Carta-resposta ao candidato á direção em 2008 [fascistóide]

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Carta-resposta ao candidato a vice-diretor, Prof. Heraldo Lorena Guida “A moradia é foco de DSTs – Doenças Sexualmente Transmissíveis!”. Eis o que disse o  prof. Heraldo , um dos candidatos a vice-diretor, no debate realizado dia 29/08/2008 entre as duas chapas concorrentes. Diante desta fala do prof. Heraldo, os estudantes residentes á Moradia Est uda nt il desta FF C, UNE SP -Ma ríl ia, se reu nir am em Assemb léi a extrao rdi nár ia, no dia 31/08/2008, visando discutir e deliberar sobre o ocorrido. Nestes termos, decidiram pela redação de uma carta-resposta aos insultos proferidos por tal candidato. É esta que segue. A primeira coisa a ser dita é que tal afirmação, a de que “a Moradia é foco de DSTs”, é mentirosa. A sua mentira não diz respeito à veracidade ou falsidade das palavras ditas, propriamente falando, porque não importa se os Moradores têm ou não doenças venéreas; isto não diminui ou engrandece nenhum homem ou mulher. É mentira, é calúnia difamatória porque é preconceituosa. E, de fato, historicamente a Moradia estudantil é estigmatizada; não é a primeira vez que, dado o seu caráter, a Moradia ou os Moradores terão que lidar c om este tipo reacionário de afirmação. O prof. Heraldo não disse tal calúnia em qualquer momento, mas em um debate entre os candidatos a Diretor e Vice-Diretor deste campus. E isso, por si mesmo, já demonstra uma de suas intenções: isolar um segmento da faculdade dos demais, isto é, reduzir, desqualificar ou difamar os estudantes da Moradia diante da comunidade acadêmica. É como se, por meio da mentira, as demandas dos Moradores fossem diminuídas diante do fato de eles sequer saberem “se cuidar”: como os Moradores podem exigir aumento de vagas ou melhores condições de vida se eles não sabem ou não conseguem ou não são aptos até mesmo com o que há de mais básico, a sua própria saúde corporal; como podem querer mais espaço dentro das instâncias decisórias da universidade se não podem ao menos cuidar de si próprios. É como se o prof. Heraldo buscasse desqualificar todos os Moradores em todas as suas reinvindicações e, até mesmo, em sua própria presença na universidade, por meio das inverdades ditas. Mas isso não é tudo. A Assembléia dos Moradores considera a afirmação do prof. Heraldo extremamente preconceituosa, conforme já dito, e, como costuma ocorrer com as mentiras, carece de lastro na realidade da moradia. E o preconceito que ela expressa é claro: preconceito de classe. O  prof. Heraldo não é exatamente culpado pelo que disse; porque nenhum preconceito é individual; todos são e só podem ser sociais. Não poderia ser diferente neste caso. É que a universidade tal como a conhecemos, surge neste país com o objetivo de formar os filhos dos ricos, das elites, tendo em mente seu futuro: a gestão da sociedade e do estado, bem como dos negócios que lhes são  próprios enquanto elite. Mas ocorre das coisas não serem estáticas; o capitalismo e a sociedade se alteram, e com a universidade não poderia ser diferente. Quase cem anos após a criação da universidade-padrão do país, a USP, os políticos e os capitalistas passam a exigir outras coisas da universidade: mudança de rumos, reeestruturação burocrática, revisão de meios, de fins e de inícios. A universidade deve abandonar suas antiga função de formadora da elite para se voltar à massa  pobre ou empobrecida; ela, agora, deve formar mão-de-obra especializada e barata. Os Decretos Serra, o PDI, a UNIVESP, a expansão de vagas etc., são todas expressões deste apelo, deste chamado irresistível à universidade. Tal mudança não se opera do dia para noite, mas é processual, aos po ucos , gr ão po r gr ão. Se o mo vi me nt o es tudantil historicamen te se coloca co nt ra a universidade elitista do passado e presente, também nega a universidade “colégio técnico” do futuro; não é esse tipo de abertura que defendemos; não é uma abertura ao mercado, mas abertura a massa populacional do país, aos seus problemas, aos seus anseios e as suas expectativas; não abertura à especulação, mas abertura da gestão da universidade – hoje controlada por meia dúzia de altos burocratas acadêmicos; é pela via da paridade (isto é, igualdade entre professores, funcionários e estudantes) ou da proporcionalidade (isto é, cada setor representado de acordo com o seu tamanho) nos órgãos colegiados, que decidem como as coisas são na universidade; são estes os

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meios de abertura e é esta abertura que o movimento estudantil historicamente defende; já queestamos no meio do processo eleitoral, cabe lembrar que os estudantes e os funcionários valem,cada setor, 15% dos votos, a despeito de somarem 53.428 pessoas (6.837 funcionários e 46.591estudantes) no interior da universidade; ao passo que os professores, mesmo somando somente3.354 pessoas, equivalem a 70% dos votos válidos. (NOTA: dados extraídos do Portal UNESP:http://www.unesp.br/perfil/perfil.php)

Mas o discurso do prof. Heraldo é tão preconceituoso e malfadado, que o coloca nacontramão até mesmo dos capitalistas de hoje; porque a ordem da vez para a universidade é se abrir,atender aos pobres, formá-los aos montes, com baixos custos e em pouco tempo. A UNESP, por exemplo, cobrará “apenas” R$ 25,00 de inscrição no vestibular este ano para estudantes de escola pública; a UNICAMP dá pontos extras no vestibular para alunos de escola públicas, para negros eindígenas; até mesmo a sacrossanta USP apresentou ano passado o INCLUSP, programa deinclusão social em seu vestibular. Nas Universidades federais não é diferente: ReformaUniversitária, PROUNI, REUNI. Agora o capitalismo quer uma universidade que forme técnicosespecializados; é o que o mercado pede à universidade; neste contexto, desmonta-se o tripé-padrãoda universidade (ensino-pesquisa-extensão); deverá haver universidades de ensino e universidadesde pesquisa. Dado isso, o futuro da UNESP – por sua estrutura multicampi e forte presença no

interior paulista – nos já sabemos: universidade de ensino. Com seu tolo e infundado preconceito, odiscurso do prof. Heraldo é desprezível até para os capitalistas. E até mesmo ele admitiu nunca ter ido a moradia, não sabendo nem mesmo aonde ela se localiza!

 Nessa série de motivos vêem-se porque as demandas de assistência estudantil costumamsofrer tanto desprezo: porque a universidade não foi feita para os pobres. Simplesmente! Aquelesque nela adentram devem possuir condições sócio-econômicas para se manter sem trabalhar; devemser, em outros termos, ricos. Mas os pobres nunca souberam exatamente disso; e, em sua teimosia,adentraram cada vez a universidade; lutaram pelos seus direitos constitucionais, de educação pública, gratuita e de qualidade; lutaram pelo pleno acesso á coisa pública; lutaram por condiçõesde permanência na universidade, isto é, moradia estudantil, bolsas-auxílio, bolsas-acadêmicas,restaurante universitário, bibliotecas, laboratórios, etc. Mas a luta nunca termina, e as velhas

estruturas e os antigos objetivos lançam longe suas raízes e seus efeitos; lutar hoje é tão essencialquanto antes: lutar contra os velhos tabus, os antigos preconceitos e as antigas, e sempre novas,tramóias. A partir disso entende-se melhor qual o preconceito que o discurso do prof. Heraldocegamente reproduz, pois não constando o atendimento aos pobres nos fundamentos dauniversidade, não pode estar em seus meios ou fins. E, talvez, possamos tê-lo não como pré-conceito, mas pós-conceito, balizados nas próprias estruturas e no histórico da universidade.

Com este entendimento dos fatos, a Assembléia Extraordinária do estudantes da Moradiaconsidera o prof. Heraldo Lorena Guida persona non grata, não tanto por sua pessoa, mas pelo queela representa em termos de projeto de universidade e de sociedade. A Assembléia explicita aosestudantes, professores e funcionários desta FFC que suas dependências estão sempre abertas atodos aqueles que queiram conhecê-la e, se for o caso, se desfazer de seus preconceitos, ou,

vislumbrar melhor o pós-conceito. Além disso, esta Assembléia, de acordo com os dispositivos quelhe são próprios, convoca uma Assembléia Geral dos Estudantes da FFC UNESP-Marília, visandodiscutir o ocorrido, entender-lhe nos meandros e deliberar pelas ações.

Moradia Estudantil da UNESP-Marília

Marília, 1 de setembro de 2008