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O centro da Europa também está sendo severamente castigado pelas tempestades de neve causadas pelo deslocamento de massas de ar do Ártico. Na Polônia, mais de 120 pessoas morreram, a maioria moradores de rua. Na Escandinávia, o frio é ainda mais intenso, com temperaturas de até 40 graus negativos. À medida que os dias passaram, desde o fatídico 1º de janeiro, ficou mais e mais evidente que as deze- nas de mortes e os prejuízos in- calculáveis provocados pelas chu- vas foram causados apenas parcialmente pelas condições climáticas adversas. Estas, não res- ta dúvida, têm sido especialmente severas des- de o último trimestre de 2009, sob a influência do aquecimento anormal das águas do Pacífico. Em anos passados, o El Niño, como é conheci- do o fenômeno que atinge as águas equatoriais desse oceano, também causou estragos consi- deráveis, com enchentes e deslizamentos de terra em várias cidades do território nacional. Também não resta dúvida de que neste ano a situação foi ainda mais grave. O cenário devas- tador na pequena São Luís do Paraitinga, cida- de paulista de 20 mil habitantes encravada en- tre montanhas no Vale do Paraíba, os desmo- ronamentos em Angra dos Reis e Ilha Grande, no litoral fluminense, ou a queda da ponte so- bre o rio Jacuí, no interior do Rio Grande do Sul, sugerem que uma parcela considerável da responsabilidade pelas catástrofes ocorridas recai sobre a ação humana, como têm alertado alguns especialistas. Ou sobre a inação, con- forme o caso, de prefeituras, estados ou Minis- tério das Cidades. Em matéria de uso do solo, a regra nacional ainda é a ausência de regula- ção pública ou o descaso com as leis existentes, mantidas apenas no papel. O caso de São Luís do Paraitinga, onde se en- contra o maior conjunto de edificações do pe- ríodo colonial do estado de São Paulo e ao me- nos 300 casas foram danificadas, ilustra bem o risco a que está exposta uma parcela conside- rável da população brasileira, cerca de 40 mi- lhões de cidadãos residentes em áreas de risco, segundo estimativa da ONG Amigos da Terra. “As chuvas arrasaram São Luís, desmonta- ram completamente a cidade. Prefeitura, pos- tos de saúde, escolas, cartórios, parte do Fó- rum, foi tudo por água abaixo, além de cente- nas de casas”, disse a CartaCapital Luiz Anto- nio Gomes, pesquisador do Instituto de Pes- quisas Tecnológicas, ligado à USP, e chefe da equipe do IPT que chegou à cidade no domin- go 3, dois dias após a tragédia, acionada pe- la Defesa Civil estadual. “A situação lá poderá piorar porque as condições dos taludes (bar- rancos, na linguagem técnica) são muito pre- cárias. Além da previsão de novas chuvas, as casas localizadas nas margens do Paraitinga, que chegou a subir 10 metros, poderão ser afe- tadas pela pressão decorrente da vazante da água”, avalia o pesquisador. As chuvas torrenciais por mais de doze ho- ras no Vale do Paraíba, litoral norte de São Paulo e região de Angra e Ilha Grande, na virada do ano, são apontadas como as pri- meiras razões do desastre, mas para este A culpa não é só da natureza CHUVAS | A prevalência do interesse privado nas cidades brasileiras tem o seu quinhão Tragédias. Em São Luís do Paraitinga (à esq.), 300 casas foram danificadas. No RS, uma ponte de 40 anos sem vistoria desabou contribuíram as construções precárias e ir- regulares das encostas e várzeas, caracte- rísticas da ocupação territorial brasileira. O técnico do IPT chama a atenção para o trabalho a ser feito daqui para a frente. Nas regiões montanhosas do País, alerta Gomes, a ampla maioria das cidades não possui um estudo geotécnico para indicar as regiões impróprias e propor obras de contenção. Es- ses estudos costumam ser deixados de lado até que o pior aconteça. É o caso de Pique- te, também no Vale do Paraíba, que viveu a sua tragédia no início de 2009. Em dezem- bro passado, a prefeitura recebeu do próprio IPT a informação de que cerca de mil edifi- cações da cidade (de um universo de 5 mil) encontram-se em situação de risco. Em Ilha Grande e Angra, há indícios de que os interesses privados – os “urbanistas” de fato das cidades brasileiras, segundo es- pecialistas – prevaleceram de modo a abran- dar as exigências ambientais para a cons- trução civil. Foi nessa direção um decreto do governador do Rio, Sérgio Cabral, assi- nado em julho do ano passado, que permitiu a construção de casas e hotéis em zonas até então vetadas pela legislação, em uma área de proteção ambiental de 80 quilômetros do litoral e 90 ilhas próximas a Angra. O his- tórico de ocupações irregulares e em condi- ções inapropriadas no litoral brasileiro não é, porém, de responsabilidade da adminis- tração atual, muito menos restringe-se ao litoral fluminense, onde os licenciamentos ambientais não são levados a sério. É o caso da Pousada Sankay, em Ilha Grande, cons- truída na encosta de um morro, e que veio abaixo nas primeiras horas do ano por con- ta de um deslizamento de terra. A pousada, por sinal, é anterior à alteração legal. No caso do Rio Grande do Sul, onde 13 rodo- vias tiveram de ser interditadas por causa das chuvas, faltou ao poder público verificar as es- truturas da ponte sobre o rio Jacuí, de 314 me- tros e com mais de 40 anos de vida útil no mo- mento da queda, conforme alegação de enge- nheiros civis nos dias seguintes ao acidente. No litoral paulista, os estragos materiais e o número de vítimas foram bem menores. Ain- da assim não faltaram evidências da precarie- dade das estradas e serviços públicos que dão acesso ao litoral norte do estado. Quem pas- sou o réveillon em Ubatuba enfrentou até 18 horas de congestionamento para chegar a São Paulo – e nada menos que 12 horas para al- cançar a vizinha Caraguatatuba, um trajeto de 54 quilômetros. A situação ali foi agrava- da pela interdição de rodovias e a falta de in- formações. No posto da Polícia Rodoviária, na praia do Félix, em Ubatuba, os policiais pre- feriram manter os telefones fora do gan- cho para não ser incomodados. “Não sabemos como está a situação na direção de Caraguatatuba, cui- damos apenas do trecho entre Ubatuba e Paraty. Parece que o jeito é rodar mais 400 quilô- metros e ir por Angra”, afirma- va, na manhã da segunda-feira 4, um desinteressado oficial respon- sável pelo atendimento. Morre o coronel e deixa a saudade de Paulo Maluf “Homem de personalidade forte, combativo, político ativo e trabalhador, deixa em todos nós um sentimento de vazio.” Assim Paulo Maluf reagiu à notícia da morte, aos 85 anos, do coronel Erasmo Dias, secretário de Segurança Pública de São Paulo nos governos nomeados pela ditadura Laudo Natel e Paulo Egydio Martins. Chegara a tanto depois de uma carreira exitosa marcada por afrontas variadas aos Direitos Humanos e violentas operações encomendadas pelo regime, e na secretaria esmerou-se para manter-se à altura do seu passado. Apoiou censura e tortura com notável e proclamado denodo e em setembro de 1977 comandou o ataque de 3 mil policiais à PUC-SP, onde 1.700 estudantes estavam reunidos para discutir a reorganização da UNE. Não está claro a quem se refere Paulo Maluf quando fala do pesar de “todos nós”. Seria interessante perguntar o que sentem aqueles que sofreram a perseguição do coronel e de quantos, por causa dele, envergonharam-se de ser brasileiros. 150 mortes foram registradas até o dia 6, devido às chuvas nas regiões Sul e Sudeste, segundo a Secretaria Nacional da Defesa Civil CartaCapital 16 mil cidadãos estão desabrigados nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul ALAN BRITO/AE LAURO ALVES/AG. RBS/AP NIELS ANDREAS/AE •CCAsemana578.indd 16-17 1/11/10 5:04:16 PM

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cartacapital | 13 de janeiro de 2010 17

Na Europa, temperaturas de até 40 graus negativos

A onda de frio deste inverno no Hemisfério Norte assola a Europa com rigor acima da média. Diversos aeroportos do Reino Unido, um dos países mais atingidos por fortes nevascas, tiveram de interromper as atividades nos últimos dias e os que voltaram a operar enfrentam atrasos e cancelamentos de voos. Mais de 2 mil escolas britânicas continuavam fechadas até a quinta-feira 7. No mesmo dia, um trem com 260 passageiros, proveniente de Bruxelas (Bélgica) e com destino a Londres, permaneceu bloqueado por duas horas no túnel do Canal da Mancha, que liga a França à Inglaterra. Na França, 31 departamentos estão em alerta laranja – o terceiro mais grave, numa escala de quatro cores – por causa das nevascas. O centro da Europa também está sendo severamente castigado pelas tempestades de neve causadas pelo deslocamento de massas de ar do Ártico. Na Polônia, mais de 120 pessoas morreram, a maioria moradores de rua. Na Escandinávia, o frio é ainda mais intenso, com temperaturas de até 40 graus negativos.

À medida que os dias passaram, desde o fatídico 1º de janeiro, ficou mais e mais evidente que as deze-nas de mortes e os prejuízos in-calculáveis provocados pelas chu-

vas foram causados apenas parcialmente pelas condições climáticas adversas. Estas, não res-ta dúvida, têm sido especialmente severas des-de o último trimestre de 2009, sob a influência do aquecimento anormal das águas do Pacífico. Em anos passados, o El Niño, como é conheci-do o fenômeno que atinge as águas equatoriais desse oceano, também causou estragos consi-deráveis, com enchentes e deslizamentos de terra em várias cidades do território nacional.

Também não resta dúvida de que neste ano a situação foi ainda mais grave. O cenário devas-tador na pequena São Luís do Paraitinga, cida-de paulista de 20 mil habitantes encravada en-tre montanhas no Vale do Paraíba, os desmo-ronamentos em Angra dos Reis e Ilha Grande, no litoral fluminense, ou a queda da ponte so-bre o rio Jacuí, no interior do Rio Grande do Sul, sugerem que uma parcela considerável da responsabilidade pelas catástrofes ocorridas recai sobre a ação humana, como têm alertado alguns especialistas. Ou sobre a inação, con-forme o caso, de prefeituras, estados ou Minis-tério das Cidades. Em matéria de uso do solo, a regra nacional ainda é a ausência de regula-ção pública ou o descaso com as leis existentes, mantidas apenas no papel.

O caso de São Luís do Paraitinga, onde se en-contra o maior conjunto de edificações do pe-ríodo colonial do estado de São Paulo e ao me-nos 300 casas foram danificadas, ilustra bem o risco a que está exposta uma parcela conside-rável da população brasileira, cerca de 40 mi-lhões de cidadãos residentes em áreas de risco, segundo estimativa da ONG Amigos da Terra.

“As chuvas arrasaram São Luís, desmonta-ram completamente a cidade. Prefeitura, pos-tos de saúde, escolas, cartórios, parte do Fó-rum, foi tudo por água abaixo, além de cente-nas de casas”, disse a CartaCapital Luiz Anto-nio Gomes, pesquisador do Instituto de Pes-quisas Tecnológicas, ligado à USP, e chefe da equipe do IPT que chegou à cidade no domin-go 3, dois dias após a tragédia, acionada pe-la Defesa Civil estadual. “A situação lá poderá piorar porque as condições dos taludes (bar-rancos, na linguagem técnica) são muito pre-cárias. Além da previsão de novas chuvas, as casas localizadas nas margens do Paraitinga, que chegou a subir 10 metros, poderão ser afe-tadas pela pressão decorrente da vazante da água”, avalia o pesquisador.

As chuvas torrenciais por mais de doze ho-ras no Vale do Paraíba, litoral norte de São Paulo e região de Angra e Ilha Grande, na virada do ano, são apontadas como as pri-meiras razões do desastre, mas para este

A culpa não é só da natureza chuvas | A prevalência do interesse privado nas cidades brasileiras tem o seu quinhão

Tragédias. Em São Luís do Paraitinga (à esq.), 300 casas foram danificadas. No RS, uma ponte de 40 anos sem vistoria desabou

contribuíram as construções precárias e ir-regulares das encostas e várzeas, caracte-rísticas da ocupação territorial brasileira.

O técnico do IPT chama a atenção para o trabalho a ser feito daqui para a frente. Nas regiões montanhosas do País, alerta Gomes, a ampla maioria das cidades não possui um estudo geotécnico para indicar as regiões impróprias e propor obras de contenção. Es-ses estudos costumam ser deixados de lado até que o pior aconteça. É o caso de Pique-te, também no Vale do Paraíba, que viveu a sua tragédia no início de 2009. Em dezem-bro passado, a prefeitura recebeu do próprio IPT a informação de que cerca de mil edifi-cações da cidade (de um universo de 5 mil) encontram-se em situação de risco.

Em Ilha Grande e Angra, há indícios de que os interesses privados – os “urbanistas” de fato das cidades brasileiras, segundo es-pecialistas – prevaleceram de modo a abran-dar as exigências ambientais para a cons-trução civil. Foi nessa direção um decreto do governador do Rio, Sérgio Cabral, assi-nado em julho do ano passado, que permitiu a construção de casas e hotéis em zonas até então vetadas pela legislação, em uma área de proteção ambiental de 80 quilômetros do litoral e 90 ilhas próximas a Angra. O his-tórico de ocupações irregulares e em condi-ções inapropriadas no litoral brasileiro não é, porém, de responsabilidade da adminis-tração atual, muito menos restringe-se ao litoral fluminense, onde os licenciamentos ambientais não são levados a sério. É o caso da Pousada Sankay, em Ilha Grande, cons-

truída na encosta de um morro, e que veio abaixo nas primeiras horas do ano por con-ta de um deslizamento de terra. A pousada, por sinal, é anterior à alteração legal.

No caso do Rio Grande do Sul, onde 13 rodo-vias tiveram de ser interditadas por causa das chuvas, faltou ao poder público verificar as es-truturas da ponte sobre o rio Jacuí, de 314 me-tros e com mais de 40 anos de vida útil no mo-mento da queda, conforme alegação de enge-nheiros civis nos dias seguintes ao acidente.

No litoral paulista, os estragos materiais e o número de vítimas foram bem menores. Ain-da assim não faltaram evidências da precarie-dade das estradas e serviços públicos que dão acesso ao litoral norte do estado. Quem pas-sou o réveillon em Ubatuba enfrentou até 18 horas de congestionamento para chegar a São Paulo – e nada menos que 12 horas para al-cançar a vizinha Caraguatatuba, um trajeto de 54 quilômetros. A situação ali foi agrava-da pela interdição de rodovias e a falta de in-formações. No posto da Polícia Rodoviária, na praia do Félix, em Ubatuba, os policiais pre-feriram manter os telefones fora do gan-cho para não ser incomodados. “Não sabemos como está a situação na direção de Caraguatatuba, cui-damos apenas do trecho entre Ubatuba e Paraty. Parece que o jeito é rodar mais 400 quilô-metros e ir por Angra”, afirma-va, na manhã da segunda-feira 4, um desinteressado oficial respon-sável pelo atendimento. •

Morre o coronel e deixa a saudade de Paulo Maluf

“Homem de personalidade forte, combativo, político ativo e trabalhador, deixa em todos nós um sentimento de vazio.” Assim Paulo Maluf reagiu à notícia da morte, aos 85 anos, do coronel Erasmo Dias, secretário de Segurança Pública de São Paulo

nos governos nomeados pela ditadura Laudo

Natel e Paulo Egydio Martins. Chegara a tanto depois de uma carreira exitosa marcada

por afrontas variadas aos

Direitos Humanos e violentas operações

encomendadas pelo regime, e na secretaria esmerou-se para manter-se à altura do seu passado. Apoiou censura e tortura com notável e proclamado denodo e em setembro de 1977 comandou o ataque de 3 mil policiais à PUC-SP, onde 1.700 estudantes estavam reunidos para discutir a reorganização da UNE. Não está claro a quem se refere Paulo Maluf quando fala do pesar de “todos nós”. Seria interessante perguntar o que sentem aqueles que sofreram a perseguição do coronel e de quantos, por causa dele, envergonharam-se de ser brasileiros.

150mortes foram registradas até o dia 6, devido às chuvas nas

regiões Sul e Sudeste, segundo a Secretaria Nacional

da Defesa Civil

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16 milcidadãos estão desabrigados nos estados de Minas Gerais,

São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná

e Rio Grande do Sul

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