Carta de chico cesar a dominguinhos

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mestre dominguinhos: hoje é o dia de vossa nascença, certo? então eu resolvi contar um pouco das coisas daqui mesmo tendo certo que o mestre já está saben do de tudo. sempre soube. primeiro dizer da saudade, imensa. maior do que o bloco de carnaval do canto da ema que se espalhou pela vila madalena. tocando forró, acredita? pois foi. o povo danou-se todo a dançar arrasta-pé, frevo de sanfona, baião, calango, até xote. debaixo de chuva, solto e encangado. e cantando aos urros, e esturros . uma beleza que só vendo. velho, mulher, menino e cachorro também. tudo na santa paz. falando em santa, como vai luzia? alumiada ela. o bloco de carnaval, voltando ao assunto, tinha até dois bonecos de olinda: um teu, outro de gonzaga. conte a ele. foi paulinho

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mestre dominguinhos:hoje é o dia de vossa nascença, certo? então eu resolvi contar um pouco das coisas daqui mesmo tendo certo que o mestre já está sabendo de tudo. sempre soube. primeiro dizer da saudade, imensa. maior do que o bloco de carnaval do canto da ema que se espalhou pela vila madalena. tocando forró, acredita? pois foi. o povo danou-se todo a dançar arrasta-pé, frevo de sanfona, baião, calango, até xote. debaixo de chuva, solto e encangado. e cantando aos urros, e esturros. uma beleza que só vendo. velho, mulher, menino e cachorro também. tudo na santa paz. falando em santa, como vai luzia? alumiada ela. o bloco de carnaval, voltando ao assunto, tinha até dois bonecos de olinda: um teu, outro de gonzaga. conte a ele. foi paulinho que organizou. o próprio, do canto. o bicho tava feliz que só pinto no tempo de menino. escrevo assim pra não ferir os brios dos outros santos que devem estar lendo a carta por cima de seu ombro. falando em paulinho, encontrei dia desses paulo vanderley lá em fortaleza. muito seu amigo e guardião de sua memória, estava feliz, uma cara rosada de quem goza de boa saúde. não se preocupe com ele. mudou-se pra lá, agora tá carne e unha com valtinho do

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kukukaya. inseparáveis, mais que antes. olhe, botei esse retrato seu aí com richard galliano pra lhe contar que gravei um disco com ele em dois dias lá em recife, no estúdio fábrica. foi pei-buf. ensaiei antes com os meninos da paraíba (helinho medeiros, sanfoneiro seu fã demais, xisto medeiros, aquele baixista que gravou num gravador bem pequenininho umas melodias que o mestre me passou, e gledson meira, um ritimista de patos, professor de bateria que criou um método de zabumba estudando o mestre quartinha). quando ele chegou parecia um surfista, richard. uma espécie de jesus cristo que deus me perdoe só deslizando em cima de nossa onda. aí foi um tsunami mansinho de música. uma boniteza, mestre. falamos muito em você, gravamos coisas nossas, coisas minhas, coisas dele, coisa sua e uma especial que fizemos em sua homenagem. pois é, aqui agora é assim: até no carnaval é são joão e todo dia da semana é dominguinhos. um beijo carinhoso do planeta terra.ps: tá uma falta d'água da mulesta aqui em são paulo. o povo daqui é industrioso, até indústria da seca parece que tão importando do nordeste antigo. tem caído uma chuvinha mas peça pra são pedro mirar na cantareira. adoce

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aí a boca do homem pois dançar forró só presta cheiroso. fedido não dá, vôte! eita, saudade! seu, chico.