estudos rico e diversificado. A

percepção da complexidade desse campo o leva a propor um modelo geral “para

analisar como os livros surgem e se difundem entre a sociedade”, como forma de

mapear o campo e ajudar o pesquisador, em especial o iniciante, a “enxergar o objeto

como um todo” (p. 112).

Para esse autor,

os livros impressos passam aproximadamente pelo mesmo ciclo de vida. Este pode ser descrito como um circuito de comunicação que vai do autor ao editor (se não é o livreiro que assume esse papel), ao impressor, ao distribuidor, ao vendedor, e chega ao leitor. O leitor

8 Soares (2001) realiza suas análises a partir de dois manuais didáticos de Português: a

Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos Laet (que circulou nas escolas brasileiras desde os fins do século XIX até os anos 60) e o Estudo Dirigido, de Reinaldo Mathias Ferreira (grande sucesso nos anos 70). Para essa autora, o segundo título, que vinha acompanhado do Livro do Professor “foi uma das primeiras, se não a primeira” (p. 71) coleção que introduzia essa inovação. Já para Bittencourt (1993), que analisa livros didáticos de História, ainda na primeira década do século XX, foram introduzidos, nas coleções didáticas da F.T.D., os livros do professor.

Page 14: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

14

encerra o circuito porque ele influencia o autor tanto antes quanto depois do ato de composição (DARNTON, 1990, p.112).

O modelo de Darnton permite construir uma visão holística da história do livro,

na medida em que abre a possibilidade de análise dos diferentes segmentos que

compõem o seu ciclo de vida.

Esses pressupostos inspiram este trabalho que procura visualizar o processo

de comunicação da Cartilha Ada e Edu.9 Evidentemente, e como o próprio Darnton

sugere, foi necessário fazer adaptações ao modelo para utilizá-lo como instrumento de

análise. Dois elementos principais justificam os ajustes: de um lado trata-se de um

período recente da história do livro impresso, no caso pertencente ao gênero didático

e nascido no seio de uma política educacional pública; de outro lado, o eterno

confronto com a escassez das fontes.

Mas, afinal, como conceituar livro didático? Batista (2002, p.534), inicialmente o

define como “aquele livro ou impresso empregado pela escola, para desenvolvimento

de um processo de ensino ou de formação”. Logo, porém, a definição se revela pouco

eficaz para conceituar um objeto variável e instável, que se apresenta em diferentes

portadores impressos, resultando na impossibilidade de identificar “livro” didático ao

objeto “livro” como comumente o conhecemos. O exemplo dado pelo autor é,

justamente, o de cartilhas utilizadas no Brasil, entre o final dos anos 1940 e meados

de 1970, que se fazem acompanhar de outros objetos que não o livro (cartazes,

folhas, fichas). Para o autor, atualmente “muitos livros são acompanhados por esse ou

outro gênero de satélites, como caderno de exercícios, fitas cassete e de vídeo,

folhetos destinados a professores, ‘kits’ para experimentos e assim por diante” (p.536).

Recorro a Batista para justificar a análise, que, embora centrada na cartilha Ada e

Edu, não pôde ignorar os seus “satélites”: Livro do professor e Caderno de Atividades.

Magalhães (1999, p.283/4) aponta outros elementos da especificidade do

manual didático. Para esse autor, “O circuito de distribuição, utilização e apropriação

dos manuais escolares, aparentemente menos complexo que o do livro em geral, não

deixa de conter características muito específicas”. É com a qualidade da leitura que o

autor exemplifica essa especificidade. Até que ponto um livro que foi escolhido por

professores, individualmente ou em conjunto, homologado pelas autoridades

educativas, recomendado e autorizado por responsáveis pelo estabelecimento de

9 Trabalho semelhante, embora muito mais abrangente, encontra-se em CORRÊA, Carlos

Humberto Alves “Circuito do livro escolar: elementos para a compreensão de seu funcionamento no contexto educacional amazonense (1852-1910)”. O autor prioriza o modelo proposto por Darnton para examinar o circuito dos livros escolares no contexto daquele estado, apresentando amplo estudo que contempla sujeitos, práticas e dispositivos envolvidos na dinâmica de funcionamento da leitura e dos livros.

Page 15: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

15

ensino afeta a liberdade do leitor-aluno, impondo-lhe uma leitura normatizada? A

resposta a essa pergunta encontra-se na consideração da complexificação do ato da

leitura escolar, na medida em que essa pressupõe “a existência de um mediador entre

o leitor e a mensagem, que é o professor e por intermédio dele a pedagogia escolar”

(p.285). Esta se recria em momentos de transmissão e aprendizagem e em momentos

de verificação, já que os conteúdos do livro escolar, para além de lidos e interpretados,

são objeto de inquérito, constituindo-se em suporte para a avaliação pedagógica.

Desse modo, para Magalhães, o principal desafio para a historiografia dos

manuais didáticos é o estudo das formas de utilização e de apropriação das

mensagens pedagógicas e didáticas, aspecto que se situa na tensão entre o uso e as

práticas. Assim, sendo o manual escolar “uma, senão a principal porta de entrada na

vida e na cultura”, sua interpretação deve ser feita “a partir de um olhar cultural e de

olhares pedagógicos e didáticos” (p.285).

Sabemos que o livro didático, embora seja um dos principais recursos

utilizados pelos professores em suas práticas pedagógicas, é considerado “o primo-

pobre da literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou ele

fica superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o estudante o

abandona, por avançar em sua educação” (Lajolo & Zilberman, 1998, p. 120). Batista

(2002, p.529) descrevendo este “objeto variável e instável” lembra que o livro didático

é voltado para o mercado escolar, destinando-se a um público infantil. Assim, é

produzido em grandes tiragens de pouca qualidade material, o que o torna mais

vulnerável à deterioração, sendo sua circulação predominante fora do espaço das

grandes livrarias e bibliotecas. Para o autor, são muitos os indicadores do desprestígio

social do livro didático:

Livro “menor” dentre os maiores, de “autores” e não de “escritores”, objeto de interesse de “colecionadores” mas não de “bibliófilos”, manipulado por “usuários” mas não por “leitores”, o pressuposto parece ser o de que seu desprestígio, por contaminação, desprestigia também aqueles que dele se ocupam, os pesquisadores neles incluídos (BATISTA, 2002, p.530).

Assim, manipulado por crianças e jovens, depois de lido e estudado, quase

ninguém se preocupa em preservá-lo, já que cumpriu sua principal função e, quase

sempre, apresenta vários sinais de deterioração. Ainda sobre esse objeto fugidio

Pfromm Neto et al lembram que

Desprestigiados pelos especialistas de história literária, menosprezados tanto pelas bibliotecas como por aqueles que estudaram em suas páginas, os velhos livros escolares – e, dentre eles, notadamente os mais modestos, como as cartilhas, os ‘livros de leitura’, as primeiras aritméticas etc. – têm sido freqüentemente abandonados e destruídos por aqueles que os consideram objetos inúteis, destituídos de valor (PFROMM NETO et al, 1974, p. 154).

Page 16: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

16

Na mesma linha de raciocínio Munakata, em sua tese Produzindo livros

didáticos e paradidáticos, denuncia:

O que à primeira vista parecia o momento mais fácil da pesquisa – quantificar a produção de livros didáticos e paradidáticos no Brasil – revelou-se uma quase impossibilidade. Ninguém – nenhum órgão ou entidade, nenhum centro de pesquisa – sabe quantos títulos ou exemplares são produzidos efetivamente no país (MUNAKATA, 1997, p.6).

Comentando, ainda, o conteúdo desse material Bufrem, Schmidt e Garcia

ponderam que

Os livros didáticos têm sido chamados de manuais, pois apresentam a proposta de, a um só tempo, introduzir um tema e sumariá-lo. Assim, embora classificados como obras de referência, são mais efêmeros que outras obras do gênero, já que se desatualizam rapidamente, permanecendo, portanto, pouco tempo nas prateleiras (BUFREM, SCHMIDT e GARCIA, 2006, p.123).

Assim sendo, não é tarefa fácil ao pesquisador que se propõe a conhecer e

analisar a evolução do livro didático no Brasil, mais difícil ainda quando se trata de

cartilhas, material tido como descartável ao final de cada ano letivo. Desse modo, nem

todos os estágios e/ou sujeitos previstos por Darnton foram contemplados neste

estudo. A análise é, portanto, parcial, detendo-se apenas em aspectos dos estágios de

produção, difusão e circulação.

Reafirmando a não-preservação dos manuais didáticos, essa pesquisa no seu

início contou com apenas dois exemplares de Ada e Edu, pertencentes ao Centro de

Documentação do Núcleo de Pesquisa em Educação: um exemplar da 1ª edição,

datada de 1978 e um exemplar da 6ª edição, datada de 198510. Além disso, contava,

igualmente, com a 1ª edição da Cartilha Nossa Terra Nossa Gente, que originou a

Cartilha Ada e Edu11.

Amâncio (2000), em pesquisa sobre o ensino da leitura no primeiro quartel do

século XX, também experienciou essa situação. A autora localizou os títulos das

cartilhas mais utilizadas em Mato Grosso, mas nenhum exemplar havia entre nós. A

pesquisadora só obteve cópia das mesmas deslocando-se para acervos da capital

paulista.

O mesmo quadro se repete em Cardoso e Amâncio (2006) quando

apresentamos um catálogo com os títulos do acervo do Centro de Documentação do

Núcleo de Pesquisa em Educação (NUPED) de Rondonópolis, dos quais 34,2%

10

Encontramos, ainda, um conjunto composto do Livro do Professor e Cartilha, na Biblioteca Nacional – RJ, da 5ª edição, datada de 1981. 11

Ao longo da pesquisa, no entanto, foi possível reunir outros exemplares do conjunto Ada e Edu, graças, sobretudo, às doações das autoras entrevistadas, a quem agradeço imensamente.

Page 17: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

17

pertencem aos anos de 1980 e 31,5% aos anos de 199012. Esse acervo foi constituído

por meio de doações de Secretaria Municipal, de escolas e de alunos e professores de

Rondonópolis e da região circunvizinha.

Desse modo, se reforça a decisão de se estudar um material, que além de

único, circulou num período do qual se têm dificuldades para se encontrar exemplares

remanescentes: as décadas de setenta e oitenta do século passado.

Talvez permaneça a pergunta: Por que livros? Respondo com Hallewell:

Procurar conhecer uma nação por meio de sua produção editorial é, mais ou menos, o mesmo que julgar uma pessoa por meio de sua caligrafia. Ambas constituem partes muito pequenas da atividade total de um país ou de uma pessoa, mas as duas podem ser muito reveladoras, pois nós somos como nos expressamos (HALLEWELL, 1985, p. XXIX).

Desse modo, considerando as representações como a pedra angular de uma

abordagem da História Cultural (Chartier, 1990, p. 23), concordo, igualmente, que “o

terreno comum dos historiadores culturais pode ser descrito como a preocupação com

o simbólico e suas interpretações” (Burke, 2005, p.10).

Este “mundo das representações”, moldado pelos diversos e contraditórios

discursos, me leva a pensar sobre as modalidades de apropriação dos materiais

culturais. Este é, sem dúvida, um fértil caminho para perceber distinções e

diferenciações sócio-culturais, em termos de acesso, de desvios e, sobretudo, de

práticas de utilização e consumo do material didático que ora pleiteamos analisar.

Sem descuidar dos documentos, este trabalho tentou dar uma atenção especial

às práticas. Para tanto, recorro ao conceito de cultura escolar proposto por Julia (2001,

p. 10/1):

Como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores (grifos do autor).

O conceito de cultura escolar parece ser pertinente a esta investigação uma

vez que o livro didático, ao mesmo tempo em que se configura como norma –

conteúdos e comportamentos a serem ensinados –, materializa e incorpora diversas

práticas, dependendo do uso que dele fazem/fizeram os professores e os alunos.

Desse modo, os textos que compõem os livros escolares “são registros a serem

12

Conforme pesquisa Iniciação Científica de Adelaine Santos Correa “Levantamento e catalogação de fontes da alfabetização em Mato Grosso (1950-2000)”, 2007.

Page 18: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

18

decodificados”, pois estão impregnados de saberes a inculcar e “que tiveram como

instrumento de inculcação as práticas educativas escolares” (Corrêa, 2000, p.19).

Para tentar chegar ao mundo do passado recorri às fontes históricas,

entendidas como

[...] sempre produções humanas [...] é preciso distinguir entre as fontes que se constituem de modo espontâneo, comportando-se como se fossem naturais e aquelas que produzimos intencionalmente. E nessa última categoria cabe, ainda, diferenciar entre aquelas que disponibilizamos intencionalmente tendo em vista possíveis estudos futuros [...] e aquelas que, não nos sendo dadas previamente, nós próprios, enquanto investigadores, as instituímos, as criamos, por exigência do objeto que estamos estudando (SAVIANI, 2004, p.6).

A análise das fontes teve como parâmetro o procedimento metodológico da

configuração textual, aspecto desenvolvido por Mortatti, considerado adequado para a

análise de documentos-fonte. Para desenvolver esse procedimento, a autora busca

[...] nomear o conjunto de aspectos constitutivos de determinado texto, os quais se referem: às opções temático-conteudísticas (o quê?) e estruturais-formais (como?), projetadas por um determinado sujeito (quem?), que se apresenta como autor de um discurso produzido de determinado ponto de vista e lugar social (de onde?) e momento histórico (quando?), movido por certas necessidades (por quê) e propósitos (para quê), visando a determinado efeito em determinado tipo de leitor (para quem?) e logrando determinado tipo de circulação, utilização e repercussão (MORTATTI, 2000, p.31).

Compreendendo e antecipando o valor lacunar das fontes impressas que

seriam encontradas, recorri também às memórias das autoras e de algumas

alfabetizadoras - leitoras-usuárias - da Cartilha Ada e Edu. Entendo que “A memória é

um elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou

coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das

sociedades de hoje, na febre e na angústia. [...] A memória, na qual cresce a história,

que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao

futuro” (LE GOFF, 2003, p.469/71).

Numa narrativa que busque recuperar elementos do passado se entrelaçam a

memória, a imaginação, a representação e as estratégias do dizer. Na perspectiva de

busca do passado nas lembranças dos sujeitos que o vivenciaram, Thompson

argumenta que o valor do passado se apóia em três pontos: a) proporciona informação

significativa e, por vezes, única; b) pode também transmitir a consciência individual e

coletiva, que é parte integrante desse mesmo passado; c) as instituições reflexivas da

introspecção de modo algum constituem sempre desvantagem. (THOMPSOM, 1992,

p. 195).

Ao utilizar relatos orais, tenho clara uma concepção de sujeito como

reconstrutor da história, aquele que reinventa formas de diálogo consigo mesmo e com

Page 19: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

19

seu interlocutor e que, se reconstrói, ao reconstruir sua história, pela memória e pela

linguagem.

Meihy reconhece a importância da história oral para o historiador, propondo

que:

A história oral implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado [...] Além de mexer no conceito de ‘personagem histórico’, a história oral também trabalha com a questão do cotidiano, evidenciando que a história dos ‘cidadãos comuns’ é trilhada em uma rotina explicada na lógica da vida coletiva de gerações que vivem no presente (MEIHY, 1996, p.10).

Ainda com Michel de Certeau (1994) tentei perceber as relações dos sujeitos

com os produtos culturais e, sobretudo, pensar a cultura escrita em um novo patamar

teórico, entendendo que as inscrições da escrita no espaço e no tempo provocam

modificações nos sujeitos. Para isso, a distinção fornecida por esse autor, entre

estratégias e táticas é fundamental. As estratégias, que supõem lugares e instituições,

produzem objetos, normas, modelos, acumulam e capitalizam; as táticas, desprovidas

de lugar próprio, sem domínio sobre o tempo, são as “maneiras de fazer”, ou melhor,

“as maneiras de fazer com” (Certeau, 1994, p. 99/100). Assim, esse autor redefine o

espaço da escrita, salientando as muitas táticas advindas de seus usos. Algumas

dessas táticas aparecem narradas pelas leitores/usuárias da Cartilha Ada e Edu, ou

em documentos relacionados ao projeto, pois tal como queria Certeau “é preciso

interessar-se não pelos produtos culturais oferecidos no mercado dos bens, mas pelas

operações dos seus usuários; é mister ocupar-se com ‘as maneiras diferentes de

marcar socialmente o desvio operado num dado por uma prática’” (Giardi, in Certeau,

1994, p.13).

Enfim, a recuperação e o registro de partes do ciclo de vida de uma cartilha

como a Ada e Edu, cuja investigação se esforçou por se interessar “por cada fase

desse processo e pelo processo como um todo [...] e em suas relações com outros

sistemas, econômico, social, político e cultural, no meio circundante” (Darnton, 1990,

p.112), constituiu-se em uma experiência ímpar, cujos resultados contribuem para a

incipiente história do livro em Mato Grosso e, ainda, como desdobramento, para uma

história mais abrangente das propostas de alfabetização, das políticas editoriais e do

impresso no Brasil, áreas essas novas e pouco exploradas em nosso país.

Page 20: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

20

3. O contexto da cartilha Ada e Edu

A voz do Presidente anunciando a ação do MEC - o II Plano Setorial de Educação

e Cultura

O I Plano Nacional de Desenvolvimento13 estabelecia fosse alcançada a taxa de escolaridade de 80% da população da faixa etária da obrigatoriedade escolar, pelo que o MEC, neste último ano do período planejado, empenhou-se numa ação supletiva aos esforços das Unidades Federadas, a fim de possibilitar a consecução da meta fixada. E o sistema escolar vem respondendo ao crescimento da matrícula, que acompanha o processo brasileiro de urbanização, buscando, paralelamente à expansão quantitativa, a melhoria qualitativa do ensino. Foram investidos pelo MEC Cr$ 250 milhões, construindo, ampliando, adaptando, reformando, recuperando e equipando 7.169 salas de aula e demais dependências. Para a reformulação de currículos, necessária à efetiva elevação da produtividade do sistema, ofereceu o MEC assistência técnica e financeira às Unidades Federadas, despendendo Cr$ 3.130 mil. Tendo em vista a formação de pessoal docente para o ensino fundamental e normal, foram promovidos cursos em diversos níveis de capacitação, ajustados às necessidades regionais, atendendo a um total de 63.135 professores e 12.646 funcionários técnico-administrativos. (...) Na área do ensino de primeiro grau, implementar-se-á em 1975 projeto de desenvolvimento de novas metodologias aplicáveis ao processo Ensino-Aprendizagem (Presidente GEISEL, 1975)14.

Temos, nesse fragmento da mensagem que o Presidente Ernesto Geisel

proferiu ao Congresso Nacional, no ano de 1975, um pequeno retrato do Ensino do

Primeiro Grau daquele tempo. De fato, o presidente Geisel, nessa mensagem, dava

notícias do II Plano Setorial de Educação e Cultura (II PSEC), previsto para os anos de

1975 a 1979, documento que representa aspectos do contexto legislativo e regulador

(Choppin, 1990, p. 561), que condicionou a existência, a estrutura e a produção do

livro didático analisado nessa pesquisa. Elaborado para o qüinqüênio, segundo o

texto oficial, esse plano é uma ação programada que “visa consubstanciar medidas

operacionais decorrentes dos documentos básicos do MEC: Política Nacional

Integrada da Educação, Política Nacional de Educação Física e Desportos e Política

Nacional de Cultura” (MEC. II Plano Setorial de Educação e Cultura, 1976,

13

Correspondeu ao período de 1972 a 1974. 14

Mensagem apresentada ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, Ernesto Geisel, na abertura da sessão legislativa, 1975, p.435 ss. In: A Educação nas Mensagens Presidenciais - período 1890-1986 MEC/INEP (v.II). Brasília, 1987, p. 437/8.

Page 21: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

21

Apresentação). O plano explicita que os esforços estão concentrados nas seguintes

áreas:

Inovação e renovação do ensino;

Preparação de recursos humanos;

Expansão e melhoria da rede física;

Planejamento e administração.

Ao caracterizar o ensino de 1º grau, o II PSEC aponta para uma “acentuada

heterogeneidade” das escolas, envolvendo múltiplas dimensões e organização, fato

que incide na qualidade do ensino. Segundo o plano, variações no número de séries

oferecidas, na dotação de serviços docentes (escolas, unidocentes e pluridocentes) e

na maior ou menor dotação de meios (qualificação do corpo docente, materiais e

equipamentos, biblioteca, espaço físico), proporcionam um conjunto de resultados do

sistema, sensivelmente diversificado. Essa diversificação pode ser percebida em dois

planos de julgamento: no rendimento quantitativo global e na qualidade da educação

oferecida. Os índices de matrícula na 1ª. Série por tipo e localização de escolas

(urbanas, rurais e unidocentes (urbana e rural)) levam o II PSEC a reconhecer que

os indicadores de rendimento escolar calculados sobre os efetivos globais revelam-se baixos. Na verdade, apresentam uma larga margem de variação segundo o tipo e a localização das escolas, determinando que o processo de seletividade do sistema educacional comece e seja acentuado desde logo nas primeiras séries: 40% dos alunos são promovidos e prosseguem seus estudos na 2ª. Série; outros 22,2% repetem a série dando uma taxa de permanência de 62,2%, enquanto cerca de 37,8% se evadem ou não dispõem de vaga na 2ª. Série. Nos anos subseqüentes, parte dos evadidos pode retornar como repetente, provocando um sobredimensionamento dos efetivos. Nos últimos anos, cerca de 57% dos repetentes de todo o curso primário aparecem na 1ª. Série, contra 22,5% na segunda e menos de 21,9% nas demais. Em suma, o problema mais importante é efetivamente o da capacidade do sistema em promover os alunos a uma

escolaridade mais extensa (MEC. II Plano Setorial de Educação e Cultura, 1976, p.17).

Entendendo a educação como “um instrumento para o homem, quando ela

se propõe a oferecer-lhe meios para sua auto-afirmação e máxima realização como

pessoa”; como “fator principal de satisfação dos direitos humanos, individuais e

sociais”; e, ainda, como “instrumento para a formação do que se convencionou chamar

de ‘recursos humanos’ para o desenvolvimento” (op. cit, p.22), o II PSEC assim define

o objetivo geral para o Ensino de 1º Grau: “Universalizar progressivamente o ensino

de 1º. Grau, na faixa dos 7 aos 14 anos, atingindo a taxa de 90% no período”(p. 35).

Os objetivos específicos são:

1. Estender a escolaridade, nas zonas urbanas, às 8 séries do 1º. Grau, atendendo às peculiaridades regionais ou locais, considerada a possibilidade de antecipar a terminalidade real para 6 ou 7 séries.

Page 22: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

22

2. Expandir a escolarização nas zonas rurais de acordo com as potencialidades e especificidade de cada região do país, procurando assegurar, pelo menos, quatro séries de educação fundamental.

3. Melhorar a produtividade deste nível de ensino pela redução dos índices de evasão e repetência escolar, de forma integrada com outros setores da atividade social e econômica.

4. Corrigir progressivamente a distorção na relação idade/série, especialmente nas quatro primeiras (op. cit, p.35/36).

Dentre as metas para o 1º. Grau encontra-se a proposta de incrementar a

matrícula, no período, de 18,2 milhões para 23 milhões (taxa de crescimento

correspondente a 26% em relação à matrícula de 1974). Há, ainda, as propostas de

promover a correção do fluxo escolar, em especial a passagem da 1ª. para a 2ª. série;

habilitar, aperfeiçoar e atualizar o pessoal docente, técnico e administrativo (240 mil

pessoas); ampliar a rede física adequando-a para atender ao aumento da matrícula;

criar, em nível federal, um laboratório de currículo para apoiar tecnicamente as

equipes estaduais de currículo; fornecer merenda escolar para, em média, 40% dos

alunos matriculados na rede oficial; co-editar cerca de 42 milhões de livros e distribuir

28 milhões a escolas; fornecer cerca de 70 mil livros-texto a alunos (p. 39/40).

Na parte dedicada à Programação, encontram-se as ações estratégicas e a

ação programada. No que se refere à primeira área de esforço citada – Inovação e

renovação do ensino – o II PSEC considera projetos voltados para:

1. desenvolvimento de novas metodologias aplicáveis ao processo ensino-aprendizagem;

2. reformulação de currículos; 3. elaboração e experimentação de materiais didáticos, para o

ensino de ciências; 4. integração escola-empresa-governo; 5. integração das universidades nas comunidades; 6. alfabetização e educação continuada.

As ações estratégicas para essa área são: ação de maximização (melhoria

qualitativa para obtenção de maiores índices de produtividade); ação de coerência

(articulação horizontal entre educação e sociedade); e ação corretiva (superar déficits).

Já as ações de apoio prevêem, entre outras, o Programa de Alimentação Escolar; o

Programa de Crédito Educativo; o Sistema de Bolsas; Produção e Distribuição de

Material Escolar; o Programa Nacional do Livro. (p.48/49)

Ao explicitar a ação programada, o II PSEC justifica que está estruturado em

grandes áreas de atuação, tendo em vista que isto visa possibilitar “maior consistência

e operatividade ao conjunto de ações programadas”. Visa, ainda “a uma maior

racionalização na aplicação dos recursos” (p.53). A área Inovação e Renovação do

ensino “está dimensionada, no período do plano, de forma a atingir os objetivos de

modernização e melhoramento qualitativo implícitos na reforma de ensino dos

Page 23: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

23

diferentes níveis e modalidades de ensino” (p.53). No caso do 1º grau, tais objetivos

serão alcançados por meio do desenvolvimento de projetos voltados para, dentre

outros:

1. ajustar os métodos e técnicas de ensino às necessidades específicas da clientela;

2. reestruturar os planos curriculares, no que se refere à extensão e relevância dos conteúdos do processo de ensino-aprendizagem;

3. desenvolver processos de ensino de Ciências e Comunicação e Expressão;

4. desenvolver processos educativos escolares ou não, que se ajustem às necessidades e peculiaridades sócio-econômicas das diferentes regiões rurais do país;

5. prover processos de aceleração de aprendizagem aos alunos de faixas etárias que possam ajustar-se à seriação nos próximos quatro anos.

(...)

Dos recursos previstos para o financiamento do II PSEC nos diversos

programas e nas áreas de atuação - Inovação e renovação do ensino; recursos

humanos; expansão e melhoria da rede física; planejamento e administração; ações

de apoio (pré-escolar e educação física e desportos) e preservação e difusão da

cultura -, que somam o total de Cr$ 13.473.100.000,00, a área Inovação e renovação

do ensino de 1º. Grau receberia Cr$ 148.600.000,00, o que corresponde a 1,10%.15

15

Para uma aproximação com valores da atualidade foi utilizado um fator de correção de moedas para a passagem de Cruzeiro (1975) para Real (2008): Valor atual em Real = valor atualizado pelo Índice de Preço ao Consumidor - IPC - FIPE em Cruzeiro/(1000^4 x 2,75). Desse modo, a quantia correspondente, em maio de 2008, é de R$ 3.980.579.324,54 (três bilhões, novecentos e oitenta milhões, quinhentos e setenta e nove mil, trezentos e vinte e quatro reais e cinqüenta e quatro centavos). É bom lembrar que, caso sejam utilizados outros índices, o valor mudará. Agradeço a André Luis Janzkovski Cardoso pela elaboração dos cálculos.

Page 24: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

24

O II Plano Setorial de Educação e Cultura: breve leitura das entrelinhas

Por ocasião do lançamento do II PSEC, vivíamos uma dramática situação

relacionada com o rendimento efetivo do ensino em nosso país, traduzida pela

expressão fracasso escolar: a sistemática evasão e repetência de nossas crianças.

Um amplo estudo, que recobre o período de 1974 a 1978, apresenta o ensino

brasileiro com as seguintes características quantitativas:

Quanto ao Brasil, para o período considerado, de cada 1000 crianças que iniciam a 1ª. Série, apenas 438 chegam à segunda, 352 à terceira, 297 à quarta e apenas 294 à quinta. Poder-se-ia estimar que dessas 1000 crianças iniciais, apenas 180 chegariam a concluir o 1º. Grau. O ponto de estrangulamento do sistema é a passagem da 1ª. para a 2ª. série, onde as taxas de evasão e repetência, no Brasil, chegam a 56%.

(A partir da 2ª. série, as taxas oscilam em torno de 30%) (BRANDÃO; BAETA; ROCHA, 1983, p.22).

Esse quadro não era novo ou exclusivo da década de 1970. Pelo contrário,

desde a década de 1930 há denúncias relativas ao rendimento efetivo do ensino

primário no Brasil, mas sem dúvida a partir dessa década se agudizou de forma

significativa.

Os anos 60 são marcados por profundas mudanças sociais, políticas e

educacionais. Como sabemos, em 1964, há uma ruptura política, cuja conseqüência

maior é a reestruturação dos aparelhos políticos, agora sob nova ordem institucional.

Desse modo, a ascensão dos militares ao poder inaugura uma nova direção aos

projetos políticos, econômicos e educacionais. Analisando-se a política educacional,

observa-se que as medidas decretadas não eram aleatórias, mas constituíam um

conjunto abrangente, que visava o sistema educacional como um todo. Dentre as

ações consolidadas, podem-se destacar duas que expressam a direção tomada.

A primeira delas é a instituição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), Lei 4.024, em 1961. O processo de tramitação dessa lei no Congresso

Nacional perdurou por 12 anos e foi marcado por intensos debates que procuravam

trazer à tona princípios de democratização da educação básica brasileira. No entanto,

a regulamentação dessa lei, já no governo militar pós 1964, trouxe profundas

alterações em seus princípios democráticos, adaptando-a as novas características do

poder vigente. Assim a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é

instituída em um dos momentos mais cruéis da ditadura militar, onde qualquer

expressão popular contrária ao governo imposto era abafada 16. Segundo Cunha

16

A repressão foi bastante acentuada a tudo e a todos considerados suspeitos de práticas e/ou idéias subversivas. As acusações originavam demissões, suspensão, apreensão. Devido a essas “desconfianças foram demitidos reitores, atingidos programas educacionais e sistemas educativos. Exemplo disso pode-se citar o caso de Anísio Teixeira, então reitor da

Page 25: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

25

(1987, p. 32), a opção do Estado foi pela coerção como forma de difundir sua

concepção de mundo.

A regulamentação da LDB 4.024/1961 guarda estreita relação com os

acordos MEC-USAID17, segunda ação a ser destacada. A origem desses acordos

pode ser situada na Aliança para o Progresso, um programa de ajuda econômica e

social dos Estados Unidos voltado para a América Latina, implementado entre 1961 e

1970. A aliança duraria, portanto, dez anos e previa um investimento de 20 milhões de

dólares. A proposta, inicialmente feita pelo presidente John F. Kennedy em um

discurso na Casa Branca em março de 1961, foi, posteriormente detalhada em uma

reunião no Conselho Interamericano Econômico e Social (CIES) da OEA, ocorrida em

Punta del Este, Uruguai, em agosto do mesmo ano. Os países latino-americanos

presentes que assinaram a Carta (exceção de Cuba) se comprometiam em elaborar

programas nacionais de desenvolvimento que contemplassem projetos ligados ao

desenvolvimento econômico e, ainda, propostas nas áreas de reforma agrária,

habitação, educação e saúde. Especificamente em relação à educação, em 1964

surge o acordo MEC-USAID para Aperfeiçoamento do ensino primário, que visava o

contrato por dois anos de seis assessores americanos. Em 1966, surge novo acordo

celebrado entre MEC-INEP-CONTAG-USAID, sob a forma de termo aditivo, para

Aperfeiçoamento do ensino primário. Dentre os objetivos desse acordo destaca-se o

de “elaborar planos específicos para melhor entrosamento da educação primária, com

a secundária e a superior” Há, ainda, a previsão de assessoria americana e

treinamento de brasileiros. Configura-se, assim, que “a atitude do governo brasileiro foi

a de ‘entregar’ a direção técnica da educação do país a técnicos americanos”

(ROMANELLI, 1978, p. 212/3).

Na realidade os Acordos MEC-USAID abrangeram todo o campo da

educação - primário, médio e superior -, prevendo a articulação entre os diversos

níveis, o treinamento de professores e a produção e veiculação de livros didáticos.

A partir daí fica evidenciada a forte influência dos Estados Unidos nos

processos educativos18, não apenas do Brasil, mas de toda a América Latina. Hilsdorf

assim caracteriza a ajuda e as conseqüências para a educação brasileira no período:

Universidade de Brasília, que foi demitido nos primeiros dias após o acontecimento de 1964. Foi cortado o Programa Nacional de Alfabetização, que utilizava o método Paulo Freire” (TAGUCHI, 1994, p.78). 17 MEC/USAID – Sigla de um acordo que incluiu uma série de convênios realizados a partir de 1964, durante o regime militar brasileiro, entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). Os convênios, conhecidos como acordos MEC/USAID tinham como objetivo principal implantar o modelo norte americano nas universidades brasileiras através de uma profunda reforma universitária. 18

Inclui-se nesta época, também, a reforma do ensino superior, por meio da Lei de n º 5.540/68.

Page 26: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

26

Entre 1964 e 1968 foram assinados 12 acordos MEC-USAID, com a finalidade de diagnosticar e solucionar problemas da educação brasileira na linha do desenvolvimento internacional baseado no ‘capital humano’. Os assessores da USAID agiam segundo uma evidente mentalidade empresarial, que, combinada às medidas de exceção da área militar, deu as marcas da política educacional do período: desenvolvimentismo, produtividade, eficiência, controle e repressão

(HILSDORF, 2003, p. 124). A ditadura usou os meios de comunicação de massa como grande estratégia

de divulgação de sua ideologia, em especial a televisão, para inculcar nas massas a

crença do papel milagroso da educação. Fundamentalmente, o governo defendia a

idéia que a distribuição de renda mais igualitária viria, automaticamente, como

resultado da democratização das oportunidades educacionais. Muito investimento foi

aplicado e muitas ações foram empreendidas com o objetivo de ampliar e melhorar a

escola de 1º. grau.

A década de 1970 iniciou-se com a Reforma do Ensino de 1º. e 2º. Graus,

normatizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n. 5.692/71, que amplia a

obrigatoriedade escolar gratuita de quatro para oito anos e aglutina o antigo primário

com o ginasial, suprimindo o exame de admissão. Dobrando o tempo de escolarização

obrigatória (dos 7 aos 14 anos) o Brasil passava a ostentar uma das mais altas do

mundo. A proposta era a de se construir um “Brasil Grande”. Alterando a opção por um

ensino mais humanístico, a característica principal dessa lei era dar à formação

nacional um cunho profissionalizante, criando, para tanto, a escola única

profissionalizante. O “milagre econômico” necessitava de uma educação que

contribuísse, de modo decisivo, com o aumento da produção da indústria brasileira.

As novas finalidades da escola e a proposta de atendimento a um novo

público escolar – o povo brasileiro - geram adaptações nas disciplinas escolares, como

sugere Chervel (1990). Para Taguchi (1994, p.80):

A “mudança” era evidente: a filosofia e o latim eram suprimidos dos currículos; a história deixaria de ser lecionada como disciplina autônoma; o português, muda tanto, que até muda o nome. A geografia também seguiria o mesmo destino da história, sem falar nas ciências que também se dissolveriam em tão pequenas migalhas que não mais se estudariam a biologia, a zoologia, a botânica, a física, etc. e até mesmo a matemática deixaria de ser estudada com rigor. Aumentaria em compensação, o número de vagas nas disciplinas certas, as que conviriam a um país em desenvolvimento: química, engenharia, eletrônica, informática.

O II PSEC foi, então, sustentado por uma filosofia liberal, que via a educação

como investimento e como instrumento de mudança social. Inspirada na Teoria do

Capital Humano tratava-se de uma visão utilitarista de educação, por pretender

Page 27: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

27

estabelecer uma relação direta entre essa e o sistema produtivo, procurando instituir

uma “escola-empresa”, formando mão-de-obra, consumidores, etc.

Nesses termos,

A educação é, reconhecidamente, um dos fatores de transformação social, além de ser um instrumento básico para a plena realização do ser humano. O desenvolvimento social está, por isso, hoje em dia, intimamente associado à evolução educacional de que o povo pode

beneficiar-se (MEC. II PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA (1975-1979), 1976).

Os objetivos e metas do II PSEC refletem, claramente, as concepções de

racionalidade, eficiência e produtividade necessárias a uma educação vista como

“instrumento para a formação do que se convencionou chamar de ‘recursos humanos’

para o desenvolvimento” (op. cit, p.22).

Nesse sentido, essa filosofia liberal reforça, para o ensino de 1º. Grau, a

dimensão democratizante, defendendo a igualdade de oportunidade de formação

básica para toda a população que se encontra na faixa de 7 a 14 anos.

Hoje sabemos que o almejado nunca foi concretizado. Entre 1970 e

1980, a taxa de escolaridade das crianças de sete a dez anos, faixa etária que

correspondia ao antigo primário, segundo Cunha (1987, p. 56), ao invés de aumentar,

baixou. Em 1980, mais de um terço das crianças que deveriam estar cursando a

escola primária, estavam fora dela. Depois de dez anos de vigência da Lei 5.692/71, o

Estado não conseguia oferecer, sequer, os quatro anos de escolaridade obrigatória,

previstos na constituição. A explicação é que

Aumenta-se o tempo da escolaridade e retira-se a vinculação constitucional de recursos com a justificativa de maior flexibilidade orçamentária. Mas alguém teria de pagar a conta, pois a intensa urbanização do país pedia pelo crescimento da rede física escolar. O corpo docente pagou a conta com duplo ônus: financiou a expansão com o rebaixamento de seus salários e a duplicação ou triplicação da

jornada de trabalho (CURY, 2000, p. 574).

O resultado da política educacional desse período parece ter sido

extremamente perverso aos interesses do povo brasileiro, já que, em termos de

acesso, continuamos a produzir analfabetos e, em termos de qualidade da educação,

a extinção das humanidades prejudicou enormemente a possibilidade de se

desenvolver o pensamento crítico nas novas gerações.

No entanto, as justificativas para a proposição do projeto “Desenvolvimento

de Novas Metodologias” caminharam, justamente, na direção de assegurar a todos um

ensino democrático (“acesso” e “sucesso”) e de bom nível. Em termos de

produtividade, esse vinha apresentando dois grandes problemas: expansão

quantitativa deficiente nas zonas rurais e baixa produtividade nas áreas urbanas e

Page 28: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

28

rurais. Na tentativa de resolver esses problemas, a Sistemática Operacional 7519, que

aperfeiçoa o planejamento e orienta as ações do PNM, define como metas prioritárias:

01. Elevação dos índices de promoção da 1ª. para a 2ª. série através de experimentação e expansão de metodologias e tecnologias específicas para o processo de alfabetização;

02. Redução dos índices de distorção idade/série, através da experimentação e expansão de metodologias e técnicas adequadas à aceleração da escolaridade (MEC/UFG, 1980, p.48)

20.

O PNM no Estado de Mato Grosso

A Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso (SEDUC)

acatou as proposições do II PSEC, em especial no que diz respeito à Sistemática

Operacional 75, que operacionalizou desde 1975 o Projeto Desenvolvimento de Novas

Metodologias Aplicáveis ao Ensino-Aprendizagem para o Ensino de 1º. Grau

(Subprojeto 7.3 do PSEC 1975/1979). Segundo Maciel e Persona (1988), o subprojeto

deveria, para enfrentar as reprovações na 1ª. Série e regularizar do fluxo escolar,

partir de estudos e experimentações com o intuito de desenvolver novas metodologias

para subsidiar as Unidades Federadas, visando a uma maior aprendizagem,

principalmente quanto à leitura e à escrita. É nesse contexto que a SEDUC, ao

elaborar seus planos qüinqüenais (1975/1979), se propõe perseguir as metas

estabelecidas na Sistemática Operacional 75, ambas referentes à alfabetização. O

objetivo explícito era “concorrer para a minimização da retenção dos alunos da 1ª.

série pela introdução de metodologias específicas em alfabetização, visando maior

produtividade no ensino de 1º. Grau” (Maciel e Persona, 1988, p.11).

19

“A Sistemática Operacional é o instrumento que o DEF/MEC utiliza para direcionar a elaboração dos projetos cuja execução é delegada às Unidades Federadas, através de convênio próprio, por repasse de recursos financeiros oriundos do salário educação, quota federal. É, portanto, o instrumento de compatibilização do proposto na Política Nacional Integrada de Educação e na Lei 5692/71, resguardadas as Metas definidas no PSEC 75/78. A Sistemática Operacional objetiva, pois, orientar as Unidades Federadas na definição e detalhamento de suas programações com vistas ao aperfeiçoamento do processo de planejamento” (MEC/UFG. Estudo avaliativo do Projeto Desenvolvimento de Novas Metodologias aplicáveis ao processo ensino-aprendizagem na área de ensino de 1º. grau (SE/QF – 1975-1978). Brasília, 1980, p.47. 20

São quatro as metas prioritárias. Além das duas citadas constam: “03. Redução dos índices de distorção idade/série, através da experimentação e difusão de materiais de ensino individuais de Comunicação e/ou estudos Sociais; 04. Elevação dos índices de promoção da 1ª para a 2ª série e redução dos índices de distorção idade/série, através da experimentação e expansão de modelos de planejamento a nível de Unidade Escolar, que conduzam a elaborar e executar seus projetos específicos.” (op. cit., p.48).

Page 29: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

29

Dados da matrícula inicial e do desempenho dos alunos mato-grossenses no

1º. Grau evidenciam a gravidade da situação e a urgência em se tomar medidas

direcionadas ao fracasso escolar. Em artigo intitulado “Professor no ensino de 1º.

Grau: responsabilidade básica ensinar a aprender” (1981), Ana Luiza de Figueiredo

apresenta dados da década de 1970, que caracterizam o que a autora denomina de

“sobrevivência escolar”. Nota-se pelo gráfico abaixo que o grande gargalo, não muito

diferente do que ocorria em nível nacional, era a passagem da 1ª. para a 2ª. série,

apresentando o intolerável índice de 65,65% de evasão e repetência. Obviamente com

um desempenho desses, crescia paralelamente o problema da distorção idade/série.

Vê-se, portanto, que a SEDUC tinha uma árdua missão a cumprir. É nesse

contexto que se forma a Equipe do Projeto Novas Metodologias do Estado de Mato

Grosso. As memórias das entrevistadas evidenciam uma teia de relações e interesses

pessoais, profissionais e institucionais que determina essa composição. Algumas,

atuando em outros setores da educação, se esforçam para compor a equipe e

desenvolver um trabalho na Secretaria de Educação, outras lá já estavam,

desempenhando outras funções, e há, ainda, as professoras e/ou supervisoras da

rede que de alguma forma se destacaram e foram integradas à equipe.

Recuperar os meandros da formação da equipe só foi possível por meio das

memórias dos sujeitos envolvidos naquele processo. Como poderá se observar, as

entrevistas se constituem em momentos de encontro entre a pesquisadora e a

entrevistada, nos quais a escuta mútua, a troca de impressões e, sobretudo, a

memória do sujeito que vivenciou o momento pesquisado desempenha papel vital.

Desse encontro, muitos atos, fatos e datas são rememorados e reconstituídos, e

outros tantos permanecem omitidos e silenciados.

Segundo informações de Rosa Persona e Francisca Marques, no ano de

1975 a Secretaria de Educação desenvolveu um trabalho ainda tateante, muito mais

no sentido de conhecer as diretrizes do projeto geral e iniciar a elaboração do projeto

local. Francisca Marques foi convidada, já em 1975, para trabalhar com esse projeto:

Eu lecionava em Aragarças e em Barra do Garças e vim pra cá [Cuiabá] pra fazer faculdade. E nesse período, dado o conhecimento - que nesse projeto eles exigiam pessoas que tivessem experiência de lecionar, de trabalhar de um a quatro - eu comecei. Ficamos eu e a Irazilda, não sei onde Irazilda se encontra hoje... Então nós não tínhamos uma coordenação, nós não tínhamos ninguém para estar nos ajudando. Eu fico assim, meu Deus e agora o que é que eu faço? Mas eu falei assim, eu vou aprender. A professora Ivone é que era coordenadora da área de educação, e naquela época funcionava a secretaria, uma parte da coordenação, no Coxipó. Então de vez em quando eu e a Irazilda íamos lá e a Elizete nos orientava e também a Lúcia Figueiredo.

Elas que davam umas orientações pra nós (Francisca MARQUES, 24/04/2008).

Page 30: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

30

Entre o final de 1975 e início de 1976, Rosa Persona assumiu a coordenação

do projeto e constituiu uma equipe, momento em que as atividades desenvolvidas se

tornaram mais coesas e sistemáticas. Na ocasião, ela já havia terminado o Curso de

Pedagogia e, sentindo-se pouco estimulada com o trabalho com música, que vinha

desenvolvendo no Centro Educacional, desde 1971, negocia diretamente com o

Secretário de Educação, Louremberg Nunes Rocha, em suas palavras, “um novo

desafio”, ou seja, a sua ida para o Projeto. Segundo seu depoimento, em visita ao

Secretário assim se manifestou:

Eu acho que eu posso contribuir. Eu trouxe meu currículo para o senhor ver e eu acho que posso contribuir aqui na Secretaria de Educação. Ele falou: bom, então vamos fazer o seguinte, a senhora deixa seu currículo que está me entregando (colocou de escanteio) e a senhora volta daqui a três dias. Quando eu chego lá, ele falou: olha, nós avaliamos o seu currículo, realmente a gente vai precisar, só que eu não sei aonde. Eu já sabia que nas Novas Metodologias ia ter uma vaga, que a menina estava saindo. O trabalho estava iniciando e a professora estava fazendo o projeto e ela saiu para estudar. Eu falei pra ele, me parece que vai ter uma vaga, que a professora que começou com a coordenação [do PNM] ela está saindo. Ah, então a senhora conhece a professora Ivone, Diretora do Departamento do Ensino Fundamental? Falei, conheço. Então a senhora vai lá perguntar pra ela se, e mandou, pôs um bilhetinho, se realmente tinha essa vaga. Chego lá, a Ivone diz olha, Rosa, secretário quando quer colocar eles não perguntam pra diretora se tem vaga, eles vão colocando. Aí ela falou: já que ele mandou consultar eu também vou responder. Respondeu e pôs uma referência, eu como aluna que fui, eu fui aluna dela. Cheguei à secretaria e falei pra secretária, ele está me esperando. Logo já entrei, ele olhou o papel que a professora Ivone fez e já tocou uma campainha, já vieram duas, ele falou, olhe faça a portaria da professora para

coordenar esse projeto (Rosa PERSONA, entrevista do dia 26/04/2004).

Regina Lúcia Araújo narra que era formada em Pedagogia, professora da

rede, exercendo seu cargo na escola José Barnabé de Mesquita, quando foi chamada

a compor a equipe do PNM. Perguntada sobre quem a chamou ela diz:

A Secretária de Educação (sic!), por intermédio de uma das chefes, eu não me lembro mais qual exatamente. Não, não foi Rosa, não foi Rosa. A Rosa, certamente, era subordinada a essa pessoa que estava procurando alguém e

ai eu fui convidada pra compor a equipe (Regina Lúcia ARAÚJO, entrevista do dia 24/04/2008).

Renete Maciel assim rememora a sua inserção no PNM:

Eu estava lá, angustiada, trabalhando como técnica. Não sei se a Rosa falou no nome da Dona Alcy, uma técnica que trabalhava conosco. Uma senhora, hoje ela está falecida. Eu trabalhava, eu estava trabalhando numa sessão lá de, era carimbar sabe? Essa dona Alcy já estava fazendo parte da equipe que eu não me lembro se era a Rosa que estava formando, era alguém, não me lembro o nome de quem estava coordenando na época. Eu sei que veio essa, vamos dizer assim, reivindicação do MEC que tinha que formar uma equipe... e quem era essa equipe é quem já estava lá porque eu já estava até então lá, mas eu não estava ainda, eu estava na equipe de ensino fundamental, por exemplo... eu sai de lá, fiquei lá, fazendo o que? Planejamento, essas questões mesmo burocráticas já do tecnicismo que vinha ai que a gente estava

Page 31: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

31

mexendo... e ai chegou o projeto... ai a Rosa Persona foi designada coordenadora desse projeto... e ela foi buscar parceiro ali... dai surgiu uma portaria, que tinha que ter uma portaria né, foi designado o nome das pessoas que comporiam esse projeto... e porque também tem um:: tem um... eu fui colega da Rosa Persona na Faculdade... então olha ela chegou lá, nós tínhamos muita afinidade também de trabalho, em grupo, e nós nos

encontramos nesse momento (Renete MACIEL, entrevista do dia 25/04/2008).

Renete, por sua vez, é apontada por Maria Antonieta como sendo a

mediadora de sua ida para o Projeto:

Foi o seguinte, eu tinha feito uma especialização na área de inspeção educacional. Foi na época era Universidade Estadual do Mato Grosso, que era lá em Cáceres, em Corumbá. E eu, ao fazer a especialização, entendi que aquela não era a minha área, que eu não gostava daquilo e aí eu conheci a Renete, e a Renete estava com aquele projeto e a gente começou a conversar e ela falou: eu acho que você tem mais perfil para trabalhar nisso aí. Que tal você conhecer a Rosa e a gente ir pra lá trabalhar? Como o meu primeiro trabalho foi assim mais de alfabetização eu falei: eu quero, sim, vamos lá. E fui, conheci a Rosa, conheci a proposta, me interessei e fui pra lá trabalhar com

eles no Projeto Novas Metodologias (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista do dia 24/04/2008).

Lúcia Elvira aponta, concomitantemente, dois ramos de suas relações como

responsáveis por sua entrada na equipe:

Quando estava para abrir o Médice [Colégio] teve um treinamento. Eu fiz o treinamento, mas não fui contratada, também não fui atrás, era pra professor, pra todo mundo que assumiu o Médice. E lá eu conheci a Rosa Persona. Aí, lá no Coração de Jesus, eu estava trabalhando com as 4as séries e um dia tem uma mãe querendo falar comigo lá na portaria. Vou lá era Rosa Persona, que a filha dela, a Rosana, era minha aluna. Aí conversei com Rosa e, como eu tinha conhecido ela no treinamento devo ter comentado, devo não, eu comentei com ela que eu gostaria de trabalhar na Secretaria. Aí ficou assim, é..não sei se você está me entendendo as histórias. Quando eu morava em Martinópolis, a gente conheceu a Inha, conhece as Gregório? A Inha, a Maria Grigório? A Inha morou lá e tinha voltado para cá. Aí quando eu cheguei aqui, a gente procurou a Inha pra conversar e, como sempre tiveram muita influência, as duas, elas batalharam até conseguirem uma vaga pra mim lá na Secretaria. Daí então eu terminei esse meio ano, que era meio ano no Coração de Jesus, quando eu terminei fui pra Secretaria. Fui trabalhar com a Rosa Persona que montou a equipe. A Rosa Persona era a coordenadora, a Renete auxiliava e nós éramos

em quatro supervisoras (Lúcia Elvira ALMEIDA, entrevista do dia 11/07/2008).

Uma vez formada, a equipe começou a trabalhar. Na justificativa contida no

primeiro Relatório do Projeto Novas Metodologias, do ano de 1976, a equipe assim se

posiciona a respeito do quadro de evasão e repetência:

Esses dois fenômenos desencadeiam um processo crescente de distorção idade-série escolar, onde se tem verificado um crescimento de 2% desse índice para um total de 139.135 alunos matriculados em 1973 em Mato Grosso e

141.942 matriculados em 1974 (49% - 51%) (MATO GROSSO. RELATÓRIO PROJETO NOVAS METODOLOGIAS, 1976).

Page 32: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

32

Na continuidade, a equipe pondera que existem “várias alternativas que

poderiam ser enfocadas como mecanismos apropriados para regularização do fluxo

escolar”. No entanto, opta por concentrar seus esforços atuando nas seguintes frentes:

a) experimentação de novas metodologias no ensino de 1º. Grau e, em especial na 1ª. série, através de novos processos de alfabetização;

b) adequação de currículos de 1ª. série, face a conceitos de alfabetização; c) experimentação de novos materiais de ensino; d) formação de um bloco único de estudos de 1ª. e 2ª. séries, onde ao final

de um ano, o aluno seria automaticamente promovido à 3ª. série (MATO GROSSO/SEDUC. RELATÓRIO PROJETO NOVAS METODOLOGIAS, 1976).

Esse conjunto de medidas, proposto pelo Departamento de Educação, tinha

por finalidade elevar o índice de promoção da 1ª. série e reduzir o índice de distorção

idade/série no ensino de 1º. Grau, ou seja, minimizar os efeitos do fracasso escolar21.

Assim, com o objetivo de “Concorrer para a minimização da retenção dos

alunos na 1ª. série pela introdução de metodologias específicas em alfabetização,

visando maior produtividade no ensino de 1º grau”, a equipe propôs uma experiência

de pesquisa, que envolveu 12 classes de 1ª. série, em 4 unidades escolares

selecionadas, nas quais foram aplicados 3 métodos de alfabetização: sintético,

analítico e eclético.

Para o trabalho com o método analítico, a equipe optou pela cartilha “Tempo

de Escola” das autoras Nelly de Camargo, Neuza Rocha Goyano e Nívea Gordo, cujo

processo é o da palavração. Para o método sintético, a cartilha escolhida foi “Método

misto e História da Abelhinha”, das autoras Almira Sampaio Brasil da Silva e Risoleta

Ferreira Cardoso, que privilegia o processo fônico. Por fim, o método eclético se

apoiou na cartilha “Davi, meu amiguinho”, das autoras Eunice Alves e Márcia de

Almeida, cujo caminho combina vários processos para o ensino da leitura.

A pesquisa foi realizada na zona urbana de Cuiabá e atingiu 435 alunos

distribuídos em 3 classes de alfabetização em cada unidade escolar. Segundo a

equipe, “A seleção da amostra fez-se entre todos os alunos matriculados na 1ª. série

em cada uma das escola, distribuindo-se aleatoriamente as variáveis idade, sexo e

nível sócio-econômico”. As escolas selecionadas foram: Senador Azeredo, José

Estevão, Professor Nilo Povoas e José machado Neves da Costa.

A hipótese que orientava a experimentação era a de que

21

A Equipe trabalhou, portanto, em dois diferentes âmbitos, que caracterizou como Meta 01 e Meta 02. A primeira visava a redução da retenção na 1ª. série e a segunda a redução do índice de distorção idade/série, por meio da criação de um currículo compactado, que contemplasse os conteúdos de 1ª e 2ª série, com o fim de acelerar os estudos. Embora em ambas as metas as Cartilhas Nossa Terra e Nossa Gente e Ada e Edu foram utilizadas, concentrarei minha atenção mais ao trabalho relativo à Meta 01.

Page 33: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

33

Se separada a média global de cada método nas médias de leitura e escrita, então pode-se testar qual o melhor método para a leitura e qual o melhor método para a escrita em função do nível sócio-econômico. Portanto, os métodos eficazes para a leitura e a escrita seriam aqueles que apresentassem maior média em leitura e escrita nos três níveis

sócio-econômicos (MATO GROSSO/SEDUC. RELATÓRIO PROJETO NOVAS METODOLOGIAS, 1976).

. A equipe tomou todo um cuidado na implementação do experimento: a)

selecionou escolas nas quais já havia sido implantado o sistema de supervisão; b)

procedeu à “conscientização dos diretores das escolas” a respeito do trabalho; c)

promoveu a seleção e o treinamento dos supervisores e d) a seleção e treinamento

das professoras. Para os supervisores foi exigido que possuíssem ou estivessem em

fase de conclusão do curso de Pedagogia. O critério de seleção das 12 professoras foi

o de que fossem normalistas recém formadas e sem experiência no magistério, “a fim

de conseguir um desempenho ‘padrão’”. Supervisores e professoras receberam um

treinamento intensivo sobre os métodos que seriam aplicados e, ainda, de

metodologia da matemática.

No desenvolvimento do experimento, em cada escola foram aplicados os 3

métodos de alfabetização em 3 turmas, variando de 36 a 37 alunos por sala. Cada

supervisor foi orientado em um dos métodos e, posteriormente, acompanhou e

orientou um professor de cada escola, tornando-se supervisor de 4 professores.

Supervisores e professores reuniam-se diariamente, no contra-turno, com o objetivo

de planejar as atividades a serem desenvolvidas em salas de aula.

Após um ano de intenso trabalho, no qual foram implementados vários

instrumentos22 para exercer o “controle” e a “avaliação” dos supervisores, professores

e das classes experimentais, os resultados ficam nos seguintes patamares:

Quadro 2: Resultados do PNM – ano de 1976

% Método analítico Método sintético Processo eclético

% aprovação

64,87 50,42 55,02

% reprovação

35,13 49,58 44,98

% evasão

16,58 11,97 7,84

Fonte: MATO GROSSO/SEDUC. RELATÓRIO PROJETO NOVAS METODOLOGIAS, 1976.

22

Dentre os instrumentos citados estão: fichas de observação do aluno e do professor; entrevistas; questionários; visitas às escolas; reuniões: grupo de trabalho, diretores, supervisores, professores; observação em sala de aula; fornecimento de materiais, elaboração, aplicação e correção de três provas escritas e três provas de leitura e relatórios.

Page 34: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

34

Considerando-se a aprovação obtida, as escolas ficaram assim classificadas:

1) José Machado Neves da Costa (62,22%); 2) professor Nilo Povoas (58,63%); 3)

José Estevão (56,48%) e 4) Senador Azeredo (49,74%). A partir desses resultados,

temos como média 56,77% de aprovação. Desse modo, em que pese o trabalho

desenvolvido pela equipe, supervisores e professores, os índices de reprovação

permaneceram muito altos, indo de 37,78 % a 50,25 %. Concomitantemente são

apresentados índices de evasão entre 4,26% a 16,28%.

No relatório de 1976 a Equipe elabora vários quadros com os resultados,

apresentando índices por escola, por métodos e por variáveis como nível sócio-

econômico, idade e sexo.

Como conclusão geral, assim se posiciona:

Após feita uma análise do material didático utilizado e dos resultados obtidos podemos considerar que o método analítico foi o que obteve maior índice de aproveitamento. Entretanto foi verificado que as cartilhas que propiciaram melhores resultados foram aquelas estruturadas de acordo com as características da Língua Portuguesa – dando ênfase às sílabas e às famílias fonêmicas correspondentes. Levando em conta este fato, a coordenadoria decidiu proceder a uma análise meticulosa das cartilhas adotadas para o experimento. O estudo feito demonstrou falhas nas cartilhas tanto no que se refere à fonética quanto no diz respeito à gradação de dificuldades ou ainda á

dificuldade de manejo pelo professor (MATO GROSSO/SEDUC. RELATÓRIO PROJETO NOVAS METODOLOGIAS, 1976).

De fato, no documento Reformulações – Exposição de motivos, sem data, a

Equipe argumenta que o prazo concedido pelo MEC para ela se definir com relação a

uma metodologia, dentre as testadas no biênio (75-76), foi exíguo, fazendo com que

fosse tomada uma decisão que, à vista de maior reflexão, exigia reformulação. A

referida decisão era a de se adotar, para o ano de 1977, os métodos eclético e

sintético. Para justificar a reformulação, a equipe argumenta sobre as relações entre a

metodologia e as experiências e dificuldades do professor, entendendo que maior

eficácia era encontrada nas classes em que a metodologia adotada é “mais simples,

de fácil emprego, como é o caso, por exemplo, do método analítico-sintético, processo

de palavração”. E continua:

Em face desta constatação, foram analisadas as cartilhas David, meu Amiguinho (sic), Tempo de Escola e Abelhinha. Conforme se pode observar no anexo n.1, além da dificuldade inerente ao professor, as cartilhas em questão não constituem, na verdade, material adequado à nossa realidade, seja pelas falhas de natureza lingüística (David, meu amiguinho) pelo excesso de vocabulário em detrimento da ênfase necessária no vocabulário – controle, (David, meu Amiguinho) por orientação insuficiente, por exigir conhecimento de fonética que o professor não tem (Abelhinha), seja por uma linguagem altamente técnica e de difícil entendimento por quem não possua

conhecimentos básicos de Lingüística (Tempo de Escola) (MATO GROSSO/SEDUC/DE/PNM: Reformulações – Exposição de Motivos, s/d).

Page 35: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

35

Após esse estudo “meticuloso”, e ainda na conclusão geral do Relatório

de 1976, a equipe assim se manifesta:

Partindo da dedução de que a aprendizagem seria mais eficaz se o professor empregasse uma cartilha que atendesse a esses aspectos e que fosse adequada à nossa realidade, esta coordenadoria juntamente com o Departamento de Educação, após consulta feita ao DEF/MEC, decidiu elaborar e aplicar para o ano de 1977 uma cartilha própria. Essa cartilha, em fase de término, decorre, portanto, dos resultados obtidos nesses dois anos de testagem de novas metodologias e que implicou, naturalmente, na avaliação do material didático envolvido no experimento. Espectativas (sic) melhores são esperadas em termos de eficiência do processo ensino-aprendizagem e atuação dos envolvidos no projeto, para tanto reformulações foram efetuadas

para corrigir os desvios constatados em 1976 (MATO GROSSO/SEDUC. RELATÓRIO PROJETO NOVAS METODOLOGIAS, 1976). .

Estavam dadas as condições concretas para a elaboração da cartilha Nossa

Terra, Nossa Gente, posteriormente transformada em Ada e Edu. Essa cartilha nasce,

portanto, da experiência da equipe no interior do Projeto Novas Metodologias,

alicerçada em uma “experimentação científica” que, apesar do esforço dos sujeitos

envolvidos, não logrou os resultados esperados.

Como se pode perceber pelo texto do Relatório de 1976, o modelo de

pesquisa adotado foi o modelo de pesquisa vigente nos anos 1970, qual seja, aquele

cujos padrões metodológicos se ancoram nas ciências experimentais. Nesse modelo

os aspectos quantitativos, o esforço em controlar as variáveis intervenientes, a

proposição de turmas de controle, o estabelecimento de hipóteses da amostragem, a

análise estatística são considerados elementos centrais. Assim,

Nestas condições o que passa a valer é o modelo metodológico que deve ser repetido, modelo este que implicava em neutralidade do pesquisador, em operacionalização de variáveis, em capacidade de obter mensurações e de replicar o estudo nas mesmas condições, ou quase. Concebe-se que todos os fenômenos são passíveis de serem observados diretamente, diretamente medidos e conceptualizados, experimentados, manipulados e testados. Objetos "a priori" definidos, objetos que podem ser controlados pela manipulação de variáveis, levando à determinação das leis que regulam suas manifestações. É a busca das leis gerais de causa e efeito, ou de relações funcionais

determinísticas (GATTI, 2008)23.

Rememorando esse trabalho inicial no Projeto Novas Metodologias, Rosa

Persona diz que, diante do desafio, procurou seus professores na Universidade. Mas o

que foi possível fazer foi, exatamente, o que foi proposto. Na ocasião,

23

GATTI, B., A Pesquisa em Educação: Pontuando algumas questões metodológicas. Disponível em http://lite.fae.unicamp.br/revista/gatti.html., acesso em 09/06/2008.

Page 36: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

36

Corri atrás dos meus professores da Universidade, pedindo ajuda24

. Então, Novas Metodologias, o que que eles propunham? Era testagem de novos métodos, metodologias de ensino. Então, como o projeto estava sendo encaminhado, nessa etapa eu só dei continuidade. Então na verdade, o que que nós fizemos? A proposta era pesquisar qual método de alfabetização era mais condizente com nossa realidade. Trouxemos pessoas de fora para trabalhar o método analítico, o sintético e o eclético, que é esse relatório aqui, que eu vou passar pra vocês. Esse relatório de 77, onde a gente fez esse trabalho. Então nós pegávamos professores do magistério e treinávamos, olha você vai ficar no método eclético, você vai ficar no método analítico e você no sintético. Fizemos isso com pessoas que vieram de fora, então elas foram conduzidas a isso. Era um período, elas davam aula e no outro elas iam fazer o material didático com a gente. Então era elaborado, foi uma pesquisa que a gente tentou fazer. Dois anos, fizemos dois anos para constatar o óbvio (risos): que não existe método único. Mas tinha uma coisa: nós não levamos em consideração aquelas professoras que eram mais dadas que se dedicavam mais, e as que se dedicaram mais ficaram no método analítico, entendeu? Então esse método se sobressaiu demais. Então como foi uma avaliação que não foi controlada, a gente não pode dizer que é o analítico que deu certo, que seria o bom. Então, a partir destas constatações, que a nossa pesquisa foi ingênua, como os pesquisadores de fora que vieram constataram,

foi uma pesquisa ingênua, mas o grupo cresceu muito (Rosa PERSONA, entrevista em 26/04/2004).

O próprio grupo, no ano seguinte, realiza um “balanço crítico” dos planos de

ação executados nos anos anteriores, chegando a algumas constatações. Por um

lado, percebeu que

o intento de melhoria qualitativa e quantitativa do ensino não implica tanto, como se acreditou, a mera adoção e testagem de métodos modernos de ensino. Verificou-se mesmo que o método em si (...) além de não ser passível de classificação objetiva, sofre tantas variações, quantas sejam as cartilhas e

os professores (Relatório Projeto Novas Metodologias, 1977, p. 2 e 3).

Para o grupo, o propósito de testagem de vários cartilhas e métodos foi

inócuo, pois “o critério de avaliação de método mostrou ser irrelevante para a natureza

do produto esperado”, já que “a alfabetização envolve operações interrelacionadas de

análise e síntese” presentes em qualquer método.

Por outro lado, chamou a atenção do grupo a própria pesquisa experimental

proposta. Em sua reflexão, a equipe percebe que

O controle, o rigor científico que deveriam caracterizar uma pesquisa pareceram-nos bastante discutíveis quando situados no campo pedagógico. Basta considerar a diversidade de variáveis intervenientes no processo – professor (formação, interesse, experiência, situação funcional, tempo disponível para reuniões extras, assiduidade, competência); aluno (maturidade, saúde, alimentação, nível sócio-econômico, interesse, assiduidade, idade cronológica, aspecto emocional); diretor (formação, interesse pelos assuntos pedagógicos, organização, acompanhamento e controle, integração das áreas,

24

O Relatório de 1976 informa como “Assessores da Universidade Federal de Mato Grosso”: Ivo Lusa; Maria de Lourdes Crepaldi e Maria Cristina Sant’Anna Cavalcanti.

Page 37: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

37

distribuição racional de recursos materiais, didáticos e humanos, organização das classes); currículos e programas (adequação, dosagem, continuidade, integração); equipamento e material didático adequado ao processo ensino-aprendizagem etc, para se constatar as limitações de uma pesquisa de caráter

científico tal como ela se propõe teoricamente (MATO GROSSO/SEDUC. Relatório Projeto Novas Metodologias, 1977, p. 5).

O grupo prossegue argumentando nessa direção, evidenciando que teve

acesso a estudos e discussões - tematizações - que se empenhavam em redefinir e

reconceitualizar a pesquisa experimental no campo das ciências humanas.

Considerando as questões teóricas referentes à pesquisa e, ainda, as dificuldades

encontradas na prática em termos de “acompanhamento, controle e avaliação da

pesquisa proposta” (p.5), o grupo propõe uma mudança na Metodologia do Projeto,

caminhando em direção a um estudo de caráter investigativo - Pesquisa em Ação -,

“cujos resultados seriam avaliados mais numa perspectiva histórica do que num

quadro imediato e sincrônico” (p.6).

No momento em que a equipe mato-grossense se debatia com essas

questões, certamente, outros grupos, nos demais estados brasileiros, também

procediam ao enfrentamento dos graves problemas educacionais vigentes. O Projeto

Novas Metodologias foi recebido e implementado diferentemente pelas Unidades

Federadas. Foi possível recuperar parte dessa história a partir da localização de um

documento emblemático. Trata-se do relatório do Estudo Avaliativo do Projeto

Desenvolvimento de Novas Metodologias Aplicáveis ao processo ensino-

aprendizagem, no ensino de 1º. Grau, elaborado por uma equipe interdisciplinar de

professores e pesquisadores da Universidade Federal de Goiás, contratada pelo

Departamento de Ensino Fundamental do MEC, que veio a público em março de 1980.

Este relatório, ao longo de suas 202 páginas, reúne informações da memória

do projeto desenvolvido em 22 Unidades Federadas25, além de realizar “uma

multiplicidade de análises utilizando uma gama de variáveis oferecidas pelas Ciências

da Educação e do Homem” (MEC/UFG, 1980, p. 25). A equipe responsável pelo

estudo avaliativo foi integrada por: Ana Christina de Andrade Kratz; José Luiz

Domingues; Lais Terezinha Monteiro; Mindé Badauy de Menezes26. O relatório

escrutina as ações das Unidades Federadas apreciando a validade externa dos

projetos, os aspectos formais, os aspectos metodológicos das pesquisas realizadas, a

25

Acre, Amazonas, Pará, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. 26

A equipe contou com a colaboração dos seguintes pesquisadores: Aparecida Curado Faria Campos; Amphilóphio de Alencar Filho; Antônio Luiz Maya; Arlene de Assis Clímaco; Fernando Luiz Kratz; José Carlos Libâneo; Maria Mitsuko Okuda; Paulo Marcelino; Terezinha Nádia Jaime Mendonça; Vilma Gonçalves de Couto; Walderês Nunes Loureiro.

Page 38: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

38

qualidade lingüística dos materiais produzidos, os currículos propostos e ainda, o

status das equipes formadas, da assessoria do DEF e das assessorias contratadas

pelos estados.

No que diz respeito à análise da pesquisa realizada em Mato Grosso em

1976, o grupo que elaborou o relatório avaliativo a descreve uma como sendo

experimental, com uma amostragem de 435 alunos (12 classes, sendo 4 classes para

cada método – analítico, sintético e eclético –, assinalando “Não” no campo Controle e

deixando em branco o campo Testes Estatísticos. Nas considerações gerais temos:

Enfoque transversal. A pesquisa apresenta os seguintes problemas: os testes ANOVA não foram seguidos de testes de medidas; existem testes diferentes para a mesma hipótese, conduzindo à conclusões ambíguas; existe confusão entre o nível de significância e a ocorrência de correlação; as interpretações das interações não foram desenvolvidas.

Delineamento correto e variáveis controladas. (sic) Os dados da pesquisa podem e devem ser reinterpretados e

ou submetidos a nova análise estatística para completar a anterior e

corrigir as falhas (MEC/UFG, 1980, p.161).

Apesar do reconhecimento da equipe mato-grossense dos limites da

pesquisa experimental no campo da educação, anteriormente evidenciado,

paradoxalmente, no parágrafo seguinte do relatório, no qual essa idéia é expressa,

volta a aparecer a possibilidade (o sonho?) de realizar o controle sobre algumas

variáveis, com vistas a uma intervenção. Diz o grupo:

Verificamos, por exemplo, que é possível controlar algumas variáveis relevantes: a cartilha, o desempenho do professor (sic!), o conteúdo programático indicado para cada série, o estabelecimento de critérios para seleção e atendimento de alunos carentes de recuperação, a definição de conceitos básicos norteadores do planejamento, acompanhamento e controle do processo da alfabetização e da aceleração do ensino junto a alunos

repetentes ou fora da faixa etária (MATO GROSSO/SEDUC. Relatório Projeto Novas Metodologias, 1977, p. 6).

O grupo segue nesse texto refletindo sobre a adequação da cartilha, a

aprendizagem da leitura e da escrita como condição básica para a aprendizagem das

outras áreas, as formas de aprendizagem efetiva da língua – sua estrutura, suas

características, suas dificuldades, o conceito de alfabetização visto em seu sentido

restrito e amplo e, ainda, a avaliação em alfabetização. Todas essas questões

representam para o grupo um conjunto de motivos que o levou a propor reformulações

no Projeto Novas Metodologias, dentre elas:

1. elaboração de uma cartilha que atendesse aos requisitos da língua e à nossa realidade;

2. elaboração de uma manual de orientação em linguagem simples e acessível do professor;

3. treinamento dos professores envolvidos no Projeto a fim de que eles fossem orientados para o emprego da cartilha, recebessem informações

Page 39: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

39

específicas relativas à língua portuguesa e aos pré-requisitos da alfabetização;

(...) (MATO GROSSO/SEDUC. Relatório Projeto Novas Metodologias, 1977, p. 10).

A decisão de elaborar uma cartilha estava, portanto, ancorada no

pressuposto básico de que, embora haja a interferência de múltiplos fatores no

processo de alfabetização, alguns desses fatores são passíveis de “um

acompanhamento e controle mais efetivos”. O grupo, então, decidiu-se pela seleção

dos fatores cartilha e professor que “preparados adequadamente e bem controlados

(sic!), poderiam responder por uma elevação do padrão de ensino e,

consequentemente, do rendimento escolar” (p.16).

Espero ter podido, ao longo desse item, estabelecer a inserção de um livro

didático em um complexo mais amplo de políticas educacionais e públicas.

Entendendo que “O livro didático é parte do arsenal de instrumentos que compõem a

instituição escolar, parte esta, por sua vez, da política educacional, que se insere no

contexto histórico social” (Oliveira et alii, 1984, p. 111), procurei caracterizar a

produção da Cartilha Nossa Terra Nossa Gente, depois Ada e Edu, como um livro

didático que possuía estreitos vínculos com um projeto de política pública e com as

concepções de educação e de alfabetização oficiais e/ou hegemônicas naquele

momento histórico. Desse modo, a decisão de sua elaboração, no interior de uma

equipe numerosa, seus processos de transformação gráfica, circulação, difusão e

“desaparecimento” guardam uma relação intrínseca com o Projeto Novas

Metodologias, como se verá a seguir.

Page 40: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

40

4. A gênese de Nossa Terra Nossa Gente: elementos de sua produção

No curto período de vinte anos, a história dos livros se tornou um campo

de estudos rico e diversificado. Tão rico, de fato, que agora, mais do que

um campo, parece uma exuberante floresta tropical. O explorador mal

consegue atravessá-la (Darnton, 1990, p. 111).

Um livro à sombra de um Projeto

No Relatório de Avaliação do Projeto Novas Metodologias (MEC/UFG, 1980,

p.136) consta que, no processo de desenvolvimento do trabalho em Mato Grosso, a

coordenadora Rosa Persona realizou contato com instituições especializadas, a fim de

contratar consultor para o projeto. A escolhida foi a professora Nívia Gordo, na ocasião

Coordenadora Pedagógica da Escola de Aplicação da FEUSP. Na memória da

coordenadora, no entanto, o processo de escolha dessa consultora teve outros

meandros. Conta ela que Nívia Gordo prestava assessoria em Mato Grosso para um

projeto do professor João Monlevade, que a tinha conhecido no Rio de Janeiro. Em

uma de suas viagens de trabalho, ocorreu o encontro com Rosa Persona e o convite

para assessorar o Projeto Novas Metodologias de Mato Grosso. Assim,

Quando de uma das vindas de Nívea pra cá, a professora Ivone, que era diretora do Departamento de Educação falou: Rosa, corre no aeroporto que tem uma professora, ela é excelente alfabetizadora da Escola de Aplicação da USP, ela está fazendo assessoria. Corre lá que ela está indo embora. Ela já estava no aeroporto. Sabe quando bate aquela coisa assim de você com a pessoa? Eu contei pra ela e ela falou: eu venho sim. A primeira vez que ela veio e deu assessoria foi ótimo e foi assim, já mudou a nossa visão. Aí ela veio a primeira vez, ficou no hotel, a segunda eu fiquei meio assim, a terceira vez ela já ficou em casa. Aí já sabe, já era assim [risos], foi uma coisa muito forte... nós não ficamos sem falar uma semana. Toda a semana nós temos que nos comunicar, até hoje. Ela vem pra casa, eu vou pra São Paulo, a gente se encontra. Ela é um pouco sistemática sabe, assim, vive só, então ela tem.. mas, ela é uma ótima pessoa. Ela veio dar uma outra visão. Porque que vocês

não elaboram uma cartilha? Foi ela (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

Entre as fontes encontradas há um atestado, de 23 de setembro de 1983,

emitido pela Diretora do departamento de Educação da SEDUC, mas assinado

conjuntamente por todas as autoras, comprovando parte do tempo da assessoria

prestada por essa professora no ano de 1977.

Page 41: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

41

Desse modo, a partir daquele encontro com Rosa Persona no aeroporto de

Cuiabá, a professora Nívia Gordo passa a fazer parte da equipe mato-grossense, na

qualidade de assessora do Projeto Novas Metodologias, imprimindo ao trabalho uma

forte perspectiva lingüística. Restava saber, na medida do possível, por meio do

processo de entrevistas, a gênese da produção da cartilha, ou seja, estudar o seu

circuito, a partir do estágio de composição (Darnton, 1990, p.114), quando as autoras

decidiram-se pela produção de um material que se constituiria no cerne do PNM.

Via de regra se pergunta a um autor de onde veio a idéia ou inspiração para ele

produzir um determinado texto, referindo-se ao conteúdo abordado. No caso de Nossa

Terra Nossa Gente, depois Ada e Edu, elaborada a muitas mãos, minha curiosidade

se concentrou em saber se seria possível localizar uma das pessoas do grupo como

sendo a responsável pela idéia de elaborar a cartilha, ou seja, referindo-me não ao

conteúdo e sim ao próprio objeto livro. Tanto na versão preliminar quanto nas edições

publicadas pela Bloch Editores, além das sete autoras, aparece o nome de Nívia

Gordo como “Coordenadora” da produção. A pergunta elaborada para esse fim foi: No

contexto do Projeto Novas Metodologias, de quem foi a idéia de produzir uma cartilha

regional em Mato Grosso, a Nossa Terra Nossa Gente (NTNG)? Eis as memórias:

A idéia foi da equipe, inclusive minha. Essa idéia surgiu no decorrer de vários cursos ministrados a professoras da rede oficial de ensino de MT com o

objetivo de fundamentar a alfabetização na lingüística estrutural (Nívia GORDO, depoimento em 12/05/2008).

A idéia foi da Nívea (...) porque ela já tinha feito isso em vários estados, entendeu? Ela fez no Pará, ela fez em Sergipe, então, ela foi mostrando para o pessoal a forma que você pode, que as cartilhas não fugiam ao errado e ao “hame-hame” das demais cartilhas, mas você pode estar aproveitando a

linguagem mais regional e fazer a sua linguagem (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

Olha, na época eu não tinha muita visão de estratégia política que a gente tem hoje Eu era, assim, muito equipe. Não era pensante, no caso. Eu me lembro que a Rosa é que era líder nossa e ela era muito preocupada em solucionar as questões e tudo. Ela convidou a Nívea Gordo para dar uma assessoria para nós e, na discussão com a Nívea Gordo, parece que apareceu essa idéia. (...) A gente se entusiasmou porque naquela época éramos mais novas, tínhamos acabado de ler Paulo Freire, aquela história da alfabetização com palavras, com imagens, a partir da criatividade do aluno tudo aquilo impressionava bastante a gente, embora ainda impressiona, só que naquela época o impacto ainda era bem mais perto. (...) Então a gente se entusiasmou por fazer um estudo empírico, de forma levantar as palavras que seriam mais conhecidas

das crianças, por ali mesmo assim com o grupo (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008).

Olha, ela surgiu mais desse contexto da falta de significado. A gente já vinha trabalhando com algumas cartilhas, porque nós trabalhávamos com alfabetização. (...) A gente era supervisora de um grupo de professoras, então nós tínhamos esse acompanhamento diário em sala de aula e nós víamos que,

Page 42: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

42

em determinados momentos, os alunos emperravam. E como esse acompanhamento no processo todo de avaliação passava pela discussão das dificuldades, eu acredito que nesse contexto é que surgiu a possibilidade de a

gente estar fazendo isso (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008). Eu não sei se teve um toque assim de Nívea, eu não me lembro, talvez tenha até tido um toquezinho dela. Provavelmente ela deve ter dado, porque quando ela vinha ela ficava na casa de Rosa Persona, discutindo alguns pontos e alguns aspectos. Eu acho que foi a partir daí, devido justamente a essa dificuldade das crianças naquela época (...) com coisas que não era do nosso conhecimento, que não era da nossa realidade. Então daí nós partimos pra

essa... é o que está me vindo na memória no momento (Francisca MARQUES, entrevista em 24/04/2008). Mas isso de localizar uma pessoa... Com certeza alguém falou, mas eu não me lembro o nome de quem foi. Eu sei da necessidade, da angústia nossa de sair dessa coisa de diálogo pronto. E que vinha um dinheiro significativo e que nós tínhamos que estar buscando outras alternativas, mas eu não me lembro uma pessoa... não sei se é Francisca, se foi, talvez, a Regina, eu não me lembro

sinceramente (Renete Almeida MACIEL, entrevista em 25/04/2008) Olha, eu não sei assim se foi a idéia da Nívia, se partiu da Nívia, não sei te dizer, de repente existia a idéia de montar uma cartilha. Aí começamos, a gente tinha material, precisávamos definir as palavras-chave, procuramos palavras da região e, enfim, surgiu a idéia da cartilha (...). Eu diria assim, que mais a Rosa.

Não sei se é porque ela era coordenadora (Lúcia Elvira Rigolin de ALMEIDA, entrevista em 11/07/2008).

Rosa Persona, ainda, coloca outra fonte de influência: as assessoras do MEC.

Segundo ela, o PNM dava abertura e instrumentos para elaboração de cartilhas,

sendo que “vários estados, na época, construíram uma”27. Nesse sentido, para ela,

havia uma previsão, “não para todo mundo fazer uma cartilha regional”, mas entendida

como possibilidade. Lembra: “as consultoras que vinham do MEC sempre me

cobravam: Vocês já pensaram na cartilha regional?” (Rosa PERSONA, entrevista de

26/04/2004).

Evidentemente, após tantos anos, fica difícil localizar uma única pessoa como

sendo a mãe da idéia. Ou, talvez, nem seja o tempo o complicador, mas o tipo de

relações estabelecidas no interior do grupo, com as pessoas tendo ampla liberdade de

expressão e de pensamento, podendo, portanto, a qualquer momento qualquer uma

delas ter o insigth.

27

O Relatório do Estudo Avaliativo do Projeto Desenvolvimento de Novas Metodologias Aplicáveis ao processo ensino-aprendizagem, no ensino de 1º. Grau, já mencionado, dá conta que as Unidades Federadas produziram muitos materiais, tais como: currículo compactado e/ou propostas curriculares; sugestões de atividades; planejamento de unidades de ensino; cartazes; fichas, questionários, etc. cabendo apenas a mais quatro estados, além de Mato Grosso, a produção de cartilha e/ou livros: Alagoas: “Conhecendo Alagoas” (v. 1 e v. 2); Piauí: “Novas Metodologias: alfabetização através da arte”; Rio de Janeiro: Livros para alunos: 1ª. série – “Escola”; 2ª. série – “Margarida”; 3ª. série – “João de Barro”; 4ª. série – O Oleiro”; Livro para o professor; Distrito Federal: Livro-texto: “Histórias e Brincadeiras” – pré-livro, texto de leitura, comunicação e expressão.

Page 43: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

43

O certo é que, a partir da análise das cartilhas trabalhadas na primeira etapa,

no ano de 1976, a decisão de elaborar uma cartilha própria, com características locais

foi tomada. Esta viria acompanhada de manual do professor. As condições para isso

foram extremamente favoráveis, na medida em que o Projeto Novas Metodologias

permitia e estimulava essas experiências.

Desse modo, encontramos no documento Exposição de Motivos nº 02/77, a

Coordenadora da equipe mato-grossense, Rosa Persona, dirigindo-se à

Coordenadoria do Departamento de Educação da Secretaria de Educação e Cultura,

expondo o seguinte:

. O Projeto Novas Metodologias do Ensino vem atuando há dois anos, a título de testagem de métodos e técnicas de ensino, junto às escolas da rede oficial de ensino;

. dessa testagem foi constatada a necessidade de atendimento especial à alfabetização no sentido de reduzir o índice de reprovação e de, conseqüentemente, assegurar condições para corrigir a distorção série/idade verificada, principalmente, nas 1ªs e 2ªs séries;

. constatou-se, também, que os problemas surgidos na alfabetização não decorrem simplesmente de métodos e técnicas de ensino. Mais que isso, esses problemas têm sido ocasionados pela falta de cartilha adequada à nossa realidade e às características da língua portuguesa;

. verificou-se, ainda (...) que a inadequação de cartilhas prejudica a alfabetização. Ao lado disso, a falta de definição clara do que seja alfabetização e do que se espera alcançar ao final da 1ª. série impede o trabalho consciente e controlado do professor. E o resultado é reprovação em massa ou promoção para a 2ª série de alunos semi-alfabetizados.

(...) Pelos motivos expostos e na tentativa de solucionar, ou ao

menos atenuar os problemas existentes, a Coordenação do Projeto Novas Metodologias do Ensino procurou, dentro de suas atribuições, assessorar essa Divisão, tomando as seguintes providências:

. elaborar uma cartilha de fácil emprego pelo professor e que ao mesmo tempo atenda às características da nossa língua e a necessária gradação de suas dificuldades (anexo nº 1);

. elaborar um manual de orientação a fim de que, numa linguagem simples e clara, auxilie o trabalho do professor (anexo nº 2);

. definir de forma clara e precisa o conteúdo mínimo a ser atingido pelos alunos de 1ª. série (anexo nº 3);

. ministrar um curso de treinamento aos professores de 1ª. série a fim de torná-los aptos ao emprego da cartilha e de esclarecê-los

quanto a possíveis dúvidas (anexo nº 4); (...) (MATO GROSSO. SEDUC/ Relatório Projeto Novas Metodologias, 1977).

Duas crenças importantes da Equipe aparecem nessa exposição de motivos:

por um lado, a esperança em poder materializar uma cartilha ideal do ponto de vista

lingüístico: utilizando-se uma linguagem regional, próxima à linguagem dos escolares,

e apresentando a língua de forma graduada, contemplando suas dificuldades e sua

complexidade. Desse modo, ela seria de fácil manejo pelo professor e de melhor

apropriação pelos alunos. Por outro lado, a partir da definição dos objetivos e

Page 44: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

44

conteúdos inerentes à 1ª. série, a esperança de poder homogeneizar a aprendizagem

das crianças.

A partir desses pressupostos, o plano do livro, aquilo que definiu a sua forma

foi a idéia de apresentar a linguagem, por meio de palavras-chave, dispostas numa

seqüência gradativa de dificuldades, considerando as vogais orais e nasais, os

diferentes tipos de sílabas, os dígrafos, as ocorrências gráficas e os ditongos.

Encontramos esse plano, claramente explicitado, no Relatório de 1977, no item

“Método de Alfabetização”:

Levando em consideração as idéias expostas neste relatório a respeito dos fatores intervenientes na alfabetização, elaboramos e empregamos a cartilha “Nossa Terra, Nossa Gente” com as seguintes características:

1. estrutura vocabular composta de 42 palavras-chave, dispostas numa seqüência gradativa de dificuldade a saber: vogais orais; vogais nasais; consoante + vogal; vogal + consoante; consoante + vogal + consoante; consoante + consoante+ vogal oral; consoante + consoante+ vogal nasal; dígrafos; ocorrências gráficas e ditongos;

2. atendimento às exigências fonéticas evitando a apresentação de palavras inadequadas para as dificuldades a serem aprendidas;

3. emprego de substantivos para as palavras-chave, segundo a realidade lingüística da região;

4. apresentação de textos cujos temas estão adequados à realidade sócio-econômica da região;

5. freqüência na apresentação dos estímulos para fixação da

aprendizagem (MATO GROSSO/SEDUC. Relatório Projeto Novas Metodologias, 1977, p.20/1).

A exposição segue explicitando a metodologia da cartilha. O grupo lembra que,

tendo em vista o caráter fonético, a unidade sílaba da língua e, ainda, os casos de não

coincidência entre fonemas e grafemas, optou por dar ênfase inicialmente ao estudo

das vogais orais e das sílabas simples. Progressivamente o trabalho incide sobre o

estudo das ocorrências gráficas dos fonemas, insistindo-se nas habilidades de

distinção dos fonemas do ponto de vista gráfico e oral, por meio de exercícios de

análise fonética e fonológica e de exercícios de escrita, predominantemente cópia e

ditado. Por fim:

Visando à economia de esforços, de tempo e gasto financeiro, o processo empregado consistiu no estudo da palavra-chave, seguindo-se-lhe quase que imediatamente, o estudo das respectivas sílabas-chave e atividade de formação de palavras novas. Posteriormente, mais ao fim do processo, as palavras novas foram empregadas em atividades de estruturação de frases e

até de composição de textos (MATO GROSSO/SEDUC. Relatório Projeto Novas Metodologias, 1977, p.20/1).

Vemos, pois, que as explicações estão centradas predominantemente na

organização dos aspectos lingüísticos trabalhados pela cartilha. Nesse caso, fica

patente a influência de Nívia Gordo, com sólida formação na área de Letras, e o seu

processo de formação das autoras. O conhecimento da língua e seu funcionamento

sempre foi um nó górdio no processo de alfabetização. Mesmo nos dias atuais, nem

Page 45: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

45

sempre o pedagogo – o profissional que, legalmente, tem o direito de atuar nas

classes de alfabetização – possui os necessários conhecimentos sobre o objeto que

ensina: o sistema alfabético e ortográfico da escrita. Nota-se, assim, um avanço na

insistência do grupo em focar o sistema de escrita, mesmo que, na ocasião,

considerado código. O fato de falar em vogais orais e nasais e sugerir, mesmo que ao

final do livro, o trabalho com textos, também pode ser avaliado como avanço para um

material elaborado na década de 1970. Ainda que defenda a idéia de apresentação

gradual da língua, ressaltando-se as diferentes composições silábicas, diferencia-se

das outras cartilhas contemporâneas à medida que sugere o trabalho, concomitante,

de duas sílabas diferentes.

A influência da assessora, acima referida, se sobressai nas falas das

depoentes que, por várias vezes expressam carinho e admiração por Nívia Gordo.

Essa última assim descreve a sua atuação como assessora e a relação afetuosa

construída com o grupo:

Tive vários contatos com a equipe coordenada pela Profª Rosa Maria Jorge Persona, na época, funcionária da Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso. O convite inicial seria para eu assessorar a equipe numa linha de pesquisa relativa a métodos de alfabetização no Estado de Mato Grosso. Essa pesquisa estaria vinculada ao Projeto Novas Metodologias, patrocinado pelo MEC. (...) Às próprias professoras que integravam a equipe: receptivas e agradáveis receberam-me muito bem; demonstraram muito interesse e disposição para o trabalho e acataram minha idéia de inverter a pesquisa sobre métodos de alfabetização para uma “proposta de alfabetização”, praticamente centrada no que hoje chamam de “linha tradicional”, mas fundamentada na lingüística estrutural que tem como base

o conceito de signo verbal de Saussure, com estudo ampliado por Martinet (Nívia GORDO, depoimento em 12/06/2008).

No entanto, é ao responder sobre o plano do livro, que o discurso de Nívia

Gordo, em 2008, apresenta-se com grande similitude ao discurso que descreve a nova

cartilha, contido no Relatório de 1976:

O “plano do livro” decorreu do pressuposto de que a alfabetização não é uma questão de método, mas de coerência do plano da alfabetização com as características da nossa língua. Neste sentido, o plano foi elaborado a partir da seguinte concepção e procedimentos: 1. nossa língua é alfabética; 2. ela se compõe de sete vogais orais e 19 consoantes em posição intervocálica; 3. Com esses 26 fonemas a língua portuguesa dá conta de todo o nosso repertório oral, sendo que no escrito defrontamo-nos com a questão ortográfica (a ser aprendida ao longo da vida); 4. a alfabetização se inicia na 1ª série e também se prolonga pela vida inteira. Procedimentos: 1. levantamento das vogais e consoantes orais para a formação de palavras-chave; 2. o processo para essa formação consistiu na organização dessas palavras a partir de sílabas classificadas numa linha do mais simples para o mais complexo, a saber: consoante + vogal oral: consoante+ vogal oral+ consoante; vogal oral + consoante; consoante + consoante + vogal oral; vogais nasais grafadas /m/ /n/, /ã/, /ão/, /ãe/; um mesmo fonema com diversas grafias, como, por exemplo, /s/, grafado s, c, ss, x, sc; /j/, grafado g; etc. de forma a cobrir todas as ocorrências ortográficas 3.contextualização dessas palavras com base no contexto

Page 46: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

46

lingüístico próprio da região; 3. no mesmo contexto, elaboração de frases simples com as palavras-chave; 4. na seqüência, criação de textos curtos e para cada lição criação da ilustração. Os fundamentos e a orientação foram apresentados no livro do professor (manual). (não dá para descrevê-los aqui devido à extensão). Esse manual seria de fácil compreensão pelos professores da rede porque a orientação foi a mesma que elas receberam nos diversos cursos dados. Portanto, os professores tiveram ampla participação na

elaboração da cartilha (Nívia GORDO, depoimento em 12/06/2008).

Evidentemente temos que considerar as questões metodológicas da coleta de

dados dessa pesquisa, lembrando que as autoras foram submetidas a uma entrevista

oral, na qual se procurou criar um clima de confiança, completamente descontraído,

enquanto a professora Nívia Gordo prestou seu depoimento por escrito. Dessa

discrepância, sem dúvida, nascem todas as questões que dizem respeito às

diferenças entre a oralidade e a escrita. Mesmo atentando-se para esse detalhe

metodológico percebe-se, nas memórias das autoras, uma ênfase maior aos aspectos

como a regionalidade, a adequação na escolha das palavras e textos, a inovação

metodológica, a possibilidade de elaboração de um material fácil para professores e

alunos e uma ênfase menor aos aspectos lingüísticos, propriamente ditos. Assim

temos:

Nós pensávamos, assim, se é de fácil manejo para o professor, entendeu? Que ele fosse um material que viesse realmente ajudar o professor e o aluno na construção, mas ele foi tendo um formato próprio, com cada um sugerindo uma forma. E não estou muito lembrada não, mas eu acho que cada um teve a sua participação e uma grande participação da Nívea. Grande assim, pois às vezes a gente ficava insegura, é indecisa, então a Nívea vinha e batia o martelo, entendeu? Ela não tem o meio termo, ela falava: esse texto não está bom, vamos riscar tudo. Podia ser de uma ou o meu, ou o dela, ninguém ficava com melindres. Ela falava: não, esse texto aqui não dá, está muito fora, vamos cortar, ou está excelente, esse texto vai ficar. Então, eu deixava sempre, não sei se era pra não ir contra o grupo, eu deixava sempre a Nívea bater o martelo (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008). Então, umas das coisas que a gente ficou, eu acho, é essa questão da regionalidade. Criamos palavras conhecidas do aluno e tinha um pouquinho daquela questão do Paulo Freire, de trazer da vivência as palavras, para que o aluno pudesse, não estar fazendo uma coisa decorada, mas que fosse uma leitura e fosse também uma leitura do próprio dia a dia dele. Então a gente procurou coisas, selecionou coisas junto com as supervisoras, até com as professoras, e a gente via que a criança não ia ter dificuldades para identificar (...) o plano, o foco principal nosso na obra era esse: fazer com palavras conhecidas da criança que ela pudesse até estar argumentando estar levando, por exemplo, pra área de ciências, na época, estudos sociais, pudesse comentar com ela, trabalhar mais algumas coisas. Isso, eu me lembro bem, que esse era um dos focos, inclusive das discussões e dos desenhos, não era

só das palavras (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008). Nós tínhamos cartilhas descontextualizadas, sem significado paras crianças, com palavras que os meninos não conheciam, da região sul, sudeste. Se a gente imaginar Mato Grosso no ano de setenta e quatro, setenta e cinco, setenta e seis (...). No sentido de que como era a nossa vida, tipo

Page 47: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

47

assim, eu adolescente chegando a televisão, jovenzinha, mudou todo aquele contexto de Mato Grosso, e chegou a televisão, era um canal, TV branco e preto, não era todo mundo que tinha, eram algumas pessoas que tinham, algumas casas só, as pessoas ficavam até na janela pra assistir televisão... porque não eram todos que podiam comprar um aparelho de TV. Setenta e quatro, então essa realidade também era muito ainda, Mato Grosso era ainda muito fechado. Mato Grosso começou a se abrir a partir dos anos oitenta (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008).

Olha, a dificuldade que nós tínhamos é, posso falar, é da língua, de estar projetando essas coisas que as nossas crianças não conheciam. E as cartilhas, nós não tínhamos nada nosso escrito aqui, eram todas de São Paulo. Era mais difícil, então porque não partir de coisas nossas, que a criança conhece como o pequi, o pacu? Então a partir daí, e também diante de que já tínhamos visto que não era um método em si que iria resolver a questão da alfabetização, isso aqui foi o que a gente mais tomou na mão. Foi bom para o grupo. Houve toda uma preparação, principalmente de seleção de palavras. Por exemplo, o que que é daqui? Pacu é nosso? É. O piqui? Sim. Que mais? o caju. Coisas nossas. Fomos nesse nosso planejar, foi um jogo assim de idéias, de palavras, cada um ia colocando. Depois sim que veio a organização (...) Igual a Nívea observava que nós iríamos colocar uma palavra, a mais complicada possível bem no começo. Aí nós iríamos atrapalhar a organização das palavras de acordo com as dificuldades da nossa língua e o que seria o mais fácil pro aluno (...) então nós temos toda essa seleção, essa preocupação (Francisca MARQUES, entrevista em 24/04/2008).

. É, naquele momento nós estávamos numa fase de, eu diria, rejeição, ou seja, queremos algo mais fácil (...) até então não sabíamos, mas nós queríamos algo regional. O que está posto aí, não dá. Falar de São Paulo, tudo bem, que fique pra lá, isso aqui é outra realidade (...). Nós queremos algo diferenciado, ou seja, na época nós quebramos paradigmas, para a época, entendeu? Eu considero isso. Nós não queríamos fazer um trabalho que estava ali, essa cartilha é igual a essa. Não interessava pra nós. Interessava pra nós algo diferenciado e próprio pra nossa região. A produção teria que ser diferenciada (...) na verdade eu acredito que ela sai um pouco daquela... ela pega as palavras chaves, mas ela também sai da soletração, aquela coisa soletrada (...)

fomos buscar uma outra linha de trabalho (Renete Almeida MACIEL, entrevista em 25/04/2008).

A idéia é que fossem usadas palavras da região. Essa é que era a idéia. Palavras que a criança tivesse convivendo com elas. Essa é que era a idéia (Lúcia Elvira Rigolin de ALMEIDA, entrevista em 11/07/2008).

As memórias aqui colocadas caminham no sentido de destacar a grande

influência que a consultora Nivia Gordo teve na composição da obra, não apenas

resolvendo inseguranças das autoras e “batendo o martelo” nos momentos de decisão

dos conteúdos a serem contemplados, como disse Rosa Persona, mas, sobretudo,

orquestrando habilmente a Equipe na definição da forma do texto, entendida esta

como suas opções ideológicas e metodológicas.

Page 48: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

48

A não profissionalização das autoras

Professores e livros didáticos possuem, historicamente, uma estreita

vinculação. Essa observação é de Bittencourt (1993, p. 264), para quem este vínculo

pode ser avaliado “pela participação que os primeiros tiveram como autores”. Para ela,

a expansão da produção didática, ocorrida a partir do século XIX se fez com o trabalho

permanente de professores na elaboração de livros28.

Rastreando, historicamente, os sentidos da “função-autor”, Chartier lembra que

a partir do século XVII

O termo autor não pode ser aplicado a qualquer um que escreveu uma obra: ele distingue entre todos os “escritores” apenas aqueles que quiseram ter publicadas as suas obras. Para “erigir-se como autor”, escrever não é suficiente; é preciso mais, fazer circular as suas obras entre o público, por meio

da impressão (CHARTIER, 1994, p.45).

Situado numa história mais recente, Munakata discute a profissionalização de

editores, autores e outros profissionais da edição, relacionada com uma consciência

profissional, para a qual o trabalho com vistas à qualidade da obra, em termos de

conteúdo e forma, é fundamental. Desse modo, “profissionalização do autor então

significa maior conhecimento e aceitação, por parte do autor, dos procedimentos

editoriais que, por sinal, estão especificados no contrato” (Munakata, 1997, p.134).

Naturalmente, o termo profissionalização também está ligado ao fato de a

autoria se constituir numa profissão, de labor cotidiano, fonte de renda e sustentação.

Nesse universo, destaca-se a “fecundidade de autores polivalentes de 1ª. a 4ª. série

do 1º. Grau, produzindo vários livros nas mais diversas áreas e disciplinas”, bem

como, a especialização de outros, que escrevem “sempre sobre e para a mesma

área/disciplina e para as mesmas séries” (p. 157).

É nesse sentido que as autoras de Nossa Terra, Nossa Gente não se

constituem em autoras profissionais. A começar pelas expectativas iniciais que elas

desenvolveram no início da produção, o que confirma, mais uma vez, o vínculo da

obra com o PNM. Assim em resposta à pergunta O que significava para vocês naquele

momento a produção da cartilha Nossa Terra Nossa Gente?, temos:

Olha, eu acho que para o grupo significava uma realização de um trabalho, uma construção coletiva que estaria, no nosso entender, beneficiando aos professores, as crianças, porque era um material fácil. E, ao mesmo tempo, uma realização pessoal, de concretizar um trabalho que até então a gente não tinha tido a oportunidade de estar realizando. Então, acho assim que foi uma coisa pessoal, um engrandecimento, um enriquecimento pessoal e também de

28

A autora cita vários exemplos de professores que se tornaram autores de compêndios em diferentes áreas.

Page 49: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

49

ver que a gente estava dando um trabalho pro Estado, estava contribuindo de

alguma forma com o Estado. Eu acredito que seja tudo isso (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

. Olha, a gente não tinha na época (...) a grande abrangência que poderia ter ainda. O foco nosso ainda era aquela situação ali que nós tínhamos daqueles alunos do projeto piloto. A gente queria extrair o melhor para eles, para depois estar disseminando. Naquela época, eu pelo menos pensava assim - e eu acho que o grupo também pensava, porque eu não ia tirar isso da minha cabeça sozinha - de que você não faz alguma coisa já tão grande, pra todo o mundo, porque você pode correr o risco de errar com muita gente. É melhor errar com menos, é até uma questão da responsabilidade (...) A gente não tinha idéia, por exemplo, que ia chegar já na Ada e Edu. A expectativa era resolver aquela

situação daquele projeto piloto, por enquanto (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008). E naquele momento a gente não estava pensando em editar. Nosso propósito era outro. Nosso propósito, como eu já disse, era ajudar os alunos a aprender, e nós, lógico, também aprendemos com eles. Nós aprendemos com eles de que não estava bom daquela forma, do jeito que tava, e que a gente precisava então criar algumas alternativas, e uma das alternativas a gente pensou que,

talvez, pudesse ser esse material (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008).

Naquela época, o que nós pensávamos era só na colaboração, sabe? Que o nosso trabalho fosse reconhecido, mas que fosse revertido através da criança, principalmente da escola pública, que são as menos favorecidas. Então, era doar o nosso trabalho. A nossa questão era essa, nós fazíamos questão disto:

que todos tivessem acesso ao livro (Francisca MARQUES, entrevista em 24/04/2008).

É, [a publicação] não era a nossa pretensão. A nossa pretensão era ficar aqui, porque nós vimos chegando o projeto com muito dinheiro voltado pra Mato Grosso. Porque o nosso objetivo o que que era? Esse o sujeito-aluno, ele tem que sair desse marasmo e ser alfabetizado. Ele precisa ser alfabetizado. Nós lutávamos muito pra isso, era uma equipe muito aguerrida, que saía a campo pra trabalhar mesmo, pra alfabetizar, com compromisso, muito compromisso, muito compromisso. Então o objetivo é isso, não era um objetivo assim de autoria, era uma coisa assim, sabe, o ideal. É o ideal. Pra mim foi o ideal. Pelo menos da minha parte eu vivenciei isso sem pensar eu posso ganhar dinheiro

com isso (Renete Almeida MACIEL, entrevista em 25/04/2008).

Nota-se que o perfil das autoras é, eminentemente, o perfil de professoras.

Envolvidas com a educação, preocupadas com a sala de aula e comprometidas com o

PNM, as professoras/autoras elaboraram um material didático, movidas pela certeza

de que ele ajudaria a alcançar os objetivos de melhoria da qualidade da alfabetização

daqueles tempos.

Há, ainda, um outro indício da forte ligação da produção da cartilha com o PNM

e da não profissionalização das autoras. Em um ofício de 29 de agosto de 1979

(SEDUC/SEC/DE/DEIG/PNM/17/79) o grupo escreveu ao Secretário de Educação

manifestando a sua anuência para com a edição de Ada e Edu, pela Bloch Editores, e

seu aproveitamento/comercialização em outras regiões (assunto que tratarei a seguir),

Page 50: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

50

desde que respeitadas algumas condições. Uma delas se referia a “que as autoras

não sejam remuneradas de nenhuma forma”. Os direitos autorais deveriam ser

remetidos à Secretaria de Educação. Questionadas sobre como perceberam isso na

época, ou seja, a possibilidade de edições significativas pela Bloch, sem um retorno

financeiro, as autoras assim se manifestaram:

Conforme já frisei, nessa época, eu já não fazia parte da equipe. Não participei de nada, nem mesmo da solenidade do lançamento da cartilha. Quanto a não receber nenhuma verba, penso que foi ótimo porque se tratou de uma questão

de ética e de respeito à coisa pública (Nívia GORDO, depoimento em 12/06/2008).

É, porque no meu entender, nós trabalhamos no horário de trabalho. Então, essa produção, na verdade, não era nossa, pois estávamos sendo remuneradas pra fazer isso. Então, eu tinha consciência e coloquei pro grupo. Talvez eu tenha influenciado com a minha visão, que não sei, muitos até acho que queriam receber eu não sei, mas na minha visão nós estávamos sendo pagas pra fazer isso. Foi no horário de trabalho que nós fizemos, então, não tinha porque nós querermos. Posso até, agora, ter uma outra visão, mas no

momento foi essa que a gente teve. Foi esse código ético (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008). É mais entre nós, pelo menos naquela época, eu me lembro que a gente conversou bastante sobre isso. E assim, o que era o nosso foco? Nós queríamos mostrar que estávamos fazendo um trabalho voltado para a qualidade do ensino e que nós não tínhamos interesse comercial. Por isso que nós terminamos, registramos dessa forma. E todo mundo concordava com isso.

Então, se é que unanimidade é burra, a nossa foi, né? [Risos] (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008).

Não percebia. O que a gente queria era fazer o nosso trabalho. Como eu disse pra você, a gente estava muito envolvida emocionalmente para dar tudo certo. Nós não tínhamos uma preocupação no sentido do ganho. O ganho nosso é se

os alunos de Mato Grosso ganhassem (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008).

Naquela época, o que nós pensávamos era só na colaboração, sabe? Que o nosso trabalho fosse reconhecido, mas que fosse revertido através da criança, principalmente da escola pública, que são as menos favorecidas. Então, era doar o nosso trabalho. A nossa questão era essa, nós fazíamos questão disto:

que todos tivessem acesso ao livro (Francisca MARQUES, entrevista em 24/04/2008). Lembro sim, mas tinha um motivo. Não sei te dizer qual era o motivo. Não sei se porque a Secretaria tinha, de certa forma, contribuído para editar isso aqui. Alguma coisa relacionada com isso. Mas eu não sei te dizer o quê, mas que

tinha, tinha (Lúcia Elvira Rigolin de ALMEIDA, entrevista em 11/07/2008). É, nós discutimos e vimos assim que foi uma produção coletiva. Pode ser que uma se empenhou, no sentido “eu estou trabalhando muito” e se considere que trabalhou mais que as outras. Isso aí é questão de cada um, porque é um processo, mas não vem ao caso. O que vem ao caso é esse espírito aberto de idealismo mesmo, despojado: olha, eu quero que o meu aluno, eu quero que

Page 51: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

51

essa criança voe, que seja águia [risos]. Acho que vejo por aí (Renete Almeida MACIEL, entrevista em 25/04/2008).

Movidas, inicialmente, por um ideal, as autoras foram absorvidas pelo mercado

livreiro. Suas falas são enraizadas no PNM, nas ações desencadeadas para o alcance

de seus objetivos, na preocupação, no envolvimento e no compromisso com a

educação. Nada havia de premeditado, visando uma publicação mais formal da

Cartilha Nossa Terra, Nossa Gente.

No entanto, isso não significa que não foram tomados alguns cuidados para

que cada exemplar do conjunto tivesse o aspecto de livro. Mesmo sabendo,

inicialmente, que esse material didático só circularia entre supervisores, professores e

alunos envolvidos no PNM, o suporte escolhido, dentro do que se considera uma

produção artesanal, possui características de livro:

Fig. 5: Cartilha Nossa Terra Nossa Gente. Fonte: Acervo do NUPED/UFMT

Fig. 6: Caderno de Exercícios. Fonte: Acervo do NUPED/UFMT

Fig. 7: Livro do professor. Fonte: Acervo do NUPED/UFMT

Page 52: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

52

O propósito deste trabalho é realizar uma análise do livro didático considerado

como objeto físico, ou seja, como produto fabricado e consumido por um determinado

público leitor. Nesse sentido cabe aqui uma breve descrição material do objeto em

questão.

A Cartilha Nossa Terra Nossa Gente29, que se apresenta mimeografada a tinta,

é retangular, para uso na horizontal, medindo 20 por 25 cm. e possuindo 52 páginas.

Não contém índice e as lições não são numeradas. A capa, colorida e em papel

cartão, contém o título no alto da página, em letras de imprensa maiúsculas, em cor

verde. Logo abaixo do título está escrita, em letra de imprensa minúscula, a palavra

cartilha. Há uma figura de um obelisco, próximo ao qual estão três crianças,

aparentemente, alegres: um menino negro e duas meninas, uma branca e uma índia.

A ilustração vale-se da cor marrom.

Na folha de rosto consta novamente o título e abaixo deste, numa única linha:

Cartiha__1ª Edição __1977. Essa página está numerada, sendo que o número 1 está

circulado.

O livro contém 52 páginas, sendo suas lições ilustradas com desenhos em

preto e branco.

Na página dois constam: dados do governo do Estado do Mato Grosso e da

Secretaria Estadual de Educação. O mérito do trabalho é atribuído à Coordenação e

Supervisão do Projeto Novas Metodologias, do estado de Mato Grosso, com

orientação pedagógica da professora Nívea Gordo, da Escola de Aplicação da USP. A

seguir são citadas as autoras: Rosa Maria Jorge Persona, Renete da Almeida Maciel,

Maria Antonieta Fernandes, Regina Lúcia de Borges Araújo, Lúcia Elvira Rigolin de

Almeida, Francisca Amélia Marques, Ana Maria Dias da Silva.

Da página três à página 51 são apresentadas as 25 lições, a partir de palavras-

chave, ilustradas em preto e branco.

Na última página encontra-se o mapa de Mato Grosso e a informação de que

“As Letras e Gravuras desta cartilha foram desenhadas por Sole Nascimento, e

Impressa (sic) na Mecanografia da SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO

ESTADO DE MATO GROSSO. Cuiabá - 1977”.

O Livro do Professor tem capa colorida em papel cartão rosa escuro Com as

informações em letra de imprensa preta: Nossa Terra Nossa Gente, Livro do

29

Parte dessa análise foi anteriormente publicada em CARDOSO, Cancionila e AMÂNCIO, Lazara Nanci de Barros. Circulação de cartilhas em Mato Grosso e o caso Ada e Edu. In: FRADE, Isabel e MACIEL, Francisca (orgs.) História da Alfabetização: produção, difusão e circulação de livros (MG/RS/ MT – Séc. XIX e XX. Belo Horizonte: Ceale/UFMG, 2006, p. 257-276.

Page 53: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

53

Professor. O miolo é composto de 49 páginas. Possui formato retangular, para uso na

vertical, medindo 20 cm. Por 25 cm. Na primeira página de pré-texto aparecem as

mesmas informações da capa acrescidas de que é a “1º. Edição” (sic). Na segunda

página aparecem os nomes do Governador e das autoridades da educação de Mato

Grosso. Na terceira página são citados o mérito do trabalho e o nome das autoras.

A partir daí o texto é numerado, apresentando nas páginas de 1 a 3, uma

Justificativa, que se inicia pela frase emblemática “Material de manuseio simples e

adaptado à nossa realidade”. A seguir são apresentados os Objetivos Gerais e

Operacionais.

Da página 3 à página 48 são apresentadas as lições numeradas, seguindo

sempre o mesmo esquema: objetivo, palavra-chave, informações sobre a língua

(sempre relacionadas às especificidades do que se vai ensinar), orientação

metodológica (o como fazer) e caderno de exercício (explica cada exercício do

caderno do aluno).

Na última página aparece uma sugestão de tempo em que o professor poderá

se deter em cada lição, que vai de 2 a 10 dias.

Igualmente, o Caderno de Atividades traz o título Nossa Terra, Nossa Gente,

na parte superior e a informação Caderno de Atividades, na parte inferior. É de forma

retangular, na posição vertical, medindo 27.5 cm por 19.5 cm. No meio da capa em

papel cartão branco se destaca um desenho patriótico, com riscos verdes e marrons,

de um adolescente batendo um tambor e, mais atrás, uma adolescente carregando a

bandeira de Mato Grosso, ambos sorridentes.

Na página 1 aparecem as seguintes informações: Nossa Terra Nossa Gente,

Caderno de Atividades, 1977 e 1ª. edição. Não aparecem a identificação da Secretaria

de Educação e o mérito do trabalho e tampouco o nome das autoras. Possui 54

páginas que contemplam atividades com desenhos, sendo que estes e as letras ora

aparecem em tinta preta, ora azul, ora verde. As atividades referem-se às lições que

aparecem numeradas e passíveis de serem preenchidas pelos alunos.

Essa produção, que fica a meio termo de uma edição, propriamente dita,

remete à idéia das relações entre o texto, sua materialidade e a construção de sentido

na leitura, discutidas por Chartier:

é preciso recordar vigorosamente que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que seja ele, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois tipos de dispositivos: os que decorrem do estabelecimento do texto, das estratégias de escrita, das intenções do ‘autor’; e os dispositivos que resultam da passagem a livro ou a impresso, produzidos pela decisão editorial ou pelo trabalho da oficina, tendo em vista os leitores ou leituras que podem não estar de modo nenhum em conformidade com os

pretendidos pelo autor (CHARTIER, 1990, p. 127).

Page 54: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

54

No caso de Nossa Terra, Nossa Gente, a passagem dos originais ao impresso

Ada e Edu traz consigo o paradoxo de afrontar/desconsiderar, com vistas a uma

circulação nacional, a sua principal razão de ser, a intenção primeira das autoras – a

adequação a uma determinada realidade regional. Essa passagem, ou seja, o estágio

de composição (Darnton, 1990, 114) e alguns de seus meandros serão focados a

seguir.

Page 55: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

55

5. Voo inesperado: Nossa Terra, Nossa Gente no Rio de Janeiro

Façam o que fizerem, os autores não escrevem livros. Os livros não são de modo algum escritos. São manufaturados por escribas e outros artesãos, por mecânicos e outros engenheiros, e por impressoras e outras máquinas (Stoddard, R.E. apud Chartier, 1990a, p.126).

Se, atualmente, o livro didático é questionado em alguns setores educacionais,

na década de 1970 seu status deixava poucas dúvidas em relação a sua capacidade

em promover uma organicidade à prática pedagógica. Em um arcabouço de

valorização, o livro didático era visto como instrumento essencial, como tecnologia a

serviço das ações educativas de sala de aula e, mesmo, para além dela. Em que

pesem freqüentes e históricas críticas aos métodos implementados por alguns livros

didáticos30 ou, ainda, aos conteúdos nele abordados, o certo é que, por um lado, é

justo ao final dessa década que começam a aparecer, com mais intensidade, textos

que condenariam o seu uso,31 acusando-o de ser um grande veículo ideológico, mas,

por outro lado, é apenas na década de 1980 que esse textos ganham maior circulação

e visibilidade entre os professores.

Entendido como uma importante peça do processo de ensino, o livro didático

“sofre várias influências de natureza legal, técnica, política e organizacional

decorrentes dos problemas gerais da educação e da escola” (Oliveira et al, 1984, p.

70). A década de 1970 foi fértil em mudanças, a partir da LDB 5.692 e outras medidas,

às quais o mercado editorial teve que se adaptar. Segundo Oliveira et al (1984, p. 70),

a política mais geral do Ministério de Educação e Cultura, com respeito a currículos e

programas de ensino, passava à época por grandes e contínuas mudanças,

apresentando diretrizes muito genéricas. Essas políticas centrais eram

complementadas por ações nos estados, por parte das Secretarias ou Conselhos de

Educação. Nesse sentido, “o critério para a edição de um texto é aproximá-lo das

30

Ver polêmica sobre cartilhas em MORTATTI (2000). 31

Na verdade, Fúlvia Rosemberg; Chirley Bazilli; Paulo Vinícius Baptista da Silva no texto Racismo em livros didáticos brasileiros e seu combate: uma revisão da literatura (Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 125-146, jan./jun. 2003), disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v29n1/a10v29n1.pdf (acesso em: 16/09/2008) apontam que “Os estudos sobre preconceito racial e livros didáticos e paradidáticos no Brasil iniciaram-se na década de 1950 com a pesquisa de Dante Moreira Leite (1950): ‘Preconceito racial e patriotismo em seis livros didáticos primários brasileiros’”. Os livros emblemáticos da década de 1980 são: NOSELLA, Maria de Lourdes Chagas Deiró. As belas mentiras: a ideologia subjacente nos livros didáticos. São Paulo: Moraes, 1981; FARIA, A. L. G. Ideologia no livro didático. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984; FREITAG, B. et al. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989.

Page 56: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

56

propostas curriculares dos estados. Mas elas são as mais deferentes. Não batem

umas com as outras. São totalmente aleatórias” (Scipione in Oliveira et al, 1984, p.

71). Essa situação, à primeira vista, conduziria a uma produção diversa de livros

adequados a cada estado, aos seus currículos e estratégias de ensino. No entanto, na

prática “o que os autores e editores fazem é buscar um mínimo denominador comum”

(op cit). Em muitos casos as editores oferecem mais de uma resposta: “Todas as

editoras têm dois tipos de coleções. Uma coleção que serve para o Estado de São

Paulo e uma que serve para o restante do Brasil” (Jiro Takahashi in Oliveira et al,

1984, p. 72).

Segundo esse raciocínio, a Bloch Editores identificou em Nossa Terra, Nossa

Gente esse mínimo denominador comum. Em sua avaliação acreditou ser um livro que

inspirasse certo grau de aceitação por parte de professores de algumas regiões. Para

isso, acionou seus dispositivos editoriais, independentemente de a produção ter sido

inspirada numa adequação regional específica.

Representações sobre regionalização

Em um contexto sócio cultural no qual a globalização hoje vigente, fortemente

amparada na criação e/ou socialização das novas tecnologias, era apenas um sonho,

as discussões sobre regionalização de currículos e materiais didáticos, numa linha

culturalista, se faziam muito presentes. Essa tendência aparece com forte influência na

equipe do PNM de Mato Grosso e, de acordo com o trabalho de Espósito (1985)32,

posteriormente, no ano de 1980 teve importantes desdobramentos no contexto do III

Plano Setorial de Educação e Cultura, materializados em uma política de

descentralização das decisões relativas às políticas setoriais, na qual se destaca a

elaboração de “currículos que possam significar a expressão viva do modo de vida

rural e a produção de material didático adequado às características culturais das

comunidades e regiões” (Espósito, 1985, p.23).

O principal discurso que sustentou a elaboração da cartilha Nossa Terra Nossa

Gente, depois Ada e Edu, foi o da sua adequação à realidade local. Em termos de

“representação” pode-se dizer que naquele contexto o discurso da regionalização

articulou “configurações intelectuais múltiplas”, por meio das quais, uma determinada

realidade foi construída, originando “práticas” que objetivavam o reconhecimento de

32

Ver Yara Lúcia Espósito. Cartilhas e materiais didáticos: critérios norteadores para uma política educacional, São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado, 1985.

Page 57: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

57

uma “identidade social” própria do grupo do PNM, que se consubstanciaram em

“formas institucionalizadas e objectivas” de marcar a existência desse grupo (Chartier,

1990a, p.23).

Passados 30 anos da produção de uma cartilha regional e da posterior decisão

em permitir sua edição e circulação em nível nacional, perguntei às autoras como elas

explicavam/percebiam esse aparente paradoxo. As respostas, ora reforçam, ora

negam as representações daquele momento, pois envolvem desde a contestação da

publicação até os interesses comerciais da editora, passando pela revisão de

conceitos (como o de regionalização e de adequação à realidade do aluno), pela

reafirmação da questão lingüística e pelo desejo de ver a cartilha usada em Mato

Grosso mais amplamente:

Não participei dessa fase. Apenas, do meu ponto de vista, mesmo que a cartilha não fosse regional não deveria ter sido alvo de distribuição nacional porque o trabalho foi feito especialmente para Mato Grosso. Nunca aceitei a

intromissão das editoras nos trabalhos das secretarias de educação (Nívia GORDO, depoimento em 12/06/2008).

(...) por mais que você fale que é regional é universal, não adianta né? [risos]. Você vê, aqui estão todas as palavras, aqui é universal. Então, eu acho que a gente foi muito assim, queríamos defender é uma coisa e para justificar a gente falava que era regional, mas é porque foi feita aqui. Não necessariamente o regional, as palavras, porque isso aqui é comum é nacional. Não tem essa de dizer regional, eu vejo mais assim, regional porque foi construída aqui e a gente se sentia assim muito satisfeita, muito lisonjeada, (...) E é um parto assim que é muito gratificante pra você, enquanto pessoa, e também para a própria Secretaria, o próprio Estado: olha, nós temos filhos que estão produzindo alguma coisa, tanto é que ficou muito retratado nos discursos

dos políticos, e eles enalteceram esse fato (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

Eu imagino que tenha a ver com essa questão que eu falei inicialmente. A editora tinha algumas publicações dela, e ela queria - na verdade, isso aqui pra mim está demonstrando, não sei se é real mais é uma teoria, vamos dizer que é uma tese minha. Ela tem essa amostra, um leque de opções para o Brasil. Agora tem uma coisa, a gente pensava, não sei se é ingenuidade, mas na época a gente pensava assim: bom, a nossa [cartilha] logicamente vai ser a preferência, vai ser o nosso pessoal aqui que vai querer, porque vai ter certeza que ela tem o nosso foco, que ela tem a nossa cara. Então, se aparece alguém aqui ou acolá que vai pegar, vai ser também por afinidade (...) Era mais ou menos assim que a gente pensava, talvez seja um pensar ingênuo, mas era por aí. Agora, eles [editora] era uma visão comercial mesmo (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008).

Porque a gente fez foi pesquisa mesmo, pesquisa de campo, porque naquela época nós não tínhamos os livros, ou pelo menos não era do nosso conhecimento, livros editados que nós pudéssemos tomar como base. Qual era o nosso vocabulário típico aqui pra que a gente usasse, nós não queríamos usar vocabulário que não fosse do conhecimento também das pessoas que chegassem aqui, porque o objetivo não era fazer uma cartilha regional pelo regional, entendeu? Não era assim, porque tem palavras típicas nossas daqui que outras pessoas de outras regiões nunca nem ouviram falar e nem vão falar

Page 58: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

58

dessa forma. Então nós fizemos a pesquisa, também a Nívea foi a orientadora no projeto de pesquisa. E ai conciliar os resultados das palavras que a gente achou com as questões da lingüística foi difícil (...) naquele momento foi natural pra nós, sabe porque? porque ela foi crescendo. Não foi um negócio, o objetivo não era publicar em nível nacional pra dar o ibope, não. O nosso propósito era uma publicação pra poder concorrer com as outras cartilhas que o MEC distribuía gratuitamente. Então nós precisávamos ter um padrão porque se não as nossas não seriam selecionadas (...) o nosso objetivo era estar nesse padrão pra vir pra Mato Grosso. Na medida em que o trabalho foi ficando pronto, as outras unidades federadas e as pessoas, conhecendo o trabalho de Mato Grosso, eles resolveram também adotar a nossa. E a gente sentiu isso na medida em que participava dos eventos em Brasília, mas não como se fosse alguma coisa grandiosa, pra nós era grandiosa no sentido que a gente produziu, mas nós, acho que a gente não imaginava, até porque a gente levou muito susto depois quando falavam assim: então o estado está usando! Sabe, então era muito susto cada vez que a gente descobria que tinha o Estado

usando (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008).

Sim, no começo foi, mas por isso que eu falei, que essa daqui [aponta para Ada e Edu] já não tem tantas características. Ela foi ampliada, justamente porque depois nós pensamos: nós não podemos ficar presos só em coisas nossas, coisas da terra, o aluno também precisa ampliar os seus horizontes, o conhecimento. Eu me lembro que nós depois, pra fazermos a Ada e Edu, porque ela não ficou só nas coisas nossas, justamente por isso, primeiro porque o aluno não pode ter um conhecimento restrito, só daquele meio ambiente, só de estar próximo, ele tem que ir ampliando o conhecimento. E também pensando na situação maior, pra ela não ficar em uma regionalização

apenas (Francisca MARQUES, entrevista em 24/04/2008).

(...) é por interesse comercial. Ela editou porque queria vender, né? Nem sei se ela foi usada em outros lugares, que não aqui (...) se ela foi usada em outro estado que não seja Mato Grosso (...) mas que era interesse da Bloch era.

Claro, pois se ela editou, porque não? (Lúcia Elvira Rigolin de ALMEIDA, entrevista em 11/07/2008).

Do ponto de vista teórico, o que se debate aqui é a idéia da existência de

diferentes universos culturais e da escolha de um desses universos para se

alfabetizar. Se, por um lado, “partir da realidade do aluno” é um preceito caro à

pedagogia, por outro, adequar todo o ensino em função dessa realidade não permitiria

a “entrada” dos alunos em novos universos culturais. Um ensino que tenha por

objetivo a ampliação do conhecimento mostrará diferentes modos de ver o mundo,

diferentes linguagens, diferentes formas de se relacionar com a vida.

Assim, as reflexões evidenciam, entre outras coisas, que a presença de um

vocabulário conhecido dos alunos pode ser defendida como um elemento favorável à

alfabetização, no entanto isso se configura insuficiente para garantir a aprendizagem

da leitura e da escrita: é necessário ampliar os horizontes, ampliar o conhecimento,

como sugere a autora Francisca Marques.

Page 59: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

59

Ora, um livro texto, por mais simples que seja, é composto por algumas

centenas de palavras, que são correntes para todos os falantes da língua na qual foi

escrito. O fato de algumas palavras-chave serem mais locais (ex. pacu, piqui, arco,

zebu, índio, flecha), parece não configurar a cartilha Nossa Terra, Nossa Gente como

essencialmente regional, já que outras tantas são de uso generalizado em todas as

regiões do país (ex. Ada, Edu, caju, bola, rato, faca, macaco, veado, sapo, gato,

galinha, cachorro, passarinho, navio, peru, coelho, casa, avião, romã, palmeira,

cigarra, gema, cobra lâmpada, aquário, goiaba, foguete, cruz, hélice, cupim). Esse

fato, aliado ao segundo eixo de preocupação das autoras, qual seja, a necessária

gradação na apresentação das dificuldades da língua, contribuiu para que os

avaliadores da Bloch Editores percebessem na cartilha mato-grossense possibilidades

de circulação nacional.

Intermediários

Nas conversas com as autoras, gradativamente, foram aparecendo os nomes

de Arnaldo Niskier, representante da Bloch Editores, e de Maria da Conceição de

Paula e Silva, técnica da Secretaria de Educação, como sendo os intermediários da

edição de Ada e Edu. Essas pessoas ocupavam lugares-chave na circulação de livros

didáticos. Niskier, então Diretor da Bloch Educação, fazia visitas à Secretaria Estadual,

divulgando o catálogo de publicações da editora, adotadas pelo Programa Nacional do

Livro Didático e/ou alimentando um processo de escolha anterior, como o caso da

Cartilha Davi, meu amiguinho, de Eunice Alves, que teve vasta circulação em terras

mato-grossenses. Conceição era Coordenadora local do PLIDEF, recebendo os

representantes das editoras, mediando a escolha dos livros didáticos, fazendo os

pedidos, acolhendo e distribuindo as obras às escolas.

Em resposta a minha tentativa de conhecer como a Bloch Editores ficou

sabendo da existência de Nossa Terra, Nossa Gente e se interessou em publicá-la, as

autoras rememoraram:

Por causa do PLIDEF, porque eles vinham muito aqui. O PLIDEF era o programa do livro didático, e através da Conceição, que era a coordenadora do PLIDEF, e falou da cartilha. Na época eles vinham visitar, para saber como que estava o livro e tal. O Arnaldo esteve aqui em Cuiabá e viu a cartilha, e quando ele viu, falou assim: vamos publicar, entendeu? Então foi o Arnaldo Niskier que

levou, mas foi através do PLIDEF (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

Page 60: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

60

Foi por intermédio de Conceição de Paula. Porque ela fazia as articulações com as editoras. Na verdade o convite veio de lá pra cá, mas por intermédio de

Conceição. O convite veio por parte de Arnaldo Niskier da Bloch (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008).

Eu diria pra você que através da Maria Conceição de Paula, porque toda a vida ela trabalhou na parte de livros didáticos. Maria Conceição de Paula. Ela dizia: olha tem que passar pra ter esse livro selecionado, ai você leva pra lá e eles vão avaliar e encaminhar pra nós. E passava pelas mãos dela, todo esse trâmite, a seleção, que na época tinha isso, né. Porque na verdade era dentro do departamento que ela trabalhava Todo o trâmite ela encaminhou, ela falava pra nós: olha, tem que encaminhar pra lá, o prazo é esse, dava prazo. A seleção, eles mandaram a resposta (...). Quem lutou para isso foi essa Conceição. Ela falou: tem que circular. Porque nossa verba era restrita para aquele período, o período do projeto. Esse projeto teve um tempo e aí ela falou: olha acaba esse tempo essa cartilha vai ficar [esquecida], certo? Essa cartilha, nós vamos ficar sem ponte. Ela teve muita visão. (...) O contato da Bloch foi com Arnaldo Niskier. A Conceição deve ter mandado. O nosso

contato lá foi diretamente com ele (Renete Almeida MACIEL, entrevista em 25/04/2008).

Desse modo, fica explícito que as autoras não tiveram um papel central na

decisão de publicação, até porque, não tinham isso como um objetivo a atingir. A idéia

da publicação aparece como uma agradável surpresa, um prêmio ou uma conquista.

Parece caber mais a Conceição de Paula, dado o seu métier no PLIDEF local,

a antevisão de que se o texto permanecesse publicado pela mecanografia da SEDUC,

ou seja, datilografado e reproduzido por stencil à tinta, e apenas vinculado ao PNM,

com o fim desse projeto, teria também decretado o seu fim.

Conceição de Paula recorda que

O secretário pediu pra mim, que levasse a uma editora. A única que eu achei que podia ser mais assim, que eu conhecia mais, que tinha amizade, que era mais conhecido da gente, era o Dr. Arnaldo. Ele gostava muito da gente, todas as editoras gostavam da gente, por causa da seriedade do nosso trabalho. O secretário sugeriu para eu apresentar, mas não deu o nome da editora. O Dr.

Arnaldo era mais amigo da gente (Maria Conceição de Paula da SILVA, entrevista em 25/08/2008).

Por outro lado, Arnaldo Niskier diz:

Lembro que fui o autor da idéia de buscar trabalhos originais em outros Estados, para diversificar a produção da Bloch Educação. Soubemos da cartilha de autores de Mato Grosso. Quem fez o contato, se não me falha a memória, foi a falecida Professora Eunice Alves, ela mesma autora de uma

vitoriosa cartilha: “Davi, meu amiguinho” (Arnaldo NISKIER, correspondência de 30/03/2005).

Como se vê, esses atores desempenharam papéis de agentes culturais,

intermediários que foram entre uma produção local e as demandas do mercado de

livros didáticos. Estavam inseridos em uma ampla rede de produtores e consumidores

da literatura didática, tomando decisões pertinentes às demandas dessa rede.

Page 61: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

61

Assim, a surpresa de ver, inesperadamente, Nossa terra, Nossa Gente no Rio

de Janeiro, nos é explicada por Darnton quando sugere que “os livros não respeitam

limites, sejam lingüísticos ou nacionais”. Inserindo-os num circuito de comunicação,

podemos “mostrar que os livros não se limitam a relatar a história: eles a fazem”

(Darnton, 1990, p. 130/1).

Edição do conjunto Ada e Edu: elementos de sua transformação

Analisando a atividade editorial dos estados no século XX, Hallewell (1985,

p.515) destaca que o Brasil “partilha com a Espanha da peculiaridade de possuir dois

centros principais, de importância praticamente igual”: São Paulo e Rio de Janeiro. O

primeiro seria a cidade dos livros didáticos e o segundo, a cidade da literatura. Juntos

respondiam pela maioria da produção editorial do Brasil. Para exemplificar essa

situação, o autor cita dados de 1979: 97,7% dos títulos e 97,9% dos exemplares

saíram dos dois estados.

Já Mato Grosso ocupa um dos últimos lugares na escala, sendo o último

estado do Centro-Oeste e ficando à frente apenas do Amazonas e de Alagoas. Entre

1976 e 1978 a produção desse Estado é ínfima se comparada com os dois grandes

centros:

Quadro 3: Produção de Livros por Estado: MT, RJ e SP (1976-1978)

Estado Títulos Exemplares (milhares)

1976 1977 1978 1976 1977 1978

Mato Grosso

7 14 11 8 18 64

Rio de Janeiro

5.292 5.292 5.293 56.559 54.294 56.757

São Paulo

3.608 4.495 5.019 62.954 94.199 113.997

Fonte: Adaptado pela autora a partir de Hallewell, 1985, p.524

A concentração de produção e consumo na parte sul do Brasil, segundo

Hallewel, tem uma longa história, atravessada por vários fatores: econômicos (grande

participação no produto nacional bruto, renda média per capita acima da média

nacional); taxa de alfabetização (85% na cidade do Rio, em 1970, contra 40% nas

áreas rurais do Nordeste); idade média da população (37,5% de paulistanos com

Page 62: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

62

menos de 20 anos de idade, em 1960, contra 55% de nordestinos); proporção de

habitantes residindo em zona urbana; relação entre classes alta, média e o resto da

população; densidade populacional dez vezes mais alta que a média nacional; menor

distância dos centros editoriais; maior parte das bibliotecas (de 2.542, em 1970, o sul

possuía 2.455). Com esse quadro fica fácil de entender a frase de Moreira Campos:

“Livro publicado na província é pedra no poço” (apud Hallewell, 1985, p. 515). Sem

tradição no mercado editorial, Mato Grosso cedia parte de sua pequena produção para

ser editada nos grandes centros.

Evidentemente, as condições favoráveis acima elencadas se articulam com as

políticas públicas de livro, desencadeadas pelo MEC e, conseqüentes estratégias de

um mercado editorial em expansão, desenvolvidas por parte das editoras, visando um

incremento na produção e distribuição de livros.

Dentre essas estratégias, que têm “a ver com a tendência das grandes editoras

em dominar os mercados através do lançamento de um grande número de títulos”

(Oliveira et al,1984, p.75), se destacam diferentes formas de recrutamento de autores,

tais como:

No passado, o escritor entregava os manuscritos ao editor e este providenciava a impressão e a distribuição do livro às livrarias. Presentemente, há editoras que contratam escritores ou grupos de escritores para a elaboração de um livro específico, fornecessem assessores e pessoal auxiliar aos autores durante a elaboração da obra e, em alguns casos, o texto acaba sendo totalmente reescrito, de acordo com padrões de inteligibilidade, extensão e organização

dos capítulos, associação texto-ilustração, etc (PFOMM NETO et al, 1974, p.228). Por exemplo, um professor que é líder no seu bairro. O divulgador da editora chega e pergunta se ele não quer escrever um livro. Ele estimula o “cara” a escrever. O divulgador procura também localizar edições regionais

mimeografadas (Jiro Takahashi, apud OLIVEIRA et al,1984, p.75).

Na qualidade de divulgador e captador de obras, o diretor da Bloch Editores

explica o interesse pela cartilha mato-grossense:

O que havia de original nesse trabalho era o uso da linguagem corrente em Mato Grosso. As cartilhas, em geral, utilizavam termos de São Paulo, onde se situava a maioria das editoras poderosas. Foi para tentar quebrar isso que tivemos a idéia de buscar outros originais. A qualidade de “Ada e Edu” foi considerada de primeira ordem, pelos nossos pedagogos, daí sua impressão

por parte da Bloch Editores (Arnaldo NISKIER, correspondência de 30/03/2005).

A visão empresarial do editor, que vê possibilidades de enfrentamento em

relação às editoras mais fortes, ampliando seus negócios por intermédio da nova obra,

evidencia como o “primo-pobre da literatura” se transforma em “primo-rico para as

editoras: (...) a vendabilidade do didático é certa, conta com o apoio do sistema de

ensino e o abrigo do estado, é aceita por pais e educadores. Editor nenhum o ignora,

Page 63: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

63

embora nem sempre o tenha ao seu alcance” (Lajolo e Zilberman, 1998, p. 120). Essa

visão é muito diferente da perspectiva de uma das autoras:

Já virou, foi rapidinho e até, pra falar a verdade, eu, particularmente, tinha um certo receio porque o livro que nós adotávamos, um deles, era o Davi, Meu Amiginho, que era editado pela Bloch e eu temia que eles não gostassem, porque seria uma concorrência pra eles, o nosso né? No entanto, eles foram muito mais espertos do que eu imaginava, porque eles chamaram a gente pro

lado deles [Risos] (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008).

Comparando-se os conjuntos Nossa Terra Nossa Gente e Ada e Edu percebe-

se que a publicação da Bloch Editores, além do título, altera o formato, o design e a

qualidade do papel dos livros. O novo título é retirado da primeira lição, cujas palavras-

chave são Ada e Edu. Simbolicamente, deixa-se de aludir a aspectos particulares (a

terra e a gente de Mato Grosso) para se oferecer ao leitor histórias de duas crianças

comuns, que poderiam viver em qualquer lugar do Brasil. Do apelo étnico da versão

original, passa-se para a apresentação de crianças brancas, aparentemente, de classe

média.

Fig.8. Cartilha Ada e Edu, 1ª. Edição, 1978. Fonte: Acervo do NUPED

A cartilha, em sua 1ª edição, possui capa e miolo confeccionados em quatro

cores, medindo 21 cm por 27,8cm, apresentando 62 páginas. Na capa, de fundo

vermelho vivo e fosco, se sobressai uma moldura quadrada de fundo branco na qual

estão uma menina e um menino de mão dadas e sorridentes. A menina segura com a

mão direita dois balões, sendo um amarelo e o outro azul, nos quais estão escritas em

grossas letras as palavras Ada e Edu formando o título da obra. Acima dos balões, em

letras maiúsculas de menor tamanho aparece o subtítulo PARA CLASSES DE

ALFABETIZAÇÃO. Ada tem olhos pretos e cabelos castanhos em forma de maria-

chiquinha de laços vermelhos, Veste um vestido/jardineira vermelho com bolso central

branco adornado por uma florzinha e, por baixo do vestido uma blusa azul com

detalhes de cor branca nas golas e na manga. Os sapatos são azuis acompanhados

de meias brancas, modelo três quartos. Edu, um pouco maior que Ada, tem cabelo

loiro e olhos pretos. Veste camisa verde com detalhes brancos, cinto preto com fivela

amarela e calça marrom. Os sapatos são pretos. O piso sugere ser um jardim com

Page 64: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

64

duas flores, uma ao lado de cada criança. Logo abaixo dos pés aparece a logomarca

da Bloch Educação. No lado direito, na vertical, aparece a assinatura de Cambraia,

responsável pela arte. A quarta capa é toda vermelha com a mesma logomarca ao

centro.

No miolo são usadas as mesmas cores que aparecem na capa (azul, amarelo,

vermelho, verde, marrom), sendo que o azul claro predomina, aparecendo como fundo

e/ou como moldura em todas as páginas. Comparativamente à produção original, a

cartilha altera, ainda, aspectos de algumas lições e introduz lições de Revisão (após a

4ª., 7ª., 10ª., 14ª., 19ª., e 22ª. lições), que contemplam as vogais, as famílias

estudadas, palavras com as famílias estudadas e “textos”33, que vão se tornando mais

longos. Pequenas alterações nas lições, como por ex. troca de ordem de

apresentação da palavra-chave galinha (da 9ª. lição de Nossa Terra, Nossa Gente

para a 11ª. lição em Ada e Edu); a introdução da palavra cana na 9ª. Lição de Ada e

Edu; supressão da palavra navio na 11ª. Lição de Nossa Terra, Nossa Gente;

substituição de uma palavra no texto da 9ª. lição: Eta, cachorro safado! por Eta,

cachorro levado! Excetuando-se as 6 lições de revisão que foram acrescentadas, Ada

e Edu aparece com 25 lições, pois a 26ª. que aparecia em Nossa Terra, Nossa Gente

foi suprimida. Esta apresentava uma ilustração da ponte sobre o Rio Cuiabá e um

texto com informações sobre a capital. Obviamente foi retirado da cartilha esse

aspecto muito regional, já que a intenção da editora era a de fazê-la circular em outros

estados do país.

Fig.9: Ada e Edu - Caderno de Atividades. Fonte: Acervo do NUPED/UFMT

O Caderno de Atividades possui as mesmas dimensões da cartilha sendo, no

entanto, bem mais simples. A capa em papel cartão, de fundo azul claro, reproduz a

mesma ilustração já descrita, agora em preto e branco, acrescentando abaixo do título

33

Do ponto de vista das modernas teorias discursivas, esses “textos” se apresentam predominantemente como pseudotextos, cuja finalidade básica é enfatizar fonemas e/ou sílabas. Em decorrência dessa "opção" metodológica, as atividades de produção/apreensão de significados através da leitura e da escrita acabam por ser secundarizadas.

Page 65: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

65

a informação Caderno de Atividades. O miolo contém 72 páginas de papel jornal,

apresentando exercícios para as 25 lições, com ilustrações em preto e branco. O

toque de cor é dado pela moldura em azul claro existente em todas as páginas e,

ainda, no número de cada lição, que aparece em um cilindro dessa cor.

Fig.10: Ada e Edu - Livro do Professor. Fonte: Acervo do NUPED/UFMT

O Livro do professor, igualmente, possui as mesmas dimensões e ilustração na

capa. Esta é em papel cartão mais fino que as anteriores, sendo cinza a sua moldura e

contém, ao pé da página e em diagonal, a informação Livro do Professor. Possui 32

páginas, feitas em papel jornal. A justificativa do original foi substituída por uma

apresentação, na qual se repete o discurso sobre a cartilha ser um “instrumento

efetivo de trabalho, que assegura a alfabetização com economia de tempo, de

esforços, e de gastos financeiros”. Nas páginas 5 e 6 aparecem os “Passos básicos

para a apresentação e fixação de trabalhas”, que resumem o método utilizado. A partir

da p. 7 são apresentadas as orientações para se trabalhar cada lição, seguindo

sempre essa ordem: objetivos, palavra-chave, orientação metodológica e caderno de

exercícios. Comparativamente ao original, desaparece o item “Informações sobre a

língua”.

Revestida de cores fortes, apresentando uma cuidadosa editoração, em papel

de boa qualidade e com a chancela da Bloch Editores e de seus profissionais de arte e

diagramação, Nossa Terra Nossa Gente se transforma em Ada e Edu e percorre,

inicialmente, o trajeto Cuiabá - Rio de Janeiro. Depois de editada e impressa a cartilha

Ada e Edu faz a viagem de volta para Mato Grosso, sendo aqui bastante utilizada. Um

dos objetivos dessa pesquisa era perseguir outras prováveis viagens pelo território

nacional, que permanecem obscuras34.

O processo de transformação da cartilha é assim sintetizado pelas autoras:

Teve, claro que sempre tem algumas dificuldades, essas dificuldades burocráticas, mas eu não me lembro, não posso te dizer assim se houve

34

Parte dessa descrição foi anteriormente publicada em Cardoso, Cancionila e Amâncio, Lázara Nanci (2006) op cit.

Page 66: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

66

empecilhos. É claro que, imagine, sair daqui e chegar, naquela época, chegar ao Rio de Janeiro para editar um material desses... Foi uma luta, não foi fácil também (...). Em termos de conteúdo não mudou muito, porque o objetivo meu com ela era pra ela não mudar. Nós não queríamos que mudasse nada, não alterasse nada do conteúdo que estava aí. Foi só alguns errinhos, algumas coisinhas bem insignificantes, não passou disso. Em termos de negociação,

por exemplo, de repasse, de recurso a Conceição que tomou conta (Renete Almeida MACIEL, entrevista em 25/04/2008). Eu acho que mudou a aparência do livro que ficou mais pra criança, ficou mais motivado para o professor também, mais em termos assim de organização, porque estava tudo muito miudinho. Não tinha revisão, então a gente já foi achando essa necessidade de fazer essa ampliação, melhorar algumas coisas (...) a idéia da revisão foi uma coisa nossa não foi da editora (...) Também porque quem foi pra lá foi a Renete. Eu estava com o meu marido doente em São Paulo e não pude ir na Bloch. Então, por exemplo, a retirada disso daqui [a lição sobre a ponte do Rio Coxipó] eles convenceram a Renete. Se tivesse sido eu, eu ia bater duro e não ia deixar tirar (...) eu não ia deixar tirar (...) isso daqui ficou muito legal, eu acho que foi uma pena não ter colocado, mas quem

está mais a par disso daqui é a Renete (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

Não me lembro, sinceramente. Eu me lembro assim que depois que a gente aplicou ela aqui, a gente foi anotando algumas coisinhas que a gente não gostou e já foi corrigindo. Isso eu me lembro muito bem sabe (...) A Bloch propôs muito pouco. Ela propôs, até onde eu me lembro, ela propôs alteração mais na gravura, na ilustração, na distribuição, principalmente no do professor (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008).

Aí o que essas crianças faziam com essas cartilhas?[Nossa Terra, Nossa Gente] Elas pintavam. A professora levava o piqui pra dentro da sala de aula, conversava, mostrava (...). Aqui ainda tem alterações de conteúdo [Ada e Edu]. Aqui foi uma questão de uma produção necessária para aquele momento que a gente nunca imaginava que chegava a isso aqui. Na medida em que a gente avançou e foi vendo resultado deste trabalho, viu que precisava melhorar algumas coisas (...) a gente viu a necessidade de nós estarmos aperfeiçoando, de acordo com que nós vínhamos aprendendo das leituras e não só do material

produzido pelos alunos e professores em sala (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008). O colorido nem se compara (...) em termos de conteúdo, as coisas estavam mais elaboradas, até pela própria experiência nossa, nós enriquecemos. Você pode ver o tamanho dessa daqui, nós enriquecemos mais essa cartilha e ela não ficou assim, exclusivamente, só nas palavras regionais, se não me engano

ela já foi pouco além, eu acho que foi (Francisca MARQUES, entrevista em 24/04/2008).

No seu estágio de impressão, o Contrato de Edição foi celebrado entre a Bloch

Editores S.A e as autoras no mês de janeiro de 1978 e é composto por doze artigos,

mais parágrafos e observações (sic), no qual a editora fica com a “parte do leão”. Nos

quatro artigos prevê:

1º.) A EDITORA lançará a obra das Autoras intitulada Ada e Edu, alfabetização, composta de livro texto, livro do professor e caderno de atividades, com exclusividade no idioma português, com a tiragem ilimitada mas nunca inferior a 5.000 (cinco mil) exemplares.

Page 67: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

67

O presente contrato abrange o Brasil, Portugal e todos os territórios onde se fala a língua portuguesa.

2º.) Fica assegurado à EDITORA o direito de deliberar sobre as características técnicas da edição, assim como a respeito da qualidade do papel, dos tipos de impressão, encadernação, capa, preço de venda e demais detalhes.

3º ) Ficará a cargo exclusivo da EDITORA a distribuição e promoção da obra.

4º.) A título de direitos autorais, a EDITORA pagará às autoras a importância equivalente a 10% (dez por cento) do preço da capa dos

exemplares vendidos (BLOCH EDITORES, Contrato de Edição, 1978). Um olhar atento para o lapso de tempo ocorrido entre a produção de Nossa

Terra, Nossa Gente – decisão tomada no final do ano de 1976 -, sua “aplicação” por

um ano no PNM, a difusão para a Bloch Editores e o conseqüente interesse em

publicá-la, a transformação em Ada e Edu e, finalmente, a edição do conjunto – em

1978 – evidencia um processo bastante acelerado.

Cerimônia de lançamento

No dia 05 de abril de 1978, no Palácio Paiaguás, em Cuiabá, ocorreu a

cerimônia de lançamento de Ada e Edu, noticiada no dia seguinte pelo jornal O Estado

de Mato Grosso com a manchete “Mato Grosso já contribui para a literatura didática”,

pelo Diário de Cuiabá com a manchete “‘Ada e Edu’ lançada em Cuiabá” e, ainda,

registrada no Diário Oficial do estado – “Cartilha para escola primária teve lançamento

ontem no Paiaguás”:

O jornal O Estado de Mato Grosso assim registrou a cerimônia:

O lançamento da Cartilha Ada e Edu, realizado ontem em cerimônia iniciada às 11:30 horas, no auditório do Palácio Paiaguás, contou com a presença do governador Garcia Neto, secretário Louremberg Nunes Rocha, de Educação e outras autoridades que comporam (sic) a mesa de honra, além de estudantes e professores.

Esta é a segunda vez que Mato Grosso contribui com literatura didática para o Brasil. Em outra oportunidade, professores do Estado foram responsáveis pela elaboração de um livro cujo emprego foi feito em muitas escolas do País. A Cartilha Ada e Edu, destinada aos iniciantes da escola primária, também será distribuída em âmbito nacional.

A objetividade é que faz da primeira escola, a escola por excelência, disse a co-autora da cartilha, Rosa Persona. Parafraseando Agnelo Correa Viana, evidenciou a importância da escola primária hoje, de primeiro grau. “Nela quem não sabe ler, fica sabendo. Quem não sabia escrever, escrevendo fica”. A professora foi a primeira oradora da cerimônia.

A confecção da cartilha, que atende plenamente as inspirações regionais foi concretizada após o teste de várias outras obras que definitivamente não coadunavam com as realidades de determinadas regiões

Page 68: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

68

do País. A Cartilha Ada e Edu atende plenamente aos requisitos da língua

regional, disse a professora (JORNAL O ESTADO DE MATO GROSSO, 06 DE ABRIL DE 1978, p.1).

Na seqüência falaram, ainda, o Secretário de Educação e o governador do

estado, ambos enaltecendo o esforço do governo relacionado à educação.

A notícia sobre o lançamento também apareceu na Revista Educação em

Mato Grosso, um periódico editado pela Secretaria de Educação35, na seção Informes:

“ADA e EDU uma cartilha Mato-Grossense” O grupo que desenvolve o Projeto Novas Metodologias do Ensino,

integrado à Divisão de 1º Grau do Departamento de Educação, vem atuando há dois anos, a título de testagem de métodos e técnicas de ensino, junto às escolas da rede oficial. Dessa testagem, foi constatada a necessidade de atendimento especial à alfabetização, no sentido de reduzir o índice de reprovação e de, conseqüentemente, assegurar condições para corrigir a distorção série/ idade, verificada, principalmente, nas primeiras e segundas séries.

Buscando soluções para o problema, o Projeto Novas Metodologias tomou as seguintes providências:

elaboração de uma cartilha de fácil utilização pelo professor;

elaboração de um manual de orientação, que auxilie o trabalho do professor;

definição de forma clara e precisa do conteúdo mínimo a ser atingido pelos alunos de primeiras séries;

realização de cursos de treinamento aos professores de primeira série, a fim de torná-los aptos à utilização da cartilha;

elaboração de um currículo compacto, com indicação de conteúdos mínimos, visando acelerar a aprendizagem de alunos inclusos na faixa de distorção série/ idade;

elaboração de um plano de aplicação desse currículo;

proposição de um plano de articulação para atuação conjunta das equipes de Currículo, Supervisão e Projeto Novas Metodologias do Ensino.

Os trabalhos foram desenvolvidos e a Cartilha Ada e Edu está pronta.

Complementada pelo livro do professor e o Caderno de Atividades, seu lançamento ocorreu no início de abril, com a presença de Arnaldo Niskier,

Diretor de Bloch Editores S.A. (Revista Educação em Mato Grosso. Março/abril de 1978, nº 2, p. 3).

Por seu turno, a Bloch em seu jornal Bloch Educação, de outubro de 1978,

também dá destaque à mesma cerimônia, divulgando o lançamento em nível nacional.

Comentando essa data festiva, Rosa Persona lembra que todas as

autoras compareceram à cerimônia, mas que apenas ela foi chamada para compor a

mesa:

Então, estavam todas lá, mas à mesa só fui eu. Eles não chamaram, o que eu achei que foi uma falha, mas tinha que estar pelo menos uma, pois não cabia todas lá em cima então punha atrás, as autoras né? Mas enfim, era um

35

Maiores informações em SILVA, Marijâne Silveira da. Revista Educação em Mato Grosso (1978-1986): contribuição para a compreensão da imprensa pedagógica do estado. Dissertação de Mestrado: UFMT, 2008.

Page 69: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

69

cerimonial que você não tinha acesso. É diferente de hoje que quando você vai lançar um livro você tem um certo acesso de falar e de sugerir, antigamente

não. Também foi no Palácio. Foi o exército e tudo! (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

A não ser no lançamento, mas aí o povo achou assim o máximo, talvez não tanto pela Ada e Edu como por Arnaldo Niskier, que vinha pra Mato Grosso. Sentou-se junto à mesa. Estávamos todas lá (...). As professoras do PNM ajudaram a construir o livro, sentiram-se co-participantes. Elas estavam loucas pra ver, sabe. Participaram de todo o processo, foram pro palácio para o

lançamento (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, entrevista em 24/04/2008).

Lúcia Elvira Rigolin de Almeida narra um almoço que as autoras tiveram, junto

com Arnaldo Niskier, no Restaurante Flutuante, famoso na época na cidade de

Cuiabá. Não se lembra se foi para comemorar o contrato de edição de Ada e Edu pela

Bloch ou se foi após o lançamento da obra (provavelmente a segunda opção é mais

correta). A autora relata como se sentiu importante em compartilhar aquele almoço

com o editor e autor de livros Niskier, lembrando que em seu curso de formação havia

uma professora que mencionava, reiteradamente, os seus escritos.

Page 70: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

70

6. A difusão de Ada e Edu

Discursos e ações em torno do “baluarte para o professor ministrar melhor

suas aulas”

Professor Este livro foi organizado especialmente para ajudar você na sua tarefa de

ensinar a ler e a escrever. Não estamos oferecendo nenhum método inédito, mas acreditamos que

este seja um material eficaz por ser de manuseio simples, adaptado à nossa realidade.

Esforçamo-nos para apresentar-lhe um instrumento efetivo de trabalho que assegura a alfabetização com economia de tempo, de esforços, e de gastos financeiros (PERSONA et. al., 1981).

Discutindo as transformações na análise de conteúdo dos livros didáticos,

Choppin (2004, p.559) aponta que os historiadores deste gênero de livro têm resistido

a acatar uma análise “pedagógica” do livro, temendo que este acabe subsumido em

meio a uma extensa discussão sobre método de ensino a que aquela inevitavelmente

levaria. Pondera o autor, que

apenas os prefácios foram considerados dignos de interesse, na medida em que, nos limites de uma exposição sucinta, elaborada e refletida, tais prefácios permitem discernir os projetos conscientes — confessados, ou confessáveis — dos autores e medir a clivagem entre os princípios alegados e a aplicação que deles é feita no livro. No entanto, outros elementos, até mais reveladores das intenções ideológicas ou pedagógicas dos autores, como as notas de rodapé, os resumos, a formulação dos títulos e subtítulos dos capítulos, os sumários, o léxico, os índex ou, simplesmente, o próprio título dos

livros mereceriam ser estudados com mais cuidado (CHOPPIN, 2005, 559).

Assim, dos prefácios, apresentações ou cartas ao professor é possível se

depreender o discurso sobre o método adotado, concepções de ensino, aprendizagem

e criança, visões de mundo e de sociedade.

Nessa mesma direção em busca de significados, Chartier (1990) lembra que as

formas (materiais) de um escrito determinam a sua compreensão. Podemos

acrescentar dizendo que as formas mediacionais de leitura, igualmente, criam

sentidos. O esforço realizado pela equipe do PNM em divulgar a cartilha, evidenciar a

sua organização e preparar os professores para o seu uso, se configurou como formas

de mediação e criou sentidos de leitura e sentidos de alfabetização.

Page 71: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

71

Ada e Edu – Livro do Professor - traz na sua página três, antes da apresentação

da estrutura da Cartilha, a seguinte mensagem, (parte) já apontada na epígrafe deste

texto:

Professor Este livro foi organizado especialmente para ajudar você na sua tarefa de ensinar a

ler e a escrever. Não estamos oferecendo nenhum método inédito, mas acreditamos que este seja

um material eficaz por ser de manuseio simples, adaptado à nossa realidade. Esforçamo-nos para apresentar-lhe um instrumento efetivo de trabalho que

assegura a alfabetização com economia de tempo, de esforços, e de gastos financeiros.

“Ada e Edu” compõe-se de 26 lições que contêm 42 palavras-chave dispostas numa seqüência gradativa de dificuldades, e seis lições com a revisão das palavras novas. Cada palavra é desdobrada em sílabas-chave que, por sua vez, são estudadas em todas as combinações fonêmicas. Em seguida, estas sílabas são empregadas para a formação de palavras novas e estas palavras, para a formação de frases (PERSONA et. al. ADA e EDU, Livro do professor, 1981, p. 3).

Nessa mesma linha de diálogo com o leitor/professor, de apresentação da

obra, de divulgação de suas qualidades, as autoras tomaram outra providência. Em

ofício de 29 de agosto de 1979 (SEDUC/Of.SEC/DE/DEIG/PNM/17/79) dirigem-se ao

Secretário de Educação, Des. Milton Armando Pompeu de Barros, esclarecendo

aspectos da obra, de sua publicação pela Bloch Editores, nos anos de 1977 e 1978, e

condições à sua comercialização36. A primeira condição apontada pelas autoras é:

“Que seja acrescentado no Manual do Professor, um histórico da sua criação,

conforme o texto em anexo, intitulado ‘Como surgiu esta obra’”. O anexo citado assim

se apresenta:

Como surgiu a obra “Ada e Edu”

Com o objetivo de concorrer para a melhoria do processo ensino-aprendizagem, reduzindo o índice de evasão e reprovação, acentuadamente nas primeiras séries do 1º. Grau uma das metas prioritárias do DEF/MEC e embasadas nos resultados colhidos em anos de experiência com as primeiras séries, procuramos elaborar um material de fácil utilização pelo professor, que atendesse às características da língua e ao nível de desenvolvimento da faixa etária das primeiras séries.

O material destinado às classes de alfabetização, compõe-se de: 1- Cartilha, contendo dosadas e seqüenciadas, vogais orais, vogais

nasais, sílabas simples e complexas, ocorrências gráficas dos fonemas. 2- Caderno de Atividades, onde o aluno fixa, por meio de exercícios,

todas as estruturas da cartilha.

36

Interessante observar que as condições são idênticas as que se encontram no contrato e há uma menção a “Que seja celebrado um contrato entre as autoras e a Editora, respeitando-se as condições acima estabelecidas”, o que sugere que até a data deste ofício o contrato ainda não existia, sendo que a obra já ia para a sua 3ª. edição. O ofício é de 29 de agosto de 1979, o contrato é de janeiro de 1978 (retroativa?) e a cópia autenticada que estava em poder das autoras tem a data de 17 de dezembro de 1979.

Page 72: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

72

3- Manual do professor, onde o professor encontra orientações seguras para o desenvolvimento de todos os textos propostos na cartilha, em linguagem clara e objetiva.

Procuramos com a elaboração do “conjunto”, atender aos requisitos da fonética, da sintaxe e da semântica, atender às características e necessidades da faixa etária envolvida, bem como às aspirações e necessidades do

professor em geral (SEDUC. Of. SEC/DE/DEIG/PNM/17/79).

Esse desejo das autoras em divulgar os bastidores da criação de Ada e Edu

não foi respeitado pela Bloch Editores. O referido texto não aparece em nenhum

manual encontrado por esta pesquisa.

As idéias, no entanto, de que este seria um “material eficaz por ser de

manuseio simples, adaptado à nossa realidade”; “livre de erros”; “instrumento efetivo

de trabalho que assegura a alfabetização com economia de tempo, de esforços, e de

gastos financeiros”; “material de fácil utilização pelo professor, que atendesse às

características da língua e ao nível de desenvolvimento da faixa etária das primeiras

séries”; que atende “aos requisitos da fonética, da sintaxe e da semântica”, e, ainda,

“às características e necessidades da faixa etária envolvida, bem como às aspirações

e necessidades do professor em geral”, vão-se repetindo e se sedimentando. Mais a

frente é possível ver como esse discurso sobre o livro aparece em outras instâncias,

sendo apropriado também pelas professoras do PNM.

Os cursos de treinamento dos alfabetizadores

O PNM do estado de Mato Grosso apresenta-se como uma política pública de

alfabetização, extremamente articulada, criando diferentes espaços para treinamento

e/ou atualização de professores, planejamento, acompanhamento/controle e avaliação

que, prioritariamente foram espaços de divulgação do projeto e, em última instância,

se configuravam como espaços de divulgação da cartilha, inicialmente Nossa Terra,

Nossa Gente, depois Ada e Edu, na qual se depositavam grandes esperanças de

sucesso na alfabetização.

A preocupação com uma formação específica para os alfabetizadores atuarem

no projeto se fez presente desde o seu início com as proposições dos “cursos de

treinamento”. O principal critério de escolha das alfabetizadoras que atuariam no

projeto piloto de 1976 se alinha com as concepções de formação/treinamento vigentes

naquela década. A Coordenadora optou por professoras normalistas, recém formadas

e, portanto, sem experiência no magistério, tentando garantir certa homogeneidade na

aprendizagem docente, que redundaria em um desempenho “padrão”, livre de vícios

Page 73: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

73

anteriores. Segundo consta, “os professores receberam treinamento intensivo dos

métodos e processos de alfabetização que seriam aplicados, como também da

metodologia de matemática” (MATO GROSSO/SEDUC. RELATÓRIO PNM, 1976).

O certificado da Professora Terezinha Lizete de Figueiredo, que participou da

primeira experiência, aponta que esta freqüentou o “Curso Preparatório para

Desenvolvimento do Projeto de Novas Metodologias Aplicáveis ao Processo Ensino

Aprendizagem de 1º. Grau”. Este foi realizado em Cuiabá, entre os dias 26 de janeiro

e 07 de fevereiro de 1976. Não consta a carga horária e, tampouco, os conteúdos

trabalhados. Participaram desse curso, provavelmente, as 12 professoras e as 4

supervisoras das escolas envolvidas no projeto-piloto da capital mato-grossense.

Nos anos subseqüentes, a prática de efetuar os treinamentos teve

continuidade, abrangendo todos os municípios para os quais o PNM havia se

expandido.

A professora Doquelza de Almeida Pessoa freqüentou o “Curso de Preparação

de Professores para Ensinar a Ler e a Escrever”, ocorrido em Cáceres, entre os dias

17/12 e 21/12/1977, com uma carga horária de 60h. O atestado foi assinado por

Regina Lúcia Borges Araújo, a autora responsável pelo curso naquele município. O

mesmo curso, com o mesmo título e igual carga horária, foi ministrado em

Rondonópolis na mesma data do anterior, conforme o atestado de freqüência emitido

em nome da Professora Maria de Lourdes A. do Amaral. Assina o documento a autora

Lúcia Elvira Rigolin de Almeida. Essa última professora dispõe, ainda, de outro

certificado de um “Curso de Treinamento em Alfabetização”, ocorrido em

Rondonópolis entre 12 e 16 de fevereiro de 1979, com carga horária de 40h.

O documento Plano de Ação – 1980, parece se constituir em um esforço da

Equipe em dar continuidade às ações laboriosamente construídas durante a vigência

do PNM. Este aparece vinculado ao Projeto Melhoria do Processo Ensino-

Aprendizagem o que denota o fim do PNM. No entanto, sua estrutura e organização é

extremamente semelhante aos outros documentos produzidos anteriormente pela

equipe do PNM. Este plano contempla em um de seus objetivos: “Treinar supervisores

e professores dos municípios para aplicação correta do material de alfabetização”

(MT/SEDUC: PROJETO MELHORIA DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM,

PLANO DE AÇÃO, 1980, p.4), evidenciando a aludida continuidade dos cursos para

professores.

Sobre os Cursos de Treinamento, a coordenadora assim pondera:

Os treinamentos eram baseados na cartilha. Então, eram os métodos, trabalhava-se primeiramente período preparatório, que tinha muitos exercícios e depois trabalhávamos a cartilha, discorrendo todo o trabalho da cartilha. Aí a gente fazia com que eles montassem também

Page 74: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

74

uma mini-cartilha. (...) em alguns cursos a gente dava um exercício, dávamos a palavra pra eles fazerem isso daqui [aponta exercícios da cartilha], mas com as palavras que eles escolhessem e o texto que eles iam formar. Então, a gente não ficava só aqui [na cartilha], a gente dava aqui como que ele poderia fazer, trazia o material didático e em cima disso daqui, eles faziam o material. E também tinha uma atividade que a gente pedia pra ele fazer uma lição, e apresentar. Até a Nívea veio em vários cursos aqui. Eu tinha até pouco tempo material dos cursos, os textos que eles produziam, fazendo alguma atividade e

produzindo, mas dentro dessa ótica aqui (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

O Relatório datado de 1979, mas referente ao ano de 1978, é emblemático,

pois nele encontram-se elementos que apontam para o lugar central que a cartilha Ada

e Edu ocupava no PNM:

Metodologia

No início do ano, os supervisores e professores foram treinados em curso de alfabetização, a fim de empregarem o conjunto de alfabetização “Ada e Edu” com eficiência e controlarem racionalmente o processo ensino-aprendizagem. Foram realizadas, periodicamente, reuniões com os diretores, supervisores e professores com o objetivo de avaliar, em conjunto, o Projeto em execução e de identificar as reformulações julgadas necessárias. Com o fim de aperfeiçoar e atualizar o professor, a equipe do Projeto elaborou documentos de apoio tais como: apostilas, questionários e folhas-tarefa que atingissem o corpo docente dos municípios envolvidos. Em todas as classes foi empregada a cartilha única “Ada e Edu” e o mesmo processo de alfabetização. Os supervisores, sob a coordenação da equipe central, acompanharam e controlaram sistematicamente o plano de alfabetização. Nos municípios, foram realizadas visitas de assistência técnica com a mesma finalidade. Os instrumentos de acompanhamento e controle empregados foram os seguintes:

- ficha de resumo bimestral; - ficha de acompanhamento e controle das palavras-chave da cartilha; - questionário para avaliar a cartilha, o Boletim Informativo (cf. original); - visitas às escolas dos 5 municípios envolvidos; - reuniões: grupo de trabalho, diretores, supervisores e professores; - relatórios trimestrais; - orientação para montagem das provas finais, que foram

elaboradas por município (...) (M ATO GROSSO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. RELATÓRIO PNM, 1978, p. 19/20).

Eficiência, controle racional e homogeneidade do processo de alfabetização,

aspectos centrais da proposta educacional, giram em torno dos usos sugeridos e

acompanhados sistematicamente da Cartilha Ada e Edu.

Page 75: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

75

A partir desse excerto pode-se, ainda, deduzir a existência de outros espaços

de difusão da cartilha, tais como, as reuniões com diferentes grupos, o Boletim

Informativo e as visitas técnicas às escolas.

Boletins Informativos e Materiais Complementares: elos da história das práticas

de alfabetização

Uma publicação bimestral, elaborada pela Equipe, recheada de informações

teóricas e práticas, é um capítulo a parte nessa história, pelo papel importante que

desempenhou na alimentação do PNM e, igualmente, na difusão da cartilha Ada e

Edu. Foram encontrados apenas dois exemplares desses Boletins, mas eles estão

muito presentes nas memórias das autoras e das professoras entrevistadas.

Na percepção das autoras, os Boletins Informativos

Eram para os professores. A gente acreditava em dar informação, do que estava se passando, do que acontecia e, também, algumas orientações ao professor (...) baseadas em Ada e Edu (...). Foi uma forma que a gente viu assim de estar subsidiando o professor com mais algumas coisas e também estar fazendo uma divulgação do trabalho, mas eu acredito mais que na época a gente pensou mais de

estar dando informação aos professores (Rosa PERSONA, Entrevista em 25/04/2008).

Eram repassados para as escolas, onde nós já tentávamos atualizar os professores, suas metodologias, o jeito que tem que trabalhar, as dificuldades, como trabalhar com a Ada e Edu, é... toda a orientação, toda a orientação. Vai de metodológico, de didática. Pedimos [para o professor] poder corresponder porque lá nós colocávamos o endereço, com relação às dúvidas. Aí foi começo, assim, pra voltar um feedback (Renete MACIEL, Entrevista em 25/04/2008).

Os Boletins Informativos serviam pra gente estar reforçando com algum conteúdo, algum reforço para os professores naquilo que a gente achava que poderia facilitar. Nós estávamos, também, ajudando assim a divulgar coisas que muitas vezes o professor em sala de aula não tem acesso. Então, a gente colocava música, nós colocávamos, não era só única e exclusivamente sobre a Ada e Edu. Nós fazíamos um apanhado geral, um informativo daquilo que estava acontecendo,

[incluindo] aniversariantes, várias coisas (Francisca Amélia MARQUES, entrevista em 24/04/2008). Eram orientações complementares às ações que estavam sendo desenvolvidas e a troca de informações de escolas (...) [Abordavam] não só Ada e Edu, mas algumas outras coisas que aconteciam, dentro do processo de alfabetização. Envolviam matemática, envolviam outras

coisas (Regina Lúcia Borges ARAÚJO, Entrevista em 24/04/2008).

Page 76: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

76

Sem dúvida fica aqui ressaltada a dimensão formadora dos Boletins

Informativos. No entanto, mesmo que as autoras tentem minimizar o papel de difusor

da cartilha que os Boletins exerceram, não há como negar que esses visavam

configurar as formas de utilização e apropriação da cartilha Ada e Edu, veiculando

informações sobre a mesma, formas de introdução e uso, sugestões de atividades

correlatas, etc., constituindo-se, portanto, num veículo de propaganda e manutenção

do uso desse livro didático.

O Boletim Informativo Ano II – 1978 – abril e maio, B.I. n.2 traz em sua

“Apresentação” referências a que o material foi “organizado com o objetivo de ajudar o

professor no seu trabalho”, e que “tenta apenas expor aquilo que a experiência nos

tem indicado como melhor no ensino, através de sugestões de atividades dentro de

cada área de ensino, assuntos relacionados com educação, reflexões, recreações,

etc”. Salienta, ainda, que se espera que o mesmo “possa trazer idéias novas aos

veteranos e idéias práticas aos menos experientes” (p.1).

Na página n. 2 há um Artigo intitulado: A nova cartilha “Ada e Edu”, no qual a

equipe apresenta uma síntese do percurso feito até a elaboração da cartilha,

terminando por dizer:

(...) o Projeto Novas Metodologias resolveu elaborar uma cartilha, que será lançada este ano, na 1ª quinzena de abril, com o título “Ada e Edu”, de fácil emprego pelo professor e que, ao mesmo tempo, atende às características da nossa língua e à necessária gradação de suas dificuldades; um “Caderno de Atividades” para o aluno, que praticará todas as estruturas contidas na cartilha e um “Manual do Professor”, fonte orientadora do professor, baseado numa linguagem

clara e precisa (MATO GROSSO. SEDUC/PNM. BOLETIM INFORMATIVO, Ano II, 1978, p. 2).

Ressalta-se aqui uma estratégia de difusão, já identificada em outros trabalhos

(como o de Bittencout, 1993): a introdução do termo “novo”. Em que pese que, nesse

caso, o termo não compõe o título da obra, usado em veículos de difusão, como o que

ora analiso, cria uma expectativa de inovação, ainda mais se for considerado o teor do

discurso sobre o conjunto da obra, acima citado: fácil emprego; atende às

características da nossa língua; necessária gradação das dificuldades; fonte

orientadora do professor; linguagem clara e precisa.

O marketing da obra continua na página seguinte do Boletim Informativo com a

notícia sobre o lançamento, justificada pela necessidade de se planejar um dia

(...) para a divulgação da cartilha “Ada e Edu”, uma vez que servirá de baluarte para o professor ministrar melhor suas aulas e conseguir um maior rendimento na alfabetização.

Será um momento de grande expectativa para o professor. Ele terá, enfim, um livro fácil, prático, com vocabulário significativo para o aluno, elaborado por elementos da equipe do Projeto Novas Metodologias, capacitados e inseridos nos problemas atuais da

Page 77: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

77

alfabetização em nossas escolas (MATO GROSSO. SEDUC/PNM. BOLETIM INFORMATIVO, Ano II, 1978, p. 3).

Aqui a idéia do novo é reiterada, por meio da expressão “enfim”, denotando

que até então os professores não dispunham de um material com aquelas

características descritas: fácil, prático e de vocabulário significativo. Mais que isso,

entra em cena a questão da autoria: há que se confiar nesse novo livro, já que foi

elaborado por elementos “capacitados e inseridos nos problemas atuais da

alfabetização em nossas escolas”.

Igualmente, outro Boletim Informativo (Ano III – 1979 – março e abril, n. 1)

dedicou à Ada e Edu 46,4% de seu conteúdo (p. 3-16). Esse possui a peculiaridade de

reproduzir na sua capa as ilustrações dos dois personagens da cartilha,

aparentemente, anunciando a matéria principal:

Com o título “Sugestões para o Desenvolvimento do Estudo das Palavras-

Chave da Cartilha” esse Boletim apresenta “Procedimentos Didáticos”, ou seja, modos

de introduzir as palavras Ada e Edu, caju, bola, rato e faca (as primeiras do livro), bem

como, trabalhar com as sílabas das mesmas formando novas palavras. As sugestões

se seguem sempre ilustradas por figuras relativas à cartilha. Há sempre uma

historinha, envolvendo os personagens do livro, para motivar o trabalho inicial com as

palavras-chave.

Desse modo, no início do ano de 1979 chegam às escolas envolvidas no PNM,

conjuntamente, a Cartilha Ada e Edu, o Livro do Professor, o Caderno de Exercício

para o aluno e, ainda, o Boletim Informativo, detalhando os passos para o uso de todo

esse material, configurando “modos de ensinar”, no interior de uma cultura escolar.

Considerando o tempo gasto no período preparatório, bastante valorizado pela equipe,

e na apresentação e fixação de cada lição, este Boletim Informativo cobriria as

atividades de todo o bimestre. Na seqüência, outro Boletim Informativo deveria dar

continuidade a essa forma de controle e homogeneização da prática alfabetizadora.

Convém, ainda, destacar uma importante tática de envolvimento do

leitor/professor utilizada pela equipe editora do Boletim Informativo: a valorização de

trabalhos dos professores participantes dos treinamentos. Assim, nesse Boletim a

apresentação da palavra-chave “faca” contém uma “estorinha” envolvendo, além

desse objeto, a mãe, Ada e Edu, cuja autoria assim aparece: “Contribuição dos

professores de Barra do Garças: Laurita, Esmelinda e Maria Conceição -

Treinamento/79” (p.5). Há, ainda, um agradecimento (p. 27) “à colaboração da

professora Enedir, da Escola Estadual de 1º. Grau Nilo Póvoas, nesta capital, pela

aula-modelo da palavra-chave Rato, ministrada durante o Curso de Treinamento em

Page 78: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

78

Alfabetização”. Certamente, a divulgação de trabalhos de professores ajudava a criar

uma identidade entre os pares, influenciando positivamente na recepção do texto.

A incansável Equipe, além dos Boletins Informativos, publicou outros materiais

voltados tanto para o professor quanto para os alunos, que aqui chamarei de Materiais

Complementares, sempre no intuito de contribuir e facilitar o trabalho docente ou,

ainda, de “clarear as idéias e fazer florescer aquilo que os professores já possuem

dentro de si, e que está tão escondido” (SEDUC/PNM, Apostila, sem capa)37. Em

forma de apostilas essas publicações recebem títulos diversos, tais como:

“Treinamento em Alfabetização”; “Bateria de Exercícios Ada e Edu”; “Ada e Edu: um

pouco de Comunicação e Expressão, Ciências Físicas e Biológicas, Integração Social”

ou, simplesmente, “Ada e Edu”. Algumas possuem caráter eminentemente teórico,

contendo textos, adaptações de textos, sínteses, conceitos, reflexões sobre o

processo de alfabetização. Outros, de caráter mais prático, se dedicam a

instrumentalizar as aulas, oferecendo variados exercícios. Em sua maioria possuem

capas em papel cartão ornamentadas com as mesmas ilustrações da capa da Cartilha.

Desse modo, mais ainda do que a própria Cartilha Ada e Edu, os Boletins

Informativos e os Materiais Complementares fornecem farto material acerca das

práticas escolares e do ensino específico da alfabetização. Neles encontramos as

explicações para a elaboração da cartilha, o anúncio do lançamento, grande número

de informações sobre as concretizações e as tematizações vigentes na época, etc.

Representam, assim, a informação para professores e alunos, a atualização

pedagógica e, sobretudo, contribuem para criar os “sentidos da alfabetização”

(Mortatti, 2000) daquele momento.

Em síntese, traduzem elementos da cultura escolar da época, difundindo

normas, teorias e práticas de alfabetização, permeados que estão de conceitos,

percepções, crenças, modos de dizer e modos de fazer.38

A produção desse material exigia um esforço muito grande da equipe e

desencadeou alguns embates com a tecnologia disponível à época na Secretaria da

Educação. Maria Antonieta Fernandes aponta algumas das dificuldades encontradas,

37

Essa Apostila é, particularmente, interessante por apresentar, em sua primeira parte (p.3-11), sofisticados conhecimentos lingüísticos (estrutura da língua; 1ª e 2ª. articulações da língua; articulação dos fonemas; classificação dos fonemas); conceitos de leitura e de alfabetização (sentido restrito e sentido amplo); a escrita na primeira série (ortografia e caligrafia) e, em sua segunda parte (p.12-52), modos de ensinar e exercícios complementares que abrangem toda a estrutura da cartilha Ada e Edu. Pelo menos no que diz respeito à primeira parte, trata-se de aspectos que muito dificilmente poderiam “florescer” de dentro dos professores. 38

A abundância desses materiais aponta para uma discussão sobre os “sentidos da alfabetização” tematizados nesses documentos, sendo, no entanto, campo para uma outra pesquisa.

Page 79: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

79

tais como a pequena capacidade de produção da mecanografia da SEDUC,

lembrando que muitos materiais eram reproduzidos em mimeógrafo a álcool:

Então, era naquele [mimeógrafo a álcool] que a gente fazia muitos, pra gente manter a periodicidade. Às vezes, a gente ficava na fila lá nessa mecanografia pra poder sair e o “troço” não saía na época certa. Eu me lembro de ter feito a mão muitas vezes e nem foi datilografado. A gente

fazendo a mão pra poder sair (Maria Antonieta FERNANDES, Entrevista em 24/04/2008).

A Apostila, anteriormente citada, testemunha essa dificuldade apontada pela

autora: foi datilografada apenas até a página 17, aparecendo as outras 35 páginas na

forma manuscrita:

A mesma autora sugere que o período de circulação desses materiais foi de

“dois ou três anos”, acrescentando “eu não me lembro de ter falhado porque éramos

rigorosas”.

De fato, um dado importante, que atesta a manutenção da periodicidade desse

material, encontra-se na seção Enfoques da Revista Educação em Mato Grosso, Ano

IV, n. 14, 1981 (p.31-54), que traz o “Retrospecto das atividades realizadas pela

Secretaria de Educação e Cultura – 1981”. Embora o PNM não figure mais na listagem

dos projetos desenvolvidos pela SEDUC, o item “Publicações” informa que foram

publicados o Nº1; Nº2; Nº3; Nº4 e Nº5 do Boletim Informativo. Temos, assim, duas

datas (1978 é o Ano II dessa publicação; 1981 foram publicados cinco números), que

autorizam a dedução de que esse material circulou por quatro anos.

Visitas Técnicas

O sistema de execução, acompanhamento e controle do PNM incluía visitas

técnicas “para verificar o andamento das classes, o uso adequado do material e enfim

tudo que se relaciona com o PNM” (SEDUC/PNM. INSTRUÇÕES DO PROJETO

NOVAS METODOLOGIAS PARA 1978, p.4). Nessas visitas o “elemento da equipe”

orientava e acompanhava as pessoas do município responsáveis pelo projeto e, ainda,

se deslocava até as escolas para “verificar a aprendizagem dos alunos”. Segundo

Rosa Persona:

Era acompanhamento, eu olhava caderno dos alunos para ver como é que estava e tomava a lição de alguns. Tinha também o contato com a professora. Via a dificuldade que ela estava sentindo, mas era mais em função de eu ver as crianças, como estava o rendimento das crianças, se estava ou não, como é que a professora estava conduzindo, que nível que eles estavam, [por isso] eu chegava a tomar algumas lições. Cada um ia, verificava isso, aí a gente discutia muito e os professores, nas reuniões, a gente falava muito que não era, assim, inspeção, mas era pra gente sentir como é que estava o aluno, o que que a gente poderia estar ajudando, ou como a gente percebia a

Page 80: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

80

dificuldade do aluno. Às vezes também a gente ia porque o professor pedia pra

gente ver determinadas crianças. Então, era mais esse sistema assim (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

Essas visitas técnicas eram registradas em uma ficha própria, que continha os

seguintes itens: cabeçalho; 1.Objetivo da visita; 2.Atividades Desenvolvidas;

3.Resultados alcançados; 4.Obstáculos encontrados; 5.Atividades propostas na última

visita; 6.Constatações; 7. Novas propostas de atividades; 8.Observação. .

Um Relatório de Viagem da coordenadora do PNM indica o desenvolvimento

de atividades que abrangem reuniões com os Delegados de Ensino, Chefes de

Educação e Supervisores, para prestar esclarecimentos sobre os objetivos e ações do

projeto; elaboração de plano de ação junto com supervisores; elaboração de projeto

de treinamento dos professores; estudo de apostilas sobre conteúdos de alfabetização

e Língua Portuguesa; preparo de supervisores intermediários para que estes

ministrem treinamento dos professores; orientações sobre documento a ser

apresentado nos Encontros Estaduais de Alfabetização; observação do planejamento

semanal de professores; reunião com professores, além daquelas anteriormente

citadas.

Ainda, outra atividade merece destaque: a coleta de fichas de

acompanhamento e controle da aprendizagem, de ocorrências, o resumo bimestral e o

termo de visita. Todas essas fichas são instrumentos de controle da lógica que regia a

prática pedagógica, cujos dados eram centralizados na Equipe, com vistas à

elaboração de relatórios e prestação de contas ao Departamento de Ensino

Fundamental do MEC. Por mais que a Coordenadora do PNM ressalte a faceta de

acompanhamento e negue a faceta de controle, é evidente que naquele momento

histórico de difusão de uma pedagogia tecnicista, o controle era peça-chave do

esperado sucesso das ações, quer na indústria, que na escola.

Dentre essas fichas a mais emblemática é a que se propõe a controlar a

aprendizagem, tendo como parâmetro as palavras da cartilha. Para isso é

recomendado:

Quanto ao instrumento de acompanhamento e controle das palavras da cartilha:

- Deverá estar sempre em anexo no Diário de Classe – assim que iniciar o Período de Alfabetização o professor irá preenchendo à lápis; anotar apenas as dificuldades do aluno; conforme estas forem sanadas deverão ser apagadas.

- No final de cada semestre, o Supervisor Escolar ou responsável na escola deverá computar os dados na ficha de computação e enviar 10 dias após o término de cada semestre, à DREC, e em seguida ao Projeto Novas Metodologias.

Obs.: Caso a Escola não tenha Supervisor ou Responsável pelo Projeto Novas Metodologias, a ficha de computação deverá ser

Page 81: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

81

preenchida pelo Elemento Responsável na DREC (SEDUC/PNM. INSTRUÇÕES DO PROJETO NOVAS METODOLOGIAS PARA 1979, p.2).

Visitando as escolas e direcionando as ações de todos os profissionais

relacionados ao PNM no Estado, em especial, pelo preenchimento dos instrumentos

de controle, a Equipe tentava obter uma visão de conjunto do desenvolvimento das

atividades de alfabetização, seus êxitos e suas dificuldades em atingir os objetivos

propostos.

Encontros Estaduais de Alfabetização

Reuniões sistemáticas nas escolas, cursos de treinamento e publicações

diversas foram, ainda, complementados por Encontros Estaduais de Alfabetização,

cujos indícios apontam para a edição de três deles e a programação de um quarto.

Falando nesses Encontros a Coordenadora do PNM lembra que:

Eram muito legais porque ali, nesses encontros, a gente trazia pessoas de fora para ajudar a implementar as ações do programa e para orientar os professores. Então, nesse encontro, a gente fazia um levantamento, apresentava o perfil de cada sala, como é que estava, como é que não estava, mas era uma avaliação mesmo, junto aos professores. Aí vinha todo mundo. Tinha palestras, tinha oficinas e era sempre lá no Hotel Mato Grosso, naquelas três salinhas, eram só três salas mesmo (...). No Hotel Fazenda, todos os nossos encontros eram lá. (...) era só o pessoal - agora você me apertou - me parece que era só com o pessoal do projeto. Eu acho que sim, porque a gente não tinha recursos suficientes pra bancar, assim abrir [para mais participantes], então, eu acho que era uma coisa mais fechada. É, acho

que foram três (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008). De fato, ocorreram três Encontros Estaduais de Alfabetização. Os professores

eram financiados pela SEDUC, hospedando-se no Hotel Fazenda Mato Grosso, lugar

que tem tradição e estrutura, até hoje, para abrigar grandes eventos. Isso pode ser

verificado a partir de certificados de participantes. Lúcia Elvira de Almeida, uma das

autoras, guarda o comprovante do 1º. Encontro Estadual, ocorrido em Cuiabá, no

período de 25 a 30 de julho de 1977, com carga horária de 60 horas. No verso do

certificado, o resumo do conteúdo dá conta que foram tematizados: 1. Conceito de

Alfabetização; 2. Conteúdos mínimos para a 1ª e 2ª. séries; 3. Conceitos de Avaliação

da Aprendizagem; 4. Análise de material didático: a cartilha; 5. Métodos e técnicas

de alfabetização.

A mesma autora mostrou seu certificado do II Encontro Estadual de

Alfabetização, também ocorrido em Cuiabá, entre os dias 31 de julho e 03 de agosto

Page 82: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

82

de 1978, este com carga horária de apenas 32 horas. Os temas desenvolvidos nesse

encontro foram: 1.Processos psicológicos implicados em leitura secreta (sic!); 2.

Identificação dos distúrbios da aprendizagem; 3. Metodologia da Matemática

específica para a 1ª e 2ª. séries; 4. Fatores que interferem no processo de

alfabetização; 5. Apresentação do desenvolvimento do Projeto Novas

Metodologias.

O Projeto III Encontro estadual de Alfabetização (SEDUC/SEC/DEIG, 1979) é

um documento de 11 páginas, datilografado e mimeografado a tinta, com capa de

papel cartão. Nele é previsto um encontro de 24 h, a ser realizado nos dias 24 a 26 de

outubro, em Cuiabá, sob a coordenação da Equipe do PNM e Divisão de Recursos

Humanos. Na programação estão previstas palestras de Nilza Oliveira Teixeira, Dra.

Sofia Clara de Siqueira e Maria Inês P. Cox; exposição sobre as atividades

desenvolvidas no PNM, a cargo de Rosa Maria Jorge Persona e Francisca Amélia

Marques e Relato de experiências de 11 municípios participantes do projeto: Barra do

Graças, Poxoréo, Alto Araguaia, Rosário Oeste, Poconé, Cuiabá, Santo Antônio, Alto

Paraguai, Rondonópolis, Guiratinga e Cáceres.

No certificado da autora Ana Maria Dias da Silva39 está registrado o III Encontro

de Alfabetização que, de fato, se realizou no período de 24 a 26 de outubro de 1979,

com carga horária de 30 horas. Foram tematizados: 1. O valor da psicomotricidade na

reeducação para a aprendizagem (4h); 2. Aspectos lingüísticos, fonológicos e

ortográficos pertinentes ao processo de alfabetização (4h); 3. Avaliação em leitura e

escrita (4h); 4. Relato de experiências pelos participantes dos onze municípios

(10h); 5. Avaliação das atividades desenvolvidas no Projeto Novas Metodologias

durante o qüinqüênio 75/79 (4h); 6. Exposição sobre a Meta 03 (4h).

Os temas em negrito sugerem uma maior vinculação com Ada e Edu. Uma das

autoras concorda que a cartilha era tematizada nos Encontros: “Era discutida, sim, eu

me lembro que sim. Os professores apresentavam experiências deles. Tinha gente

que a gente trazia pra fazer também alguma fala” (Maria Antonieta FERNANDES,

entrevista em 23/04/2008).

Outra autora lembra de outros detalhes:

Olha, esses encontros [risos], nós não tínhamos, nós tentávamos nesses encontros aglutinar principalmente (aí está a divulgação do nosso material, da cartilha, dos trabalhos da cartilha). Trazíamos, eu não me lembro [do nome de outras pessoas]. Sei que a Nívea abria sempre esses encontros com palestras, com metodologias, ela tinha (sic) uma escola modelo lá em São Paulo. Ela vinha, havia informações sempre, ela trazia para o grupo de Mato Grosso essas inovações, da época. Por exemplo, da família fonêmica: você pode trabalhar com família ou deixar de trabalhar com família, eu não me lembro

39

Essa autora não foi localizada pela pesquisa. O referido certificado encontra-se no acervo de Lúcia Elvira de Almeida, que cedeu uma cópia para essa pesquisa.

Page 83: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

83

muito bem disso. Eu sei que ela ia trazendo essas inovações de textos, ela

chegou a falar de textos, de produção de textos (Renete Almeida MACIEL, entrevista do dia 25/04/2008).

A proposta de título do evento - Encontro Estadual de Alfabetização - parece

um tanto ambiciosa se, realmente, os participantes se restringiam aos professores,

supervisores e diretores ligados ao PNM. As autoras, no entanto, não estão todas de

acordo de que o evento era restrito ao PNM. Maria Antonieta, Renete e Francisca

pensam que ele, pelo menos em alguns momentos, era mais ampliado.

Talvez Regina Lúcia tenha algo a acrescentar, quando aponta para a

credibilidade da equipe e da sua identificação como responsável pelos assuntos de

alfabetização na época – a construção de “representações” - , a partir da

movimentação em torno das atividades do Projeto e, em especial, a organização dos

Encontros Estaduais, que ajudavam a dar maior visibilidade ao trabalho:

Os encontros eram para os educadores de Mato Grosso que trabalhavam com essa área ou que estavam envolvidos diretamente com a alfabetização (...) principalmente as séries iniciais, mais principalmente quem estava atuando diretamente nas questões das Novas Metodologias. Nós sempre convidávamos outras escolas, mas o objetivo nosso ele era centrado em trocas de experiências e novos conhecimentos e, mesmo, teorias novas que estavam avançando nessa área, de modo que pudesse estar fazendo uma adequação, pra melhorar o nosso trabalho (...). Ninguém fazia [propostas, encontros] (...) nós tínhamos a equipe de currículo e supervisão dentro do ensino fundamental e aí toda a referência, falou alfabetização, não era aquele pessoal, por mais que eles eram responsáveis por toda a rede. Já éramos nós, porque a gente se tornou, é o que eu te falei do crédito que nós tivemos, então nós éramos a referência e, como referência, todos nos procuravam. Aí já deixou de ser apenas Novas Metodologias pra gente se tornar uma equipe de alfabetização. Apesar de que por detrás de nós tinha toda uma Novas Metodologias, que o nome tinha um sentido pra aquela época, pra aquele propósito, ele nasceu como um caminho e a gente acabou crescendo e indo

pra outro (Regina Lúcia B. ARAÚJO, Entrevista em 24/04/2008). A quarta capa da Revista Educação em Mato Grosso, n.03, jun/jul de 1978 traz

a divulgação do II Encontro, informando ao pé da página que participarão 16

municípios de Mato Grosso. Em 1978, o PNM havia se expandido para cinco

municípios. Portanto, a participação de 16 municípios no Encontro Estadual de

Alfabetização, anunciada em um veículo de grande credibilidade como a Revista

Educação em Mato Grosso, dá mostras da movimentação alcançada e do poder que a

Equipe do PNM desfrutava naquele momento.

O certificado do III Encontro, acima apresentado, omite a palavra Regional. O

que pode ter acontecido? Um mero lapso? O grupo repensou o título do evento?

Cortes financeiros restringiram o evento? O certo é que a carga horária dos Encontros

foi, progressivamente, diminuindo de 60 h, para 32 h e para 30 h. É bom lembrar que,

Page 84: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

84

oficialmente, o PNM se encerraria ao final de 1979, junto com o II Plano Setorial de

Educação e Cultura (1975-1979).

No Plano de Ação do ano de 1980, referente ao “Projeto Melhoria do Processo

Ensino-Aprendizagem”, já mencionado, entre os objetivos que a equipe propõe

aparece o de “Realizar o IV Encontro de Alfabetização, com participação de elementos

dos 11 municípios”. Aqui se ressaltam, pelo menos, dois aspectos: por um lado,

novamente a palavra regional não consta do título do evento, reafirmando a tendência

anteriormente registrada; por outro lado, o uso da expressão “dos 11 municípios”,

parece fazer referência a um conjunto definido e conhecido de participantes que, muito

provavelmente, eram aqueles municípios vinculados ao PNM.

Notícias sobre Cursos, Treinamentos Boletins Informativos e Materiais

Complementares, Visitas Técnicas, informes na Revista Educação em Mato Grosso,

Encontros Estaduais de Alfabetização fazem parte das fontes. Tais fontes,

encontradas em abundância, apontam para um movimento bastante orgânico da

Equipe responsável pelo PNM em Mato Grosso, evidenciando ações desencadeadas

com o intuito de implementar/difundir esse Projeto e, conseqüentemente, difundir a

cartilha Ada e Edu no contexto educacional mato-grossense.

À medida que Ada e Edu é publicada pela Bloch Editores com vistas à

circulação nacional, certamente, essa editora também lança mão de estratégias de

difusão, com o intuito de tornar a cartilha conhecida nacionalmente. Poucas são as

fontes encontradas que contam essa história. A foto com a notícia do lançamento no

Jornalzinho da Editora, anteriormente citado, pode ser considerada a primeira

estratégia de difusão nacional desse livro didático. Muito provavelmente, a Editora

deveria manter catálogos anunciando suas publicações. A distribuição gratuita de

exemplares configura-se como outra forma de difusão, tradicionalmente usada pelas

editoras. Por sua característica de editora, fundamentalmente, de revistas40, a Bloch

40 A Revista Manchete foi lançada em 26 de abril de 1952, por Adolpho Bloch, que realizava o

sonho de publicar um semanário de âmbito nacional e fazer frente à revista O Cruzeiro, dos Diários Associados. “(...) gestada em banhos diários de sol no posto 3, que reuniam Adolpho, Lucy, o jornalista Henrique Pongetti e o primo Pedro Bloch, que teve a idéia do título, irreristível: ‘Manchete’”. A partir daí, foi o início da construção de um dos maiores impérios familiares de mídia da América Latina. (BLOCH, Arnaldo, Os irmãos Karamabloch: ascensão e queda de um império familiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p.166).

Page 85: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

85

acaba por se utilizar desse veículo como outra estratégia difusora das obras didáticas.

A autora Maria Antonieta Fernandes guardava uma página da Revista Manchete, na

qual a Editora apresenta um pequeno texto com o título “Alfabetização: 50% de

reprovação. Por quê?”, sugerindo a “diversidade de meios e recursos adequados a

cada grupo” para se enfrentar “um processo dos mais complexos”. Abaixo do texto

aparecem as dez opções de livros de alfabetização disponibilizados pela Bloch

Educação, dentre as quais figura a Cartilha Ada e Edu:

Do ponto de vista das autoras, essa difusão nacional não contou muito com a

participação delas. Perguntadas se, na época divulgaram de algum modo o trabalho,

como por exemplo, escrevendo cartas, publicando artigo em revista ou jornal,

escrevendo para secretarias de outros Estados, fazendo, enfim, um marketing da obra,

assim se posicionaram:

A gente fazia marketing mais quando eu ia nos encontros [em Brasília ou Belo Horizonte] eu levava

41. Então, esse marketing a gente teve,

mas assim, dizer que a gente escreveu para secretarias, a gente não fez esse trabalho de marketing, porque nós éramos inexperientes nessa parte de estar divulgando. Então, timidamente, a gente levava no encontro, timidamente. Agora aqui [em MT] a gente até que divulgava,

mostrava (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/2008).

Maria Antonieta cedeu para a pesquisa a página da Revista Manchete,

anteriormente mostrada e comentou:

Eu me lembro dessa aqui e tem uma outra, que eu até procurei, uma outra reportagem que foi iniciativa da Bloch também, que era também na Revista Manchete. Uma reportagem sobre a cartilha, que eu me lembre, mas foi iniciativa deles e não nossa. Eu mesma, por exemplo, nunca fui a uma TV, nunca, nada. A única divulgação, digamos assim, que eu fiz foi para os familiares. Todos os meus sobrinhos, os meus primos, que eram crianças na época, foram alfabetizados com essa cartilha. Tanto é que eu falo que eu não tenho mais [nenhum exemplar]

porque eu distribuía tudo pra eles (Maria Antonieta FERNANDES. Entrevista em 23/04/2008).

Parece não restar dúvidas que a difusão local de Ada e Edu foi de

responsabilidade das autoras/equipe do PNM que, ao fazer seu trabalho de agentes

culturais, responsáveis por uma política pública emanada do Ministério de Educação,

colocaram-na como dispositivo central para que o Estado atingisse os esperados

objetivos de redução do fracasso escolar em alfabetização. Assim, as autoras

41

Rosa Persona relata que participou de encontros em Brasília, no Departamento de Ensino Fundamental, e em Belo Horizonte na Fundação João Pinheiro para tratar dos assuntos do PNM. De fato, o relatório de 74/78 do DEF/MEC informa a criação, em 1975, do Laboratório de Currículo do DEF, no Centro de Recursos Humanos João Pinheiro, que “promoveu, no período 75/78, estudos e experimentos procurando atender às necessidades mais comuns das unidades federadas” MEC/DEF. Relatório 74/78. Brasília, 1979, p.51.

Page 86: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

86

coordenaram um intenso trabalho pedagógico, que gravitou ao redor desse livro

didático e o difundiu entre os alfabetizadores mato-grossenses.

Já a Bloch Editores, munida de outros objetivos, percebia Ada e Edu como

mais uma opção de vendas, investindo em sua difusão no ambiente em que essa

cartilha poderia trazer os esperados retornos financeiros para uma empresa que

trabalha com o mercado de livros didáticos, ou seja, buscando a sua inclusão no

Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Fundamental. Esse percurso será

explorado no próximo tópico.

Page 87: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

87

7. Circulação de Ada e Edu

Mas, infelizmente, os editores costumam tratar seus arquivos como lixo. Ainda que

poupem uma eventual carta de um autor famoso, eles jogam fora os livros de contas

e a correspondência comercial, que geralmente são as fontes de informações mais

importantes para o historiador do livro (DARNTON, 1990, p.124).

A expansão do PNM em Mato Grosso

O percurso do PNM em Mato Grosso pode ser caracterizado por quatro fases

distintas: a) fase do tateio; b) fase organizativa; c) fase da produção do conjunto de

alfabetização; d) fase de expansão.

Em 1975 a Secretaria de Educação não conseguiu mobilizar uma equipe que se

responsabilizasse por um projeto de grande porte como era o PNM. As ações

desencadeadas se inspiraram nas sugestões do DEF/MEC, mas, segundo o

depoimento de Francisca Marques, permaneceram em nível incipiente. Essa foi a fase

do tateio, marcada pela existência de uma equipe pequena e pelo início da elaboração

do projeto a ser desenvolvido. A tentativa foi a testagem dos métodos de alfabetização

– sintético, analítico e eclético – em 9 classes das seguintes escolas de Cuiabá:

Lenine Póvoas; Gustavo Kulmann; Arquidiocesano do Porto; Leovegildo Mello; João

Eryenne Camargo; Aureolina E. Ribeiro e Senador Azeredo (MATO GROSSO.

SEDUC/PNM. Relatório, 1976, p.15).

Com a constituição da Equipe definitiva, em 1976, o PNM passa para a fase

organizativa, marcada pela elaboração de um projeto que girou em torno de uma

“pesquisa experimental”42, realizada com o objetivo de:

Desenvolver experiência em classe de 1ª. série das escolas selecionadas pelo Projeto, adotando os métodos de alfabetização:

sintético, analítico e o processo eclético (MATO GROSSO. SEDUC/PNM. Relatório, 1976, p.9).

42

Esse experimento esteve relacionado à Meta 01 – Alfabetização. Quanto à Meta 02 – “Aceleração da Escolaridade” - foi elaborada outra experiência, com o objetivo de “Desenvolver experiência em classe de 1ª. série das escolas selecionadas pelo Projeto, com alunos repetentes através da aplicação de um currículo compactado 1ª/2ª. séries. Para tal inclui-se objetivos considerados básicos á promoção dos alunos à 3ª. série”. Esta envolveu 78 alunos distribuídos em 2 classes de 2ª série, que constituiu o grupo de controle e duas classes de 1ª. série com 78 alunos, que constituíram o grupo experimental. Nas classes experimentais foi aplicado o Currículo Compactado, elaborado pela equipe de currículo do departamento de Educação. Nas classes de controle aplicou-se a proposta curricular (MATO GROSSO. SEDUC/PNM. Relatório, 1976, p.9 e 27).

Page 88: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

88

Conforme já apontado, a Equipe se esforçou no sentido de realizar a experiência

com controle e rigor científico, que abrangeu quatro escolas, doze turmas, sendo que

em cada escola funcionaram três turmas, cada uma aplicando um dos métodos

citados. No entanto, a amostragem que atingiu 435 alunos, não contemplou o controle

de variáveis (idade, sexo e nível sócio-econômico) que seria fundamental para a

testagem das hipóteses. A análise crítica desse “experimento” levou a Equipe a fazer

várias considerações e a propor a elaboração de uma cartilha adequada à linguagem

e à realidade mato-grossense.

Dessa forma, em 1977 o PNM entra em sua fase produtiva, sendo reconfigurado,

do ponto de vista metodológico. Nessa fase a Equipe se dedica, fundamentalmente, a

elaborar o conjunto didático Cartilha e seus complementos, selecionar e preparar as

escolas e os professores e aplicar o material elaborado, acompanhando a prática

pedagógica passo a passo.

Segundo uma das autoras,

A única coisa que eu me lembro bem é que a gente tinha muita consciência de que o projeto era um projeto piloto, que a situação era uma situação de laboratório e que aquilo que desse resultado, a gente ia espalhar para o Estado. Isso a gente tinha em mente, se desse certo a questão da cartilha seria para estar utilizando no Estado todo, posteriormente, mas não naquele momento. Porque naquele momento era aquilo que a gente pensou inicialmente, era para aquele grupo, pra

resolver aquele problema ali (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008).

A partir daí, a Equipe se dedicou a um projeto de alfabetização que se deu em

torno da nova cartilha Nossa Terra Nossa Gente. Portanto, a circulação desse livro

didático, nesse primeiro momento, se deu entre os supervisores e professores do

Projeto Piloto, que visava a utilização do material, em dois níveis: a) alunos com idade-

série regular, tentando elevar os índices de promoção (Meta 01 – PNM); b) alunos com

distorção idade/série, tentando acelerar a escolarização (Meta 02-PNM)43. A Meta 01

foi desenvolvida nas mesmas escolas nas quais havia sido realizado o “experimento” –

Senador Azeredo; Professor Nilo Póvoas; José Machado N. da Costa; José Estevam –

acrescido da Escola Joaquina C. Caldas. Isso significa que os primeiros leitores dessa

cartilha foram, além dos cinco supervisores dessas escolas, os dezessete professores

(de vinte classes) e os 678 alunos atendidos nessas classes. A Meta 02 foi

desenvolvida em 04 escolas, 11 classes, envolvendo 396 alunos e 11 professores.

Esses professores e alunos também compõem o quadro dos primeiros leitores de

43

No início desse trabalho, fiz uma alusão de que o mesmo se debruçaria apenas sobre a Meta 01. No entanto, em termos da circulação da cartilha “única” que sustentou as duas metas, não é possível ignorar os números de leitores da Meta 02.

Page 89: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

89

Nossa Terra Nossa Gente (MATO GROSSO. SEDUC/PNM. Relatório, 1977, p. 15 e

30), somando em torno de 1.111 pessoas.

Avaliados positivamente os resultados desse primeiro ano, em 1978 o PNM entra

em sua fase de expansão, passando a atuar em mais 4 municípios, além da capital

Cuiabá: Cáceres, Rondonópolis, Barra do Garças e Poxoréo. Essa ampliação atingiu

19 escolas, 68 classes da Meta 01, totalizando 2.272 alunos e 48 classes da Meta 02,

totalizando 1.259 alunos. Nesse ano, Ada e Edu já se encontrava publicada pela Bloch

Editora, sendo esse universo os primeiros leitores do livro didático transformado,

conforme citação abaixo:

Em todas as classes foi empregada a cartilha única “Ada e Edu” e o mesmo processo de alfabetização. Os supervisores, sob a coordenação da equipe central, acompanharam e controlaram

sistematicamente o plano de alfabetização (MATO GROSSO. SEDUC/PNM. Relatório, 1979, p. 19).

A fase de expansão teve continuidade no ano de 1979. Embora o Relatório

referente a esse ano não tenha sido encontrado, dados indicam que o PNM em seu

último ano de funcionamento envolveu 11 municípios. Temos na programação do III

Encontro Estadual de Alfabetização (MATO GROSSO. SEDUC/SEC/DEIG, 1979) a

previsão de Relato de experiências de 11 municípios participantes do projeto: Barra do

Graças, Poxoréo, Alto Araguaia, Rosário Oeste, Poconé, Cuiabá, Santo Antônio, Alto

Paraguai, Rondonópolis, Guiratinga e Cáceres.

Esse quadro configura, portanto, a circulação da Cartilha Ada e Edu no interior

do PNM. Outras escolas, no entanto, que não participavam do projeto também

procuravam a Secretaria no intuito de se aproximar desse material e, nesse sentido, é

completamente impossível qualquer previsão numérica de circulação.

A autora Maria Antonieta assim se posicionou quando perguntada se achava

que a cartilha havia circulado em outras escolas, para além daquelas envolvidas no

PNM:

Eu não acho, não! Eu tenho certeza, porque tinha bastante gente que ia buscar inclusive pedir, que eram de outras escolas. A Rosa ia lá, conversava no setor de livros e autorizava. Inclusive, eu não tenho certeza, eu não sei se foi Alta Floresta uma dessas cidades aí pra cima [norte do estado] que a gente pediu. Foi mandado pra eles...

Paranaíta... uma dessas cidades aí (Maria Antonieta FERNANDES, entrevista em 23/04/2008).

Rosa Persona, sem muita certeza, arrisca dizer que Ada e Edu circulou em

Mato Grosso até por volta de 1982. Considerando, no entanto, que o exemplar que ela

mesma doou para o NUPED pertence à 6ª. edição, de 1985, é possível admitir que,

embora o PNM estivesse findo, pelo menos a cota dos direitos autorais ainda por aqui

circulava até esse ano.

Page 90: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

90

Na pesquisa Alfabetização em Alta Floresta-MT: aspectos de uma trajetória

(1978-2006) Rocha (2008), ao analisar diários de classe de 1as. Séries, encontra

evidências do uso de elementos da Cartilha Ada e Edu, ainda, no ano de 1994. O

registro da professora indica o seu trabalho com história da família dos personagens

Ada e Edu para introdução da letra “a” e posterior formação de vários nomes iniciados

por essa vogal. Em que pese que o nome da cartilha não apareça explicitamente

nesse registro, a autora indica a permanência de aspectos divulgados por ela ou pelos

materiais complementares, fato que aponta para uma circulação para muito além do

tempo considerado pelas próprias autoras.

A circulação em nível nacional esteve diretamente condicionada à entrada

dessa cartilha no Programa Nacional do Livro Didático e, mais particularmente, no

processo de co-edição entre editoras e a FENAME, aspecto que será explorado a

seguir.

FENAME: elementos da política de produção e distribuição de livros didáticos

Apontar alguns elementos da política de produção e distribuição de livros

didáticos desse período pode ajudar a contextualizar a circulação nacional da cartilha

Ada e Edu, suas possibilidades e seus limites.

Em entrevista concedida à Revista MEC Educação, Ano 11, n. 38, abr/set,

1982, p.53, portanto anterior à incorporação da FENAME pela FAE, o seu diretor-

executivo, Wander Batalha, explicita objetivos, estrutura e funcionamento dessa

Fundação:

Educação – Quais os objetivos estatutários da Fundação Nacional de Material Didático (FENAME)?

Wander Batalha – O seu principal objetivo é produzir ou comprar e distribuir material de ensino-aprendizagem e obras de consulta e didáticas a preços subsidiados.

Ed.. – Quando foi criada a Fename? Por quem? W.B. – A Fename veio substituir a Campanha Nacional de Material de

Ensino, esta criada em janeiro de 1956. A instituição da Fundação tem origem na Lei no. 5.327, de outubro de 67, e o seu estatuto foi aprovado em março de 1968. Estávamos então no governo Costa e Silva, e o MEC tinha à sua frente o Ministro Tarso Dutra.

Ed. – Qual a produção, hoje, entre livros, cadernos, etc.? W.B – Atualmente, são produzidos cerca de 50 milhões de cadernos,

comprados e distribuídos em torno de 26 milhões de lápis, três milhões de réguas, 10 milhões de canetas esferográficas; editados e co-editados dois milhões de livros didáticos. Através do Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF) foram publicados este ano por volta de 13 milhões de livros.

Ed. – O que representa isso no mercado editorial e papeleiro?

Page 91: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

91

W.B.- Só este ano, a Fename produziu quase 52 milhões de cadernos. Isto lhe dá a condição de maior produtor brasileiro desse material, e talvez seja mesmo o maior do mundo.

Ed. – Qual a origem das verbas da Fundação? O que é orçamentário e o que é extra-orçamentário? De onde provêm os recursos extra-orçamentários?

W.B.- Essas verbas são basicamente orçamentárias, do próprio MEC. E também operamos com o retorno do que é comercializado, das vendas.

(...) (REVISTA MEC EDUCAÇÃO, 1982, Ano 11, n. 38, abr/set, p.10).

No que concerne ao campo da produção e distribuição de material didático, em

especial referência aos anos de 1982 a 1984, uma matéria assinada pela Fundação de

Assistência ao Educando (FAE) e publicada na Revista MEC Educação, ano 11, n. 40

jul/dez de 1983, intitulada Assistência ao estudante: Sistematização oferece as

seguintes referências relacionadas a esse “novo órgão vinculado ao Ministério de

Educação e Cultura”:

No tocante aos programas ligados ao material didático e escolar, cabe à FAE a função básica de produzir e distribuir esse material, dirigindo seu atendimento prioritariamente às populações de menor renda, de preferência do meio rural e periferias urbanas. Para executar a distribuição gratuita do material de ensino-aprendizagem em todo o país, a FAE dispõe de dois programas: o Programa Nacional do Livro didático (PNLD), que em 1982 distribuiu 12.300.000 livros de 1º. Grau, beneficiando alunos e professores de 45.314 escolas de todas as unidades federadas; e o Programa de Módulos Escolares que, no mesmo ano, procedeu à distribuição gratuita de cerca de dois milhões de conjuntos de material escolar, compostos, entre outros, de cadernos, lápis, canetas, borrachas, réguas e apontadores. Em 1983, para utilização em 1984, o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), apenas na primeira etapa dos trabalhos já alcançou 11 milhões de exemplares, no total de 360 títulos selecionados pelas secretarias estaduais de Educação, que irão beneficiar cerca de quatro milhões de alunos das primeiras séries do 1º. Grau. Com a segunda etapa, espera-se atingir

mais um milhão de livros. (Revista MEC Educação. Ano 11, n. 40, jul/dez 1983, p.53).

O Brasil demonstra, entre 1971 a 1984, um expressivo crescimento no Programa do

Livro Didático voltado para o Ensino Fundamental. Passamos de 114 para 415 títulos e de

7.057.637 para 20.720.018 livros adquiridos e/ou co-editados pelo PLIDEF, envolvendo

recursos que subiram de Cr$ 20.761,00 para Cr$ 26.198.163,00. A Cartilha Ada e Edu e seus

complementos ajudaram a compor esses dados (MEC/FAE. Programas de Assistência ao

Educando: Séries Históricas – 1970-84. Tabela 2.1. PLIDEF – 1971-1984, p. 55).

Page 92: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

92

A co-edição com a FENAME e a circulação nacional

A 5ª. edição de Ada e Edu, feita em co-edição entre a FENAME e a Bloch, em

1981, que abriu a possibilidade de circulação nacional dessa cartilha, se dá no lapso

de tempo em que “de censor oficial dos livros didáticos usados nas escolas brasileiras,

o Estado foi assumindo também o papel de financiador desses livros” (Höfling, 2000,

p.6). O sistema de co-edição com as editoras nacionais, com recursos do Instituto

Nacional do Livro (INL), foi implantado em 1970, por intermédio da Portaria Ministerial

n. 35/1970. Em 1983 é criada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE)44 e em

1984 deu-se fim ao sistema de co-edição, passando o MEC a ser o comprador e

distribuidor dos livros produzidos pelas editoras participantes do Programa do Livro

didático.

À época esse sistema foi assim definido:

Coedição é a edição de um livro de cujos custos, riscos e lucros participam mais de um editor.

A coedição consiste basicamente em: 1. pelo aumento de tiragem e de mercado, provocado pelo interesse do

INL em obter parte dessa tiragem, os custos da edição são sensivelmente reduzidos.

2. O INL participa diretamente dos custos de produção da obra coeditada. Analisado o orçamento e definido o volume de seu investimento o INL fixa com o Editor, o preço da obra, levando em conta:

a) o número de volumes que lhe interessa obter para distribuição a bibliotecas, salas-de-leitura e escolas;

b) o preço mínimo que se poderá alcançar na parcela que será

comercializada pela Editora (MEC/INL, Programa Nacional do Livro Didático, 1973 (?), p.13)45.

Assim, o sistema de co-edição coloca em cena a presença do estado, quer na

qualidade de comprador de livros, quer como co-editor responsável pela produção

editorial, junto à atuação da indústria editorial privada no negócio do livro didático. Os

programas de co-edição abrangiam todos os graus do ensino: Programa do Livro

Didático – Ensino Fundamental (PLIDEF); Programa do Livro Didático – Ensino Médio

(PLIDEM); Programa do Livro Didático – Ensino Superior (PLIDES); Programa do Livro

Didático – Ensino Supletivo (PLIDESU) e Programa do Livro Didático – Ensino de

44

A FAE se constituiu, por meio da Lei n.7.091, de 18 de abril de 1983, na nova denominação da antiga Fundação Nacional de Material Didático (FENAME) e passou a englobar, além das atividades da FENAME, as funções e responsabilidades do Instituto Nacional de Assistência ao Educando (INAE), antiga Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE). 45

A publicação, de 72 páginas, não contém data. No entanto, há mapas, tabelas e gráficos, elaborados a partir de dados da Coordenação do Livro Didático/INL, apontando números referentes aos anos de 1971 a 1973, o que sugere que a publicação desse documento foi no final do ano de 1973 ou início de 1974.

Page 93: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

93

Computação (PLIDECOM). Destes, sem dúvida o mais importante, em termos de

volume de produção e financiamento, é o PLIDEF46.

O funcionamento do PLIDEF obedecia a uma complexa dinâmica, em torno da

qual circulavam variadas instâncias e inúmeros intermediários, com o fim último de

colocar em circulação, nas mãos de professores e alunos, uma determinada obra

didática. Nesse estágio do circuito do livro, que aqui poderia ser chamado “penetração

na distribuição estatal”, o texto circula entre editores, comissões avaliadoras do

DEF/MEC, secretários de educação das unidades federadas, comissões avaliadoras

das secretarias; técnicos em contabilidade da FENAME; impressores; revisores;

distribuidores e livreiros, chegando, finalmente, aos leitores (bibliotecas, escolas e

grande público).

A penetração de um título na distribuição estatal seguia, portanto, um caminho

sinuoso, sendo que o primeiro passo era a análise da obra pelas comissões de

avaliação do DEF/MEC, com vistas à co-edição. Essas comissões se pautavam em

um formulário chamado “Instrumento de Avaliação – Livros Didáticos” que

contemplava os seguintes itens:

A. Produção Editorial (7% do total de pontos): A1) Elementos de identificação (título;

autor; edição; ilustrador; ficha catalográfica); A2) Elementos de enriquecimento

(prefácio; sumário);

B. Produção Gráfica (14% do total de pontos): corpo de letra; b) formato; c) ilustração;

d) acabamento;

C. Produção Didática (54% do total de pontos): C1) Elementos Gerais de Conteúdo

(objetivos de ensino; texto; recursos complementares ao texto; recursos auxiliares);

C2) Elementos Metodológicos (coerência metodológica);

D. Manual do Professor (25% do total de pontos): 1) produção gráfica; 2) Produção

Metodológica (plano geral da obra; objetivos de ensino; sugestões e atividades;

conteúdo; recursos auxiliares). Para cada subitem desses, o Instrumento oferece

“Critérios de atribuição de pontos”, como por ex.: dentro do item Produção Didática

(54% do total) a letra b avalia o Texto (16% do total) sugerindo: correção lingüística

(2pt); adequação vocabular (2pt); adequação da estrutura da frase (2pt); apelo à

atividade intelectual do aluno (2pt); apelo aos interesses infantis (2pt); dosagem

(3pt); seqüência (3pt) (MEC/INL. Programa Nacional do Livro Didático, 1973(?),

p.57/61).

46

Entre 1971 a 1973 o Programa Nacional do Livro Didático co-editou 37.849.509 livros, cabendo 23.150.346 ao PLIDEF; 240.500 ao PLITES e 88.000 ao PLIDEM (MEC/INL, Programa Nacional do Livro Didático, 1973 (?), p.12).

Page 94: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

94

Nos primeiros anos da parceria entre Estado e Editoras (1971-1974), com

vistas à co-edição de livros didáticos, o PLIDEF negociou com 32 editoras,

apresentando os seguintes números: 71/72: 114 títulos; 72/73: 212 títulos; 73/74: 223

títulos. A Bloch aparece na lista das 32 editoras contempladas com a co-edição, se

firmando como parceira do estado, editando inicialmente 4 títulos no biênio 72/73,

passando para 11 títulos no biênio 73/74 (MEC/INL. Programa Nacional do Livro

Didático, 1973(?), p.56).47

O sistema de co-edição iniciado em 1970 pelo INL ganhou novos contornos a

partir de 1976, quando a FENAME passou a responder pelo programa do livro

didático48. Segundo Oliveira et al:

Em linhas gerais, a FENAME se compromete a distribuir um determinado montante de livros aos chamados alunos carentes das escolas públicas de 1º. Grau, cabendo aos estados participarem com uma contrapartida financeira e material. Essa contrapartida chega a 12% dos recursos aplicados e, destes 12%, 10% são retidos no próprio estado para a realização de atividades complementares do PLIDEF, como treinamento de professores, banco de livros, etc. definida a contrapartida dos estados, a FENAME estabelece a quantidade de livros que deverá caber a cada unidade federada. Segundo informações da própria FENAME, algumas variáveis são consideradas pra que se estabeleça o cálculo das cotas estaduais de livros: o número de alunos matriculados nas escolas, a renda per capita, a contrapartida mínima do estado e a sua despesa efetiva com Educação. Determinado o quantitativo, cada estado pode solicitar no máximo 60 títulos, e cada título selecionado deve ter um pedido mínimo de 7.000 livros por estado e 20.000 para todo o país, segundo determinações da FENAME. Para cada 30 livros recebidos para distribuição ao aluno, o estado recebe um (1) Manual do Professor (livro do professor que acompanha obrigatoriamente o livro do aluno). A partir daí, desenvolve-se todo um processo de avaliação e seleção de livros a serem co-editados com as editoras privadas (OLIVEIRA et al, 1984, p. 84).

Dentro desses parâmetros, ainda segundo Oliveira et al (1984, p.85), para os

anos de 1980/1981, Mato Grosso recebeu 300.000 livros do PLIDEF, segundo suas

possibilidades financeiras. Esse dado aparece, mais completo, na Revista Educação

em Mato Grosso (Ano IV, n.14, 1981 p.51) e com uma divergência no número de livros

recebidos: a contrapartida foi de C$ 1.523.946,00, sendo 305.000 o total de livros

recebidos, referentes a 21 títulos, que beneficiaram 55 municípios, 203 escolas e

124.309 alunos.

47

De acordo com uma tabela, contida em um relatório do INL, que contempla o item “Contrato de Coedição/ Editoras/Disciplinas-1972” esses 4 títulos são de Linguagem. Já a tabela “Panorama global da coedição – 1972-1973”, evidencia os seguintes números para esses 4 títulos da Bloch: 313.712 livros para o aluno e 10.459 livros para o professor (MEC/INL. Livro Didático, 1973 (?), s/p.) 48

Decreto-Lei n.77.107 de 4 de fevereiro de 1976. A FENAME firma convênio com as Secretarias Estaduais de Educação no qual o governo central se obriga a distribuir um determinado montante de livros a alunos carentes e recebe dos estados, como contrapartida, 12% dos recursos aplicados (cf. Oliveira et al, 1984, p.64).

Page 95: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

95

O sistema de co-edição tinha, assim, por principal objetivo garantir, com o

aumento da tiragem e do mercado, que os custos fossem sensivelmente reduzidos. A

participação do governo nos custos da produção e a demanda por grandes tiragens

barateavam o preço do livro e aqueciam o mercado editorial, na medida em que a co-

edição garantia o pagamento adiantado de 40% a 50% do valor do contrato.

A partir do levantamento dos títulos e livros solicitados por cada unidade

federada, a FENAME compatilizava os resultados chegando a uma tiragem nacional,

com vistas ao barateamento dos preços. Nesse processo:

As negociações com as editoras, cujos títulos tenham sido selecionados para participarem do programa, são anuais e a FENAME discute a co-edição com cada uma individualmente. A partir daí, a editora tem um prazo de dois meses para entregar a encomenda à FENAME (em 15 de setembro de cada ano do programa, no mais tardar). Em outubro, começa a distribuição dos livros, diretamente nos locais – escolas ou municípios. As editoras se comprometem ainda a produzir pelo menos mais 25% da tiragem da FENAME para comercialização, e manter durante um certo tempo (em geral seis meses) o

preço de capa acertado na co-edição (OLIVEIRA et al, 1984, p.86).

Esses dados são suficientes para permitir algumas inferências sobre a produção

de Ada e Edu a partir do momento em que a cartilha entrou no “listão do MEC”

(Oliveira et al, 1984, p.88).

As fontes encontradas indicam, como já disse, que a cartilha Ada e Edu na sua 5ª.

edição foi co-editada com a FENAME no ano de 1981.

O exemplar encontrado traz na sua capa, bem ao pé da página a informação

BLOCH/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Na primeira página, colados à

lombada, há dois pequenos papéis sobrepostos com informações sobre a co-edição e

as formas de avaliação para a indicação pelo PLIDEF: “Este livro foi co-editado com a

Fundação nacional de Material escolar – Ministério da Educação e Cultura, dentro do

programa Nacional do Livro didático/Ensino Fundamental” e “Este livro foi analisado,

selecionado e indicado pelas Secretarias de Educação das Unidades Federadas á

fundação de Assistência ao estudante – FAE, do Ministério da Educação e Cultura,

para o Programa do Livro didático/Ensino Fundamental – PLIDEF” (Ada e Edu, 5ª Ed,

1981).

No entanto, em um exemplar do Livro do Professor, que se encontra na Biblioteca

Nacional (Rio de Janeiro) há as seguintes informações na folha de rosto: um carimbo

do MEC no qual consta a assinatura da, então, Chefe do DPNLD, Marly Goulart de

Campos, referente à distribuição da cartilha: “MEC/FAE/DIAE/DPNLD/PLIDEF.

Liberado para distribuição”, em 01/08/83.

Os dados sobre a política de produção e distribuição de livros didáticos da época,

acima apontados, cruzados com os exemplares encontrados, me permitem chegar a

Page 96: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

96

algumas conclusões e a algumas inferências a respeito das tiragens de Ada e Edu,

sintetizadas no quadro abaixo:

Quadro 04: Conjunto Ada e Edu: exemplares localizados

Edição Ano N. de exemplares

Livro (s) Localização

1a.

1ª. 1978 1978

01 01

- Cartilha - Cartilha

NUPED (doação Lourdes Amaral) NUPED (doação Lúcia Elvira)

2a. - - - -

3

a.

1978 1979 1980 1980

01 01 01 01

- Cartilha - Caderno de Atividades - Livro do Professor - Caderno de Atividades

- Biblioteca Nacional - Biblioteca Nacional - Biblioteca Nacional - NUPED (doação de Regina Lúcia)

4

a.

1980 01 05 01

- Cartilha - Cartilha - Cartilha

- NUPED (doação: Lúcia Elvira) - Acervo pessoal de Lúcia Elvira - Acervo pessoal Regina Lúcia

5

a.

1981 1981 1981

01 01 01 04

02

30.000

- Cartilha * - Livro do professor - Cartilha - Livro do professor - Copyright de 1981 - Livro do professor - Copyright de 1981 - Livro do professor - Copyright de 1981

- Biblioteca Nacional - Biblioteca Nacional - Acervo pessoal Renete Maciel - Acervo pessoal de Regina Lúcia - NUPED (doação: Bloch e Regina Lúcia) - Acervo Bloch Editores

6a. 1985 01 - Cartilha

- NUPED (doação Rosa Persona)

Total de exemplares da Cartilha

12

Total de exemplares do Caderno de Atividades

02

Total de exemplares do Livro do professor

30.008

* - Co-edição Bloch – FENAME

Observando-se o campo do número de edições facilmente se conclui que em

seu primeiro ano junto à Bloch Editores, a cartilha teve três edições. Se considerarmos

o mínimo por edição, registrado no Contrato, chegaremos aos 15.000 (quinze mil)

exemplares da cartilha e, provavelmente, aos correspondentes 15.000 (quinze mil)

Cadernos de Atividades e 500 (quinhentos) Manuais do Professor.

O Caderno de Atividades encontrado na Biblioteca Nacional sinaliza que

houve, no ano de 1979, pelo menos uma edição nos moldes do contrato. Igualmente,

no ano de 1980, o Manual do Professor, depositado na Biblioteca Nacional, evidencia

mais uma edição de, no mínimo, 5.000 (cinco mil) exemplares. Aqui, no entanto,

aparece algo um tanto estranho. Observe-se que foram registrados como pertencentes

à 3ª. edição: a cartilha do ano de 1978; o Caderno de Atividades de 1979; e o Livro do

Professor de 1980. Ao que tudo indica, embora esses três materiais compusessem o

“conjunto Ada e Edu”, foram tratados individualmente no processo de produção da

Page 97: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

97

editora, obtendo número e tiragem próprios de edição. Ainda, com registro do ano de

1980 foram encontrados alguns exemplares da Cartilha da 4ª. edição.

Nesse cálculo, sempre lembrando ao leitor que se trabalha com o índice

mínimo do qual se tem fontes para justificar, e deduzindo-se que a 2ª. edição

aconteceu, embora não tenhamos um exemplar, chegamos a um total de 30.000 mil

(trinta mil) exemplares de Cartilha publicados, se seguir o raciocínio de que cada

exemplar encontrado de uma determinada edição corresponde a uma tiragem de

5.000 mil (cinco mil) cartilhas. Aqui estou, desta forma, desconsiderando o conflito de

datas e número de edição, existente nos três diferentes materiais, acima explicitado.

Deste modo, chegamos ao ano de 1981 e à 5ª. edição de Ada e Edu, agora co-

editada com a FENAME. Considerando que as determinações desse órgão previam

que cada título selecionado tivesse um pedido mínimo de 7.000 exemplares por

estado e de 20.000 para todo o país, poderia ficar com esse último número como

tiragem mínima do ano em questão. No entanto, há outros indícios que precisam ser

considerados.

O primeiro deles é a existência do dado emblemático de uma significativa sobra

de estoque em um dos galpões da antiga TV Manchete, situado na Estrada da Água

Grande, em Irajá, periferia do Rio de Janeiro, que abriga o que sobrou da Bloch

Editores, que passarei a denominar “arquivo” da Bloch. Lá se encontra uma grande

pilha de Ada e Edu - Livro do Professor. Os exemplares não trazem o número da

edição, apresentando, no entanto, o Copyright de 1981, o que permite deduzir que

sejam referentes ao ano da co-edição com a FENAME, quando a produção foi mais

significativa. Um cálculo aproximado da pilha (5x10x12=600 pacotes, contendo 50

exemplares em cada um) me permite dizer que ali se encontram cerca de 30.000

(trinta mil) exemplares.

Fig.32: Sobras de estoque Bloch Editores: Ada e Edu. Livro do Professor. Foto CJC (02/07/2008)

Só esse número, me permite afirmar que, pelo menos no ano de 1981, a Bloch

produziu bem mais do que o mínimo rezado no contrato, que era de meros 5 mil

exemplares e, também, mais que o mínimo exigido pela FENAME, que era de 20.000

Page 98: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

98

exemplares. Se considerarmos que para cada Manual do Professor eram

confeccionadas cerca de 30 cartilhas para os alunos, nosso número cresce

significativamente, evidenciando uma expectativa de produção de estrondosos

900.000 (novecentos mil) exemplares de cartilhas, correspondentes àquele estoque de

Manuais de Professor. Poderia mesmo ir além, levantado a seguinte hipótese: se esse

material é sobra de edição, a produção do ano de 1981 foi muito significativa,

extrapolando em muito as médias de 50.000 exemplares por edição e, assim, fazendo

frente a uma produção de cerca de 72 milhões de exemplares de livros didáticos

brasileiros produzidos no ano de 1980 (cf. Hallowell, 1985, p. 588/9). Isso teria

fundamento?

Outro indício a ser considerado é o carimbo existente no exemplar do Livro do

Professor que se encontra na Biblioteca Nacional, que libera a distribuição para o ano

de 1983. O que pode ter ocorrido? A co-edição (primeira?) e conseqüente distribuição

em nível nacional, aconteceu no ano de 1981. Se as negociações entre a FENAME e

as editoras eram feitas anualmente, posso deduzir que a parceria entre o estado e a

Bloch Editores permaneceu nos anos de 1982 e 1983? Ou, numa segunda hipótese, o

que foi distribuído pela FENAME em 1983 era sobra de estoque do MEC? Em

qualquer uma das hipóteses permanece a possibilidade de circulação nacional da

cartilha por esse período.

As fontes, sempre lacunares e imprevisíveis, vão se dando, lentamente, a

conhecer, processo esse muitas vezes condicionado ao tempo disponível, à

persistência, ao “faro” e à sorte do pesquisador. É nesse âmbito que situo o encontro

de outro documento importante: A Nova Escolha do Livro Didático - Catálogo da FAE

– Programa Nacional do Livro Didático, com data de setembro de 1985. Na primeira

página desse impresso o Presidente da FAE, Carlos Pereira de Carvalho e Silva, se

dirige aos professores, traduzindo o que significava a palavra “Nova” para o Programa

Nacional do Livro Didático: o reconhecimento “que os professores têm o direito de

indicar os livros que serão utilizados com seus alunos”. Na página 3 o item “Começar

de novo... vai valer a pena” traz a seguinte explicação:

Em agosto, você, provavelmente, participou da escolha dos livros de sua escola. Mas agora é preciso uma NOVA ESCOLHA, porque: - Muitos professores e escolas pensaram que só podiam escolher livros dos catálogos de propaganda de algumas editoras! - Muitas escolas indicaram seus livros em modelos de formulário não oficial, de propaganda de editoras! - Muitos professores não foram consultados! A FAE, no entanto, insiste: - Sem Professor não há escolha! (FAE, 1985, p.3).

A indignação contida nas exclamações tenta, por um lado, justificar uma nova

escolha no mesmo ano e, por outro, firmar o novo compromisso da FAE de que o

Page 99: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

99

professor é o responsável pela escolha dos manuais e que, a partir de então, haveria

menos interferências externas ao processo de escolha do livro didático pelos

professores.

Da página 3 a página 8 o Catálogo se detém a explicar toda a sistemática de

escolha e preenchimento da ficha, justificando que “o computador vai ajudar” e, por

isso, foi criado um código para cada livro. A partir da página 9 são apresentados em

tabelas e em ordem alfabética todos os títulos disponíveis para todas as séries –

Alfabetização, 1ª. a 4ª. - e todos os componentes curriculares: Comunicação e

Expressão, Matemática, Estudos Sociais e Ciências. Para a 1ª. série há a

especificidade de serem oferecidos os seguintes livros: Cartilha, Pré-livro e Leitura

Intermediária. É, exatamente, na página 9 que figura a Cartilha Ada e Edu:

A co-edição Bloch-Fename da cartilha Ada e Edu no ano de 1981, somada às

evidências de sua distribuição pelo MEC no ano de 1983 e sua inclusão no Catálogo

da FAE do ano de 1985, para distribuição em 1986, me faz defender a idéia de sua

permanência no Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Fundamental –

PLIDEF, pelo menos, entre os anos 1981 e 1985, já que não se justifica a entrada e

saída de um título alternadamente a cada ano. Isso amplia consideravelmente as

possibilidades de circulação desse livro didático. Enfatizando a circulação pela via

oficial da compra e da distribuição feitas pelo Estado, deixei de mencionar outra

vertente possível, embora, certamente, menos significativa: a venda avulsa para

livrarias e escolas particulares realizada pela Bloch.

Quanto aos emblemáticos 30.000 exemplares do Livro do Professor, existentes

no acervo da Bloch, Egberto Gaia, que assumiu a Diretoria de Apoio Didático e

Pedagógico49 da FAE no ano de 1985, em conversa informal com esta pesquisadora50

levanta a hipótese de a Bloch ter produzido uma tiragem maior do Livro do Professor

por medida de economia, já que esse manual era impresso em preto e branco e

continha poucas páginas. Já a cartilha, em quatro cores, a Editora iria fazendo

gradualmente na medida da necessidade. Além disso, o depoente lembra que os

manuais de professores eram utilizados pelas editoras para fazer a divulgação.

Salienta que é alto o custo de divulgação do livro didático, ficando a relação em cerca

de um por três, ou seja, para cada livro doado, apenas três são comprados.

Essas cogitações se dão devido à ausência de fontes seguras que pudessem

dar pistas da real produção e circulação de Ada e Edu, tais como, os contratos

49

Na estrutura organizacional da Fae, essa Diretoria tinha como objetivo “propor e desenvolver a política de edição, e de apoio instrucional, bem como coordenar as atividades de aquisição, produção, venda e distribuição de material didático-pedagógico”(MEC/FAE. Relatório Anual, 1984, p.7). 50

A quem faço meus agradecimentos pela atenção e pelas informações, gentilmente cedidas.

Page 100: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

100

celebrados entre a FENAME/FAE e a Bloch Editores e os mapas de distribuição dos

livros, que tanto poderiam ser encontrados nos acervos do governo, quanto no acervo

da Editora, se a memória fosse prioridade nesse país. Lamentavelmente, talvez, seja

possível ampliar para as instituições oficiais brasileiras o mesmo raciocínio que

Darnton faz em relação aos Editores e que se encontra na epígrafe deste texto: os

arquivos são tratados como lixo51.

Restam, então, as questões: qual foi o montante de produção de Ada e Edu?

para onde, efetivamente, foram todos os exemplares produzidos pela Bloch Editores?

por onde circulou Ada e Edu? 52

Assim, preciso me conformar em “fazer o inventário dos arquivos do silêncio e

fazer a história a partir dos documentos e das ausências dos documentos” (Le Goff,

2000, p. 103). O conjunto de fontes disponíveis me encaminha para algumas

interpretações possíveis. Em sua carta, o professor Niskier ressalta e antecipa a

dificuldade que teríamos, diante da dispersão dos arquivos da Bloch, em encontrar

dados precisos da cartilha (edições, tiragens, localização, etc.). No entanto, lembra

que:

A cartilha foi adotada oficialmente em Mato Grosso. E aí teve uma boa circulação (...). Em outros Estados, vendas pequenas. Nada assim de muito expressivo (...). Sobre o período de circulação da cartilha, penso que foi entre 1977 e 1979. Neste ano assumi a Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, licenciando-me da Bloch Editores. Passou a tomar conta da Bloch Educação a professora Anna Maria de Oliveira Rennhack, hoje na Editora Record. A cartilha foi espalhada sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. O que nos chamou a atenção foi a qualidade do trabalho e a sua adequação à região a que se destinava. Por sua simplicidade, despertou

interesse em outros Estados (Arnaldo NISKIER, correspondência de 30/03/2005).

51

A Bloch Editores foi decretada Massa Falida em 2000. A minha visita ao seu acervo no Rio de Janeiro foi autorizada pelo Dr. Walter Soares, síndico da Massa Falida. Fui gentilmente acompanhada pelo preposto Dr. Luiz Antônio Reis de Freitas. Este me informou, previamente, que os livros contábeis da Editora estavam sendo periciados e, portanto, eu não poderia ter acesso a eles. A inexistência de outros documentos (correspondências, contratos, notas fiscais, etc) é explicada pela via da dispersão. Segundo o Dr. Luiz Antônio Freitas, por um lado, se passou muito tempo entre a notícia da falência e a falência propriamente dita, dando oportunidade a que os documentos fossem sumindo e, por outro lado, as mudanças do acervo, que passou por vários lugares, também provocaram a dispersão. 52

Infelizmente, em que pesem todos os meus esforços, não consegui encontrar nenhum registro da distribuição específica desse livro didático, em termos de estados, municípios e escolas para além do estado de Mato Grosso. Foram realizados contatos com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE; com o Programa Nacional do Livro Didático; com o CIBEC/INEP; com o SBIB - Secretaria de Biblioteca, com o Arquivo Administrativo do MEC, etc. A Coordenadora Geral dos Programas do Livro – FNDE, Sônia Coelho, me informou, via e-mail, que não há registros impressos do que foi adotado em termos de Livro Didático da "época" que desejo. Edson Maruno, atual Coordenador de Avaliação e Qualidade dos Livros Didáticos, que também trabalhou na FAE, em contato pessoal, reiterou a mesma informação.

Page 101: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

101

Niskier faz uma referência a vendas pequenas, no entanto, como ele próprio

informa, por ocasião da venda para a FENAME, ele não se encontrava mais à frente

da Bloch Educação. Mesmo assim, sua visão comercial antecipou essa possibilidade,

anos antes, registrando-a no contrato, no seu 4º. artigo:

4º.) A título de direitos autorais, a EDITORA pagará às AUTORAS a importância equivalente a 10% (dez por cento) do preço de capa dos exemplares vendidos.

§ único:- Fica estabelecido, desde já, que se a obra for coeditada com o Instituto Nacional do Livro – INL, Fundação Nacional de Material Escolar – FENAME ou outro órgão similar, os direitos autorais serão de apenas 6% (seis por cento), para a tiragem da obra encomendada.

OBSERVAÇÕES: Os direitos autorais mencionados no Parágrafo 4º. Foram cedidos pelas autoras à Secretaria de Educação e Cultura de Estado do Mato Grosso e serão pagos em livros no valor correspondente (BLOCH EDITORES. CONTRATO DE EDIÇÃO, 1978).

As autoras, de modo geral, têm pouca informação sobre a circulação de sua

obra. Rosa Persona diz que na época teve notícias de que a cartilha fora para uma

região do Paraná. Lembra, ainda, de ter recebido uma carta de uma professora da

Bahia anunciando que estava usando Ada e Edu. Maria Antonieta Fernandes lembra

que “teve um pessoal interessado nela”, não podendo precisar se foi no Pará ou

Amazonas.

Outro dado esparso de circulação me foi dado por Conceição de Paula. Ela

informa que logo após a edição de Ada e Edu pela Bloch a SEDUC recebeu um

pedido de um Secretário de Educação de Nova Friburgo (Rio de Janeiro). Lembra que

essa solicitação foi intermediada por Cosette Ramos, que fora coordenadora do

programa de livro didático no INL. O Secretário de Educação de Mato Grosso atendeu

ao pedido, sendo enviados cerca de cem exemplares para Nova Friburgo.

Também as professoras do Paraná Tânia Maria Braga e Grenilza Maria Lis

Zabot se lembram da cartilha, de tê-la visto naquele Estado. No entanto, não encontrei

nenhuma professora paranaense que a tivesse usado.

Assim, ainda que de modo lacunar, foi possível reconstruir uma parte da

circulação da cartilha Ada e Edu, especialmente no contexto mato-grossense, e

registrar algumas possibilidades dessa circulação em nível nacional.

A seguir, o estudo se debruçará sobre o olhar das professoras,

leitoras/usuárias desse material. É possível reconstituir seus usos por meio de

memórias?

Page 102: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

102

8. Leitoras/usuárias: a voz das professoras

Seja como for, o consumidor não poderia ser identificado ou qualificado conforme

os produtos jornalísticos ou comerciais que assimila: entre ele (que deles se serve) e

esses produtos (indícios da “ordem” que lhe é imposta, existe o distanciamento mais

ou menos grande do uso que faz deles (Certeau, 2003, p.95).

A história do livro didático padece de uma lacuna fundamental: temos grandes

dificuldades em saber o que acontece com ele, efetivamente, na sala de aula, ou seja,

em conhecer, historicamente, os usos que os professores e alunos fazem de uma

produção didática. Os usos, por definição, são múltiplos e variáveis, ficando longe,

portanto, de uma uniformidade. Ao fato de o livro didático ser prescritivo e de

apresentar uma seleção de conteúdos organizados numa seqüência lógica, a vulgata

segundo Chervel (1990), não corresponde um uso literal, linear e único por parte dos

professores e alunos.

Desse modo, este estudo tentou realizar, ainda que timidamente, uma breve

incursão no campo obscuro dos usos, a partir da memória de algumas alfabetizadoras,

objetivando contribuir para a compreensão da materialidade inserida nas práticas

escolares prescritas e/ou efetivadas.

As professoras constituem o público consumidor desse impresso e, portanto,

encerram, junto com os alunos, o seu circuito de comunicação. Dadas as

especificidades da fabricação e circulação do livro escolar, indicadoras do seu

desprestígio social, apontadas na introdução desse texto e, ainda, pela “função

instrumental” (Choppin, 2004, p.551) preferencialmente exercida pelas cartilhas

escolares, opto por me referir às professoras como “usuárias” (Batista, 2002, p. 530)

da produção didática.

Convém, igualmente, relembrar ao leitor que se fala de um manual, ou melhor,

de um conjunto didático, elaborado em 1977, década em que houve uma profunda

alteração na concepção que o autor tinha do professor como leitor. À invenção do

Livro do Professor subjazem sérias suposições sobre as possibilidades de este

desenvolver seu trabalho pedagógico, aspecto que ajuda a configurar “um ambiente

pedagógico específico” e um “contexto regulador” (Choppin, 2004, 554), em nível de

Brasil, que, no interior do PNM tem suas características exacerbadas.

Por um lado, temos o critério adotado pela equipe mato-grossense para

selecionar as 12 professoras que atuaram no “experimento” inicial: que fossem

Page 103: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

103

normalistas recém formadas e sem experiência no magistério, “a fim de conseguir um

desempenho ‘padrão’” (MATO GROSSO/SEDUC/PNM. Relatório, 1976). Esse critério,

e toda a explicação que o acompanha, permite vislumbrar uma concepção mecânica

de aprendizagem como treino de sujeitos passivos e a-históricos. As experiências

anteriores das professoras são olhadas com desconfiança, a partir da perspectiva de

que estas já teriam adquirido vícios que poderiam funcionar como empecilhos para o

desenvolvimento de uma prática inovadora. Por outro lado, depois da avaliação do

“experimento” e de seus resultados pouco promissores, mesmo com a equipe

reconhecendo que “o método em si (...) além de não ser passível de classificação

objetiva, sofre tantas variações, quantas sejam as cartilhas e os professores (MATO

GROSSO/SEDUC/PNM. Relatório, 1977, p. 2 e 3), todo o trabalho organizado em

torno da alfabetização e dos usos da Cartilha Ada e Edu, acentua o contexto

regulador, disciplinador, controlador dos sentidos e usos desejados para aquele

conjunto didático.

Todo o empenho da equipe na produção de treinamentos, diretrizes, material

complementar e, sobretudo, nas ações de controle e acompanhamento, parece sugerir

a crença das autoras em que os textos afetariam a sensibilidade dos leitores de uma

mesma maneira. Tentei aqui levar em conta “a coerção do texto sobre o leitor, bem

como a liberdade do leitor com o texto” (Darnton, 1990, p.128).

Voltando o foco para a produção didática aqui estudada, percebi que o

investimento na história oral para tentar resgatar memórias relacionadas à cartilha Ada

e Edu, se não se configurou como a melhor metodologia para a realização de um

amplo rol de usos, abriu a possibilidade de interagir com diferentes sujeitos históricos,

com diferentes vivências sociais. No entanto, ao valorizar a diversidade e a

subjetividade procurei não me descuidar da possibilidade de se perceber indícios de

padrões sociais e culturais comuns em sujeitos separados espacial e/ou

temporalmente.

Assim, perscrutar os usos de um livro didático que circulou há 30 anos implicou em

reconstituir significados atribuídos a esse material, que podem ser sintetizados a partir

desses questionamentos: como as professoras recebiam e usavam a Cartilha Ada e

Edu e os materiais complementares? quais valores foram atribuídos a esse livro

didático? o que as usuárias se lembram desse material escolar? quais imagens desse

livro foram preservadas? quais conteúdos? quais vivências e experiências

permaneceram nas memórias, envolvendo seu uso junto aos alunos? quais aspectos

as usuárias lembram sobre a utilização desse livro? a cartilha Ada e Edu foi

preservada por suas usuárias?

Page 104: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

104

Leituras/usos previstos

Como já deve ter ficado claro ao longo deste texto, são muitas as vinculações

entre a Cartilha Ada e Edu e o PNM. Nesse sentido, as conversas com as professoras

nunca se restringiram ao manual, contemplando sempre aspectos do projeto. Três

depoimentos apresentados a seguir, evidenciam essa constatação.

A professora Terezinha Lizete de Figueiredo participou do primeiro grupo de

professoras que trabalhou no PNM, na Capital, após a constituição da equipe mato-

grossense coordenada por Rosa Persona. Ela rememora:

Fiz esse curso em 76, Projeto Novas Metodologias. Eu estava terminando o Magistério, aí a minha prima Maria de Lourdes Figueiredo Silva, Chefe de Ensino da Divisão de 1º. Grau, disse: “Tetê, vai ter um curso no Centro Educacional. Corre lá, vai fazer, porque se você passar consegue uma vaga”. Eu fiz o curso, todinho, não faltei nenhum dia, foi um bom tempo, tinha três opções no curso, o [método] eclético, o analítico e o fonético. Esse era terrível, eu não me identifiquei. Eu me identifiquei pelo método da soletração, soletrar, o eclético (...). Fiquei um ano nesse projeto, de manhã e à tarde. Porque de manhã, você dava aula e à tarde tinha que escrever, fazer os relatórios, preparar as aulas. Olhe o meu caderno era lindo. Nós preparávamos as aulas, nós preparávamos os cartazes, nós tínhamos tempo para trabalhar com os alunos que não acompanhavam. Olhe, era um projeto fantástico! Tempo integral. De manhã e a tarde. De manhã você dava aula para seus alunos, à tarde você encontrava com sua coordenadora. A Francisca orientava as nossas atividades (Terezinha Lizete de FIGUEIREDO, entrevista do dia 19/09/2008).

A professora Ana Maria Barbosa contou que iniciou sua carreira docente em 1975,

em Rondonópolis, situada no sudeste mato-grossense a 214 km da capital, momento

em que cursava apenas a sexta série e foi trabalhando, nos anos posteriores, como

substituta. No ano de 1978, cursando o magistério e responsável por uma turma de 1ª.

Série na Escola Daniel Martins de Moura, em Rondonópolis, conheceu o PNM:

Igual eu falei para você, no início foi substituição, eu comecei substituindo e fui pegando gosto (...). Aí fui substituir 76, 77, quando foi em 78 eu fui convidada para pegar uma sala minha mesmo o ano todo, porque para mim era um tédio quando ia vencendo a substituição, três meses, dois meses, seis meses e eu ficava assim preocupada, primeiro porque eu precisava trabalhar para ajudar meus pais e segundo porque eu já tinha tomado gosto né, eu queria trabalhar (...). Em 78, acho que eu já vou falar do ano de experiência com o Projeto Novas Metodologias, que é lá da Ada e Edu. Em 78 foi implantado esse projeto, esse projeto o nome dele é Novas Metodologias. Ele funcionava assim, os alunos eram matriculados na 1ª série, seis meses na primeira e seis meses na segunda, no ano seguinte iam para a 3ª série (...) e aí sim nesse tempo veio o cursinho, cursinho de 40 horas, 30 horas 20 horas, inclusive nesse projeto, aí sim eu me apaixonei mais pela profissão e o interesse em aprender para poder ensinar, porque até então eu tinha experiência, de 76 para 78, eu não tinha tanta experiência, porque eu estava era substituindo, quer dizer, eu pegava o planejamento pronto eu pegava da Florita mesmo, eu pegava até o plano pronto para trabalhar, quer dizer, não era uma coisa assim que eu ia produzir, e a partir de então eu ia ter que construir o meu planejamento, o meu plano de aula, as minhas atividades diárias (...) aí esse projeto aqui (...) ele então foi muito bom,

Page 105: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

105

porque ele já veio assim com as metodologias já bem diferenciadas (...) porque ele vinha já em apostila por bimestre e a cartilha Ada e Edu e vinham também as aulas, por bimestre, os conteúdos, os conteúdos que você deveria trabalhar naquele bimestre, naquele semestre (...). Então um dos motivos de eu dar prosseguimento mesmo, fazer o magistério, abraçar o magistério com unhas e

dentes foi o trabalho mesmo com esse projeto (Ana Maria BARBOSA, entrevista do dia 14/05/2003). Porque ele era um projeto que vinha assim ao encontro (...) do professor, do aluno e dos pais, porque naquela época os pais acompanhavam o trabalho dos professores, eles caminhavam junto, queriam saber: meu filho está dando conta desse projeto? A gente era assessorada, porque [a supervisão] acompanhava; tinha os Boletins Informativos que nos ajudavam. Então, era um projeto que tinha tudo pra dar certo e não sei até por que que acabou assim tão de repente

e eu não sei nem te explicar (Ana Maria BARBOSA, entrevista do dia 28/06/2008).

A professora Maria de Lourdes Amaral trabalhou em Rondonópolis, no ano da

implantação do PNM, nas escolas Daniel Martins de Moura e Pindorama. Na primeira,

foi colega de Ana Maria Barbosa, como aluna do curso ginasial e como professora em

início de carreira, sendo que essa ficou com a turma de 1ª série do PNM –

Alfabetização (Meta 01.01) e Maria de Lourdes com a turma de aceleração (Meta

01.02). Suas memórias ressaltam um concurso de redação, desencadeado pelo PNM,

com o intuito de dar visibilidade ao processo de alfabetização, concurso esse

arrebatado por um aluno de sua classe:

Eu fui para o zero um e depois fui para o zero dois. É o seguinte. Era outro Projeto Novas Metodologias. A criança que tinha sete, até sete anos, ficava [na alfabetização] (ou era oito anos?) era o um [Meta 01], de oito a nove ia para zero dois [Meta 02] e depois já entrava na terceira série. E eu trabalhei (...) na zero dois. Esse aluno meu foi da zero dois. Nós tínhamos que fazer, o aluno tinha que fazer uma historinha sobre o Hino Nacional, uma descrição sobre o Hino Nacional e a gente mandava para Cuiabá. Foi feito em Rondonópolis inteiro e esse aluno, esse Roberto, ele era filho de um pastor, ele tinha uma cabeça grande, muito inteligente o garoto. Olha, é impressionante o que esse garoto escreveu sobre (eu acho que era sobre a Bandeira, foi o Hino Nacional, não). Impressionante, e mandei; escolhi e mandei. Todos os professores mandaram para a SEDUC. E veio a apostila com o nome da professora Maria de Lourdes Arcanjo de Amaral, Projeto Novas Metodologias. Das Novas Metodologias me lembro desse sucesso que eu te contei com esse garoto e

lembro que tinha cursos bons (Maria de Lourdes AMARAL, entrevista em 25/06/2008).

Na cidade de Cáceres, situada no Centro Sul Mato-Grossense, a 200 km da

capital, encontra-se Julita do Carmo Mendes Polvo, que trabalhou como supervisora

da Escola Dom Galibert no período da utilização de Ada e Edu pelas alfabetizadoras, a

qual aponta características e conteúdos do manual que, na ocasião, eram valorizados:

Por sinal os professores gostavam da Ada e Edu, porque ela vinha com um palavreado mais simples, a palavra chave, que era conhecida. Naquela época

Page 106: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

106

trazia assim, por exemplo, a Ada e Edu, o nome de criança, e no interior dela, pra começar as palavras chaves, trazia assim mais facilidade para o entendimento da alfabetização. Por exemplo, quando ela fala de caju, que era uma fruta da região, o nome de pessoas que a criança com uma facilidade identificava. Diferente de outras cartilhas (...) essa aqui eu achava mais regionalizada pra eles, é mais fácil o entendimento, enquanto que outras traziam as palavras (...) mais assim longe da realidade deles, então que dificultavam o entendimento (...) então, essa cartilha que eles gostaram muito da Ada e Edu por ela ser mais simples, assim em algumas partes dela, então no momento como eu já passei tanto tempo a gente tinha que dar uma olhada a mais, por exemplo, a palavra bola, que era muito acessível à criança, boca, bala, então, tudo isso a criança conhece então tudo que a criança conhece ficava mais fácil o entendimento, na hora de fazer os textos, as frases. Então eles entendiam direitinho porque tinha sentido, tinha significado (...) assim os professores diziam que gostavam muito da Ada e Edu por causa de ser, na

época, dar mais espaço para se trabalhar com ela (Julita do Carmo Mendes POLVO, entrevista em 21/07/2008).

A fala da supervisora Julita reitera as características exaltadas pelas autoras nos

processos de produção e difusão da cartilha, especialmente os aspectos da

regionalidade, da simplicidade e da acessibilidade.

Comentando mais sobre os usos, essa supervisora ressalta que:

Olha naquela época os professores recebiam a cartilha e todos começavam da primeira lição e essa cartilha era acompanhada religiosamente. Então, nas salas não existia assim essa sala de aceleração, não havia esse remanejamento que a gente fazia, os que compreendiam mais passavam para uma sala mais adiantada. Então, o que que os professores faziam? Porque o professor conhece os mais acelerados, os médios e os que andam devagar (...) então, com aqueles que eram mais acelerados ela trazia texto diferente, entendeu? Ela acelerava nessa forma, ela dividia o quadro no meio, do lado ela fazia esse estudo mais acelerado e, enquanto isso, ela ia trabalhando com os outros. É igualzinha a [sala] multisseriada, que você trabalha com várias séries, primeira, segunda, terceira e quarta, numa sala só, então, é um trabalho muito

difícil, mas naquela época a gente não fazia (Julita do Carmo Mendes

POLVO, entrevista em 21/07/2008).

Elementos da cultura escolar da escola Dom Galibert, que à época tinha como

diretora a Irmã Ana53, transparecem no discurso da supervisora Julita. Se o uso linear

da cartilha sinaliza para um processo mecânico de alfabetização, prática hegemônica

naqueles tempos, a introdução de textos “diferentes”, alheios à cartilha, para atender a

uma demanda ditada pela diversidade de ritmos de aprendizagem, sinaliza para uma

possível perspectiva inovadora. Esse dado da realidade – a diversidade dos alunos –

indica que a cartilha Ada e Edu nem sempre reinava soberana nas classes de

alfabetização.

53

A dissertação de Luciane Miranda Faria “As práticas de alfabetização na Escola Estadual Dom Galibert – Cáceres – MT (1975-2004)” (2008) apresenta um interessante panorama das atividades de irmã Ana junto ao corpo docente da escola.

Page 107: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

107

A mesma depoente relata, ainda, que a freira diretora ficava muito vigilante aos

aspectos por ela considerados “antipedagógicos”, que poderiam ocorrer na prática,

sugerindo formas alternativas de trabalho:

Então, ela falava assim que aqueles mais adiantados podiam ajudar os mais atrasados a acelerar. [Devia-se] trabalhar com eles, ao invés de excluí-los. Ela falava: faz o trabalho de grupo, põem o que sabe para ajudar o que não sabe, para ler, para ajudar a escrever, então, ele vai sentir mais motivado, mais

incentivado e ele também vai procurar fazer (Julita do Carmo Mendes

POLVO, entrevista em 21/07/2008). A eficiência da cartilha Ada e Edu no processo de alfabetização, nessa escola,

era acompanhada pela equipe pedagógica, sendo que:

a escola se virava como podia, então, o que que era feito, também, para o acompanhamento das crianças? A coordenadora, no caso eu, tomava a lição pra ver se o aluno sabia ler (...) formulava um texto, de uma folha algo assim, com as palavras daqui [da cartilha], mas com a construção diferente, um texto

diferente e passava aluno por aluno pra ver se eles já sabiam ler (Julita do

Carmo Mendes POLVO, entrevista em 21/07/2008).

A prática da supervisora de tomar a lição, aluno por aluno, e/ou elaborar uma

espécie de teste com o universo vocabular contido na cartilha e já dominado revela-se

como mecanismo de controle e acompanhamento da aprendizagem, bastante comum

na época estudada.

A professora Doquelza de Almeida Pessoa também trabalhou 29 anos na

Escola Dom Galibert, sendo que mais de 25 anos foram dedicados à alfabetização.

Lembra-se muito bem do material utilizado por ela e por suas colegas e reclama do

fato de a cartilha ter sido retirada do cenário da escola:

Bom, a cartilha Ada e Edu eu acho que é assim, foi uma das melhores cartilhas que veio, que eles elaboraram aqui mesmo em Mato Grosso (...). Todas trabalhavam com essa cartilha de alfabetização. Nós éramos, parece, que umas três classes aqui de primeira série. Só que nós trabalhamos com a cartilha, distribuíram para os alunos e, eu acho que, ficou só uns dois anos (...) Ela não é de setenta e sete, setenta e oito, setenta e nove? só que essa cartilha, quando eles viram que a gente gostava de trabalhar com ela - porque o livro de exercícios que vinha pro professor ele tinha muitos exercícios já pra você trabalhar e ela era uma cartilha que ela foi elaborada pra Mato Grosso

mesmo – eles tiraram (Doquelza de Almeida PESSOA, entrevista em 17/07/2009).

Perguntada sobre como as professoras se apropriaram desse material, a

professora relembra do curso que tiveram para aprender a utilizar a cartilha e do

detalhe de ter dado uma aula demonstrativa, apontando, ainda, colegas de outras

escolas que fizeram o mesmo:

Bom, para o repasse veio uma das autoras da cartilha, veio fazer o repasse pra gente, nós assistimos o repasse todo. Depois, no final do curso, ela escolheu vários professores, eu lembro que da escola Dom Galibert eu dei uma aula, do

Page 108: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

108

Esperidião Marques foi aquela Georgina que deu a outra aula, lá do Ana Maria foi uma outra professora. Eles escolheram para dar da maneira como a gente dava aula. Agora se saiu bem eu não sei (...) Bom, ela fez assim um apanhado da cartilha, [expôs] muito sobre a cartilha e como podia trabalhar. Depois no final ela pedia pra gente dar a nossa maneira de dar aula, você entendeu?

(Doquelza de Almeida PESSOA, entrevista em 17/07/2009).

Instigada, ainda, sobre os usos efetivos desse material e, mais

especificamente, sobre o momento da apresentação da cartilha para as crianças, a

professora Doquelza assim se manifesta:

Bom, quando chegava a cartilha pra distribuir, então era assim, eu lembro que a gente tirava uma tarde pra ficar olhando a cartilha e depois a gente ia, os alunos iam encapar a cartilha. Então, naquele dia quase não tinha nada de atividade na minha sala era assim, eu às vezes trazia também o papel porque era aluno carente; então a gente encapava com sacolas de plástico, você entendeu? E aí eu costurava assim na borda, dobrava e eu ia com a agulha e a linha costurando, porque tudo isso eu aprendi lá no meu magistério, como encapar um livro, cartilha; então a gente fazia isso com a sacola de plástico, aquela sacola de açúcar de hoje, a gente encapava caderno, encapava o livro

das crianças (Doquelza de Almeida PESSOA, entrevista em 17/07/2009). Comentando sobre os usos da cartilha no primeiro dia de aula, na

apresentação da primeira lição, a professora descreve como conduzia a ação

pedagógica e insinua uma tática utilizada para “desobedecer” a prescrição da época

de rígido controle na apresentação e experimentação dos elementos da língua:

Primeiro, geralmente, na sala tinha uma criança que começava com a letra “E”,você entendeu? porque o nome dela que tinha a letra “E” e ali a gente começava a trabalhar e depois eu colocava o “D” e “U” e já falava e dava o nome “Edu”. É igual, começa com que letra? Com a letra “E”. Quem que tem um nome aqui que começa com essa letra? Só punha lá a letra bastão, mas a criança ia aprender a letra cursiva que era tão difícil pra aprender (...) É, [trabalhava]com a imagem da cartilha e aí passava e depois a criança já ia, começava depois do “E”, porque ela já sabia as vogais, aí já ia trabalhar o “da”, “de”, “di”, “do”, “du”; e era assim quando eu ia trabalhar o “da”, “de”, “di”, “do”, “du” que alguma criança e a coordenadora visse no quadro uma palavra que estava fora, assim meio difícil, ela está vendo só o “da”, “de”, “di”, “do”, “du” eu podia colocar só assim “dia”, “dedo”.Se ela visse lá “cadeado” por causa daquele “ca” que estava ali na frente, às vezes, ela falava que não podia, pois tinha que primeiro aprender o “da”, “de”, “di”, “do”, “du”. Eu achava aquilo... mas

eu fazia meio escondido, eu fazia [risos] (Doquelza de Almeida PESSOA, entrevista em 17/07/2009).

No entanto, no geral, a professora Doquelza garante que as sugestões da

cartilha eram seguidas e que a mesma teve uma boa receptividade por parte das

professoras:

Eu acho que todo mundo gostava dessa cartilha. A gente trabalhava em cima da cartilha, você entendeu? Porque ela era uma cartilha boa, a cartilha, o caderno de atividades que vinha, que a gente trabalhava era bom, tinham vários exercícios gostosos de trabalhar e as crianças gostavam de trabalhar,

você entendeu? Era bom (Doquelza de Almeida PESSOA, entrevista em 17/07/2009).

Page 109: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

109

Em Rondonópolis, a Escola “Daniel Martins de Moura” tinha como supervisora

do PNM a professora Mari Luci Ianhes Bitencourt. Esta fora responsável pela

oportunidade e incentivo na docência, no início da carreira, de Ana Maria Barbosa e

Maria de Lourdes Arcanjo Amaral. Perguntada se sabia por que a Escola Daniel havia

sido escolhida para participar do PNM, Mari Luci ponderou que:

Eles fizeram reuniões, várias reuniões, com supervisores, acho que de acordo com o número de aluno e o tamanho da escola. Porque a nossa escola era muito procurada, porque não tinha outra escola ali; era o São José Operário e o Daniel e o São José Operário era assim meio elitizado, na época, por causa da administração da freira. Então ia todo mundo pro Daniel, então, acho que foi ai

que o Daniel foi escolhido (Mari Luci Ianhes BITENCOURT, entrevista em 10/07/2008).

Essa supervisora lembra-se da cartilha Ada e Edu e, mais uma vez, para ela o

material era calcado na realidade local:

Era o que as crianças mais conheciam, porque antes vinha vindo alguma coisa lá de São Paulo, coisa assim que a criança não conhecia aqui, principalmente quem era nativo daqui, quem era pessoa nascida aqui. Então, essa aqui trazia mais a realidade do local mesmo, trazia mais do que a criança já conhecia (...)

eu acho que ela trazia, ela estava mais ligada à realidade do local (Mari Luci Ianhes BITENCOURT, entrevista em 10/07/2008).

Em relação às professoras do PNM, a supervisora enfatiza a busca e a

determinação para fazerem as crianças aprender. Comenta que elas reproduziam e

usavam muito os materiais, em especial, as sugestões dos Boletins Informativos e que

as crianças aprendiam bem com a cartilha Ada e Edu porque as professoras “faziam

muitas fichinhas, elas trabalhavam muito com fichas nessa época, era um gasto total

de cartolina pra fazer fichas pra ler”, o que parece confirmar o acatamento da proposta

de alfabetização da equipe do PNM.

A professora Ana Maria Barbosa rememora alguns usos desse material

didático, detalhes, vivências, experiências:

Ah, eu me empolguei bastante, porque tava no auge, no comecinho da carreira, muito empolgada porque era o sonho, porque era o que eu queria, era o que eu gostava. Nossa, dedicamos demais a essa cartilha! Era eu, a Felisbina, a Lourdes Amaral com essa cartilha (...) nós fomos passo a passo com essa cartilha porque tinha o material de complementação, que é aquele que deve ter nos Boletins Informativos (...) era por bimestre os boletins, então vinha a complementação pro professor e, pro aluno, atividade. É assim ó o caderninho de atividade, aqui era a capinha, ele era azul e branco, a capinha azul clarinha e

branca, a do aluno. Eu fecho o olho e estou vendo (Ana Maria BARBOSA, entrevista do dia 28/06/2008).

Estão bem presentes na memória de Ana Maria a dedicação à cartilha, o

esforço em aprender a ensinar e aspectos gráficos do material que basta fechar o olho

para (re)ver. Salta aos olhos, no entanto, as memórias relacionadas aos Boletins

Page 110: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

110

Informativos e ao papel de ajuda/suporte e de formação profissional que eles

desempenharam:

Era, assim, uma atividade por bimestre, tanto na escrita e na leitura quanto nas outras áreas; por exemplo, vinha de estudos sociais, mas tudo relacionado a... como é que eu vou te dizer? eles usavam a Ada e Edu, o contexto abrangente de tudo era a Ada e Edu; por exemplo, nas histórias é a vida no campo de Ada e Edu (...) estudos sociais, na área de estudos sociais de ciências, os textos não eram assim textos que eles tiravam de... igual aquela da [cartilha] Débora, que é universal. Não, era a vida de Ada e Edu. A Ada e o Edu gostam das frutas no pomar, você entendeu, foram no pomar. Até na matemática era assim tinha as laranjas, pra eles fazer o cálculo, era os enunciados, probleminhas sempre com Ada e Edu. É o contexto todinho da cartilha, nas áreas abrangentes, era a Ada e Edu (...). Ajudou muito, nossa, foi ótimo e eu gostava. A gente já ficava assim naquela expectativa, está terminando o bimestre, vai chegar, não vai, aí também assim inexperiente, o que que nós vamos fazer se não chegar? tinha isso também, o que fazer se não chegar, mais chegava, chegava direitinho (Ana Maria BARBOSA, entrevista do dia 28/06/2008).

Mesmo no momento em que foi questionada sobre a forma de introduzir a

cartilha, Ana Maria ainda se remete aos Boletins Informativos. Depois detalha seus

modos de ensinar:

No Boletim Informativo vinha todinho falando do primeiro bimestre, na verdade no primeiro bimestre vinha junto, quase junto com a cartilha, então a gente seguia o roteiro lá do boletim informativo. Você entendeu? Trabalhou a capa, a ilustração, vamos contar o que que eram esses meninos (...) eles iam ajudar a gente a ler, a escrever. Aqui tinha a historinha deles, que a gente ia estudar a historinha deles, porque tudo, você vê que todo texto fala de Ada e Edu. Aí ó... curiosos, né? vai assim, quer ficar bem quieto, olhar tudo, quer já ir pegando... Não, vamos folha por folha, uma parte por parte, primeira lição. É assim que a gente começou a trabalhar (...). Então, você vê a palavrinha Edu, a Ada e o Edu, ou seja, a família silábica. Como que forma a família silábica? As silabas? “da” tem quantas letrinhas? Duas letrinhas, que é o “d” e o “a”, porque até então aqui eles já tinham estudado as vogais (...). Aí ia fazendo a junção (...) Porque ela é bem pobrezinha de palavra (...) ai o que que a gente fazia? deixa eu mostrar um exemplo que eu lembro bem que a gente fazia pra eles (...) aqui tem a palavrinha “dedo” e “dado”. “dedo” o que que nós fizemos? (...) Dado é o “da” e o “do”. Mas, não é só essas duas palavras que a gente pode [formar].Ter nesse peso com essas sílabas sócias. Vamos ver, vamos lembrar, puxava deles “ai”, “dia”, então escrevia a palavrinha “dia”. O que mais? “dou”, “dei”, entendeu? (...) Pegando uma sílaba dessa lição e uma vogal anterior, sempre a que puxa de traz, do que já tinha sido visto. Aí aqui, dar frases “O dado é de Ado”; quando a gente queria fazer uma outra frase, tipo assim: “O...” essa palavra é nova: “O dado caiu”. Essa palavra pra eles é nova porque ela está lá na frente na [lição] do caju, mas, nada impede. Importa que já deu o conjunto de palavras que formou já uma frase. Quando chegava aqui, a gente retomava, você entendeu, retomava e ai ia aumentando o ciclo de palavras, porque ela é bem pobrezinha de palavras (...). Na época, quando a gente ia planejar as aulas, então já, com cada palavra, ia aumentando, com cada palavrinha que ia a gente já ... pra ensinar a frase, então, mesmo que aqui não tenha a frase mas a gente no nosso planejamento já colocava as frases, já criava as frases.“O coco é oco”, “A jaca caiu”, a gente ia inventando, “O dado é de Joca”, você

entendeu, a gente ia inventando (Ana Maria BARBOSA, entrevista do dia 28/06/2008).

Page 111: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

111

A opinião da professora sobre a pobreza vocabular da cartilha acaba cedendo

lugar à sua compreensão de que o processo de alfabetização era lento e gradual,

além de elaborar uma menção a própria aprendizagem da docência:

No início nós achamos assim que era pouco, mas depois você pode ver aqui na frente, olha bem a diferença da primeira - da, de, di, do, du - já aqui está a do “Macaco”, olha ai. Depois a gente foi percebendo que era isso mesmo, era devagar mesmo o processo, porque se você vai dando todo um montão (...) antes já se perdiam e nós também, porque nós estávamos iniciando também, porque a Felisbina também estava estudando, a Lourdes também, ninguém era formada e ninguém estava com o magistério aqui na mão pronto. Estava todo mundo engatinhando, quer dizer, então tudo, tudo pra nós era aprendizado, era

novo, mas era aprendizado também, você entendeu? (Ana Maria BARBOSA, entrevista do dia 28/06/2008).

Assim, a imagem que Ana Maria tem da cartilha é, ao mesmo tempo, muito

positiva/afetiva e permeada das representações que perpassavam o conjunto didático

e os materiais complementares divulgados pela equipe. Perguntada em que Ada e

Edu diferia das outras cartilhas da época, a professora diz:

Olha, porque a linguagem dela é simples, de fácil entendimento, não é assim, como que eu vou te falar, aquela coisa assim espremida, porque tem criança que vai lendo e se perde, ela não é. Mas, eu vou falar sinceramente pra você eu gostei, eu gostava de trabalhar com ela. Ela é uma cartilha tranqüila... você ampliava mais você também não vai dizer que você ampliava assim as atividades dela, não era assim, um dia, dois dias, não. Quando a gente esgotava o trabalho dela que tem aqui é que a gente partia pra outras atividades, você entendeu? outro tipo de atividades, mas não era dizer assim que dava todas as informações de separação de sílaba, ampliar as palavras, o desenho, em transformar palavra, em circular as sílabas e pra ligar, não; a gente [buscava] nos outros materiais. No boletim, no boletim. Mas, não fugia do caderninho de atividades deles e o que a gente tinha pra complementar ela não fugia desse padrão dela das lições. Você entendeu? Porque uma coisa que eu nunca, olha Kátia, eu nunca consegui, por exemplo, manter quatro, cinco alunos na lição da bola, vamos supor, dez na do rato, cinco ou seis aqui na...eu nunca consegui trabalhar assim. Eu tentava levar eles, setenta, oitenta, até noventa por cento, todos iguais, juntos, juntos. Sentava em grupo se não estava entendendo, não tava dando certo, então vamos agrupar; quem tava sabendo ler, já tinha aprendido a ler, me ajudava a ensinar quem [não sabia] fazia o grupo, trabalhava no grupo (...) esses meninos tem que caminhar mais ou menos juntos, porque tem que ter aprovação também, quem está lá no final tem que ser aprovado, mas quem está aqui também teria que ser, tinha que ser, teria que ser promovido e aí o que nós vamos fazer? (...) Ela é de fácil entendimento, eu gostava dela por causa disso por conta de que ela é não atropela assim o raciocínio da criança (...). Lembro porque consegui cem por cento [aprovação] só em oitenta e dois (aprovação) (...) As crianças gostavam, você não via rejeição, preguiça, desânimo igual essas crianças de hoje,não!

Eles tinham interesse, tinham desejo de aprender, e aprendiam, Kátia (Ana Maria BARBOSA, entrevista do dia 28/06/2008).

A professora Maria de Lourdes Amaral, como já disse, iniciou sua carreira no

magistério em condições às descritas por Ana Maria Barbosa. Estavam juntas, ainda

Page 112: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

112

no ginásio, quando foram convidadas para atuarem em sala de aula. Assim, o PNM e

a cartilha Ada e Edu representaram elementos importantes nessa história de formação

das docentes em processo ou em serviço. Maria de Lourdes guardou por muitos anos

a cartilha da 1ª. Edição por ela trabalhada, vindo a doá-la para o Centro de

Documentação (NUPED) no ano de 2001 quando este iniciou suas atividades de

localização e reunião de fontes54.

A professora registra desse modo o cuidado que teve em guardar a cartilha

Ada e Edu, regado a sua afeição por esse material:

É uma cartilha muito bonita! Eu amo essa cartilha, eu acho ela muito bonita, os desenhos simples vivos e tudo da nossa região, não é verdade? (...) É, realmente eu guardei, eu amei tanto dessa cartilha que eu guardei pra minha

netinha, ela não era nem nascida (Maria de Lourdes AMARAL, entrevista do dia 25/06/2008).

Novamente aqui se repetem os mesmos argumentos, já utilizados pelas

demais entrevistadas, com a voz das autoras soando nos ouvidos das usuárias,

mesmo depois de decorrido tanto tempo: uma cartilha de fácil emprego pelo professor,

que usasse palavras da região, atendendo a uma gradação linguística. Por um lado,

nota-se como a representação “conforma” a memória. O uso de palavras, entendidas

como “malas” que contém representação compromete quem as usa com essas

representações. Por outro lado, nota-se também a necessidade de se tentar

ultrapassar a representação com intuito de se chegar às práticas.

Para essa professora, além dos desenhos, há mais alguma coisa que a fez gostar

tanto dessa cartilha. Tal como para Ana Maria, o design gráfico da cartilha é

valorizado:

Porque, por exemplo, ela não é petecada de muita coisa, ela tem pouca escrita, você vai trabalhar pouco aqui, você vai trabalhar muito no quadro, com cartazes, você vai criar algo em cima dela. Os desenhos, que são natural da nossa terra, por exemplo, o caju parece que tem o pequi, a bola que a criança brinca, o bolo que a mamãe faz não é mais bolo de caju, o tatu que tem muito aqui, o rato, a faca, é ... parece que tem o pequi não sei aonde por ai. Então,

são desenhos assim próximos da criança, próximo, né (Maria de Lourdes AMARAL, entrevista do dia 25/06/2008).

Alguns usos da cartilha podem ser inferidos quando Maria de Lourdes

reconstrói suas práticas:

A primeira coisa, como eu falo pra você, eu gosto de trabalhar muito a idéia da criança, é eu nem abri, foi isso aqui, isso aqui. Só a capa, primeiro foi a capa. O que que você está vendo aqui? e aqui? e essa menininha chama? e esse menininho chama? sabe como? tem um moreninho e um lorinho, eles estão de mãos dadas; estão mal vestidos, bem vestidos? pra onde será que eles vão? e

54

Na ocasião, a cartilha estava de posse da netinha da professora, que já iniciara o processo

de destruição. Esse é o primeiro exemplar a que tive acesso.

Page 113: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

113

pronto, trabalhou mesmo isso aqui! Aí vamos introduzir a palavra lá no quadro, Ada e Edu, quer dizer, são os dois de vários tipos, só pra ele ia visualizar, só o oral e a visão. E ali deixar eles falarem também, porque eles falando, se tem irmãozinho, se não tem irmãozinho, se gostam, eles iam jogando pra fora muita coisa, muita coisa mesmo, ia a aula toda se brincar (...) É quantos tem? Um, dois. quantos amiguinhos tem aqui? vamos contar. A letra “a” tem dois tipos e a letra “e” tem dois tipos e o “d”, pra que lado tá a bundinha dele? (...) o “u” parece com quê? Parece com um copinho, assim ó o que que você usa o copo pra que?... movimentava, era tipo, eu criava no momento e ia inventando e os alunos também, eles iam enriquecendo a aula da gente, impressionante. E eles ficavam animados. Super animados, conversavam, não conversavam, ficavam,

te ouvindo assim essa questão de muito animados, muito animados (...) Às

vezes eu ficava só na palavrinha “Ada”, só essa palavrinha “Ada” ia longe, ia longe né? É o nome de uma pessoa, geralmente o nome de uma pessoa a gente começa com a letra maiúscula. Olha o jeitinho dela ela, está tão prestando atenção, olha os olhinhos dela, tão interessante, ai já mostrava os dois tipos das letras, a maiúscula e a minúscula. O que você vai mais encontrar nos livros, pode pegar o livro, pode pegar o caderno, outra revista, dá uma olhadinha, observa, observa. Aí ficava mais de observação e depois fazia é, como é que fala? Um cartãozinho escrito, ou levava no quadro, às vezes até eu desenhava a letra grande na sala, vamos andar em cima. Eles estavam brincando, eles estavam se divertindo e eles estavam aprendendo. Às vezes eu

ficava só aqui, só, depois no outro dia eu entrava aqui (...) junção das vogais (Maria de Lourdes AMARAL, entrevista do dia 25/06/2008).

Os dados aqui apresentados ganharão maior significado se pensados à luz da

principal função que ocupa a cartilha de alfabetização no trabalho cotidiano da sala de

aula. Lembrando Choppin (2004, p.551) pode-se argumentar que a cartilha cumpre,

principalmente, uma função instrumental, na qual ela põe em prática métodos de

aprendizagem, propondo exercícios e atividades com vistas à memorização do

conhecimento e à aquisição de competências e habilidades relativas a uma

determinada disciplina. No entanto, aqui há uma especificidade. Se o código disciplinar

(Cuesta Fernández, 1998, p. 8) do Português se organiza em torno de um conjunto de

atividades voltadas para o desenvolvimento das capacidades de leitura, de escrita, de

linguagem oral e para a apreensão do conhecimento gramatical, o processo de

alfabetização incluído nesse código disciplinar representa o momento inaugural de

inserção da criança na cultura escrita, o momento de aquisição das capacidades de

leitura e de escrita, “momento da aprendizagem técnica da decifração” (Hébrard, 2004,

p. 31) sem o qual o processo de desenvolvimento de capacidades não se realiza.

Tradicionalmente as cartilhas de alfabetização propunham um trabalho com a

linguagem voltado mais para os seus aspectos de forma do que de conteúdo. Nesse

sentido, e apenas do ponto de vista de processos que se dão ao longo do tempo, a

alfabetização se constitui pré-requisito fundamental ao ensino do Português e,

portanto, um processo instrumental. O uso desses termos não significa, porém, que do

ponto de vista pedagógico a criança necessite primeiro se apropriar do “código” escrito

para depois escrever textos com significado. Pelo contrário, atualmente está claro que

Page 114: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

114

o processo de aquisição da tecnologia da escrita (alfabetização) é mais bem sucedido

se trabalhado, conjuntamente, com o processo de desenvolvimento das capacidades

de uso dessa língua (letramento).

O que se quer ressaltar é que o papel dessas professoras era promover o

ensino da leitura nos seus primórdios o que, sem dúvida, exige um trabalho de

codificação/decodificação do sistema. No entanto, não se pode esquecer que “A

aprendizagem escolar deve instalar a memória indelével dos gestos mentais que

possibilitarão todas as leituras ulteriores. Deve constituir, de maneira dirigida, o

universo das escritas de referência e sua interpretação legítima” (Hébrard, 2002,

p.77)55.

Nos relatos precedentes destacam-se o papel da cartilha no processo de

alfabetização das crianças e no processo de aprendizagem docente das professoras,

as lembranças carinhosas desse material e os, aparentes, usos conforme prescrições

obtidas nos cursos e/ou contidas no Manual do Professor e Materiais

Complementares, notadamente, os Boletins Informativos.

Leituras/usos não previstos

Outros dados, no entanto, apontam para a multiplicidade e variedades dos

usos, para diferentes modalidades de apropriação desse material cultural. Um

Relatório de Viagem de uma Visita Técnica, realizada ao município de Poxoréo por

Rosa Persona no ano de 1979, oferece vários indícios de práticas pedagógicas,

incluindo elementos de usos do livro didático pelas professoras.

O item 6, relativo às Atividades propostas na última visita, informa que foi

solicitada a “utilização de materiais didáticos”. O PNM previa, como se pode confirmar

nas recomendações dos Boletins Informativos e Materiais Complementares, o uso

constante desses materiais, dentre os quais destacam-se: cartaz de pregas,

flanelógrafo, cartazes, fichas, gravuras, olho vivo das vogais, cineminha de sílabas,

máscara das vogais, olho vivo ortográfico, jogo de encaixe, encontro de sílabas iguais

55

A partir do exemplo da histórica passagem da leitura oralizada para a leitura visual silenciosa, Hébrard pontua: “Assim, a escola forma, em seu espaço próprio, sujeitos que lêem, escrevem, mas também ordenam o mundo conforme as categorias que o corpus dos textos e a palavra do professor tornam quase naturais. Comunidade de interpretação inaugural, a escola é obrigada a produzir uma recepção compartilhada dos textos, pelo único fato de que, sem a certeza do sentido, não haveria nem ensino possível, nem aprendizagem” (Hébrard, Jean. Três figuras de jovens leitores: alfabetização e escolarização do ponto de vista da História Cultural, 2002, p. 77)

Page 115: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

115

(espécie de bingo), encaixe com caixas de fósforo para reconhecimento de sílabas e

palavras, etc. A recomendação feita na visita anterior mostra que essa prática não

estava suficientemente apropriada pelos professores daquela localidade.

A anotação “A não utilização de materiais didáticos em algumas salas” contida

no item 7, relativo às Constatações, informa que persistiam práticas não

recomendadas pela Equipe que naquele contexto propunha, orientava e controlava o

trabalho pedagógico, exercendo o que Certeau (1994, p. 102) define como ações

estratégicas.

Outras (tristes) constatações como a “Mistura de letras pela professora”

(maiúscula/minúscula/script); “Número limitado de alunos em algumas salas de aula e

mesmo assim as classes não apresentam rendimento satisfatório”; “Professor sem

condições para ensinar – fala errado/não tem domínio de classe”; “Alguns cadernos

dos alunos estão com correções incompletas”; “Grande número de alunos evadidos e

freqüência muito baixa” sinalizam para o fato de que estava caindo por terra a

convicção da equipe de 1977 de que era possível “controlar algumas variáveis

relevantes: a cartilha, o desempenho do professor, o conteúdo programático indicado

para cada série, o estabelecimento de critérios para seleção e atendimento de alunos

carentes de recuperação (...)”.(MATO GROSSO.SEDUC/PNM, 1977, p.6).

O diagnóstico dos professores, reiterado pela observação da visitante de que

“É preciso que se crie ‘classes especiais’ para atender o grande número de alunos

com problemas e deficiências na aprendizagem” e, ainda, a constatação da existência

de que “Algumas classes estão bem fracas não atingindo 40% de aprovação” ajudam

a perceber que as variáveis não foram controladas e os objetivos estavam longe de

serem alcançados, pelo menos naquele município. Tal diagnóstico é, ainda, uma

amostra de que a Teoria da Deficiência Linguística56 chegara à escola brasileira, com

grande poder de convencimento.

Há outra Constatação da maior relevância para essa discussão. Trata-se da

anotação da Coordenadora do PNM sobre a “Utilização de cartilhas para subsidiar a

aprendizagem como: Brincando com Letrinhas, Cartilha da Mimi, Reino da Alegria”,

que soa como um expressivo lamento. Então, a equipe disponibiliza uma cartilha

adequada à realidade, acompanhada de material diverso com exercícios que cobrem o

bimestre inteiro, orienta no sentido de conduzir homogeneamente a turma na

aprendizagem de cada palavra-chave da cartilha, distribui instrumentos de controle

bimestral dessa aprendizagem e os professores introduzem nesse processo,

racionalmente planejado, um elemento perturbador? Aqui há indícios de usos efetivos

56

Ver SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.

Page 116: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

116

do livro didático, que fogem às intenções proclamadas. O uso consorciado de outras

cartilhas com Ada e Edu aponta, por um lado, para as formas múltiplas de usos do

livro didático pelos professores, independentemente, do grau de restrições a que

esses estão submetidos e, por outro lado, aponta para as táticas que também esses

professores desenvolveram para enfrentar o poder e o domínio das estratégias

(Certeau, 1994, p.99/101).

Enquanto “movimento dentro do campo de visão do inimigo e no espaço por

ele controlado” (op.cit), as táticas dos professores de Poxoréo não se reduzem apenas

ao uso com vontade própria que fazem de Ada e Edu. Outra constatação que informa

a “Ajuda pela professora na aplicação de provas aos alunos” é bastante emblemática.

Relatórios foram preenchidos, alunos foram classificados e, no entanto, seus

desempenhos foram “ajudados” pela professora. Mesmo que o poder tenha

descoberto essa astúcia da professora, teve o seu campo minado temporariamente. É

certo que ele tentará (tentou?) se recompor: as Novas propostas de atividades que

constam do Relatório de Viagem indicam que a Equipe fornecerá “Treinamento em

dezembro para os professores que irão lecionar em 1980 nas classes de 1ª. série”57.

Encontra-se nessas contradições entre discurso oficial e práticas pedagógicas

uma razão para que a cartilha Ada e Edu fosse, gradativamente, saindo de cena do

contexto educacional mato-grossense. Mas, certamente, essa não é a única razão: há

outros elementos, provavelmente mais poderosos, por traz do ocaso desse manual

didático.

57

Todos esses indícios foram extraídos de uma única Ficha/Relatório. Fico a imaginar quantas possibilidades de análise haveria se essas fontes tivessem sido preservadas.

Page 117: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

117

9. Ocaso da cartilha Ada e Edu

O livro didático [...] sua adoção nas classes, seu modo de consumo, sua recepção, seu descarte são capazes de mobilizar, nas sociedades democráticas sobretudo, numerosos parceiros (professores, pais, sindicatos, associações, técnicos, bibliotecários, etc.) e de produzir debates e polêmicas (Choppin, 2004, p. 554).

Os anos de 1980 podem ser considerados como marcos na recriação da

“invenção da tradição” (Hobsbawm, 1988)58 do código disciplinar da Língua

Portuguesa no Brasil.

Por um lado, a recente reorganização democrática da sociedade trouxera para

a escola um contingente populacional “estranho” à cultura escolar, oriundo das

camadas trabalhadoras. Esses novos sujeitos colocaram para a escola novas

urgências sociais e pedagógicas. Cerca de 50% desse contingente fracassava na

escola, já na passagem da primeira para a segunda série, fazendo com que “fracasso

escolar” passasse a ser sinônimo de “fracasso da alfabetização”. Nesse contexto,

acentuou-se a crítica ao papel social da escola, como instância produtora da

sociedade desigual, crítica essa baseada em uma teoria sociológica dialética-marxista

e buscaram-se soluções urgentes.

Por outro lado, “é nessa década que as ciências linguísticas – a linguística, a

sociolinguística, a psicolinguística, a linguística textual, a Análise do Discurso –

começam a ser ‘aplicadas’ ao ensino da língua materna” (Soares, 2001, p. 51),

reconfigurando concepções de língua e de linguagem, de seus usos e, em especial, do

processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita. Também é nesse

tempo que Emília Ferreiro e seus colaboradores, a partir do referencial da psicologia

genética piagetiana, divulgam os estudos sobre a psicogênese da língua escrita, que

apontam para uma “revolução conceitual” (Ferreiro, 1987, p.41) das concepções

existentes sobre o sujeito de aprendizagem e suas relações com o sistema alfabético

da escrita.

Estes dois movimentos, a reconfiguração das ciências linguísticas e a

divulgação do construtivismo, como foi denominada entre nós a “nova” teoria de

Ferreiro e colaboradores, engendraram outras opções didático-pedagógicas. Para o

ensino da língua materna em geral, foi-se tornando hegemônico, nas propostas oficiais

e discursos pedagógicos, um posicionamento, baseado nos fundamentos do

58

O autor propõe uma tese conciliatória sobre o papel do Estado na "atualização normativa" dos sentimentos nacionais, inclusivamente ao nível das tradições linguísticas e religiosas, habitualmente inscritas nas alegadas matrizes identitárias.

Page 118: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

118

interacionismo linguístico e na psicologia soviética, de que “quando se ensina e se

aprende a ler e escrever, já se está lendo e produzindo textos escritos, e essas

atividades dependem diretamente das ‘relações de ensino’ que ocorrem na escola,

especialmente entre professor e alunos” (Mortatti, 2004, p.76). Para a alfabetização,

foi-se tornando hegemônica, nas propostas oficiais e discursos pedagógicos, a

perspectiva construtivista.

Assim, no que concerne à alfabetização, esse momento histórico (meados de

1980 a 1994) é caracterizado “pelas disputas entre os defensores da ‘nova’

perspectiva construtivista e os dos ‘antigos’ testes de maturidade e dos ‘antigos’

métodos de alfabetização” (Mortatti, 2007, p.156). A partir do maior pressuposto do

construtivismo – a criança é um sujeito ativo que aprende/constrói em interação com o

objeto de conhecimento – métodos e cartilhas de alfabetização passam a ser

fortemente questionados. Pode-se dizer que a década de 1980 inaugura o discurso da

não-cartilha. Todo o esforço se concentra em se conhecer melhor o processo de

construção da escrita pela criança e em se rever as práticas anteriores, agora ditas

“tradicionais”, de alfabetização e de ensino da língua.

Diferentes vozes, com diferentes motivações, se levantam contra o uso de

cartilhas e/ou livros didáticos. Um exemplo, bastante divulgado foi o discurso de

Ezequiel Theodoro da Silva:

Costumo dizer que, para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro didático se apresenta como uma insubstituível muleta. Na sua falta ou ausência, não se caminha cognitivamente na medida em que não há substância para ensinar. Coxos por formação e/ou mutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério, resta a esses professores engolir e reproduzir a idéia de que sem a adoção do livro didático não há como orientar a aprendizagem. Muletadas e muleteiros se misturam no

processo... (SILVA, 1996, p. 11).

No caso específico de Mato Grosso, a Proposta Curricular para Língua

Portuguesa, de 1ª. a 4ª. Série do 1º. Grau, do ano de 1981, elaborada pela Secretaria

de Educação e Cultura59, traz uma concepção de língua como código e como

instrumento de comunicação. No entanto, já se percebem posicionamentos

inovadores, tais como: a) que defendem a aprendizagem por meio do uso – “a língua

não possui finalidade em si mesma, o seu domínio se faz por meio de experiências

vivenciais, faz-se pelo uso e não através de conhecimento puramente gramatical (...)

apoiar-se-á portanto em situações de vida real para efetivação do processo de

comunicação”-; b) que apontam para questões sociolingüísticas - “Ao ingressar para a

escola, o aluno dispõe de uma modalidade de língua que varia de acordo com a classe

59

A Proposta Curricular informa que participaram da reelaboração Professores de Língua Portuguesa representantes de todas as Delegacias Regionais de Educação e Cultura. A Técnica responsável pela coordenação dos trabalhos foi Renata Ramos Corrêa.

Page 119: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

119

e situação social, cabendo ao professor e a escola aceitar sua linguagem, enriquecê-la

e mostrar-lhe a língua padrão considerada “culta” (Mato Grosso. Proposta Curricular,

1981, p.4-5)60.

Um curso de Atualização em Alfabetização, ocorrido em Rondonópolis entre

28/01 a 01/02/1985, inclui no conteúdo ministrado o item 5 “O uso da cartilha e suas

implicações”, numa clara demonstração da entrada em cena entrada das tematizações

sobre novas proposições para o ensino da alfabetização61.

A conjugação desses elementos compõe um panorama, altamente definidor do

futuro da cartilha Ada e Edu, que pode ser sintetizado nos elementos do tripé central

do modelo de análise proposto por Darnton (1990): conjuntura econômica e social;

influências intelectuais e publicidade; sanções políticas e legais.

A partir desse contexto, aqui apenas brevemente esboçado, foi possível

levantar algumas pistas explicativas para ilustrar o gradual desaparecimento da

Cartilha Ada e Edu.

Para Rosa Persona, a explicação passa por disputas internas de poder e

descontinuidade nos programas e ações políticas da Secretaria de Educação:

Na Secretaria não queriam, os chefes não queriam, [a equipe de] currículo não queria, entendeu? Então é difícil, taí uma coisa pra ver, a descontinuidade das políticas públicas, não se tem continuidade, então, é sempre um começar, começar, começar, como começaram. Terminou o Novas Metodologias, entrou o programa Vencer da secretaria. Eu acompanhei o programa Vencer, que eu falo em minha tese, sabe com as mesmas características, só que com uma

nova roupagem. Então não tem, não tem nem como controlar (Rosa PERSONA, entrevista em 26/04/2004).

Também questionadas sobre as razões que levaram a cartilha Ada e Edu

deixar de ser utilizada, as professoras assim se manifestam:

Não sei, porque era uma cartilha muito boa. Mas foi entrando outras coisas novas sei lá, e o pessoal entusiasmado com o novo deve ter deixando. Mas foi uma perda muito grande, ela era bem melhor (Mari Luci Ianhes BITENCOURT, entrevista em 10/07/2008).

Eu te explico uma coisa que eu acho que você pode pôr isso ai e sem receio. Existe muito, existiu e ainda existe, e naquele tempo existia mais do que hoje, a danada da política que muitas vezes só atrapalhava, só atrapalhava. Eu acho que é mais a questão política mesmo. Eu fiz isso aqui, mas não vou dar

60

Esta Proposta Curricular traz uma Bibliografia subdividida em três itens: Bibliografia para o professor; Bibliografia: Livros Textos e Sugestões de Literatura Infanto Juvenil. O segundo item é composto por 11 títulos, sendo 9 de cartilhas. São citadas: Cartilha Pingo de Gente; Caminho Suave; Escolinha Cartilha; Ada e Edu: para classes de alfabetização; Davi, meu amiguinho; Mágica de palavras; Brincando com Letrinhas; Cartilha da Mônica; Gente Nova. 61

No entanto, Amâncio em pesquisa do ano de 1992 sobre os usos da cartilha nas primeiras séries em Rondonópolis, constatou que esta ocupava, ainda, “um espaço privilegiado na sala de aula”. Ver AMÂNCIO, L.N.B. Cartilhas, para quê? Brasília: INEP-COMPED; Cuiabá-EdUFMT, 2002.

Page 120: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

120

continuidade. O Brasil é cheio disso, empregou um dinheirão aqui, mas isso é do governo fulano de tal... parece que é uma intriga, sei lá o que é, não estou nem encontrando a palavra pra falar de certos políticos (...). Talvez com “Ada e Edu” tenha acontecido a mesma coisa que aconteceu com os outros, vamos parar por questões políticas mesmo, olhou o nome de não sei de quem, não sei de quem, não sei de quem. Ah, não, esse aqui já era! E não valorizou, a falta de valorização, eu acho (Maria de Lourdes AMARAL, entrevista do dia 25/06/2008).

Razão de ordem política tem, mesmo, grande poder explicativo no caso da

circulação, ou não, de determinados manuais didáticos. No entanto, neste caso, outros

elementos também compõem o contexto de desvalorização da cartilha Ada e Edu.

Dois episódios encontrados nas fontes são muito emblemáticos para ilustrar o seu

gradual desaparecimento. O primeiro deles foi protagonizado por Rosa Persona, a

autora principal da obra. O segundo, por uma usuária da cartilha, a professora

Rosinéia, da cidade de Cáceres.

Após o término do PNM, no ano de 1983, Rosa Persona foi destacada pela

Secretaria de Educação para coordenar o projeto de estágio supervisionado da

Universidade Federal de Mato Grosso, que ocorria nas escolas estaduais. A

universidade desenvolvia um amplo projeto chamado “A UFMT e o Ensino de 1º. e 2º.

Graus”. Paralelamente a essa coordenação, a professora deveria orientar os

professores de primeira a quarta séries. Na ocasião um dos projetos desenvolvidos foi

“Programa de Alfabetização”, feito em parceria com duas escolas da capital: Ulisses

Cuiabano e Ferreira Mendes (Persona et al, 1984, p.12). Logo que chega às escolas,

Rosa Persona é consultada pelas professoras alfabetizadoras se iriam utilizar a

cartilha Ada e Edu. Ela relata:

Foi quando eu propus pra eles, eles queriam adotar Ada e Edu, e eu disse que não. A gente já estava mudando de concepção, de partir da linguagem dos alunos, de criar (...). A discussão do construtivismo, a polêmica da não cartilha. Então, aí o que que eu propus para os professores? (...) Eu propus pra eles que a gente partisse dos animais. Que animais, toda criança gosta, né? Então a gente foi pro zoológico da Federal, fizemos um trabalho assim muito legal com as crianças. Aí no mesmo dia voltamos e cada professor começou a discutir com os alunos. O que que eles tinham visto e foram colocando no quadro, tudo o que tinham visto no zoológico. Aí nós sentamos depois, com as professoras e começamos a trabalhar e aí, eu já fui mostrando pra elas, porque não trabalhar o sapo e o pássaro, com essas dificuldades? Não ficar somente no final. Aí foi aquela polêmica (...). Então, nós aprendemos juntas que não

tinha dificuldades, as crianças queriam falar mais palavras (Rosa PERSONA, entrevista em 26/04/2004).

Se pensarmos que no ano de 1983 a cartilha Ada e Edu estava sendo editada

e distribuída pela Bloch Educação, que esse manual fazia parte da listagem dos livros

didáticos da FAE (cf. Relatório FAE - 1984, 1995), a atitude da autora negando seu

uso na alfabetização de crianças mato-grossenses participantes de um projeto sob sua

Page 121: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

121

coordenação, após tão pouco tempo de idealização desse manual, revela-se bastante

emblemática. É possível se imaginar os conflitos vivenciados por Rosa Persona e sua

antiga equipe, ao absorver as novas tematizações advindas da divulgação das teorias

linguísticas e, mais especificamente, do construtivismo. Pelo menos uma parcela

desse conflito é expressa na ação da antiga coordenadora do PNM. O episódio é

relatado por Lúcia Elvira:

Eu lembro que um dia a Rosa marcou uma reunião na casa dela, pra ela contar pra gente a idéia de não usar cartilha. Eu lembro bem disso, mas também não sei te dizer que ano foi. Ficou bem marcado, ela marcando essa reunião pra informar pra gente essa idéia. Até assim, a idéia da Rosa, ela queria ver se a gente concordava com ela ou não, porque de certa forma, (...) [a cartilha] ia ficar em segundo plano, não é? Pelo menos eu entendi assim: a Rosa nos reuniu pra nos dar uma satisfação e pra ver se a gente concordava com o que ela estava fazendo. No momento achei meio esquisito, mas depois eu concordei, achei também interessante, não deixa de ser. E como a gente não ganhou nada mesmo, é foi só o prazer de ter o material mesmo, de ter feito, de

ter publicado alguma coisa, né? (Lúcia Elvira R. de ALMEIDA, entrevista em 11/07/2008).

De fato, Persona se sentiu na obrigação de explicar a sua atitude perante as

colegas e co-autoras de Ada e Edu. Na justificativa do Programa de Alfabetização

encontra-se, explicitamente, a preocupação com a forma como os professores

selecionam o livro didático, adotando critérios que se referem a aspectos “pouco

relevantes” e a consequente proposta de não adoção da cartilha: “Portanto, este

Programa é parte de uma proposta que tem como foco básico a alfabetização sem

cartilha, através de roteiros elaborados pelo professor com base na linguagem usual e

interesses do aluno” (Persona et al, 1984, p. 12). O Programa teve continuidade no

ano seguinte, 1984, estabelecendo como objetivo geral: “Possibilitar ao professor uma

experiência alternativa de alfabetização que o conscientize de sua competência para

dinamizar e facilitar o processo de aprendizagem da leitura e da escrita” (op cit, p. 13).

Quanta distância teórica há entre o discurso que justificou a elaboração de Ada

e Edu e este novo discurso. No primeiro, a palavra de ordem era controlar os

professores, controlar os alunos, controlar a aprendizagem da linguagem; um dos

grandes problemas da alfabetização era a “falta de cartilha adequada à nossa

realidade e às características da língua portuguesa”; era necessário ajudar o

professor, dar-lhe pronta a cartilha, o método, a sequência de aulas e as atividades.

No segundo, espera-se que o professor recupere ou construa a sua competência

profissional e, sem cartilha ou qualquer outro material pronto, alfabetize a partir da

linguagem usual e dos interesses das crianças, criando o seu método, a sua dinâmica

e o seu material.

Page 122: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

122

Uma mudança de concepção tão acentuada poderia ser justificada por ser

Rosa Persona, o sujeito da mudança, uma pessoa estudiosa, que passa a ser

professora universitária e que possui todas as condições de entrar em contato com as

novas proposições teóricas para se alfabetizar crianças neste país.

Ao que tudo indica, no entanto, o movimento da não cartilha teve outros

adeptos. Não se pode dizer que, nessa época, tal decisão fosse muito comum entre os

alfabetizadores, mas as idéias construtivistas foram se divulgando e, cada vez, mais

professores passaram a negar a cartilha, ainda que apenas no nível do discurso.

O segundo episódio relacionado à Ada e Edu envolve uma professora comum.

A supervisora Julita do Carmo Mendes Povo relatou o processo desencadeado na

Escola Dom Galibert por uma professora de nome Rosinéia, a partir da pergunta que

tinha por objetivo saber se os professores gostaram de trabalhar com a cartilha Ada e

Edu:

Eu acho que sim porque lá a nossa escola adotou e quando tirou essa cartilha deles, eles acharam assim que ficou mais difícil porque já estavam acostumando com aquela, todos os anos com uma cartilha né, e ai eles acharam assim que outra seria mais difícil. Até que uma das professoras teve a idéia de achar que a cartilha não era o ponto forte do ensino/aprendizagem (...). Um dia, ela sempre chegava no colégio e dizia: ó vamos prestar atenção aqui; hoje nós vamos trabalhar tal palavra chave e punha a palavra chave na lousa. Ai tinha um circo na cidade e as crianças não queriam saber daquela palavra que a professora estava falando e começavam a conversar lá atrás do circo, do palhaço, de não sei mais o que, e menos prestar atenção no que a professora estava falando. A professora ficou brava demais com isso e começou a gritar com as crianças: presta atenção aqui, presta atenção aqui, eu estou tentando trabalhar com vocês e vocês ficam falando ai. [e os alunos] professora nós estamos perguntando se a senhora já foi no circo, nós fomos no circo. Aí a professora falou assim: vocês foram? Aí ela escreveu a palavra circo lá na lousa. O que mais vocês viram no circo? Ah, nós vimos isso, vimos um mágico, vimos o elefante, ai foram contar tudo o que eles tinham visto lá e ela aproveitou e desenhou o circo na lousa bem grande assim com giz mesmo e pôs [a palavra] circo lá em cima. A partir dali as crianças não quiseram mais trabalhar, não teve nem mais como ela voltar na cartilha mais. Então, a professora Rosinéia começou um processo de alfabetização diferenciado, porque todos os anos a gente acompanhou muito isso e viu que era muito difícil. Quando chegava o mês de outubro, novembro eles estavam, assim, mais da metade, pouca coisa da cartilha, então, pra eles era um sofrimento, nunca chegavam ao final da cartilha, então, elas ficavam sempre naquela angústia que como chegava novembro e faltavam tantas palavras chave ainda para serem dadas e não tinha como dar continuidade, quer dizer, continuaria

no ano seguinte (Julita do Carmo M. POVO, entrevista em 21/07/2008).

Na sequência da conversa, a supervisora revela que o desapego da cartilha

não foi total e imediato, mas gradual, o que aponta para um uso inédito do manual, no

qual não se seguia a ordem prevista na apresentação das palavras-chave:

Quando a professora começou esse trabalho diferenciado, ela rapidinho entrou em todas as palavras da cartilha. Depois ela dizia assim: Julita, mais eu estou em num emaranhado que eu nem sei mais como estou aqui fazendo o meu

Page 123: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

123

trabalho, só sei que os alunos estão aprendendo, estão lendo e estão escrevendo... agora não tem... o método saiu completamente da cartilha, então não tem mais como eu voltar e fazer uma contra remessa, só pra leitura depois que eu terminar até as palavras. Então, ela foi procurando algumas palavras que ainda não havia dado na cartilha e ela foi introduzindo (...). Usava como se fosse uma história, puxando uma história da letra inicial e ela foi até introduzir algumas palavras que ela achava assim que tinha na cartilha e ela não conseguia abordar (...) ela puxava uma parte da historinha e procurava usar pra introduzir aquela palavra que ela achava que eles deveriam aprender, por

exemplo, no caso do “Ch”, do “X” (...) não foi fácil, ela sozinha lá (Julita do Carmo M. POVO, entrevista em 21/07/2008).

Certamente influenciada pelas novas propostas para a alfabetização, a

professora Rosinéia toma uma decisão, aparentemente, impulsiva e transforma sua

prática pedagógica. Num caminho sem volta, vai se distanciando do uso rígido do

manual e (re)criando sua metodologia:

Por exemplo, na aula de educação física e recreação, ela levava os alunos na quadra, que ficava logo assim de frente as salas, e lá ela brincava de matemática, por exemplo, quicar a bola tantas vezes, chutar a bola tantas vezes, jogar pro outro duas, três vezes (...), então, isso foi fazendo par, impar/par, então, ela foi trabalhando, eu acho assim que ela foi iluminada, com o próprio trabalho ela foi criando novas metodologias, ela foi tendo novas idéias pra como conduzir a turma e os outros professores acharam que ela foi rápido sabe, então, o programa acelerou de uma forma que nem ela já não conseguia assim controlar aquilo ali, de tanto que, quanto mais ela colocava as coisas pras crianças mais eles queriam saber, eles mais isso, mais aquilo outro. Olha, ela não teve mais problema com a sala com relação a comportamento, de os alunos não quererem estar, de não quererem prestar atenção, eles estavam

sempre motivados porque tinha alguma coisa nova e relacionada a eles (Julita do Carmo M. POVO, entrevista em 21/07/2008).

Gradativamente, as tematizações sobre o não uso da cartilha aliadas às

proposições construtivistas vão-se instaurando no cenário mato-grossense, por meio

de cursos de formação inicial e continuada, seminários, veiculação de literatura

especializada, reuniões de estudo, trocas de experiências práticas, etc.

Um caso exemplar do processo de questionamento em Mato Grosso sobre o

uso de cartilhas encontra-se apontado em Faria (2008 p. 97-118). A autora relata que

no ano de 1987 a Secretaria Estadual de Educação preparou um grande movimento,

com mobilização da escola e da população e diagnose da realidade, que envolveu

todo o estado mato-grossense e culminou no Seminário Estadual de Alfabetização,

cujo objetivo era definir uma proposta político-pedagógica para a alfabetização no

estado. Muitas questões efervesceram nesse movimento. Especificamente quanto ao

uso de cartilhas, os municípios se posicionaram de diferentes maneiras: cartilha

considerada indispensável, mas não o único instrumento auxiliar na alfabetização

(Colíder); alfabetizar sem cartilha; como elaborar uma cartilha que atenda aos nossos

alunos (Dom Aquino); rever a cartilha sem necessidade de aboli-la (Guiratinga);

Page 124: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

124

adaptação da cartilha e do método à realidade regional (São Félix do Araguaia);

questionamento do uso intenso da cartilha nas salas de aula e/ou o uso de uma

cartilha regional (Alta Floresta); apego ao livro didático e excesso de conteúdo como

fatores determinantes do fracasso escolar; livro didático com recurso auxiliar e não

como proposta de conteúdo (Rondonópolis); elaboração de cartilhas nas próprias

escolas (Diamantino); questionamento da cartilha: este instrumento é necessário?

Acabado? Suficiente? Há critérios para análise ou elaboração? (Alto Araguaia).

Desse modo, as tematizações em nível nacional e estadual, a concorrência

com outras cartilhas com longa história de uso em Mato Grosso, o fim do PNM e a

consequente dissolução da equipe, a descrença da própria autora na utilidade do

manual didático compõem um cenário de crepúsculo para a Cartilha Ada e Edu.

Rosa Persona conta que, por várias vezes, alertou a Secretaria para que essa

cobrasse da Bloch Educação os exemplares correspondentes aos direitos autorais.

Chegou mesmo a levar a cópia do contrato, já que a Secretaria alegava não ter

conhecimento deste. No entanto, ninguém cobrou da Bloch a remessa dos livros, ou

controlou essas remessas, nos anos subseqüentes ao ano da publicação. Para ela,

[a remessa] chegou no primeiro ano, os demais anos ninguém soube me informar, ninguém foi atrás(...) Mas, a Secretaria não tomou, ninguém tomou conhecimento que tinha que receber, ninguém sabia. Eu fui na assessoria jurídica, levei o contrato eu falei assim: olha vocês tem que cobrar... porque era a Conceição que fazia esse trabalho, então, eu acho que depois que ela saiu o

negócio desandou (Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/ 2008).

Para terminar, fiquemos com uma imagem forte do ocaso da cartilha Ada e

Edu, relatada por essa autora quando rememora a distribuição dos últimos exemplares

encontrados abandonados no depósito da Secretaria de Educação:

Eu cheguei no depósito [da SEDUC], os nossos livros estavam todos apodrecendo lá, caixas e mais caixas estocadas lá. E eu falei: ah, está assim? Então você vai mandar pra tal, tal, tal, mandei tudo pro interior, lá onde estava trabalhando em Guarantã, Terra Nova, mandamos pra zona rural, para as escolas indígenas. Como eu estava trabalhando lá em cima [norte do estado] mandamos tudo. Eu levava, eu levei muitos, entendeu? Mas, olha, eu fiquei indignada! Os meninos falaram: nossa, professora, olha aqui a umidade. Choveu, tinha livros que tivemos que jogar fora, cartilhas que jogamos (...)

(Rosa PERSONA, entrevista em 25/04/ 2008). Os últimos exemplares de Ada e Edu, com cheiro de bolor, que se

encontravam em Mato Grosso, foram encaminhados para vários municípios do norte

do estado. Na cidade do Rio de Janeiro jazem, empoeirados, 30 mil exemplares de

Ada e Edu: Livro do Professor... Até quando?

Page 125: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

125

Considerações Finais

A história da alfabetização, em outras palavras, nunca pode ser uma história

isolada, abstraída; ela é uma história com outras histórias maiores, complexas, da

sociedade, da cultura, do sistema político e da economia (Harvey J. Graff, 1994, p.

174).

Inscrita na história da alfabetização, campo “minado” pela diversidade, abertura

e diluição (Frago, 1993), essa pesquisa se debruçou sobre a produção, difusão e

circulação da Cartilha Ada e Edu, elaborada por professoras do estado de Mato

Grosso, na década de setenta do século XX, tendo como parâmetro de análise o

modelo geral, proposto por Darnton (1990), entendido como instrumento metodológico

para mapear como os livros surgem e se difundem entre a sociedade.

A partir do levantamento das condições de produção e da análise qualitativa da

Cartilha Ada e Edu pretendi desvendar pressupostos metodológicos, projetos

pedagógicos e práticas escolares de alfabetização. Como registro histórico e científico,

o trabalho caminhou no sentido de localizar, recuperar, reunir, selecionar, organizar e

analisar fontes documentais primárias e secundárias sobre o ciclo de vida dessa

cartilha no estado de Mato Grosso e nos outros estados brasileiros pelos quais ela

circulou, delimitado ao período de 1977-1985. A análise deteve-se sobre fontes

documentais (as obras didáticas e documentos diversos) e fontes orais (depoimentos

de autoras, colaboradora, editor, supervisoras e professoras).

Certo é que cedo constatei a afirmação de Darnton de que o livro tem muitos

sujeitos em torno dele. Mais que isso, ao tentar escrever a história de Ada e Edu

mergulhei, inesperada e profundamente, na história da política pública que deu origem

a esse manual didático - o Projeto de Desenvolvimento de Novas Metodologias

Aplicáveis ao Processo Ensino-Aprendizagem do 1º. Grau, proposto pelo Ministério de

Educação, no contexto do II Plano Setorial de Educação e Cultura para 1975/1979 –

num claro exemplo de como a história da alfabetização se entrelaça com tantas outras

histórias, como bem aponta Harvey Graff na epígrafe deste texto.

Estudar o “circuito das comunicações” do manual didático cartilha exige uma

compreensão do papel da escola como instituição especializada em promover/garantir

o acesso das novas gerações à cultura letrada, a partir do aprendizado da leitura e da

escrita. Mortatti lembra que na modernidade republicana

Page 126: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

126

A Alfabetização se tornou o fundamento da escola obrigatória, laica e gratuita; a leitura e a escrita se tornaram “definitivamente”, objeto de ensino e aprendizagem escolarizados, ou seja, submetidos à organização sistemática, tecnicamente ensináveis e demarcando preparação de profissionais especializados. Desse ponto de vista, a alfabetização se apresenta como o signo mais evidente e complexo da relação problemática entre educação e modernidade, tornando-se o principal índice de medida e testagem da eficiência da educação

escolar (MORTATTI, 2008).

“O signo mais evidente e complexo da relação problemática entre educação e

modernidade” – a alfabetização – historicamente se apoiou em cartilhas para cumprir

seu papel de “chave” que abre a porta de entrada para a cultura escrita. Esses

manuais galgaram um nível de importância na alfabetização e na escolarização que

passaram a ser sinônimo de método de alfabetização, o que evidencia a sua função

instrumental (Cf. Choppin, 2004).

Assim, se a história da alfabetização se faz de embates sobre métodos “novos”

e “antigos”, aqueles apoiados em “modernas verdades científicas” acusando esses de

“tradicionais” apoiados em teorias decadentes, a história de um livro de alfabetização

reflete e refrata esse pressuposto.

Dessa maneira, o circuito das comunicações da cartilha Ada e Edu em suas

fases de produção, difusão e circulação se amparou no discurso do novo em confronto

com o velho e ultrapassado, fundando representações e moldando a cultura escolar,

ao mesmo tempo, com elementos de transformação e de permanência.

Diante das urgentes demandas sociais daqueles tempos, em 1975 o governo

federal propõe o II Plano Setorial de Educação e Cultura. Apelando para objetivos de

modernização e melhoramento qualitativo, um quinhão de investimento é reservado à

inovação e à renovação do ensino, que poderia mostrar toda a sua criatividade no seio

do Projeto de Desenvolvimento de Novas Metodologias Aplicáveis ao Processo

Ensino-Aprendizagem do 1º. Grau (PNM). O novo nesse momento histórico era a

aplicação dos pressupostos da Teoria do Capital Humano (racionalidade, eficiência e

produtividade), tida como eficiente para a administração de fábricas, para a escola,

que passara a ter novas finalidades: atendimento a um novo público escolar que a ela

adentrara – o povo brasileiro. Esses e outros aspectos são detalhados em O contexto

de Ada e Edu no qual procurei estabelecer a inserção de um livro didático em um

complexo mais amplo de políticas educacionais e públicas, em nível nacional e

estadual.

Por que produzir uma cartilha? Para a equipe mato-grossense responsável

pelo PNM porque havia uma grande lacuna nos materiais disponíveis, assim definida:

“falta de cartilha adequada à nossa realidade e às características da língua

Page 127: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

127

portuguesa” (MATO GROSSO. SEDUC/DE/PNM, 1977). Essa convicção levou o

grupo a se organizar, planejar, elaborar, experimentar um novo material didático, o

conjunto Nossa Terra, Nossa Gente (depois transformado em Ada e Edu), composto

pela Cartilha, Livro do Professor e Caderno de Atividades. Nuanças desse processo

ocorrido no ano de 1977 foram apontadas em A gênese de Nossa Terra Nossa

Gente: elementos de sua produção. O novo aparece no principal pressuposto da

equipe: a questão para se resolver o fracasso escolar não está no método. A partir daí,

o grupo desloca o foco para dois eixos: a) o controle do processo de forma racional:

uso de material único, uso do tempo; estabelecimento de critérios de alfabetização;

treinamento dos professores; acompanhamento pela supervisão da escola e do

projeto; b) a esperança em poder materializar uma cartilha ideal do ponto de vista

lingüístico e adequada à realidade local: utilizando-se uma linguagem regional,

próxima à linguagem dos escolares, e apresentando a língua de forma graduada,

contemplando suas dificuldades e sua complexidade. Desse modo, o manual seria de

fácil manejo pelo professor e de melhor apropriação pelos alunos.

Como explicar o fato de uma cartilha regional, elaborada em Mato Grosso para

atender especificidades locais, romper as barreiras geográficas e ir parar no Rio de

Janeiro, numa grande editora com projeto de distribuição nacional? O mesmo novo

discurso da regionalidade e da adaptação às dificuldades próprias da língua ainda se

sustentaria na apresentação dessa nova cartilha? Quais pessoas

participaram/gravitaram em torno desse manual, fazendo-o viajar, adaptando-o,

divulgando-o? Quem são e o que faziam os intermediários, o editor, os divulgadores?

Esses temas são tratados em Voo inesperado: Nossa Terra, Nossa Gente no Rio

de Janeiro.

A história dos livros está repleta de estratégias dos autores e dos editores para

difundir as obras: exposições, cartas, concursos e doações são ardis comuns a esses

segmentos com o intuito de ver uma obra divulgada, lida, adotada, utilizada. No caso

da cartilha Ada e Edu as autoras não se reconhecem nesse papel. No entanto,

desencadearam uma verdadeira “batalha” de marketing no interior do aparelho do

estado. O estudo parece não deixar dúvidas que a difusão local de Ada e Edu foi de

responsabilidade das autoras/equipe do PNM que, ao fazer seu trabalho de agentes

culturais, responsáveis por uma política pública emanada do Ministério de Educação,

colocaram-na como dispositivo central para que o Estado atingisse os esperados

objetivos de redução do fracasso escolar em alfabetização. As autoras coordenaram

um intenso trabalho pedagógico, que gravitou ao redor desse conjunto didático e o

difundiu entre os alfabetizadores mato-grossenses, descrito em A difusão de Ada e

Edu. A nova cartilha Ada e Edu, por meio das estratégias de difusão visitou o palácio

Page 128: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

128

do governo, foi alvo de notícias de jornais, freqüentou revistas, foi elemento central de

diversos cursos e impressos direcionados à escola, conseguindo fundar

representações sobre suas qualidades, que persistem por mais de 30 anos nas

memórias das professoras. No contexto nacional coube à Bloch Educação o papel de

difundir a cartilha e a editora conseguiu projetá-la a um dos postos mais ambicionados

no mercado editorial: constar do Programa Nacional do Livro Didático, penetrando,

assim, pelo menos potencialmente, nas escolas brasileiras.

Em Mato Grosso o PNM se expande do projeto piloto, em 1977, para 11

municípios, em 1978/9, que constituem o principal corredor pelo qual circulou Ada e

Edu. No Brasil, pouco pude saber dos caminhos percorridos por essa cartilha. No

mosaico constituído pelas fontes - uma pérola - um achado surpreendente no “arquivo”

da Bloch no Rio de Janeiro desencadeou muitas hipóteses promissoras. Outras fontes

como o Catálogo da FAE “A Nova Escolha do Livro Didático” do ano de 1985 e um

exemplar carimbado por uma autoridade do Programa Nacional do Livro Didático,

encontrado na Biblioteca Nacional (RJ), ajudam a compor prováveis caminhos, quem

sabe a serem “documentados” em outra pesquisa. A pergunta “Por onde andou essa

cartilha?”, de relato mais claro em Mato Grosso e mais obscuro em alguns estados do

Brasil, é discutida em A circulação de Ada e Edu.

Na fase de circulação, o segmento mais importante é o leitor do livro. Aqui, por

causa de o livro ser didático e por ser cartilha, o leitor é chamado de usuário. As

professoras/usuárias podem ajudar a preencher uma grande lacuna da história do livro

didático? Podem elas, com suas memórias, relatar o que acontece com ele,

efetivamente, na sala de aula, ou seja, nos ajudar a conhecer, historicamente, os usos

que professores e alunos fazem de uma produção didática? Infelizmente, pude

constatar que, mesmo se considerando a história recente, as memórias se revelam

insuficientes para a realização de um registro significativo relacionado aos usos de

livro didático. No entanto, em Leitoras/usuárias: a voz das professoras algo é

tecido. Em conversas sobre os usos, a cartilha Ada e Edu vai, gradativamente,

passando de nova proposta de alfabetização, ou do “baluarte para o professor

ministrar melhor suas aulas e conseguir um maior rendimento na alfabetização”, para

um segundo plano, apesar de lembrada e amada tanto tempo depois. Novas normas,

teorias e práticas de alfabetização instituíram novos modos de dizer e novos modos de

fazer, desalojando a cartilha Ada e Edu - e todas as cartilhas brasileiras - de seu

histórico lugar social.

Ocaso de Ada e Edu evidencia que outra nova verdade científica tomara conta

do cenário educacional brasileiro e mato-grossense. Embora possa admitir que o

papel de crítica e desvalorização das cartilhas, desempenhado pelas atuais teorias

Page 129: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

129

sobre alfabetização, como o construtivismo, não tenha decretado o fim da circulação

desse material em sala de aula, não é possível negar que a década de 1980 trouxe

mudança nos projetos políticos e educacionais. A imagem dos últimos exemplares de

Ada e Edu encontrados em Mato Grosso e do destino desses livros remanescentes

revela que a cultura escolar se renova nas memórias, nas cinzas e no mofo do velho.

Velho livro didático. Velha cartilha.

Page 130: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

130

REFERÊNCIAS

1. FONTES

1.1. Entrevistas

Ana Maria Pereira Barbosa Professora - Rondonópolis 28/06/2008

Ana Maria Pereira Barbosa Professora - Rondonópolis 14/05/2003

Doquelza de Almeida Pessoa Professora - Cáceres 17/07/2008

Francisca Amélia Marques Autora 24/04/2008

Julita do Carmo Mendes Povo Supervisora - Cáceres 21/07/2008

Lucia Elvira Rigolin de Almeida Autora 11/07/2008

Mari Luci Ianhes Bitencourt Supervisora - Rondonópolis 10/07/2008

Maria Antonieta Fernandes Autora 23/04/2008

Maria da Conceição de Paula da

Silva

Intermediária – Coordenadora do

PLIDEF/MT

25/08/2008

Maria de Lourdes Amaral Professora - Rondonópolis 25/06/2008

Regina Lúcia Borges Araújo Autora 24/04/2008

Renete M. de Almeida Maciel Autora 25/04/2008

Rosa Maria Jorge Persona Autora 25/04/2008

Rosa Maria Jorge Persona Autora 26/04/2004

Terezinha Lizete de Figueiredo Professora - Cuiabá 19/09/2008

1.2. Depoimentos escritos

Arnaldo Niskier Editor da Bloch 30/03/2005

Nívia Gordo Coordenadora da produção 12/06/2008

1.3. Documentos

BATALHA, Wander. Material escolar: co-responsabilidade social. In: MEC. Revista

Educação, Ano 11, n. 38, abril/set. 1982.

Page 131: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

131

BLOCH EDUCAÇÃO. Publicação Mensal (jornal). Rio de Janeiro, Ano 4, n.4, outubro

de 1978, 4 p.

BLOCH EDITORES. Contrato de Edição. Rio de Janeiro, 1978.

BLOCH EDITORES. Alfabetização: 50% de reprovação. Por quê? Revista Manchete,

s/d.

JORNAL O ESTADO DE MATO GROSSO, 06 DE ABRIL DE 1978.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Revista Educação em Mato

Grosso. Ano IV, n.14, 1981.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Revista Educação em Mato

Grosso, n.03, jun/jul de 1978.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Revista Educação em Mato

Grosso, n. 2, Março/abril, 1978.

MATO-GROSSO, Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias: Aplicáveis ao processo ensino aprendizagem para o

ensino de 1º Grau. Cuiabá-MT, 1977.

MATO-GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias: Relatório Geral das Atividades Desenvolvidas. Cuiabá-MT.

Período 1975/1978.

MATO-GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias; Bloch Editores. Convite de Lançamento do conjunto Ada e

Edu. 1978.

MATO-GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Atestado da professora

Nívia Gordo, 1980

MATO GROSSO. Proposta Curricular para Língua Portuguesa, de 1ª. a 4ª.

Série do 1º. Grau, 1981.

MATO-GROSSO, Secretaria de Educação e Cultura. Of. SEC/DE/DEIG/PNM/17/79.

MATO-GROSSO, Secretaria de Educação e Cultura. PNM. Instruções do Projeto

Novas Metodologias. 1978.

MATO-GROSSO, Secretaria de Educação e Cultura. PNM. Instruções do

Projeto Novas Metodologias, 1979.

MATO-GROSSO, Secretaria de Educação e Cultura: Projeto Melhoria do

Processo Ensino-Aprendizagem, Plano de Ação, 1980.

MATO-GROSSO, Secretaria de Educação e Cultura. Boletim Informativo Ano

II, 1978 – abril e maio, B.I. n.2.

Page 132: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

132

MATO-GROSSO, Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Boletim Informativo. Ano III, 1979 – março e abril, n. 1.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Apostila, s/d.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Bateria de Exercício, 1ª.ed.,1979.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Apostila Ada e Edu, 3ª ed, 1980.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Treinamento em Alfabetização. s/d.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Ada e Edu. Um pouco de: Comunicação e Expressão; Ciências

Físicas e Biológicas: Integração Social. 2ª. ed. 1978.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Relatório de Viagem, 1979.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Projeto III Encontro Estadual de Alfabetização, 11 f.,1979,

datilografado.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Certificado do III Encontro de Alfabetização (Ana Maria Dias

da Silva), 1979.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto Novas

Metodologias. Certificado de Curso Preparatório (Terezinha Lizete de

Figueiredo), 1976.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA/FAE. Programas de Assistência ao

Educando: Séries Históricas – 1970-84. Brasília, 1985.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA/FAE. A nova escolha do livro didático.

Rio de Janeiro, 1985.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA /FAE. Relatório Anual da FAE –

Programa Nacional do Livro Didático – 1984. Brasília, 1985.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA /INL. Livro Didático. Brasília, 1973 (?).

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA /INL. Programa Nacional do Livro

Didático. Brasília, 1973 (?).

Page 133: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

133

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA /UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS.

Estudo avaliativo do Projeto Desenvolvimento de Novas Metodologias aplicáveis

ao processo ensino-aprendizagem na área de ensino de 1º. grau (SE/QF – 1975-

1978). Brasília, 1980.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA. II Plano Setorial de Educação e Cultura

(1975/1979). Brasília, 1976.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO/INEP. A Educação nas Mensagens Presidenciais -

período 1890-1986. Brasília, v.II, 1987.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA. Revista MEC Educação, Ano 11, n. 38,

abr/set, 1982.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA/FAE. Programas de Assistência ao

Educando: Séries Históricas – 1970-84. Brasília, 1985.

1.4. Livros didáticos

PERSONA, Rosa Maria Jorge et al. Ada e Edu. Livro do Professor. Rio de Janeiro:

Bloch Editores, 1978.

PERSONA, Rosa Maria Jorge et al. Ada e Edu: Caderno de Atividades. Rio de

Janeiro: Bloch Editores, 1978.

PERSONA, Rosa Maria Jorge et al. Ada e Edu: para classes de alfabetização. 1ª

edição. Bloch Editores S.A. 1978.

PERSONA, Rosa Maria Jorge et al. Cartilha Nossa Terra Nossa Gente. Governo do

Estado de Mato Grosso, Secretaria de Educação e Cultura. Cuiabá: 1977.

PERSONA, Rosa Maria Jorge et al. Nossa Terra Nossa Gente: Caderno de

Atividades. Governo do Estado de Mato Grosso, Secretaria de Educação e Cultura.

Cuiabá: 1977.

2. Obras Gerais

AMÂNCIO, Lázara Nanci de Barros. Cartilhas, para quê? Brasília: INEP-COMPED;

Cuiabá: EdUFMT, 2002.

AMÂNCIO, Lázara Nanci de Barros. Ensino da leitura na escola primária no Mato

Grosso: contribuição para o estudo de um discurso institucional no início do século

XX. 263f. Tese (Doutorado em Educação UNESP-Marília). São Paulo, 2000.

AMÂNCIO, Lázara Nanci de Barros e CARDOSO, Cancionila J. Circulação de cartilhas

em Mato Grosso e o caso de Ada e Edu. In: FRADE, Isabel e MACIEL, Francisca

Page 134: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

134

(orgs.). História da Alfabetização: produção, difusão e circulação de livros (MG/RS/

MT – Séc. XIX e XX. Belo Horizonte: Ceale/UFMG, 2006, p. 257-276.

AMÂNCIO, Lázara Nanci de Barros e CARDOSO, Cancionila J. Fontes para o estudo

da produção e circulação de cartilhas no Estado de mato Grosso. In: FRADE, Isabel e

MACIEL, Francisca (orgs.). História da Alfabetização: produção, difusão e circulação

de livros (MG/RS/ MT – Séc. XIX e XX). Belo Horizonte: Ceale/UFMG, 2006, p.191-

219.

BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Um objeto variável e instável: textos, impressos e

livros didáticos. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura.

Campinas-SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo:

FAPESP, 1ª. Reimpressão, 2002.

BITTENCOURT, Circe M. F. Autores e editores de compêndios e livros de leitura

(1810-1910). Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n. 3, p.475-491, set./dez. 2004.

BITTENCOURT, Circe M. F. Livro didático e conhecimento histórico: uma história

do saber escolar. 371f.Tese (Doutorado em História da Faculdade de Filosofia, Letras

e Ciências Humanas da USP).São Paulo, 1993.

BITTENCOURT, Circe M. F. Disciplinas escolares: história e pesquisa. In OLIVEIRA,

M. A. T. de; RANZI, S. M. F. (Orgs.). História das disciplinas escolares no Brasil:

contribuições para o debate. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.

BLOCH, Arnaldo, Os irmãos Karamabloch: ascensão e queda de um império familiar.

São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

BOM MEIHY, José Carlos S. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996.

BRANDÃO, Zaia; BAETA, Anna Maria Bianchini; ROCHA, Any Dutra Coelho da.

Evasão e repetência no Brasil: a escola em questão. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983.

BUFREN, Leilah Santiago, SCHMIDT, Maria Auxiliadora & GARCIA, Tânia Maria F.

Braga. Os manuais destinados a professores como fontes para a história das formas

de ensinar. Campinas: Revista HISTEDBR On-line, n. 22, p. 120-130, jun 2006.

BURKE, Peter. O que é História Cultural? Trad. Sérgio Góes de Paula. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

CARDOSO, Cancionila J. e AMÂNCIO, L.N. B. Relatório de Pesquisa: Políticas

Educacionais e práticas em alfabetização: um estudo a partir da circulação de

cartilhas em Mato Grosso (1910-2002). UFMT/FAPEMAT. Cuiabá-MT, 2005.

CARDOSO, Cancionila J. e AMÂNCIO, Lázara Nanci de Barros. Memórias da

trajetória docente de uma alfabetizadora: entrecruzando vozes e tecendo fios. In:

FRADE, Isabel e MACIEL, Francisca (orgs.). História da Alfabetização: produção,

difusão e circulação de livros (MG/RS/ MT – Séc. XIX e XX. Belo Horizonte:

Ceale/UFMG, 2006, p. 223-253.

Page 135: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

135

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 2ª ed. Petrópolis, RJ:

Vozes, 1994.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa:

DIFEL. RJ: Bertrand, 1990a.

CHARTIER, Roger. Educação. In: LE GOFF, Jacques, CHARTIER, Roger, REVEL, J.

(Dir.). A nova história. Trad. M. H. Arinto e R. Esteves. Coimbra: Liv. Almedina,

1990b. p.169-71.

CHARTIER. Roger. Culture écrit et societé: l´ordre des livres (XIVe – XVIIIe siècle).

Paris:Éditions Albin Michel S.A., 1996.

CHARTIER. Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa

entre os séculos XIV e XVIIIe. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de

pesquisa. Teoria e Educação. Porto Alegre, nº 2, p. 177-229, 1990.

CHOPPIN, Alain. Manuels scolaires : histoire et actualité. Paris : Hachette, 1992.

CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o

estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 549-566, set./dez. 2004.

CHOPPIN, Alain. Traiter le manuel scolaire comme source Documentaire: une

approche historique In: Língua Escrita. Universidade Federal de Minas Gerais - Ceale

- Faculdade de Educação - n.1 (2007). Belo Horizonte: FaE/UFMG, n.3, dezembro

2007 (Revista Eletrônica).

CORRÊA, Carlos Humberto Alves. Circuito do livro escolar: elementos para a

compreensão de seu funcionamento no contexto educacional amazonense

(1852-1910). 231 f.. Tese (Doutorado da Universidade Estadual de Campinas). São

Paulo, 2006.

CORREA, Adelaine dos Santos. Levantamento e catalogação de fontes da

alfabetização em Mato Grosso (1950-2000). Relatório PIBIC, 2007, 20 p.

CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. O livro escolar como fonte de pesquisa em história da

Educação. In: Cultura escolar: história, práticas e representações. São Paulo:

Cadernos Cedes, n. 52, 2000, p. 11-24.

CUNHA, Luiz .Antônio.; GOES, Moacy de. O golpe na educação. 4 ed. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1987.

CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação como desfio na ordem jurídica. In. LOPES,

Eliane M; FARIA FILHO, Luciano Mendes & VEIGA, Cynthia G. (orgs.). 500 anos de

educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Trad. Denise

Bottmann. São paulo: Companhia das Letras, 1990.

Page 136: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

136

ESPÓSITO, Yara Lúcia. Cartilhas e materiais didáticos: critérios norteadores para

uma política educacional, São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado, 1985.

FARIA FILHO, Luciano; GONÇALVES, Irlen Antônio; VIDAL, Diana; PAULILO, André.

A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história

da educação brasileira. São Paulo: Educação e Pesquisa, v. 30, n. 1, jan/abr, 2004.

FARIA, Ana Lúcia G. Ideologia no livro didático. São Paulo: Cortez/Autores

Associados, 1984.

FARIA, Luciene Miranda. As práticas de alfabetização na Escola Estadual Dom Galibert

– Cáceres – MT (1975-2004). 232 f. Dissertação (Mestrado em Educação da UFMT),

Cuiabá, 2008.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Educação no Brasil anos 60: o pacto do silêncio.

São Paulo: Edições Loyola, 1985.

FERNÁNDES, Raimundo Cuesta. Clio em las aulas: La enseñanza de La Historia em

España entre reformas, ilusiones y rutinas. Madrid: Ediciones Akal, 1998.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez: Autores

Associados, 1987.

FIGUEIREDO, Ana Luisa de. Professor no ensino de 1º. Grau: responsabilidade

básica ensinar a aprender. Revista Educação em Mato Grosso. Ano IV, n. 13, 1981,

p.49-57.

FRAGO, Antonio Viñao. Alfabetização na sociedade e na história: vozes, palavras

e textos. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e outros. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

FREITAG, Bárbara et al. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez/Autores

Associados, 1989.

GATTI, Bernadete A Pesquisa em Educação: Pontuando algumas questões

metodológicas. Disponível em: http://lite.fae.unicamp.br/revista/gatti.html (acesso em

10/09/2008).

GRAFF, J. Harvey. Os labirintos da alfabetização: Reflexões sobre o passado e o

presente da alfabetização. Trad. Tirza Myga Garcia. Porto Alegre: Artes Médicas,

1994.

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história.. São Paulo: T.A. Queiroz: Ed

da Universidade de São Paulo, 1985.

HÉBRARD, Jean. Três figuras de jovens leitores: alfabetização e escolarização do

ponto de vista da história Cultural. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e

história da leitura. Campinas-SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do

Brasil; São Paulo: FAPESP, 1ª. Reimpressão, 2002, p.33-77.

Page 137: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

137

HÉBRARD, Jean. Pode-se fazer uma história das práticas populares de leitura na

Época Moderna? Os “novos leitores” revisitados. Anais: I Seminário Brasileiro sobre

o Livro e História Editorial, Rio de Janeiro, 2004.

HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo:

Cengage Learning Editores, 2003.

HOBSBAWM, E.J. and Terrence Ranger, eds. The Invention of Tradition.

Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasileira de

História da Educação. São Paulo: Autores Associados, n. 1, jan/jun, 2001, p. 9-42.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Livro didático, matéria da literatura. In:

_______ A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1998, p.120-128.

LE GOFF, Jacques. História. Lisboa: Ed. 70, 2000.

LE GOFF, Jacques. História Nova. São Paulo: Martins e Fontes, 2001.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5ª. Ed. Campinas - SP: 2003.

LE GOFF, J. e NORA, P. História: novas abordagens. Trad. Henrique Mesquita. Rio

de Janeiro: 1976

MACIEL, Renete Almeida e PERSONA, Rosa Maria Jorge. O fenômeno da

alfabetização – um repensar a partir da análise do desenvolvimento do Projeto Novas

Metodologias – SEC/MT – 1975-1979, 1988 (Datilografado).

MAGALHÃES, Justino Pereira de. Um apontamento para a história do manual escolar

– entre a produção e a representação. Actas do I Encontro internacional sobre

Manuais Escolares. Minho – Portugal, 1999, p.279-302.

MORTATTI, Maria do Rosário L. Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto

secular. In: Cultura escolar: história, práticas e representações. São Paulo: Cadernos

Cedes, n. 52, 2000, p.41-54.

MORTATTI, Maria do Rosário L. Os sentidos da alfabetização (São Paulo/1876-

1994). São Paulo: Editora UNESP: COMPED, 2000.

MORTATTI, Maria do Rosário L. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP, 2004.

MORTATTI, Maria do Rosário L. Letrar é preciso, alfabetizar não basta... mais? In:

SHOLZE, Lia e ROSING, Tânia M.K.(orgs.) Teorias e práticas de letramento.

Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira,

2007, p. 155-168.

MORTATTI, Maria do Rosário L. A “querela dos métodos” de alfabetização no

Brasil: contribuições para metodizar o debate. Revista ACOALFAplp: Acolhendo a

Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São Paulo, ano 3, n. 5, 2008 (p.93).

Disponível em:<http://www.acoalfaplp.net>. Publicado em: setembro 2008.

Page 138: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

138

MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. 217 f. Tese

(Doutorado em História e Filosofia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo). São Paulo, 1997.

NOSELLA, Maria de Lourdes Chagas Deiró. As belas mentiras: a ideologia

subjacente nos livros didáticos. São Paulo: Moraes, 1981.

NUNES, Clarice. (org.) O passado sempre presente. São Paulo: Cortez, 1992.

(Questões da nossa época; v.4).

NUNES, Clarice. História da Educação Brasileira: novas abordagens de velhos

objetos. Teoria & Educação. n.6, 151-182, 1992.

NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da Educação e

fontes. Cadernos da Anped, n. 5, Porto Alegre, 1993.

OLIVEIRA, João Batista Araújo e. et alii. A política do livro didático. Campinas,

Summus/ UNICAMP, 1984.

PERSONA, Rosa Maria (et al). Programa de Alfabetização. Revista Educação em

Mato Grosso, Ano VII, n. 24, 1984, p. 12-15.

PFROMM NETO; Samuel; ROSAMILHA, Nelson; DIB, Cláudio Zaki. O livro na

educação. Rio de Janeiro: Primor/INL, 1974.

ROCHA, Jeane. Alfabetização em Alta Floresta-MT: aspectos de uma trajetória

(1978-2006). 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação da UFMT), Cuiabá, 2008.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil: 1930/1973.

Petrópolis: Vozes, 1978.

ROSEMBERG, Fúlvia; BAZILLI, Chirley; SILVA, Paulo Vinícius Baptista da. Racismo

em livros didáticos brasileiros e seu combate: uma revisão da literatura. Educação

e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 125-146, jan./jun. 2003.

SAVIANI, D. Breves considerações sobre as fontes para a história da educação. IN:

LOMBARDI, J.C & NASCIMENTO, M. I. M. (orgs). Fontes, História e Historiografia

da Educação. Campinas- SP: Autores Associados: HISTEDBR; Curitiba- PR:

PUCPR; Palmas, PR Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná (UNICS);

Ponta Grossa, PR: Universidade Estadual de Ponta Grossa UUEPG), 2004, p.1-20.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Livro Didático: do ritual de passagem à ultrapassagem.

Brasília: INEP: Em Aberto, n. 69: Livro didático e qualidade de ensino, 1996, p. 11-

15.

SILVA, Marijâne Silveira da. Revista Educação em Mato Grosso (1978-1986):

contribuição para a compreensão da imprensa pedagógica do estado. 161 f.

Dissertação (Mestrado em Educação da UFMT), Cuiabá, 2008.

SOARES, Magda e MACIEL, Francisca. Alfabetização. Estado do conhecimento.

Brasília: INEP/ COMPED, 2000.

Page 139: Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação (1977-1985) Janzkovski Cardoso.pdf · Para este autor, “A história da alfabetização mantém relação com, interessa-se

139

SOARES, Magda. As muitas facetas da alfabetização. Cadernos de Pesquisa, n. 52,

p. 19-24, 1985.

SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática,

1985.

SOARES, Magda. O livro didático como fonte para a história da leitura e da formação

do professor-leitor. In. MARINHO, Marildes (org.) Ler e navegar: espaços e percursos

da leitura. Campinas-SP: Mercado de Letras: Associação de leitura do Brasil – ALB,

2001, p.31-76.

SOARES, Magda. Aprender a escrever, ensinar a escrever. In: ZACCUR, Edwirges

(org.) A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 2001, 2ª. Ed., p.49-73.

TAGUCHI, Renata Ramos Corrêa. Concepções de língua nas legislações do

ensino. Universidade Federal de Mato Grosso: Dissertação de Mestrado, 1994.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

1992.

Sítios consultados

http://bdd.inrp.fr:8080/Emma/EmaWelcome.html

www.uned.es/manesvirtual/portalmanes.html

http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/index.htm

http://www.obrasraras.usp.br/

http://www.seer.ufu.br/index.php/che/

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

http://www.unicamp.br/iel/memoria/

http://www.inep.gov.br/pesquisa/cibec/ocibec.htm

http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/

http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/

http://memoria.nemesis.org.br/index.php?p=1

http://portal.mec.gov.br/index.php

http://portal.mec.gov.br/index.php

http://www.senado.gov.br/sf/biblioteca/

http://www.publicacoes.inep.gov.br/resultados.asp

http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=livro_didatico.html#dados

http://lite.fae.unicamp.br/revista/gatti.html