Cartas aos Evangelistas -...

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Cartas aos EvangelistasC. H. Mackintosh

Título original: Papers on Evangelization — C.H. Mackintosh

Tradução: Mario Persona - 1996

“Não podemos ficar ociosos. O tempose abrevia! A eternidade se aproxima apassos largos! O Mestre é por demaisdigno de nosso empenho! As almas sãopor demais preciosas! A estaçãopropícia ao trabalho logo terminará!Estejamos, portanto, em nome doSenhor, despertos e ativos.”C. H. Mackintosh nos motiva à ação, emdependência e oração, na seara de Deus,já branca para a colheita nestes

momentos finais da Sua graça. O autordescreve a esfera de ação doevangelista, o modelo que deve seguir,seu tema principal, e a diretriz que movecada sincero e devotado ganhador dealmas.

Quão solene é pensarmos em uma almaimortal à beira do abismo do inferno ecorrendo o perigo de, a qualquermomento, ser lançada ali. Possamosalmejar, e aprender a cultivar, o espíritode um verdadeiro evangelista com umardente amor pelas almas — umaconstante sede pela salvação delas —uma incansável luta com suasconsciências — um claro e sincerodiálogo face a face com os homensacerca de sua vida passada, sua

condição presente e seu destino futuro.

Este livro sobre Evangelismo aborda aobra do evangelho e traz ainda setecartas tratando de assuntos relacionadosa este trabalho tão bendito e tãoimportante.

ÍNDICEPRIMEIRA PARTE — A OBRA DOEVANGELHO

Uma palavra ao evangelista

Um lema para o evangelista

A obra de um evangelista

O que busca com sinceridade

O enganador

O pecador endurecido

SEGUNDA PARTE — CARTAS AOSEVANGELISTAS

PRIMEIRA CARTA — À Procura deAlmas

SEGUNDA CARTA — O EspíritoSanto

TERCEIRA CARTA — A Palavra deDeus

QUARTA CARTA — A Oração

QUINTA CARTA — Obra deLiteratura

SEXTA CARTA — A Pregação doEvangelho

SÉTIMA CARTA — A EscolaDominical

PRIMEIRA PARTE — AOBRA DO EVANGELHO

UMA PALAVRA AOEVANGELISTA

CREMOS que não será consideradoinoportuno se nos aventurarmos aoferecer uma palavra de conselho eencorajamento a todos aqueles que estãoengajados na bendita obra de pregar oevangelho da graça de Deus. Estamos,até certo ponto, conscientes dasdificuldades e dos desencorajamentosque costumam frequentar a senda detodo evangelista, seja em sua esfera detrabalho ou na medida de seu dom; e énosso desejo animar os corações emanter erguidas as mãos de todos os que

possam estar em perigo de cair sob opoder desanimador dessas coisas.Sentimos cada vez mais a imensaimportância de um testemunho sincero efervoroso do evangelho em todo lugar; etememos ao extremo qualquer deserçãoneste campo. Somos imperativamentechamados a fazer “a obra dumevangelista” (2 Tm 4:5), e a nãoabandonarmos essa obra sob quaisquerpretextos ou desculpas que possamsurgir.

Ao escrevermos assim, é bom queninguém pense que estamos querendodiminuir, mesmo que um pouco, o valordo ensino, da pregação para crentes e daexortação. Nada poderia estar maislonge de nossos pensamentos. “Deveis,

porém, fazer estas coisas, e não omitiraquelas.” (Mt 23:23) Não temos aintenção de comparar a obra doevangelista com a do mestre ou doutor,ou exaltarmos aquela à custa desta. Cadauma tem seu próprio lugar, seu própriointeresse e sua importância peculiar.

Mas, por outro lado, será que não há operigo do evangelista abandonar suaprópria obra, tão preciosa, a fim de seentregar à obra do ensino e da pregaçãopara crentes? Será que não existe operigo do evangelista acabarmesclando-se em mestre ou doutor?Tememos que exista tal perigo; e é sob ainfluência deste temor que escrevemosestas poucas linhas. É com profundapreocupação que observamos que

alguns, que outrora eram reconhecidosentre nós como evangelistas fervorosose eminentemente bem-sucedidos, agoraquase que abandonaram completamentesua obra, tornando-se mestres epregadores para crentes.

Isto é extremamente deplorável. Nósverdadeiramente desejamosevangelistas. Um verdadeiroevangelista é quase uma raridade tãogrande quanto um verdadeiro pastor. Oh!como ambos são raros! E ambos estãointimamente ligados. O evangelistareúne as ovelhas; o pastor as alimenta ecuida delas. A obra de cada umencontra-se bem próxima do coração deCristo — o Divino Evangelista e Pastor;mas é com o primeiro que queremos

tratar agora — para encorajá-lo em seutrabalho, e adverti-lo da tentação de sedesviar dele. Não podemos admitir aperda de sequer um embaixador logoagora, e não queremos ver nem mesmoum só pregador em silêncio.

Estamos perfeitamente cônscios do fatode que há, em certos círculos, uma fortetendência de se jogar água fria sobre aobra de evangelização. Existe umalamentável falta de simpatia para com opregador do evangelho, e, comoconsequência, acaba faltando tambémuma cooperação ativa para com ele emsua obra. Além do mais, há um modo dese falar da pregação do evangelho quenão está muito em sintonia com ocoração daquele que chorou sobre

pecadores impenitentes, e que pôdedizer, bem no início de Seu benditoministério, “o Espírito do Senhor ésobre Mim, pois que Me ungiu paraevangelizar os pobres”. (Lc 4:18; Is61:1) E também, “Vamos às aldeiasvizinhas, para que Eu ali tambémpregue; porque para isso vim”. (Mc1:38)

Nosso bendito Senhor foi um infatigávelpregador do evangelho, e todos os queestão imbuídos de Sua vontade e de Seuespírito tomarão um vívido interesse naobra de todos aqueles que estejambuscando, cada um em sua fraca medida,fazer o mesmo que Ele fez. Esseinteresse ficará evidenciado, não só pelasincera oração por bênção divina sobre

a obra, mas também por esforçosdiligentes e constantes para que almasimortais sejam expostas ao som doevangelho.

É esta a maneira de se ajudar oevangelista, e isto compete a cadamembro da Igreja de Deus — sejahomem, mulher ou criança. Dessa formatodos podem ajudar no desenvolvimentoda gloriosa obra de evangelização. Secada membro da assembleia trabalhassediligentemente e em oração nestesentido, quão diferentes as coisas seriampara os queridos servos do Senhor queestão procurando tornar conhecidas asinescrutáveis riquezas de Cristo.

Mas, oh! com que frequência dá-se o

oposto. Com que frequência escutamos,até mesmo partindo daqueles que têmalguma reputação de possuíreminteligência e espiritualidade, ao sereferirem às reuniões de pregação doevangelho, frases como:

— Ah!, não vou; vai ser só o evangelho.

Pense nisto! “Só o evangelho”. Secolocassem a mesma ideia em outraspalavras, estariam dizendo: É só ocoração de Deus — só o preciososangue de Cristo — só o gloriosoregistro do Espírito Santo!

É assim quando colocamos as coisasclaramente. Não há nada mais triste doque ouvir cristãos professos falandodessa maneira. Isto prova, com toda a

clareza, que suas almas estão bem longedo coração de Jesus. Temos visto,invariavelmente, que aqueles quepensam e falam levianamente da obra doevangelista são pessoas de muito poucaespiritualidade.

Por outro lado, os mais devotos, os maissinceros, os mais bem esclarecidossantos de Deus, procuram ter sempre umprofundo interesse nesta obra. E comopoderia ser diferente? Acaso a voz dasSagradas Escrituras não dá o mais clarotestemunho acerca do interesse que aTrindade tem na obra do evangelho?Certamente que sim. Quem foi quepregou o evangelho pela primeira vez?Quem foi o primeiro arauto dasalvação? Quem anunciou pela primeira

vez as boas novas da ferida Semente damulher? O próprio Senhor Deus, nojardim do Éden. Trata-se de um fatoconvincente que está ligado ao nossotema. E, indo mais longe, deixe-nosperguntar quem foi o mais fervoroso, omais trabalhador e fiel Pregador que jápisou nesta terra? O Filho de Deus. EQuem tem estado a pregar o evangelhonos últimos dezoito séculos?* OEspírito Santo enviado do céu.[Nota do Tradutor: O autor viveu no séculodezenove.]

Temos, assim, o Pai, o Filho e oEspírito Santo, todos verdadeiramenteengajados na obra de evangelização; ese assim é, quem somos nós paraousarmos falar levianamente de tal

obra? Oh, que todo nosso ser moral sejarevolvido pelo Espírito de Deus parasermos capazes de acrescentar nossofervoroso e profundo Amém a estaspreciosas palavras inspiradas: “Quãoformosos os pés dos que anunciam apaz, dos que anunciam coisas boas!”(Rm 10:15; Is 52:7).

Todavia, pode ser que estas linhasestejam sendo perscrutadas por alguémque, tendo estado engajado na obra dapregação do evangelho, comece a sentir-se um pouco desencorajado. Pode serque tenha sido chamado a pregar nomesmo lugar durante anos e se sintaoprimido pelo pensamento de ter que sedirigir à mesma audiência, sobre omesmo assunto, semana após semana,

mês após mês, ano após ano. Talvez sesinta como se estivesse deixando deexperimentar algo de novo, algo maisvivo, diferente. Talvez tenha o desejo deatuar numa nova esfera, onde os assuntosque lhe são familiares sejam novidadepara as outras pessoas. Ou, se não puderfazê-lo, pode ser que se sinta guiado asubstituir palestras e explicações depassagens pela pregação fervorosa,direta e sincera do evangelho.

Se, em qualquer medida, conseguirmosdespertar os sentimentos do leitor paraeste assunto, cremos que lhe será degrande ajuda em seu trabalho ter emmente que o principal grande tema doverdadeiro evangelista é Cristo. Opoder para desenvolver este tema é o

Espírito Santo. Aquele a quem este temadeve ser apresentado é o pobre pecadorperdido. Ora, Cristo é sempre novo; opoder do Espírito Santo é sempre atual;a condição e o destino da alma sãosempre de intenso interesse.

Além do mais, seria bom que oevangelista tivesse em mente, em cadanova situação em que se levantasse parapregar, que seus ouvintes inconversossão totalmente ignorantes do evangelhoe, portanto, ele deveria pregar como sefosse a primeira vez que eles estivessemescutando a mensagem, e a primeira vezque ele a estivesse pregando. Pois deveser lembrado que a pregação doevangelho, na divina acepção dapalavra, não é uma mera e árida

afirmação da doutrina evangélica —uma certa fórmula de palavras repetidasvez após outra em uma enfadonha rotina.Longe disso! O evangelho é realmente oimenso e amoroso coração de Deustransbordando e fluindo em direção aopobre pecador perdido, em torrentes devida e salvação. É a apresentação damorte expiatória e da gloriosaressurreição do Filho de Deus; e tudo nasempre nova, efusiva e fresca energia doEspírito Santo, proveniente dainexaurível mina das SagradasEscrituras.

Deve ainda ser lembrado que o objetivoprincipal, no qual deve estar absorvidoo pregador, é o de ganhar almas paraCristo, para a glória de Deus. Para isso

ele labuta e pleiteia; para isso ele ora,chora e agoniza; para isso ele trovejasua voz, clama e se atraca ao coração eà consciência de seu ouvinte. Seu alvonão é ensinar doutrinas, ainda quedoutrinas possam ser ensinadas; seuobjetivo não é explicar as Escrituras,embora as Escrituras possam serexplicadas. Estas coisas estão no âmbitodo mestre ou do que prega para crentes;mas, e que isto nunca seja esquecido, oobjetivo do pregador é colocar oSalvador e o pecador juntos — ganharalmas para Cristo. Que Deus possa, porSeu Espírito, conservar estas coisasdiante de nossos corações, a fim determos um interesse mais profundo nagloriosa obra de evangelização!

Concluindo, gostaríamos apenas deacrescentar uma palavra de exortação arespeito da noite de domingo, o dia doSenhor. Com todo afeto, gostaríamos dedizer aos nossos amados e honradosobreiros: Procurem dedicar aquela horaà grande obra da salvação da alma. Há168 horas na semana e, certamente, nãoé muito que devotemos uma delas paraesta importante obra. Pode ser quejustamente nessa hora venhamos aalcançar o ouvido do pecador que estápróximo. Oh, usemo-la para espalhar adoce história do gratuito amor de Deus eda plena e completa salvação de Cristo.

UM LEMA PARA O EVANGELISTA2 Coríntios 10:16

“ANUNCIAR O EVANGELHO noslugares que estão além de vós.” (2 Co10:16) Enquanto demonstram aamplitude de coração do devotadoapóstolo que tanto se negou a si mesmo,estas mesmas palavras tambémproporcionam um excelente modelo parao evangelista em qualquer época. Oevangelho é um viajante, e o pregadordo evangelho deve ser igualmente umviajante. O evangelista divinamentequalificado e divinamente enviado iráfixar seus olhos em “todo o mundo”.Ele incluirá toda a família humana emseu benevolente desígnio. De uma casa aoutra; de uma rua a outra; de uma cidadea outra; de uma província a outra; de umreino ao outro; de um continente ao

outro; de um polo ao outro. Tal é aesfera de alcance das “boas novas” e,consequentemente, daquele que asanuncia. Os “lugares que estão além”— este deve ser sempre o grande lemado evangelho. Quando a lâmpada doevangelho nem bem tiver acabado dederramar seus raios de luz sobre umaregião, aquele que a carrega já deveestar pensando nos “lugares que estãoalém”. Assim a obra segue em frente;assim a poderosa mensagem de graçavai passando, em seu poderesclarecedor e salvador, sobre ummundo entenebrecido que jaz “na regiãoe sombra da morte”. (Mt 4:16)

Levai, oh ventos, a história,

E vós, oh águas, carregai,Como imenso mar de glória,De um polo ao outro a espalhai.Leitor cristão: Será que você tempensado nos “lugares que estão além”de você? Esta expressão poderá, em seucaso, significar a próxima casa, apróxima rua, a próxima vila, a próximacidade, o próximo país ou o próximocontinente. Deixo para o seu coraçãoponderar como deve aplicá-la; mas,diga-me, você tem pensado nos“lugares que estão além” de você? Nãoquero que, de modo algum, vocêabandone seu posto atual; ou pelo menosaté que esteja certo de seu trabalhonesse posto estar terminado. Mas,

lembre-se que o arado do evangelhonunca deve permanecer parado. “Ide” éo lema de cada verdadeiro evangelista.

Que os pastores permaneçam junto àsovelhas; mas que os evangelistas setransportem cada vez mais longe, parabuscar as ovelhas. Que soem a trombetado evangelho, por todo canto, sobre astenebrosas montanhas deste mundo, afim de congregar os eleitos de Deus. Éeste o plano do evangelho. E estedeveria ser o objetivo do evangelista,enquanto coloca seus olhos nos“lugares que estão além”. QuandoCésar, da costa da Gália, vislumbrou osbrancos rochedos da Bretanha, ansiou aoextremo fazer suas tropas chegarem lá.Por seu lado, o evangelista, cujo

coração bate em uníssono com ocoração de Jesus, ao lançar seu olharsobre o mapa-múndi, anseia levar oevangelho da paz às regiões que atéentão estiveram engolfadas na negridãoda noite; cobertas com o escuro mantoda superstição, ou assoladas pelo ventoseco de uma “aparência de piedade,mas negando a eficácia dela”. (2 Tm3:5)

Creio que será, para muitos de nós, degrande proveito nos questionarmosacerca do quanto de nossas sagradasresponsabilidades estamos dedicandoaos “lugares que estão além” de nós.Creio que o cristão que não estejacultivando e manifestando um espíritoevangelístico encontra-se numa

condição verdadeiramente deplorável.Creio também que a assembleia que nãoesteja cultivando e manifestando umespírito evangelístico encontra-se emcondição de morta. Uma das maisgenuínas características de crescimentoe prosperidade espiritual, seja em umindivíduo ou em uma assembleia, é odesejo sincero pela conversão dasalmas. Este anseio encherá nosso peitocom as mais magnânimas emoções; sim,extravasar-se-á em copiosos mananciaisde um exercício de benevolência,sempre a fluir em direção aos “lugaresque estão além”.

É difícil crermos que a “palavra deCristo habite... abundantemente” emqualquer um que não esteja fazendo

algum esforço para levar esta mesmapalavra aos pecadores que o cercam.(Cl 3:16) Não importa qual seja o graudo esforço feito; pode ser apenas pingaralgumas poucas palavras no ouvido deum amigo, dar um folheto, escrever umbilhete ou balbuciar uma oração. Masuma coisa é certa: um cristão vigoroso esaudável será um cristão evangelista —um anunciador das boas novas —alguém cujas simpatias, desejos eenergias estarão voltados para os“lugares que estão além”. “Também énecessário que eu anuncie a outrascidades o evangelho... porque para issofui enviado.” (Lc 4:43) Tal era alinguagem do verdadeiro Evangelista.

É bem duvidoso que muitos dos servos

de Cristo não tenham errado quando sepermitiram, por uma ou outra influência,ficar por demais localizados — pordemais amarrados a um mesmo lugar.Acabaram caindo no trabalho de rotina— entraram num esquema de pregaçõesfixas em um mesmo lugar e, em muitoscasos, acabaram paralisando a sipróprios e também a seus ouvintes. Nãome refiro agora às atividades do pastor,do ancião ou daquele que ensina, asquais devem ser, obviamente, exercidasem meio àqueles que são o alvoapropriado de tais obras. Refiro-memais particularmente ao evangelista.Alguém assim nunca deveria se permitirficar sempre no mesmo lugar. O mundo éa sua esfera de ação — “os lugares que

estão além”, seu lema — congregar oseleitos de Deus, seu objetivo — atorrente do Espírito, seu caminho aseguir. Se o leitor for um desses queDeus chamou e capacitou para ser umevangelista, lembre-se destas quatrocoisas: a esfera de ação, o lema, oobjetivo e o caminho a seguir, o quetodos deverão adotar se desejarem serobreiros frutuosos no campo doevangelho.

Finalmente, seja o leitor um evangelistaou não, gostaria sinceramente desuplicar-lhe que examine o quanto tembuscado expandir o evangelho de Cristo.

Não podemos ficar ociosos. O tempo seabrevia! A eternidade se aproxima a

passos largos! O Mestre é por demaisDigno de nosso empenho! As almas sãopor demais preciosas! A estaçãopropícia ao trabalho logo terminará!Estejamos, portanto, em nome doSenhor, despertos e ativos. E, quandotivermos feito o que pudermos noslugares ao nosso redor, levemos então apreciosa semente para “OS LUGARESQUE ESTÃO ALÉM”.

A OBRA DE UM EVANGELISTAAtos 16:8-31

PRETENDEMOS OFERECER umapalavra ao evangelista, o quecontinuaremos a fazer agora com umcapítulo sobre a obra do evangelista; enão poderíamos fazer melhor do que

selecionar, como base para nossasobservações, uma página do registromissionário de um dos maioresevangelistas que já existiu. A passagemdas Escrituras que aparece no iníciodeste capítulo provê amostras de trêsclasses distintas de ouvintes, e tambémos métodos usados pelo grande apóstolodos gentios, guiado, com toda certeza,pelo Espírito Santo.

Temos, primeiramente, aquele quebusca com sinceridade; depois, o falsoprofesso; e finalmente, o pecadorendurecido. Estas três classes depessoas são encontradas em todo lugar,e em todas as épocas, pelo obreiro doSenhor; e por esta razão podemos ficargratos por dispormos de um registro

inspirado da maneira correta de se tratarcom cada uma delas. É extremamentedesejável que aqueles que seguemlevando o evangelho estejam aptos paratratar com as várias condições de almaque encontrarão no dia a dia; e não podehaver um modo mais eficaz de se obtertal aptidão do que estudarcuidadosamente os modelos que nosforam dados pelo Espírito Santo deDeus.

O QUE BUSCA COMSINCERIDADE

O LABORIOSO APÓSTOLO, ao longode suas jornadas missionárias, chegou aTroas e lá, durante a noite, teve umavisão “em que se apresentou um varão

da Macedônia, e lhe rogou, dizendo:Passa à Macedônia, e ajuda-nos. E,logo depois desta visão, procuramospartir para a Macedônia, concluindoque o Senhor nos chamava para lhesanunciarmos o evangelho. E,navegando de Troas, fomos correndoem caminho direito para a Samotrácia,e no dia seguinte para Nápoles; e dalipara Filipos, que é a primeira cidadedesta parte da Macedônia, e é umacolônia; e estivemos alguns dias nestacidade. E no dia de sábado saímos foradas portas, para a beira do rio, ondejulgávamos ter lugar para oração; e,assentando-nos, falamos às mulheresque ali se ajuntaram. E uma certamulher, chamada Lídia, vendedora de

púrpura, da cidade de Tiatira, e queservia a Deus, nos ouvia, e o Senhorlhe abriu o coração para que estivesseatenta ao que Paulo dizia. E, depoisque foi batizada ela e a sua casa, nosrogou, dizendo: Se haveis julgado queeu seja fiel ao Senhor, entrai em minhacasa, e ficai ali. E nos constrangeu aisso.” (At 16:9-15).

Temos aqui uma cena tocante — algodigno de ser contemplado e ponderado.Trata-se de alguém que, tendo obtido,por graça, uma certa medida de luz,estava vivendo nela e buscandosinceramente mais. Lídia, a vendedorade púrpura, fazia parte da mesmainteressante estirpe de fé do eunuco daEtiópia, e do centurião de Cesareia.

Todos os três aparecem na páginainspirada como almas vivificadas, masnão emancipadas — não em descanso —não satisfeitas. O eunuco tinha ido daEtiópia a Jerusalém em busca de algosobre o que pudesse descansar sua almaansiosa. Havia deixado a cidade aindainsatisfeito, e estava devota esinceramente apegado à preciosa páginainspirada. O olho de Deus estava sobreele, e enviou Seu servo Filipe com amensagem necessária para suprir suasnecessidades, responder às suasperguntas, e trazer descanso à sua alma.Deus sabe como colocar juntos os“Filipes” e os “eunucos”. Ele sabecomo preparar o coração para amensagem, e a mensagem para o

coração. O eunuco era um adorador deDeus; mas Filipe foi enviado paraensinar-lhe como enxergar Deus na facede Jesus Cristo. Era exatamente isto queele queria. Foi como um dilúvio deradiante luz penetrando seu espíritosincero, trazendo repouso à suaconsciência e ao seu coração, e fazendo-o seguir o seu caminho radiante de gozo.Ele havia seguido, com sinceridade, aluz que tinha brotado em sua alma, eDeus enviou-lhe mais.

E é sempre assim. “Porque àquele quetem, se dará, e terá em abundância.”(Mt 13:12) Nunca existiu uma alma que,com sinceridade, tenha andado na luzque possuía e não tenha recebido maisluz. Isto é algo extremamente consolador

e encorajador para todos os que buscamcom sinceridade. Se o leitor pertence aesta classe, fique encorajado. Se for umdaqueles em quem Deus começou umaobra, fique assegurado de que Aqueleque começou a boa obra irá completá-laaté ao dia de Jesus Cristo. Ele irá, comtoda certeza, aperfeiçoar aquilo queconcerne ao Seu povo.

Mas que ninguém cruze os braços; queninguém recolha os remos e diga comfrieza: “Devo aguardar por mais luz notempo de Deus. Não há nada que eupossa fazer — meus esforços de nadavalem. Quando chegar a hora de Deus,aí sim; mas, enquanto isso vou ficandocomo estou” Não eram estes ospensamentos ou os sentimentos do

eunuco etíope. Ele era um dos maissinceros perscrutadores; e todos os quebuscam com sinceridade são certamenteos que, com alegria, encontrarão. Eassim deve ser, pois “Deus... égalardoador dos que O buscam”. (Hb11:6)

E assim foi com o centurião deCesaréia. Ele era um homem da mesmaestirpe de fé do eunuco. Viveu emconformidade com a luz que tinha.Jejuou, orou e deu esmolas. Não nos édito que tenha escutado o sermão damontanha, mas é de se notar que tenha seexercitado nos quatro grandes ramos dajustiça prática que nos são apresentadospor nosso Senhor no sexto capítulo deMateus.* Ele estava moldando sua

conduta e lapidando seu modo de ser emconformidade com o padrão que Deustinha colocado diante dele. Sua justiçaexcedia a justiça dos escribas e fariseuse, portanto, ele entrou no reino. Ele era,pela graça de Deus, um homem genuíno,seguindo com sinceridade a luz àmedida que ela era derramada em suaalma, e foi, desse modo, levado aopleno fulgor do evangelho da graça deDeus. Deus enviou Pedro a Cornélio,assim como enviou Filipe ao eunuco. Asorações e esmolas de Cornélio haviamsubido como um memorial diante deDeus, e Pedro foi enviado com amensagem da completa salvação atravésde um Salvador crucificado eressuscitado.

[*Nota do Autor: O leitor irá notar que emMateus 6:1, o correto é: “Guardai-vos defazer a vossa justiça diante dos homens, paraserdes vistos por eles”. Em seguida vêm astrês áreas dessa justiça, a saber, esmolas(vers. 2-4), oração (vers. 5-15) e jejum (vers.16-18). São as mesmas coisas que Cornélioestava fazendo. Em suma, ele temia a Deus, eestava praticando justiça de acordo com amedida de luz que possuía.]

No entanto, é bem possível que existampessoas que, tendo sido embaladas noberço de uma cômoda profissão de féevangélica, e educadas no petulanteformalismo de uma religiãoautoindulgente do tipo “é fácil ir para océu”, estejam prontas a condenar apiedosa conduta de Cornélio, e a dizerque aquilo era fruto de ignorância e

legalismo. Pessoas assim nuncaconheceram o que significa privar-se deuma simples refeição, ou gastar umahora em verdadeira e sincera oração, ouabrir a mão para dar, em autênticacaridade, para atender às necessidadesdo pobre. Tais pessoas ouviram eaprenderam, talvez, que a salvação nãoé para ser obtida por tais meios — quesomos justificados pela fé sem obras —e que a salvação é para o que nãotrabalha, mas crê naquele que justifica oímpio.

Tudo isso é totalmente verdade; mas quedireito temos de supor que Cornélioestava orando, jejuando e dandoesmolas a fim de ganhar a salvação?Nenhum — se é que estamos nos

deixando guiar pela narrativa inspirada,e não dispomos de nenhuma outra formade conhecer esta personalidade tãoexcelente e interessante. Ele foiinformado pelo anjo de que suas oraçõese esmolas haviam subido como ummemorial diante de Deus. Acaso não éisto uma clara prova de que aquelasorações e esmolas não eram adornos dejustiça-própria, mas frutos de umajustiça baseada no conhecimento que eletinha de Deus? Com toda a certeza osfrutos de justiça-própria e legalismonunca teriam ascendido como ummemorial diante do trono de Deus;tampouco poderia ter Pedro jamaistestificado que Cornélio era alguém quetemia a Deus e praticava justiça, se tudo

não passasse de um mero legalismo.

Ah, não, leitor; Cornélio era um homemíntegro em sua sinceridade. Ele viveupara aquilo que conhecia, e teria erradose tentasse ir mais além. Para ele asalvação de sua alma imortal, o serviçode Deus, e a eternidade, eram realidadesgrandiosas e interligadas. Ele não era,nem de longe, um desses vãos professos,cheios de discursos loquazes, insípidose inúteis, mas que nada fazem. Cornéliopertencia a uma estirpe completamentedistinta. Ele pertencia à classe depessoas que praticam, e não que falam.Ele era um homem sobre o qual o olharde Deus pousava com complacência, eem quem os propósitos celestes estavamprofundamente interessados.

E assim era com nossa amiga de Tiatira,Lídia, a vendedora de púrpura. Elapertencia à mesma escola — estava nomesmo nível do centurião e do eunuco.É verdadeiramente deliciosocontemplarmos estas três almaspreciosas — pensarmos em um naEtiópia; outro em Cesaréia e a terceiraem Tiatira ou Filipos. É algoparticularmente animador vermos ocontraste daquelas almas, semprefrancas e sinceras, com muitos quevivem nestes dias de pretensa luz econhecimento, que receberam, como secostuma chamar, o “plano da salvação”em suas cabeças, as doutrinas da graçaem suas línguas, mas o mundo em seuscorações; cuja constante ocupação é

“EU”, “EU”, “EU” — este miserávelobjeto.

Mais adiante, vamos ter oportunidade denos referir com mais amplitude a estes,mas, no momento, gostaríamos de pensarna sincera Lídia; e devemos confessarque este é um exercício dos maisgratificantes. Está bem claro que Lídia,assim como Cornélio e o eunuco, erauma alma vivificada; uma adoradora deDeus; alguém que se contentava emdeixar de lado sua venda de púrpura, eocupar-se com uma reunião de oração,ou estar em algum lugar onde pudesseter algum proveito espiritual e ondecoisas boas estivessem acontecendo. Háum ditado que diz que pássaros damesma espécie voam juntos, e assim

Lídia logo descobriu onde algumasalmas piedosas, alguns poucos espíritossemelhantes, tinham o costume de sereunir para esperar em Deus em oração.

Isso tudo é lindo. Faz bem ao coraçãoser colocado em contato com essaatmosfera de profundo fervor. Com todacerteza o Espírito Santo escreveu estanarrativa, como toda a SagradaEscritura, para nosso aprendizado.Trata-se de um caso exemplar, efazemos bem em ponderarmos sobre ele.Lídia foi achada buscando proveito emtoda e qualquer oportunidade, exibindoassim os verdadeiros frutos de vidadivina, os genuínos instintos da novanatureza. Ela descobriu onde os santosse reuniam para orar, e juntou-se a eles.

Ela não cruzou seus braços e nem seacomodou para esperar, em repreensívelindolência e preguiça, por algoindefinível e extraordinário que pudessechegar até ela, ou algum tipo detransformação misteriosa que lhepudesse ocorrer. Não; ela foi a umareunião de oração — o lugar onde seexpressa necessidade — o lugar onde seespera bênção: e foi ali que Deus aencontrou, como Ele certamenteencontra todo aquele que frequenta taislugares no espírito de Lídia. Deus nuncafalha para com um coração desejoso.Ele disse: “Os que confiam em Mimnão serão confundidos” (Is 49:23); e,como um brilhante e bendito raio de solsobre a página inspirada, resplandece a

sentença tão cheia, tão plena e tãoestimulante à alma: “Deus... égalardoador dos que O buscam”, (ou,como diz a versão inglesa, “dos quediligentemente O buscam” — N. doT.). (Hb 11:6) Ele enviou Filipe aoeunuco no deserto de Gaza. Ele enviouPedro ao centurião, na cidade deCesaréia. Ele enviou Paulo a umavendedora de púrpura, nos subúrbios deFilipos; e Ele irá enviar uma mensagemao leitor destas linhas, se este forverdadeiramente alguém que buscasinceramente a salvação dada por Deus.

É sempre um momento do mais profundointeresse quando uma alma preparada écolocada em contato com o plenoevangelho da graça de Deus. Pode ser

que tal alma tenha estado sob profunda edolorosa experiência por muitos dias,procurando descanso mas não oencontrando. Por meio do Seu Espírito,o Senhor tem estado a trabalhar e apreparar o terreno para que receba a boasemente. Ele tem aprofundado os sulcosa fim de que a preciosa semente da SuaPalavra possa criar raízes permanentes eproduzir fruto para Seu louvor. OEspírito Santo nunca Se precipita. Seutrabalho é profundo, firme e bemarraigado. As plantas que produz nãosão como a aboboreira de Jonas,crescendo e morrendo na mesma noite.Tudo o que Ele faz permanecerá,bendito seja o Seu nome. “Tudo quantoDeus faz durará eternamente.” (Ec

3:14) Quando Ele convence, converte eliberta uma alma, o selo de Sua própriae eterna mão está sobre a obra, em todasas suas etapas.

Voltando à nossa passagem, deve tersido um momento ímpar quando umapessoa numa condição de alma como ade Lídia foi colocada em contato comaquele evangelho tão glorioso que Paulolevava (Atos 16:14). Ela estavatotalmente preparada para a mensagempregada por Paulo; e certamente amensagem deste era totalmentepreparada para ela. Paulo levavaconsigo uma verdade que ela nuncahavia escutado e nunca tinha pensadoexistir. Como já assinalamos, ela tinhavivido em conformidade com a luz que

possuía; era uma adoradora de Deus;mas somos obrigados a concordar queela não tinha nem ideia da gloriosaverdade que estava alojada no coraçãodaquele estranho que se sentou ao seulado na reunião de oração. Ela havia seaproximado — como mulher sincera edevota que era — para orar e adorar,para obter algum refrigério para seuespírito, após as fadigas da semana.Quão pouco ela imaginava que, naquelareunião, iria escutar o maior pregadorque já viveu, com exceção do Senhor, ea mais elevada ordem de verdade que jáchegou aos ouvidos dos mortais.

E assim ocorreu; e, oh, quão importantefoi para Lídia ter ido àquelainesquecível reunião de oração! Quão

bom foi ela não ter agido como muitosem nossos dias, que após uma semana detrabalho árduo na loja, no depósito, nafábrica ou no campo, usam o domingopara ficar dormindo! Quantos há quevocê pode encontrar em seus postos, damanhã de segunda, até sábado à noite,trabalhando com toda a diligência emsua profissão, mas pelos quais o Senhorprocurará em vão na reunião no dia doSenhor. Por que razão acontece assim?Talvez tais pessoas digam a você queestão tão cansadas no sábado à noite quenão têm forças para se levantar nodomingo e, por esta razão, passamaquele dia em indolência, preguiça e emindulgência própria. Não têm nenhumcuidado para com suas almas, nenhum

cuidado para com a eternidade, nenhumcuidado para com Cristo. Elas cuidamde si mesmas, de suas famílias, domundo, de ganhar dinheiro; e, no entanto,você as encontrará despertas namadrugada de segunda-feira dirigindo-se a seus trabalhos.

Lídia não pertencia, de modo algum, aessa classe de pessoas. Não há dúvidade que ela exercesse seu ofício, comotoda pessoa correta deve fazer. Ousamosdizer — e estamos até certos disso —que ela negociava púrpura da melhorqualidade, e era uma comerciantecorreta e honesta no sentido mais amploda palavra. Mas ela não passava osábado dormindo, ou vadiando em suacasa, ou cuidando de si própria, ou

fazendo um grande alarde de tudo o queprecisou fazer durante a semana.Tampouco cremos que Lídia fosse umadessas pessoas que vivem tãopreocupadas consigo mesmas que, paraelas, uma chuva é motivo suficiente paraficarem longe das reuniões. Não; Lídiaera de uma classe totalmente diferente.Era uma mulher sincera, que sabiapossuir uma alma a ser salva e aeternidade diante de si, além de umDeus vivo para servir e adorar.

Prouvera a Deus que tivéssemos mais“Lídias” em nossos dias! Issoacrescentaria um atrativo, um interesse,uma permanente novidade à obra doevangelista, coisas estas que muitos dosobreiros do Senhor em vão suspiram

encontrar. Parece que vivemos numaépoca de terrível desinteresse em setomar uma posição para com as coisasdivinas e eternas. Homens, mulheres ecrianças estão sempre prontos a tomaruma posição quando se trata de ganhardinheiro, ou de conquistar bens eprazeres; mas, oh, quando se trata dascoisas de Deus, das coisas da alma, dascoisas da eternidade, as pessoas fazemquestão de bocejar de indiferença. Maso momento se aproxima rapidamente —cada batida do coração, cada tique-taque do relógio nos leva mais pertodele — quando a descarada indiferençaserá transformada em “pranto e rangerde dentes”. (Mt 8:12) Se isso fossesentido com maior profundidade,

teríamos muito mais “Lídias” prontas adar atenção ao evangelho de Paulo.

Que força e beleza há nestas palavras:“O Senhor lhe abriu o coração paraque estivesse atenta ao que Paulodizia”. (At 16:14) Lídia não era comoessas pessoas que vão às reuniões parapensar em toda e qualquer coisa, excetono que está sendo falado pelosmensageiros de Deus. Ela não estavapensando na sua púrpura, ou nos preços,ou nos prováveis lucros ou perdas.Quantos daqueles que enchem nossossalões nas pregações e nos estudosestariam seguindo o exemplo de Lídia?Oh! tememos que sejam bem poucos. Osnegócios, as condições do mercado, aquantidade de fundos, o dinheiro, os

prazeres, os vestidos, as tolices — mil euma coisas vêm ao pensamento,permanecem nele e são ali acalentados,até que o pobre, errante e volátilcoração acaba ocupado com a terra, aoinvés de estar atento às coisas que sãofaladas.

Isso tudo é muito solene e também muitoterrível. É algo que deve serverdadeiramente investigado eponderado. As pessoas parecem seesquecer da responsabilidade queenvolve escutar o evangelho pregado.Não parecem estar, em medida alguma,impressionadas com a gravidade que háno fato de o evangelho nunca deixarqualquer inconverso na mesma condiçãoem que se encontrava antes. Ou ele é

salvo por receber o evangelho, ou torna-se mais culpado por rejeitá-lo. Sendoassim, escutar o evangelho é um assuntosério. As pessoas podem ir às pregaçõesdo evangelho por costume ou como umculto religioso, ou ainda por não terem oque fazer e disporem de tempo de sobra;ou podem ir por pensarem que o meroato de estarem indo tenha, em si, algumtipo de mérito.

Assim, milhares frequentam aspregações nas quais os servos de Cristo,ainda que sem serem “Paulos” em seudom, poder ou inteligência, revelam apreciosa graça de Deus em enviar SeuFilho Unigênito ao mundo para nossalvar do infortúnio e do tormentoeterno. A virtude e eficácia da morte

expiatória do divino Salvador — oCordeiro de Deus — as terríveisrealidades da eternidade — ospavorosos horrores do inferno, e osindizíveis gozos do céu — todas elasquestões de grande importância, sãoapresentadas de acordo com a medidade graça conferida a cada mensageiro doSenhor e, ainda assim, quão pequeno é oefeito produzido! Eles tratam “dajustiça, e da temperança, e do juízovindouro”, e no entanto, quão poucossão os que ficam “espavoridos”! (At24:25)

E por que razão acontece isso? Será quealguém iria ousar se desculpar porrejeitar a mensagem do evangelho combase na sua incapacidade de crer? Será

que você é alguém que iria ler tudo istoe ainda dizer: “O Senhor abriu ocoração de Lídia; e se Ele tão somentefizesse o mesmo comigo, eu tambémaceitaria; mas enquanto Ele não ofizer, não há nada que eu possa fazer”.

Respondemos, e isto com profundaseriedade, que tal argumento não poderálivrá-lo no dia do juízo. E estamos atéconvencidos de que você nem mesmoousará apresentar tal argumento então.Se pensa assim, está fazendo uma máaplicação da atraente história de Lídia.É verdade, e uma bendita verdade, que oSenhor abriu o coração dela; e Ele estápronto a abrir o seu coração também, sehouver nele ainda que um centésimo dasinceridade de Lídia.

Acaso, querido leitor, você não sabeque existem dois lados nesta importantequestão, assim como acontece em todoassunto? Pode parecer bem, e soarconvincente, quando você diz: “Não hánada que eu possa fazer”. Mas quemfoi que lhe disse isto? Onde foi que vocêaprendeu assim? Nós o desafiamossolenemente, na presença de Deus:Poderia você olhar para Ele e dizer,“Não há nada que eu possa fazer —não sou responsável”? Seria a salvaçãode sua alma imortal a única coisa acercada qual você nada poderia fazer? Vocêpode fazer muitas coisas a serviço domundo, do seu ego e de Satanás, masquando se trata de uma questão de Deus,da alma e da eternidade, você

candidamente diz: “Não há nada que eupossa fazer — não sou responsável”.

Ah! isto jamais irá resolver a questão.Esse tipo de argumento é fruto de umateologia parcial. É o resultado do maispernicioso raciocínio da mente humanasobre certas verdades das Escrituras, asquais são assim distorcidas e tristementemal aplicadas. É sobre isso queinsistimos com o leitor. Não há comoargumentar dessa forma. O pecador éresponsável; e toda a teologia, todo oraciocínio, todas as falhas e objeçõesjuntas, ainda que plausíveis, jamaisconseguirão diminuir a gravidade eseriedade do fato.

Sendo assim, rogamos ao leitor para

que, como Lídia, trate com sinceridade aquestão da salvação de sua alma — edeixe que qualquer outra questão,qualquer outro ponto, qualquer outroassunto, naufrague em totalinsignificância em comparação com estaoportuníssima questão — a salvação desua alma tão preciosa. E então, podeestar certo de que Aquele que enviouFilipe ao eunuco; Pedro ao centurião ePaulo a Lídia, irá enviar, ao leitor,alguém trazendo uma mensagem, etambém abrirá seu coração para atendê-la. Nisto não pode haver uma dúvidasequer, já que as Escrituras declaramque Deus não quer “que alguns sepercam, senão que todos venham aarrepender-se”. (2 Pe 3:9) Todos os

que perecem, após terem ouvido amensagem de salvação — a docehistória do gratuito amor de Deus e damorte e ressurreição do Salvador —perecerão sem uma sombra sequer dedesculpa, e descerão ao inferno com seupróprio sangue sobre suas cabeçasculpadas. Seus olhos serão então abertospara enxergar através de todos os débeisargumentos pelos quais tentaram semanter numa falsa posição, deixando-seembalar no sono do pecado e domundanismo.

Tratemos agora um pouco do “quePaulo dizia”. (At 16:14) O Espírito deDeus não achou apropriado dar-nos nemmesmo um breve esboço da pregação dePaulo naquela reunião de oração.

Portanto temos que nos valer de outraspassagens das Sagradas Escrituras paraformar uma ideia do que Lídia escutoudos lábios de Paulo naquela ocasião tãointeressante. Vamos tomar, por exemplo,a famosa passagem em que ele recordaaos Coríntios o evangelho que lheshavia pregado. “Também vos notifico,irmãos, o evangelho que já vos tenhoanunciado; o qual também recebestes,e no qual também permaneceis. Peloqual também sois salvos se o retiverdestal como vo-lo tenho anunciado; se nãoé que crestes em vão. Porqueprimeiramente vos entreguei o quetambém recebi: que Cristo morreu pornossos pecados, segundo as Escrituras,e que foi sepultado, e que ressuscitou

ao terceiro dia, segundo asEscrituras.” (1 Co 15:1-4).

Podemos agora concluir, com toda asegurança, que a passagem acimacontém um compêndio das coisas queforam faladas por Paulo na reunião deoração em Filipos. O grande tema dapregação de Paulo era Cristo — Cristopara o pecador — Cristo para o santo— Cristo para a consciência — Cristopara o coração. Ele nunca se permitiuvagar para fora deste grande pontocentral, mas fez com que todas as suaspregações e todo o seu ensinocirculassem ao redor dele com umauniformidade admirável. Quandochamava os homens, tanto judeus comogentios, ao arrependimento, a alavanca

que usava era Cristo. Quando insistiapara que cressem, o objeto que colocavadiante deles para nele exercerem fé eraCristo, com a autoridade das SagradasEscrituras. Quando arrazoava acerca dajustiça, da temperança e do julgamentovindouro, Cristo era Aquele que dava aconvicção e o poder moral à suaargumentação. Em suma, Cristo era asubstância e o cerne, a suma e aessência, o fundamento e a pedraprincipal da pregação e ensino de Paulo.

Todavia, para nosso propósito aqui, hátrês grandes assuntos, encontrados napregação de Paulo, para os quaisdesejamos chamar a atenção do leitor.São, primeiro, a graça de Deus;segundo, a Pessoa e obra de Cristo; e

terceiro, o testemunho do Espírito Santoconforme é dado nas SagradasEscrituras. Não tentaremos, aqui, nosaprofundar nestes assuntos tão extensos;tão somente faremos menção deles,convidando o leitor a ponderar sobreeles, meditar neles, e procurar seapropriar deles.

A Graça de DeusPrimeiramente, a graça de Deus — Seulivre e soberano favor; é a fonte da qualflui a salvação — a salvação em toda asua extensão, em toda a suaprofundidade, no sentido mais amplodesta preciosa palavra — salvação quedesce tal qual uma corrente de ouro,vinda do seio de Deus, até alcançar os

mais profundos abismos da culpa e dacondição arruinada do pecador, subindoentão novamente para o trono de Deus— salvação que atende a todas asnecessidades do pecador, que envolvetoda a história do santo, e que glorifica aDeus da maneira mais elevada possível.

A Pessoa de CristoA Pessoa de Cristo — e Sua obraconsumada — é o único canal atravésdo qual a salvação pode fluir para opecador perdido e culpado. Não aIgreja, com seus sacramentos, nem areligião com seus ritos e cerimônias —nada que provenha do homem ou de seusfeitos, seja qual for a sua forma ouaparência, mas a morte e ressurreição de

Cristo. “Cristo morreu por nossospecados, segundo as Escrituras... e foisepultado, e... ressuscitou ao terceirodia, segundo as Escrituras.” (1 Co15:3, 4) Era este o evangelho que Paulopregava, por meio do qual os coríntiosforam salvos, e acerca do qual oapóstolo declara com solene ênfase: “Sealguém vos anunciar outro evangelhoalém do que já recebestes, sejaanátema (maldito)”. (Gl 1:9)Tremendas palavras para nossos dias!

A AutoridadeFinalmente, a autoridade sobre a qualrecebemos a salvação é o testemunho doEspírito Santo nas Escrituras. É“segundo as Escrituras”. Trata-se de

uma verdade das mais sólidas econfortadoras. Não se trata da questãode nossos sentimentos ou experiências,ou de evidências; é uma simples questãode fé na Palavra de Deus, fé estaproduzida no coração pelo Espírito deDeus.

Onde quer que o Espírito de Deus estejatrabalhando, aí Satanás certamenteestará também ocupado, e isto é umassunto sério para o evangelista refletir.Devemos nos lembrar disto, e estarmossempre preparados para isto. O inimigode Cristo e inimigo de nossas almas estásempre vigiando, sempre rondando paraver o que pode fazer, seja para impedirou corromper a obra do evangelho. Nãoé preciso que fiquemos aterrorizados

com isto, e nem é algo para desencorajaro obreiro; mas é bom ter isto em mente emanter-se vigilante. Satanás não deixaráde virar uma pedra sequer, se isto puderdesfigurar ou impedir a bendita obra doEspírito de Deus. Ele já provou ser oinimigo vigilante e incansável daquelesque trabalham, desde os dias do Édenaté o presente momento.

Ao traçarmos a história de Satanás, oencontramos atuando em duas formas:como serpente ou como leão — usandode astúcia ou de violência. Eleprocurará enganar, e, se não for bemsucedido, então usará de violência. É oque acontece no capítulo 16 de Atos.

O coração do apóstolo havia recebido

ânimo e refrigério por aquilo que nossoscontemporâneos chamariam de ‘umlindo caso de conversão’. A conversãode Lídia havia sido bem real e decisiva,em todos os seus aspectos. Era algodireto, positivo e inquestionável. Elahavia recebido a Cristo em seu coraçãoe, a partir de então, entrou em terrenocristão ao se submeter ao batismo, estaordenança de significado tão profundo.Mas ainda não foi tudo. Elaimediatamente abriu sua casa para osmensageiros do Senhor. Não se tratavade uma mera profissão de lábios. Não setratava de apenas dizer que cria. Elaprovou sua fé em Cristo, não somente aopassar sob as águas do batismo, mastambém por identificar-se, junto com sua

casa, com o nome e com a causa daqueleBendito Ser a Quem ela havia recebidoem seu coração pela fé. Tudo isso eraclaro e satisfatório. Mas iremos agoraver algo bem diferente. A serpente entraem cena na pessoa do enganador.

O ENGANADOR“E ACONTECEU que, indo nós àoração, nos saiu ao encontro umajovem, que tinha espírito deadivinhação, a qual, adivinhando, davagrande lucro aos seus senhores. Esta,seguindo a Paulo e a nós, clamava,dizendo: Estes homens, que vosanunciam o caminho da salvação, sãoservos do Deus Altíssimo. E isto fez elapor muitos dias. Mas Paulo,

perturbado, voltou-se, e disse aoespírito: Em nome de Jesus Cristo, temando que saias dela. E na mesmahora saiu.” (At 16:16-18).

Tratava-se, portanto, de um casoeminentemente calculado para testar aespiritualidade e integridade doevangelista. A maioria dos homens teriadado as boas-vindas a tais palavrassaídas dos lábios dessa jovem, como umtestemunho de encorajamento à obra.Por que então Paulo se perturbou? Porque não permitiu que ela continuasse adar testemunho do objetivo de suamissão? Acaso não estava ela dizendo averdade? Não eram eles servos do DeusAltíssimo? E porventura não estavamanunciando o caminho da salvação? Por

que se perturbar então? Por quesilenciar uma testemunha assim? Porqueprovinha de Satanás; e, com toda acerteza, o apóstolo não iria receber umtestemunho vindo dele. Paulo não iriapermitir que Satanás o ajudasse em seutrabalho. É verdade que ele poderia terandado pelas ruas de Filipos sendohonrado e reconhecido como um servode Deus, se tão somente tivesseconsentido em deixar o diabo dar umamão na obra. Mas Paulo nunca poderiaconcordar com isto. Ele nunca poderiapermitir que o inimigo se misturassecom a obra do Senhor. Se assim tivessefeito, teria desferido o golpe mortal aotestemunho em Filipos. Permitir queSatanás colocasse sua mão na obra teria

resultado no completo naufrágio damissão à Macedônia.

Para o obreiro do Senhor, ponderarneste assunto é algo da mais profundaimportância. Podemos ficar asseguradosde que esta narrativa da jovem foiescrita para nossa instrução. Não éapenas um registro do que aconteceu,mas uma amostra do que pode acontecer,e acontece, todos os dias. A cristandadeestá cheia de falsa profissão cristã. Hámultidões de falsos cristãos hoje,espalhados por todos os domínios docristianismo professo. Triste é dizeristo, mas assim é, e devemos chamar aatenção do leitor para este fato. Estamoscercados, de todos os lados, por aquelesque dão um mero assentimento nominal

às verdades da religião cristã. Elesvivem, semana após semana, e ano apósano, professando crer em certas coisasnas quais, na verdade, não creemrealmente. Há milhares que, a cada diado Senhor, professam crer no perdãodos pecados e, ainda assim, se taispessoas fossem examinadas, seriadescoberto que nem pensam sobre oassunto ou, se pensam, desprezam-noconsiderando uma grande presunçãoalguém ter certeza de que seus pecadosestejam perdoados.

Isto é algo muito sério. Apenas pense emuma pessoa que fica rezando diante deDeus, dizendo: “Creio no perdão dospecados”, e que ao mesmo tempo nãoestá crendo em tal coisa! Poderia algo

ser mais endurecedor a um coração, oumais mortal a uma consciência do queisto? Estamos persuadidos de que ascerimônias e formalismos docristianismo professo estão ocasionandomais destruição às almas preciosas doque todas as formas de depravaçãomoral colocadas juntas. Éverdadeiramente aterradorcontemplarmos as incontáveis multidõesque estão, neste exato momento,correndo pela bem pavimentada estradada profissão religiosa, em direção àschamas eternas do inferno. Sentimo-nosobrigados a erguer um sinal de aviso.Queremos que o leitor solenemente dêatenção a este assunto.

Nós tão somente mencionamos um ponto

em especial, pois se refere a um assuntode interesse e importância bemabrangentes. Quão poucos,comparativamente falando, estãoesclarecidos e bem fundamentadosquanto à questão do perdão dospecados! Quão poucos são capazes decalma, decidida e inteligentementedizer: EU SEI que meus pecados estãoperdoados! Quão poucos estãorealmente desfrutando do pleno perdãodos pecados, pela fé naquele preciososangue que nos limpa de todo pecado!Portanto, quão solene é quandoescutamos pessoas rezando palavrascomo, ‘Creio no perdão dos pecados’,quando, na verdade, não creem naspalavras que estão saindo de suas

próprias bocas.

Porventura o leitor tem o costume deusar este palavreado? Acaso crê nisto?Diga-me, querido leitor: estão os seuspecados perdoados? Você já foi lavadono precioso sangue expiatório deCristo? Se não, por que não? O caminhoestá aberto. Não há nada que impeça.Você é perfeitamente bem-vindo parausufruir, neste exato momento, dosbenefícios gratuitos da obra expiatóriade Cristo. Ainda que seus pecadossejam como a escarlata; ainda que sejamescuros como a meia-noite, enegrecidoscomo o inferno; ainda que se elevemcomo uma pavorosa montanha perante avisão de sua alma atribulada, e queiramfazer com que você afunde na perdição

eterna; ainda assim estas palavrasresplandecem nas páginas da inspiraçãocom um lustro celestial: “O sangue deJesus Cristo, Seu Filho, nos purifica deTODO o pecado”. (1 Jo 1:7)

Mas atente bem, amigo; não siga adiante,semana após semana, zombando deDeus, endurecendo seu próprio coraçãoe fazendo uso dos métodos do grandeinimigo de Cristo, por meio de uma falsaprofissão cristã. Era isto o quecaracterizava a jovem possessa de umespírito de adivinhação, e sua históriaaqui está ligada à horrível condição dacristandade atual. Onde estava a ênfasede sua proclamação, durante aqueles“muitos dias” durante os quais oapóstolo cuidadosamente analisou seu

caso? “Estes homens, que nosanunciam o caminho da salvação, sãoservos do Deus Altíssimo.” (At 16:17).No entanto ela não estava salva — elanão estava liberta — ela própria estava,o tempo todo, sob o poder de Satanás.

Assim é com a cristandade — assim écom cada falso professo em cada cantoda Igreja professa. Não conhecemosnada — nos mais profundos abismos domal moral, ou nas mais tenebrosassombras do ateísmo — que seja maisverdadeiramente horrível do que oestado dos descuidados, endurecidos,egoístas e mundanos cristãos professosque, a cada domingo, a cada dia doSenhor, fazem afirmações, tanto em suasorações como em seus cânticos, com

palavras que, no que concerne a elespróprios, são totalmente falsas.

O simples pensamento disto é, às vezes,quase desalentador. Não podemos nosater mais neste assunto. É realmentemuito triste. Devemos seguir adiante,depois de termos solenemente alertadouma vez mais nosso leitor contraqualquer indício ou sombra de falsaprofissão cristã. Que não venha a dizerou cantar aquilo que não creia decoração. O diabo está por detrás de todafalsa profissão cristã, e, por essesmeios, procura trazer descrédito à obrado Senhor.

Mas quão verdadeiramente animador écontemplarmos a atitude do fiel apóstolo

no caso da jovem. Se ele estivesseprocurando seus próprios interesses, ouse fosse um mero ministro religioso,talvez tivesse dado as boas-vindas àspalavras dela, como uma fonte jorrandoreconhecimento para elevar a maré desua popularidade, ou para promover ointeresse em prol de sua causa. MasPaulo não era um mero ministro dealguma religião; ele era um ministro deCristo — algo completamente diferente.E devemos notar que a jovem não dizuma palavra sequer a respeito de Cristo.Ela não menciona o precioso einestimável nome de Jesus. Há umcompleto silêncio acerca dele. Istodenota que tudo aquilo vinha de Satanás.“Ninguém pode dizer que Jesus é o

Senhor, senão pelo Espírito Santo.” (1Co 12:3) As pessoas podem falar deDeus e de religião; mas Cristo não temlugar em seus corações. Os fariseus, nocapítulo nove de João, podiam dizer aopobre homem, “Dá glória a Deus”; masao falarem de Jesus, diziam, “Essehomem é pecador”. (Jo 9:24)

E assim sempre ocorre no caso dareligião corrompida, ou do falsocristianismo professo. Era isto o queacontecia com a jovem de Atos 16: Nãohavia uma só sílaba acerca de Cristo.Não havia verdade, não havia vida enem realidade. Era algo falso e vazio.Era algo que provinha de Satanás; e poresta razão Paulo não poderia, e não iria,aceitá-lo; ele ficou perturbado com

aquilo e acabou rejeitando-ocompletamente.

Quisera todos fossem como Paulo.Quisera existisse em todos um “olhosimples” para detectar, e a integridadede coração para rejeitar, a obra deSatanás em muito daquilo que estáacontecendo ao nosso redor! Paulo, porgraça, possuía esse “olho simples”.Alguém queria enganá-lo. Ele viu que acoisa toda era um esforço de Satanáspara misturar-se com a obra, a fim depoder neutralizá-la completamente.“Mas Paulo, perturbado, voltou-se, edisse ao espírito: Em nome de JesusCristo, te mando que saias dela. E namesma hora saiu.” (At 16:18).

Aquela era uma atitude verdadeiramenteespiritual. Paulo não iria, de modoalgum, se precipitar e entrar em choquecom o mal, ou mesmo tomar algumaposição prematura acerca daquilo; eleesperou muitos dias; mas no momentoexato em que o inimigo foi detectado,Paulo resistiu a ele e o expulsou cominquestionável decisão. Um obreiromenos espiritual teria deixado a coisatoda passar, pensando que poderia serde proveito e auxílio nodesenvolvimento do trabalho. Paulopensava diferente; e estava certo. Elenão iria receber ajuda de Satanás. Nãoiria trabalhar sob uma tal influência; e,portanto, em nome de Jesus Cristo — onome que o inimigo com tanto cuidado

omitiu — ele põe Satanás a correr.

Porém, mal era repelido como serpente,Satanás já assumia o caráter de um leão.Havendo falhado a astúcia, ele tenta aviolência. “E, vendo seus senhores quea esperança do seu lucro estavaperdida, prenderam Paulo e Silas, e oslevaram à presença dos magistrados.E, apresentando-os aos magistrados,disseram: Estes homens, sendo judeus,perturbaram a nossa cidade. E nosexpõem costumes que nos não é lícitoreceber nem praticar, visto que somosromanos. E a multidão se levantouunida contra eles, e os magistrados,rasgando-lhes os vestidos, mandaramaçoitá-los com varas. E, havendo-lhesdado muitos açoites, os lançaram na

prisão, mandando ao carcereiro que osguardasse com segurança.” (At 16:19-23).

O inimigo parece, assim, triunfar; masdeve ser lembrado que os guerreiros deCristo conquistam suas mais esplêndidasvitórias por meio de aparentes derrotas.O diabo cometeu um grande erro quandolançou o apóstolo na prisão. Na verdadeé um consolo pensar que ele nunca feznada além de cometer grandes erros,desde quando deixou seu estado originalaté o presente momento. Toda a suahistória, do começo ao fim, está formadapor erros.

Sendo assim, como já foi assinalado, odiabo cometeu um grande erro quando

lançou Paulo na prisão em Filipos. Doponto de vista do olho natural pareciajustamente o contrário; mas, pela análiseque vem da fé, o servo de Cristo estavaem um lugar que lhe era muito maisapropriado, estando na prisão por causada verdade, do que se estivesse foradela à custa da reputação de seu Mestre.Sim, Paulo poderia ter se livrado. Elepoderia ter sido um homem honrado,aceito e reconhecido como um “servodo Deus Altíssimo”, se tão somentetivesse aceitado o testemunho da joveme permitido que o diabo o ajudasse emseu trabalho. Mas ele não podia permitirisso e, portanto, tinha que sofrer. “E amultidão (sempre inconstante e fácil dese deixar influenciar) se levantou

unida contra eles, e os magistrados,rasgando-lhes os vestidos, mandaramaçoitá-los com varas. E, havendo-lhesdado muitos açoites, os lançaram naprisão, mandando ao carcereiro que osguardasse com segurança. O qual,tendo recebido tal ordem, os lançou nocárcere interior, e lhes segurou os pésno tronco.” (At 16:22-24).

Alguns bem poderiam dizer que esse erao fim da obra do evangelista na cidadede Filipos. Que ali estava um freioeficaz à pregação. Mas não foi assim; aprisão era, naquele momento, o lugarmais apropriado para o evangelista. Seutrabalho estava ali. Dentro das paredesdaquela prisão ele iria encontrar umacongregação que não poderia ter

encontrado fora dela. Mas isto nos levaao terceiro e último evento — ao casodo pecador endurecido.

O PECADOR ENDURECIDOERA BEM IMPROVÁVEL que ocarcereiro alguma vez fosse encontradoindo à reunião de oração à beira do rio.Ele não ligava para essas coisas. Nãoera um desses que busca comsinceridade, e nem um enganador. Eleera um pecador endurecido, com umaprofissão que o tornava ainda maisinsensível. Pela própria exigência deseu trabalho, os carcereiros são, de umaforma geral, homens duros e severos.Não há dúvidas de que há exceções. Háalguns homens de coração terno que

podem ser encontrados em ocupaçõesassim; mas, como regra geral, oscarcereiros não são ternos de coração.A profissão que exercem dificilmentepermitiria que se mantivessem assim.Eles têm que tratar com a pior classe dasociedade. A maior parte dos crimes detodo o país não lhes é desconhecida; emuitos desses criminosos são colocadosaos seus cuidados. Por estaremhabituados a tratar com aquilo que érude e grosseiro, eles acabam tornando-se também rudes e grosseiros.

Agora, a julgar pela narrativa inspiradaque temos diante de nós, podemos muitobem indagar se o carcereiro de Filiposnão seria uma exceção à regra geralacerca dessa classe de homens.

Certamente não parece que ele tenhademonstrado muita ternura para comPaulo e Silas. “Os lançou no cárcereinterior, e lhes segurou os pés notronco.” (At 16:24) Parece que ele feztudo o que podia para que não tivessemconforto algum.

Mas Deus tinha uma rica misericórdiareservada para aquele pobre, insensívele cruel carcereiro; e, como tudoindicava que ele nunca iria sair paraescutar o evangelho, o Senhor enviou oevangelho até ele; e, mais do que isso,usou o diabo como instrumento para querecebesse o evangelho. Mal sabia ocarcereiro quem é que ele estavarecolhendo ao cárcere interior — malpodia ele imaginar o que iria acontecer

antes que visse novamente a luz do sol.E, podemos acrescentar, o diabo nãotinha nem ideia do que estava fazendoquando mandou os pregadores doevangelho para a prisão, para que, ali,fossem os meios usados por Deus para aconversão do carcereiro. Mas o SenhorJesus Cristo sabia o que Ele estava parafazer no caso daquele pobre eendurecido pecador. Ele podetransformar a ira do homem em louvorpara Si e impedir o que possa se opor.

Onde quer que Ele opere,Tudo se dobra ao Seu poder,Cada ação Sua é pura bênção,E Sua senda, luz pura há de ser.

Quando desnuda Ele Seu braço,Quem é que pode opor-se ao Seumover?Quando defende a causa de Seu povo,Quem teria forças para O deter?O Senhor tinha o propósito de salvar ocarcereiro; e Satanás não só era incapazde frustrar aquele propósito, comoacabou sendo um instrumento paraconcretizá-lo. O propósito de Deusprevalecerá, Ele cumprirá o que Lheapraz. E onde quer que Deus coloque oSeu amor sobre um pobre, desventuradoe culpado pecador, Ele o introduzirá nocéu, apesar de toda a malícia e fúria doinferno.

No que diz respeito a Paulo e Silas, ficabem evidente que, naquela prisão, elesestavam onde deveriam estar. Eles seencontravam ali por causa da verdadee, portanto, o Senhor estava com eles. Épor isso que estavam plenamente felizes.Muito embora tivessem sido confinadosentre as escuras paredes daquela prisão,com seus pés presos ao tronco, aquelasmesmas paredes não poderiam reter seusespíritos. Nada poderá impedir o gozode alguém que tem o Senhor consigo.Sadraque, Mesaque e Abedenegoestavam felizes na fornalha de fogo.Daniel estava feliz na cova dos leões; ePaulo e Silas estavam felizes nocalabouço de Filipos: “E, perto dameia-noite, Paulo e Silas oravam e

cantavam hinos a Deus, e os outrospresos os escutavam.” (At 16:25).

Que sons estranhos eram aqueles, parasaírem das profundezas de umcalabouço! Podemos seguramente dizerque sons como aqueles nunca antestinham sido produzidos ali. Maldições,maledicências e blasfêmias podem tersido ouvidas; lamentos, choros egemidos costumavam atravessar aquelasparedes. Mas deve ter sido algoestranho escutar aqueles acordes delouvor e oração sendo entoados à meia-noite. A fé pode cantar em um calabouçocom a mesma doçura que canta numareunião de oração. Não importa ondeestamos, desde que tenhamos Deusconosco. Sua presença ilumina a mais

escura cela, e transforma um calabouçona própria porta do céu. Ele pode fazeros Seus servos felizes, não importa ondese encontrem, e pode dar-lhes vitórianas circunstâncias mais adversas,fazendo com que cantem de gozo onde,naturalmente, deveriam estar oprimidospela tristeza.

Mas o Senhor tinha os Seus olhos postosno carcereiro. Ele havia escrito seunome no livro da vida do Cordeiro antesda fundação do mundo, e estava a pontode introduzi-lo no mais completo gozoda salvação que Ele dá. “E de repentesobreveio um tão grande terremoto,que os alicerces do cárcere semoveram, e logo se abriram todas asportas, e foram soltas as prisões de

todos.” (At 16:26).

Se Paulo não estivesse em completacomunhão com o pensamento e ocoração de Cristo, teria com toda acerteza se voltado para Silas e falado:“Chegou a hora de escaparmos. Deusnos socorreu de modo bem evidente enos providenciou uma porta aberta.Nunca houve uma porta tão claramenteaberta pela providência divina do queagora.” Mas não foi assim; Pauloconhecia melhor. Ele estava totalmenteimerso na torrente de pensamentos doSeu bendito Mestre, e em completasintonia com Seu coração. Portanto nãofez nenhuma tentativa de escapar. Averdade o levara para a prisão; a graçao mantivera ali; a providência abrira a

porta; mas a fé recusava-se a fugir. Aspessoas falam de se deixarem guiar pelaprovidência; todavia se Paulo tivesse sedeixado guiar assim, nunca teria tido ocarcereiro como mais uma joia em suacoroa.

“E, acordando o carcereiro, e vendoabertas as portas da prisão, tirou aespada, e quis matar-se, cuidando queos presos já tinham fugido.” (At 16:27)Isso prova bem claramente que oterremoto, com tudo o que causou, nãohavia sequer tocado o coração docarcereiro. Ele naturalmente supôs, aoencontrar as portas abertas, que todos osprisioneiros tivessem fugido. Ele nempodia imaginar que havia um grupo deprisioneiros sentados silenciosamente

em suas celas, enquanto as portaspermaneciam abertas e soltas ascorrentes. E o que aconteceria com elese os prisioneiros tivessem fugido?Como é que poderia comparecer diantedas autoridades? Seria impossível fazê-lo. Qualquer coisa seria melhor do queisso. Era preferível a morte, mesmo quepor suas próprias mãos.

E assim o diabo conduziu esseendurecido pecador até à beira doprecipício, e estava a ponto de dar oempurrão final e fatal que o levaria àseternas chamas do inferno, quando umavoz de amor soou em seus ouvidos. Eraa voz de Jesus através dos lábios de Seuservo — uma voz de terna e profundacompaixão — “Não te faças nenhum

mal”.

Aquilo era irresistível. Um pecadorendurecido podia enfrentar umterremoto; podia ir até mesmo aoencontro da morte; mas não podiaresistir ao imenso, terno e quebrantadorpoder do amor. “E, pedindo luz, saltoudentro, e, todo trêmulo, se prostrouante Paulo e Silas. E, tirando-os parafora, disse: Senhores, que é necessárioque eu faça para me salvar?” (At16:30) O amor pode quebrar o coraçãomais duro. E com toda a certeza haviaamor naquelas palavras, “Não te façasnenhum mal”, que saíram dos lábiosdaquele a quem o carcereiro havia feitotanto mal poucas horas antes.

E deve ser notado que não havia, naspalavras de Paulo, nenhuma sílabasequer de reprovação ou censuradirigida ao carcereiro. Era tudo àmaneira de Cristo. Tudo do jeito que agraça divina sempre faz. Se olharmospor todo o evangelho, nuncaencontraremos o Senhor lançandoqualquer reprimenda sobre o pecador.Ele sempre tem lágrimas de compaixão;Ele sempre tem palavras comoventes degraça e ternura; mas não há nenhumareprimenda em Suas palavras — não hácensuras dirigidas ao pobre e aflitopecador. Não podemos tentar forneceraqui os muitos exemplos e provas destaafirmação; mas o leitor terá que tãosomente ler os evangelhos para ver que

é verdade. Veja o filho pródigo; veja oladrão na cruz. Nenhuma palavra dereprovação a qualquer um deles.

É sempre assim; e assim foi com oEspírito de Deus em Paulo. Não há umapalavra acerca do áspero tratamento querecebeu — nada sobre ter sido lançadono cárcere interior — nem uma únicapalavra sobre os pés terem sido presosno tronco. “Não te faças nenhum mal.”E, então, “Crê no Senhor Jesus Cristo,e serás salvo, tu e a tua casa”. (At16:31)

Tal é a rica e preciosa graça de Deus.Ela brilha nesta cena com inusitadofulgor. Ela se apraz em tomar pecadoresembrutecidos para derreter e conquistar

seus duros corações, e introduzi-los nopleno fulgor de uma completa salvação;e tudo isso usando de um estilo que lhe épeculiar. Sim, Deus tem Seu estilopróprio de fazer as coisas, bendito sejao Seu nome; e quando Ele salva umdesventurado pecador, o faz de umamaneira tal que comprove que todo oSeu coração está envolvido naquelaobra. Ele tem gozo em salvar umpecador — até o principal deles — e ofaz de um modo digno de Si mesmo.

Vamos ver agora o fruto de tudo isso. Aconversão do carcereiro era inequívoca.Salvo da beira do inferno, ele foiintroduzido na própria atmosfera do céu.Guardado da autodestruição, ele foilevado para o círculo da salvação dada

por Deus; e as evidências disso foramtão claras quanto se podia desejar. “Elhe pregavam a palavra do Senhor, e atodos os que estavam em sua casa. E,tomando-os ele consigo naquela mesmahora da noite, lavou-lhes os vergões; elogo foi batizado, ele e todos os seus.E, levando-os a sua casa, lhes pôs amesa; e, na sua crença em Deusalegrou-se com toda a sua casa.” (At16:34).

Que mudança maravilhosa! Oimplacável carcereiro tornou-se umgentil hospedeiro! “Assim que, sealguém está em Cristo, nova criatura é:as coisas velhas já passaram; eis quetudo se fez novo.” (2 Co 5:17) Com queclareza podemos ver que Paulo estava

certo em não se deixar guiar pelaprovidência! Quão melhor e maiselevado foi se deixar dirigir pelos“olhos” de Deus (Salmo 32:8)! Queeterna perda teria sido se ele tivessesaído por aquela porta aberta! Quãomelhor foi ter sido levado para fora pelamesma mão que o havia colocado ali —uma mão que, outrora instrumento decrueldade e pecado, era agora uminstrumento de justiça e amor! Quemagnífico triunfo! Que cena ímpar! Quãolonge estava o diabo de pensar quehaveria um resultado assim da prisãodos servos do Senhor! O diabo era todoele astúcia, mas o caldo entornou do seulado. Ele, que pensava impedir oevangelho, achou-se prestando um

auxílio à sua expansão. Ele, que queriase livrar dos dois servos de Cristo,acabou perdendo um servo seu. Cristo émais forte que Satanás; e todos os queconfiam no Senhor e seguem a correntedos Seus pensamentos irão, com toda acerteza, compartilhar dos triunfos da Suagraça agora, e brilhar no fulgor de Suaglória eternamente.

Assim é a “obra do evangelista”.Assim são as circunstâncias pelas quaisele poderá passar — tais são os casoscom os quais talvez venha a ter contato.Vimos o que buscava ansiosamentesendo satisfeito; vimos o enganadorsilenciado; e vimos o pecadorendurecido salvo. Que todos os queseguem pregando o evangelho da graça

de Deus possam saber como tratar dosvários tipos de caráter que poderãoencontrar pelo caminho! Que muitospossam ser levantados para fazerem aobra de um evangelista!

SEGUNDA PARTE —CARTAS AOS

EVANGELISTASPRIMEIRA CARTA — À Procura de

AlmasULTIMAMENTE tido grande interesse,e creio estar tendo proveito, emacompanhar, tanto nos evangelhos comono livro de Atos, as várias referênciasque são feitas à obra de evangelização.Assim, já que você tem se ocupado

bastante neste bendito trabalho, acheique não seria inoportuno apresentar-lhealguns pensamentos que me vêm àmente. Sinto-me mais à vontade fazendo-o na forma de cartas do que se tivesseque escrever um tratado sobre o assunto.

Em primeiro lugar, fiquei muito surpresocom a simplicidade com que a obra deevangelização era levada adiante noprimeiro século; bem diferente de muitodaquilo que hoje costumamos fazer.Parece-me que, por sermos maismodernos, nos achamos por demaisembaraçados nas regras convencionais— por demais presos pelos hábitos dacristandade. Somos tristementedeficientes naquilo que eu poderiachamar de elasticidade espiritual.

Somos propensos a pensar que deveexistir algum dom especial para seevangelizar; e que mesmo onde há essedom especial, deve haver uma grandeparcela de engenho e organizaçãohumana. Quando falamos de fazer a obrade um evangelista, temos, na maioria dasvezes, a ideia de grandes auditórios comaudiências lotadas, para as quais seexige uma medida considerável de dome poder para pregar.

Sei que tanto eu como você cremos quepara se pregar o evangelho em públicodeve haver um dom especial dado pelaCabeça da Igreja; e, mais que isso,cremos, em conformidade com Efésios4:2, que Cristo deu, e ainda dá,“evangelistas”. Isto fica claro se nos

deixarmos guiar pelas Escrituras. Masvejo nos Evangelhos e no livro de Atosdos Apóstolos, que uma boa parte domais abençoado trabalho evangelísticofoi feito por pessoas que não eramespecialmente dotadas, mas que tinhamum amor sincero para com as almas, eum profundo senso da preciosidade deCristo e da salvação que Ele dá. E, oque é mais importante, vejo naquelesque eram especialmente dotados,chamados e designados por Cristo parapregar o evangelho, uma simplicidade,liberdade e naturalidade em sua maneirade trabalhar, que ambiciono não apenaspara mim, mas também para meusirmãos.

Vamos dar uma olhada nas Escrituras.

Tome como exemplo a bela cena emJoão 1:36-45: João derrama o seucoração em testemunho acerca de Jesus:“Eis o Cordeiro de Deus!” Sua almaestava absorvida com aquele gloriosoObjeto. E qual foi o resultado? “Doisdiscípulos ouviram-no dizer isto, eseguiram a Jesus.” E depois? “EraAndré, irmão de Simão Pedro, um dosdois que ouviram aquilo de João, e Ohaviam seguido.” E o que é que ele faz?“Este achou primeiro a seu irmãoSimão, e disse-lhe: Achamos o Messias(que, traduzido, é o Cristo). E levou-o aJesus.” E depois, “no dia seguinte quisJesus ir à Galileia, e achou a Filipe, edisse-lhe: Segue-me... Filipe achouNatanael, e disse-lhe: Havemos achado

Aquele de Quem Moisés escreveu nalei, e os profetas: Jesus de Nazaré,filho de José... Vem e vê.”.

Aqui está o estilo que sinceramentealmejo: esse trabalho individual, essaforma de se ocupar com o primeiro quese encontra no caminho, esse desejo dese buscar primeiro ao próprio irmão elevá-lo a Jesus. Sinto verdadeiramenteque somos deficientes nisto. Está bemque reunamos muitas pessoas epreguemos a elas, na medida em queDeus nos dê habilidade e oportunidadepara tal. Nem eu nem vocêescreveríamos uma palavra sequer queviesse a depreciar tal modo de trabalho.Procure sempre alugar salas, salões eauditórios; distribua convites às

pessoas; não deixe de tentar todas asformas lícitas de se divulgar oevangelho. Procure chegar até às almasda melhor maneira que puder. Longe demim esteja jogar desânimo sobrequalquer um que esteja procurando levaradiante a obra de uma maneira pública.

Todavia, acaso sua atenção não foidespertada para o fato de queprecisamos mais do trabalho individual?Mais de um modo de tratar sincero,pessoal e privado com as almas? Vocênão acha que se tivéssemos mais“Filipes” teríamos também mais“Natanaéis”? Se tivéssemos mais“Andrés”, teríamos mais “Simões”?Tudo me leva a crer que sim. Háextraordinário poder em um sincero

apelo pessoal. Acaso você não tem vistocom frequência que é após a mais formalpregação pública ter terminado, e haveriniciado a obra pessoal, que as almassão alcançadas? Então por que há tãopouco disso ultimamente? Porventuranão acontece em nossas pregaçõespúblicas que, tendo sido entregue amensagem formal, tendo sido cantadoum hino e feita uma oração, todos sedispersam sem nenhuma tentativa de sefazer a obra individual? Não me refiroagora, atente bem para isto, ao pregador— que possivelmente não será capaz deatender a cada caso, mas falo do grandenúmero de cristãos que o escutarampregar. Viram estranhos entrando nosalão, sentaram-se ao lado deles; pode

ser que notaram haver neles interesse,viram lágrimas em suas faces; e aindaassim deixaram que se fossem sem umamável esforço sequer de alcançá-los,ou de dar continuidade à boa obra.

Sei que alguém poderá dizer que é muitomelhor deixar o Espírito de Deus levaradiante a Sua própria obra, e quepoderíamos estar fazendo mais mal doque bem; e que, além do mais, aspessoas não gostam de ser abordadas eiriam considerar isto uma intrusão,acabando por fugir daquele local. Hámuito de verdade nisto, e tenho certezade que você também irá concordar.Temo que grandes disparates sejamcometidos por pessoas indiscretas quese intrometem na sagrada privacidade de

uma alma em profundo e santo exercício.É necessário tato e discernimento; emresumo, é preciso que haja uma direçãoespiritual precisa para se tratar com asalmas; para se saber a quem falar e oque falar.

Mas, tendo em mente a necessidadedeste cuidado em seu mais amploaspecto, você há de concordar comigoque, de uma maneira geral, está faltandoalgo em nossas pregações públicas. Seráque não existe falta daquele interesseprofundo, pessoal e amoroso pelasalmas, o qual poderia se expressar demil maneiras diferentes, e viesse a atuarpoderosamente em nossos corações?Confesso que fico, com frequência,desapontado com o que tenho notado em

nossos salões de pregação. Estranhosentram e, sozinhos, têm que encontrar umlugar vago. Ninguém parece se importarcom eles. Há cristãos ali quedificilmente mexem o corpo para darlugar aos visitantes. Não há ninguém queofereça uma Bíblia ou um hinário. Equando termina a pregação, deixa-se quese vão assim como vieram, sem nenhumapalavra amorosa perguntando segostaram da verdade que foi pregada; ounem mesmo um olhar gentil com o qualse poderia ganhar a confiança dovisitante e abrir caminho para umaconversa. Muito pelo contrário, há umagélida introspecção que quase chega arepulsa.

Isso tudo é muito triste; e talvez você me

diga que, ao dar uma imagem assim, euesteja carregando demais nas cores.Ora, a imagem apenas revela arealidade. E o que a torna maisdeplorável ainda é que já é sabido quehá muitos que frequentam nossaspregações e reuniões com um exercícioprofundo de alma e estão tão somentedesejando uma oportunidade parapoderem abrir seus corações paraalguém que possa lhes oferecer ummínimo aconselhamento espiritual;todavia, devido à timidez, comedimentoou nervosismo, evitam tomar umainiciativa e acabam voltando para suascasas tristes e solitários, para choraremem seus travesseiros, por não teremencontrado ninguém que se importasse

com suas almas tão preciosas. Sinto-mepersuadido que muito disso poderia serevitado se aqueles mesmos cristãos quefrequentam as pregações do evangelhoestivessem mais preocupados na buscapor almas; se eles estivessem ali nãotanto para seu próprio proveito, maspara serem colaboradores de Deus embuscar e levar almas a Jesus.

Sem dúvida alguma é um grandeprivilégio para os cristãos escutarem oevangelho pregado de modo pleno e fiel.Mas não seria de menor refrigério seestivessem profundamente interessadosna conversão de almas e fossem achadosem sincera oração a Deus neste sentido.Além do mais, não iria jamais interferirno proveito pessoal que eles obtêm da

pregação, se procurassem cultivar emanifestar um interesse vivo e amorosonaqueles que os cercam, e buscassem,no final da pregação, ajudar qualquer umque precisasse e quisesse ser ajudado. Ésurpreendente o efeito que é produzido,no pregador, na pregação e em todas aspessoas, quando os cristãos presentesencontram-se verdadeiramenteassumindo e exercendo sua elevada esanta responsabilidade para com Cristoe para com as almas. Isto dá um tomdiferente à pregação e produz umaatmosfera peculiar que só pode serentendida quando experimentada, masque, uma vez experimentada,dificilmente será deixada de lado.

Mas, oh, como é comum acontecer o

contrário! Quão frio, quão maçante,quão desalentador para o espírito évermos toda a congregação se dispersartão logo acaba a pregação! Nenhumgrupo amoroso procurando gastar tempoao redor dos novos convertidos ou depessoas ansiosas e cheias de dúvidas.Cristãos experientes presentes ali que,ao invés de ficarem mais algum tempoesperançosos de que Deus possa usá-los, graciosamente, para falar umapalavra oportuna ao cansado, saem atoda pressa como se fosse uma questãode vida ou morte chegarem em casa àuma hora determinada.

Não pense que eu tenha o desejo deestabelecer regras para meus irmãos.Longe de mim tal pensamento. Desejo

meramente, na maior liberdade possível,pôr para fora os pensamentos que tenhoem meu coração, compartilhando-oscom alguém dedicado à obra doevangelho. Estou convencido de que estáfaltando algo. Tenho a firme convicçãode que nenhum cristão estará em boascondições se não estiver procurando, deum modo ou de outro, levar almas aCristo. E, com base no mesmo princípio,nenhuma assembleia de cristãos estaráem boas condições se não for umaassembleia inteiramente evangelística.Todos nós deveríamos estar à procurade almas; e então iríamos descansarassegurados de ver almas transformadas,como resultado disso. Mas se ficamossatisfeitos em seguir adiante, semana

após semana, mês após mês, e ano apósano, sem que vejamos nem mesmo umafolha cair, sem uma única conversão,nosso estado de espírito deve estarverdadeiramente lamentável.

Mas penso estar ouvindo você dizer:Onde estão todas as passagens bíblicasa respeito? Onde estão os muitosexemplos encontrados nos Evangelhos eem Atos? Bem, acho que segui anotandoos pensamentos que por muito tempo têmocupado minha mente; e agora me faltaespaço para ir mais além. Masescreverei uma segunda carta sobre oassunto. Enquanto isso, que o Senhorpossa, pelo Seu Espírito, nos tornarmais desejosos de procurar a salvaçãodas almas imortais, usando todo e

qualquer meio lícito ao nosso alcance.Que nossos corações possam estarcheios de genuíno amor pelas almaspreciosas, e, então, certamenteencontraremos os meios de asalcançarmos!

SEGUNDA CARTA — O EspíritoSanto

HÁ ALGO que está ligado ao nossoassunto e que há muito tem ocupado meupensamento: a imensa importância de secultivar uma fé genuína na presença eação do Espírito Santo. Queremossempre lembrar que nada podemosfazer, e que Deus, o Espírito Santo, podefazer tudo. O versículo, “Não por forçanem por violência, mas pelo Meu

Espírito, diz o Senhor dos Exércitos”(Jr 4:6), vale tanto para a grande obrade evangelização, como para tudo mais.Uma percepção constante disso nosmanteria humildes e, ainda assim, cheiosde alegre confiança. Humildes, poisnada podemos fazer; cheios de alegreconfiança, porque Deus pode fazer tudo.Além do mais, teria o efeito de nosmanter bem sóbrios e quietos em nossotrabalho — não frios e indiferentes, mascalmos e sérios, o que, por si só, já é umgrande tema para ser tratado aqui.

Fiquei bastante impressionado com umaafirmação que foi feita por um idosoobreiro, pouco tempo atrás, em umacarta a alguém que acabava de entrar nocampo de trabalho. Ele dizia que

“entusiasmo não é poder, mas fraqueza;fervor e energia provêm de Deus”. Isto éuma grande verdade, e de grande valortambém. Mas gosto de tomar ambas assentenças juntas. Se as separássemos,creio que tanto eu como você iríamospreferir a última; e por esta razão temoque existam muitos que considerariamcomo sendo “excitação”, aquilo quevocê e eu na verdade consideraríamoscomo “fervor e energia”. Devo agoraconfessar que gosto muito quando vejoum profundo fervor na obra. Não possoimaginar de que modo alguém, queentenda, em qualquer medida, o quãoterrível é a eternidade e a condiçãodaqueles que morrem em seus pecados,possa se portar de outro modo que não

seja estar profunda e completamenteimerso em fervor. Como pode alguémpensar em uma alma imortal, à beira doinferno e correndo o perigo de aqualquer momento ser ali lançada, semter um sentimento de seriedade e fervor?

Mas isso não é excitação. Entendo porexcitação uma ação da mera natureza,liberando os esforços que ela possuipara produzir na própria natureza, esempre de modo extremo, coisas quenão passam de sensações. É tudo em vãoe se evanesce. E não apenas isto, mas éde grande incentivo à fraqueza. Jamaisencontramos qualquer sinal disso noministério de nosso bendito Senhor, ouno de Seus apóstolos; e, no entanto,quanto fervor havia! Quanto de

infatigável energia! Quanta ternura!Encontramos um fervor que pareciasempre acompanhá-los; uma energia quedificilmente se permitia um momento dedescanso ou refrigério; e uma ternuraque podia chorar por pecadoresimpenitentes. Vemos tudo isso; mas nãoencontramos excitação. Em suma, eratudo o fruto do Espírito Eterno; e eratudo para a glória de Deus. E mais,estava sempre presente aquela calma esolenidade que convém à presença deDeus, aliada àquele profundo fervor quedenotava que a séria condição em que seencontra o homem era perfeitamentecompreendida.

E é precisamente isto, querido irmão, oque almejamos e procuramos

diligentemente cultivar. Trata-se de umagrande misericórdia sermos guardadosde tudo aquilo que não passa deexcitação natural, e, ao mesmo tempo,estarmos devidamente impressionadospela magnitude e solenidade da obra.Desta forma o pensamento será mantidoem um equilíbrio adequado e seremosguardados de toda tendência de ficarmosocupados com nossa obra meramentepor ser nossa. Deveríamos estar nosregozijando por Cristo ser magnificadoe almas serem salvas, não importando oinstrumento usado para isso.

Ultimamente tenho pensado bastantenaquela época memorável, háexatamente dez anos, quando o Espíritode Deus operou tão maravilhosamente

na província de Ulster. Acredito teradquirido uma valiosa experiência pormeio daquilo que chegou ao meuconhecimento. Foi uma época paranunca mais ser esquecida por aquelesque tiveram o privilégio de testemunhara magnífica onda de bênção que sederramou sobre a região. Façoreferência a isto aqui em relação à açãodo Espírito. Mas não tenho dúvidas deque, em 1859, o Espírito Santo foientristecido e encontrou obstáculoscolocados pela interferência humana.Você está lembrado de como aquelaobra começou. Você deve lembrar-sedaquela pequena sala de aulas à beira daestrada onde dois ou três homensreuniram-se, semana após semana, para

derramar seus corações em oração aDeus, a fim de que Ele Se agradasse eminterferir na morte e nas trevas queprevaleciam ao redor: e que Elereavivasse Sua obra e derramasse a Sualuz e verdade em poder para conversão.Você está ciente de como aquelasorações foram ouvidas e respondidas.Eu e você tivemos o privilégio departicipar daquelas cenas comoventesque tiveram lugar na província deUlster; e não tenho dúvidas de que alembrança delas ainda esteja viva emsua memória, como acontece comigo atéhoje.

Bem, qual era o caráter especial daquelaobra no início? Acaso não estava maisdo que evidente de que se tratava de

uma obra do Espírito de Deus, O quallevantou e usou instrumentos, ainda quedos mais impróprios e despreparadossegundo o modo humano de julgar, parao cumprimento de Seu graciosopropósito? Porventura não noslembramos dos modos e do caráterdaqueles que foram mais usados naconversão das almas? E acaso não erameles, em sua maioria, “homens semletras e indoutos”? E, mais ainda, nãonos recordamos claramente do fato deque havia o mais voluntário desejo de sedeixar de lado toda e qualquer rotinaoficial e organização humana?Trabalhadores vinham dos campos, dasfábricas e dos escritórios para pregar aauditórios lotados; e pudemos

testemunhar centenas de pessoas com arespiração suspensa de interesse peloque saía dos lábios de homens que eramincapazes de falar cinco palavrasgramaticalmente corretas. Em suma, apoderosa corrente de vida e poderespiritual se derramou sobre nós,descartando, na ocasião, uma grandeparte do engenho humano e ignorandotodas as questões da autoridade humananas coisas de Deus e no serviço deCristo.

Podemos agora nos lembrar de que,enquanto o Espírito Santo foireconhecido e honrado, a gloriosa obraprosseguiu; e que, por outro lado, namesma proporção em que o homem seintrometeu, fazendo alarido de sua

própria importância, e invadindo osdomínios do Espírito Eterno, a obra foiimpedida de seguir adiante e acaboufeita em pedaços. Vi a verdade disto eminúmeros casos. Houve um vigorosoesforço para obrigar a água viva acorrer nos canais oficiais edenominacionais, e isso era algo que oEspírito Santo não iria sancionar. Alémdo mais, havia um forte desejo,manifestado em várias partes, de dar aobendito movimento uma importânciasectária, e o Espírito Santo ficouressentido com isso.

E não parou por aí. Em toda parte a obrae os obreiros foram transformados ematração. Casos de conversãoconsiderados comoventes passaram a

ser usados como propaganda e eramalardeados nos jornais e revistas.Viajantes e turistas vinham de todas aspartes para visitar essas pessoas,tomavam notas de suas palavras e da suamaneira de viver e espalhavam seurelato aos quatro cantos da terra. Muitaspobres criaturas, que até então haviamvivido no anonimato, desconhecidas edespercebidas, acharam-se, de repente,como objetos do interesse de ricos,nobres e do público em geral. O púlpitoe a imprensa proclamavam suaspalavras e seus feitos; e, como era de seesperar, tais pessoas acabaramperdendo completamente o equilíbrio.Houve abundância de hipócritas eoportunistas. Dar testemunho de alguma

experiência exótica e extravagante, oupoder relatar sonhos e visõesextraordinárias, passaram a ser coisasconsideradas esplêndidas. E mesmoonde esse imprudente modo de agir nãoconseguia gerar oportunismo ehipocrisia, os novos convertidostornavam-se soberbos e cheios de si,olhando com certa medida de desprezopara aqueles que eram cristãos há maistempo, ou para os que não tinham seconvertido da mesma maneira peculiar.

Somando-se a isso tudo, alguns homensfamosos pela má reputação, e quepareciam convertidos, eram levados deum lugar ao outro e anunciados em cadaesquina, onde multidões eram reunidaspara vê-los e escutar suas histórias;

histórias essas que eram, com muitafrequência, relatos horríveis, cheio dedetalhes de imoralidades e transgressõestais como nunca deveriam sermencionadas. Muitos desses homensfamosos acabaram depois largando tudoe voltando com maior ardor às suaspráticas do passado.

Essas coisas eu testemunhei em várioslugares. Creio que o Espírito Santo foientristecido e encontrou obstáculos, e aobra, daí em diante, acabou sendodesfigurada. Estou plenamenteconvencido de uma coisa, e esta é queacredito que deveríamos buscar comsinceridade honrar o bendito Espírito;confiar nele em todo nosso trabalho;seguir para onde quer que Ele nos guie,

e não sair correndo na frente. Sua obrapermanecerá: “Tudo quanto Deus fazdurará eternamente”. (Ec 3:14) É EleQuem tudo faz. Se tivermos isto emmente, nossas ideias serão bemequilibradas.

Há um grande perigo de jovens obreirostornarem-se tão entusiasmados com suaobra, sua pregação, seus dons, a pontode acabarem perdendo de vista opróprio Bendito Mestre. Além disso,acabam fazendo da pregação o fim aoinvés do meio. Isso é ruim em todos osaspectos. Prejudica a eles próprios edesfigura seu trabalho. A partir domomento em que faço da pregação o fim,estou fora da corrente do pensamento deDeus, cujo fim é glorificar a Cristo; e

estou fora da corrente do coração deCristo, cujo fim é a salvação de almas, ea plena bênção de Sua Igreja. Mas ondequer que o Espírito Santo encontre o Seulugar de direito, onde quer que sejadevidamente reconhecido, e nele seconfie, tudo estará bem. Não haveráexaltação do homem; não se fará alardeda importância de cada um; não se faráum espetáculo dos frutos da obra; nãohaverá excitação. Tudo será calmo,quieto, real e despretensioso. Haveráuma espera em Deus, a qual serásimples, sincera, confiante e paciente. Oego ficará encoberto; Cristo seráexaltado.

Sempre me recordo de uma frase sua;algo que me disse: “O céu será o

melhor e mais seguro lugar paraouvirmos falar dos resultados de nossotrabalho”. Trata-se de uma palavrasalutar para todos os obreiros.Estremeço quando encontro os nomes deservos de Cristo sendo notícia dejornais, com alusões lisonjeiras ao seutrabalho e aos seus frutos. Certamenteaqueles que escrevem tais artigosdeveriam refletir no que estão fazendo:deveriam considerar que estãoalimentando exatamente aquilo quedeveriam desejar ver mortificado evencido. Estou por demais persuadidode que o caminho quieto, obscuro eretirado é o melhor e mais seguro para oobreiro cristão. Um caminho assim nãoo tornará menos fervoroso, pelo

contrário; não porá obstáculos à suaenergia, mas irá aumentá-la eintensificá-la. Que Deus não permita queeu nem você venhamos a escrever umalinha, ou fazer uma afirmação sequer,que possa, ainda que da forma maisremota, desencorajar ou limitar algumobreiro na vinha de Cristo. Não; não,este não é o momento para algo assim.Queremos ver os obreiros do Senhorseguindo com fervor; mas cremossinceramente que o verdadeiro fervorserá sempre o resultado da maisabsoluta dependência no Espírito Santode Deus.

Mas veja só você como acabei indolonge! E até agora não me referi àspassagens das Escrituras que mencionei

em minha carta anterior. Bem, muiamado no Senhor, sei que estou medirigindo a alguém que está bemfamiliarizado com os Evangelhos e como livro de Atos, e que, portanto, conheceo grande Obreiro pessoalmente, e todosos que buscaram seguir Suas benditaspegadas, reconheceram e se submeteramao Espírito Eterno como sendo Aquelepor meio de Quem seus trabalhos eramexecutados.

Devo agora terminar por aqui, meu muiamado irmão e colaborador; e o faço detodo o coração, encomendando você, emespírito, alma e corpo, Àquele que nosamou e nos lavou de nossos pecados emSeu próprio sangue, e que nos chamoupara o honroso posto de obreiros em

Seu campo evangelístico. Que ele possaabençoar a você e sua famíliaabundantemente, e aumentar mil vezesmais sua utilidade em Suas mãos!

TERCEIRA CARTA — A Palavra deDeus

HÁ ALGO que também está intimamenteligado ao assunto de minha última carta;trata-se do lugar que a Palavra de Deusocupa na obra de evangelização. Emminha última carta, como você serecordará, me referi à obra do EspíritoSanto, e à imensa importância de se dara Ele o lugar apropriado. Édesnecessário mostrar com que clareza apreciosa Palavra de Deus está ligada àação do Espírito Santo. Ambos estão

inseparavelmente ligados naquelasmemoráveis palavras de nosso Senhor aNicodemos — palavras estas tão poucocompreendidas — tão mal interpretadas:“Aquele que não nascer da água e doEspírito, não pode entrar no reino deDeus”. (Jo 3:5)

Tanto eu como você entendemosclaramente que na passagem acima aPalavra está sendo representada, emfigura, como “água”. Graças a Deus,não estamos dispostos a dar nenhumcrédito ao absurdo ritualismo daregeneração batismal. Acredito que jáestamos mais que convencidos de queninguém jamais recebeu, recebe oureceberá, vida pela água do batismo.Concordamos plenamente que todos

aqueles que creem em Cristo devem serbatizados; mas isto é algo totalmentediferente do erro fatal que troca a morteexpiatória de Cristo, o poderregenerador do Espírito Santo, e asvirtudes provedoras de vida que tem aPalavra de Deus, por uma ordenança.Não vou perder nem o seu tempo e nemo meu em combater esse erro, mas vousimplesmente partir do ponto que vocêconcorda comigo em pensar que, quandonosso Senhor fala de alguém “nascer daágua e do Espírito”, Ele Se refere àPalavra e ao Espírito Santo. (Comparecom Efésios 5:26)

Assim sendo, a Palavra é o grandeinstrumento a ser utilizado na obra deevangelização. Muitas passagens das

Sagradas Escrituras afirmam isso comtal clareza e determinação ao ponto denão restar o que quer que seja para serdiscutido. No primeiro capítulo deTiago, versículo 18, lemos: “Segundo aSua vontade Ele nos gerou pelaPalavra da verdade”. Também em 1Pedro 1:23, 25, lemos: “Sendo de novogerados, não de semente corruptível,mas da incorruptível, pela Palavra deDeus, viva, e que permanece parasempre... E esta é a Palavra que entrevós foi evangelizada”.

Esta última cláusula é de indizível valorpara o evangelista. Ela o obriga, daforma mais clara, a ter a Palavra deDeus como o instrumento — o únicoinstrumento — o todo-suficiente

instrumento, a ser utilizado em suagloriosa obra. Ele deve dar a Palavra àspessoas; e quanto mais simples amaneira em que o fizer, melhor será. Aágua pura deve ser deixada fluirlivremente do coração de Deus para ocoração do pecador, sem receberqualquer coloração, ou influência, docanal pelo qual ela flui. O evangelistadeve pregar a Palavra; e deve pregá-laem simples dependência do poder doEspírito Santo. É este o verdadeirosegredo do sucesso na pregação.

Todavia, enquanto dou ênfase a estegrande ponto cardeal na obra dapregação — e creio que nunca é demaisfrisá-lo bem — estou bem longe depensar que o evangelista deva dar aos

seus ouvintes um grande volume deverdade. Muito pelo contrário,considero isto um grande equívoco. Oevangelista deve deixar isto para aqueleque ensina, aquele que expõe a Palavraou para o que pastoreia. Temo que comfrequência uma grande parte de nossapregação passa por sobre as cabeçasdas pessoas, devido ao fato depreferirmos desdobrar a verdade aalcançar as almas. Pode ser quedescansemos satisfeitos depois determos dado uma palavra de impacto,uma exposição bem interessante einstrutiva das Escrituras, algo de grandevalor para o povo de Deus; mas oouvinte inconverso ficou ali sentado semser tocado, sem ser alcançado, sem ser

impressionado. Não continha nada paraele. O que falou esteve mais preocupadocom sua explanação do que com opecador — esteve mais absorvido comseu assunto do que com a alma.

Assim, estou plenamente convencido deque isto é um sério erro, e um erro talque todos nós — ou pelo menos eu —somos muito propensos a cometer.Considero este um erro deplorável, edesejo sinceramente evitar cometê-lo.Fico a pensar se não é neste erro queestá o verdadeiro segredo de não sermosbem sucedidos. Mas talvez eu nãodevesse dizer nosso erro, mas sim meuerro. Não creio — pelo menos até ondeconheço o seu ministério — que vocêpossa ser acusado do defeito a que

acabo de me referir. Neste caso, comoem tudo mais, você será o seu melhorjuiz; mas de uma coisa eu estou certo: omais bem sucedido evangelista é aqueleque mantém o seu olho fixo no pecador;aquele que tem seu coração inclinadopara a salvação das almas, sim, aquele aquem o amor para com as almaspreciosas é tanto que chega a ser umapaixão. Não é o homem que explica amaior verdade, mas o que almeja maispelas almas, que terá as melhorescredenciais para seu ministério.

Afirmo isso tudo, entenda bem, em totale inequívoco reconhecimento àafirmação que fiz no início desta carta,ou seja, que a Palavra é o grandeinstrumento na obra da conversão. Isto é

algo que nunca pode ser perdido devista; que nunca pode ser diminuído deseu valor. Não importa qual o aradousado para fazer o sulco, ou de quemaneira a Palavra possa vir vestida, oupor qual veículo ela possa sertransportada; é somente pela “Palavrada verdade” que as almas sãoconquistadas.

É tudo divinamente verdadeiro, edeveríamos sempre ter isso em mente.Mas, acaso não encontramos comfrequência que aqueles que se propõema pregar o evangelho (particularmente secontinuam sempre no mesmo lugar) sãoinclinados a abandonar os domínios doevangelista — domínios estes dos maisbenditos! — e invadir o terreno do que

ensina ou explica a Palavra? Isto é algoque desaprovo e deploro ao extremo.Sei que tenho errado nisto, e lamentopelo erro. Escrevo em total liberdadepara confessar que ultimamente o Senhortem aprofundado imensamente em minhaalma o senso da vasta importância dasincera pregação do evangelho. Deusnão permita que, fazendo assim, euvenha a considerar de menorimportância o trabalho do mestre ou dopastor. Creio que onde quer que haja umcoração que ame a Cristo, ele sedeleitará em alimentar e cuidar dospreciosos cordeiros e ovelhas dorebanho de Cristo, o rebanho que Elecomprou com Seu próprio sangue.

Mas as ovelhas devem ser reunidas

antes que possam ser alimentadas; ecomo podem ser reunidas senão pelafervorosa pregação do evangelho? Ogrande negócio do evangelista é ir até astenebrosas montanhas do pecado e doerro, a fim de soar a trombeta doevangelho e reunir as ovelhas; e sinto-me convencido de que fará melhor o seutrabalho, não pela elaborada explanaçãoda verdade; não por explicações claras,valiosas e instrutivas; não porcuidadosas explicações da verdadeprofética, dispensacional ou doutrinária— por mais preciosas e importantes quesejam quando em seu devido lugar —mas por uma ocupação fervorosa, diretae sincera com as almas imortais; comuma voz de aviso, com um apelo solene,

com uma argumentação fiel da justiça,da temperança e do juízo vindouro —com uma alarmante apresentação damorte e do juízo, das terríveisrealidades da eternidade, “onde seubicho não morre, e o fogo nunca seapaga”.

Em suma, me comove o fato de queprecisamos pregadores que despertemseus ouvintes. Admito plenamente queexista algo como ensinar o evangelho,tanto quanto existe o pregar oevangelho. Por exemplo, encontro Pauloensinando o evangelho em Romanos, docapítulo 1 ao 7, tanto quanto o encontropregando o evangelho em Atos 13 ou 17:Trata-se de algo de grande importânciaem todas as épocas, ainda mais quando

se tem quase certeza de que existe umgrande número de pessoas quecostumamos chamar de “almasexercitadas” em nossas pregaçõespúblicas, e pessoas assim precisam deum evangelho que as torne emancipadas— o completo, claro e elevadoevangelho da ressurreição.

Mas, embora admitindo isso tudo,continuo a crer que o que é necessáriopara uma bem sucedida evangelização é,não tanto o volume de verdade, mas simum intenso amor pelas almas. Veja oeminente evangelista GeorgeWhitefield.* Qual você acha que era osegredo de seu sucesso? Não tenhodúvida de que você já tenha lido seussermões. Porventura encontrou neles

alguma grande amplitude de verdade?Duvido. No entanto devo dizer quefiquei impressionado justamente pelocontrário. Mas oh! havia algo emWhitefield que tanto eu como vocêdevemos cobiçar e ter o desejo decultivar. Havia um amor ardente pelasalmas — uma sede pela sua salvação —um poderoso corpo-a-corpo com aconsciência — uma argumentação clara,sincera e face-a-face com os homensacerca de seus caminhos passados, suacondição atual e seu destino futuro.Havia tudo aquilo com que Deusconcordaria e abençoaria; e Elecontinuará ainda concordando eabençoando as mesmas coisas.[*Nota do Tradutor: Convertido em 1735,

George Whitefield (1714-1770) começou apregar ao ar-livre em 1739: Seu trabalhoesteve voltado à pregação do evangelho naInglaterra e Estados Unidos, ao cuidado doorfanato que fundou.]

Estou persuadido — e escrevo istodiante de Deus — de que se nossoscorações estiverem inclinados àsalvação de almas, Deus nos usará nessadivina e gloriosa obra. Mas se, poroutro lado, nos entregarmos àsdebilitantes influências de um fatalismofrio, cruel e ímpio; se nos contentarmoscom uma apresentação formal e oficialdo evangelho — algo bem desanimado;se, para usarmos de uma expressãovulgar, nossa pregação for do tipo “épegar ou largar”, não será surpresa

nenhuma se não houver conversões.Seria surpreendente, isto sim, se astivéssemos.

Não, não podemos ser assim; creio quedevemos olhar com seriedade para esteassunto de tão grandes consequências.Ele exige uma consideração solene eimparcial de todos os que estejamengajados na obra. Há perigos de todosos lados. Há opiniões contraditórias detodos os lados. Mas não podemosconceber como é que algum cristãopossa ficar satisfeito em esquivar-se daresponsabilidade sair em busca dealmas. Alguém pode dizer: “Não sou umevangelista; não é minha área; estoumais para mestre ou pastor”. Bem,entendo o que quer dizer; mas será que

alguém poderia me mostrar que ummestre ou pastor não deva sairfervorosamente buscando pelas almas?Não posso aceitar tal recusa nem por ummomento sequer.

E mais, não tem a mínima importânciaqual seja o dom de alguém, ou mesmo sefor o caso de não possuir nenhum domque se destaque; todavia, ainda assimele pode e deve cultivar um sincerodesejo pela salvação das almas. Seriacorreto passar por uma casa em chamassem darmos um grito de aviso, ainda quenão fôssemos do Corpo de Bombeiros?Será que não deveríamos procurarsalvar um homem se afogando, ainda quenão fôssemos salva-vidas? Quem, deboa mente, seria vil ao ponto de

discordar disso? Portanto, no que dizrespeito às almas, não é tão necessárioum dom ou um conhecimento daverdade, quanto um profundo efervoroso interesse pelas almas — umagudo senso do perigo que correm, e umdesejo de que sejam resgatadas.

QUARTA CARTA — A OraçãoQUANDO PEGUEI a caneta paradirigir-me a você em minha primeiracarta, não fazia ideia de que teriaoportunidade de estender o assunto atéuma quarta carta. De qualquer maneira,o assunto me é de grande interesse; e hásó mais dois ou três pontos que desejotratar rapidamente.

Em primeiro lugar, sinto profundamente

a falta que há em nós de um espírito aptoa fazer continuamente a obra deevangelização. Já me referi à obra doEspírito; e também ao lugar que aPalavra de Deus deve sempre ocupar;mas me surpreende o fato de que somosmuito deficientes quando se trata de umafervorosa, perseverante e confianteoração. É este o verdadeiro segredo dopoder. “Nós”, disse o apóstolo,“perseveraremos na oração e noministério da Palavra”. (At 6:4)

A ordem é esta: “Oração” e“ministério da Palavra”. A oração trazà tona o poder de Deus; e é isto o quequeremos, não o poder da eloquência,mas o poder de Deus; e isto nós sópodemos obter mantendo-nos em

dependência dele. “Dá esforço aocansado, e multiplica as forças ao quenão tem nenhum vigor. Os jovens secansarão e se fatigarão, e os manceboscertamente cairão. Mas os que esperamno Senhor renovarão as suas forças,subirão com asas como águias:correrão, e não se cansarão;caminharão, e não se fatigarão.” (Is40:29-31).

Ao que me parece, somos muitomecânicos na obra, se é que posso usaresta palavra para me expressar.Queremos terminar logo o serviço.Temo imensamente que alguns de nósestejamos mais apoiados nos pés do quenos joelhos; passando mais tempo nosvagões dos trens do que na intimidade

de seus dormitórios; mais nas estradasdo que no santuário; mais com homensdo que com Deus. Isso não funciona. Éimpossível que nossa pregação possaser marcada pelo poder e coroada comresultados, se falhamos em depender deDeus. Veja o próprio Bendito Senhor —aquele grande Obreiro. Veja com quefrequência Ele era encontrado emoração. Em Seu batismo; em Suatransfiguração; antes da escolha e damissão dos doze. Em resumo, vez apósoutra nós encontramos aquele BenditoSer em atitude de oração. Numa ocasiãoEle acorda bem antes do sol nascer paraSe entregar à oração. Noutra, passa anoite toda em oração por ter dedicado odia ao trabalho.

Que exemplo é para nós! Possamos nóssegui-lo! Possamos conhecer um poucomais do que é agonizar em oração. Quãopouco nós conhecemos disso! Falo pormim mesmo. Às vezes me parece queficamos tão ocupados com oscompromissos de pregar que não temostempo para a oração — não temos tempopara o trabalho na privacidade — nãotemos tempo para ficarmos a sós comDeus. Envolvemo-nos em um turbilhãode trabalho público; corremos de umlugar para outro, de uma reunião paraoutra, em um estado de alma árido ealheio à oração. Será que é de seespantar que haja pouco resultado? Ecomo é que poderia ser diferente quandofalhamos tanto em depender de Deus?

Nós não podemos converter as almas— só Deus pode fazê-lo; e se seguimosadiante sem esperar nele, se deixamosque a pregação pública remova do seulugar a oração a sós com Deus, podemosficar bem certos de que nossa pregaçãoacabará sendo árida e inútil. Devemosverdadeiramente “perseverar naoração”, se quisermos ser bemsucedidos no “ministério da Palavra”.

E não é só isso. Não se trata apenas deestarmos falhando na santa e benditaprática da oração a sós. Isto,infelizmente, também é uma verdade,como já o dissemos. Mas há algo maisalém disso. Falhamos em nossasreuniões públicas de oração. Nelas agrande obra de evangelização não é

suficientemente lembrada. Não é alicolocada com fervor, diligência econstância diante de Deus. É, às vezes,apresentada de uma maneira formal ecostumeira, para ser então esquecida.Verdadeiramente, sinto que, de um modogeral, há uma grande falta de fervor eperseverança em nossas reuniões deoração, não só no que diz respeito àobra do evangelho, mas também emoutros assuntos. Há, com frequência,muito formalismo e debilidade. Nãoparecemos ser homens imersos emfervor. Falta-nos aquele espírito quetinha a viúva em Lucas 18, a qualvenceu o juiz injusto apenas com a forçade sua importunação. Parece que nosesquecemos de que estamos ali para

rogarmos a Deus, e que Ele égalardoador daqueles quediligentemente O buscam.

De nada vale alguém dizer: “Deus podeagir sem nossas fervorosas petições;Ele cumprirá os Seus propósitos; Elereunirá os que Lhe pertencem”.Sabemos disso tudo; mas sabemostambém que Ele, que determinou o fim,também determinou os meios; e sefalharmos em depender dele, então Eleusará outros para fazer a Sua obra. Aobra será feita, sem dúvida alguma, masperderemos a dignidade, o privilégio e arecompensa do trabalho. Será que issonão tem nenhum valor? Será que é algode pouca importância sermos privadosdo doce privilégio de colaborarmos com

Deus, de termos comunhão com Ele nabendita obra que está executando? Ah,quão triste é darmos tão pouco valor aisso! Que possamos dar o valor devido;e é provável que existam poucas coisasmais em que possamos experimentar omesmo privilégio de numa fervorosa eunida oração. É algo em que todos ossantos podem estar engajados. É algo aque todos podem acrescentar um sinceroAmém. Nem todos podem serpregadores, mas todos podem orar —todos podem se engajar na oração; todospodem ter comunhão nisso.

Porventura você não observa, queridoirmão, que há sempre uma torrente debênção profunda e verdadeira onde aassembleia se encontra mergulhada em

fervorosa oração pelo evangelho e pelasalvação das almas? Tenho vistoinvariavelmente isto, e éverdadeiramente uma fonte de indizívelconforto, gozo e encorajamento parameu coração encontrar a assembleiaenvolvida na oração, pois quando éassim, tenho certeza, Deus dá copiosaschuvas de bênçãos.

Além do mais, quando é este o caso,quando este espírito dos mais excelentesprevalece em toda a assembleia, podeestar certo de que não se terá problemascom o que se costuma chamar de“responsabilidade pela pregação”.Poderão ser sempre os mesmos a fazer otrabalho, desde que seja feito da melhormaneira possível. Se uma assembleia

estiver esperando em Deus, emfervorosa intercessão pelo progresso daobra, não importará muito saber quem seresponsabilizará pela pregação, desdeque Cristo seja pregado e almasabençoadas.

Há ainda uma coisa mais que temocupado bastante o meu pensamentoultimamente; trata-se do modo comotratamos os recém-convertidos. Semdúvida alguma, há uma imensanecessidade de cuidado e cautela, paranão sermos achados ocupados comaquilo que nada tem de um fruto genuínoda obra do Espírito de Deus. Há nistoum perigo muito grande. O inimigo estásempre buscando introduzir materialespúrio na assembleia, a fim de estragar

o testemunho e trazer descrédito àverdade de Deus.

Isso tudo é algo bem real que devemerecer nossa séria consideração.Todavia, será que você não concorda,amado irmão, que com muita frequênciacaímos no outro extremo? Acaso não écomum jogarmos água fria sobre osrecém-convertidos, ainda que o façamoscom um estilo formal e peculiar? E seráque não expressamos, em nosso espíritoe conduta, uma certa repulsa pelosnovos convertidos? Achamos que os queacabam de se tornar cristãos devempossuir um padrão de inteligênciaespiritual que levamos anos paraalcançar. E não apenas isto, mas àsvezes os colocamos sob um processo de

exame que só leva à hostilidade e aoembaraço.

É evidente que isso não está certo. OEspírito de Deus jamais iria confundir,embaraçar ou repelir uma alma queviesse com dúvidas sinceras — oEspírito nunca faria isso; jamais. Talprocedimento nunca poderia estar emconformidade com o pensamento ou ocoração de Cristo; Ele nunca iria jogarágua fria nem mesmo na mais débilovelha de todo o Seu rebanho, o qual foicomprado com sangue. Ele gostaria queas guiássemos, levando-as adiante demodo gentil e terno — que astranquilizássemos, alimentássemos ecuidássemos delas, tudo emconformidade com o profundo amor do

Seu coração. É algo de grandeimportância deixar de lado o nosso egoe nos mantermos abertos para discernire apreciar a obra de Deus nas almas, enão as embaraçarmos colocando nossospróprios caprichos e pedras de tropeçoem seu caminho. Necessitamos doauxílio e da direção divina nesteassunto, tanto quanto em qualquer outraárea de nosso trabalho. Mas, benditoseja Deus, Ele é suficiente tanto paraisto, como para tudo o mais. Apenasconfiemos nele: juntemo-nos a Ele efaçamos uso de Seu inesgotável tesouro,disponível para cada caso que surgir,para a necessidade de cada momento.Ele nunca decepcionará um coraçãoconfiante, esperançoso e dependente.

Devo agora terminar esta série decartas. Acho que já cobri, senão todos,pelo menos a maioria dos pontos quetinha em mente. Estou certo, amado noSenhor, de que você estará sempreciente de que nestas cartas procureisimplesmente apresentar brevesanotações daquilo que penso, usando detotal liberdade e com toda a intimidadede uma amizade de verdadeiros irmãos.Não escrevi um tratado formal, mas tãosomente derramei meu coração a umamado amigo e obreiro juntamentecomigo. E todos os que leem estas cartasdevem ter o mesmo em mente.

Que Deus possa abençoá-lo e guardá-lo,querido irmão. Que Ele possa coroarseus trabalhos com Sua mais rica e

melhor bênção! Que Ele possa guardá-lode toda obra má, e preservá-lo para oSeu reino eterno!

QUINTA CARTA — Obra deLiteratura

PARECEU-ME necessário escrever avocê uma vez mais para tratar de algunsassuntos ligados à obra deevangelização, os quais ultimamentevêm chamando minha atenção. Há trêsramos distintos da obra que gostaria dever ocupando um lugar claro e de maiorproeminência entre nós. Estou mereferindo à obra de literatura, àpregação do evangelho e à escoladominical.

Surpreende-me ver que o Senhor está

despertando as atenções para aimportância da obra de literatura comoum valioso meio na obra deevangelização; mas me pergunto seestamos envolvidos nisso com toda aseriedade. Por que digo isto? Será queos livros e folhetos não nos interessammais e perderam seu valor aos nossosolhos? Ou será que a falta está namaneira como é conduzida a obra deliteratura? Em minha opinião pareceestar faltando algo no que se refere aeste último ponto.

Gostaria muito de ver um depósito deliteratura bem administrado em cadacidade; por “bem administrado” euentendo algo que é assumido e levadoadiante como um serviço direto ao

Senhor, em sincero amor para com asalmas; em profundo interesse peladisseminação da verdade e, ao mesmotempo, como uma boa empresa. Já vivários depósitos de literaturadesmoronarem por faltar habilidadepara negócios em seus responsáveis.Pareciam pessoas bem fervorosas esinceras, mas incapazes de conduzir umnegócio. Em suma, eram pessoas emcujas mãos qualquer empresa teria ido àfalência. Por esta razão, em muitoslugares há um fracasso dos maisdeploráveis nesta tão valiosa einteressante obra que é cuidar de umdepósito de literatura.

E qual a melhor maneira de alcançar aspessoas para as quais os folhetos e

livros são preparados? Creio que étendo os livros e folhetos expostos paraa venda em vitrines, onde quer que istoseja possível, a fim de que as pessoaspossam vê-los quando passarem e,parando, possam entrar e comprar o quequiserem. Muitos foram alcançadosdesta maneira. Não tenho dúvidas deque muitos foram salvos e abençoadospor meio de folhetos que foram vistospela primeira vez em uma vitrine ouexpostos sobre um balcão. Mas ondenão existe essa possibilidade, é naturalque o salão de reuniões da assembleiaseja o depósito de literatura.

Existe claramente uma real necessidadede um depósito de literatura em cadagrande cidade, dirigido por alguém que

tenha jeito para negócios e que sejacapaz de conversar com as pessoasacerca dos folhetos, podendorecomendar aquilo que possa ser deauxílio àqueles que ansiosamenteprocuram pela verdade. Sinto que hámuita coisa boa que pode ser feita nestaárea. Os cristãos da cidade poderiamsaber onde ir buscar folhetos, não sópara sua leitura pessoal, mas tambémpara distribuição. Certamente, se háalguma coisa digna de ser feita, é dignade ser bem feita; e se isto não se aplicarà obra de literatura, não sei a que seaplicará.

A obra de literatura deve ser levadaadiante como um serviço feitodiretamente para Cristo. E tenho certeza

de que onde quer que ela seja assimconduzida, em energia, zelo eintegridade, o Senhor a honrará e farádela uma bênção. Será que não háninguém que queira assumir esta obratão abençoada, não por causa daremuneração, mas por causa de Cristo?Será que não há ninguém que queira sededicar a ela numa fé singela, esperandono Deus vivo?

Aqui está a raiz da questão, queridoirmão. Pois neste ramo da obra, assimcomo em cada outro ramo, necessitamosdaqueles que confiem em Deus e que seneguem a si mesmos. Parece-me queseria um grande ponto a favor da obrade literatura se esta fosse colocada noseu devido lugar e vista como uma parte

integral do trabalho evangelístico;assumida com responsabilidade paracom o Senhor, e levada adiante naenergia da fé no Deus vivo. Cada ramoda obra do evangelho — a obra deliteratura, a pregação, a escoladominical — deve ser levado adiantedesta maneira. É bom e saudávelcontarmos com comunhão — completa ecordial comunhão, em todo o nossoserviço; mas se ficarmos esperando porcomunhão e cooperação para podermoscomeçar uma obra, que tanto está dentroda esfera da responsabilidade pessoalquanto coletiva, vamos acabar ficandopara trás — ou é provável que a obranem mesmo seja feita.

Devo ter oportunidade de voltar a tratar

mais detalhadamente sobre este ponto,quando passar a escrever sobre apregação e a escola dominical. Tudo oque desejo até aqui é deixar claro o fatode que a obra de literatura é um ramo, eum ramo de grande importância eeficiência, da obra evangelística. Se istofor plenamente entendido por todos,teremos dado um grande passo. Devoconfessar, querido irmão, que meu sensomoral tem sido, com frequência,profundamente escandalizado pelo estilofrio e comercial com que a publicação evenda de livros e folhetos é tratada —um estilo que talvez seja adequado a ummero negócio comercial, mas que é dosmais ofensivos quando adotado naquiloque diz respeito à obra de Deus. Admito

plenamente — e até luto por isto — queo bom gerenciamento de um depósito deliteratura exija uma boa parcela dehabilidade para negócios, além deprincípios comerciais honestos. Mas, aomesmo tempo, estou convicto de que aobra de literatura nunca estará no seudevido lugar — nunca terá entendido oseu espírito e nunca alcançará o fimdesejado — enquanto não estiverfirmemente fixada em seus fundamentossantos, e enquanto não for vista comouma parte integral da mais gloriosa obrapara a qual somos chamados — aevangelização ativa, fervorosa eperseverante.

E este trabalho deve ser assumido com osenso da responsabilidade para com

Cristo, e na energia da fé no Deus vivo.Não haverá nenhum proveito se umaassembleia, ou alguém abastado,escolher algum apadrinhado,entregando-lhe a direção doempreendimento a fim de prover-lhe ummeio de ganhar o seu sustento. É algobendito que todos tenham comunhão naobra; mas estou completamenteconvencido que o trabalho deve serassumido como um serviço direto aCristo, e levado adiante em amor pelasalmas e com um verdadeiro interesse napropagação da verdade. Espero voltar aescrever para tratar dos outros doisramos de meu tema.

SEXTA CARTA — A Pregação doEvangelho

EM ALGUMAS de minhas cartas trateida indizível importância de mantermos,com zelo e constância, uma fielpregação do evangelho — uma obradistinta de evangelização efetuada naenergia do amor às preciosas almas ecom referência direta à glória de Cristo— uma obra totalmente dirigida aoinconverso e, portanto, bem distinta daobra de ensino, explanação da Palavraou exortação, que é feita no seio daassembleia; a qual, nem preciso dizer,também é de igual importância aos olhosde nosso Senhor Jesus Cristo.

Meu objetivo ao voltar a tratar desteassunto é de chamar a sua atenção paraum ponto que está ligado a isto e arespeito do qual, parece-me, há uma

grande necessidade de esclarecimentoentre alguns de nossos amigos.Questiono se estamos, como regra,plenamente esclarecidos quanto àquestão da responsabilidade individualna obra do evangelho. Evidentemente, euadmito que o que ensina ou explica aPalavra seja chamado a exercitar seudom, na sua maior parte, sobre o mesmoprincípio do evangelista; isto é, sobresua própria responsabilidade pessoalpara com Cristo; e que a assembleia nãoé responsável por seus serviçosindividuais; a menos que ele ensine mádoutrina, quando então a assembleia éobrigada a agir.

Mas meu assunto é a obra doevangelista, e este deve fazer o seu

trabalho fora da assembleia. Sua esferade ação é tão ampla quanto o mundo.“Ide por todo o mundo, pregai oevangelho a toda a criatura.” (Mc16:15) Aqui está sua esfera de ação eaqui está o objetivo do evangelista —“Todo o mundo” — “Toda criatura”.Ele pode sair do seio da assembleia, epara ali voltar carregado com os feixesdourados de sua colheita; no entanto elesai na energia de sua fé pessoal no Deusvivo, e sobre a base de suaresponsabilidade pessoal para comCristo; a assembleia não é nem mesmoresponsável pela maneira peculiar comque ele possa levar adiante o seutrabalho. Sem dúvida a assembleia échamada a agir quando o evangelista

apresenta o fruto do seu trabalho naforma de almas professando estaremconvertidas, e desejosas de seremrecebidas à comunhão à mesa doSenhor. Mas isso é outra coisa, e deveser mantido como algo distinto dotrabalho do evangelista.

O evangelista deve ser deixado livrepara agir; e isto é algo que defendo. Elenão deve estar amarrado a certas regrasou regulamentos, e nem restringido porquaisquer convenções especiais. Hámuitas coisas que um evangelista comum coração liberal se sentiráperfeitamente à vontade para fazer, quetalvez não estejam de acordo com ojulgamento espiritual e as simpatias dealguns na assembleia; mas, desde que

ele não transgrida nenhum princípiovital ou fundamental, tais pessoas nãotêm o direito de interferir no seutrabalho.

E deve ser lembrado, querido irmão,que quando uso a expressão“julgamento espiritual e simpatias”,estou olhando do ponto de vista maiselevado possível, e tratando aquele quejulga com o mais alto respeito. Creio sercerto e conveniente que isto exista. Todoverdadeiro homem tem o direito de tersua opinião e fazer o seu julgamento —isto sem falar na consciência — tratadoscom o devido respeito. Mas há,infelizmente, em toda parte, homens dementes estreitas, que se opõem a tudo oque não se encaixa em suas próprias

noções — homens que estariam prontosa restringir de bom grado a ação doevangelista à sua própria linha depensamento e conduta que, segundopensam, estariam adequadas ao povo daassembleia de Deus* quando reunidospara adoração à mesa do Senhor.[*Nota do Tradutor: O autor usa a expressão“assembleia de Deus” em seu sentido bíblico,ou seja, incluindo TODOS os salvos porCristo. O autor viveu no século dezenove,antes, portanto, que existisse qualquerdenominação ou grupo religioso quearvorasse para si a identificação de“assembleia de Deus”. C. H. Mackintosh nãoestava ligado a nenhuma denominação, masreunia-se somente ao nome do SenhorJesus.]

Isso tudo é um completo engano. O

evangelista deve ter livre curso em seucaminho, sem se importar com toda aestreiteza de coração e intromissão quepossa encontrar. Tome, por exemplo, aquestão de se cantar hinos. Oevangelista pode sentir-se perfeitamenteà vontade para usar hinos ou corinhosevangelísticos que seriamcompletamente inadequados a umareunião da assembleia. O fato é que elecanta o evangelho com o mesmoobjetivo que ele prega o evangelho, ouseja, a fim de alcançar o coração dopecador. Ele está tão pronto a cantar“Vinde”, como a pregar a mesma coisa.

Assim, querido irmão, esta é a ideia quepor muitos anos tenho tido sobre esteassunto, muito embora não possa dizer

com certeza que seja algo que estejaplenamente de acordo com seudiscernimento espiritual. Preocupa-me ofato de estarmos correndo o perigo decair na falsa noção que a cristandadetem de se “iniciar um trabalho” e“organizar uma igreja”. É por esta razãoque muitos entre nós consideram asquatro paredes entre as quais nosreunimos como uma “capela”, e oevangelista que porventura pregue aliseja visto como o “ministro da capela”.

Devemos nos guardar cuidadosamentede algo assim, mas minha intenção, aomencionar tal coisa agora, é esclareceristo quanto à pregação do evangelho. Overdadeiro evangelista não é o ministrode qualquer capela; nem o porta-voz de

alguma congregação; ou o representantede um grupo; ou o funcionário pago dequalquer organização. Não; ele é oembaixador de Cristo — o mensageirode um Deus de amor — o arauto dasboas novas. Seu coração está cheio deamor pelas almas; seus lábios ungidospelo Espírito Santo; suas palavrasvestidas com poder celestial. Deixe-oem paz! Não o acorrente com suasregras e regulamentos! Deixe-o dedicar-se a seu trabalho e a seu Patrão! E mais,tenha em mente que a Igreja de Deuspode prover uma tribuna suficientementeampla para todos os tipos de obreiros etodo o estilo possível de trabalho, desdeque a verdade fundamental não sejatocada. Trata-se de um erro fatal

procurar colocar alguém, ou o que querque seja, em ponto morto. Ocristianismo é uma divina realidadeviva. Os servos de Cristo são enviadospor Ele, e são responsáveis perante Ele.“Quem és tu que julgas o servo alheio?Para seu próprio Senhor ele está em péou cai.” (Rm 14:4, 5).

Precisamos ter isto em mente, queridoirmão, pois são coisas que exigem nossaséria consideração, se é que nãodesejamos ver a bendita obra deevangelização estragada em nossasmãos.

Tenho apenas mais um ponto ao qualgostaria de me referir antes de terminarminha carta, já que é algo que tem sido

uma questão bem discutida em algunslugares — refiro-me àquilo que tem sidochamado de “responsabilidade dapregação”. Quantos de nossos amigostêm sido atacados acerca desta questão!E por que razão? Estou convencido deque é por não se entender a verdadeiranatureza, o verdadeiro caráter e esferada obra de evangelização. É por issoque temos tido alguns que insistem que apregação do evangelho no domingo ànoite deve ser deixada como umareunião aberta. Mas aberta a quê? Esta éa questão. Em muitos casos elademonstrou estar “aberta” a um tipo depalestra completamente inadequada amuitos que foram até ali, ou que foramtrazidos por amigos, na expectativa de

escutarem um evangelho claro, completoe fervoroso. Em ocasiões assim nossosamigos acabam ficando desapontados, eos inconversos totalmente incapazes decompreender o significado daquelareunião. Certamente tais coisas nãodeveriam ser assim; e não seriam mesmose os homens tão somente discernissemalgo tão simples como é a diferençaentre todas as reuniões em que os servosde Cristo exercitam seu ministério sobsua responsabilidade pessoal, e todas asreuniões que são puramente reuniões daassembleia, seja para a Ceia do Senhor,oração, ou qualquer outro propósito.

SÉTIMA CARTA — A EscolaDominical

POR FALTA de espaço, fui obrigado aencerrar minha última carta sem nemmesmo tocar no assunto da escoladominical. Devo, porém, dedicar uma ouduas páginas a este ramo do trabalhoque tem ocupado um amplo espaço emmeu coração durante trinta anos. Euconsideraria esta série de cartasincompleta se este assunto tivesse ficadode fora.

Alguns poderão questionar até onde aescola dominical pode ser vista comouma parte integral da obra deevangelização. Posso tão somente dizerque é assim que, principalmente, aconsidero. Eu a vejo como um dosmaiores e mais interessantes ramos daobra do evangelho. Os professores da

escola dominical, para as criançaspequenas e para os jovens, são obreirosna vasta seara do evangelho, tantoquanto o evangelista ou o pregador doevangelho.

Estou plenamente cônscio de que aescola dominical difere materialmentede uma pregação normal do evangelho.Ela não é convocada e nem conduzidada mesma maneira. Há, se posso meexpressar assim, uma união do pai, doprofessor e do evangelista na pessoa doobreiro da escola dominical. Naquelemomento ele toma o lugar do pai,procura cumprir sua obrigação deprofessor, mas não perde de vista o alvodo evangelista — o inestimável alvo queé a salvação daquelas almas dos

preciosos pequeninos que foramcolocados aos seus cuidados. Quanto aomodo como ele atinge o seu fim —quanto aos detalhes do seu trabalho — equanto aos variados meios de que elepode lançar mão, é tudo de sua total eúnica responsabilidade.

Estou consciente de que há objeções àescola dominical como tendo atendência de interferir na educação queos pais dão em casa. Mas devoconfessar, querido irmão, que nãoencontro nenhum respaldo para taisobjeções. A verdadeira finalidade daescola dominical não é pôr de lado aeducação dos pais, mas complementá-la,onde existe, ou suprir sua falta onde nãoexiste. Existem, como você e eu bem

sabemos, centenas de milhares decrianças que não recebem nenhumaeducação dos pais. Milhares não têmpais, e outros milhares têm pais que sãopiores do que nada. Veja as multidõesque se aglomeram nas ruas, becos epraças de nossas grandes cidades emetrópoles, que mal parecem estar emum nível de existência acima do animal— sim, muitos deles mais parecempequenos demônios encarnados.

Quem poderia se preocupar com todasessas almas preciosas, sem sentir-semotivado a incentivar de coração atodos os verdadeiros obreiros de escoladominical, e a desejar ardentemente queexistissem maior fervor e energia em umtrabalho assim tão abençoado? Quando

digo verdadeiros obreiros de escoladominical, é porque temo que muitos seengajem na obra sem que sejamverdadeiros, autênticos, ou que estejampreparados para ela. Muitos, temo eu, afazem como um trabalho que possuialguma atração religiosa e que fica bemaos membros mais jovens dascomunidades religiosas. Muitos tambéma veem como um tipo de compensaçãopara uma semana gasta com tolices,mundanismo e satisfação própria.Pessoas assim são mais um empecilhodo que um auxílio a este sagradoserviço.

Há também muitos que amam a Cristo decoração e desejam servi-Lo na escoladominical, mas que não estão

verdadeiramente preparados para aobra. São pessoas de pouco tato,energia, ordem e disciplina. A elas faltaaquele poder de se adaptarem àscrianças e de cativarem seus jovenscorações, o que é tão essencial aoobreiro da escola dominical. É umgrande erro supor que qualquerdesocupado da praça esteja capacitado acuidar deste ramo do trabalho cristão.Muito pelo contrário, é necessário queseja uma pessoa totalmente preparadapor Deus para esta obra.

Se alguém perguntar: “Como poderemosconseguir pessoas assim capacitadaspara este ramo do serviçoevangelístico?”, a resposta é: da mesmamaneira que se conseguem pessoas para

todas as outras tarefas — por meio deuma oração fervorosa, perseverante econfiante. Estou plenamente persuadidode que se os cristãos estivessem maismotivados pelo Espírito de Deus parasentirem a importância da escoladominical — se apenas pudessem teruma ideia de que ela é, assim como aobra de literatura e a pregação, umaparte integrante da mais gloriosa obra àqual somos chamados nestes derradeirosdias da história da cristandade — sefossem mais permeáveis à ideia danatureza evangelística e do objetivo daobra da escola dominical, seriam maisfervorosos e perseverantes em oração,tanto em sua comunhão a sós com oSenhor, como na assembleia, para que

Ele pudesse levantar em nosso meiomuitos fervorosos, devotos e dedicadosobreiros para a escola dominical.

Era isto o que faltava, querido irmão, eque Deus possa provê-lo, em Suaabundante misericórdia! Ele é capaz ecertamente está desejoso para fazê-lo.Mas quer que dependamos dele e queLhe peçamos; e “é galardoador dos queO buscam”. (Hb 11:6) Creio que temosmotivos de gratidão e louvor pelo quetem sido feito pelas escolas dominicaisdurante os últimos poucos anos.Lembro-me bem da época quandomuitos de nossos amigos pareciam seesquecer completamente deste ramo dotrabalho. Ainda hoje há muitos que otratam com indiferença, desanimando e

desencorajando os corações daquelesque estão engajados nesta obra.

Mas não vou tratar disso aqui, pois meuassunto é a escola dominical, e nãoaqueles que a negligenciam ou que seopõem a ela. Agradeço a Deus pelo quetenho visto em forma de encorajamento.Com frequência tenho sidoexcessivamente animado e alegrado aover alguns de nossos amigos mais velhoslevantando-se da mesa de seu Senhor ecuidando de arrumar os bancos nosquais os queridos pequeninos logo emseguida são alcançados com a docehistória do amor do Salvador. E o que éque poderia ser mais belo, maiscomovedor, ou mais moralmenteadequado do que aqueles que, tão logo

acabam de recordar o amor do Salvadorem Sua morte, procuram cuidar dearrumar os bancos a fim de cumprir Suaspalavras vivas: “Deixai vir os meninosa Mim”? (Mc 10:14)

Há muitas outras coisas que gostaria deacrescentar sobre o modo de trabalho daescola dominical; mas talvez sejamelhor que cada obreiro estejatotalmente dependente do Deus vivo,para aconselhamento e auxílio quantoaos detalhes da obra. Devemos semprenos lembrar de que a escola dominical,como a obra de literatura e a pregação,é, em sua totalidade, uma obra deresponsabilidade individual. Este é umponto de grande importância; e onde istofor totalmente compreendido e onde

existir um real fervor de coração e umolho simples, creio que não existirágrande dificuldade acerca da maneira decada um trabalhar. Um coração amplo eum propósito fixo em levar adiante agrande obra e cumprir a gloriosa missãoque nos foi confiada irão, certamente,nos livrar da debilitante influência dascaras feias e dos preconceitos — essasobstruções tão miseráveis a tudo o que éamável e de boa fama.

Que Deus possa derramar Sua bênçãosobre toda a obra da escola dominical,sobre os alunos, professores esuperintendentes. Que Ele possa tambémabençoar todos aqueles que estejamengajados, de um modo ou de outro, nainstrução do jovem. Que Ele possa

animar e dar refrigério aos seusespíritos, provendo para que colhammuitos feixes dourados de frutos na áreaque lhes cabe: a grande e gloriosa searado evangelho!