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LAIO MONTEIRO BRANDÃO CARPEAUX NO ESPELHO DO BRASIL: PERSPECTIVAS PARA UMA LEITURA CRÍTICA DA LITERATURA BRASILEIRA Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós- Graduação em Letras, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS BRASIL 2016

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LAIO MONTEIRO BRANDÃO

CARPEAUX NO ESPELHO DO BRASIL: PERSPECTIVAS PARA UMA

LEITURA CRÍTICA DA LITERATURA BRASILEIRA

Dissertação apresentada à Universidade

Federal de Viçosa, como parte das

exigências do Programa de Pós-

Graduação em Letras, para obtenção do

título de Magister Scientiae.

VIÇOSA

MINAS GERAIS – BRASIL

2016

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LAIO MONTEIRO BRANDÃO

CARPEAUX NO ESPELHO DO BRASIL: PERSPECTIVAS PARA UMA

LEITURA CRÍTICA DA LITERATURA BRASILEIRA

Dissertação apresentada à Universidade

Federal de Viçosa, como parte das

exigências do Programa de Pós-

Graduação em Letras, para obtenção do

título de Magister Scientiae.

APROVADA: 02 de maio de 2016.

__________________________________

Lyslei de Souza Nascimento

__________________________________

Nilson Adauto Guimarães da Silva

__________________________________

Edson Ferreira Martins

(Coorientador)

__________________________________

Joelma Santana Siqueira

(Orientadora)

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O talento se desenvolve na solidão; o caráter, na agitação do mundo.

- Goethe.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Universidade Federal de Viçosa e a Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior por propiciarem a realização desse

estudo, bem como aos orientadores e à banca julgadora por me honrarem com seus

apontamentos, fazendo com que o trabalho fosse realizado com a devida seriedade

acadêmica. Ademais, e sobretudo, a Deus e aos meus.

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SUMÁRIO

RESUMO ......................................................................................................................... v

ABSTRACT .................................................................................................................... vi

1. Introdução.................................................................................................................. 1

1.1. Sócrates, Platão e Aristóteles: a lição e o exemplo grego ................................. 4

1.2. Intelectuais, instituições, cultura e sociedade .................................................. 16

2. Estado da Questão - Um espelho do Brasil: breve desenvolvimento histórico da

crítica literária no país. ................................................................................................... 23

3. Otto Maria Carpeaux ............................................................................................... 72

3.1 Twice born – Breve História de um Crítico Ocidental .................................... 72

3.2 Introdução ao método – os três problemas da historiografia crítica literária de

Carpeaux ..................................................................................................................... 92

3.3. Pessimismo sem tragédia, existencialismo sem redenção – Machado de Assis, um

brasileiro universal. .................................................................................................. 104

3.4. O “eu” e o “outro”, o individual e o coletivo em Carlos Drummond de Andrade

.................................................................................................................................. 116

4. Considerações finais .............................................................................................. 129

5. Referências Bibliográficas ..................................................................................... 138

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RESUMO

BRANDÃO, Laio Monteiro, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, maio de 2016.

Carpeaux no espelho do brasil: perspectivas para uma leitura crítica da literatura

brasileira. Orientador: Joelma Santana Siqueira. Coorientador: Edson Ferreira Martins.

As histórias da crítica e da literatura misturam-se ao longo de um dado processo

cultural. Entretanto, o processo de formação de cada uma tem suas particularidades.

Sendo assim, buscar-se-á, ao traçar um resumido trajeto da história da crítica literária

brasileira, situar a atividade crítica de Otto Maria Carpeaux, contrapondo-o a seus pares

de ofício. Evidenciando algumas peculiaridades de outros autores nacionais, para que

não se cometa a generalização de enquadrá-los em bloco, o trabalho busca ressaltar as

grandes áreas de atuação crítica, as “instâncias de legitimação” de Bourdieu. Nas

últimas décadas, a crítica literária jornalística vem encontrando alguns impasses,

principalmente em relação à velocidade do mercado editorial e da informação, em

detrimento do espaço físico cada vez menor, impedindo a possibilidade de

aprofundamento nos temas abordados. A partir do debate sobre as funções,

características e dificuldades da atividade crítica, o presente trabalho busca apresentar

algumas sugestões sobre a crítica literária baseado nas contribuições feitas por Otto

Maria Carpeaux ao longo de sua atividade como crítico, intelectual público, historiador

da literatura e jornalista. Sendo assim, buscar-se-á destacar as características

fundamentais de Carpeaux em função de seu método, fornecendo perspectivas para uma

leitura da literatura brasileira a partir de seus Ensaios Reunidos.

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ABSTRACT

BRANDÃO, Laio Monteiro, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, May of 2016.

Capeaux in the Brazil mirror: perspectives for a critical reading of the brazilian

literature. Adviser: Joelma Santana Siqueira. Co-Adviser: Edson Ferreira Martins.

The histories of criticism and literature are mixed over a given formation process and

cultural development. However, the formation process of each one has its particularities.

Therefore, the aim of this work, in tracing a brief trajectory of the history of Brazilian

literary criticism, is to situate the critical activity of Brazilian author Otto Maria

Carpeaux, contrasting him with his occupation peers. Evidencing some peculiarities of

other national authors, in order not to commit the generalization to fit them as a single

block, the work intends to emphasize the main areas of critical activity, the Bourdieu’s

legitimation offices. In recent decades, the journalistic literary criticism has found some

dead ends, especially for the speed of publishing and information, to the detriment of

the over and over small physical space, hindering the possibility of to get deep into the

discussed topics. From the debate about the functions, characteristics and difficulties of

the criticism activity, the current study intends to introduce some suggestions upon the

literary criticism based on the contributions done by Otto Maria Carpeaux along his

activity as a critic, public intellectual, literature historian and journalist. Thus, it will

intend to point the fundamental characteristics of Carpeaux in function of his method,

providing some perspectives to read the Brazilian literature, according to his Collected

Essays.

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1. Introdução

Tal qual ocorre no processo de formação da personalidade individual, são vários

os fatores que contribuem para a caracterização de um grupo – sendo tanto mais

complexo o processo quanto maior a comunidade. A literatura é um desses fatores.

Assim como a religião, a língua, a matriz étnica; ou guerras, catástrofes, processos

políticos e demais fenômenos capazes de deixar uma impressão profunda num povo.

Entretanto, ao se privilegiar a literatura como fator de influência, tem-se a

condição de que a expressão literária possui a potência, aqui tomada no sentido

aristotélico do termo1, de transmitir a reunião de todos os outros fatores, operando como

suporte, como catalizador da amálgama de fatores que caracterizam uma cultura2. E

concretizando potência em ato, constituir-se como forma capaz de exprimir e comunicar

ideias e devolver à sociedade a expressão artística de uma dada realidade, exercendo

sobre ela influência. Cumprindo assim o velho ciclo da literatura e da sociedade, qual

seja a relação dialética de que a sociedade é a matéria prima, a fonte, da qual a literatura

extrai suas bases criativas para devolver ao público sua representação literária,

configurando uma interação de influência mútua e ambivalente (CANDIDO, 2006).

A literatura, enquanto espaço virtual de possibilidades reais e imaginárias, de

relatos históricos ou simbolizações metafísicas, é fluido estético que contribui para que

diferentes indivíduos compartilhem experiências e sensações por meio da contemplação

de objetos para além de sua condição material imediata. É um dos instrumentos que

fazem a ponte abstrata entre entes de diferentes condições palpáveis e particulares,

1 A saber, a possibilidade de efetivar uma possibilidade latente, que pode ou não vir a se concretizar,

assim, a literatura enquanto prática tem a potência de exercer essa influência social e no imaginário,

mediante o grau de influência que ela exerça. Um livro não lido, por exemplo, ainda que contenha arte

literária em suas páginas, só é influente em possibilidade virtual, e um livro lido também – já que a

influência deste pode ser nula. 2 Sabemos e reconhecemos as diversas formas de conceber o conceito, portanto é oportuno esclarecer a

acepção aqui assumida para o desenvolvimento do trabalho, evitando prejuízo de compreensão e a falsa

impressão de que o discursio se desenvolve à revelia dessa diversidade presumindo o termo de forma

unívoca. Portanto, considerando o conteúdo específico sobre o qual se debruçam presente estudo, mostra-

se suficiente a distinção feita pelo professor Miguel Reale, pela qual delimita a cultura no sentido

antropológico/civilizacional, como “o conjunto de bens que as gerações acumulam ao longo do tempo,

transformando a natureza para que ela possa ser utilizada em função dos interesses e valores humanos”, e

pelo cultural intelectual, artístico e filosófico, o “aprimoramento do espírito para gozo e fruição de valores

mais altos (...), da inteligência, da sensibilidade e da vontade”. (REALE, 2001, p.11). Embora

reconhecendo a inter-relação e influência mútua de ambos, privilegiamos aqui a segunda, com finalidade

de delimitação do campo de observação.

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colaborando para a lubrificação da engrenagem social por meio do imaginário – ou

realizando até mesmo o processo inverso, confundindo e emperrando conforme a

recepção.

Dessa forma, o fator crítica literária é introduzido na grande dinâmica da

caracterização cultural, no sentido apontado por Frye de que “é missão do crítico

público mostrar como um homem de gosto usa e avalia a literatura, e assim apontar

como a literatura deve ser consumida pela sociedade” (FRYE, 1973, p. 16). Procedendo

como verdadeiro filtro do consumo de bens culturais, o crítico tanto mais influenciará

nos hábitos literários de um determinado público tanto maior for sua tribuna,

influenciando assim, direta e indiretamente, no influxo da literatura sobre a sociedade.

Concepção que variou ao longo dos tempos, pois a influência do crítico, entretanto, não

se garante cronologicamente apenas pela “instância” ocupada, nos termos de Pierre

Bourdieu, como se verá, mas também por sua assimilação perante o público presente e

futuro, condicionado pela asserção e riqueza do que por ele fora dito e também pela

acomodação dessas análises às mudanças culturais de contextos históricos diferentes.

Conforme observado por Alcir Pécora:

O tempo modifica os objetos de acordo com as leituras que vingam. E os

objetos que ficam, como as leituras que vingam, não são o resultado de uma

operação de justiça eterna. Intérprete e objeto partilham a mesma

contingência, e os que se tornam canônicos, apenas resultam assim, calham

de ser assim, sem que nenhuma garantia de qualidade eterna ou selo de

validade por tempo indeterminado se estabeleça com isso. (PÉCORA, 2004)3.

A crítica literária é matéria antiga nas humanidades e nas faculdades de Letras,

se considerarmos, por exemplo, como indício da atividade crítica e judicativa a Poética,

de Aristóteles (SOUZA, 2014). Por vezes, até mesmo rivaliza com a própria Literatura,

tanto em estilo quanto em espaço e audiência. Como disseram Daniel Pageaux (2011) e

Ivan Teixeira (2006), a comparação literária e crítica são atividades de fundamental

importância que demandam método e, sobretudo, abrangência de referências, por

precaução de determinismo e pelo universo de fatores que influem na produção e

emanam de sua interpretação:

Nesse processo, mesmo os fatos mais obviamente brutais e aparentemente

desconexos integram um sistema de rigorosa organização simbólica, que

atribui conexão estrutural ao que parece disperso (...). Por essa perspectiva, a

3"Momento Crítico: meu meio século" por Alcir Pécora. Disponível em <

http://www.germinaliteratura.com.br/enc_pecora_jan5.htm > Acesso em 15 fev. de 2016.

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literatura não será entendida como reflexo da sociedade. Nem a cultura se

explicará como fator condicionante dos temas e das formas da arte de um

período. Ao contrário, o texto artístico, organicamente integrado ao conjunto

das práticas sociais, constituirá parte da própria cultura de uma dada

coletividade em um momento específico de sua história. Nesse sentido, a

análise cultural – de que a crítica literária será parte – não deve se concentrar

tanto na observação dos fatos e dos costumes quanto na mecânica das

construções simbólicas que os membros da coletividade elaboram para

mimetizar a experiência de seu tempo (TEIXEIRA, 2006, p.32-35).

A crítica e a literatura misturam-se ao longo de um dado processo cultural e

literário. Entretanto, o processo de formação de cada uma tem suas particularidades.

Sendo assim, no trabalho a seguir, buscar-se-á, ao traçar um resumido trajeto da história

da crítica literária e análise cultural brasileira, situar a atividade crítica do ensaísta Otto

Maria Carpeaux no campo da crítica literária nacional. Evidenciando algumas

peculiaridades de outros autores nacionais, objetiva-se destacar as características

fundamentais de Carpeaux em função de seu método e como ele foi e pode ser

empregado na literatura brasileira, por meio da análise e descrição crítica de seus

ensaios sobre Machado de Assis, “Uma Fonte da Filosofia de Machado de Assis” e

Carlos Drummond de Andrade, em “Fragmento sobre a Poesia de Carlos Drummond de

Andrade”.

Valorizando, sobretudo, o aspecto metodológico, o estudo será desenvolvido em

diversas camadas que visam discutir o cenário das influências intelectuais que

contribuíram para a crítica e historiografia da literatura brasileira. Traçando um percurso

cronológico que auxilie como base para a análise principal, a crítica de Carpeaux, e

assim demonstrando como ao longo do tempo as referências e influências vão

modificando pontos de vistas e perspectivas de um setor tão caro à cultura de um povo

como a produção artística e sua crítica.

Por ambicioso que pareça, e inadequado ao propósito do presente projeto, o

estudo desse percurso histórico não pretende esgotar a questão viva e pulsante da

constituição da identidade da literatura brasileira, tão pouco ingressar ele próprio nesta

disputa, mas esboçar um cenário suficiente para sustentar o objetivo de situar o crítico

austro-brasileiro no percurso atividade crítica brasileira, por necessário que seja,

ensaiando uma interpretação da literatura nacional sob seu método. Dessa maneira,

realizando a projeção de Carpeaux no espelho do Brasil.

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1.1. Sócrates, Platão e Aristóteles: a lição e o exemplo grego

"Estremecemos ao pensar no que é preciso de buscas para

chegar à verdade sobre o mais sutil pormenor" – Stendhal4

A se considerar a crítica como mais uma instância do debate público, e prática

secular cujos modelos variaram desde a avaliação estática segundo os modelos prévios

da gramática, da retórica e da poética na antiguidade (SOUZA, 2011) ao

impressionismo diletante dos homens de letras do jornalismo na modernidade, deve-se

valorizar os princípios assumidos pelo crítico. Sendo o conjunto da atividade crítica

como um todo, acadêmica ou jornalística, especializada ou diletante, a reunião dos

discursos a respeito da expressão literária, a prática se insere na dinâmica da disputa de

versões enquanto tentativa de interpretação e explicação de fenômenos e objetos,

segundo saliente Coutinho:

No século XX, essas duas linhagens da “crítica literária” continuaram a se

fazer presentes, tendo inclusive, com o desenvolvimento dos estudos

literários, ocasionado sérias divergências e intensas polêmicas, pelo

radicalismo a que muitas vezes chegaram os defensores de uma ou de outra

posição (COUTINHO, 2009, p.139).

Pelo que se costuma chamar “fortuna crítica”, entende-se a acumulação histórica

das análises de determinados autores e suas obras. Sendo assim, ao longo do tempo,

versões e explicações vão sendo renovadas e consagradas, reparadas e superadas,

sempre em busca de um nível maior de confiabilidade e compreensão dos diversos e

sugestivos matizes literários que uma obra sugere, como observa Bourdieu, para quem a

construção dos discursos sobre a obra influencia no processo de conceber e consolidar o

seu sentido, que é constituído e assimilado no contexto em que se encontra

(BOURDIEU, 1996). Nesse âmbito “dialético”, metodológico e interpretativo da

atividade crítica, o exemplo clássico do pensamento grego ainda tem muito a significar

enquanto simbolização histórica da busca pela compreensão, da importância do debate e

do desenvolvimento da metodologia analítica.

Foi Sócrates quem desenvolveu os rudimentos dessa busca por entendimento,

um método pelo qual a investigação de um assunto poderia alçar maior precisão de

4 apud BOSI, A. Historia concisa de literatura brasileira. 3ed. Sao Paulo: Cultrix, 1982, p.384.

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resultados. Além do mais, o procedimento dava até mesmo a leigos, alheios ao tema sob

análise, a possibilidade de acompanhá-lo, ainda que o tema fosse além de suas

possibilidades intelectuais, visto que a dinâmica da contestação com perguntas e

questionamentos faria com que o debate caminhasse sempre mais rumo à precisão, e à

identificação e reparação das contradições. “O método usado por Sócrates no seu

ensinamento foi o do diálogo articulado em dois momentos: o irônico-refutatório e o

maiêutico” (REALE et ANTISERI, 2003, p.92). Daí que fosse possível o filósofo

dialogar com qualquer indivíduo de Atenas, seja nas reuniões particulares da alta

sociedade, seja na rua com transeuntes e desconhecidos5.

É que não apenas a filosofia, mas a personagem6 que por excelência a

encarna nos diálogos platónicos pertence, por hábito e por opção, à esfera

citadina – à ágora, às ruas, aos ginásios ou às casas dos homens abastados. Aí

recruta Sócrates a generalidade dos seus interlocutores, sem os quais não há

obviamente o dialegesthai, a conversa de que se gera e alimenta a actividade

filosófica. De uma forma ou de outra, esta aparece nos diálogos vinculada à

polis ou, pelo menos, a um conceito de polis que nela desabrocha, através do

intercâmbio privilegiado com outras formas de reflexão, de adesão ou de

ruptura, que a oratória e o drama quotidianamente fomentam (AZEVEDO,

2011, p.68).

O fenômeno universal socrático da contradição, do confronto cujo atrito gera a

iluminação da consciência, suplantou o misticismo, a profecia, o pacto divinatório, visto

que o método investigativo instaurado pelo velho grego abriu a possibilidade para o

encontro e a percepção de verdades universais independente de quem as proferisse.

Decaindo daí a autoridade do emissor e deslocando o foco para a mensagem. Surgia a

autoridade do argumento, perecia o argumento da autoridade.7 Dessa forma, “desnudar a

5 Reza a lenda que o oráculo profetizou que homem mais inteligente do que Sócrates não havia. Firme em

sua proposição do sei que nada sei, o ateniense saía às ruas perguntando aos transeuntes a respeito de uma

infinidade de coisas as quais ele ignorava “El gobernante, el zapatero, el militar, la cortesana, el sofista,

todos reciben las saetas de sus preguntas” (MARÍAS, 1980, p.60.). Ironicamente, seus interlocutores

sempre eram levados à contradição e ao ridículo, mostrando que tanto eles como Sócrates pouco sabiam

das coisas – mas que os outros sabiam ainda menos, confirmando o oráculo. 6“A personagem” é Sócrates. 7 Dessa condição provém a famosa análise de Nietzsche, segundo a qual o surgimento de um

“socratismo” foi o responsável quase natural da suplantação do teatro e tragédia grega como elementos de

explicação dos fenômenos da realidade e da existência humana para a comunidade grega; utilizando para

tanto a razão dialética em detrimento do instinto sensível e do mito alegórico: “de modo que se poderia

considerar Sócrates como o específico não-místico, no qual, por superfetação, a natureza lógica se

desenvolvesse tão excessiva quanto no místico a sabedoria instintiva. (...)A Sócrates, porém, parecia que

a arte trágica nunca "diz a verdade" : sem considerar o fato de que se dirigia àquele que " não tem muito

entendimento", portanto não aos filósofos: daí um duplo motivo para manter-se dela afastado. Como

Platão, ele a incluía nas artes aduladoras, que não representam o útil, mas apenas o agradável, e por isso

exigia de seus discípulos a abstinência e o rigoroso afastamento de tais atrações, tão pouco filosóficas(...).

(NIETZSCHE, 1999, p. 86-87).

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alma” (REALE et ANTISERI, 2003) do falante mediante constante interrogação

resultava quase sempre na demonstração de sua insuficiência e falibilidade, de modo

que expunha que nem tudo o que dissesse era verdade; como nem toda verdade

dependia de sua vontade, ou que verdade fosse só porque socialmente admitida.

Condição mais claramente ilustrada pela matemática e suas demonstrações universais de

explicação de fenômenos reais e da realidade imediata – como demonstração de que a

soma do quadrado dos catetos resulta no quadrado da hipotenusa, independente de quem

realize a equação. A técnica socrática chamou-se dialética, e seu prêmio foi pagar com

a própria vida a destronização dos poderosos e a queda do misticismo.

Sócrates foi, na tradição filosófica, o pioneiro na afirmação da capacidade

individual de superação de crenças convencionais, o senso comum, ao passo que a partir

de então o indivíduo pôde alcançar, pela dialética socrática, a visão direta, não

simbólica, da verdade possível. Tendendo “de modo consciente a despojar a alma da

ilusão do saber, curando-a dessa maneira a fim de torná-la idônea a acolher a verdade”

(REALE et ANTISERI, 2003).

Mas o que fazer diante da condição universal e inegável de que tudo pode ser

questionado, ainda que reconhecida e comprovadamente seja verdade? Apesar do

fenômeno socrático de ter descoberto uma nova faculdade humana, a razão calcada na

técnica dialética do diálogo apurador, não havia exatamente uma dialética precisa.

Como quem inventa um novo protótipo ou descobre um novo objeto de estudo, o

subversivo de Atenas não poderia ter dado à sua recém-descoberta sua forma acabada e

definitiva. Havia ainda muitos recursos de retórica e sofística em sua atuação, pois

Sócrates não tinha o compromisso com a precisão da técnica, mas a utilizava conforme

lhe aprouvesse, já que sua finalidade era a educação da alma para o desenvolvimento

das virtudes, mediante a ética na busca da verdade; ou seja, era um exercício

metodológico com propósito pedagógico, uma forma mentis, e não a aplicação prática

deste já sobre um objeto. Era necessário sair do puro racionalismo e entrar na

especificidade das coisas, aplicar o método a coisas reais.

O discurso de Sócrates trouxe urna série de aquisições e novidades, mas

também deixou em aberto urna série de problemas. (...) O logos e o

instrumento dialógico que se funda inteiramente no logos não bastam para

produzir ou, pelo menos, para fazer com que a verdade seja reconhecida e

para fazer com que se viva na verdade (REALE et ANTISERI, 2003, p.103-

104).

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Antigo discípulo de Crátilo, e nascido em 427 a.c, o jovem Platão será o futuro

registro concreto do projeto socrático. Filho de família aristocrática, tradicional e

influente, o futuro discípulo de Sócrates era um talento para quem a filosofia estava em

plano secundário8. Entretanto, após anos de convívio e aprendizado, a formação

intelectual e os objetivos de Platão foram se modificando. Com forte influência dos pré-

socráticos, Platão fora orientado a se afastar do misticismo e de seu veio poético9 – o

que ocorreu, embora, apenas em parte, como se verá.

O mais proeminente discípulo socrático, Platão ingressou definitivamente na

história da filosofia e das idéias não só pelo mérito de ter eternizado em seus escritos a

figura inédita de seu mestre, mas por ter apresentado ao mundo a forma mais

aproximada e inteligível da filosofia mesma de Sócrates, cujo pensamento foi todo

desenvolvido na etérea forma da oralidade. “Deste modo, seu filosofar assume uma

dinâmica deliciosamente socrática, na qua1 o próprio leitor é envolvido na tarefa de

extrair maieuticamente a solução dos problemas suscitados e não explicitamente

resolvidos” (REALE et ANTISERI, 2003, p.131). Vivendo num período em que a

escrita está se tornando recurso efetivo de registro cultural e intelectual, Platão dá um

passo adiante ao formalizar o que em Sócrates era ainda primitivo; os diálogos, como

acrescenta Azevedo:

No Fedro, vemos já configurar-se, com nitidez, esta nova ordem de

interesses. As reflexões sobre o discurso (logos) escrito e o discurso oral, que

dominam a segunda parte do diálogo, tomam como ponto de partida o Egipto,

o país por excelência da escrita. (AZEVEDO, 2011, p.71).

Àquela altura, a dialética permitia elevar a discussão sempre a um novo patamar

de confiabilidade, conduzindo-a cada vez mais a um afunilamento de possibilidades,

eliminando falsas concepções. Entretanto, como organizar uma investigação de modo a

concebê-la de forma acabada? Como encerrar o processo ininterrupto de pergunta e

8 Platão, assim como muitos outros iniciantes e aprendizes da época, frequentou o círculo socrático não

com o objetivo fazer filosofia pura e propriamente, mas de ter nela recurso de alto valor para atuação na

vida pública, “ou seja, não para fazer da filosofia a finalidade da própria vida, mas para melhor se

preparar, pela filosofia, para a vida política”. (REALE et ANTISERI, 2003, p.132) 9 A Sócrates, porém, parecia que a arte trágica nunca "diz a verdade" : sem considerar o fato de que se

dirigia àquele que " não tem muito entendimento" , portanto não aos filósofos: daí um duplo motivo para

manter-se dela afastado. Como Platão, ele a incluía nas artes aduladoras, que não representam o útil, mas

apenas o agradável, e por isso exigia de seus discípulos a abstinência e o rigoroso afastamento de tais

atrações, tão pouco filosóficas; e o fez com tanto êxito que o jovem poeta trágico chamado Platão

queimou, antes de tudo, os seus poemas, a fim de poder tornar-se discípulo de Sócrates. (NIETZSCHE,

1999, p. 87-88).

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resposta? O conteúdo das formas e das idéias é imperfeito e alusivo, portanto a dialética

não alcança a definição exata. Era necessário definir conceitos e chegar a conclusões.

O desafio consistia em como encontrar essas definições. A dialética nos moldes

socráticos não chegava a esse ponto, pois o questionamento era sempre possível. Platão

estava consciente da impossibilidade de um enunciado final da teoria que deveria

orientar o filósofo. Como alcançar o definitivo, o eterno, o universal, se a dialética não

cumpre o que o promete? Sua saída foi incluir o mito, conforme acrescenta Giovanni

Reale:

Platão recupera, além disso, o valor cognoscitivo do mito como complemento

do logos: a filosofia platônica se torna, na forma do mito, uma espécie de fé

raciocinada, no sentido de que, quando a razão chega aos limites extremos de

suas capacidades, deve superar intuitivamente tais limites, desfrutando as

possibilidades que se lhe oferecem na dimensão da imagem e do mito

(REALE et ANTISERI, 2003, p. 131).

Formalmente, então, de Sócrates para Platão há uma passagem da dialética oral

para o diálogo escrito auxiliado pelo mito alegórico como recurso discursivo, não

havendo ainda um enunciado totalmente lógico para uma teoria definitiva do

conhecimento. Dessa maneira, como formalizar a busca pelo conhecimento e orientar a

sociedade, se sua doutrina estará ilustrada em mitos explicativos, que embora

funcionassem como instrumento de expressão, estariam sujeitos a

reinterpretações/ressignificações variadas?

Em Platão a discussão chegou num nível de discurso tão inviável para o ouvinte,

tão demasiado complexa que a extensão da explicação por extenso seria tão grande, que

só o mito aproximativo seria capaz de ilustrá-la e encerrá-la, pois “o filósofo ressurge

no reencontro com o artista. Em grande medida, as razões desse fenômeno residem em

que nos diálogos de Platão lemos o grande drama do conhecimento e da pesquisa”

(COSTA, 2013, p.33). Daí haver em todos os diálogos platônicos a passagem da

dialética para o mito. Por conseguinte, o deslocamento do eixo material, sensível e

evidente da realidade, para o ideal, metafísico e imagético do mito:

Se observarmos com cuidado, todo o resto do diálogo Fedon não será senão

variação sobre o tema colocado por esse mito inventado pelo filósofo, a

saber, a diferença radical entre dois termos que ao mesmo tempo estão

necessariamente relacionados. Com efeito, é assim que o sensível se

relaciona com o inteligível, o múltiplo se relaciona com o uno, o que

participa da idéia se relaciona com a idéia (BOCAYUVA, 2014, p.115-116).

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9

Filosoficamente, o processo que resumia a dialética pelo mito era o que Platão

chamava de "segunda navegação” 10. Sendo esta, literalmente, a passagem da evidência

à abstração, o mundo inteligível das formas absolutas de questões reais. Eis mais um

mérito do platonismo, a investigação de coisas específicas, o método dialético aplicado

a objetos e não mais como mero exercício.

Em Fedro11, consagrou-se o famoso diálogo a respeito da natureza das almas e

dos homens, “a que corresponde aqui o mito do ‘cortejo celeste’ das almas”

(AZEVEDO, 2011, p.71). Segundo Platão, na escala evolutiva dos arquétipos humanos,

cada alma estaria diretamente relacionada a um tipo de indivíduo de acordo com a

capacidade daquela de ter contemplado o mundo das ideias. Entretanto, no caminho até

lá, antes que retornassem aos corpos as almas passariam por diversas tribulações onde a

habilidade em superá-las é que determinaria sua capacidade de observar o trajeto, o

processo, o entorno e desenvolvesse maior consciência da realidade:

Pois bem: a realidade que realmente não tem cor, nem rosto, e se mantém

inatingível; aquela cuja visão só é proporcionada ao condutor da alma pelo

intelecto; aquela que é patrimônio do verdadeiro saber, é essa verdade que

ocupa efectivamente aquele lugar. Daqui se infere que o pensamento de um

deus se alimenta de inteligência e de sabedoria puras, assim como o

pensamento de todas as almas que se dedicam à procura do alimento que

mais lhes convém quando, no decorrer do tempo, puderam aperceber-se da

realidade, é nesse lugar que as almas encontram a possibilidade de

contemplação das realidades verdadeiras (a qual é uma alimentação

benfazeja), até que o movimento circular as faz retornar ao mesmo ponto.

Enquanto este movimento dura, a alma pode contemplar a Justiça em si

mesmo, bem como a ciência, pois ela tem na sua frente, sob os seus olhos,

um saber que nada tem a ver com este que conhecemos, sujeito às

modificações futuras, que se mantém sempre diversificado na diversidade dos

objectos aos quais se aplica e aos quais, nesta existência, damos o nome de

seres. (...) Estas tentam tudo para serem dignas de seguir os deuses, erguendo

para cima a cabeça do cocheiro mas, perturbadas pelos corcéis que puxam o

carro, apenas conseguem vislumbrar as realidades. Tão depressa levantam

como baixam a cabeça e, como não conseguem dominar a desarmonia dos

corcéis, apenas vêem algumas realidades, mas não conseguem ver outras12

(PLATÃO, 2000, 247c-248b).

10 A "segunda navegação", portanto, leva ao reconhecimento da existência de dois planos do ser: um,

fenomênico e visível; outro, invisível e meta-fenomênico, captável apenas com a mente e, por

conseguinte, puramente inteligível (REALE et ANTISERI, 2003, p. 139). 11 Quarto livro da terceira tetralogia aceita pelos historiadores, lançado depois d’O Banquete, Fedro é o

diálogo que “explica, a la vez, el origen del hombre, el conocimiento de las ideas y el método intelectual

del platonismo” (MARIAS, 1980 p.46). 12 Quanto às almas divinas, ambos os cavalos são dóceis, não oferecendo qualquer trabalho ao condutor.

Entretanto, os cavalos alados das almas humanas são de natureza radicalmente diversa, sendo um dócil,

obediente ao cocheiro e o outro rebelde e que sempre puxando o carro para baixo, dificulta a visualização

das idéias na planície elevada da verdade (BOCAYUVA, 2014, p.116).

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10

Na equiparação da alma a um cocheiro que guia dois corcéis alados de

tendências contrárias – um, que arrasta para a terra, outro, que segue dócil no sentido

do mundo celeste das formas divinas – (AZEVEDO, 2011), as almas mais elevadas

seriam aquelas que conseguiram sanar o conflito entre os cavalos e, naturalmente,

aportariam no corpo dos filósofos, daí serem eles os tipos mais sábios:

Todavia, uma lei existe que prescreve que, no primeiro nascimento, uma

alma que não pode entrar no corpo de um animal; aquela que maior número

de verdades tenha contemplado, está destinada a implantar-se no sêmen de

onde se gerará um filósofo, um esteta ou um músico; a alma de segundo grau

animará o corpo de um rei obediente às leis ou o de um guerreiro hábil na

estratégia; a alma de terceiro grau animará o corpo de um político,

economista ou financeiro ; a de quarto grau animará o corpo de um atleta ou

de um médico ; a de quinto grau terá direito a dar a existência a um profeta,

ou a um adivinho consagrado em qualquer forma de iniciação; a de sexto

grau será a do poeta, ou de qualquer outro criador de imitações; a de sétimo

grau será um artesão ou um camponês; a de oitavo será a do sofista, cuja arte

consiste em lisonjear o povo, a demagogia; a de nono grau corresponderá a

um tirano” (PLATÃO, 2000, 248d).

Surgia assim, uma vez mais, um novo dilema. Como orientar os indivíduos, se

seu sistema estará baseado em mitos? Eles teriam sempre que decifrar os mitos,

podendo decifrar errada ou equivocadamente, ou ainda entrar em disputa uns com os

outros, questionando-se entre si sobre qual deles teria melhor decifrado a questão.

Portanto, como condensar uma forma, uma linguagem universalmente acessível? Como

extinguir a dúvida? Como avançar o nível de conhecimento e compreensão?

Se Sócrates priorizou a razão, descobrindo a dialética, Platão prosseguiu a busca

pelo conhecimento formalizando a técnica dialógica, especificando agora objetos bem

delimitados de análise, tendo como impasse a exposição das conclusões, ou até mesmo

a verbalização delas. A técnica passará por aperfeiçoamentos contínuos e ganhará forma

precisa com Aristóteles:

A forma dos escritos platônicos é o diálogo, transição espontânea entre o

ensinamento oral e fragmentário de Sócrates e o método estritamente didático

de Aristóteles. No fundador da academia, o mito e a poesia confundem-se

muitas vezes com os elementos puramente racionais do sistema. Faltam-lhe o

rigor, a precisão, o método, a terminologia científica que tanto caracterizam

os escritos do sábio estagirita (FRANCA, 1965, p.49).

É com o estagirita, portanto, que a busca por compreensão e explicação dos

fenômenos e das coisas adquire forma e substância próximas às que se tem hoje.

Desenvolvendo um verdadeiro sistema, cujas partes todas elas diferentes e passíveis de

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11

abordagem independente, o discípulo de Platão operou um verdadeiro tour de force na

estrutura racional do homem. Dando continuidade ao impasse platônico, Aristóteles

acrescentou ao método dialético também o empírico, substituindo o mito pela

demonstração lógica (BOUTROUX, 2000).

A principal diferença entre os dois, pode-se dizer, não ocorreu quanto a um

projeto de filosofia em si, visto que esses mais se complementam do que se excluem,

mas no âmbito dos interesses. Tendo sido Platão um amante das matemáticas, a

abstração era privilegiada em detrimentos dos fatos concretos em sua forma de

raciocinar, ao passo que seu discípulo demonstrou não só contínuo interesse pela

realidade objetiva (REALE et ANTISERI, 2003), como desde cedo teve influência de

seu pai, médico, na observação e manipulação de objetos empíricos, o que o levou a

aproximar-se da biologia ao longo dos anos. Na biologia, Aristóteles nunca desenvolveu

investigações apenas com base em argumentos; embora ele pudesse basear-se apenas

neles quando contestasse alguns conhecimentos anteriores (FERIGOLO, 2012).

A observação empírica revolucionou qualquer concepção contemplativa e

investigativa até então desenvolvida. Ao realizar o recolhimento e a distinção crítica de

todos os dados possíveis existentes para daí retirar suas conclusões, o filósofo aprimora

o que em Sócrates e Platão era dialógico e coletivo – reunindo sejam opiniões, sejam

evidências físicas a respeito de um determinado objeto, Aristóteles deu ao homem

possibilidade da investigação solitária, e ainda assim dialética, como se verá. Assim, do

que a realidade concreta lhe oferecia, instituiu os princípios metodológicos das ciências,

a observação, comparação, diferenciação e categorização dos objetos. “As Categorias13

são o estudo no qual se faz a distinção dos ‘predicamentos’ dos seres, entes, substâncias,

coordenando-os até o limite possível da diferenciação de seus gêneros” (SANTOS,

1960, p.13).

Aplicando a classificação de todo objeto pelo qual tivesse interesse, o estagirita

deu início à distinção das singularidades das áreas do conhecimento, afirmada pela

especificidade dos objetos. A começar pela biologia, com seu reino, filo, classe, ordem,

família, gênero e espécie, escala crescente de especificação dos seres, dentro das quais

são categorizados por suas semelhanças, e separados por suas diferenças, “assim, o que

13 Tradução brasileira do Organon, “categoria” é o estudo dos predicamentos, que vem do latim

cathegoria e também praedicamentum, em grego Kathegoria.

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12

se predica do gênero, predica-se da espécie, mas nem tudo o que se predica da espécie

predica-se do gênero”, pois “o que se predica essencialmente de um superior predica-se

de seus inferiores” (SANTOS, 1960, p. 25). Ao ser transposta para a linguagem, a

distinção das categorias resulta numa lógica orgânica unificadora, como a formulação

"Sócrates corre", se formos “decompô-la: obteremos ‘Sócrates’, que entra na categoria

de substância, e ‘corre’, que se enquadra na categoria do ‘fazer’” (REALE et

ANTISERI, 2003, p.227), era o princípio da diferenciação dos termos linguísticos

referidos na realidade, o princípio da gramática.

Desse mesmo procedimento nascerão a poética, a retórica, a dialética

sistematizada, a gramática, o corpus da biologia, a anatomia comparada e o princípio de

outras ciências. A lógica é o modo pelo qual o pensamento se realiza, sobre a base de

quais elementos e segundo qual estrutura. O que confere coerência, portanto.

Procedendo dessa forma:

Suas dissertações filosóficas são geralmente compostas da maneira seguinte:

1 °, ele determina o objetivo da pesquisa, a fim de não estar exposto a mal-

entendidos, como acontece com Platão; 2°, enumera e aprecia as indicações e

as opiniões existentes sobre a matéria; 3°, investiga e determina, da maneira

mais completa, as dificuldades que a questão colocada apresenta; 4°,

considerando as coisas em si mesmas, e utilizando em seus raciocínios os

resultados das discussões precedentes, busca a solução do problema na

determinação da essência una e eterna do objeto em questão (BOUTROUX,

2000, p. 49).

Embora se entenda a Retórica e a Poética como tratados, o resultado final das

reflexões aristotélicas não são fruto da pura abstração individual do que fossem as

formas essenciais do que se entendeu e se entende ainda hoje por essas formas de

discurso, mas do recolhimento e da investigação crítica das formas de expressão já

dadas e constituídas pela atividade e pensamento humano, pois “Aristóteles algumas

vezes parte dos endoxa dos filósofos e sábios anteriores; depois, contrasta os endoxa

entre si e com seus próprios dados, baseados em observações dos phainomena, para

finalmente concluir” (FERIGOLO, 2012, p.43). Ou seja, contrastando e comparado o

que nesses fenômenos e opiniões havia de semelhante e divergente, concluía e

sintetizava o que os definia. “Por toda parte Aristóteles busca a ideia no fato, o

necessário e o perfeito no contingente e no imperfeito; por toda parte ele se esforça por

substituir aos dados fugidios da observação sensível conceitos fixos e definições”

(BOUTROUX, 2000, p.43).

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13

Sendo as “endoxa, opiniões confiáveis" (FERIGOLO, 1882, p.42), a técnica

dialética se desnuda quando, em vez de contestar transeuntes e personalidades sem

finalidade científica (Sócrates) ou constituir diálogos literário-filosóficos abstratos

(Platão), Aristóteles consulta todas as concepções possíveis existentes e oferecidas a

respeito do objeto realizando individualmente em sua consciência o contraste de todo

um conjunto de objetos externos, dessa forma, portanto “a dialética, com efeito, por si

mesma, não conhece, mas permite discutir, examinar, criticar” (BERTI, 1998, p.40).

Desse modo, comparando e analisando as expressões artísticas e as obras de Ésquilo e

Sófocles, por exemplo, o filósofo de Estagira oferece-nos o que considerou a substância

trágica, a definição conceitual da tragédia:

A tragédia é a imitação de uma ação elevada e completa, dotada de extensão,

numa linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas

partes, que se serve da ação e não da narração e que, por meio da compaixão

e do temor, provoca a purificação de tais paixões (ARISTÓTELES, VI,

1449b, 20-25).

Havendo ainda o caso clássico em que, fiel à sua vocação de pesquisador,

Aristóteles estudou as Constituições das Cidades-Estado da Grécia e de outros países.

Chegou a reunir 158 constituições (SOUZA, 2002, p.117) pra escrever a Política, um

dos componentes de sua ética, assim como os escritos econômicos.

Assim, num resumo geral e simplificado se nos apresenta, então, uma linha

evolutiva que ilustra o empenho da intelectualidade em suas diversas áreas, seja em

matéria metodológica, seja no campo dos objetos específicos, postos sob debate e

análise. Sendo assim, a técnica dialógica socrática desenvolveu-se em diálogo escrito,

que Platão além de formalizar acrescentando-lhe o mito como recurso de resolução, deu

início à especulação de objetos específicos, expandindo o caráter puramente didático e

pedagógico do dialogismo de Sócrates. À evolução concebida por Platão, então,

Aristóteles forneceu os mecanismos lógicos, a formalização da dialética como técnica

de comparação e oposição, e o grande salto, princípio da ciência formal: a observação

dos fatos, dos fenômenos e objetos concretos como recurso de comparação, e não mais a

especulação abstrata apriorística, e a demonstração lógica, não tendo o mito como

alegoria explicativa.

Observando a linha evolutiva de ensino e aprendizagem, assimilação e

superação, reparação e expansão, o projeto socrático que culmina na revolução

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14

científica e filosófica aristotélica alçou status de símbolo da busca pela verdade, do

racionalismo e da investigação filosófica, fazendo época na história das ideias e

modificando de forma permanente o modo de conceber a realidade, bem como a busca

por sua compreensão. É notável na tríade grega a condição intrínseca da relação entre

“condição e condicionado”, de que nos fala Benedetto Croce (2001), qual seja a

dinâmica inescapável dos fenômenos artísticos e intelectuais no percurso histórico, em

que voluntária ou involuntariamente todo produto resultante da criação humana

provenha relativamente de um antecessor, ou cumpra na história o papel de precursor

daquele que virá. Uma dialética histórica, na forma hegeliana, enquanto história das

ideias.

São vários os exemplos dos esforços de identificar no pensamento e cultura o

fenômeno da influência como aspecto da formação das mentalidades, de constituição de

uma tradição ou mesmo da superação desta. O processo histórico neste sentido ganhou

tamanha importância, a ponto de tornar-se ele próprio objeto de reflexão, que

pensadores como Hegel14 e o próprio Croce dedicaram boa parte de suas análises à

história, considerando-a o anteparo onde é realizado todo o desenvolvimento humano.

Para tanto, como amostras, tem-se os empreendimentos executados por um Isaiah

Berlin15 na dedicação em compreender a influência da filosofia nas ideias políticas

modernas, ou o projeto de um Otto Maria Carpeaux em traçar uma linha evolutiva da

literatura que vai de Homero a Augusto dos Anjos, passando pela Inglaterra, França,

Rússia e Argentina e concebendo um todo universalizante, ainda que circunscrito no

Ocidente. De forma semelhante procederam Harold Bloom, com sua análise da

influência no ocidente, e Wilson Martins e a história da inteligência brasileira desde o

colonialismo primitivo do século XVI ao Brasil moderno, no XX.

14 Um dos exemplos das investigações do filósofo alemão é sua teoria estética a respeito do

desenvolvimento da representação artística, enquanto esforço de traduzir a “ideia” das coisas, ou seja, a

essência mesma do objetos representados. Sendo assim, Hegel desenvolve uma linha evolutiva que parte

da arte clássica, passa pela simbólica e deságua na romântica, a forma superior de representação do

espírito e da ideia de beleza, na qual a natureza tem papel fundamental como imagem perfeita e mais

próxima de deus, expressão suprema da beleza porque resultado da ação divina. “A fase seguinte, que é a

terceira, é assinalada pela ruptura do conteúdo e da forma, por um regresso, portanto, ao simbolismo, mas

regresso que é simultaneamente um progresso. Enquanto arte, o classicismo atingiu os mais altos cumes,

e o seu defeito está não ser senão arte, arte simplesmente e nada mais. Nesta terceira fase, a arte procura

erguer-se a um nível superior é aquilo a que se chamou arte romântica ou cristã. No cristianismo deu-se

uma cisão entre a verdade e a representação sensível.(...) A arte simbólica ainda procura o ideal, a arte

clássica atingiu-o e a romântica ultrapassou-o (HEGEL, 1997, 158-162) 15 Ideias Políticas na Era Romântica. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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15

Dentre estrangeiros e brasileiros é possível elencar autores e obras a perder de

vista, sem prejuízo de exemplos. Um dos fatores que apontam para a necessidade de

listar e analisar a infinidade de expressões realizadas pelo homem reside na dinâmica

concebida por Antonio Candido, qual seja a relação entre artistas, obras e público e,

dentre ambos e parte deles, uma classe de analistas, críticos e avaliadores que compõem

o vento de popa na "transmissão de algo entre os homens, e o conjunto de elementos

transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou ao comportamento, e

aos quais somos obrigados a nos referir, para aceitar ou rejeitar. Sem esta tradição não

há literatura, muito menos civilização" (CANDIDO, 1975, p.24) 16. Assim, tanto as

expressões artísticas quanto a reunião e críticas dessas contribuem de forma dialética e

complementar para o complexo e árido processo de formação da inteligência,

personalidade, cultura, identidade etc.

Portanto, tomando por base o exemplo grego, mesmo considerado numa limitada

perspectiva analítica, como apenas a do método empregado pelos três filósofos, ou seja,

no modo pelo qual eles encararam a realidade e/ou os objetos de reflexão, o trajeto

percorrido de Sócrates a Aristóteles transmuta-se e revela-se aqui como imagem em três

planos significativos, a saber: a questão da influência como fator de constituição de uma

história das ideias – da qual a tradição crítica brasileira caracteriza mais um capítulo -; a

busca humana pelo sentido, pela verdade e pela compreensão dos mais diversos objetos

de seu interesse – da qual a crítica é atividade exemplar -; a questão mesma do método,

como referência para o presente trabalho.

Com vistas a analisar o método crítico de Otto Maria Carpeaux, bem como este

pode ser utilizado como referência para análise da literatura brasileira, o estudo a seguir

terá como norte a proposta de Aristóteles, reunindo primeiramente o conjunto de

análises acerca do processo de desenvolvimento da crítica literária brasileiro, assim

como estudos auxiliares a respeito do Brasil como um todo repleto de complexidades do

qual a literatura é parte integrante e condicionada.

16 O sistema estruturalista concebido por Candido, embora tenha o propósito de servir como base e

método para compreender de forma determinante a existência de uma Literatura em sentido estrito, a qual

não pode existir sem a tríade artista-meio (obra)-público, serve também para elucidar o processo de

formação e edificação da cultura como um todo, com a ressalva de que o sistema de Candido contribui,

mas não determina, como ele propôs para conceituar a literatura, já que para ele, condição sine qua non, a

ausência desse sistema resulta apenas em “expressões literárias”.

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16

1.2. Intelectuais, instituições, cultura e sociedade

Como afirmado no início deste trabalho, são vários os fatores influenciadores e

contribuintes para constituição da cultura. Assim como os fatores (artes, religião, fatos

marcantes, língua etc.), são diversos também os agentes e meios pelos quais se realiza a

contínua dinâmica da cultura e também da literatura.

Pierre Bourdieu afirma que esse processo ocorre dentro de “estruturas de

legitimação”, onde se realizam a "produção, reprodução e difusão de bens simbólicos".

Para o sociólogo, há níveis de diferenciação nas instâncias que interagem dentro da

estrutura. Dessa forma, a produção erudita tem diferentes objetivos e processo de

legitimação em relação à indústria cultural de bens simbólicos. Pois esta, atuando sob a

lógica de mercado e submetida à lei da concorrência, materializada pela audiência, “o

grande público” de “não-produtores de bens culturais”, distingue-se daquela quando no

processo de legitimação erudita a obra é submetida aos pares de ofício, ou a

especialistas, que tendem a produzir ele mesmos “suas normas de produção e os

critérios de avaliação de seus produtos”, desenvolvendo uma lógica própria, onde a

concorrência se realiza num círculo de eleitos a partir do gosto estabelecido por padrões

de excelência, e cujo reconhecimento provém não da adesão de massa exercida pela

atração do bem, mas por seu valor “propriamente cultural” intrínseco (BOURDIEU,

2007, p.105).

Dessa forma, pode-se dizer que a crítica, por sua condição intrínseca de analista,

julgadora, seletora e – na terminologia bourdiana – legitimadora, enquadra-se na lógica

da produção erudita, na estrutura de legitimação.

A relação entre os agentes – artistas, editores, divulgadores, empresários, críticos

– é mediada por instituições que possuem “relações de força simbólica”, que por sua

vez conferem ao agente parte de sua autoridade e por ele são, também, valorizadas,

porém dentro de uma hierarquia de influência. Esta inclui “relações objetivas entre os

produtores de bens simbólicos”, “relações objetivas entre os produtores e as diferentes

instâncias de legitimação”, as academias, os museus, as sociedades eruditas e o sistema

de ensino, por exemplo; “a cooptação por instâncias mais ou menos

institucionalizadas”, como os círculos de críticos, salões, grupos mais ou menos

reconhecidos, organizados em uma editora, uma revista, um jornal literário ou artístico;

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e “relações objetivas entre estas diferentes instâncias de legitimação definidas tanto em

seu funcionamento como em sua função”, que dependerão do caráter “conservador” ou

contestador, tradicional ou contra-cultural, de massa ou erudito, das relações de poder

delas quanto a meios de difusão (quando já não são elas próprias os meios), público

consumidor, capital etc., (BOURDIEU, 2007, p.118), ou seja, seu ethos e sua rede de

influências.

Ao projetarmos essa lógica à estrutura crítico-meio-público, teremos a descrição

da influência do crítico conforme o meio de que dispõe para exercer sua atividade.

Desconsiderando o prestígio que possui entre o high brow dos consumidores-

produtores, ou legitimadores especialistas, e levando em conta apenas a abrangência do

meio e a projeção do crítico individualmente, suas possibilidades de se consolidar como

“consagrador de bens simbólicos” “dependem diretamente da medida em que sua

autoridade é reconhecida e capaz de impor-se de maneira duradoura” (BOURDIEU,

2007, p.121), pois há também concorrência entre os críticos, e uma necessidade destes

de acesso aos meios, “as instâncias de consagração”, que são escassas.

Sendo assim, chega-se ao ponto culminante para se entender a crítica, dentro da

lógica das instâncias e suas relações de influência, pois o discurso do crítico, fundado

no gosto, no cultivo literário, em experiências, legitima sua opinião diante da sociedade,

da qual determinada parcela, de certa forma, pensa da mesma maneira que ele. Ou seja,

para que a legitimação do crítico, enquanto formador de opinião, aconteça ele precisa

acumular um “capital social” conferido pelos leitores, o que possibilita seu

reconhecimento e a ocupação de uma posição que lhe confere credibilidade, assim “um

crítico apenas pode ter ‘influência’ sobre seus leitores na medida em que eles lhe

concedem esse poder porque estão estruturalmente de acordo com ele em sua visão do

mundo social, em seus gostos e em todo o seu habitus” (BOURDIEU, 1996, p. 191).

A capacidade de efeito dessas instâncias no quadro social e de formação cultural

é tamanha que Antonio Gramsci considerou o jornalismo a “escola dos adultos”

(GRAMSCI, 1982). Ao traçar seu plano de instrumentação e engajamento das instâncias

de cultura para a formação e constituição de uma mentalidade nacional, o filósofo

italiano considerou os meios de comunicação um dos principais fatores, tendo somente

como párea à altura as instituições de formação intelectual formalizadas, como escolas e

universidades.

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Sob essa visão, Gramsci parece se antecipar a Bourdieu. De modo que,

ocupando as instâncias – as quais ele reconhecia como pontes de transmissão de bens

simbólicos – por parte de membros do Estado, bem como submetendo-as à

administração oficial, garantiria a formação de gerações de indivíduos sob a égide da

cultura nacional, de dado território, seja qual ele for, e identidade coletiva, denominada

por ele de “hegemonia”(GRAMSCI, 1982):

Os intelectuais são os "comissários" do grupo dominante para o exercício das

funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do

consenso "espontâneo" dado pelas grandes massas da população à orientação

impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que

nasce "historicamente" do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo

dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo da

produção; 2) do aparato de coerção estatal que assegura "legalmente" a

disciplina dos grupos que não "consentem", nem ativa nem passivamente,

mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de

crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo

(GRAMSCI, 1982, p.10-11).

A emissão contínua e uniformizada de discurso faria com que surgissem

“intelectuais orgânicos”, que mesmo sem educação e graduação formal se tornariam

agentes de discurso contribuintes para formação da hegemonia cultural. Segundo o

filósofo, a condição da intelectualidade orgânica era consequência inescapável das

classes, pois “várias categorias destas camadas determinam, ou dão forma, à produção

dos diversos ramos de especialização intelectual” (GRAMSCI, 1982, p.10), sejam elas a

burguesia – rural e industrial –, a igreja ou o operariado, e ainda, last but no least, o

funcionalismo público, sendo sua proposta unificar todas elas. Dessa forma,

além da escola, nos vários níveis, que outros serviços não podem ser

deixados à iniciativa privada, mas — numa sociedade moderna — devem ser

assegurados pelo Estado e pelas entidades locais (...)? O teatro, as bibliotecas,

os museus de vários tipos, as pinacotecas, os jardins zoológicos, os hortos

florestais etc. É preciso fazer uma lista de instituições que devem ser

consideradas de utilidade para a instrução e a cultura públicas e que são

consideradas como tais numa série de Estados, instituições que não poderiam

ser acessíveis ao grande público (...) sem uma intervenção estatal

(GRAMSCI, 1982, p.152).

O projeto do italiano, notoriamente político, encaixa-se perfeitamente na

estrutura descrita por Bourdieu, mas isola do campo da disputa as instâncias não

autorizadas e em desacordo com sua visão. Entretanto, assim como a realidade, as

teorias que a interpretam também são compostas de fatores divergentes; com a dinâmica

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histórica-social de constituição da cultura, da qual a crítica e a literatura são partes

integrantes, não é diferente.

O que em Gramsci era planejado, centralizado, planificado e, principalmente,

politizado, para Friedrich Hayek era o completo oposto. Se o italiano acreditava no

motor do estado para compor a nação, para integração social por meio do engajamento

doutrinário em toda atividade e expressão cultural, intelectual e artística humanas, para

o austríaco a explicação para a consolidação dos fenômenos sociais se deslindava no

curso histórico das interações humanas, por meio da tentativa e erro, da assimilação ou

refração, a acumulação de experiências, enfim.

A atenção de Hayek incide sobre as normas de comportamento cuja transmissão

se dá de forma cultural, característica típica das sociedades abertas, com ambivalência e

pluralidade de iniciativas e decisões. Ao invés de delimitar o que o indivíduo deve fazer,

o ordenamento legal determina tão somente o que ele não pode fazer. O que garante um

influxo de iniciativas criativas maior. “A evolução cultural, embora um processo

distinto, continua sob importantes aspectos mais semelhantes à evolução genética ou

biológica do que os desenvolvimentos guiados pela razão ou pela previsão dos efeitos

das decisões” (HAYEK, 1995, p.193).

À soma das iniciativas das instituições e dos indivíduos componentes de grupos

e da sociedade como um todo, que inclui a “segurança obscura das carreiras de

burocrata intelectual” e os “empreendimentos intelectuais artísticos independentes”

bourdianos (BOURDIEU, 2007, p.127), o austríaco denominou “ordem espontânea”. O

processo em que a consolidação e assimilação de todo um universo de atividades

humanas vão aos poucos compondo os costumes e preferências sociais, artísticas,

econômicas etc., e cujo caráter evolucionista se dá apenas de forma análoga, qual seja o

de “evoluir” pelo aprimoramento que só terá validade pela aceitação e assimilação

“espontânea” e não coercitiva 17.

As instituições de geração a geração transmitem a seus descendentes o

conhecimento prático de como lidar com determinados problemas e executar certas

tarefas, além de legar costumes, conhecimentos, hábitos e tradições que, conforme o

17Algumas interpretações e críticas já apontaram o conceito de “ordem espontânea” como darwinismo

social ou “evolucionismo” no sentido genético literal. Nada mais falso e errôneo, como o próprio autor

reiteradamente afirma em A arrogância fatal, pois que num processo com taxa mínima de coerção e

dirigismo, a supressão forçada inexiste e é condenada.

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desenvolvimento e a fluidez do gosto e da preferência do público e dos produtores, se

manterão ou serão modificados. De forma espontânea, sem que ninguém tenha

planejado uma ordem – aqui entendida como “harmonia” – emerge quando há uma

coordenação entre as partes, ainda que esta ordem não seja planejada centralmente por

ninguém, pois “é menos exato supor que o homem pensante cria e controla sua evolução

cultural do que dizer que a cultura, e a evolução, criam sua razão” (HAYEK, 1995,

p.41).

As disposições distintas entre os pensadores são formas possíveis de conceber o

mesmo fenômeno, realçando ora a essencialidade do controle estatal nos rumos do

processo, ora considerando fundamental a flexibilidade individual como propulsora dos

arranjos sócio-culturais.

À concepção hayekiana da ordem espontânea, pode-se se acrescentar, sem riscos

de contradição, o que Russel Kirk, baseado no iluminista irlandês Edmund Burke,

denominou “a imaginação moral”. Segundo Kirk, a literatura faz você trabalhar a sua

imaginação moral, não de modo a ensinar regras de moral, mas consequências de um

agir moral (KIRK, 2011).

Demonstrando contradições e paradoxos da existência, ampliando os limites do

mundo material e imediato de cada indivíduo para a zona expansiva do imaginário, e

para um cenário de possibilidades em que a ação humana se desdobra em incontáveis

representações. Assim, a antecipação imaginativa das perspectivas da existência abre

caminho e contribui para o reconhecimento do outro e a instituição de uma sensibilidade

moral, cuja soma de tantas cabeças e tantas sentenças pode cooperar para uma ética

pública. Sendo assim, Catharino resume a imaginação moral como:

Capacidade humana de conceber a pessoa como um ser moral, é o próprio

processo pelo qual o "eu" cria metáforas, pelas imagens captadas pelos

sentidos e guardadas na memória, que são empregadas para descobrir e julgar

correspondências morais na experiência. (CATHARINO, 2011, p.95).

A compreensão de Kirk, embora tenha um sentido positivo da “função” atribuída

à literatura, só realiza seu sentido quando entendida como um imperativo individual e

não institucionalizado, sendo uma atitude que se efetiva no plano da consciência

individual – sendo então o próprio fazer literário um agir moral de escolha. Essa

condição revela o grau de importância atribuído por Kirk à Literatura e outras artes, as

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quais possuem “a capacidade de percepção ética que transpõe as barreiras da

experiência privada e dos acontecimentos do momento (...). A imaginação moral aspira

apreender a justa ordem da alma e a justa ordem da comunidade” (KIRK, 2011, p. 140).

Dessa maneira, o escritor enquanto humanista luta para desenvolver de forma

voluntária, "a natureza mais elevada que há no homem", evitando com isso que se

rompa o que Edmund Burke chamava de o "contrato da sociedade eterna" (KIRK, 2011,

p.165), mantendo a si e seus semelhantes cientes de sua adesão à "comunidade das

almas", que reside no reconhecimento de que a "consciência e a racionalidade não

começam com o ‘eu’ ou com os contemporâneos" (KIRK, 2011, p.185), mas interligam-

se ao longo dos tempos. Ou seja, embora a nuance moralizante pareça impositiva, o

caráter da imaginação moral é garantir a unidade na diversidade social e existencial,

qual seja o equilíbrio das existências individuais em determinada comunidade com a

contribuição das artes, e não a instituição de uma religião civil para a qual a literatura

seria apenas caixa de ressonância moral. E ainda nas palavras de Kirk:

A cultura não pode, realmente, ser planejada pela autoridade política, pois

grande parte dela é inconsciente. A política brota da cultura, e não a cultura

da política; o próprio planejamento político é um produto da cultura. (...)

"Pois uma coisa a evitar é um planejamento universalizado; uma coisa a

determinar são os limites do planejável". (KIRK, 2011, p.518).

Considerando a descrição estrutural concebida por Pierre Bourdieu, podemos

então acrescentar a ela ainda mais uma camada nas relações das instâncias de

legitimação, qual a seja a de pensadores e intelectuais que propõem ou defendem em

maior ou menor escala o privilégio de uma delas em detrimento – ou cooperação – das

outras, evidenciada aqui na oposição Hayek-Gramsci. Como Observa Thomas Sowell, é

condição social do intelectual a crença na existência de “problemas” criados pelas

instituições existentes, para as quais as soluções “podem, todavia, ser excogitadas pelos

intelectuais” (SOWELL, 2011, p.126). Conforme elucidado na breve exposição acerca

de alguns destes pensadores, pode-se aferir um grau de complementariedade entre o

americano Kirk e o austríaco Hayek, os quais, juntos, concorrem com o planejamento

cultural gramsciano.

Dessa forma, considerando a lógica das relações de consolidação identificadas

por Bourdieu, pretende-se elencar alguns autores da tradição crítica brasileira,

considerando as relações entre eles e suas “instâncias”, bem como o que eles têm de

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próprio, ou seja, suas características e circunstâncias que os definiram metodológica e

intelectualmente, tendo-se em vista a condição do crítico como fator de contribuição

cultural, “pois para compreender o papel dos intelectuais na sociedade, devemos olhar

para além de sua retórica ou mesmo da retórica de seus críticos, observando a realidade

de suas preferências ao serem reveladas” (SOWELL, 2011, p.167).

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2. Estado da Questão - Um espelho do Brasil: breve desenvolvimento histórico da

crítica literária no país.

“Quem quiser imaginar uma árvore tem de imaginar um céu ou

qualquer outro fundo contra o qual possa traçar-lhe recorte” -

Valéry18

Num olhar retrospectivo, e aqui tomando por base o breve preâmbulo exemplar

apresentado, a respeito dos desenvolvimentos metodológico e investigativo do homem,

pode-se dividir a linha evolutiva da crítica, enquanto atividade sistemática além do mero

diletantismo, em duas grandes linhagens tradicionais; uma relacionada a Platão e outra a

Aristóteles (COUTINHO, 2009)19.

Muito embora essas grandes correntes se subdividam internamente em diferentes

expressões teleológicas específicas, seu agrupamento em duas grandes correntes foi

estabelecido tanto pela mentalidade concebida por seus precursores como pela

reafirmação delas nas atividades desenvolvidas ao longo da história, mesmo que seus

representantes não estivessem propositalmente continuando seu legado, uma conclusão

possível apenas por associação, numa interpretação histórica retrospectiva. Dessa forma,

tem-se no primeiro caso o entendimento da obra como “meio para se atingir um fim

extraliterário”, um meio de transmissão de mensagens filosóficas, políticas, morais, etc.,

“ou um documento de uma época, uma sociedade ou uma personalidade” (COUTINHO,

2009, p. 138), pelo qual se representam os costumes, os fatos e demais elementos que

compõem o tecido da realidade e da vivência de determinada comunidade ou do homem

em geral, e no segundo, uma abordagem mais técnica e empírica “da obra de arte, nos

seus aspectos intrínsecos, e calcada em princípios estéticos e em métodos indutivos”,

“predominantemente formalista” (COUTINHO, p. 138), cujo conteúdo fica a cargo do

artista. Sendo assim, Eduardo Coutinho explica e exemplifica que

se formos traçar um quadro das principais tendências que nortearam o

Ocidente ao longo desse período, podemos situar, na linha mais próxima de

Aristóteles, correntes como o formalismo eslavo, a estilística espanhola e a

teuto-suíça, a explicação de textos francesa, o new criticism anglo-americano

e o estruturalismo, que viam a obra literária como um conjunto harmonioso

18 VALÉRY, P. Introdução ao método de Leonardo da Vinci. Lisboa: Arcádia, 1979, p.14. 19 A linha tênue divisória entre as duas linhas se esboça conforme o preâmbulo deste trabalho, onde é

feito a diferenciação das abordagens platônica e aristotélica, esta mais técnica e descritiva, a outra mais

literária e idealista. Assim, a partir dessas perspectivas, também se desenvolveram várias escolas críticas.

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dos elementos que a compunham, sem vinculá-la a fatores de ordem

extratextual. E na linha mais próxima a Platão, situaríamos todas aquelas

correntes que enxergavam a obra apenas como um reflexo do contexto

histórico-cultural em que haviam surgido: as correntes sociológicas, dentre as

quais o marxismo, as de cunho psicológico ou psicanalítico, baseadas nas

teorias de Freud ou Lacan, as filosóficas de um Sartre ou Gabriel Marcel, as

biográficas, voltadas para a figura do autor, as religiosas ou éticas, etc.

(COUTINHO, 2009, p.139).

Partindo da abstração filosófica geral e imergindo na observação empírica,

podemos esboçar um paralelo também entre as fases da crítica ocidental como um todo

e seus expoentes locais. Tal qual as mentalidades que motivaram e motivam a reflexão

crítica da literatura, sua expressão prática também apresenta um traçado cronológico

que encontra semelhanças não só no plano geral do ocidente, mas também na escala

reduzida nacional.

Observamos então que na antiguidade clássica, a apreciação e análise dos textos

poéticos e literários se baseavam e no cotejo e comparação de textos-modelo, moldes

originais de excelência, e suas imitações, uma análise estética, métrica, formal em que

se valorizava a prosódia, a eloquência recitativa, as figuras de linguagem etc. Assim era

feita a classificação dos textos sob os gêneros, feita de acordo com padrões consagrados

que eram previamente aceitos como válidos para análise (SOUZA, 2014, p.18-19).

Destarte, seu exercício era então marcado pela gramática, retórica e poética, as

disciplinas discursivas clássicas. E que na acepção grega se denominava “kritike tekhne

(traduzida em latim por ars critica)”, ou seja, “com o significado de ‘habilidade’,

‘perícia’, ‘técnica’” (SOUZA, 2011, p.30). Sendo assim, “constatada a uniformidade das

várias cópias, passava-se à etapa propriamente analítica do trabalho com o texto: leitura

em voz alta, segundo a prosódia; explicação literal e literária das sentenças; dedução das

regras gramaticais” 20 (SOUZA, 2011, p. 30).

Considerando a abordagem clássica, pioneira na revisão por pares das

expressões literárias, e observando aquela que pode ser apontada como a primeira fase

20 O processo de cópia e assimilação como atividade crítica e de aprendizado e revisão estilística é parte

da antiga tradição das chamadas artes liberais, das quais a lógica, a gramática e a retórica compunham o

Trivium. A antiga técnica de reprodução de modelos consagrados caracterizava a técnica da imitatio,

segundo a qual a absorção profunda dos modelos seria o primeiro passo para a produção autoral original.

Segundo Miriam Joseph, comentando o mais antigo tratado de gramática grego, de Dionísio da Trácia, “a

gramática é definida de maneira tão abrangente que inclui versificação, retórica e crítica literária”

(JOSEPH, 2008). “A gramática é conhecimento experimental dos modos de escrever nas formas

geralmente correntes entre poetas e prosadores de uma língua. Está dividida em seis partes: (1) leitura

instruída, com a devida atenção à prosódia [versificação]; (2) exposição, de acordo com figuras poéticas

[retórica]; (3) apresentação das peculiaridades dialéticas e de alusões; (4) revelação das etimologias; (5)

relato cuidadoso das analogias; (6) crítica das obras poéticas, que é parte mais nobre da arte gramatical”

(DIONÍSIO apud JOSEPH, 2008, p.25).

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da atividade crítica brasileira, pode-se notar uma similitude considerável. A relação

entre artistas, público e, dentre ambos e parte deles, uma classe de analistas, críticos e

avaliadores que compõem o sistema literário de Antonio Candido, foi apontada pelo

crítico e sociólogo como dinâmica essencial do arcadismo e neoclassicismo brasileiros.

Marcado pela ilustração, o projeto buscou redefinir as imitações diretas dos gregos e

romanos (CANDIDO, 1975). Ilustração essa caracterizada pelas tendências ideológicas

de origem britânica e francófila, pelo naturalismo e bucolismo e a exaltação apaixonada

da erudição e do saber; ao que o arcadismo deveu-se à influência italiana, das

agremiações denominadas “Arcádias”, em reação ao maneirismo francês. Resumindo o

movimento setecentista brasileiro numa amálgama de tendências greco-latinas e

classicismo francês (CANDIDO, 1975).

As costelas clássicas e iluministas deram o tom do primeiro círculo literário

brasileiro. Do arcadismo à sátira, da verossimilhança ao idealismo. Baseados nas fontes

italianas das arcádias e no enciclopedismo francês, os setecentos brasileiros esboçavam

nuances ilustradas e pré-românticas, com um bucolismo passional e nostálgico, que

acentuava a dicotomia campo/cidade, diferenciando os salões aristocráticos da

passionalidade campestre e idealista. Um cenário cuja influência formalista horaciana e

aristotélica cruzava com a acidez liberal voltariana e o pré-romantismo de Rousseau

(BOSI, 1982, p.62-67), fornecendo uma variedade de referências que contraria a noção

de uma época de unidade monocromática, tão corrente no senso-comum.

Assim, o arcadismo será a consciência e os esforços de ajustamento a uma

ordem natural brasileira, inspirada no tratadismo aristotélico e horaciano da métrica e da

mímesis, reproduzindo as formas naturais, não só como aparecem à razão, mas como a

antiga tradição clássica as consolidou, porém modificando seu conteúdo temático.

Síntese formal-estética que Candido resume:

Este império da razão decorre da busca do natural, que é o seu “correlativo

objetivo”, sendo o limite permanente da imaginação e correlativo definitivo

para se aquilatar da validade da poesia, baseada na “natureza das coisas” e

necessitando verossimilhança para merecer a aprovação do entendimento, o

que se desejava era uma imaginação fiel à razão (CANDIDO, 1975, p.52).

Além da variação temática e a verve estilística motivada pelo embasamento

filosófico diverso, as academias arcádicas brasileiras darão diversidade também à

prática da atividade crítica, que, apesar de ocorrer no círculo de seus produtores, não

seguirá a mera reprodução automática de textos prévios, mas a inspiração nestes para a

representação do fato nacional, do autóctone, do nativo etc. Sendo assim, há uma

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modificação de conteúdo proveniente da modificação dos temas retratados, condição

presente pela ampliação da noção do fazer literário. Como explica Roberto de Souza, a

prática da crítica entra assim no século XVIII bastante alterada em relação à

sua matriz antiga: em vez de exame baseado em convenções tradicionalmente

aceitas sem questionamento, apresenta-se como consideração analítica livre e

racional não apenas de textos, mas de objetos de diversas naturezas, como,

por exemplo, o gosto, o conhecimento, os eventos da história (SOUZA, 2011,

p. 31).

Essa condição dará início a um elemento marcante no trajeto da visão crítica

brasileira, e não só ensejará o Romantismo como gestará o nacionalismo literário e

crítico. A soma desses fatores ao surgimento da nova disciplina do momento, a estética,

será o fator fundamental para a emergência do nacionalismo, enquanto escala macro do

individualismo, ou seja, a especificidade nacional. Com o ganho de espaço para o fator

subjetivo e judicativo do “gosto”, os temas puderam variar, o que, ato contínuo, levou à

opção pelo assunto nacional. Assim, como aponta Souza (apud RONAI, 1980, p.50), ao

passo que se liberta da normatização da pura gramática, retórica e poética, a crítica

amplia seu horizonte de abordagem, “prevalecendo o livre exame e, pois, o relativismo

de julgamentos”, devido à “filosofia emergente no século XVIII, a estética”, cristalizada

no “conhecido provérbio de origem medieval: ‘de gustibus non est disputandum’”.

Foi José Veríssimo (apud MARTINS, 1980) quem constatou pela primeira vez

que a crítica literária começou com as academias arcádicas mineiras setecentistas. A

proliferação das academias literárias é um dos resultados da revolução renascentista. A

primeira academia reuniu-se por convocação de Vasco Fernandes de Cesar de Menezes,

posteriormente Conde de Sabugosa, em 1724, recebendo o nome de “Esquecidos”.

Posteriormente, eram criadas as academias dos “Felizes”, no Rio de Janeiro, 1736,

fundada por Mateus Saraiva, e a dos Renascidos, em 1759 na Bahia, liderada por José

Mascarenhas Pereira Coelho de Melo (MARTINS, 1983, p.55), para citar algumas.

Um dos nomes mais eminentes do período pode ser representado por Silva

Alvarenga, “o primeiro a apresentar e demonstrar um conhecimento das regras clássicas

de composição” (MARTINS, 1983, p.72), mas para quem nem só a arte ou a técnica

eram suficientes para formar o poeta. Assim, o classicismo formal ganhava substância

na representação naturalista. Ou em Alvarenga Peixoto, com a poesia Ilustrada, de um

governo forte e civilizador, fundado nos iluminismo, no pombalismo da época e de um

dirigismo nativista com vistas a forjar uma identidade literária nacional (CANDIDO,

1975) motivada então pelo início da formação dos estados nacionais e pelo crescente

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interesse dos eruditos brasileiros e europeus pela história da civilização de seus países

(SOUZA, 2014).

Dessa forma, a crítica se estabelece como um esforço coletivo pela renovação da

estética concebida até então. Num processo em que os críticos eram os próprios

criadores, caracterizando uma “autocrítica” coletiva, por via de um determinado

conjunto de orientações aceitas pela academia ou pela geração como um todo, às quais

todos passam a seguir, e que Tristão de Athayde resumiu como “endocrítica”, a análise

feita por um grupo “fruto de um determinado conceito estético que parte de um grupo

ou de uma geração ou de um movimento em via de se converter ou de se fixar em

escola” (ATHAYDE, 1980, p.220).

Daí em diante, com o surgimento e a conquista dos corações e mentes dos

artistas e intelectuais, de maneira geral, pelo fator estético que rompe com o aspecto

representativo e formal do classicismo, a dimensão pré-romântica aqui introduzida pelas

ideias rousseaunianas ganha espaço e evolui, na medida em que o aspecto naturalista e

antropológico soma-se ao político, em função da formação dos Estados enquanto

nações. Uma evolução observada por Hegel – e já salientada neste trabalho, vide

comentário em páginas anteriores -, e que se repetiu no Brasil, tal qual ocorreu na

Europa, passando do classicismo ao romantismo. Segundo Meira Penna:

É lícito associar o nacionalismo ao fenómeno romântico. Uma vez que

sentimentos de patriotismo exaltado e emocional são muito mais

frequentemente encontrados entre os pensadores do Romantismo, que

reagiram contra a Idade das Luzes, do que entre os racionalistas da mesma,

devemos lembrar que, no Esprit des lois de 1784, estabeleceu Montesquieu a

conexão íntima entre o amor da pátria e a forma republicana, isto é, a

democracia. Contudo, mais claramente é com Jean-Jacques Rousseau que se

formaliza a visão de uma nova “religião civil”, irracionalista e emocional,

articulada em torno da idéia de nacionalidade (MEIRA PENNA, 1994, p.51).

Dessa forma, a busca pela especificidade literária de um povo autêntico e

independente é seguida pelas mudanças formais que caracterizassem cada vez mais a

literatura nativa em distinção da portuguesa; “a escolha das palavras, a temática, as

histórias e o folclore popular, a cor local” (NETO, 2011, p.1-2). A mudança estética virá

primeiro, a nacionalista, posteriormente. Neste sentido, Antonio Candido analisa e

complementa ainda que:

A Independência importa de maneira decisiva no desenvolvimento da idéia

romântica, para a qual contribuiu pelo me nos com três elementos que se

podem considerar como redefinição de posições análogas do Arcadismo: (a)

desejo de exprimir uma nova ordem de sentimentos, agora reputados de

primeiro plano, como o orgulho patri6tico, extensão do antigo nativismo; (b)

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desejo de criar uma literatura independente, diversa, não apenas uma

literatura, de vez que, aparecendo o Classicismo como manifestação do

passado colonial, o nacionalismo literário e a busca de modelos novos, nem

clássicos nem portugueses, davam um sentimento de libertação relativamente

a mãe-pátria; finalmente (c) a noção já referida de atividade intelectual não

mais apenas como prova de valor do brasileiro e esclarecimento mental do

pais, mas tarefa patri6tica na construção nacional (CANDIDO, 1975, p.12).

Em 1855, por exemplo, Antônio Lopes de Mendonça concede espaço e

importância aos então novatos Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo (este,

postumamente), na série de “perfis literários” da então Memórias de Literatura

Contemporânea, pela qual a revelação de Primeiros Cantos foi consagrada por

Alexandre Herculano:

Via-se desde logo que estávamos na América e no Brasil. Era mais ruidoso o

trintar dos pássaros, mais majestosa a densidade vegetal das florestas, mais

soberba a corrente dos rios, mais embriagante o perfume das flores, mais

vivas a cores com que o crepúsculo se despede da terra, em caprichosas e

fantásticas combinações. Eram harmonias cantadas na mesma língua que nós

falamos, mas cantadas em outro teatro (HERCULANO apud MARTINS,

1980, p. 125).

Acentuada pelo fator da independência, houve uma transformação na

mentalidade dos habitantes, em sua sensibilidade, nos motivos literários, no senso de

pertencimento e identidade. O que influenciou em coisas como a imprensa, que passou a

veicular mais autores portugueses, ao passo que pôde também expandir seu volume e

variedade de impressões. A distinção entre as literaturas portuguesa e brasileira começa

então por detalhes da língua, que nos fazem diferir já filologicamente a literatura daqui

e de lá, devido à necessidade de “traduzir” em certos momentos a diferença dessas,

apesar da mesma língua-mãe (COUTINHO, 1960, p.11). O etnocentrismo crítico

acompanhou o literário, posição desencadeada principalmente em países colonizados,

como o Brasil e demais nacionalidades da América Latina, nas quais desde o primeiro

período romântico se desenvolveu, no caso brasileiro, “o veio nativista, de exaltação da

natureza tropical e da figura do índio, para a valorização de uma língua brasileira,

marcada por um léxico e uma sintaxe com traços muito próprios” (COUTINHO, 2009,

p.141).

O que permitiu a comunidade literária e intelectual conhecer o país desde dentro,

em suas particularidades, mas que se reduziu a um projeto de constituição nacional da

identidade, desconsiderando o processo histórico que delineou uma identidade a partir

do contato com outras culturas e dos fatos internos que também influenciaram nessa

formação. Além de não garantir que essa literatura pudesse ser assimilada no tempo e

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no espaço. Assim, a oposição ao cosmopolitismo, ecumenismo e intercâmbio entre

culturas num culto exclusivista, impediu que se contemplasse a universalidade, que

constituía então um dos traços “de nossa tradição ocidental e sociedade aberta” (MEIRA

PENNA, 1994, p.53).

Condição que Pedro Calmon relaciona também ao choque político de 1821-

1823, que “dissipou a névoa arcádica”, exaltando o índio, a brutalidade nativa em suas

diversas formas, e a beleza da terra, um “nativismo jacobino”, vaidoso de seu bom-

selvagem “barbarismo rebelde”. “É por isso que a figura do índio foi tão valorizada –

afinal, ele seria o verdadeiro homem brasileiro; depois dele, o sertanejo, o caboclo”

(NETO, 2011, p.4). O Calmon complementa ressaltando que:

A emancipação política arrebatou-nos do centro comum de cultura, que era a

velha Coimbra, e a imitação de França, sucedendo à imitação inglesa que

abrange o período do Brasil-Reino, agravou, no terceiro decênio do século

XIX, o cerebralismo, que fazia daquela literatura um instrumento, não uma

representação de idéias coletivas (CALMON, 2002, p.138-139).

Sendo assim, são exemplos significantes dessa mentalidade crítica como F. A.

Varnhagen com Florilégio da Poesia Brasileira, Sotero dos Reis, Pereira da Silva,

Fernandes Pinheiro (MARTINS, 1980, p.32), de Santiago Nunes Ribeiro no artigo "Da

nacionalidade da literatura brasileira" na Minerva Brasiliense, em 1843, defendendo

veementemente que, apesar de usar a mesma língua de Portugal, a literatura brasileira

expressava a realidade brasileira, e, portanto, era autônoma da literatura portuguesa; em

1855, Joaquim Norberto de Souza e Silva publica as "Considerações gerais sobre a

literatura brasileira", mostrando que mesmo a língua já era diferente da portuguesa.

Dessa forma, por exemplo, críticos da época, como Ferdinand Denis, consideravam um

Santa Rita Durão brasileiro, mas não um Cláudio Manuel da Costa, “pois aquele punha

índios, flechadas e episódios históricos em cena, enquanto este falava a linguagem dos

homens cultos de todo o ocidente” (CANDIDO, 1975, p.318).

Assim, uma das concepções que introduzem o índio como elemento central da

caracterização brasileira é apontada por Cláudio Filho:

não se deve imitar servilmente os clássicos; muito menos o Brasil, que, sendo

país novo, há de procurar expressão literária própria, que exprima o seu

gênio. A literatura vem de baixo, e os próprios primitivos têm capacidade

poética; os primitivos brasileiros são os índios, que conseqüentemente devem

ser tema literário e fonte de inspiração. Os sentimentos dominantes na

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literatura serão, portanto, o nacionalismo, o indianismo e o cristianismo, pois

este foi o ideal que dirigiu a nossa colonização (FILHO, 1999)21.

Dessa forma, paradoxal e ironicamente, o Brasil repetia localmente as ideias

emitidas da Europa, muito embora, essas ideias se tratassem da observação interior, do

voltar-se para si, do não emular o outro. Como observa Antonio Candido, o romantismo

no Brasil, tradução literária do idealismo filosófico pós-kantiano, foi o “espírito diretor

que animava a atividade literária”, não sendo nada diferente do que ocorrera no mundo,

devido ao “despertar das nacionalidades”, do século XIX (CANDIDO, 1975, p. 15).

Sobre esse processo, Afrânio Coutinho afirma que o pitoresco anula o caráter de

universalidade necessário à literatura, tornando a obra um fenômeno etnológico e não

uma obra de arte (1960, p.27). Complementando que “o nacionalismo verdadeiro não

repudia a tradição universal. Nenhuma cultura se constrói no isolamento, à custa

unicamente das qualidades nativas, cortando os laços com a comunidade humana”

(COUTINHO, 1960, p.34).

Somado ao esteticismo e ao fator nacionalista proporcionado pela formação

política, o novo fator a compor a caracterização da crítica literária brasileira será seu

caráter liberal, amplo e aberto. Com diversas iniciativas e posicionamentos, o debate

literário será travado no âmbito público, marcado por polêmicas e discordâncias

contundentes. Condição que durará décadas, marcando a atividade como verdadeiro

campo de duelo de narrativas e esgrimas intelectuais. Uma dinâmica próxima ao que

Eduardo Coutinho definiu como a atividade de julgar uma obra e “lhe avaliar o mérito à

luz do gosto do crítico, ou de um corpo de critérios estabelecidos por ele mesmo ou pela

época em que este viveu” (COUTINHO, 2009, p.136).

Sendo assim, paralela ao desenvolvimento da consciência nacional que se

estendia desde a independência e à renovação estética fornecida pelos novos fenômenos

literários e concepções filosófica, a crítica irá, pari passu, se reinventar, adquirindo

novos métodos, novos embasamentos filosóficos para buscar compreender as novas

expressões com que teriam contato, revelando noções que vão do cientificismo ao

diletantismo opinativo, “longe da pretensão de tornar-se uma ciência especializada, seria

antes uma prática diletante; seu lugar institucional e seu veículo, em vez da cátedra e do

21 O papel da crítica na formação da estética literária brasileira do século XIX, de Cláudio José de

Almeida Filho, Revista Cultural Fonte, v2, nº1, 1999. Disponível em <

http://www.unopar.br/portugues/revfonte/artigos/12literaria/12literaria.html >

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livro eleitos pela vertente cientificista, se encontraria nos jornais e periódicos”

(SOUZA, 2011, p.32).

Uma variedade apontada por Massaud Moises (apud BOTELHO, 2010), para

quem a atividade crítica pode ser dividida em dois grandes grupos marcados pelo

objetivo em comum; de lado a crítica descritiva ou analítica, vertente ligada à pesquisa e

análise do texto literário, buscando sua compreensão, e a linha avaliativa ou

justificativa, visando o juízo de valor. Sendo a critica ideal a que ajustasse melhor as

duas vertentes, aproximando as duas formas: “o julgamento erguido sobre dados

fornecidos pela análise” (BOTELHO et FERREIRA, 2010, p. 13). Tendo isso em vista,

Coutinho aponta que:

No século XX, essas duas linhagens da “crítica literária” continuaram a se

fazer presentes, tendo inclusive, com o desenvolvimento dos estudos

literários, ocasionado sérias divergências e intensas polêmicas, pelo

radicalismo a que muitas vezes chegaram os defensores de uma ou de outra

posição (COUTINHO, 2009, p.139).

Quando se volta o olhar para a não tão recente história literária brasileira, é

possível perceber que, mormente no século XIX, a trajetória dos fenômenos literários no

país passou por constantes transformações de transição estilística. Quando não a

contemporaneidade pouco harmônica entre eles, em que apenas na segunda metade do

século, ascenderam, em maior ou menor grau, cinco períodos literários22 – ou

movimentos/estilos – no país.

Se após a independência o país foi servido pelos românticos assumindo para si a

tarefa de forjar uma cultura nacional – a exemplo do indianismo de Gonçalves Dias e

José de Alencar, o idealismo do Romantismo cede ao materialismo do Realismo. Por

um lado porque o indianismo já tinha sido bastante usado como temática dando à

literatura a possibilidade de abordar assuntos nacionais mais amplos, por outro lado,

devido às teorias cientificistas e ao materialismo então em voga (FILHO, 1999), dentre

outros fatores, como o surgimento e o desenvolvimento do romance e o realismo

enquanto gênero, na Europa. Um processo que, para finalidades comparativas, pode ser

simbolizado pela figura de Machado de Assis, tanto literária quanto criticamente, e a

quem se deve o conhecido “instinto de nacionalidade”.

22 “Romantismo, Realismo, Parnasianismo, Simbolismo, Impressionismo”. Ver: CADERMATORI, L.

Períodos Literários. 2 ed. São Paulo: Ática, 1986. Serie Princípios.

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A respeito da publicação de “Notícia da Atual Literatura Brasileira – Instinto de

Nacionalidade”, em Nova York, 1873, Richard Mikolci nos informa que Machado

rejeitou o biologismo que atraía seus contemporâneos, afirmando que “o que se deve

exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu

tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”

(ASSIS apud MIKOLCI, 2006, p.359).

Por instinto de nacionalidade – um conceito de tendência teórica apesar de

aplicado no âmbito da crítica, à época –, podemos entender, segundo Andréa Werkema,

“uma dupla função” para a literatura, quais sejam a maneira de descolar a literatura

brasileira de sua verve altamente “nacionalista/indianista/nativista” lançando sobre ela

uma indeterminação identitária, mas também organizando a literatura brasileira com

produções locais de pretensões universais (WERKEMA, 2012, p. 192). Portanto, com

vistas a elevar à maioridade a literatura nacional afirmando sua universalidade, a

proposta de um instinto de nacionalidade era estabelecer uma “dialética entre o

elemento local e o manancial da literatura ocidental” (WERKEMA, 2012, p. 194). Ou,

nas palavras do próprio Machado:

Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve

principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas

não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve

exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne

homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos

no tempo e no espaço (ASSIS, 2011, p.17).

Dessa forma "sentimento íntimo" e "instinto de nacionalidade" funcionam como

postura diante da mentalidade nacionalista, engessada e programática. Se o instinto de

nacionalidade é o impulso e a tenção pela inclusão do nacional no universal como pano

de fundo para temas gerais, o sentimento íntimo procura “operar além desse mesmo

dado local, inserindo um autor em uma literatura à revelia de qualquer traço

extraliterário, externo” (WERKEMA, 2012, p. 195). Sendo assim, Mikolci ressalta que

apesar da ambiguidade nativista do “título de seu artigo (‘Instinto de Nacionalidade’),

os argumentos de Machado são culturais e históricos, portanto distintos das categorias

biológicas e raciais que dominavam as reflexões da Geração 1870” (MIKOLCI, 2006, p.

360). Sendo assim, para uma nacionalidade autêntica seria necessário o contato com

outras culturas e literaturas, até que a acumulação de inspiração daria fisionomia própria

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ao pensamento nacional, e que obras que trouxessem toques nacionais com um

sentimento íntimo surgissem (COUTINHO, 1960).

Dentre dezenas de artigos escritos pelo autor, foram marcantes alguns como “O

Ideal Crítico”, 1865, e “Eça de Queirós: O primo Basílio”, 1878. Além do estilo

“crônico” 23, em que o escritor introduzia suas apreciações literárias em textos

quotidianos, nos quais a crítica fazia-se elemento ora diegético, ora metalinguístico;

quase sempre bem humorado e irônico, como lhe era característico. Uma técnica

extensamente utilizada na Semana Ilustrada (1860-1876) que Raimundo Magalhães

Júnior (apud MACHADO 2015) definiu como “crítica às avessas” e que “consistia em

louvar exageradamente o que era ruim ou péssimo”. Assim, Machado se utilizava da

“transcrição de excertos que permitissem ao leitor formar o seu próprio juízo e,

portanto, compreender que as tiradas elogiosas [...] não passavam de enormes gozações

nos infelizes escrevinhadores de tais monstruosidades literárias (MAGALHÃES

JÚNIOR apud AZEVEDO, 1981, p.55)."

Além do nacionalismo, do esteticismo e do cientificismo e materialismo que se

avizinhavam, como noções literárias, outro fator será uma das marcas principais do

último quarto dos oitocentos brasileiros – e dos anos em diante – : a polêmica, a

diatribe e até mesmo a ironia e o ataque24. Um dos principais nomes com os quais

Machado teve motivo e circunstância para terçar argumentos publicamente foi aquele

considerado por muitos como o mais proeminente crítico literário do século XIX no

23 Ora desenvolvido em forma de crônica, ora em artigo opinativo e autoral, era comum que Machado

transcrevesse trechos das obras como que perguntando a um de seus interlocutores fictícios na crônica, ou

reais de sua vida pessoal, como que perguntando “o que tu achas do excerto?”. Como no trecho a seguir,

em que usando pseudônimo - “Dr. Semana” - faz comparação a um texto de Luís Guimarães Júnior,

contrastando esteticamente o “coque”, enquanto penteado feminino, e o romance Angelina, de José

Joaquim Pereira de Azurara. “A carta de 20 de fevereiro de 1870 deixa claro também que Azurara, além

de não conseguir captar o sentido implícito do texto irônico, a ausência que ressoa no nível do enunciado,

não aceita também que lhe digam, em linguagem direta, que sua obra não tem qualquer valor. Como fez o

cronista Luís Guimarães Júnior, no rodapé “Por Paus e por Pedras”, no Diário do Rio de Janeiro, de 1 de

janeiro de 1870, quando, em comentário à moda de as mulheres trazerem os cabelos presos num coque,

estabelece comparação entre o penteado feminino e o romance Angelina: “O coque tem mais poesia e

exprime-se melhor que o romance do Sr. Azurara!”. Compreende-se agora, em vista desse contexto, o

motivo da pergunta que o autor de Angelina dirige ao Dr. Semana: “Se V. Sa. julgasse que o coque tem

deveras mais poesia e exprime-se melhor do que o meu romance di-lo-ia, não é assim?” A pergunta, por

sua vez, só faz reforçar a incapacidade de Pereira de Azurara de apreender o sentido irônico da

comparação, que já implica rebaixamento da obra” (AZEVEDO ,2015, p.51). 24 Mesmo dez anos depois da publicação de Quincas Borba, Sílvio Romero se referiu à obra como

“Romero como “bolorenta pamonha literária”. V. Sílvio Romero, “O naturalismo em literatura”,

Literatura, história e crítica, Luiz Antonio Barreto (org.), Rio de Janeiro/Aracaju; Imago/Universidade

Federal de Sergipe, 2002, pp. 341-367.

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Brasil, aquele que fez do julgamento público seu ofício, do projeto nacional seu ideal,

do cientificismo seu método e da polêmica sua estética: Silvio Romero.

Sergipano, em 1863, Romero fora para o Rio de Janeiro estudar no Atheneu

Fluminense, e em 1868, aos 17 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Recife,

tornando-se bacharel em 1873. Em 1878 estava outra vez na Corte fluminense, onde

trabalhou como Juiz em Paraty e professor do Colégio Pedro II. Em 1897, ingressou na

Academia Brasileira de Letras (NASCIMENTO, 2008). A formação de Romero é um

dos exemplos práticos da importância das faculdades de Direito no desenvolvimento

cultural do país. Tal qual foram as escolas jesuíticas25 na primeira metade do período

colonial e as faculdades de Direito, Teologia, Medicina e “Cânones” para alguns

literatos do país como Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto,

Tomás Antonio Gonzaga Santa Rita Durão (CANDIDO, 1975), dentre outros, foram

elas para homens como Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco. Com a ausência de faculdades

de letras e filosofia, num estudo calcado na gramática e na retórica e em humanidades

em geral, o Direito era o caminho formal mais próximo para os homens de letras no

país. Quando não o autodidatismo, do qual Machado de Assis é o grande expoente, ou a

atuação diletante e radicalmente impressionista que coincidiu com o surgimento de

periódicos e revistas literárias que animavam o ambiente literário do país (MARTINS,

1980). Condição que Mikolci resume com precisão para o caso tanto de Machado de

Assis quanto para a “geração de 70”:

Machado de Assis partilhava, como os componentes da Geração 1870, da

condição de ser um intelectual em um país sem universidades nem outras

instituições que garantissem um meio intelectual autônomo para suas

atividades. Assim, nossos pensadores tinham poucas opções e se tornavam

funcionários públicos, caso de Machado, ou disputavam as poucas vagas nas

faculdades e colégios imperiais, o que se passou com a maioria dos

integrantes da Geração 1870 (MIKOLCI, 2006, p. 367).

Com a evolução histórica do romantismo ao materialismo, sai o bom selvagem

nativista e rousseauniano e entra o “indolente”, o mestiço dos trópicos. Uma postura que

influenciará a famosa geração de 70, convergindo-a ao determinismo, posição somente

revisada no século vinte com os clássicos da sociologia (BOSI, 1982, p. 275).

25 Os jesuítas oferecem, durante largo tempo o único tipo de ensino conhecido no Brasil, largamente

difundido, chegando a alcançar, no colégio de Artes, níveis mais ou menos universitários, com os Reais

Colégios de Artes, verdadeiras Faculdades de Filosofia como temos hoje, a denominação de Mestre

Bacharel em Artes, para um curso mais ou menos equivalente ao nosso. As "artes", nos B.A inglêses e

nos colégios jesuítas são as mesmas - as sete artes liberais do Trivium e do Quadrivium (TORRES, 1968,

p.26).

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Apesar da mudança e o estabelecimento da vida adulta no Rio de Janeiro, Sílvio

Romero foi também fundador da antológica Escola do Recife, movimento que projetou

nomes como Tobias Barreto, contando ainda com Clóvis Bevilácqua e Artur Orlando, e

com quem uma das principais discussões se deu em torno do positivismo de Auguste

Comte aliado ao evolucionismo, ou darwinismo social, de Hebert Spencer versus a

abordagem kantiana e metafísica, buscando uma epistemologia que pudesse ser aplicada

ao culturalismo brasileiro (PAIM, 2007). Alinhados à primeira, Romero e Beviláqua; à

segunda, Tobias Barreto e seus discípulos. Um embate filosófico que buscava delimitar

as matrizes de análise dos fenômenos nacionais, seja no campo do direito, da literatura

ou da filosofia. Um conflito que não rendeu nenhum vencedor absoluto, mas no qual

Romero atuou pelo materialismo científico26, de abordagem sociológica positivista

(PAIM, 2007). Sendo assim, Mikolci resume que

Silvio Romero foi um dos representantes mais célebres da Geração de 1870.

Apesar de sua origem na camada senhorial decadente de Sergipe, o que

caracterizava este egresso da Faculdade de Direito do Recife era sua

compreensão da vida intelectual como eminentemente política (MIKOLCI,

2006, p. 354).

Esta “vida intelectual eminentemente política” será então a marca de sua

trajetória, traduzida no sociologismo evolucionista, ou seja, um projeto de Brasil, e a

responsável por um dos mais célebres confrontos da literatura local. Tamanha a rispidez

do sergipano ao lidar com seus desafetos, Machado de Assis – o principal deles – o

classificava como medíocre. Em sua crítica a Cantos do Fim do Século, o Bruxo do

Cosme Velho salientou a carência de estilo do sergipano, fruto do cientificismo calcado

em seus ídolos Darwin e Spencer (MIKOLCI, 2006).

26

Uma das produções que apontam esse posicionamento - muito embora Silvio admitisse que havia

questões para as quais a intelectualidade ainda não tinha encontrado respostas e que ele também não as

possuía, algumas vertentes já estavam extintas de forma definitiva, restando aos pensadores descobri-la –

é sua defesa de tese, em 1875, na Faculdade de Direito do Recife, de que a metafísica estava morta “A

metafísica, que foi dada por morta em 1875, era a metafísica dogmática, ontológica, apriorística, inatista,

meramente racionalista, a metafísica do velho estilo, feita à parte mentis, a pretensa ciência intuitiva do

absoluto, palácio de quimeras fundado em hipóteses transcendentes, construindo dedutivamente de

princípios, imaginados como superiores a toda verificação. Esta morreu e está bem morta para todo

mundo. A metafísica que se pode considerar viva é a que consiste na crítica do conhecimento, como a

delineou Kant nos seus Prolegômenos, e, mais, a generalização sintética de todo o saber, firmada nos

processos de observação e construída por via indutiva. Esta vive e viverá sempre, porque, além de ser

uma disposição natural do espírito, supre algumas falhas das ciências particulares, mas sem abrir luta com

estas e antes nelas se, apoiando, mantendo sempre ativos os largos surtos e aspirações da razão para o

lado do desconhecido”(ROMERO apud PAIM, 2007, p. 177)

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A condição privilegiada de Machado, quanto ao posto que ocupava lhe dando

estabilidade, desafiava então as proposições dos darwinistas sociais, Romero incluso. O

romancista não poderia estar onde estava devido à sua condição de mestiço pobre de

origem – e ainda por cima gago, epilético e posteriormente atingido pela doença dos

olhos. Por isso “a dissidência de Machado com relação a esses intelectuais” que “revela

que o escritor jamais incorreu no erro de se imaginar como parte da elite brasileira dos

estabelecidos, compreendidos como ‘modelo social’” (MIKOLCI, 2006, p. 372).

Ávido leitor de assuntos gerais, o esforço principal de Romero foi a instituição

de uma de epistemologia que fornecesse as referências para investigação de seus objetos

de interesse, que foram muitos, mas que limitaram-se por estar “obnubilado por

apriorismos letais” (BOSI, 1982, p. 280). Dentre suas áreas de estudo e pesquisa

estiveram a literatura, a história e a crítica literária, dando início a rejeição mais enfática

do indianismo romântico de Magalhães e Alencar, e cujo grande propósito era “definir

quais os caracteres de uma literatura brasileira”, considerando a características recebidas

“do meio, das raças e dos costumes” (CANDIDO, 1975, p. 323).

Sua grande obra, História da Literatura Brasileira, publicada em dois volumes,

é seu tratado epistemológico social e historiográfico. Sua interpretação dos fenômenos

do Brasil a partir de seu sincretismo cultural em escala macro, que tomava a literatura

como objeto de interpretação da “civilização brasileira” como um todo (CAIRO, 2014,

p.53). Dessa forma, sua missão foi buscar caracterizar o país englobando

todas as manifestações da inteligência de um povo: política, economia, arte,

criações populares, ciências... e não, como era de costume supor-se no

Brasil, somente as intituladas belas-letras, que afinal cifravam-se quase

exclusivamente na poesia!...(ROMERO apud CAIRO, 2014, p.53).

Ali, Romero condensou as obras que compreendeu refletirem a especificidade

nacional e terem contribuído para a formação do país enquanto nação. Nação mestiça

em que todas as etnias têm lugar de forma mesclada, da qual o até então índio

idealizado é apenas parte constituinte (SCHERER et ALMEIDA, 2009). Por isso a

importância do posicionamento do intelectual diante de seu país, uma atitude política,

que se traduzia no debruçar-se sobre o elemento tupiniquim e revirá-lo trazendo à luz do

público a síntese histórica de seu autoconhecimento (SCHERER et ALMEIDA, 2009).

Sendo assim, a literatura para o fundador da Escola do Recife era como expressão direta

de fatores naturais e sociais, onde o progresso da humanidade se refletia de forma

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determinista, como resultado dos fatos históricos e o caráter necessariamente genético

da crítica literária (SOUZA, 2004).

É essa concepção radical e determinista que irá justificar a desproporção de

Sílvio frente a Machado. Ao contrário do romancista, Romero cometera verdadeiros

achaques e insultos, que se justificavam devido à visão de que “o verdadeiro artista

agiria por impulso”, certo de que condicionado até mesmo pelos ventos e o clima de seu

território o escritor “permitiria a emergência de uma potência interna” que, ato contínuo,

traduziria um resíduo de brasilidade. Mas a “defesa cética de uma ironia compassiva”

diante das circunstâncias brasileiras, transformado num esteticismo crítico à pretensão

científica, “é uma postura diante da vida que apenas soaria a Sílvio como fragilidade e

insegurança” (AGUIAR, 2014, p.59).

Assim, absorvido pela polêmica, o autor acreditava que o país e o povo já

possuíam sua essência e que era “hora de lutar por seu lugar na história”. Tarefa para a

qual ele tomou a literatura como pedra de toque que poderia “com proveito ser

consultada como sintoma de seu progresso ou decadência” da vida e do espírito

nacionais (PEREIRA, 2008). Noção para qual e na qual, segundo Romero, Machado

não se enquadrava nem um pouco.

Dessa forma, Silvio Romero foi ponta de lança nos estudos culturais, em sentido

amplo, e sociológicos brasileiros e nome proeminente na história da crítica literária, que

Wilson Martins chamou de primeiro crítico de ofício (MARTINS, 1980). Em crítica, a

fase de 1870 a 1920, possuiu três figuras principais, pois junto a Sílvio estiveram

Araripe Júnior e José Veríssimo, o que se poderia chamar de “a crítica nacionalista de

origem romântica”, dado seu idealismo militante pela pátria Brasil, que aqui também

tratava da “construção de uma consciência literária”, baseado num critério de

nacionalidade que consistia em avaliar um escritor ou obra por meio do “grau maior ou

menor com que exprimia a terra e a sociedade brasileira” (CANDIDO 2006, p.123), e

que Tristão de Athayde (1980) definiu como período da crítica construtiva, de antes da

publicação da História da Literatura Brasileira, de Sílvio Romero, à publicação da

Pequena História da Literatura Brasileira, de Ronald de Carvalho, marca a aquisição

pela crítica de consciência e autonomia.

Seguindo a tríade do meio, raça e momento, originária do crítico e historiador

Hippolyte Taine, tão presente no realismo literário e na crítica do fim do século, Araripe

Júnior deu mais ênfase à influência climática, justificando por ela aquele que seria seu

conceito-chave, a “obnubilação” (FILHO, 1999). Defendida pela primeira vez em 1887,

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a tese sobre a literatura brasileira explicava que o fenômeno da obnubilação era

poderoso, pois absorvia o imigrante de tal maneira que este esquecia sua terra natal

(COUTINHO, 1968). Daí sua valorização da literatura do período colonial, que para ele

já era reflexo de uma miscigenação mesológica, resultando numa interpretação antropo-

literária, de fundo materialista, ou seja, o surgimento de novos homens e novos

autores/escritores a partir de sua imersão em novos ambientes. Teoria que inclusive

servirá de base para a argumentação do próprio Afrânio Coutinho sobre o “novo

homem” e a “nova literatura” de um “novo mundo” e sua defesa do Barroco brasileiro

(COUTINHO, 1968, p.10).

Igualmente engajado, o crítico e historiador buscou determinar as origens do

nativismo brasileiro, que ele encontrou na figura de Gregório de Matos, vendo no poeta

Baiano um ente novo, já fruto da “obnubilação”, caracterizando um típico nativo da

terra, ainda que inconsciente dessa condição (FILHO, 1999), mesmo critério que,

inclusive, o levou a classificar Brás Cubas como “o livro mais esquisito de quantos se

têm publicado em língua portuguesa”, bem como a questionar a respeito de Quincas

Borba: “Quem nos diz que este personagem [Rubião] não seja o Brasil?” (ARARIPE JR

apud GUIMARÃES, 2004, p. 270-278). Sendo assim:

O humorismo, apontado por Veríssimo como traço distintivo da obra, e

entendido por Romero como afetação do escritor, será compreendido por

Araripe como um forma peculiar de humor – o paradoxo literário –,

resultante do contato entre um produto exclusivo da raça anglo-saxônia e as

novas condições mesológicas e étnicas do Brasil. Eis aí a aplicação, para fins

machadianos, de uma das formulações mais originais do pensamento de

Araripe Jr., que tinha no meio físico uma de suas categorias centrais

(GUIMARÃES, 2004, p.227).

Retomando o caminho do valor da literatura como arte, José Veríssimo foi

importante expoente da análise literária como objeto em si, e não como reflexo

sociológico ou antropológico, ou área menor integrada ao todo do culturalismo (BOSI,

1982). Com uma seleção de autores “bem mais rigorosa que a de Sílvio Romero”

(BOSI, 1982, p.284), Veríssimo declara um rumo diverso para os estudos literários,

desvinculando o escritor da obrigação de retratar “a cor local e construir a literatura

nacional” (GUIMARÃES, 2004, p. 278). Nela se registrou a ênfase no “corpus” da

crítica. Projeto que o próprio historiador definiu como:

Somente o escrito com o propósito ou a intuição dessa arte, isto é, com os

artifícios de invenção e de composição que a constituem, é, a meu ver,

literatura. Assim pensando, quiçá erradamente, pois não me presumo de

infalível, sistematicamente excluo da história da literatura brasileira quanto a

esta luz se não deva considerar literatura. Esta é neste livro sinônimo de boas

ou belas-letras, conforme a vernácula noção clássica. Nem se me dá da

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pseudonovidade germânica que no vocábulo literatura compreende tudo o

que se escreve num país, poesia lírica e economia política, romance e direito

público, teatro e artigos de jornal e até o que se não escreve, discursos

parlamentares, cantigas e histórias populares, enfim autores e obras de todo o

gênero. (VERÍSSIMO, 1929, p.13-14).

Sua empreitada, entretanto, ficou no meio termo, típico dos fundadores ou

inovadores que abrirão caminho para uma nova perspectiva. Assim acabou resultando

num trabalho meio ideológico, meio psicossocial. Nem puramente estético, e com

critérios “frágeis de caráter subjetivo e intransigentes” (BOSI, 1982, p.285), o que era

resultado de um impressionismo puramente subjetivo, que embora se esforçasse para o

rigor, tratava o objeto de crítica de forma pessoal, baseado na “pura doxa, opiniões

imediatas resultado da impressão deixada pelas obras, bem como marcada por um

descritivismo fruto de um ‘estruturalismo mal assimilado’” (COUTINHO, 2009, p.

137), resultando numa espécie de historicismo impressionista.

Logo no início de sua História da Literatura Brasileira, concluída em 1912,

publicada, porém, em 1916, ano de sua morte, José Veríssimo dá o resumo do que viria

a ser sua visão sobre o amadurecimento da literatura no Brasil enquanto expressão

brasileira propriamente dita. Marcada pela afirmação de um nacionalismo, a superação

de sua condição colonial, segundo ele, preservou e manteve ao máximo a tradição

literária portuguesa; submissa a esta e repetindo suas manifestações, embora de maneira

inferior e sem nenhuma excelência. Para Veríssimo, a literatura no Brasil era já a

expressão de um pensamento e de um sentimento que não se confundia mais com o

português, cujo momento de emancipação chega com o Romantismo; seguido da

independência, a emancipação política. Entretanto, o que viria a distinguir a literatura

patrícia da brasileira seria o "espirito nativista primeiro e o nacionalista depois"

(VERÍSSIMO, 1929, p.1).

Em crítica a Machado de Assis, Veríssimo, semelhante a Araripe, considerou as

especificidades do autor, revelando independência de juízo e ao mesmo tempo um certo

diletantismo, evidenciado pelo excesso de adjetivações, dizendo que livros como os de

Machado de Assis “confortam-nos algumas horas como o doce perfume de uma flor

rara ou a sombra fofa de uma copa de árvore em meio de longo caminho árido”

(VERÍSSIMO apud GUIMARÃES, 2004, p.270). E com a independência que o

caracterizava, mas mantendo as nuances da opinião impressionista, declara que

“Machado de Assis não é um romântico”, muito menos naturalista ou nacionalista.

(VERÍSSIMO apud GUIMARÃES, 2004). Assim, retirando o escritor das claves

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sociológicas ou ideológicas e considerando seu humor e seu pessimismo, o crítico busca

qualificar o texto pelo que ele tem de próprio e não ao que ele se presta ou a que causa

deixa de contribuir, “com isso, Veríssimo inaugurava outra vertente para a crítica

machadiana, que busca na obra de Machado pulsações filosóficas e existenciais, válidas

não só no Brasil, mas em todos os quadrantes” (GUIMARÃES, 2004, p. 279).

Segundo Alfredo Bosi (2002, p.15), Silvio Romero e José Veríssimo, embora

tenham divergido quanto a Machado (aqui tomado apenas como exemplo

descompromissado), “rejeitavam a internacionalização do gosto literário”, a exemplo do

Simbolismo, nunca bem aceito e visto como “doutrina exótica”. Daí a valorização do

aspecto racial, biológico e ambiental como fatores determinantes da identidade e de um

espírito nacional, como uma espécie de sincretismo étnico que geraria o homem

nacional, e, por conseguinte, uma literatura própria, conforme ilustrado no trecho a

seguir:

As reações que daquele meio porventura sofreu foram apenas de ordem

física, a impressão da terra em seus filhos; de ordem fisiológica, os naturais

efeitos dos cruzamentos que aqui produziram novos tipos étnicos; e de ordem

política e social, resultantes das lutas com os Holandezes e outros forasteiros,

das expedições conquistadoras do sertão, dos descobrimentos das minas e

consequente dilatação do paíz e aumento da sua riqueza e importância. Estas

reações não bastaram para de qualquer modo infirmar a influencia [sic]

espiritual portuguesa e minguar-lhe os efeitos. Criaram, porém, o sentimento

por onde a literatura aqui se viria a diferenciar da portugueza (VERÍSSIMO,

1929, p.02).

Ao longo da historiografia da literatura e da crítica nacionais, a independência

desempenha papel fundamental na cronologia dos períodos – e simbólico no sentido da

nacionalidade brasileira. A partir daquele momento pôde-se vislumbrar a identificação

de algo genuinamente brasileiro, enquanto nação agora de fato em processo de

constituição, pois que não mais uma colônia, a exemplo do questionamento do próprio

Silvio Romero (2001, p.71), de “que motivos aconselham a marcar uma fase com os

primeiros quarenta anos do século XIX? Menos justificável ainda é este período”,

tamanha a exaltação do fator nacional, para ele aspecto pouco explorado no referido

período.

Ao se considerar “período” em vez de “gênero”, a análise crítica desloca, grosso

modo, o eixo principal de observação da estética para história. Tal como seus

antecessores, outros críticos e historiadores da literatura brasileira deram notória

consideração à independência no trajeto da identidade literária nacional, tal como

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Wilson Martins; seja em função da sua importância determinante do fenômeno político,

ou pela necessidade de comentá-lo quando dialogam com outros autores. Sendo assim,

Martins (2002) ressalta que o Brasil, enquanto país de formação colonial não possuiu

“literatura própria” antes de 1822, conseguindo autonomia apenas posteriormente, no

que ele aponta uma confusão entre “história da literatura no Brasil” e “história da

literatura brasileira”, pois antes desta existia literatura portuguesa feita aqui, haja vista

que “foi a literatura portuguesa no Brasil, que então coincidia, para o que nos concerne,

com a nossa história literária, que preparou o terreno para o aparecimento da literatura

brasileira” (MARTINS, 2002, p.32). Sendo assim, se por um lado o Veríssimo crítico

não cobrava o nacionalismo literário, exigia a originalidade estética do nativo. O

desprendimento da colônia era uma necessidade dos literatos nacionais, o progresso da

formação de uma nacionalidade que era a busca incessante dos críticos e literatos

nativos, a independência permitia agora um espírito nacional, pois havia aqui um país.

Portanto:

O sentido nacional de uma literatura, como observa Machado de Assis numa

página célebre, não reside no assunto nacional, mas no espírito nacional, e

espírito nacional não o possuíam, nem poderiam possuir, os escritores antes

de 1830. O nativismo não se confunde com o sentimento de pátria, este

pertencendo ao espírito de que falava Machado de Assis, e aquele, mais

simplesmente, ao domínio dos impulsos temáticos (MARTINS, 2002, p.31-

32).

A morte destes grandes críticos27, grosso modo, deixará um vácuo na atividade

crítica seja em sua modalidade de compêndio histórico de fôlego, atividade

empreendida por diversos comentadores, seja na atividade dos periódicos literários e

culturais, onde os nomes somam dezenas. Período precedente ao que Wilson Martins

(1980, p.436), denominou como “crítica de manutenção”, com “hiato de produções

esparsas com critérios difusos” e resultados pouco influentes, da qual fizeram parte

autores como Duque-Strada – este, considerado o novo Romero pela gravidade do tom

–, Nestor Vítor, Alceu Amoroso Lima, Jackson de Figueiredo, e tantos outros.

Entretanto, a História da Literatura enquanto disciplina e área privilegiada do

interesse crítico e intelectual brasileiro permanecerá por décadas, como se verá adiante.

Conforme elucidado ao longo deste breve estudo, aliado ao espírito nacionalista em suas

diversas matizes, associado à formação dos Estados modernos, o estudo da história

nacional tendo a literatura como parte integrante privilegiou o interesse por esta como

ramo independente do conhecimento. Ou seja, a partir do desenvolvimento da literatura

27 Romero, Araripe Jr. e Veríssimo.

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enquanto campo mais específico de interesse, o historicismo literário se consolidou

como método de estudo, resquício do nacionalismo. Condição que gozava de prestígio

não só pelo espírito da questão nacional, mas pela periodicidade precária, comparada

aos dias de hoje, de que se servia a recepção da produção literária do país. Dessa forma,

grandes compêndios concentrados no fôlego de críticos de ofício podiam condensar

uma vastidão de autores que hoje, pode-se dizer, diluem-se na diversidade de

periódicos de diversos meios que cobrem quase em tempo real a produção que se

renova.

Sendo assim, pode-se dizer que a historiografia literária, fruto de diretrizes “de

um projeto oficial do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838”

(CAIRO, 2014, p.52), contribuiu para consagração de muitos literatos nativos,

estabelecendo o cânone nacional, uma narrativa recortada numa reunião de obras e

escritores considerados dignos de nota, no momento em que o determinava num estudo

mais extenso e empenhado, comparado aos esparsos comentários muitas vezes baseados

em diatribes das revistas, em sua maioria datados e sem conexão entre si. Dito isto, o

objetivo das histórias da literatura é reunir um seleção sob determinado conjunto de

critérios – neste caso, a “pátria”. Entretanto, um dos traços marcantes fora a ausência de

um referencial teórico contundente, bem como a explicitação de um método ou

fundamentação conceitual, tendo como um traço típico “certa inapetência por teorias, o

que certamente está relacionado à sua feição mais narrativa do que dissertativa”

(SOUZA, 2014, p.10). Com isso, Roberto Acízelo de Souza ainda salienta que:

A história da literatura foi o principal meio de estudos das letras nacionais até

a primeira metade do século XX, quanto então a teoria da literatura começa a

se fazer presente, dando o ar de sua graça. (...) A história da literatura

nacional, assim, chegaria madura e forte ao século XX, e como tal se tornará

o esteio principal da formação literária em nível superior, que, no caso

brasileiro, se instituiu a partir da década de 1930, quando da instalação das

nossas primeiras faculdades de filosofia, ciências e letras (SOUZA, 2014,

p.45-46).

Por outro lado, dentre os críticos menos sistemáticos, eram constantes também

os debates acalorados. Se estes pouco contribuíram para compreensão do fazer literário

como um todo, seus argumentos eram verdadeiras demonstrações de esforço retórico.

Divididos entre gramáticos, para quem o homem era o estilo e o estilo era as correções

gramaticais, e impressionistas, cujas opiniões eram simplesmente dadas como opinião

pessoal, era na polêmica que se discutiam as minúcias gramaticais e miudezas formais

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que não comprometiam a literariedade, embora a postura desse ares de seriedade

(MARTINS, 1980). Neste contexto, pode-se dizer que surge a figura do crítico

militante, aquele crítico de ofício e dedicado à recepção judicativa do mercado editorial

e que coincide com o aumento dos periódicos e o surgimento de cátedras de literatura

em geral, no lugar das disciplinas clássicas da retórica e da poética. (MARTINS, 1980).

Dessa junção entre opinião individual e visão ampla nacional é que serão

compostas as futuras concepções críticas nacionais da primeira metade do século XX.

Uma influenciada pelo então insurgente Modernismo, com um forte viés “endocrítico”

tal qual apresentado por Athayde (1980) e de renovação estética sob a noção da

individualidade nacional romântica, e outra calcada no movimento francês, da crítica

aberta, já próxima dos reviews modernos, nos rodapés semanais, “esta, por conseguinte,

longe da pretensão de tornar-se uma ciência especializada, seria antes uma prática

diletante; seu lugar institucional e seu veículo, em vez da cátedra e do livro eleitos pela

vertente cientificista, se encontraria nos jornais e periódicos” (SOUZA, 2011, p.33) que

então explodiam a circulação no país em comparação aos anos anteriores devido à

industrialização, o aumento da alfabetização e a chegada das faculdades de Filosofia,

Sociologia e Letras nas décadas de 30 e 40 (COUTINHO, 1983). Uma situação antiga,

como observa Richard Mikolci:

A oposição homem de ciência versus homem de letras obscurece o que

tornava mais problemática a situação de nossos escritores e pensadores, o

fato de que não existia ainda um campo intelectual autônomo no Brasil. A

ausência de autonomia fazia com que nossos intelectuais fossem um misto de

cientistas e políticos, pesquisadores e literatos, acadêmicos e missionários, os

quais se moviam nos limites impostos por tal hibridez. (Schwarcz, 2000,

p.18) sobre o Brasil e os brasileiros (MIKOLCI, 2006, p.360).

Os autores das críticas jornalísticas, ou de rodapé, como se convencionou

chamá-las, não eram críticos literários de formação, mas magistrados, jornalistas,

professores de humanidades em geral que enveredavam pela crítica. Um perfil de crítico

que, segundo Afrânio Coutinho “de um dia para outro, em geral vindos das províncias

ou das escolas de Direito, (...) sem qualquer preparo em história ou teoria da crítica, se

arvorava a escrever sobre os livros alheios, fundados no lema de que aos críticos não se

responde” (COUTINHO apud SILVA, 1990, p.146). O que pode ser evidenciado na

declaração de A. A. Lima, a seguir:

(...) naquele tempo não havia Faculdades de Filosofia, nem estudos

superiores de letras. (...) Representávamos, realmente, a última ou penúltima

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geração dos autodidatas; se acaso o autodidatismo não representa uma

condição intrínseca de toda formação intelectual, especialmente literária.

Assim como se nasce poeta, também se nasce crítico. (...) Como

decididamente não nasci poeta (...) é possível que tenha nascido crítico, ao

menos como fazedor de crítica (...) (LIMA apud JÚNIOR, 1966, p. 29).

O cenário apresentado no Brasil, tal qual o encontrado no exterior, possibilita

uma observação oportuna, qual seja a condição de que a crítica precedeu a teoria da

literatura, até que estas surgissem e fossem absorvidas pela academia que lhes daria

forma e metodologia sistemática, com pretensões científicas universalistas. Semelhante

ao contexto clássico grego, neste trabalho alçado como exemplo significante do

desenvolvimento metodológico de pesquisa e análise, a crítica teve de, por meio de

erros e acertos, tentar acompanhar a diversidade dos fenômenos literários, ou seja, um

empirismo que somente posteriormente foi elevado à teoria geral e abstrata. Sendo

assim,

a teoria da literatura constitui uma teoria factual sobre a literatura

historicamente sucessora da crítica literária. Trata-se também, por

conseguinte, de disciplina abstratizante e universalista, dedicada a determinar

o conceito de literatura, a propor princípios e procedimentos visando à

análise de obras literárias e a fixar critérios destinados a aferir a qualidade

das produções literárias (SOUZA, 2011, p.35).

Portanto, conforme a proposta de Aristóteles, a conclusão geral dos objetos

identificados não tem, como sói concluir, caráter “modelar, tratadista e estatizante”, pois

que analisando o que já havia sido fornecido pela expressão humana por meio da

literatura o resultado “depurou aquilo que havia de comum entre elas”, ou seja, sua

universalidade, assim, por exemplo, ainda existe a discussão sobre a definição

conceitual do Romance, tamanha a diversidade de formas pelas quais foi produzido, não

permitindo assim uma síntese empírica. Portanto “longe de serem excludentes”, as duas

vertentes se complementam, levando-nos a concluir “que uma abordagem

verdadeiramente eficaz da obra literária” teria de considerar “uma perspectiva que

abarcasse essas duas tendências tradicionais”, a intrínseca e a extrínseca, segundo os

termos de René Welleck, “em seu famoso Theory of literature” (SOUZA, 2011, p. 140).

O processo, então, que outrora servira de referencial para a produção literária, o

individualismo estético como pedra de toque para o descolamento da rigidez clássica e a

abertura para novas concepções de expressividade, agora se transferia para a recepção, o

julgamento ora mais ora menos subjetivo da literatura, com a liberdade judicativa. E

como no desenvolvimento histórico, a renovação estética veio antes. Como exemplo,

pode-se apontar a afirmação de Alfredo Bosi quanto à relação da observação crítica e a

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expressão artística no contexto do Modernismo, em que “não houve historiografia

modernista no sentido estrito da expressão”; segundo o crítico, devido ao movimento

insurgente de caráter vanguardista, a crítica seguia “rente às obras de poesia e prosa que

o movimento ia produzindo” (BOSI, 2002, p. 22), existindo em função delas.

A valorização estética rivalizando em espaço com o nacionalismo de caráter

político e social foi um dos elementos apontados por Alfredo Bosi na evolução da

crítica literária brasileira. Dominante “dos três primeiros decênios do século XX”, a

historiografia da literatura da geração positivista e evolucionista foi rareando, não que

as ideias de caráter nacional tivessem perdido a força, mas:

(...) O que se foi tornando problemático (a não ser na retórica escolar) foi a

tese de uma conexão estrutural entre esquemas rigidamente

nacionais/nacionalistas e produção da obra artística ou literária. Fazer a

história da literatura brasileira como espelho dos eventos do Império ou da

República passou a ser, cada vez mais, um projeto de construção ideológica,

um programa a ser executado de fora para dentro, e que a crítica viva das

obras de arte e o seu julgamento já não podiam secundar automaticamente

(BOSI, 2002, p.20-21).

Esse processo evolutivo, organizado ou não, espontâneo ou não, culminou

naquela que seria a cisão mais profunda identificada na história da literatura brasileira; a

chegada do Modernismo. Preenchido por um amálgama de estilos expressivos (não

advindos simultaneamente, necessariamente), como dadaísmo, futurismo e surrealismo,

a modernidade artística e literária brasileira trazia consigo todo o cânone filosófico,

psicológico e sociológico que iria superar a tradição. O cenário do relativismo e do

reformismo ganhava ensejo no Brasil.

O modernismo não é um estilo, no rigor do termo, mas um complexo de

estilos de época que apresentam alguns pontos coincidentes. Esses pontos em

comum não independem do fato de que, no nosso século, o conhecimento

sofre uma grande ruptura a que concorreu a teoria da relatividade de Einstein;

a teoria psicanalítica de Freud; a filosofia de Nietzsche e a teoria econômica

de Marx. Comum a todas é o questionamento do lugar do homem como

sujeito do conhecimento (CADEMARTORI, 1986, p. 62).

Assim, a chamada geração de 22 dará início à grande renovação do fazer

literário brasileiro no momento em que unia concepção estética e crítica literária como

parte integrante de um projeto maior, tendo como plano de fundo, novamente, a

brasilidade.

O Modernismo Brasileiro foi um movimento cuja documentação e historiografia

conseguiu conjugar movimento estético com periodização cronológica. Contando ainda

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com contribuições diretas e indiretas de autores como Manuel Bandeira, Monteiro

Lobato, Graça Aranha, Paulo Prado, Raul Bopp, dentre outros, o Modernismo brasileiro

enquanto uma disposição abrigou diversas vertentes em diversas regiões distintas, que

embora cronologicamente paralelas não compuseram um todo estético e social coerente

e coeso, como no caso d’A Revista, lotada em Belo Horizonte, contando com

colaborações de Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Pedro Nava e outros; ou

ainda a Revista Verde, de Cataguases, MG, produzida por Rosário Fusci Martins

Mendes e Henrique de Resende, afirmando a “liberdade expressiva e temática

nacionalista” (BOSI, 1982, p. 390). No Nordeste, o período contava ainda com novo

cenário cultural do Recife e seu regionalismo com Gylberto Freire e José Lins do Rego,

que embora opostos ao Modernismo como projeto cultural organizado, mantiveram

contato com o grupo de São Paulo, “servindo de mediador Joaquim Inojosa” e

Guilherme Almeida, além da absorção das “liberdades modernistas” por Jorge de Lima

e José Américo de Almeida, uma “realidade poderosa com o facies próprio da região e

deu o tom ao melhor romance dos anos de 30 e de 40” (BOSI, 1982, p. 390), além de

nacionalismos mais extremos de tons fascistas como o Integralismo de Plínio Salgado e

Manifesto da Anta. Um cenário resultante da proposta original, da primeira geração, que

Mário resumiu como “os primitivos duma era nova” (apud MAGALHÃES, 1997).

Expoente da geração, Mário de Andrade estudou Ciências e Letras no colégio

Nossa senhora do Carmo e posteriormente ingressa na Escola de Comércio Álvares

Penteado, pretendendo seguir a carreira de seu pai como guarda-livros. Saído do curso

por desentendimento com o professor, inicia outro curso oferecido pela Faculdade de

Filosofia e Letras de São Paulo, ligada à Universidade de Louvain, onde foi iniciado na

tradição literária ocidental. Curso também não concluído, dando vez às aulas de piano

no Conservatório de Música (AZEVEDO, 2012, p.53):

A fase do pós-guerra foram anos bem produtivos em sua vida. Organizou, em

abril de 1918, sua primeira audição de alunos, no Conservatório Dramático e

Musical, tornou-se membro da Congregação da Imaculada Conceição de

Santa Ifigênia e irmão da Ordem Terceira do Carmo, começou seus cursos de

inglês e alemão, fez viagens a Minas Gerais, porque se interessou por

conhecer o barroco e a obra de Aleijadinho, e ampliou a colaboração aos

jornais e revista. Interessado em muitas e variadas manifestações artísticas,

lia demasiado, observava, indagava e anotava minúcias e cruzamentos da

tradição popular e das raízes culturais do país. Neste período escreveu, ainda,

os poemas de Pauliceia Desvairada, cujos originais foram submetidos ao

editor Monteiro Lobato. Mas este acabou recusando-se a publicá-los, porque

alegou “está uma coisa tão revolucionária que é capaz de indignar a minha

clientela burguesa e fazê-los lançar terrível anátema sobre todas as produções

da casa, levando-nos à falência” (AZEVEDO, 2012, p.54).

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Com vistas a entender o passado e o presente do Brasil para se entender a

identidade nacional, Mário e outros artistas fizeram grandes viagens pelo interior do

país para entender o folclore, a cultura popular e os regionalismos brasileiros. A grande

tarefa dos ideólogos do Modernismo. Ponta de lança no publicitação das concepções

modernistas, os agitadores do movimento recorreram firmemente ao lançamento de

“manifestos”, em que expunham as bases conceituais de suas propostas literárias e

culturais. Em “Prefácio Interessantíssimo”, que compõe a obra Paulicéia Desvairada,

Mário de Andrade une os dois projetos do modernismo: “o estético e o ideológico,

promovendo uma redescoberta do país, da linguagem e a formação de uma nova

literatura nacional28” (KNAPP, 2010, p.21). Iniciativa que João Luis Lafetá definiu da

seguinte maneira:

Mário vive com particular dramatismo a tensão entre sua sensibilidade de

artista, cônscio das exigências da escritura, e seus impulsos de intelectual à

procura do melhor desempenho no papel de formador da nacionalidade e/ou

no trabalho de construção social (LAFETÁ, 1974, p. 115-6).

A finalidade do escritor não era apenas de expor os recursos da linguagem

utilizados no fazer literário/poético, mas expor que esses recursos tinham sua razão de

ser e não advinham da aleatoriedade, mera intuição ou ignorância (LAFETÁ, 1974).

Assim, as aventuras culturais da geração de 22 vinham calcadas em Mallarmé,

Rimbaud, Laforgue, Apollinaire, Paul Valéry e outros como James Joyce, Ezra Pound,

Gertrud Stein, Maiakovski e Marinetti. Sua técnica e processo criativo, Mário

denominou “desvairismo”, poética aberta relacionada à escrita automática – que

posteriormente seria consolidada como prosa espontânea –, que os surrealistas

pregavam como forma de libertar do racionalismo as zonas noturnas do inconsciente,

que só posteriormente ganhariam acabamento racional, a edição29. Tal como descreve o

28 Outros famosos manifestos da época foram entre eles o “Grupo da Poesia Pau-Brasil” (1924), “Grupo

Verde-amarelo” (1927), “Grupo Antropofágico” (1928), “Grupo da Revista do Norte” (1923), “Grupo do

Congresso Regionalista” (1926), “Grupo da ‘Revista” (1925), “Grupo da revista ‘Verde” (1927), “Grupo

da revista ‘Festa” (1927) (RODRIGUES, 2006). 29 O lirismo subconsciente de Mário, embora conceituado por outros termos é sensivelmente semelhante à

poética descrita por Benedetto Croce, que se está por apresentar ainda neste trabalho. A noção de que o

belo artístico seria tanto mais belo quanto mais subjetivo, ou seja, um intuicionismo radical, que depois

passaria pela apuração e revisão formal, dando imagem acabada à sensação estanque do insight soturno e

e exposto no papel á toque de caixa no ritmo da inspiração, o “penso depois, não só para corrigir, mas

para justificar o que criei”, é justamente a noção da irredutibilidade da obra poética como radicalmente

individual concebida pelo filósofo e crítico italiano. Se Mário de Andrade estava consciente da

simultaneidade de sua lírica com a filosofia de Croce é matéria que ignoramos e não encontramos

evidência no material e fontes, mas que não vem ao caso como dilema de maior influência prática.

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próprio Mário: “Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo que meu

inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que

escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo” (ANDRADE, s.d.) 30. Com

tamanha variedade de referências, expressões e intenções, é pertinente a observação de

Flávio Teixeira a respeito do movimento:

Ter o ideal de modernidade como padrão social de referência. Sentir seduzido

e intensamente atraído pelo novo. Isto o que estava na raiz de toda a demanda

pelo moderno. Foi precisamente a existência de um imaginário social capaz

de forjar um universo mental amplamente favorável ao ideal de modernidade

o que teria tornado possível essa demanda (TEIXEIRA, 1995, p. 93).

Com uma proposta sócio ideológica já bem conhecida pela tradição literária

brasileira, o maior desafio modernista encontrava-se na forma, visto que, como

conteúdo, os motivos de sua produção eram síntese antropológica de temas nacionais,

assunto mais ou menos, de uma forma ou de outra, já integrados na cultura popular e

erudita do país. Nesse aspecto, os apontamentos de Alceu Amoroso Lima e Manuel

Bandeira podem ser destacados.

Não compartilhando totalmente do projeto acabado iniciado pela “geração dos

cinco”, Bandeira, entretanto, manteve constante contato com os envolvidos,

principalmente Mario de Andrade, fazendo as vezes do crítico escritor; sendo aquela

resposta de igual para igual, do par de ofício, a “endocrítica”, dessa forma, como bem

explanou Leyla Perrone Moisés em seu Altas Literaturas, seus apontamentos eram

muito mais no sentido de um observador-participante do que de um receptor crítico

(MOISÉS, 1998). Assim, Bandeira entrava diretamente na discussão, por exemplo, na

questão formal declarando o radicalismo estético como “suportável quando

extravagância de alguns”, embora tenha se espalhado de tal forma que a primazia do

esteticismo tornasse hermético o próprio conteúdo que ansiavam transmitir, de modo

que a questão “tornou-se uma praga” (BANDEIRA apud VELLINHO, 2011, p. 66),

fato semelhante ao parnasianismo, que embora tenha produzido poetas encantou-se pelo

formalismo escrevendo conforme a estética. Uma observação pertinente, que o próprio

autor de Paulicéia Desvairada consentiu, afirmando que os poetas de sua época

30 Ver RODRIGUES, A. Medina (et al). Antologia da Literatura Brasileira: Textos Comentados. São

Paulo: Marco, 1979. vol. 2, p. 28-32. Disponível em <

http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/jogo/pauliceia.asp > Acesso em 27 dez. 2015.

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estavam esquecendo a forma, priorizando o conceito, desconsiderando sua expressão

concreta, o poema. Como observa João Luís Lafetá:

Por certo, o desejo de se livrar do cárcere passadista implica numa recusa à

legislação estética parnasiana. Mas não implica, necessariamente, numa

recusa a toda e qualquer legislação. Mário sempre teve presente – mesmo nos

momentos de maior ênfase sobre o lirismo- a necessidade e a importância da

técnica. Sua formação rigorosamente intelectualista não permitiria a adoção

do irracionalismo absoluto. No refinado conhecedor de música a inclinação

construtiva estava enraizada de longa data e não daria chance a uma

concepção de arte que simplificasse a questão da ruptura pela simples elisão

da técnica (LAFETA, 1974, p. 127).

Uma questão, portanto, mais de grau do que de gênero para Bandeira, já que o

próprio poeta era adepto e defensor do verso livre, tendo-o utilizado muito antes dos

modernistas, dentre outras coisas, e leitor assíduo de Mário. Mesmo assim, a liberdade

formal ficou marcada com a consolidação de 22 (VELLINHO, 2011). Apesar disso,

Mário assentiu à questão formal:

A poesia brasileira muito que tem sofrido destas inconveniências,

principalmente a contemporânea, em que a licença de não metrificar botou

muita gente imaginando que ninguém carece de ter ritmo mais e basta ajuntar

– frases fantasiosamente enfileiradas pra fazer verso livre. Os moços se

aproveitaram dessa facilidade aparente, que de fato era uma dificuldade a

mais, pois, desprovido o poema dos encantos exteriores de metro e rima,

ficava apenas... o talento. E já espanta, um bocado dolorosamente, esse

monturinho sapeca de livros de moços, coisa inutil, rostos mais ou menos

corados, excessiva promessa, resumindo: bambochata que não resiste à

primeira varredura do tempo (ANDRADE, 1978, p.27).

Um dos indícios que sugerem, portanto, por que a primeira geração foi

considerada pelo escritor a gênese da renovação que se seguiria. Assim, numa

conferência intitulada “O Movimento Modernista”, posteriormente publicada em

Aspectos da Literatura Brasileira, o escritor afirma que o “movimento modernista foi o

prenunciador, o preparador e por muitas partes o criador de um estado de espírito

nacional.” (ANDRADE, 1978, p.231). Pois segundo o pesquisador e escritor, as

transformações que ocorriam no mundo exigiam a “remodelação da inteligência

nacional”, o que ao modernismo correspondeu a Semana de 22 como marco, o “brado

coletivo principal”. Assim, mais do que um projeto com tópicos determinados, pode-se

se referir ao movimento como “espírito modernista”, ou seja, uma nova forma mentis

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brasileira, porque “não era uma estética, nem na Europa nem aqui. Era um estado de

espírito revoltado e revolucionário” (ANDRADE, 1978, p.251).

São, portanto, evidentes os elementos que indicam a consciência e capacidade de

autocrítica andradeana, de homem lúcido e atento às objeções à sua própria produção e

ao contexto intelectual/cultural mais amplo no qual estava integrado, seja por meio das

cartas que trocava com escritores à época, seja pela revisão e crítica aberta exercida nos

periódicos e jornais. Assim, o expoente do navio quebra gelo da modernidade artística

brasileira vivia de “dualismos” reconhecendo o lugar histórico e estético das artes,

pesando igualmente o “valor da tradição e da inovação” (ALVIM, 2012, p.35). E como

destaca Fernando Alvim:

propondo inúmeros processos e ideias novas, o movimento modernista foi

essencialmente destruidor, em seu instinto radical, nas primeiras proposições,

de romper com a tradição. Para ele, o modernismo foi corrosivo até para os

próprios artistas modernistas, “porque o pragmatismo das pesquisas sempre

enfraqueceu a liberdade de criação. Essa a verdade verdadeira” 31 (ALVIM,

2012, p.36).

Além das viagens e dos extensos estudos sobre a cultura brasileira, Mário de

Andrade – e outros tantos escritores do movimento modernista e literatos em geral –

manteve sempre o hábito do contato com a cultura estrangeira, da qual extraía o

substrato de vanguarda que embasava suas iniciativas aqui. “Dialogar com elas é

atualizar a inteligência nacional e sincronizá-la ao fluxo de sentido do pensamento

ocidental” (ALVIM, 2012, p.32).

O que lhe rendeu uma “vasta quilometragem cultural” cujo reflexo principal se

concentrou no uso da linguagem, a questão formal, “capaz de valorizar

experimentalismo” e ”entender expressões de vanguarda” (AZEVEDO, 2012, p.138), ao

passo que buscava representar nessas novas tendências estéticas, um claro embate frente

ao conservadorismo formal brasileiro sintetizado na ruptura com o Parnasianismo, dar

“sentido à tradição nacional brasileira. Unir esses dois aspectos faz parte do projeto

estético e ideológico do autor de Macunaíma” (ALVIM, 2012, p.32). Assim, Alfredo

Bosi relata que:

As inovações atingem os vários estratos da linguagem literária, desde os

caracteres materiais da pontuação e do traçado gráfico do texto até as

estruturas fônicas, léxicas, e sintáticas do discurso. Um poema da Paulicéia

31 ANDRADE, Mário de. “O movimento modernista”. Em: Aspectos da literatura brasileira. São

Paulo: Martins, 1974, p.240.

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Desvairada , ou um trecho de prosa das Memórias Sentimentais de João

Miramar, um passo qualquer extraído de Macunaíma ou um conto ítalo-

paulista de Antônio de Alcântara Machado nos dão de chofre a impressão de

algo novo em relação a toda a literatura anterior a 22: eles ferem a intimidade

da expressão artística a corrente dos significantes (BOSI, 1982, p.391).

Diferentemente de Sílvio Romero, o aspecto ideológico do projeto andradeano ia

muito mais além da mera postura diante dos fatos literários e cultura nacional como um

todo. Mais do que um imperativo metodológico, caracterizado pela militância individual

e autônoma em privilegiar o fator nacional como objeto de estudo, Mário de Andrade

conseguiu unir nacionalismo, modernização estético/formal e administração pública na

promoção de suas ideias. E eis ai, então, o ponto central da divergência de Alceu

Amoroso Lima, e o exemplo dos desafios da crítica e acompanhar a cultura em tempo

real, bem como desta responder com equivalência as objeções feitas no imediatismo,

sem distanciamento histórico.

Essa postura de estudioso do Brasil e intelectual militante, assumida pelo

modernista desde o início de seu trajeto cultural, exerceu forte influência na forma de se

fazer literatura no Brasil, mas, sobretudo, na forma como os brasileiros passaram a se

perceber. Sendo Mário de Andrade um marco no pensamento estético brasileiro, pode-

se dizer que a consciência estética de um povo está diretamente ligada à sua consciência

histórica, assim, “suas contribuições para os campos da etnografia não são por acaso”,

visto que seu propósito era demonstrar “sua sensibilidade de artista e seu empenho de

intelectual que ofereceu contribuições importantes nas várias áreas em que o seu gênio

atuou” (ALVIM, 2012, p.88). Dessa forma,

é ingênuo considerar que um movimento complexo e longo como o

modernismo brasileiro, que percorre convencionalmente o período situado

entre 1922 e 1945, como um movimento desde sua origem acabado

ideologicamente e restringi-lo a perspectiva estética como se essa também

não abarcasse uma ideologia, desconsiderando o valor da arte como fato

social (ALVIM, 2012, 93-94).

Indicado por Armando de Salles Oliveira, Fábio Prado assumira a prefeitura de

São Paulo recentemente. A 31/5/1935, após insistentes pedidos de Paulo Duarte, chefe

de gabinete de Prado, Mário de Andrade aceitou a nomeação para a chefia da Divisão de

Expansão Cultural e do Departamento de Cultura e recreação. A parceria, que mais a

frente contaria com outros agentes, orquestraria uma série de iniciativas inovadoras na

capital, promovendo a modernização da administração nas áreas de educação e cultura

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sob os auspícios de Mário de Andrade (AZEVEDO, 2012). Neste contexto, os

modernistas estavam interessados em levar para seus escritos elementos populares,

representando em seu discurso o cotidiano do povo captado por eles. Assim, a produção

literária visava dar forma erudita e superior à matéria popular, fornecida pelo próprio

contexto brasileiro, não se preocupando, entretanto, em ser entendida pelo público que

lhe fornecia os próprios elementos em que se baseavam os literatos cultos e bem

formados; “o leitor a quem imaginariamente se dirigiam vivia realidade bem específica”

(AZEVEDO, 2012, p. 138).

Sendo assim, o projeto ideológico esbarrava no estético; era necessário sanar a

defasagem intelectual e cultural do público à época. Para tanto era necessário então o

aparelhamento institucional que pudesse capacitar a população, justificando a oferta

para uma demanda inexistente. Assim, com projeto que vinha se desenvolvendo desde

os tempos de Paulo Prado, em 1936 a pedido de Gustavo Capanema, então ministro da

Educação e Saúde do Governo Vargas, Mário de Andrade ofereceu o projeto de

proteção do patrimônio cultural nacional, que idealizou o Serviço do Patromônio

Artístico Nacional, SPAN (ALVIM, 2012). Assim, como resume Carmen Lucia de

Azevedo, Mário

ajudou a montar a estrutura básica de funcionamento de um órgão pensado

como modelo a ser aplicado nacionalmente e deu início a atividades culturais

sistemáticas e significativas no campo dos livros e da leitura, da música, do

folclore, do cinema e do rádio (AZEVEDO, 2012, p. 60).

Gestado por intelectuais e políticos e promulgado em 1937, a criação do

departamento envolveu um grupo que desde a década de 20 militava por projetos na

educação e na cultura em São Paulo. Semelhante aos mecenas aristocráticos, ajudou o

próprio Modernismo, investiu e lutou pelo desenvolvimento da universidade pública no

país, e contou com personalidades da altura do governador Armando Salles de Oliveira

e de Júlio de Mesquita Filho, proprietário do jornal O Estado de São Paulo (SANTOS,

2012). Logo após sua implementação, o DC dá início a simbiose cultural modernista

encabeçada por Mário, agrupando suas atividades em três blocos, quais sejam de

diagnóstico, de intervenção e pesquisa para educação, integrando uma pesquisa que

forneceria o mapeamento das condições socioculturais da cidade para as intervenções

pudessem ser feitas, “neste aspecto, o DC inovou notavelmente. Enquanto durou o DC

empreendeu uma série de pesquisas sociais e etnográficas que resultaram em dados

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estatísticos e mapas demonstrativos das condições de desenvolvimento da cidade”

(MELLO apud SANTOS, 2012, p.173).

Com tamanha abrangência de atuação, o projeto modernista trouxe ao centro da

discussão, agora com maior ênfase, a importância do intelectual na formação da cultura

em sentindo amplo – tanto maior quanto mais este estiver envolvido em instituições

públicas podendo exercer não só intervenções individuais, mas determinar o que todos

os outros agentes tem de fazer. Assim, o papel dos intelectuais foi fundamental, visto

que eles quem instituíram esse imaginário moderno e firmaram parcerias influentes na

construção de sua proposta, “de modo que a sociedade via como que projetada nas

representações do ser moderno a imagem com a qual se identificava” (TEIXEIRA,

1995, p. 94). Dessa forma, Antonio Candido acrescenta que o Departamento de Cultura

pretendia

não apenas a rotinização da cultura, mas a tentativa consciente de arrancá-la

dos grupos privilegiados para transformá-la em fator de humanização da

maioria, através de instituições planejadas (...) para fazer da arte e do saber

um bem comum; para incorporar as conquistas do Modernismo à tradição

que ele veio atualizar e fecundar; para extrair dos grandes ideais do decênio

de 1920 as consequências no terreno da educação e da pesquisa (CANDIDO

apud SANTOS, 2012, p.175).

Um dos opositores do projeto modernista, que se utilizou do exercício da crítica

literária e cultural no debate público, foi Alceu Amoroso Lima, também referenciado

como Tristão de Athayde. Seu pseudônimo jornalístico e literário. Como tantos outros

pensadores nacionais, em 1909 Lima deu início à faculdade e então se formou em

Direito. Descendente numa família de posses, o autor nunca escondeu sua distinção

social, que sempre flertava com os altos círculos sociais e intelectuais, o que muitas

vezes lhe rendia a pecha pura e simples de elitista. Sempre em contato com a cultura

europeia – assim como a dupla dos Andrade –, após voltar ao Brasil em 1912 de sua

terceira viagem e concluir o bacharelado, Alceu retorna a Paris para assistir às aulas do

filósofo Henry Bergson, que dará o tom de seu discurso durante boa parte da carreira.

Em 1919 dá início, então, à atividade crítica, n’O Jornal (RODRIGUES, 2012). Neste

mesmo ano tem início sua correspondência com Jackson de Figueiredo, líder e agitador

do movimento católico de oposição política e cultural, e que em 1928 culmina em sua

conversão ao catolicismo e dá início a sua atividade como “diretor de A Ordem e passa

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também a presidir o Centro Dom Vital, após a morte de Jackson” (RODRIGUES, 2012,

p.68).

Diferentemente de Jackson, “cruzado da igreja”, que recusava não apenas a

modernidade com todas as suas contradições do liberalismo burguês e socialismo, bem

representada pela figura de Oswald de Andrade, mas “também os próprios tempos

modernos nascidos no Renascimento, que haviam quebrado a unidade do cristianismo”

(GOMES JÚNIOR, 2011, p.103), Alceu Amoroso Lima foi um homem de seu tempo e

pensou as questões que permeavam a realidade brasileira, entendendo a necessidade do

desenvolvimento de sua cultura, do entendimento de sua própria identidade e refletindo

pari passu sua modernização. À frente do Centro Dom Vidal, o escritor esteve em

contato e colaboração com diversos escritores de verve modernista “entre eles Augusto

Frederico Schmidt, Francisco Karam, Durval de Morais, Jorge de Lima, Murilo

Mendes, Octavio de Faria, Lúcio Cardoso e Cornélio Penna” (SCHINCARIOL, 2006,

p.98), sua divergência ao projeto, era então mais de conteúdo do que de forma. Assim,

apesar do resgate do valor teórico do catolicismo e do moralismo como chave de

interpretação crítica, o crítico esclarece que:

Jackson e Mário de Andrade julgavam que a Igreja estava necessariamente

ligada a certas formas de arte e de política, isto é, à defesa da Autoridade e do

Classicismo. E por isso nem um nem outro podiam compreender a minha

“contradição” de procurar ser ao mesmo tempo, como desde então tenho

tentado ser: católico em religião, tomista em filosofia, democrata em política,

e modernista em arte. Nem antinomia porque católico como Jackson; nem

anticatólico porque modernista como Mário de Andrade. Ao contrário,

católico e moderno em arte (LIMA apud GOMES JUNIOR, 2011, p.124).

Como Mário de Andrade encaminhou a arte para a politização, proposta n’O

Banquete platônico e representada em sua própria obra pelo libreto Café, para Lima a

“música e as artes seriam instrumentais, imperfeitas e transitórias, porém eficazes na

construção de novas formas sociais e políticas” (TRAVASSOS apud SANTOS, 2012,

p.177). Dessa forma, o crítico queria criar um ambiente psicossocial que enviesasse

anteriormente a leitura da literatura do país. Um projeto cultural, ideológico e político

que criasse uma disposição, uma forma prévia para encarar as obras e os autores;

autoconhecimento a partir de uma orientação consciente do desenvolvimento histórico

real do país, não já como síntese sincrética modernista. O Brasil era uma nacionalidade

mal formada e com acúmulo de equívocos interpretativos. A realidade, confusa, e a

consciência mera projeção fantasiosa. Portanto a “síntese histórica” proposta por Mário

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não poderia ser “nada original naquele momento”, era necessário criar um campo do

possível no qual a literatura iria depois ser encaixada. “A escrita da história não apenas

era a descrição de um ambiente, mas normatizava a leitura dos textos literários, ao

propor como horizonte de interpretação um contexto que se propunha anterior a toda

leitura” (FARIA, 2007, p.389-390).

Prosseguindo, A. A. Lima afirmava a já conhecida análise de que, proclamada a

república, semelhante ao efeito da independência, houve o grande ímpeto de liberdade

para as letras nacionais, o que gerou a “explosão de diversos projetos literários

individuais”, como já apontado neste trabalho. Porém, essa variedade ao invés de

magnitude representava uma espécie de fragilidade, visto que a variedade vinha como

fragmentação, assim “o Brasil teria escritores pertencentes a todas as gerações, num

indício da inexistência de um problema nacional que os conciliasse” (FARIA, 2007,

p.390). Não sendo possível para o crítico criar unidade, não havia uma linguagem e uma

estética capaz de abarcar todos os "brasis", impossibilidade que então levará ao

regionalismo, o aprofundamento das especificidades brasileiras, dessa forma “a

literatura republicana oscilaria entre a verdade local, provincial e o cosmopolitismo”

(FARIA, 2007, p.390).

Esse desafio de compreender um fenômeno de imediato quando todas as suas

nuances ainda não se revelaram completamente, quando seus frutos e influências ainda

estão por vir e quando o próprio objeto de análise é um projeto embrionário não

consolidado, revela a dificuldade da crítica cotidiana que marcará a atividade crítica dos

jornais. A complexidade e diversidade do modernismo enquanto movimento cultural e

seus desdobramentos enquanto projeto absorvido pela burocracia governamental é um

exemplo disso. E a persistência de Tristão de Athayde em assimilar o contexto geral e

seus pormenores, compartilhando de seu desenvolvimento com objeções, que ao final

não foram acatadas, prevalecendo o projeto político andradeano, são exemplo dessa

condição. Wilson Martins afirma que Alceu Amoroso Lima só foi aceito e intitulado

como “crítico do modernismo”, mesmo que erroneamente, graças ao impasse da

dificuldade da crítica impressionista num período de literatura expressionista, livre,

radicalmente renovadora (MARTINS, 1980), portanto,

apesar da falha na definição social, cultural e política, o período histórico

estava então muito bem caracterizado na narrativa de Tristão de Athayde,

uma vez que o fracasso não se deveria a qualquer tipo de indefinição por

parte do autor, mas era atribuído à própria situação (FARIA, 2007, p.387).

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Lima mirou errado, mas acertou o alvo, e estando certo por motivos equivocados

viu, ao fim e ao cabo, Mário de Andrade lamentar, não sem certa melancolia, a

incapacidade do projeto modernista em alcançar totalmente seus objetivos, pelos

próprios motivos apontados pelo “crítico do modernismo”. Assim, muito embora a

visão de ambos só pudesse ir a fundo mediante uma aproximação burocrática que

amparasse toda estrutura de construção cultural pretendida, o salto andradeano sobre a

preparação de terreno sugerida por Athayde resultou na incompreensão mesma do

modernismo. Como nas próprias palavras de Mário:

A única observação que pode trazer alguma complacência para o que eu fui,

é que eu estava enganado. Julgava sinceramente cuidar mais da vida que de

mim... Deformei, ninguém não imagina quanto, a minha obra - o que não

quer dizer que si não fizesse isso, ela fosse milhor... Abandonei, traição

consciente, a ficção, em favor de um homem-de-estudo que

fundamentalmente não sou. Mas é que eu decidira impregnar tudo quanto

fazia de um valor utilitário, um valor prático de vida, que fosse alguma coisa

mais terrestre que ficção, prazer estético, a beleza divina. Mas eis que chego

a êste paradoxo irrespirável: Tendo deformado toda a minha obra por um

anti-individualismo dirigido e voluntarioso, toda a minha obra não é mais que

um hiperindividualismo implacável! E é melancólico chegar assim no

crepúsculo, sem contar com a solidariedade de si mesmo. Eu não posso estar

satisfeito de mim. O meu passado não é mais meu companheiro

(ANDRADE, 1978, p.254).

A coparticipação do analista cultural, do crítico, do intelectual público, enfim,

nos remete a ideia salutar do crítico como criador de sentido e desmistificador do objeto

de análise. Resumida numa atividade de correção e construção, a crítica funde-se à

criação cultural e artística. T.S Eliot assinala essa condição da crítica e da criação

propondo noções utilitárias que evidenciem não só o papel atribuído ao fazer crítico, sua

responsabilidade pública, sua ética, sua honestidade, mas sua utilidade pura e simples,

sua disposição a debruçar-se sobre as “origens da produção do artista e a explicitação

dos objetivos que a literatura deseja alcançar por meio de uma obra específica”

(GONÇALVES, 2012, p.5), trazendo a público suas conclusões, seus esclarecimentos.

Para tanto, Eliot ressalta as dificuldades de entender o contexto cultural para o

intelectual, estudioso ou pesquisador, pois o entendimento “jamais pode ser completo”,

pois, como efeito, o distanciamento exagerado do contexto o força à abstração e a

“essência lhe escapa”, e a imersão radical na vivência do objeto de observação tenderá a

fazê-lo “identificar-se tão completamente com o povo que estuda que perderá o ponto

de vista a partir do qual valia a pena e era possível estudá-lo” (ELIOT, 2011, p.46).

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O desenvolvimento das faculdades no país, o aumento do público leitor

fortaleceu essa condição e ampliou os meios de acesso e a influência do crítico, de

modo que este falava cada vez mais para mais pessoas. Dessa forma, o "grau de

participação do crítico no processo de criação do artista e da bagagem artística que

aquele aplica nas próprias produções criadoras” (GONÇALVES, 2012, p.5) aumentou

com o aumento das instituições de qualificação e exercício crítico. Além de Tristão de

Athayde, figuras consagradas da crítica literária já atuavam na imprensa brasileira,

Augusto Meyer, Sérgio Buarque de Holanda, Lúcia Miguel Pereira, Álvaro Lins,

Nelson Werneck Sodré, Antonio Candido, Wilson Martins, Otto Maria Carpeaux. Entre

uma galeria de nomes,

A fenomenal importância da imprensa é indiscutível. Era ela que congregava

e dava voz à miríade de intelectuais da província. Era através dela que as

idéias eram debatidas difundidas. Era enquanto homens de imprensa que os

intelectuais despontavam como tais, encontrando, deste modo um meio de

convencer da validade e justeza de suas representações (TEIXEIRA, 1995,

p.94).

Portanto, o jornalismo passa a ser o ambiente em que intelectuais e acadêmicos

poderiam ocupar postos de legitimidade e prestígio, divulgando ideias e desenvolvendo

o pensamento crítico. Este privilégio adquirido fornece à literatura um espaço na

medida em que os jornais concediam páginas e páginas à cultura, resultando num

espaço diferenciado do jornalismo convencional. Abordando o conteúdo seja por

ensaios analíticos mais aprofundados seja pela famosa crítica de rodapé, ou mesmo por

textos informativos, o jornalismo cultural aproximava artistas e leitores fornecendo não

só o meio de divulgação da produção, mas uma plataforma de referência para

interpretação dessa produção (RODRIGUES, 2011). Ali se sabia o que havia de novo na

praça, bem como o que aquilo significava; destarte, o jornalismo cultural, entre suas

características, “abriga a avaliação e análise da produção simbólica capaz de garantir

aos periódicos a legitimidade interpretativa, a defesa do ideário de determinadas escolas

e correntes de pensamento” (ALZAMORA et al, 2011, p.13). Sobre essa condição

pode-se acrescentar não só o aumento do alcance mesmo dos jornais, mas também o

aumento do público leitor, como oportunamente observa Antonio Candido:

Os analfabetos eram no Brasil, em 1890, cerca de 84%; em 1920 passaram a

75%; em 1940 eram 57%. A possibilidade de leitura aumentou, pois,

consideravelmente. Muito mais, todavia, aumentou o número relativo de

leitores, possibilitando a existência, sobretudo a partir de 1930, de numerosas

casas editoras, que antes não existiam. Formaram-se então novos laços entre

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escritor e público, com a tendência crescente para a redução dos laços que

antes o prendiam aos grupos restritos de diletantes e “conhecedores”

(CANDIDO, 2006, p.144).

Dentre tanto nomes que compuseram o elenco de críticos pelo país, o nome de

Wilson Martins sempre se destaca, seja pelo número de animosidades que angariou ao

longo carreira, seja pela singularidade que assumiu durante toda a vida, fazendo questão

de assumir-se independente dos agrupamentos de qualquer espécie. E ainda, last but not

least, pela longa prática de mais de 50 anos do crítico ativo nas páginas dos diários

nacionais, escrevendo continuamente, uma crítica por semana, das quais “a maior parte

vem sendo editada sob o título de ‘Ponto de Vista’. Atualmente com 13 volumes,

compreende o período que vai de 1954 até o ano de 1997, num caso sem igual na

história da crítica literária brasileira” (OLIVEIRA, 2005, p.1).

Nascido em 1921 em São Paulo, Wilson Martins se mudou para Curitiba em

1930. Mais um egresso das faculdades de Direito, o autor se forma em 1943 já tendo

iniciado a carreira um ano antes, n’O Dia. Interpretações, seu primeiro título, é lançado

pela José Olympio em 1946. No ano seguinte, recebe bolsa de estudos do governo

francês, permanecendo em Paris, entre 1947 e 1948, como aluno da École Normalle

Superieure. Em 1952, torna-se juiz de direito em Curitiba e recebe o título de Doutor em

Letras e consolida a carreira de crítico, quando começa também a lecionar literatura

francesa na Universidade Federal do Paraná, seu berço intelectual, onde permanece até

1962. A partir de 1954, colabora para a grande imprensa, escrevendo para o jornal O

Estado de S. Paulo e, a partir de 1978, para o Jornal do Brasil. Em 1962, tem início sua

carreira universitária nos Estados Unidos, primeiramente como professor visitante na

Universidade de Kansas, e em seguida na Universidade de Nova York, onde assume a

cátedra de Literatura Brasileira, em 1965 – pela qual se aposenta em 1991. Neste ano

tem início a publicação dos volumes de “Pontos de Vista”. Volta a viver em Curitiba,

em 1992. Em 1995 transfere sua coluna semanal para O Globo, mas retoma, em 2005, a

colaboração de quase 20 anos para o Jornal do Brasil.32

Diferentemente do gênero ensaístico ou do historiográfico de grandes

compêndios, a crítica periódica literalmente acompanha o mercado editorial, avaliando

sistematicamente a produção nacional e as publicações internacionais. O dinamismo

32 Enciclopédia da Literatura brasileira, disponível em: < http://goo.gl/PfdBd7 > Acesso em 13 dez. 2015.

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desse viés colocava o escritor sempre em momentos limítrofes, pois o acompanhamento

em tempo real difere muito da crítica de gaveta, sob encomenda ou do ensaísmo. Nunca

se sabe o que virá. Sendo assim, o método, rigor, interpretação, subjetividade,

imparcialidade, julgamento estão sempre submetidos ao factualismo e à novidade.

Como o próprio autor ressalta, a respeito dessa noção, em entrevista:

O crítico é o sujeito que escreve sobre a literatura corrente e que se expõe no

fogo nas novidades. Ele põe seu pescoço à prova, expõe suas opiniões e pode

acertar ou errar. São célebres os grandes erros cometidos por críticos de

prestígio; eles são, apenas, o ônus da profissão. O ensaísta literário, ao

contrário, escreve sobre os grandes autores do passado, sobre as grandes

tendências (MARTINS)33.

Autor de uma obra volumosa, Martins, semelhante a tantos outros, como Sérgio

Buarque e Antonio Candido, à época, foi o resultado da simbiose entre a aculturação e

desenvolvimento da qualificação formal do país e a ampliação dos meios de atuação,

resultando em intelectuais públicos de formação consistente, atuando tanto no âmbito

acadêmico quanto no editorial. Constam dentre alguns de seus títulos Um Brasil

Diferente, O Modernismo, A Crítica Literária no Brasil (2v.) e seu magnum opus

História da Inteligência Brasileira (7v.). A projeção nacional veio, entretanto, com os

textos ácidos nos jornais brasileiros, meio no qual ingressou ainda na Rádio Clube,

quando lia clássicos da literatura para cegos (QUADROS et KASEKER, 2008, p.1). Foi

nos periódicos diários que cultivou inimigos ao longo da carreira, com críticas que

revelavam “mergulhos profundos em leituras atentas” (CASTELLO, 2004).

Polêmicas e desavenças à parte, pode-se dizer que, além do desempenho

enciclopédico em catalogar o desenvolvimento da intelectualidade brasileira, tanto em

termo gerais quanto no campo da crítica especificamente, suprindo uma lacuna

importantíssima na documentação, reunião e interpretação de fontes primárias da

cultura nacional, a grande contribuição metodológica do scholar de Curitiba no campo

da análise literária foi a distinção de suas “famílias espirituais”, conceito inspirado em

Saint Beuve cunhado para descrever os fenômenos literários cruzando noções estéticas e

historiográficas. Presumidos e identificados os representantes de cada família, Martins

notou que o problema da periodização estética e formal da cultura nacional esbarrava no

estrangulamento de exemplos menores que se se apresentavam em momentos distantes

33 Entrevista a José Castello “ Jornalista se considera o último herdeiro de um padrão que se perdeu no

Brasil”. Disponível em: < http://www.jornaldepoesia.jor.br/castel04.html >. Acesso em: 14 jan. 2016.

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a seu grupo principal, ou seja, que para cada família espiritual havia uma outra

sobreposta e contemporânea sua, de modo que tanto as escolas literárias quanto as

linhas críticas não se desenvolveram linear e cronologicamente, mas misturaram-se

constantemente, tendo períodos de ápice e consolidação, percebendo a história literária

como um “todo orgânico, no qual os escritores não se sucedem como os soldados de um

desfile, mas se intercruzam como os filamentos de um tecido” (MARTINS, 2002, p.

30).

Dessa forma, percorrendo e retomando com clareza e suavidade o

desenvolvimento da crítica no país, o autor discorria sobre a “família gramatical”, ou

“retórica” ou “impressionista”, em toda sua extensão, desde a gênese, indo ao ápice e à

superação, para então retornar cronologicamente para explicar o trajeto da “linhagem

humanística”, “linhagem sociológica” e “alvorada modernista”, entrelaçando a

modernidade brasileira no curso histórico precedente, sugerindo que a história não se

deslinda como rupturas, mas que os fenômenos que se sucedem ecoam ainda por muito

tempo mesmo passado seu ápice, tratando de “descobrir na crítica não as suas

aparências ocasionais, mas o seu espírito profundo” (MARTINS, 1980, p. 35). Assim,

se Alceu Amoroso Lima viu em três momentos a crítica, quais sejam empírico,

construtivo e estético e Afrânio Coutinho os identificou como didático, psicológico,

biográfico, filológico, gramatical, impressionista e estética, Wilson Martins ressaltou

que não houve diferença substancial entre a classificação desses críticos no que se refere

aos nomes que atuavam de fato, com tudo se resumindo a uma variedade de etiquetas,

pois “não há métodos melhores que os outros, há métodos próprios de cada problema

crítico” (MARTINS, 1980, p.44). Tendo isso em vista o autor define seu critério para

analisar a grandes correntes críticas:

As famílias espirituais, ao contrário, estão acima dessas limitações e

restrições, pois os seus representantes encontram-se em todas as épocas,

convivendo lado a lado uns dos outros e sem que tal convivência os

descaracterize enquanto formas específicas de espírito. Em cada momento,

bem entendido, estarão incluídos num contexto histórico, mas em larga

medida o superam e ignoram, identificando-se entre si por cima e para além

das respectivas configurações particulares. Uma geração não se compõe

apenas de várias idades e de vários tempos históricos, mas também de várias

famílias espirituais [...] mas é, de fato, a família espiritual predominante que

caracteriza e identifica cada geração (MARTINS, 2002, p. 30).

Os anos 1940 e 1950 ficaram marcados pela consolidação da “crítica de rodapé”.

O que significa uma crítica ligada fundamentalmente à não especialização da maior

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parte dos que se dedicam a ela, em sua maioria “bacharéis” como várias vezes

ressaltado neste trabalho. Eram críticos que reuniam um estofo cultural, baseado em

vasta leitura de humanidades, e lançavam mão de uma linguagem mais próxima da

opinião com julgamentos diretos. Muito embora muitos desses possuíssem estudos

formais em outras áreas de conhecimento, a Literatura ainda estava por formar seus

primeiros especialistas.

Tal qual Martins, Antonio Candido foi um dos tantos críticos que enveredou

pelas páginas dos jornais e assumiu cátedra acadêmica simultaneamente. Em 1939,

Candido ingressa no Curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia Ciências e

Letras da Universidade de São Paulo, onde se forma sem 1941. Indicado pelo colega de

curso Hermínio Sachetta, assumiu o posto de crítico titular do jornal Folha da Manhã,

com a obrigação de oferecer comentários semanalmente sobre os livros do momento, na

área destinada aos reviews, os rodapés ou “folhetins” (RAMASSOTE, 2011).

São os chamados homens letrados, que tiveram como base a leitura dos

grandes romances da literatura ocidental e que por isso estavam aptos a

discutir o momento literário com uma erudição que, todavia, não os tornava

especialistas no sentido que a divisão dos departamentos universitários viria a

dar (COSTA PINTO apud RODRIGUES, 2011, p.135-136).

Além de se posicionar em prol de causas sociais, o crítico assumia a figura de

militante de uma juventude atenta, “como um homem das letras, de esquerda, ‘socialista

independente de tendência marxista’” (RODRIGUES, 2012, p137). A tomada de

posição, portanto, fazia da crítica literária não uma atividade dependente apenas da

literatura, mas de temas gerais assumidos como literatura os quais os críticos usavam

como pano de fundo para expor visões de mundo e promover perspectivas pessoais, o

que ficava bem claro em cada escritor, pois cada “crítico tinha um estilo próprio, de tal

modo que é fácil reconhecer um texto de Álvaro Lins ou de Sérgio Milliet” (SANCHES

NETO, 2005, p.12). Neste sentido, é oportuna a condição apontada por Letícia

Gonçalves, do crítico como revelador de aspectos pessoais que o público não percebe na

obra de forma autônoma, mas que “com artifícios para análise de obras de arte e com

perícia analítica” (GONÇALVES, 2012, p.6), fornecidos pelo ponto de vista individual

acaba encontrando soluções interpretativas para a obra.

Às referências jornalísticas de Candido se juntaram as fontes francesas, o New

Criticism inglês – a leitura fechada no texto –, que tiveram lugar privilegiado. Dentre os

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críticos que marcaram na trajetória de Candido, pode-se mencionar Saint-Beuve, I. A.

Richards, Romain Polland, Sartre, Thibaudet, T. S. Eliot. Assim como nomes de Pedro

Henríquez Ureña, Zum Felde, Alfonso Reyes, Cornejo Polar. A mistura dessas

influências, Roberto Schwarz aponta que pode se dizer

que Antonio Candido foi buscar no close Reading do New Criticism um

instrumento para fazer frente ao sociologismo e ao marxismo vulgar

correntes na esquerda brasileira dos anos 40. Só que ele reelaborou o

procedimento e o abriu em direção da história, com vistas na historicização

das estruturas, o que lhe permitiu uma sondagem de novo tipo da literatura e

da sociedade brasileiras. Sem alarde de terminologia, e muito menos de

griffes internacionais, os ensaios de Antonio Candido [...] são seguramente as

peças mais originais de análise estrutural já feitas no Brasil (SCHWARZ

apud RODRIGUES, 2012, p. 122).

Ao que Rodrigo Ramassote (2011) chamou de “sociologia clandestina” marcou

o estilo do autor enquanto crítico periódico. Recorrendo à noção de literatura como

instrumento de representação e entendimento social, teorização que irá consagrá-lo,

posteriormente, Candido aliava o engajamento com a mímesis e a dialética

literatura/sociedade, o que caracterizava seu esforço em entender o país, mas também

nunca deixando de julgar a obra à luz de seu compromisso com o engajamento. Como

se pode observar em seu ensaio de “Cortiço a Cortiço”:

“Para Português, Negro e Burro, três pês: pão para comer, pano para vestir,

pau para trabalhar”. Segundo Candido, o teor discriminatório contido nesse

dito popular proporcionaria uma via de acesso ao “universo das relações

humanas d’O cortiço”, centrado na descrição do cotidiano vivido por

moradores pobres de um cortiço fluminense do final do século XIX, período

de transição do sistema baseado na utilização do trabalho escravo para o

trabalho assalariado (RAMASSOTE, 2008, p.225).

Diferentemente das horas de leituras desconhecidas, dos volumes que recebia

semanalmente e tinha de garimpar e selecionar qual viria a público com texto crítico,

numa escolha muitas vezes às cegas, Antonio Candido, além da cátedra no começo de

1942, quando recebeu “os graus de bacharel e de licenciado em Ciências Sociais”, ano

em que “iniciou sua carreira de docente, ministrando aulas no curso de graduação de

Ciências Sociais como assistente de Fernando de Azevedo” (RODRIGUES, 2011,

p.28), também realizou diversos trabalhos de caráter teorético e acadêmico, dos quais se

destacam Literatura & Sociedade, sua síntese metodológica, em que apresenta sua visão

geral da relação social com o desenvolvimento da literatura nacional que fora aplicada à

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sua obra capital, a famigerada Formação da Literatura Brasileira. Momentos decisivos

1750-1880, resultado de discussões diversas, não pelo conteúdo, mas pelo critério

adotado pelo autor ao excluir de sua história dados que não se encaixavam em sua

teoria. Muito embora este não seja o foco principal do presente trabalho, sobre as

objeções ao aspecto metodológico, e não de conteúdo, pode-se dizer sobre a crítica de

Haroldo de Campos, publicada em O Sequestro do Barroco na Formação da Literatura

Brasileira: o caso Gregório de Matos, que:

Publicado trinta anos após o livro de Antonio Candido, o ensaio de Haroldo

de Campos é uma tentativa de explicar por que o barroco não foi abordado na

Formação da literatura brasileira. Os motivos, segundo Haroldo de Campos,

seriam diversos. Em primeiro lugar, a identificação de Candido com a grade

de valores do romantismo, e portanto a associação entre o valor da obra

literária e seu caráter nacional. Em segundo lugar, a concepção de história

adotada pelo crítico, que tenderia a privilegiar uma perspectiva linear e

cronológica. Em terceiro, o predomínio das funções emotiva e referencial em

sua “modelização triádica da literatura”, ou melhor, na formulação

empregada por Antonio Candido de sistema literário como articulação entre

autor, obra e público. E, por fim, uma suposta aversão a Gôngora e à

tortuosidade de expressão que caracteriza a obra desse poeta e dos demais

escritores identificados com o período barroco (MOURA, 2011, p.92).

Saindo do período dito colonial, a literatura agora caminharia em busca de sua

essência nacional, num sentido além de um evento episódico da literatura portuguesa.

Entretanto, para o Afrânio Coutinho, a literatura feita até então era colonial apenas

cronologicamente, esteticamente, o período pré-independência, apesar da ausência de

um nacionalismo, tinha estilo e definição: barroco, arcádico e neoclássico. E

complementa:

Destarte, a literatura brasileira não nasceu com a independência política. A

sua autonomia estética nada tem a ver com a autonomia política. Ainda hoje

em curso. Mas a sua existência própria é dos primeiros instantes, do primeiro

século. Sob forma artística, já a encontramos em Anchieta, consolidada em

Gregório de Matos e Antônio Vieira. (...) Aquela produção literária surgida

no período colonial do Brasil, isto é, no período, em que o Brasil era colônia

de Portugal, não pode, literariamente, usando-se terminologia de cunho

critico-literário, ser denominada “colonial” porque “colonial” não existe em

literatura. Colonial é um termo político, sem nenhuma validade nem sentido

em crítica literária (COUTINHO, 2008, p.22-23).

Coutinho, além das objeções feitas ao critério adotado por Candido em sua

historiografia sociológica, rendeu longos comentários à também não estética e literária

crítica de rodapé como um todo. Seu propósito se caracterizava pela instituição de uma

crítica pura, de depuração epistemológica, uma delimitação e especificação da literatura

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como campo de estudo, que fornecesse então o ferramental teórico e o cabedal

metodológico para a função. Como ressalta Alfredo Bosi:

polêmica que Afrânio Coutinho, nos anos de 1950 e 1960, assumiu ao

postular uma abordagem estético-estilística para a historiografia literária,

contrapondo-a à crítica historicista ou sociologizante, que vinha da tradição

romeriana, e que continuaria vigente em boa parte das universidades

brasileiras (BOSI, 2005, p.321).

Coutinho era a expressão distinta e renovada do crítico, que saía em defesa da

New Criticism, pregando a extinção dos rodapés, em defesa da necessidade de uma

formação específica, com preferência para graduação em Letras. Uma qualificação

ampla e aprofundada que só a dedicação do ensino universitário poderia fornecer. Com

isso, afirmava o autor:

Haverá porventura hábito mais grotesco do que este, tão comum entre nossos

críticos, de inaugurarem os seus rodapés com uma introdução em que,

pretendendo dar a sua posição, não vão além de uma série de considerações

mais ou menos ocas e de algumas barretadas à platéia? Onde as tomadas de

posição, as afirmações doutrinárias, as classificações dos problemas? Aliás,

não é este o costume apenas que é preciso arguir, tratando-se do problema da

crítica no Brasil. É a própria instituição do rodapé, que é condenável por

todos os aspectos como um dos responsáveis pelo atraso ou, por que não

dizer, pela inexistência da crítica literária entre nós (COUTINHO apud

RODRIGUES, 2011, p. 140)34.

Com a criação, em 1939, do curso de Letras da Faculdade Nacional de Filosofia

da Universidade do Rio de Janeiro, o cenário da vida intelectual começou a se

modificar, e o discurso de Coutinho era já reflexo dessa condição. Substituindo a figura

do bacharel erudito da época pelo especialista munido de sólida formação científica

adquirida nas salas de aulas, a chegada dessa nova geração “redefine os princípios e os

critérios de legitimidade da atividade crítica, acentuando a distância entre diletantes e

profissionais” (RAMASSOTE, 2011, p.43), processo do qual Martins e Candido foram

parte integrante, lecionando depois de especializações no exterior, pois a graduação de

ambos não era em Letras, especificamente. Após anos de iniciativas individuais, e

invenções metodológicas, de prática autônoma, impressionista, e até meramente

diletante e subjetiva, era hora de teorizar e absorver as correntes críticas próprias da

literatura e sistematizar os estudos do país, erigindo uma “disciplina abstratizante e

universalista, dedicada a determinar o conceito de literatura, a propor princípios e

procedimentos visando à análise de obras literárias e a fixar critérios destinados a aferir

a qualidade das produções literárias” (SOUZA, 2011, p.35):

34 COUTINHO, Afrânio. A Crítica e os Rodapés. Rio de Janeiro: Simões Editora, 1969, pp. 19-23.

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O êxito obtido por Coutinho trouxe como consequência a criação de um novo

tipo de crítica realizada a partir de então nas universidades, por críticos

formados nas faculdades de Letras, o que contribuiu para a profissionalização

da atividade. E mais, da aplicação do método por ele apresentado resultou

ainda a edição, sob sua coordenação, de A literatura no Brasil. A obra,

escrita de forma coletiva, é composta por estudos que abarcam a literatura

brasileira de modo inovador, sobretudo no que diz respeito à periodização da

história literária brasileira (SILVA, 2009, p. 63).

A Literatura no Brasil, sua obra máxima, contou esse com um grupo do Rio de

Janeiro que teve Afrânio como figura central, ao qual estiveram ligados Eugênio Gomes

e Barreto Filho. Com a assessoria destes, a obra foi publicada em quatro volumes, entre

1955 e 1959, tendo como objetivo suprir a falta de uma história literária brasileira que

analisasse com novos métodos, principalmente estilísticos, o Barroco, o Arcadismo e o

Romantismo, e que fosse capaz também dos períodos mais recentes até então pouco

estudados. Além de Gomes e Filho, o projeto contou também com a colaboração de

Armando Carvalho, José Aderaldo Castelo, Décio de Almeida Prado. Jamil Almansur

Haddad, Segismundo Spina e até mesmo Antonio Candido (GOMES JUNIOR, 2011, p.

128).

A motivação de seu projeto se deu durante sua residência nos Estados Unidos.

Com a emersão do new criticism nas décadas de 40 e 50, Coutinho travou contato com a

linha teórica ainda no exterior. O movimento que propunha uma abordagem que olhasse

para a literatura afastando o viés histórico, sociológico e biográfico do autor,

promovendo uma abordagem intrínseca do literário, da qual eram então expoentes como

T.E Hulme, Ezra Pound, I.A Richards, T. S. Eliot e Northrop Frye (SILVA, 2009):

Essa nova abordagem deixa claro que fixa a análise dos elementos a partir do

próprio texto, quando busca os significados denotativos e conotativos das

palavras, ambigüidades e tensões de vocábulos e sintagmas, imagens,

metáforas e símbolos dominantes ou recorrentes, processos retóricos na

composição de cada gênero a partir do enredo, personagens, atmosfera, temas

principais e secundários. Assim, o objetivo dessa forma de abordagem é

aproximar o crítico do texto poético, afastando-o de outras especulações que

extrapolam os limites do texto (BOTELHO et FERREIRA, 2010, p15).

Entretanto, Coutinho compreendia a crítica como fenômeno amplo, de diferentes

vertentes que não somente a nova crítica anglo-saxã. O autor entendia a atividade tendo

como percursores autores como Coleridge e Croce, que encaravam o fenômeno literário

como monumento estético, não como mero documento social, histórico ou biográfico,

noções que à época encontravam eco em autores depois canonizados como Austin

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Warren e René Welleck, os formalistas russos, Kristeva, Todorov e Roland Barthes

(COUTINHO, 1983). Para o autor, a crítica era uma modalidade de julgamento estético,

que exigia uma mentalidade e atitude científicas, num processo racional baseado em

quesitos lógico-formais, sem os quais não passaria de achismo e afirmação

irresponsável e leviana. “O fato literário não é isolado de seu contexto geral, mas

encarado nas suas relações com os outros fatos da vida, sem, contudo, se sacrificar o

que deve ser o ponto precípuo da análise crítica, isto é, o núcleo intrínseco”

(COUTINHO, 1983, p.144).

Semelhante a Wilson Martins, na historiografia moderna, Coutinho se recusava a

utilizar a demarcação da épocas literárias exatas. Para ele, a historiografia estilística é

muito mais flexível e realista, está mais de acordo com as “interpretações estéticas que

evidenciam e valorizam a impureza e interpenetração dos estilos e escolas”

(COUTINHO, 1983, p.102). Daí que sua interpretação da literatura brasileira não tenha

encontrado unidade senão sob égide do espaço nacional, enquanto estilisticamente

apresentava várias “correntes de brasileirismo”, o “urbano”, “das praias”, “das selvas”

(indianismo), “dos campos” (sertanismo), “da roça” e “de escravidão” (COUTINHO,

1960, p.143), tal qual Darcy Ribeiro, que também havia encontrado “sertanejos no

Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do

país, gaúchos das campanhas sulinas (...)” (RIBEIRO, 2014, p.19). Uma noção derivada

da “obnubilação” de Araripe Jr., pedra de toque para compreensão do “novo homem”

brasileiro, que em cada região brasileira encontrou expressão estética diversa

(COUTINHO, 1960).

A partir da segunda metade do século XX, com o desenvolvimento das

universidades seguido pelo deslocamento do meio intelectual para o contexto

acadêmico, a crítica passou a ser exercida por especialistas que, em lugar dos rodapés,

utilizaram como veículo revistas especializadas. Entretanto, a crítica jornalística nunca

desapareceu totalmente, sobrevivendo em cadernos e suplementos culturais de jornais,

mantendo seu papel influente na mediação entre mercado editorial e público

(COUTINHO, 2009), muito embora os comentário e análises sobre a atividade passem

sempre a observá-la como um campo em crise, como sugere o comentário contundente

de Lourival Holanda:

O estatuto da crítica vai mudando consideravelmente a partir dos anos 80; o

crítico, antes encerrado na academia, vai colhendo, mais na tela que na rua, a

produção literária mais imediata. E essa produção já foge às etiquetas críticas

convencionais. Os Físicos se colocaram em dúvida desde cedo; quando os

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críticos buscavam ansiosamente certezas; havia uma mal disfarçada petição

de poder, de espaço acadêmico. Os métodos eram impostos como doutrinas;

batalhas surdas, criando, não pontes de acesso ao texto, mas muros; como se

a inteligibilidade analítica fina, leve, pudesse se fundir ao peso do poder

(HOLANDA, 2012, p.8).

Considerada como uma especialidade autônoma e pautada pela universalidade

de seu objeto, a crítica literária viveu seu apogeu entre as décadas de 1930 a 1970,

quando então se construiu um cabedal técnico/analítico que garantisse o caráter

científico da atividade. A apropriação dos métodos e das terminologias propostas por

correntes teóricas como o new criticism, formalismo russo e estruturalismo, contribuiu

para validar a implantação das disciplinas responsáveis pelo estudo da literatura,

passando a própria crítica a ser considerada uma atividade que exigia uma elevação

acima do amadorismo, uma vez que seu exercício exigia a aquisição de um saber

específico, erigido nos termos da qualificação formal acadêmica (LIMA, 2008).

Entretanto, certo hermetismo passou a acompanhar a prática crítica, que agora se

mantinha com o fornecimento de críticos em larga escala mediante as graduações e pós-

graduações. Todavia, sendo os jornais meios distintos dos periódicos e revistas

acadêmicas, o suporte e seu público exigiriam uma adaptação da linguagem, marcada

por jargões e academicismo distante e descolado do vocabulário corrente do grande

público:

Vendo a situação por este lado, poderíamos dizer que, devido a uma visão

distorcida dos fatos, as empresas jornalísticas estão cavando o próprio

túmulo. Ao não fortalecer seus cadernos culturais com textos que tenham

sabor e que apontem leituras de qualidade, fisgando este leitor eventual

através da indicação consistente de obras e de um julgamento isento delas, os

jornais estão contribuindo para a diminuição de seu próprio espaço num

tempo que dispõe de outros veículos informativos mais ágeis. Ou seja, o

jornalismo cultural não está conseguindo desempenhar seu papel formador.

(SANCHES NETO, 2005, p.17).

A “crise do rodapé” seria, para alguns deles, produzida não apenas devido aos

problemas financeiros vivenciados pelos periódicos nacionais, mas também pela

espetacularização do mundo das letras, que vem transformando o crítico em resenhista

pautado pelo mercado editorial sem primar pela isenção, autenticidade e sinceridade

(LIMA, 2009). Fazendo com que o texto se torne um acessório menor no sistema

literário e não peça de interesse específico por parte do leitor, como complemento

indispensável da literatura, ao passo que a crítica que se pressupõe séria e engajada tem

falhado no modo de abordagem que adapte sua especialidade acadêmica às necessidades

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dos meios de massa, como comentado anteriormente. Neste sentido é oportuna a

abordagem feita por Leyla Perrone Moisés sobre a situação da atividade crítica, que na

modernidade pretende julgar sem critérios; os critérios continuam existindo,

mesmo se eles se constituem ad hoc e permanecem muitas vezes implícitos.

O que caracteriza o julgamento moderno, seja ele estético ou outro, é que ele

é um juízo reflexivo (Kant). Não se julga a partir de critérios, mas, ao julgar,

criam-se critérios. Na literatura, como na escrita, o julgamento é uma questão

de invenção (MOISÉS, 1998, p.16).

Podemos notar, então, no resumido percurso apresentado, considerando a

vastidão de exemplos, não só ocupações profissionais distintas, mas também variadas

perspectivas de análise. Vertentes diversificadas que tiveram em sua maioria uma

variação cronológica, muito embora como apontou criteriosamente Wilson Martins,

essas linhagens qualitativas, as “famílias espirituais”, tenham se sobreposto ao longo do

tempo, convivendo simultaneamente em diversos momentos. Entretanto a elasticidade

das variações teóricas e filosóficas, que impulsionavam os movimentos e atividades

críticas desde o neoclassicismo setecentista ao positivismo romeriano, ou do

impressionismo liberal jornalístico ao new criticism e formalismo acadêmico de

Coutinho, pode estar relacionada ao que observou Mario Vieira de Mello: a insipiência

intelectual brasileira cuja penetração da cultura estrangeira era lenta, o que causava

tantas novas linhas críticas quantas fossem se aproximando e sendo assimiladas:

Como são freqüentes entre os intelectuais e artistas brasileiros as conversões,

sejam elas religiosas, literárias ou artísticas - é curioso notar como êles se

tornam positivistas, evolucionistas, católicos, marxistas, abstracionistas,

existencialistas ou adeptos do espírito científico sem que nenhum antecedente

cultural, seja êle individual ou nacional, explique essa súbita mudança de

orientação. Uma tal instabilidade cultural não parece constituir um sintoma

positivo, não parece ser um indício do dinamismo espiritual capaz de assumir

sempre novas formas, de levantar sempre novos problemas; parece, ao

contrário, trair a perplexidade de uma alma que se sente perdida, que procura

um pôrto, um abrigo que lhe seja favorável e que na ânsia de escapar à

imensidão desértica vai, muitas vêzes, se refugiar em terras inimigas

(MELLO, 1970, p.164).

Dessa forma, como aponta Mello, ambos os aspectos revelam que, embora

crítica e literatura se traduzissem em expressões distintas, uma subjetiva, nativista em

função do ideal nacional e do representar nacional, a outra dura, materialista, científica,

eugênica, mas também em busca do singular, do nativo, do sui generis, da síntese

brasílica; a cultura acima dessas disposições era uma mentalidade romântica, o mesmo

estado de consciência abstrato, que na prática se expressava ambíguo, mas se dedicava

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ao mesmo propósito, a arqui-pretendida especificidade brasileira. Condição que

podemos notar tanto na crítica romeriana quanto no projeto modernista.

A valorização estética rivalizando em espaço com nacionalismo de caráter

político e social foi um dos elementos apontados por Alfredo Bosi na evolução da

crítica literária brasileira. Dominante “dos três primeiros decênios do século XX”, a

historiografia da literatura da geração positivista e evolucionista foi rareando, não que a

ideias de caráter nacional tivessem perdido a força, mas:

(...) O que se foi tornando problemático (a não ser na retórica escolar foi a

tese de uma conexão estrutural entre esquemas rigidamente

nacionais/nacionalistas e produção da obra artística ou literária. Fazer a

história da literatura brasileira como espelho dos eventos do Império ou da

República passou a ser, cada vez mais, um projeto de construção ideológica,

um programa a ser executado de fora para dentro, e que a crítica viva das

obras de arte e o seu julgamento já não podiam secundar automaticamente

(BOSI, 2002, p.20-21)

O que nos leva a considerar do ponto de vista sociológico uma simbiose ou

complementariedade das diferentes atividades empreendidas, no sentido das

“instâncias” de Bourdieu apresentadas anteriormente à esta etapa do trabalho, sejam por

empreendimentos individuais, sejam por parâmetros institucionais – ou, ainda, pela

cooperação mútua entre ambas, como o caso dos Jesuítas como únicos educadores na

primeira metade da colônia, de Portugal com suas universidades, dos jornais que

abrigavam parte da intelectualidade regressa das universidades, unindo “a segurança

obscura das carreiras de burocrata intelectual” e os “empreendimentos intelectuais

artísticos independentes” e da cooptação burocrática praticada no período modernista

pelo Estado Novo. E do ponto de vista teórico/metodológico, uma concorrência, mas

também uma complementariedade, na disputa de interpretações e análise do processo e

fenômenos literários, visto que dentre as várias vertentes possíveis da crítica literária

houve confrontos internos, entretanto, externamente cada linhagem pôde contribuir para

compreensão de um aspecto, visto que todo objeto sob observação nunca possuirá

apenas a dimensão histórica, social, estética, ou ética ou lógica, com exclusão de todas

as outras, seja pelo empenho do próprio artista, seja pela angulação do crítico, fazendo

cair por terra o dogma da autonomia da obra de arte, como aponta Moisés

enfaticamente, realçando que a literatura serve para ampliar, alargar e valorizar nossa

experiência de mundo, “a história do conjunto das realizações literárias”, acompanhada

crítica da literatura, “aumenta o proveito que podemos tirar de cada realização

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particular” (MOISÉS, 1998, p.21). Dessa forma, considerando a polivalência de

sentidos da obra de arte, considerando a validade parcial de cada um deles, a observação

de Antonio Candido realça o sentido da ideia proposta, a de que as várias perspectivas

são complementares e que nenhuma delas dá conta de envolver todo o fenômeno

literário: “nas obras dos grandes escritores é mais visível a polivalência do verbo

literário. Elas são grandes porque são extremamente ricas de significado, permitindo

que cada grupo e cada época encontrem as suas obsessões e as suas necessidades de

expressão” (CANDIDO, 1995, p.21).

Assim, mesmo numa breve análise como esse estado da questão da crítica no

Brasil esboçado no presente estudo, apenas parte constituinte de um trabalho sem

finalidades mínimas de esgotar o tema, podemos observar o diálogo interno que traça

um fio histórico de influências positivas e negativas entre as correntes críticas,

filosóficas e os próprios críticos entre si. O trajeto histórico de acumulação e superação,

tradição e reparação do pensamento repete então o simbolismo das raízes gregas, que se

escande ao longo da história na forma de inteligência humana, da qual o Brasil é um

fragmento. Um processo do qual essas linhas são exemplo, ou seja, da inter-relação que

se estabelece nos estudos críticos que exige que as correntes de estudo e prática crítica

se inteirem do ponto de vista umas das outras, para que compreendam a influência

exercida por elas. Dessa forma, postos no plano da história, autores que antes se

supunham agentes de transformação, pesquisadores e formadores de opinião e cultura

passam a ser dados da cultura e objetos a serem eles próprios estudados, embora

conservando também o status de agentes mediadores de compreensão e construção de

conhecimento, como demonstrado neste excerto, onde muitos autores figuraram ora

como fontes ora como objeto. Revelando a importância do intelectual ativo num país

como o Brasil, “onde o Estado nasceu antes que um sentimento de nacionalidade

preponderasse, os intelectuais foram essenciais na produção de um imaginário nacional”

(SCHERER et ALMEIDA, 2009, p.16). O que, conforme queríamos demonstrar, nos

revela a complexidade do processo de formação cultural, forçando-nos ao exercício

reflexivo de considerar como projetos centralizados impostos falham de forma

recorrente, seja na iniciativa determinista autônoma e nacionalista, assumida como um

imperativo categórico da crítica, de Sílvio Romero; no burocratismo cultural

modernista, ou na cientifização acadêmica hermética e afastada do grande público

iniciada por Afrânio Coutinho e acentuada nos tempos atuais. Ainda que suas intenções

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tenham deixado marcas profundas na mentalidade e cultura brasileiras, o soma de todas

elas é mais rica do que limitação a apenas um de seus aspectos individuais. Não

obstante:

No processo instaurado pela obra de arte, a reflexão está em seu elemento. A

obra de arte, portanto, é o Reflexionsmedium, o “medium-de-reflexão” por

excelência. E a obra continuará sendo o foco da reflexão, mesmo depois do

trabalho crítico, pois este não extrai dela nenhum segredo, nada semelhante a

um referente privilegiado que se escondesse por trás da forma e que, uma vez

descoberto, a deixaria reduzida à condição de uma casca vazia. Ao contrário,

a obra, juntamente com suas críticas, constelasse como um medium-de-

reflexão cada vez mais forte. A obra passa a ser também suas leituras, as

quais suscitam e intensificam o jogo iniciado por ela mesma (OLIVEIRA,

2005, p.39-40).

Sendo assim, é oportuna e considerável a necessidade de desvelar a visão de um

autor como Otto Maria Carpeaux a respeito do país, erigindo um degrau a mais no nível

de inteligência e compreensão do fenômeno literário nacional, adicionando assim mais

uma perspectiva aos pontos de vista possíveis na prática da crítica literária e fornecendo

ao leitor um instrumento a mais de compreensão de sua cultura e seu imaginário, se

considerarmos a dialética literatura/sociedade apresentada por Antonio Candido, ou

seja, a da troca de influência entre o autor, obra e público.

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3. Otto Maria Carpeaux

3.1. Twice born – Breve História de um Crítico Ocidental

No Brasil, Carpeaux experimentou a metamorfose que ele observara em

vários de seus personagens de eleição: São Paulo, Santo Agostinho, Pascal, o

padre Vieira, todos eles twice borns, isto é, indivíduos que vivenciaram tais

radicais transformações em seus modos de pensar, sentir, agir – como que

nasceram de novo (PAULA, 2014).

Austríaco radicado no Brasil, Otto Maria Carpeaux nasceu em 9 de março de

1900 e chegou ao país em 1939, abandonando a capital Viena em fuga da perseguição

nazista. “Fugi de Viena com uma pequena mala de mão e sem um tostão. Perdi pátria,

casa, móveis e vários milhares de livros” (CARPEAUX, 1949). Ignorante da língua

portuguesa e leigo de tudo que fosse referente à cultura nacional, Carpeaux, “que já

conhecia alemão, flamengo, inglês, francês, italiano, espanhol, latim, catalão, galego,

provençal e servo-croata” (BORGES, s/d)35, tendo superado todas as dificuldades de sua

chegada, dominou a língua – da qual, mais tarde, adotando-a definitivamente como seu

habitat intelectual, viria a demonstrar não só domínio técnico, mas estilístico – e

começou a fazer o que lhe era vocação: jornalismo crítico. Conforme observa Ronaldo

Costa Fernandes,

Atuando principalmente no final do segundo e terceiro quartéis do século

XX, Carpeaux não apenas trouxe em sua bagagem de exilado toda a vasta

cultura humanística europeia, mas também se aclimatou e esteve atento à

produção literária brasileira. Chegou ao Brasil em 1939, mas demorou a

ingressar no meio literário, já que andou pelo Paraná e, depois, por São

Paulo. Foi Álvaro Lins, no Rio de Janeiro, quem lhe abriu as portas da vida

cultural brasileira a partir de uma carta de Carpeaux comentando-lhe um

artigo (FERNANDES, 2010, p.9).

Além de doutor em química, Carpeaux educou-se consistentemente em Direito e

Filosofia (em Viena), Ciências Matemáticas (em Leipzig), Sociologia (em Paris),

Literatura Comparada (em Nápoles) e Política (em Berlim) (BOSI, 1982), daí a aptidão

quase natural ao comparatismo, de modo que este campo do conhecimento fosse o

único que comportasse a vastidão de referências e perspectivas sob as quais poderiam se

35 “Otto Maria Carpeaux, o digno farejador do Universo”, por Antônio Fernando Borges. Disponível em <

http://goo.gl/XI4k2y>. Acesso em 20 fev. 2016. Em entrevista à Revista do Globo, em 1949, quando

questionado em quais línguas preferia fazer suas leituras, o autor respondeu categoricamente: “Leio todas

as línguas europeias, quase sem sentir diferença”.

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dar sua atividade crítica. E como ressalta o próprio crítico em entrevista, a variedade de

sua formação contribuiu para algo mais, além da expansão de seu horizonte de

consciência:

Estudei em Viena e em outras universidades européias. Poucos sabem que,

antes de estudar Letras, estudei (até o fim) Matemática, Física e Química.

Nunca me aproveitei praticamente desses estudos. Mas aí aprendi algo de

método e precisão de pensar, o que é vantajoso no mundo sempre um pouco

vago das letras (CARPEAUX, 1949)36.

O processo culminante para sua emigração forçada de Viena fora a anexação

(Anschluss) da Áustria pela Alemanha nazista. Entretanto, da Áustria ao Brasil,

Carpeaux passou antes pela Antuérpia, Bélgica, em 1938. Ali trabalhou como jornalista

e publicou um dos livros ainda sem edição brasileira, Van Habsburg tot Hitler (Dos

Habsburgos a Hitler). Antes deste, já havia publicado outros títulos na Áustria, dentre os

quais Wege Nacb Rom - Abenteuer, Sturz und Sieg des Geistes (Caminhos para Roma –

Aventura, Queda e Vitória do Espírito), em 1934, e Osterreichs europäische Sendung -

Ein aussenpolitischer Überbltck (A missão europeia da Áustria - Um panorama da

política exterior), em 1935.

Filho de pai judeu e mãe católica, o ainda Otto Karpfen converteu-se ao

catolicismo em 1932, passando a assinar Otto Maria Karpfen, em sinal de devoção.

Seus escritos supracitados eram de “apologia da nação austríaca, que teria herdado uma

vocação europeia dotada de tradições convergentes” (BOSI, 2013, p.279), sintetizadas

no barroco católico; fusão da cultura latina, italiana e espanhola, e eslava. “A ligação

com o barroco internacional e o classicismo musical teria cimentado essa cultura centro-

europeia” (BOSI, 2013, p.273).

Nesse sentido, a Áustria do Tratado de St. Germain-en-Laye, assinado pelo país

em 1919, punha fim definitivo a desorganização da nação cuja composição era de 17

nacionalidades e 13 idiomas, o Império Austro-Húngaro. O acordo unificador que

propunha organizar um país que agonizava no liberalismo civil, pela falta de união de

um Estado pequeno e descentralizador frente às atrocidades totalitárias que se

avizinhavam, como bem explana Ventura (2002). O paraíso terrestre da Viena

36“Otto Maria Carpeaux”. Entrevista conduzida por Homero Senna e publicada na Revista do Globo, nº

483, de 28/05/1949. Disponível em < http://perspectivaonline.com.br/2014/08/14/entrevista-de-otto-

maria-carpeaux-de-1949/> Acesso em: 20 fev. de 2016.

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cosmopolita e civilizatória, da alta cultura e da ciência, estava frágil diante do nazismo

como clérigos frente a uma invasão bárbara. É por esse motivo que se explica o apoio

contundente de Carpeaux ao chamado austro-fascismo, Ständestaat, iniciado em 1933

com a dissolução do Parlamento e aprofundado em 1934, quando o então chanceler

Engelbert Dolfuss cassou os partidos políticos existentes e passou a governar sem a

anuência parlamentar.

Ainda jornalista político, Otto Maria Karpfen, então às vias do mais puro

pragmatismo, posiciona-se em defesa da independência austríaca contra a anexação

alemã. Uma relação muito próxima, tanto pela colaboração “por vários anos em Der

christlische Ständestaat, a principal revista católica austríaca e um forte sustentáculo do

primeiro-ministro, homem muito religioso e membro da Congregação Mariana”

(CARVALHO, 1999, p.35), quanto pela publicação de “Missão Europeia da Áustria”,

que pareceu ter agradado muito ao chanceler.

Pode-se dizer então que Otto era um autêntico filho da Casa da Áustria, pertencente

a uma geração representada pelo movimento Jovem Viena, que reunia respeitáveis nomes

da cultura austríaca, como Hugo von Hofmannsthal, Hermann Bahr, Arthur Schnitzler

(VENTURA, 2002). A respeito da consideração de Carpeaux pelo poeta Hofmannsthal,

que é tema dos ensaios de abertura e encerramento de seu primeiro livro no Brasil, A

Cinza do Purgatório, de 1942, uma elegia dos espólios de guerra, de teleologia católico-

hegeliana37, e sua importância para a Áustria, Carpeaux sentenciou:

Com Hugo von Hofmannsthal, uma velha família se extinguiu. A família dos

povos austríacos extinguiu-se, também. O poeta está esquecido, e a sua pátria

está esquecida. Mas, espiritualmente, a Áustria continua, porque, 'para o

espírito, tudo está presente'. Esta presença abrange um passado e um futuro.

Não sei se esta Áustria que acabou voltará um dia, e nem o creio sequer. De

qualquer forma, porém, a Áustria continua como uma missão, uma tarefa da

Europa. A separação dos povos pela força fracassou, a sua reunião pela força

fracassará também. Falta construir uma Europa cristã, união acima das

nações. Não é a preocupação de renovar a Áustria, é a tarefa de criar uma

outra Áustria que será a Europa. Não compreenderam isto. A torre

desmoronou-se. O velho império desapareceu. Mas o vácuo que ela deixou

tornou-se o abismo onde toda a Europa se perde. “Abyssus abyssum

invocat”38. Resta apenas uma voz, a do poeta, através da qual a Áustria

continua presente e nos fala: "Dai testemunho: fui presente/Ainda que

ninguém me conhecesse" (CARPEAUX, 1999, p. 146).

37 São ensaios motivados pela catástrofe da guerra mundial refletida por uma inteligência que se formara

na convicção idealista de que o Espírito (grafado com maiúscula) guiaria a Humanidade na luta pela

consecução dos seus mais altos valores (BOSI, 2013, p.285). 38 “o abismo atrai o abismo", em tradução de Bruno Tolentino para edição.

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Assim, tanto pela filiação suspeita do judaísmo paterno39, quanto pela

participação direta como apoiador e porta-voz do governo que viria a sucumbir ante as

tropas alemãs, a estadia de Otto Mari Karpfen no país era de extrema delicadeza, de

modo que sua permanência era arriscada. Sobre essa condição e seu abandono definitivo

da Europa, Carvalho complementa que:

Carpeaux e sua esposa Helena - uma cantora lírica que abandonara a carreira

para se dedicar ao marido - fugiram então para a Bélgica, onde, na cidade de

Antuérpia, o escritor sobreviveu por mais ou menos um ano com trabalhos

jornalísticos (...). Mas, sentindo-se ainda inseguro em território europeu, não

só por causa de seu comprometimento com o governo austríaco derrubado

mas também por sua condição de filho de judeu, decidiu imigrar para a

América Latina. Não encontrando apoio das organizações judaicas, que não o

reconheciam como judeu, Carpeaux recorreu ao auxílio do Vaticano onde

recebeu uma carta de recomendação do Papa Pío XII dirigida ao escritor

brasileiro Alceu Amoroso Lima, discípulo e amigo do mais prestigiado

filósofo católico da época, Jacques Maritain (CARVALHO, 1999, p.37).

Aportado no Brasil em 1939, a epopeia de Carpeaux estava ainda a meio

caminho andado. Não recebendo a atenção devida, embora gratíssimo pelo auxílio, o

scholar vienense demorou a ingressar no meio literário, sendo destinado a um

desprestigiado cargo anônimo de bibliotecário no interior do Paraná e, depois,

deambulante em São Paulo, viveu de bicos e da venda de seus livros. Só então com a

ajuda de Álvaro Lins, no Rio de Janeiro, é que as portas da vida cultural brasileira se

abriram de fato, a partir do contato feito por uma carta de Carpeaux comentando seus

artigos (FERNANDES, 2010). O mais poderoso crítico literário à época então “lhe

abriu as portas da colaboração no Correio da Manhã e, num artigo comovente,

apresentou ao público brasileiro o austríaco Otto Karpfen, ‘um companheiro europeu no

exílio40’” (CARVALHO, 1999, p.36). Até à estabilização nos periódicos nacionais, em

entrevista, Carpeaux dá uma noção do que passou:

Homero Senna - Como foram seus começos de vida no Brasil?

Carpeaux - Quando perguntaram a Sieyes, em 1795, o que teria feito durante

os anos do Terror, ele respondeu: “Sobrevivi.” Em São Paulo vendi meus

últimos livros (SENNA et CARPEAUX, 1949).

Agora então mais aclimatado e socializado no país, Otto Maria Karpfen muda-se

para o Rio, de onde não mais se mudaria. Após sua estreia no meio cultural carioca e

39 No judaísmo, a hereditariedade familiar é transmitida pela mãe. 40 “Apresentação de um companheiro europeu em exilio”, em O Relógio e o Quadrante. Ensaios e

Estudos 1940-1960, Rio, Civilização Brasileira, 1964, p. 156.

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brasileiro, foi apresentado a pensadores e personalidades, fazendo amigos influentes

como Aurélio Buarque de Holanda, José Lins do Rego, Augusto Frederico Schmidt,

Manuel Bandeira e Santiago Dantas (BOSI, 2013). O já referido A Cinza do Purgatório

é resultado da primeira coletânea dessa atividade inicial – marcada pelo resquício de um

pensamento que ainda digeria lentamente o processo de viragem do cenário austríaco e

de sua própria vida, resultando num material ainda com pouco conteúdo nativo, do qual

parte foi traduzida do francês, parte “já na língua que o autor se esforçava para

aprender, com a ajuda de Aurélio Buarque de Holanda” (CARVALHO, 1999, p.37).

Já integrado no meio intelectual brasileiro, passa a dirigir a Biblioteca da

Faculdade Nacional de Filosofia, no mesmo ano, naturaliza-se à francesa – Carpeaux –

o seu sobrenome de origem (Karpfen) (FERNANDES, 2010), latinizado para Otto

Maria Carpeaux, “metade por devoção mariana, metade em deferência às afinidades

antes francesas do que germânicas dos meios literários brasileiros” (CARVALHO,

1999, p.37). Sobre esses fatos, o próprio crítico confirma e conta a respeito:

Senna - De que modo aprendeu o português?

Carpeaux - Nunca estudei propriamente a língua; nunca tive aulas de

português. Aprendi a língua exclusivamente lendo, lendo muito, em São

Paulo; no Rio, depois de poucos meses comecei a escrever diretamente em

português, língua em que hoje já consigo pensar. Devo isso em grande parte à

minha forte base de latim e aos conselhos de Aurélio Buarque de Holanda.

Considero o fato de haver aprendido, mais ou menos, a língua portuguesa

como o ordálio mais tremendo a que a vida me submeteu.

(...)

Senna - Por que motivo escreve sob pseudônimo?

Carpeaux - “Carpeaux” não é pseudônimo. É o meu nome de família,

traduzido para o francês para ficar mais pronunciável. De pseudônimo só se

pode falar quando o público desconhece a identidade do autor. Mas no meu

caso nunca houve dúvidas a respeito (SENNA et CARPEAUX, 1949).

Sua chegada ao Brasil é posterior a alguns dos processos mais marcantes da

história literária brasileira. Sua chegada quase 20 anos após a semana de 22, e seu

conhecimento enciclopédico e vertical da alta cultura europeia, dava-lhe não só

embasamento e fontes de referência amplas, mas distanciamento histórico do processo.

Tendo-se em vista a primeira metade do século XX como marco de transformação das

artes brasileiras – Literatura aí inclusa – , resultado do movimento modernista que

crescia, amadurecia e se fortalecia, e que Carpeaux surge no cenário da crítica nacional

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posterior ao período de maior efervescência, sua visão não se torna tão sujeita a

obnubilações de contexto, como estiveram alguns de seus pares de ofício, permitindo

uma visão mais assentada do todo até aquele momento.

Em sua crítica à Indústria Cultural, Theodor Adorno, além da produção de

massa, não poupou da crítica também a crítica. No contexto em que Walter Benjamin

identificou (anos antes) a reprodutibilidade técnica, Adorno (2002) sentenciou que o

crítico inserido naquele contexto não mais poderia agir de forma independente,

contundente e original. Sendo o crítico um composto cultural do meio em que se

encontra, sua visão refletiria, portanto, essa condição. Tal qual abordado neste mesmo

trabalho via T.S. Eliot, o crítico corre o risco de ser absorvido pelo objeto de análise e,

por conseguinte, ser assimilado pelo contexto. Ele não está superior ao objetivo a que

pretende estar, e é justamente por ser influenciado pela indústria que dela se torna

crítico – do contrário, a ignoraria:

O crítico da cultura não está satisfeito com a cultura, mas deve unicamente a ela esse seu mal-estar. Ele fala como se fosse o representante de uma

natureza imaculada ou de um estágio histórico superior, mas é

necessariamente da mesma essência daquilo que pensa ter a seus pés.

(ADORNO, 2002, p. 45).

O distanciamento inicial, entretanto, permitiu a Carpeaux uma visão ampla e

assentada num processo cronológico – permitiu a observação do todo até aquele

período, resultando, no ano de 1949, fruto de um estudo silencioso e empenho, devoção

e respeito à cultura local, menos de dez anos após sua chegada ao país, na Pequena

Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira, considerado “um ato de ousadia” para

quem estava apenas há alguns anos “no Brasil e em contato com a literatura do novo

país em que passou a viver” (FERNANDES, 2010, p.10). Era sua “assimilação” do

Brasil:

Carpeaux não só se naturalizou cidadão brasileiro como se debruçou sobre

escritores que conheceu já nos primeiros anos de convívio com a literatura de

sua nova pátria. Se o banco de prova do crítico é a escolha que faz das obras

cuja leitura prefere, não deixa de ser notável que, chegado de pouco ao

Brasil, Carpeaux tenha escrito sobre os dois maiores poetas do século,

Bandeira e Drummond, o maior narrador, Graciliano, e o melhor crítico dos

anos 1940, Álvaro Lins (BOSI, 2013, p.285).

Erudito, o crítico possuía vasta biblioteca em Viena, da qual resgatara somente

alguns livros, em sua fuga do nazismo. Seu referencial cultural pode ser visto como um

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aspecto diferencial na construção de sua análise. De acordo com Fábio Lucas, enquanto

a crítica nacional até então (dela ainda há reminiscências) se distinguia pelas contorções

do texto para encaixar nele uma frase ou citação deslocada do contexto para adornar o

discurso, “reproduzindo o espírito colonial como uma sala de espelhos”, “era de pasmar

o caráter enciclopédico da escrita de Carpeaux. Isso irritava certos eruditos

provincianos, habituados a se consagrarem pelo simples aspecto quantitativo de citações

em seus trabalhos” (LUCAS, 1983, p. 25).

A história de sua própria biblioteca o próprio crítico explica, relatando mais uma

drama proveniente da perseguição nazista e do período errático até a estabilização no

Rio:

Ao contrário do que se supõe, os nazistas não queimaram as bibliotecas (só

houve queimas simbólicas); distribuíram os livros apreendidos entre pessoas

interessadas. Esteve em Viena, nesse tempo, um professor universitário

americano, amigo meu; este foi à Gestapo, declarando que me havia

emprestado vários livros; e tão grande era ainda o prestígio de “cidadão

americano” que lhe permitiram, sem provas, escolher uns duzentos volumes

que ele me mandou para a Bélgica, e que eu vendi depois em São Paulo, por

necessidade. Hoje tenho mais ou menos uns dois mil e quinhentos volumes,

pequena biblioteca de trabalho, penosamente reconstruída; não é nada, mas é

questão de to make the best of it (CARPEAUX, 1949).

Em sua introdução à História da Literatura Ocidental, Fernandes (2010) vai

ressaltar que Carpeaux apresentou um comportamento singular: era a visão de um

europeu sobre a cultura brasileira, não uma visão distante desde a origem do

observador, mas deste deslocado desde suas próprias origens para o “interior do

fenômeno”. Não sendo um brasilianista, nem alguém que até então sequer tivesse tido

algum interesse pelas expressões culturais daqui, a síntese da bagagem trazida em

primeira mão – um conteúdo que localmente só chegava a poucos, ou ainda, não

chegava, mas tinha de ser apanhado no exterior, como bem ilustram os casos de Sérgio

Buarque, Alceu Amoroso Lima, Wilson Martins41 e tantos outros – com a inteligência e

a literatura nacional trará uma visão totalmente diversa da forma mentis da crítica

nacional, enriquecendo o panorama geral da diversidade de visões críticas, como

esboçado nas linhas deste breve estudo. Quando na maioria dos casos os críticos

tentavam inserir a Europa no Brasil, como anteriormente apontado por Fábio Lucas,

41 Como já referido anteriormente, Wilson Martins pós graduou-se em letras na da École Normalle

Superieure, A. A. Lima também estudou na França, mantendo viagens constantes ao país, Sérgio Buarque

morou anos em Berlim como enviado especial dos Diários Associados à Alemanha, Polônia e Rússia.

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Carpeaux fez sentido inverso, tentando estabelecer não o que havia de externo na

literatura nativa, mas o que localmente era universal, “visão diferenciada e que pode

ofertar ao leitor brasileiro uma história da literatura ampla, de novo ângulo, de

perspectiva enriquecedora” (FERNANDES, 2010, p.17).

Dessa forma, Otto Maria Carpeaux foi responsável pela divulgação e

publicitação de autores estrangeiros e brasileiros na imprensa e no mercado editorial,

“onde angariou admiradores e amigos, de Aurélio Buarque de Holanda a Graciliano

Ramos, de Franklin de Oliveira a Alvaro Lins, de Antonio Callado a Alceu de Amoroso

Lima, de Aloysio Gentil a Carlos Drummond de Andrade” (BORGES, s/d), mas foi,

também, mentor e referência de um par de gerações e desmistificador das letras

brasileiras no momento em as estudava em profundidade, tendo no horizonte de

reflexão diálogos com o pensamento universal e com literaturas estrangeiras. Como

aponta Fernandes na introdução de História da Literatura Ocidental:

Os grandes autores do período foram acuradamente estudados (um elenco

incomparável e uma hermenêutica rigorosa). Nele também está incluído o

nosso Romantismo com substancial contribuição para entendimento de

autores brasileiros como José de Alencar, Castro Alves, Álvares de Azevedo

e até mesmo o Machado de Assis da sua primeira fase, cunhada de romântica.

Ainda neste terceiro volume estão o Realismo e o Naturalismo e seu espírito

de época. Balzac, Machado, Eça, Tolstoi, Zola, Dostoievski, Melville,

Baudelaire, e mais Aluísio Azevedo, Augusto dos Anjos, Graça Aranha e

Mário de Andrade, entre tantos autores, aqui são estudados para expressar um

período de grande transformação social com o aparecimento do marxismo e

das lutas sociais mais politizadas (FERNANDES, 2011, p. 12).

Pela técnica de descida e subida, como os movimentos das sinfonias, das quais o

crítico sabidamente tirava inspiração de seu estilo, de ascendência e descendência do

constante comparatismo da literatura brasileira com as de outras nacionalidades,

Carpeaux introduziu autores como Max Weber, Jacob Wasserman e Robert Musil

(CARVALHO, 1999), além de Benedetto Croce, Johan Huizinga, Walter Benjamin,

pouco conhecidos. Dessa condição, ficou famoso o caso sobre sua crítica a respeito de

O Processo, de Kaka, em “Franz Katka e o mundo invisível”, considerado o primeiro

comentário sobre o escritor tcheco no Brasil, em que se pode notar traços ainda da

religião como pedra de toque para percepção da universalidade da literatura (referência

direta que Carpeaux mudaria e adaptaria ao longo do tempo):

O Processo é um apólogo e uma apologia, ao mesmo tempo. Sob o véu da

alegoria, Kafka instrui uma acusação contra a justiça do tribunal divino. O

delito desconhecido é o pecado original. A prisão é o signo da predestinação.

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E o que K. evita pelas suas falsas atividades é a graça. Há nesse romance uma

lembrança incerta de certas palavras do Senhor: "Muitos serão os chamados,

mas poucos os eleitos", e "Aquele que quiser salvar sua vida a perderá"

(CARPEAUX, 1999, p.155).

O caso, embora conte com a argúcia do crítico em abordar o autor até então

desconhecido, causando grande repercussão posterior, não foi de todo, digamos,

puramente intelectual. O fato é que quando Franz Kafka era literalmente um

desconhecido, Carpeaux houve encontrá-lo numa roda de conversa, num encontro

quando ainda era estudante universitário com seus vinte e poucos anos, mas que já

“sonhava com uma carreira literária”, no longínquo 1921, num café em Berlim. Anos

mais tarde, com o humor que lhe era peculiar, Carpeaux relata em seu “Encontros com

Kafka” como conheceu o autor e, ato contínuo, sua literatura:

retirei-me para um canto já ocupado por um rapaz franzino, magro, pálido,

taciturno. Eu não podia saber que a tuberculose da laringe, que o mataria três

anos mais tarde, já lhe tinha embargado a voz. E então se desenrolou

“aquele” diálogo:

“Kauka.”

“Como é o nome?”

“KAUKA!”

“Muito prazer.”

Foi este o começo e o fim do meu primeiro encontro com Franz Kafka. Ao

sair do apartamento, perguntei a meu amigo e introdutor: “Quem é aquele

rapaz magro com a voz rouca?” Respondeu: “É de Praga. Publicou uns

contos que ninguém entende. Não tem importância” (CARPEAUX, s/d)42.

O segundo encontro ocorreu novamente em Berlim – mas não com Kafka em

pessoa, propriamente. Tendo prestado serviços a uma editora, Carpeaux fora visitar o

chefe do empreendimento com vistas a receber um ordenado de tarefas antigas. Algo em

torno de 130 marcos, dos quais só recebeu um austero “não” do editor, que então

declarava falência pelo investimento perdido num lote natimorto de um escritor já

morto. O lote era d’O Processo e o escritor, Franz Kafka. “O Max Brod, que teima em

considerar gênio um amigo dele, já falecido, me forçou a editar esse romance danado.

Estamos falidos. Nem vendi três exemplares. Se você quiser, pode levar a tiragem toda.

42 CARPEAUX, O.M. “Meus encontros com Kafka”. Disponível em:

<http://miltonribeiro.sul21.com.br/2014/05/23/meus-encontros-com-kafka/> Acesso em 26 fev. 2016.

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Não vale nada” (CARPEAUX, s/d)43, teria dito o referido editor. Levando o tanto que

pudesse da tiragem, Carpeaux vendeu posteriormente os exemplares ao preço que

valiam em papel. O único exemplar restante perdeu em sua migração, e depois

recuperou, quando seu amigo lhe enviou parte de sua biblioteca, conservando-o até o

fim. Carpeaux perdeu dinheiro, mas o Brasil conheceu um grande autor. Com

melancolia e certa ironia, o crítico comenta:

Foi a maior burrice de minha vida inteira. Toda aquela tiragem foi vendida

como papel velho e inutilizada. Um exemplar da 1ª edição de “O Processo” é

hoje uma raridade para bibliófilos. Nos Estados Unidos paga-se mil dólares

por um livro desses, ou mais. Se eu tivesse aceito o presente, seria hoje

milionário… Aliás, fugindo da fúria nazista, em Viena, março de 1938, perdi

minha biblioteca inteira, que foi depois confiscada e dispersada. Mas

cheguei, mais tarde, a receber na Bélgica um grupo de volumes que tinha,

pouco antes do desastre, emprestado ao cônsul geral dos Estados Unidos em

Viena e que este fez questão de devolver ao legítimo dono. Um desses livros

foi aquele exemplar da 1ª edição de “O Processo” que, desse modo, fica até

hoje comigo (CARPEAUX, s/d)44.

Durante seus vinte primeiros anos no Brasil o crítico atinge o zênite de sua

produção crítica, período no qual são lançados A Cinza do Purgatório, 1942; Origens e

Fins, 1943; Pequena Bibliografia crítica da Literatura Brasileira, 1949; Respostas e

Perguntas, 1953; Presenças, 1958; Uma nova História da Música, 1958; início da

publicação de História da Literatura Ocidental, 1959; Livros na Mesa, 1960; e A

Literatura Alemã, 1964. Seus quase vinte anos seguintes serão marcados por seu

declínio literário e até mesmo pelo fim declarado da crítica. O fato é que mais uma vez

os coturnos do autoritarismo bateriam à porta, e novamente o escritor teria de escolher

entre sucumbir sob o mal ou encará-lo com os recursos à disposição. Não aceitando o

disparate do golpe, aliou-se ao radicalismo comunista e às frentes democráticas ante ao

autoritarismo que viria a crescer. Segundo complementa Junqueira, o que era o natural a

se fazer na época: “Sempre me intrigou em Otto Maria Carpeaux sua entusiástica

adesão à causa da esquerda, muito embora, naquela época em que o arbítrio e o

autoritarismo tomaram conta do país, todo homem considerado minimamente de bem o

fizesse” (JUNQUEIRA, 2005, p.22).

Longe do Correio da Manhã, que viria à falência, Carpeaux passou a se

empenhar mais na área em que já havia atuado em 1950, como analista internacional: a

43 Idem. 44 Idem.

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política. Desse período, constam as coletâneas A Batalha da América latina e o O Brasil

no Espelho do Mundo, ambos de 1965. A partir de 1968, seus artigos praticamente

desaparecem da grande imprensa, restando os panfletos e circulares dos diversos grupos

de resistência ou protesto, além da chamada imprensa nanica e alternativa em geral,

que comportava não apenas revistas e semanários nacionais, como a Revista

Civilização Brasileira, Argumento, Opinião, Movimento, Fato Novo, Ex,

Piores do Mal e muitos outros - entre os quais O Pasquim, de estrondoso

sucesso -, mais muitos jornaizinhos estudantis de circulação modesta e vida

efêmera (CARVALHO, 1999, p. 41).

O ativismo sai das páginas de jornal e atinge o ground dos discursos inflamados

para massas de universitários que se comoviam com o espírito de resistência do

austríaco, até então desconhecido dos jovens estudantes. Não havia reunião da qual não

participasse, manifesto que não assinasse, fazendo fama seu discurso na Assembleia

Legislativa do Rio de Janeiro, quando da morte do estudante Edson Luís, e seu

desempenho no “Teatro Casa Grande, onde, analisando O Inspetor Geral, de Gogol -

um panorama da corrupção da Rússia tzarista -, explorava humoristicamente as

analogias da peça com a situação brasileira” (CARVALHO, 1999, p.41). Do ativismo

de Otto, dá testemunho Carlos Heitor Cony, até então apolítico, com quem Carpeaux

dividiu palanques, colóquios e até mesmo quartos de hotel nas excursões:

Ao final de cada palestra, havia debates, os estudantes faziam as perguntas,

eu respondia com milhões de palavras e não era entendido. Carpeaux pensava

um pouco, dizia cinco, seis, dez palavras - e estava tudo ali. Decididamente,

um monstro. Nem percebiam o seu folclórico defeito de dicção que, na

intimidade, era até escandaloso. A verba dos estudantes era limitada, em

muitas cidades dividíamos o mesmo quarto de hotel. Nunca tive um

companheiro mais educado e cortês (CONY, 2007)45.

Contrariando o que se costuma dizer a respeito dos opositores da ditadura,

Carpeaux nunca foi repreendido de forma contundente por seus artigos combativos. Em

novembro de 1967, foi acusado de infringir o art. 31º da Lei de Segurança Nacional

("subversão da ordem pública") – que prescreveria em 1972 sem nenhum agravo -, em

razão de um artigo humoristicamente intitulado "FMI: Fome e Miséria Internacionais",

e prestou depoimento na Polícia Federal, sendo liberado sem maiores consequências;

45 “Otto Maria Carpeaux”, Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo (SP) 23/11/2007. Disponível em <

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2311200728.htm> Acesso em 25 fev. 2016.

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em janeiro 1968, após a leitura por um estudante46 de um texto seu como Paraninfo dos

formandos da Faculdade Nacional de Filosofia, é detido novamente para interrogatório,

mas solto algumas horas depois, por constar no discurso a tirada infame de que

“Ausentando-se da solenidade de hoje, o ministro, o reitor e o diretor desmentem a

velha lenda de que o criminoso costuma voltar ao lugar do crime” – o que dá uma boa

noção do nível de enfrentamento e provocação a que chegavam suas declarações.

Condição que talvez se explique pela imposição do AI-5 somente em dezembro de

1968. Com Vinte e Cinco Anos de Literatura, também em 1968, chega então o momento

derradeiro, com o volume, Carpeaux despede-se da crítica literária formalmente para se

dedicar exclusivamente à luta política, publicando a decisão em seu prefácio: “minha

cabeça e meu coração estão em outra parte. O que me resta, de capacidade de trabalho,

pertence ao Brasil e à luta pela libertação do povo brasileiro” (CARPEAUX, 1968)47.

Dessa forma, daí em diante,

essa fase de glória teve seu lado amargo. De um lado, seus desafetos nos altos

postos do governo não deixaram de atormentá-lo, processando-o sob

acusações improvisadas e, segundo se afirma (não tenho provas), boicotando

as publicações que aceitavam seus artigos. De outro lado, Carpeaux, que

abandonara a crítica literária pelo combate político, acabou deixando também

todo jornalismo, para viver uma existência retirada e obscura de redator de

verbetes para a Enciclopédia Mirador (CARVALHO, 1999, p.43).

Mas nem só de política e ativismo se fizeram os contratempos do crítico de

temperamento colérico. Paralelo ao status de crítico prestigiado e respeitado nas altas

rodas literárias, Carpeaux colecionou desavenças diversas ao longo dos anos, seja pela

crítica – um efeito colateral esperado e natural da atividade, de natureza judicativa do

gosto -, seja por sua personalidade.

Segundo relata Carvalho (1999, p.57), em biografia ensaística repleta de fontes

referenciais, a aversão social da crítica tupiniquim à independência intelectual de

Carpeaux teve início em 1943, num necrológio sobre o francês e prêmio Nobel de

literatura, Romain Rolland, então literato ícone da esquerda mundial, em que ele

classifica o autor como “escritor fraco e mentalidade confusa que misturava numa sopa

idealística as idéias de Gandhi com as de Lenin” 48. Insuspeitadamente de estar fazendo

46 Apesar de fazer discursos inflamados em ambientes de agitação ou de mobilização política, na

cerimônia conveio contar a colaboração do estudante, já que Carpeaux era anedoticamente gago. 47 CARPEAUX, O. M. Vinte e Cinco Anos de Literatura. Rio: Civilização Brasileira, 1968. 48 "A morte de Romain Rolland", Revista do Brasil, dezembro de 1943.

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proselitismo ideológico ou favorecimento grupal, direcionando a crítica aos escritos de

Rolland, e não à sua postura pessoal como pacifista e militante – como era o usual de

sua crítica, e deveria ser de todos, sabendo diferenciar o talento e a inteligência do

ativismo, não misturando as coisas -, o excerto atraiu a antipatia de todo espectro

ideológico possível, como Dalcídio Jurandir, os colaboradores da revista Diretrizes

Carlos Lacerda, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, e Guilherme Figueiredo. Que

se prontificaram a render-lhe a pecha de fascista – talvez por resquícios de biografismo

austríaco, devido às atividades que empenhou no combate ao nazismo, revelando certa

falta de imaginação moral suficiente para conceber as possibilidades de escolha de um

indivíduo diante do exército mais potente do mundo legitimado pela ideologia mais

nefasta49. Em seguida, a polêmica fora reavivada por Georges Bernanos, este insuspeito

de qualquer alinhamento minimamente progressista de qualquer vertente, visto que

católico conservador tout court. Segundo consta, devido a informações passadas por

“opositores” comunistas ainda suspeitos da natureza da presença de Otto Maria

Carpeaux no Brasil, lhe atribuíram nuances nazistas,

o romancista francês Georges Bemanos, homem honesto mas de

temperamento arrebatado e colérico, como, aliás, o próprio Carpeaux,

embarcou na conversa e publicou um artigo furioso contra o crítico recém-

naturalizado. O episódio está documentado em artigos que serão

reproduzidos no volume de Escritos Políticos50. Houve também uma

‘campanha sórdida liderada por Oswald de Andrade51’(CARVALHO, 1999,

p. 17).

Campanha que estendeu a polêmica adiante, com outros artigos de repúdio a

Carpeaux, sobre sua produção intelectual de “características “enciclopédica,

eurocêntrica e barroca”, “regresso a Hegel, um conformista revestido de

inconformismo, uma posição espiritualista de quem se devora a si mesmo52”,

inocuidades que diziam mais sobre o acusador do que o acusado e que se apagaram no

tempo. Por fim, parte desta trajetória explica a antipatia bi decenária com a qual

49 O caso sugere e evidencia a prudência que deve ter, evitando-se em empacotar ideologias inteiras sob o

mesmo desígnio de “nazi-fascismo”, demonstrando como no plano político concreto essa unidade não

existiu de maneira alguma, tal qual o suposto católico-fascismo austríaco que não durou meia década,

pois engolido pelo nazismo. 50 Parte do projeto editorial inicial pela Topbooks. A obra de Carpeaux seria editada em dez volumes, três

de ensaios reunidos das publicações em jornal, um de escritos históricos (música e literatura alemã) e

mais quatro da História da Literatura Ocidental, exceto os dois primeiros, os outros nunca vieram a lume.

Posteriormente, a História foi editada pelo Senado, em 2008. 51 O caso está documentado pelo reconhecido crítico Franklin de Oliveira. “A Semana de Arte Moderna

na Contramão da História e Outros Ensaios”, Rio de Janeiro: Topbooks, 1993, p. 146. 52 Revista Diretrizes, 12/08/1943.

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conviveu com Jorge Amado, desafeto público e companheiro de redação no Correio da

Manhã, contra o qual Carpeaux chegaria às vias de fato anos mais tarde. Quem informa

é O Globo, em nota integral daquele ano:

Os escritores Jorge Amado e Otto Maria Carpeaux, inimigos de 15 anos,

foram às vias de fato, ontem, após acalorada discussão, à saída do Correio da

Manhã, onde haviam participado de um almôço em homenagem ao escritor

luso Ferreira de Castro. Ao chegar, o autor de "Gabriela, cravo e canela"

cumprimentou os presentes cordialmente, menos o Sr. Carpeaux que é um

dos principais redatores daquele jornal. Entre ambos há uma grande diferença

pessoal que data ainda do período da II Grande guerra, quando os dois

conhecidos homens de lêtras trocaram impropérios, por motivo de fundas

divergências políticas. O tempo não apagou a malquerença. E aquêle

reencontro fêz reavivar velhas feridas. O crítico Carpeaux conteve-se, durante

o almôço. Mas muito lhe custou, pelo visto, represar a sua indignação pelo

fato, de todo imprevisto e que, como era natural, causou mal-estar entre os

participantes do almôço. À saída, Carpeaux perdeu a calma e, não resistindo

à pressão dos seus melindres, foi tomar satisfações pela ofensa deliberada. Os

dois discutiram, trocando expressões violentas, e logo passaram a troca de

sôcos. O incidente não assumiu a feição mais séria graças à pronta

intervenção dos presentes (O GLOBO, 1959) 53.

Esses fatos, longe de serem apresentados gratuitamente, são parte integrante da

biografia de Otto Maria Carpeaux, que possibilitam delinear o reflexo público de seu

pensamento. E servem de base de interpretação para que se possa ao menos informar

sobre as nuances que marcaram sua vida. Um microcosmo obscuro da inteligência

nacional que ficou em aberto devido à extrema reclusão social e recato do escritor

quanto à sua vida pessoal a despeito da exposição pública, e pela ausência de fontes

senão bibliográficas atualmente, pois todo o elenco desse vasto cenário é composto de

vidas já passadas, cujos substanciosos depoimentos se perderam pela desvalorização do

autor a tempo de serem recolhidos ainda frescos.

De prestigiado humanista erudito católico, formalmente qualificado em várias

áreas, e ideólogo da Áustria cosmopolita, liberal, democrática e barroca, a apoiador do

radicalismo fascista frente ao totalitarismo racista e repugnante do nazismo. De total

desconhecido e desprestigiado estrangeiro católico de erudição oca e desinteressada,

suspeito de simpatizar com radicalismos políticos a um dos maiores críticos literários do

país e ídolo ideológico de gerações inteiras, aliado aos radicais comunistas frente ao

autoritarismo vigente do militarismo positivista. São essas as contradições objetivas e

aparentes da trajetória de Carpeaux. Entretanto, esse é o mesmo percurso material da

angústia de uma consciência que saiu dos apologéticos A Missão Europeia da Áustria e

53 “Jorge Amado e Otto Maria Carpeaux Trocam Sôcos”, O Globo, 10 de outubro de 1959.

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Caminhos para Roma, que encontram eco nos impactantes A Cinza do Purgatório e

Origens e Fins, para o desaparecimento da crítica literária; de católico professo,

educador e mestre das letras de intelectuais e iniciados pelas páginas dos jornais a

agitador político de jovens materialistas militantes e enciclopedista anônimo e

esquecido em depressão, como relata Junqueira: “Restavam-lhe apenas mais cinco anos

de vida, de sofrimento e de funda depressão, como o atestaria depois seu amigo de todas

as horas, Franklin de Oliveira, a quem eu viria a conhecer anos mais tarde”

(JUNQUEIRA, 2005, p.22).

Quem queira dar fim às complexidades que giram em torno do tema, terá de

encará-lo com a consciência moral de considerar todos os fatos concretos e lineares, e as

mudanças de estado psicológico do escritor nuançadas pelos escassos depoimentos

disponíveis e pela interpretação rigorosa de sua disposição intelectual ao longo da vasta

bibliografia produzida, sobrepondo ambas sem tomar uma pela outra metonimicamente,

descolando o homem da obra e, pior ainda, o homem de sua própria consciência perante

suas condições reais de existência. Como amostra dessas contradições são

significativas as entrevistas realizadas em 1949, e em 1976, já em pleno declínio,

recorrentes no presente trabalho. De onde pode-se ver que:

Senna - Foi apresentado por Álvaro Lins ao público brasileiro como escritor

católico. Ainda o é?

Carpeaux - Pertenço à Igreja Católica; tudo o mais é questão de foro íntimo.

Estou estranhando o “ainda”, embora compreenda os motivos da pergunta.

Mas por mais que se abuse da Igreja para fins diversos, ela é e fica a Igreja,

fundamento e vaso das tradições cristãs, cuja indispensabilidade no mundo

presente e futuro se me afigura tão certa como a citada inevitabilidade do

socialismo… mas não me compete defini-la. Não escrevo sobre teologia. Sou

leigo, e os leigos gozam de liberdade maior do que pensa a gente extra

muros. Não se conhece bastante, aqui, a liberdade dos católicos da França e

da Alemanha ocidental. No resto, você me permita citar Chamfort: “Prefiro a

companhia dos ateus à dos crentes. Na presença de um ateu ocorrem-me

todos os argumentos filosóficos em favor da existência de Deus; na presença

de crentes ocorrem-me os contra-argumentos” (SENNA et CARPEAUX,

1949).

E, posteriormente:

Sebastião Uchôa Leite - Carpeaux, antes de mais nada, queremos saber das

suas origens, da sua formação européia antes de chegar ao Brasil.

Carpeaux - Já começa com a biografia! Eu não lhe dizia que não quero dar

entrevistas biográficas?

(...)

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Sebastião Uchôa Leite - Carpeaux, voltemos a você. Logo que chegou, pouco

depois seus livros Cinza do purgatório e Origens e fins foram considerados

muito importantes. E antes disso, houve algo importante para você?

Carpeaux - Eu? Não faça a minha biografia! (LEITE et CARPEAUX, 1976).

Entretanto, se o caráter biográfico público e externo se tornara assunto de âmbito

pessoal e restrito, o espírito de intelectual público e o respeito pela cultura e a

intelectualidade stricto sensu mantiveram-se intactos, sugerindo que a preservação de

sua intimidade era de ordem social – como quem revela o vulgar escondendo o

essencial. Postura que assumiu, separando a atividade pública da vida pessoal. Pois

quando questionado sobre temas culturais públicos, cedia naturalmente, revelando o

pensamento sem expor a intimidade:

Sebastião Uchôa Leite - Está havendo uma espécie de trahison des clercs,

quanto ao abandono dos interesses intelectuais?

Carpeaux - Exatamente, é isso mesmo. (CARPEAUX; LIMA; LEITE, 1976).

Célebre livro de Julien Benda, La Trahison des Clercs54, é a aguda crítica do

pensador ao desvio da condição original da classe intelectual, mormente a dos

universitários. Benda aponta que o século XX terá sido propriamente o século da

organização intelectual dos ódios políticos, traindo a verdadeira função que deveria

cumprir à revelia da aceitação coletiva ou da simpatia estamental; seja do grupo que por

ventura estivesse representando, seja pelo nicho ideológico a que estivesse atrelado, seja

pela angariação de poder e planos de carreira ou promoções institucionais. O uso correto

da razão em promoção da verdade e da justiça, da divulgação do conhecimento

conforme a validade do argumento, e não por sua conveniência, era um dos meios que

caracterizariam a queda do intelectual enquanto conselheiro da humanidade, pois “não é

apenas a moral universal que os intelectuais modernos abandonaram ao desprezo dos

homens, é também a verdade universal” (BENDA, 2007, p. 180). A postura de defensor

dos interesses práticos de uma coletividade, adepto dos modismos e das paixões

políticas, sem qualquer compromisso com os valores superiores, entretanto, seria então

o futuro da classe pensante. “No limite, o lugar do intelectual seria o de buscar as coisas

54 No Brasil, o livro encontra-se traduzido como A traição dos Intelectuais, pela Peixoto Neto, 2007.

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realmente universais, o que implicaria, em outras palavras, esquivar-se da defesa de

particularismos de raça, de nação ou mesmo de classe” (BOTO, 2008, p.162).

Embora entendido como "intelectuais", a rigor, a intenção do filósofo se atém

profundamente à noção clerical do intelectual, como um sacerdote leigo, em que o

pensador trabalha a serviço da verdade e da busca por verdades transcendentes e

universais. Assim, como o clérigo era um sacerdote de Deus e da Igreja, o intelectual

era o sacerdote da ciência, da verdade, e de toda comunidade, prosseguindo o propósito

trilhado pelas primeiras universidades, de origem clerical, fazendo jus ao nome da

instituição, cuja missão era justamente sanar o processo de fragmentação inerente à

humanidade, rejeitando a condição de defensor dos interesses práticos de grupos

específicos, adeptos dos modismos e das paixões políticas, sem qualquer compromisso

com valores superiores, o que levaria não só a redução do nível geral de cultura, mas ao

arrivismo social. Uma antiga noção que o tempo e as diatribes ideológicas têm tratado

de suplantar, mas que resiste nas tintas de humanistas como Umberto Eco:

Foi precisamente sobre aquela plataforma cultural que nasceram as

universidades, único caso de migração pacífica de estudiosos e estudantes: os

clérigos itinerantes, que se deslocavam de ateneu em ateneu, de nação em

nação, de tal modo que nos séculos vindouros encontraremos Erasmo,

Copérnico, Goffredo de Vinsauf, Paracelso e Dürer em Bolonha, e

Buonaventura e Tomás de Aquino em Paris. Todos falavam a mesma língua,

os problemas debatidos pelos averroístas em Bolonha eram os mesmos

discutidos na Faculdade das Artes em Paris, e Marcilio de Padova dissertava

com Guilherme de Ockam e Giovanni de Jundun sobre questões políticas de

importância capital para o Império germânico. As universidades formaram

assim o primeiro núcleo de uma futura identidade europeia; a Europa das

universidades deixou de ser somente uma expressão geográfica para se tornar

uma comunidade cultural (ECO, 2013)55.

Ressaltando que a tomada de posições do indivíduo em situações reais e

concretas não era vedada por Julien Benda, ele próprio um ativista, ao intelectual, e sim

a mutilação do serviço devoto da pesquisa e da cultura superiores em prol de finalidades

55 “Por que as Universidades?”. Traduzido pelo professor Marco Aurélio Nogueira, diretor do Instituto de

Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Unesp. Disponível em <

http://marcoanogueira.blogspot.com.br/2014/06/umberto-eco-por-que-as-universidades.html >. Acesso 20

fev. de 2016. Em 20 de setembro de 2013, por ocasião das comemorações dos 25 anos da Carta Magna

Universitária de Bolonha, o escritor e pensador italiano Umberto Eco proferiu Aula Magna na referida

instituição italiana. O documento, aprovado em setembro de 1988 por reitores de importantes escolas de

ensino superior da Europa, estabelece princípios fundamentais para a afirmação das universidades, como

autonomia, liberdade de ensino e de pesquisa, preservação da tradição humanista e a rejeição da

intolerância. Naquele momento, a Universidade de Bolonha, mais antiga da Europa, celebrava 900 anos

de fundação. Original em: http://www.disf.org/files/eco-perche-universita.pdf.

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práticas puramente pessoais. Conforme complementa Carlota Boto em resenha para

Revista USP:

O intelectual de Benda recorrerá, sim, ao lugar público que obteve e ao

prestígio que o reconhecimento lhe auferiu, mas apenas em nome da busca da

verdade e da defesa da justiça. Suas paixões não poderão ser jamais o móbil

de sua ação. Benda concebe os intelectuais como sujeitos que

inequivocamente se orientam por padrões universais de razão e de verdade –

movidos sempre pelo desapego de valores materiais e de benefícios pessoais

(BOTO, 2008, p.162).

Uma noção ainda pouco desenvolvida no Brasil, que Carpeaux captara há

décadas, e que ele mesmo levou ao fim e ao cabo, quando desistiu da crítica pelo

ativismo, em ato de honestidade. Por essa razão mesma, Ivan Junqueira, poeta e amigo,

pondera que, mesmo com todas as controvérsias biográficas, as questões intelectuais

mantinham-se mais estáveis:

Como pude atestar em várias ocasiões, essa formação católica estava presente

na visão de mundo que Carpeaux desenvolveu e cristalizou para interpretar,

de forma sempre magistral, as manifestações da arte, da política e da história

de seu tempo. O que Carpeaux seria depois da época em que se chamou Otto

Karpfen, seu verdadeiro nome de batismo (...) está indissoluvelmente

associado a essa formação vienense e aos compromissos espirituais que

assumiu em defesa da cristandade (JUNQUEIRA, 2005, p.22).

Com a mudança de paradigmas, entretanto, sabe-se que essa noção idealista de

intelectual purista modificou-se, tanto pelo advento do relativismo como pela

participação cada vez maior do erudito nas questões do quotidiano, fazendo do

pensamento ação. A linha adotada pelo austro-brasileiro pode ser vista como de

encontro ao que Terry Eagleton (1985) reivindicou ser a parte faltante da crítica

literária, apontada por ele como sendo causa do domínio da cena crítica pelo que

chamou negativamente “humanista liberal”. Nos termos do autor, Carpeaux seria, em

suma, um humanista liberal. Eagleton argumenta que a moralidade e a política andam

juntas, e, portanto, o uso da literatura por humanistas liberais se limita à moralidade,

excluindo o fator político justificado por ela e por isso, limitando, também, a análise.

Para ele, [tal estilo/método crítico] é uma “ideologia moral dos bairros elegantes”,

limitada, na prática, a questões altamente impessoais; sua valiosa preocupação com a

liberdade e o indivíduo “simplesmente não é bastante concreta” (EAGLETON, 1985).

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Em 1971, Carpeaux lança Hemingway - Tempo, Vida e Obra, esboçando uma

reação que não viria nem teria repercussão; em 1978, póstumo, vem Alceu Amoroso

Lima por Otto Maria Carpeaux, “pautada antes pelo louvor convencional do que pelo

interesse de um biógrafo em nos desvendar a vida e a obra daquele destemido e mesmo

temerário pensador e ensaísta católico” (JUNQUEIRA, 2005, p.22). Encerrando com

esses títulos sua carreira, Carpeaux viria a falecer numa sexta feira pós-carnaval, em

1978.

Apenas em 1999 teve início o resgate de sua obra56. Ensaios Reunidos I é a

reunião que traz em suas 928 páginas 170 ensaios publicados por Carpeaux em livros de

1942 a 1978. Em 2002, de Karpfen a Carpeaux busca resgatar sua formação austríaca

dando continuidade aos indícios apontados na reunião anterior – confirmando-os todos.

Somente em 2005 o segundo volume de ensaios surge, mas ainda sem maiores edições e

complementos, exceto o agradável e em parte autobiográfico prefácio de Ivan

Junqueira, que dilue ainda mais as certezas e contradições que compuseram a rica e

conturbada biografia do ensaísta.

Além dos livros, como destacou Mauro Souza Ventura (2012), Carpeaux

exerceu atividade crítica na imprensa brasileira ao longo de quase quatros décadas.

Observando os princípios que nortearam a crítica de Carpeaux produzida para jornal –

“nitidez argumentativa”, “interesse público”, “gancho factual”, “público-alvo não

especializado”, pressupondo “quase sempre, uma análise crítica e uma tomada de

posição explícita, resultando assim numa visão global sobre os objetos estudados” –,

Ventura propôs que:

A crítica literária de Otto Maria Carpeaux sofreu os efeitos da falta de

legitimidade de seus contemporâneos nas décadas de 1940-50, fato que pode

ser observado no tratamento periférico a ele conferido pelo campo das

instâncias de consagração – leia-se mercado editorial. (VENTURA, 2012,

p.143).

56 “O único e meritório esforço de reunir parte do legado de Carpeaux, desde a antologia Reflexo e

Realidade, editada logo após a morte do autor pela Fontana, Rio, sob os cuidados de Sebastião Uchôa

Leite (a História da Literatura Ocidental foi reeditada sob a Fiscalização do próprio Carpeaux), deveu-se a

Alfredo Bosi, que organizou para a editora Nova Alexandria, de São Paulo, uma seleção dos artigos

publicados na revista Letras e Artes. O volume foi publicado sob o titulo Sobre Letras e Artes”

(CARVALHO, 1999, p.71). Ainda assim, a reunião de Bosi não traz notas explicativas substanciais, nem

textos interpretativos complementares, configurando apenas uma reunião de textos, cujas únicas linhas

acrescentadas são uma introdução de cinco páginas do organizador, que cumprem mais a função de

apresentar o próprio volume do que de se aprofundar nos aspectos mesmos da crítica de Otto Maria

Carpeaux.

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Sendo a variedade de ensaios uma diversidade não só de temas, mas também de

angulações e perspectivas diferentes, a abordagem que pretenda analisar a produção de

Otto Maria Carpeaux enquanto obra deve fazê-lo no sentido da mentalidade que a

concebeu e, sobretudo, o método sob a qual foi erigida. Arriscando-se na análise pontual

e literal de seus escritos fragmentados, concebidos sob a contingência jornalística e a

exigência econômica e profissional da produtividade periódica, tentar encontrar neles

uma unidade de sentido linear é perde-se no emaranhado de linhas de força que o crítico

permitia atuar sobre seus escritos. Linhas as quais ele não tinha pretensão de encadear

em sua própria pessoa e sobrepor aos objetos que analisava, fazendo tabula rasa e

submetendo todo o repertório ao mesmo tom, mas que ele permitia emanar das obras

mesmas buscando nelas encontrar sua mensagem fundamental à comunidade dos

homens. Como crítico, sua atuação era a do mensageiro dos pensamentos alheios, como

quem diz "este homem tem algo a dizer (ou não), vejam", ficando então a reflexão

submetida ao propósito da própria obra, e não o contrário, como sói acontecer. Suas

páginas eram a Ágora literária, onde cada um tinha sua vez e seu propósito. Sobre seu

ensaísmo, Bosi enfatiza que “a coleção, aliás, incompleta, dos seus artigos hoje reunidos

em dois volumes (que totalizam quase duas mil páginas) resistem a qualquer tentativa

de síntese e até mesmo de comentário abrangente” (BOSI, 2013, 284).

Mesmo que muito do estado de espírito humanista do crítico encontre-se

disperso em passagens aqui e acolá, o momento decisivo de síntese dessa disposição

metodológica, só foi plenamente externado e formalizado na introdução de sua História

da Literatura Ocidental, a obra capital onde, sim, deslinda de forma linear e acabada

sobre um mesmo tema. Sob esse aspecto, a crítica ensaística exercida nos periódicos

reflete sutilmente a organicidade de todos os escritos, conservando a unidade na

diversidade de quem reconhecia que cada caso é um caso e cada enigma literário pede

uma lógica e chave interpretativas distintas. Uma lição de humildade, só possível aos

grandes a serviço da comunhão dos saberes, com consciência crítica, método e

privilegiando o que a obra diz. É a partir de seu método, então, que buscaremos

compreender parcela de sua obra.

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3.2. Introdução ao método – os três problemas da historiografia crítica literária

de Carpeaux

A obra máxima de Carpeaux é o estudo que sintetiza sua visão ampla e acabada

da literatura. Não enquanto reunião dos objetos abarcáveis pelo seu interesse, mas pela

aplicação integral do método sob o qual buscou encarar todo objeto literário, inclusive

os não elencados nos volumes de História da Literatura Ocidental – que por razão

prática, temporal e cronológica (a obra foi finalizada 20 anos antes do fim de sua

carreira) não se encontram nela.

A história de sua produção não é menos considerável do que a história de seu

conteúdo. Contratado pela Casa do Estudante do Brasil e por sugestão de José Lins do

Rego, segundo consta, Carpeaux inicia seu maior desafio intelectual. Sob a cláusula

contratual de multa por atraso, o autor vai, anarquicamente, intercalando a escrita de

ensaios e prefácios, reunião de coletâneas e os estudos da literatura brasileira, redigindo

até mesmo em pedaços de papel e guardanapos as notas que viriam a compor a História.

Entretanto, desprovido de toda documentação, todas as fontes primárias e,

principalmente, da maioria – quase totalidade – de seus livros e autores a serem

abordados, Carpeaux vai desenvolver sua narrativa a fluxo de consciência e força de

memória, cuja excelência fez fama57. Organizando posteriormente e revisando

obsessivamente os originais que sua esposa, Dona Helena, datilografava em colunas

reduzidas, para que nas marginalias pudessem ser feitas as notas de correção, que

posteriormente eram datilografadas e comparadas. Sendo assim, boa parte dos escritos –

57 Carlos Heitor Cony confirma o hábito de Otto de anotar códigos e rabiscar pedaços de papel. Certa vez,

na redação o aguardaram sair da sala e foram ter na lixeira o que ele havia escrito. Conta o escritor: “Lá no ‘Correio da Manhã’, todos ficávamos intrigados com a mania que ele tinha de pegar um papel e nele

colocar nomes e números numa ordem que, aparentemente, parecia uma lista de jogo do bicho.

Feita a lista, olhava em torno para ver se alguém o observava e discretamente jogava o papel rasgado na

cesta. Um colega deu-se ao trabalho de apanhar os fragmentos e recompor a lista. Lá estavam, com a sua

inconfundível letra gótica, pequenos blocos de cinco ou seis letras e números, coisa esotérica. Todos os

dias fazia a mesma coisa.” (CONY, 2007). Quando perguntado sobre o assunto, a respeito de um caderno

de notas, “fichário”, que possuía para consultas, o crítico respondeu irreverente e audacioso, apostando

para a biblioteca: “Onde está ele? Algumas notas que chegaram incluídas naqueles volumes [que vieram

recuperados da Europa] revelaram-se pouco utilizáveis. De nada me adiantaria um fichário velho. Não é

erudito o escritor que tem muitas fichas, assim como não é bom general quem tem muitos soldados e nada

mais. Acredita na “lenda do fichário” quem ignora como é (ou foi) firme a formação universitária

européia. ‘Cultura é aquilo que fica quando uma pessoa já esqueceu tudo o que aprendera’”

(CARPEAUX, 1949).

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citações, referências, ano das publicações, datas históricas – são totalmente memoriais,

um esforço outorgado pela perda da biblioteca, sua base, na fuga do nazismo.

Com agilidade, em menos de dois anos, de 1944 a 1945, Carpeaux então finaliza

a redação do trabalho. Aproximadamente quatro mil páginas datilografadas e, segundo o

autor, seguramente documentadas. Entretanto, pela magnitude dos volumes, a obra fica

sem editor, devido à sua inviabilidade comercial. Somente em 1958 é desengavetada,

sob solicitação do romancista Herberto Sales, então diretor da editora O Cruzeiro, que

dá início à publicação no ano seguinte, terminando-a somente em 196658. Após as

edições d’O Cruzeiro, a obra, que continha vários erros tipográficos, é revisada e

ampliada por Carpeaux e Joaquim Campelo Marques, e publicada pela editora

Alhambra, em 1978.

O crítico, agora nas vezes de historiador – posto que iria assumir novamente n’A

História da Literatura Alemã e em Uma Nova História da Música -, inicia o primeiro

volume problematizando as questões em aberto, não resolvidas pela história da literatura

ao longo da historiografia geral. Como abordado neste trabalho em passagens

anteriores, o autor ressalta o fato de que a narração de fenômenos literários era prática

inexistente na antiguidade clássica, onde a reunião de autores tinha como único

fundamento a preservação de modelos de excelência para ensinança dos mais jovens, o

aprimoramento do gosto ou “então, compor dicionários de citações e florilégios de

resumos, para salvar da destruição pelos bárbaros os tesouros literários do passado”

(CARPEAUX, 2010, p.20), e cujo grande exemplo foi Quintiliano. Daí em diante, são

elencados vários exemplos recorrentes, que em formato de súmulas canônicas, de

“erudição barroca”, tinham mais o propósito de sumarizar obras e autores do que

trabalhar a narrativa histórica, aspecto fundamental apontado por Carpeaux.

No século XVII então é que o fator tempo passa a influir na organização do

material, entretanto não de maneira satisfatória, pois com o advento da mentalidade

moderna, a famosa querele des anciens et des modernes, tratará de elencar no tempo

evoluções temporais que se substituem, como que superando-se, pondo “em dúvida a

superioridade das letras antigas em relação às modernas”, adquirindo uma noção de

58

O primeiro volume sai em março de 1959, mas fica demasiado grosso e tem de ser desdobrado, numa

segunda tiragem, nos volumes I e I-A. A publicação da série termina em 1966, com um volume (o oitavo

da série, numerado VI)I de índices e apêndices (CARVALHO, 1999, p.39).

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passado, que embora tenha existido, passou, no sentido mais pretérito do termo. Dessa

forma, “começam-se a compor histórias das literaturas modernas; mas são ainda

‘histórias’ no sentido da erudição barroca, coleções imensas, enciclopédicas, obras de

verdadeiro fanatismo de reunir datas e fatos” (CARPEAUX 2010, p.22), em que a

sucessão dos episódios, embora logrem superar o conservadorismo clássico, não

garantem o senso de unidade ou encadeamento do conteúdo, caracterizando uma

reunião fragmentada de dados desconexos. Conforme a formação política dos Estados e

sua consolidação, atreladas ao desenvolvimento do romantismo, processo semelhante ao

relatado em páginas anteriores, as histórias vão se nacionalizando, e de cânones

universais acríticos a enciclopédias fragmentadas sem desenvolvimento narrativo, as

histórias da literatura vão se firmando – entretanto, de modo agora nacionalmente

fragmentado. Posteriormente, o tempo viria a ganhar novas nuances, e com o idealismo

e o romantismo e com o auxílio da dialética histórica, o passado torna-se uma “evolução

que continua”. Um primeiro passo fulcral rumo ao que Otto Maria Carpeaux viria a

sintetizar em sua metodologia A ambição do historiador da literatura então, na esteira

dos modernos, seria conciliar todos esses fenômenos, fazendo reunir a universalidade de

cada um desses aspectos nacionais em uma única narrativa. Como esclarece o autor:

Na História da Literatura Antiga e Moderna (1815), de Friedrich Schlegel, o

“Tempo”, como veículo da História, é o próprio fator determinante dos

acontecimentos literários. Esta noção de “Tempo” está intimamente ligada ao

chamado “passadismo” dos pensadores românticos: nada do que o tempo

criou perde jamais o valor; continua a agir em nós, de modo que o fio

cronológico dos fatos é, ao mesmo tempo, a árvore genealógica das obras do

Espírito. Nada se perde, não importa quando e onde tenha nascido: as

literaturas de todas as épocas e de todas as nações nos pertencem. Neste

sentido é que se pode dizer: foi o romantismo que criou a “história da

literatura” conforme o critério cronológico, como nós a conhecemos, e foi o

romantismo que criou a noção da “história da literatura universal”

(CARPEAUX, 2010, p.25).

É assim que Carpeaux, em respeito à tradição precedente, desenvolve um breve

status quaestionis da história da literatura ao longo dos tempos, desde a antiguidade

clássica à sua contemporaneidade moderna, para inserir o seu próprio estudo no diálogo

histórico, o que Edmund Burke chamou de “o contrato eterno das almas”, em que o

presente tem ciência do passado. Muito embora sua abordagem estivesse a serviço de

ilustrar seu próprio objetivo, a saber, as soluções metodológicas encontradas por ele, e

não em verticalizar uma analise pormenorizada de todos os estudos anteriores, a que

Bosi (2013) definiu como “recapitulação ponderada que sabe colher o principal de cada

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abordagem”. Ante as inconsistências encontradas, então, como resolvê-las, conciliando

todos os méritos?

O autor encontrou três problemas: (1) a multiplicidade do assunto, ou seja, a

complexidade da reunião de diversos indivíduos, correntes ideológicas, escolas,

tradições e movimentos literários, línguas e nacionalidades numa linha narrativa

unificadora; (2) o “tempo”, o grande plano de fundo, a base, a trilha na qual se deslinda

a história, onde se desenvolvem todos os fenômenos para além dos aspectos materiais e

espirituais, que superam as grandes correntes de pensamento, as distâncias geográficas

e, principalmente, os grandes períodos, que empacotam forçosamente expressões

individuais dissidentes e movimentos menores no mesmo “período” marcado por uma

grande corrente que se sobrepõe àqueles, eclipsando-os; e, por último (3), a dialética

literatura/sociedade, uma relação de interdependência recíproca dos fatores espirituais

(ideológicos e estilísticos) e dos fatores materiais (estrutura social e econômica),

confrontação dialética do contexto social e do indivíduo escritor, em que ambos os

fatores se refletem e interferem, mas não se determinam definitivamente, noção que o

crítico austríaco buscou na “sociologia do saber”, cujos fundamentos foram buscados

principalmente nos trabalhos de Max Weber (CARPEAUX, 2010).

Identificados e apresentados os três aspectos críticos considerados por Otto

Maria Carpeaux, pretendemos apresentá-los tal qual o proposto pelo autor esclarecendo

e estendendo seus aspectos mais importantes, relacionando-os entre si, visto que a

divisão formal cabe apenas como abstração já que os três aspectos se complementam e

são interdependentes.

Tratando da periodização, Carpeaux é taxativo quanto ao seu uso ao longo dos

tempos: era insuficiente, quase sempre utilizada como convenção, e passava ao largo de

dar conta dos pormenores não coerentes com o critério geral utilizado para demarcar os

grandes intervalos históricos. Nesse sentido, Carpeaux também se aproxima muito da já

abordada neste trabalho noção de “famílias espirituais”, de Wilson Martins, na qual as

grandes correntes serão analisadas de ponta a ponta, compreendendo um determinado

período, o que não impede de que no mesmo intervalo outra grande corrente também

tenha apresentado exemplos e manifestações, ambas ocorrendo então ao mesmo tempo

paralelamente em algumas épocas, apesar de ora uma ora outra estar mais visível e

eminente.

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Esse problema foi em parte resolvido, pois grandes períodos de conteúdo

artístico, além de consagrados pelo uso, foram posteriormente comprovados com a

análise estilística, como “Idade Média, Renascença, Barroco, Ilustração, Romantismo,

Realismo, Naturalismo, Simbolismo, etc”. Um exemplo foi Erich Auerbach, que “deu

um corte transversal pela história literária ocidental inteira (Mimesis, 1946), já não para

caracterizar um gênero ou um estilo, mas um princípio estilístico: o realismo”

(CARPEAUX, 2010, p.38). Dessa forma, o realismo estava consagrado enquanto estilo,

mas seu processo histórico, não, visto que desde seu surgimento e consolidação ele não

deixou de existir, e “continua”. Além disso, externamente, seu movimento histórico

ocorreu em diversos países, e internamente, foi representado por autores de diversas

orientações ideológicas diferentes: Assim, o autor sentencia considerando as

possibilidades de que dispunha:

Trabalhos como os de Empson e de Auerbach constituirão os materiais da

futura história literária. Por enquanto, e nesta obra, só foi possível fazer uma

revisão geral dos valores, substituindo, em todos os pontos particulares, as

“fables convenues” da rotina pelos resultados da análise estilística e da

análise ideológica.(...) Para resolver o problema dessa multiplicidade, as

obras de síntese coletivas justapõem simplesmente uma história separada da

literatura italiana, uma da literatura francesa, uma da literatura inglesa, etc.,

etc.; evidentemente, isto não é síntese, e sim coleção incoerente. Daí não

pode resultar jamais uma “história universal” da literatura universal. Nem

basta distribuir assim as literaturas dentro dos grandes períodos históricos. É

necessário abolir as fronteiras nacionais (CARPEAUX, 2010, p.39).

Com a especificação estética do diversos gêneros literários, a periodização ganha

então complexidade, forçando sua demarcação a seguir outros critérios e métodos.

Carpeaux escolheu então algo que pudesse se aplicar à toda literatura igualmente,

escolheu então o tempo; não o cronológico, mas o espiritual, eterno e que “continua” e

abarca toda literatura enquanto expressão artística, cujos critérios da exposição

historiográfica são, portanto, estilísticos e sociológicos. Sobre o fator tempo, o autor

então explicita o critério:

A literatura não existe no ar, e sim no Tempo, no Tempo histórico, que

obedece ao seu próprio ritmo dialético. A literatura não deixará de refletir

esse ritmo – refletir, mas não acompanhar. Cumpre fazer essa distinção algo

sutil para evitar aquele erro de transformar a literatura em mero documento

das situações e transições sociais (CARPEAUX, 2010, p.39).

Para Carpeaux, a repercussão dos acontecimentos políticos/sociais na literatura

não ia muito além da superfície, da mesma forma que a condição pessoal de sua

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produtividade e criatividade literária não eram determinantes ao escritor. Toda a sua

visão global do fenômeno literário gira em torno da sutileza dialética da sentença

“influencia, mas não determina”.

Assim, seu método historiográfico busca compreender os períodos substituindo

nações e autores por estilos e obras “como expressão da estrutura social das épocas”

(CARPEAUX, 2010), considerando, entretanto, a individualidade de cada uma delas. O

princípio cronológico das datas e períodos, puramente formal, não dava conta do

recado, pois dizia mais sobre a forma da escrita do que sobre os critérios de

interpretação; assim, o mesmo autor é repetidas vezes mencionado ao longo do tempo –

não ao longo do tempo em que viveu, mas no tempo histórico da literatura, , conforme a

pertinência, assim, por exemplo, Machado de Assis entrará sociologicamente no

capítulo “Literatura Burguesa” e Drummond estilisticamente em “Tendências

Contemporâneas”.

Na dialética literatura/sociedade o escritor tem a potência de transcender os

limites da influência circundante e exercer ele próprio influência na realidade. Eis por

que a literatura não pode ser apenas "reflexo" da história social: ela é junto com as

outras expressões criadoras do espírito humano justamente uma das forças agentes que a

produzem.

A parcela de independência do autor no processo criativo, Carpeaux foi buscar

no filósofo idealista de matriz hegeliana Benedetto Croce, cuja filosofia entendeu a

criação poético-literária como conhecimento intuitivo, pelo qual uma gama de tensões

se agita no interior da consciência do indivíduo criador, e vem à tona como matéria de

conhecimento e possibilidade de expressão artística e comunicação, uma síntese

dialética da intuição/abstração, onde na arte o poeta esgota e extravasa aquilo que

emana e verte da alma, depois de todo um processo de acumulação de estímulos em seu

“espírito”. Assim, toda palavra, canto, desenho, pintura, escultura, arte, enfim, não pode

existir sem ser algo “que alguém ao menos murmurou consigo mesmo, canto que ao

menos ressoou no peito, desenho e cor que se veja em fantasia, colorindo de si toda a

alma e o organismo — é coisa que não existe” (CROCE, 2001, p.169). Conceito que

Victor Knoll descreveu da seguinte maneira:

Para Croce a atividade artística se distingue de todas as demais, bem como o

seu produto, a obra de arte -um "indivíduo" dotado de peculiaridade, ainda

que manifeste múltiplos aspectos da experiência humana. A especificidade do

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fenômeno artístico deriva do reconhecimento que a intuição é o motor da

produção de suas obras. Aí temos o ponto central da concepção croceana: a

arte é intuição, que não se confunde com a apreensão espontânea do mundo

(perceptual), nem com a conceitual (teórica). Assim, a intuição se caracteriza

como pré-perceptual e pré-lógica. A obra poética não é "explicável" pela

experiência mundana do poeta, nem pelas possíveis posições teóricas que

tenha assumido (KNOLL, 1997)59.

Assim, a história crítica terá como missão a tarefa proposta por Croce de

distinguir a “poesia” da “não poesia”, sendo esta última todos os elementos didáticos,

políticos, científicos, religiosos, ou seja, elementos materiais e acidentais; e o poético,

o lírico, o símbolo síntese de imagem, sentimento, intuição e afetividade (BOSI, 2013).

Neste sentido, a literatura será entendida como monumento – obra de arte -, cujo

propósito é atingir o status de símbolo baseado numa história imaginária, e não um

documento do real, numa narrativa que alcança apenas o grau de alegoria, em que a

técnica reside apenas na criação de analogias miméticas com vistas a mostrar uma tese,

ou seja, uma argumentação literária, em que a mensagem brota não da força de espírito,

mas do intelectualismo, para Carpeaux, algo que deve ser evitado (VENTURA, 2002).

Uma noção idealista do ponto de vista filosófico sobre o processo criativo. Dessa

forma, abrem-se novas perspectivas de criação que não somente o apego do registro do

contemporâneo imediato ao escritor, como ressalta Bosi:

De todo modo, Croce sempre reafirmou, até seus últimos escritos, o estatuto

imaginário da obra de arte, que pode cobrir todo o reino do possível, ao passo

que as ciências devem ater-se ao universo do real que se pode atestar e

constatar. O possível inclui tudo o que é real mais o que pode vir a sê-lo, e

neste último sentido, o possível é também objeto do desejo e da fantasia, que,

por sua vez, estão em casa na hora de se criar uma obra de arte (BOSI, 2005,

318).

A posição do filósofo italiano será a via estético-literária que justificará o

individualismo do autor. A chamada irredutibilidade da obra de arte (CROCE, 2001)

então excluirá, in limine, as correntes de determinação social dos fenômenos simbólicos,

“logo, não se deve confundir as fantasias do artista com os projetos, as ações e os

objetos efetuados pelos agentes sociais” (BOSI, 2001, p.18), entendendo que o

antecedente ideal poético é o momento do pathos, a corrente de impressões, desejos e

paixões da vida individual, seu “espírito”. Dessa forma, o individualismo sociológico

weberiano ressona no processo criativo e na lírica croceana, cujo impulso criativo pode

59 KNOLL, Victor. “O Poder da Intuição”, Folha de São Paulo, 1997. Disponível em

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/7/12/caderno_especial/17.html > . Acesso em 8 mar. 2016.

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resultar – e quase sempre resulta - não apenas da percepção e captação da nervura do

real, mas de um drama todo pessoal, que a expressão dá conta de externar de forma

inteligível. Assim, a identificação da universalidade literária na intuição individual,

ambicionada por Carpeaux, seria como um segredo tornado público com o qual as

pessoas se identificam – ou ainda, passam a se conhecer ou a conhecer algo. Esclarecida

a premissa dialética “literatura”, resta então a “sociedade”. O terceiro problema.

Se Croce fornece a linha de força em que Carpeaux identifica a irredutibilidade

da obra de arte como condição espiritual e individual do poeta - no sentido lato, tomado

como escritor em geral –, em que a intuição exerce o papel fundamental no processo

criativo em detrimento da abstração da realidade elementar e envolvente, a “sociologia

do saber” de Max Weber será a parte complementar, no aspecto social. Pois que o

artista, assim como a obra literária, tem, por definição, não só a dimensão estética e

existencial, mas também a sociológica, ideológica e intelectual. Assim, o próprio autor

justifica a escolha do viés sociológico não determinista como complemento à sua visão:

Os conceitos da “sociologia do saber” permitem estudar os reflexos da

situação social na literatura sem abandonar o conceito da evolução autônoma

da literatura. Neste campo de estudos não existem, por enquanto, soluções

definitivas (nem as haverá, provavelmente); e justamente por isso os

conceitos da sociologia do saber servem para estabelecer a síntese, procurada

como base da história literária (CARPEAUX, 2010, p.39).

O recurso que permitirá Carpeaux operar o constante processo de aproximação e

diferenciação da atividade literária do contexto social, conforme lhe pareça pertinente,

será a comparação entre o geral e específico, entre o local e o universal mediante a

análise estilística, classificando em maior ou menor grau de força significativa essas

duas dimensões. Alinhado à sociologia do saber, o aspecto material da condição direta,

imanente, do autor, virá como pedra de toque pra justificar seu grau de maior ou menor

influência do contexto, de sua condição pessoal. Assim, apenas de maneira muito geral

se desenvolve a cronologia temporal, que visa mais estabelecer a conexão entre os

grandes movimentos estilísticos e ideológicos (CARVALHO, 1999).

Segundo Weber, o homem, antes da ação, pondera e avalia os valores que estão

em jogo, comparando-os com sua própria consciência e sua cosmovisão pessoal. Dessa

forma, até mesmo a não ação pode implicar numa tomada de posição no que tange as

consequências contra outros valores. Dessa forma, nem todo conhecimento técnico, toda

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forma de informação e formação intelectual seria suficiente, pois que o homem tem

também a capacidade de deliberar ignorando tudo o mais conforme lhe pareça razoável,

uma escolha de ordem moral, pragmática, utilitária, sentimental, ou qualquer outra que

possa vir a ser a determinante circunstancial de uma situação hipotética (WEBER,

2001). Ou seja, à medida que a absorção e assimilação da realidade de seu tempo

aumentam, nem por isso o indivíduo torna-se delas resultado empírico e direto, causal e

consequente, havendo no "fundo insubornável do ser", para falarmos nos termos de

Ortega y Gasset, a síntese de todo esse conhecimento acumulado somado à consciência

individual, adição cujo resultado costuma-se chamar "cosmovisão":

Temos de admitir que "cosmovisões" nunca podem ser o resultado de um

avanço do conhecimento empírico, que, portanto, os ideais supremos que nos

movem com a máxima força possível existem, em todas as épocas, na forma

de uma luta com os outros ideais que são, para outras pessoas, tão sagrados

como o são para nós os nossos (WEBER, 2001, p.113).

Em resposta ao determinismo sociológico constante, os estudos de Max Weber

buscaram fazer o que era então renegado: estudar o indivíduo considerando toda a

complexidade de fatores para além do “meio” direto, econômico e material, dotando-o

de alguma autonomia. Assim, a sociologia do saber foi o grande esforço dos

culturalistas e sociólogos de demonstrar que cada caso é um caso, e que estabelecer

chaves universais de interpretação era “ingênuo e impossível”, bem como fazer tábula

rasa das complexidades da consciência e da vontade individual era insuficiente para

compreender “diversos fatos de natureza variada”:

Por mais que, na ciência social, sejam necessárias explicações "de princípios"

sobre problemas práticos, isto é, a referência a juízos de valor, que se

introduzem de maneira não-refletida, referência ao conteúdo das idéias, e por

mais que que a nossa revista se proponha dedicar-se de maneira particular a

tais explicações, certamente não poderá ser sua tarefa - e, de maneira geral,

de nenhuma ciência empírica – determinar um denominador comum prático

para os nossos problemas na forma de idéias últimas e universalmente

válidas; uma tal determinação não apenas seria praticamente impossível,

como também, não teria nenhum sentido (WEBER, 2001, p.112).

O relativismo de Otto Maria Carpeaux não é fruto de indecisão ou incoerência

lógica e metodológica. Com efeito, como ressaltou Alfredo Bosi (2013), Carpeaux não

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era um apocalíptico, e diferentemente das linhas críticas hegelianas60, mormente o

marxismo tout court da luta de classes rumo ao comunismo, ou heterodoxo

frankfurtiano do fim da história – e da literatura - pelo trauma universal dos regimes

totalitários e pela reificação das obras de arte, cujo resultado seria esterilização

espiritual definitiva do homem, Otto não havia ainda concordado com as soluções

definitivas disponíveis – seja pelo radicalismo, ou pelo determinismo -, negando todas

as soluções fáceis para o destino da Queda do homem, que o materialismo imanentista

não dá conta de explicar. Um “senso da supratemporalidade que só pode ser

diagnosticado como idealista ou como cristão” (CARVALHO, 1999), únicas vertentes

dentro do universo do autor capazes de justificá-lo. Seja pela via agostiniana (cristã),

seja por Hegel via Croce (idealista). Tal qual apresentado por nós no início deste breve

estudo, são vários os fatores que influenciam na formação da forma acabada de uma

personalidade ou de uma nação. A isso o crítico complementa a sutileza de que essa

forma acabada e determinada não pode ser concebida e conceituada até que o seu fim

chegue; somente então aí sim haverá algo a ser dito sobre a história do que quer que

seja, pois enquanto algo ainda exista, ele poderá ser modificado. A história para

Carpeaux ainda não acabou, “continua”, daí o propósito de evitar as generalizações

definitivas, preferindo aspectos pontuais que se agregam ao todo de modo que o

processo possa continuar:

Só quando esta civilização, com a sua literatura e a sua sociologia do saber,

houver acabado, será possível julgá-la definitivamente, e nesse julgamento

será implicada aquela “decisão metafísica”. É uma resposta “imanentista”, do

ponto de vista “dentro” da nossa civilização, da nossa literatura, sem

possibilidade de julgá-la de fora, segundo critérios absolutos; só se pode

tratar de compreender, nessa literatura, as relações, os valores relativos (...)

(CARPEAUX, 2010, p.41).

Com tamanha fragmentação estético-social, como era possível então ao autor

estabelecer um fio histórico universal para conduzir a antiguidade clássica à

modernidade sem perder o fio da meada? Se a irredutibilidade da obra de arte e a

individualidade da cosmovisão garantiam certa autonomia, que articulação iria ligar as

partes entre si? Se Carpeaux não submete o acontecer histórico ao molde de nenhuma

60 O próprio Benedetto Croce acreditava que a finalidade histórica era o desenvolvimento humano rumo à

liberdade. Carpeaux conheceu a própria refutação histórica dessa noção com a brutalidade na Europa e o

autoritarismo no Brasil, de modo que nesse quesito nem mesmo Croce lhe era referência.

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teoria causal preconcebida como pôde pretender uma visão histórica que abarca todo

seu universo literário, sustentando a pretensão de uma continuidade?

A unidade encontra-se na dialética das obras de arte. A segunda lição de Croce

ao austríaco. É assim, e somente assim, que se desvela o historicismo dialético

hegeliano. Como um continuum da clássica estrutura tese-antítese-síntese, em que o

espírito objetivo dos tempos se reflete nas obras, permanecendo nelas ao longo da

história, de modo que as repetidas superações, embora caminhem adiante, preservam o

“espírito” da humanidade por meio da obra de arte enquanto realização humana dotada

de técnica, estilo, imaginação e realidade. Fazendo com que o princípio, o genesis do

processo, nunca se apague mas se mantenha vivo; ou seja, que as obras iniciais

permaneçam vivas nas obras intermediárias, futuras e finais. Dessa forma, mesmo

representando um processo de constantes rompimentos e renovações, a negação carrega

consigo algo do objeto negado, visto que não se pode opor-se à nada, pois que negar

algo é já considerá-lo parte constituinte da realidade e ponto de referência do que se

pretende se desvincular, como se demonstrará mais adiante. Sendo assim, “o segundo

problema do tempo” aparece como a grande base sobre a qual se desenvolve a história,

história da arte literária, conceito sob o qual toda literatura é abarcada:

Vem de que a impossibilidade de tudo reduzir a um grupo de causas unívocas

em nada obsta que, na massa dos acontecimentos espirituais, a inteligência

consiga discernir a identidade de um esforço humano contínuo,

permanentemente voltado para um mesmo sentido. Esse sentido é o que está

implícito na noção mesma da arte literária como atividade de expressão

(CARVALHO, 1999, p.29-30).

A partir dessa mentalidade, semelhante a seus mestres de referência, Johan

Huizinga e Wilhelm Dilthey, o grande novelo da história da arte será mais um

monumento de compreensão da história da cultura, pois a “experiência vital e a

expressão poética” devem andar juntas. Dessa forma, “como expressão total da natureza

humana é que a literatura aparece no mundo e nessa função é que não pode ser

substituída por coisa alguma” (CARPEAUX, 2010, p.37), mas que como obras

produzidas por indivíduos devem ser analisadas segundo suas especificidades - a tarefa

da crítica –, e daí então encadeadas na generalização das correntes – a história. Para

tanto, Carpeaux, entretanto, não poderia proceder tal qual os modernos fragmentados

que criticou. O encadeamento dos fenômenos literários para formarem uma história da

expressão artística humana deveria buscar compreender até mesmo os mais antigos

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livros, contextualizando-os a seu tempo e na história geral, surgindo daí o terceiro

critério da crítica de Carpeaux: a hermenêutica, como explica o próprio crítico, em

longo trecho:

Podemos, hoje, ler um livro do século XVII assim como o leu um leitor do

século XVII? Podemos, hoje, ler Dante assim como o leu um leitor do século

XIV? A mesma dúvida subsiste, igualmente, quanto às obras da Antiguidade

greco-latina e quanto aos romances realísticos do século XIX. Lendo essas

obras todas, sentimos e sabemos muito mais do que os contemporâneos

porque nos está presente tudo aquilo que foi escrito e pensado depois, até

hoje. Mas esse 'mais' também nos torna insensíveis ao que foi novo naquela

época e já não é novo hoje. A distância falsifica inteiramente a perspectiva.

(...) Subsiste a mesma dúvida que separa, há séculos, os teólogos católicos e

os protestantes, que lêem com olhos diferentes o maior livro do passado. Será

que somos capazes de ' compreender' o passado? Será que somos capazes de

compreender o presente? Não existem, porventura, barreiras semelhantes

entre as civilizações, entre as raças, entre as classes, entre os sexos, entre

todos os homens? 'Compreendemos' jamais nosso próximo? A psicologia

moderna ensina- nos, até, os limites da nossa compreensão de nós mesmos. É

uma lição de humildade (CARPEAUX, 1999, p.775).

A busca pelo entendimento e a sabedoria levariam o homem à liberdade

espiritual. Por isso o hegelianismo histórico croceano pára na obra de arte - em

Carpeaux, circunscrito na literatura -, e não segue como esquema para história geral.

Concebida dessa maneira, a literatura enquanto mais uma forma de expressão busca

libertar o homem do desconhecido, contribuindo para iluminação geral do espírito e o

desenvolvimento humano virtuoso, livrando-nos da barbárie. Nesse sentido a

documentação da obra escrita – no sentido material - é o que garante essa possibilidade

de compreensão da civilização humana, e o estudo e a interpretação contínua das obras

garante que nada se perca, em respeito às bases culturais, às raízes civilizacionais, ao

passado enfim, “testemunhos do que a humanidade um dia percebeu e compreendeu,

esperança de que possa vir novamente a perceber e compreender amanhã”

(CARVALHO, 1999, p.30).

A lição de humildade de Carpeaux foi devotar sua própria vida a esse propósito,

do qual a História é sua forma acabada, e sua atividade ensaística, o conteúdo disperso,

como se verá.

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3.3. Pessimismo sem tragédia, existencialismo sem redenção – Machado de

Assis, um brasileiro universal.

Considerando a apresentação descritiva dos critérios que envolvem a visão

crítica de Otto Maria Carpeaux, é oportuno o seu ensaio sobre o patrono da literatura

nacional, como exemplo. Para tanto, faremos uma análise de contraste, passando pelo

aspecto biográfico da recepção machadiana e ensejando um contexto, para daí então

apresentarmos a visão de Carpeaux, esclarecendo e pontuando a respeito de sua posição.

De acordo com Raimundo Magalhães Júnior (1981), em Vida e obra de

Machado de Assis, a mais extensa biografia sobre o romancista, Machado de Assis

nascera no Morro do Livramento a 21 de junho de 1839. De origem humilde, filho de

pai “operário”, que “exercia a profissão de pintor de casas e dourador” (p.9), e mãe que

dentre outras tarefas fazia “costuras e bordados (...) e sabia ler e escrever” (p.8), o

jovem mulato ficaria órfão logo cedo, aos 9 anos. Cruzando uma infância relativamente

difícil, Machado teve ainda de conviver posteriormente com a epilepsia e a gaguez, que

lhe seriam motivo de reserva na idade adulta. Trabalhou como vendedor de balas e

doces nas ruas e a domicílio e exerceu outras tarefas até ingressar como tipógrafo

aprendiz na Imprensa Nacional – onde contou com o auxílio de Manuel Antônio de

Almeida, autor de Memórias de um Sargento de Milícias. Passaria por diversas

atividades, incluindo a de editor e colaborador de jornais. Em 1874, ingressaria na

burocracia imperial, e na condição de funcionário público garantiria a estabilidade para

se dedicar como ficcionista. Essa ascensão social que irá permear várias angulações

para interpretação de sua obra, que irão desde acusações de absenteísmo de

personalidade à alienação burguesa e traição das origens sociais de um “mulato, ex-

tipógrafo”, que se desenvolveu “sem ter passado pelas academias, tendo por si apenas o

que ele mesmo chamou ‘a democracia do talento’” (p.111). A trajetória de alguém que

galgou a ascensão como um objetivo, e, chegando ao posto máximo, se esforçou para

conservá-lo.

Antonio Candido foi taxativo nesse sentido, classificando-o como apegado a

formalismos ao nível do “ridículo e mesquinho”, um adepto do espírito de grupo, que

não fazia distinções para não se comprometer sob o risco da independência, motivos que

o levaram, por exemplo, a dar ingresso na ABL a Mário de Alencar, filho do

proeminente José de Alencar, mas que “no entanto, barrava outros de nível igual ou

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superior, como Emílio de Meneses, não por motivos de ordem intelectual, mas porque

não se comportavam segundo os padrões convencionais” (CANDIDO, 1995, p.19); um

aspecto biográfico que a Alfredo Bosi também não ignorou:

Não obstante essa ativa sociabilidade no mundo literário, ficaram proverbiais

a fria compostura pessoal e o absenteísmo político que manteve no anos

derradeiros: atitude paralela à análise corrosiva a que vinha submetendo o

homem em sociedade desde Memórias Póstumas. (BOSI, 1982, p.194).

Como ressalta ainda Merquior (2014), o período histórico abrangido pelas obras

de Machado de Assis “é a época da agonia do Império e dos primeiros passos da

República”. As Memórias remontavam ao período Joanino, Dom Casmurro ao Império

no tempo do Gabinete Paraná e Quincas Borba, à guerra do Paraguai, cobrindo aí cerca

de 80 anos da história Brasileira, concentrados na alta corte carioca e seus satélites

sociais. Entretanto, o fato de sua biografia ter se abstido de transparecer plenamente,

como reflexo ou documento, em seus escritos foi motivo de controvérsias entre alguns

autores. Em Desenvolvimento e Cultura Mário Vieira de Mello (1970) acentua ainda

mais essa abordagem, e confrontando a personalidade do romancista com sua biografia

e obra lança as seguintes hipóteses: (a) ou sua visão de mundo deriva da experiência

decepcionante com a realidade brasileira; (b) ou é um esforço retórico reflexo de sua

personalidade, donde a criação de uma máscara faria de tudo para que o mundo ficasse

em aberto, fruto da timidez de alguém que nunca tomava partido das coisas do mundo,

em que abdicar, reduzindo tudo à rés do chão igualmente, é a saída mais fácil do que se

comprometer fazendo escolhas. O autor conclui que não é necessário optar por uma

dessas opções em definitivo, mas dá como certo que sua obra é uma pose literária em

que o ceticismo e a abstração se fazem como exercício estético, cuja realidade brasileira

funciona senão apenas como plano de fundo, dessa forma teria empenhado o autor todo

um esforço em não deixar transparecer sua personalidade real, criando uma

personalidade literária.

Augusto Meyer (2008) justificou essa abertura como reflexo de seu próprio

posicionamento diante das coisas: o niilismo. Uma faceta sombria que não sorri,

perdido em si mesmo e engaiolado na autodestruição, um ódio entranhado da vida, uma

incapacidade radical de aceitação e até mesmo de compreensão. No empenho de não se

expor, o solilóquio filosofante invade constantemente as narrativas para colocarem na

voz do personagem-narrador um alter-ego com ares de impessoalidade. Assim, segundo

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Meyer, as citações vão surgindo aqui e acolá como recurso argumentativo, mas que

tiram da própria voz do autor, ao fim e ao cabo quem comanda tudo, e colocam na voz

de pensadores consagrados evitando o comprometimento de uma visão de mundo

pessoal, mas configurando um pathos todo intelectualizado. Um biografismo já

contestado, como ressalta Schwarz (2008), na abordagem formal em que a constante

intercalação de reflexões e narrações do narrador “voluntariamente importuno e sem

credibilidade” (p.15) é “a repetição regular e em formas várias de uma mesma e

imutável insuficiência, própria da condição humana, (...) como sendo a essência deles e

de quaisquer outros que possam ocorrer” (p.45).

É o delírio de Brás Cubas, é Machado dizendo ao mundo na voz do personagem:

a vida madrasta não serve de nada, é tão ruim que o mérito é não perpetuar a espécie.

Dessa forma, acrescenta Meyer, o narrador em primeira pessoa faz-se forçoso. Para

ilustrar essa condição, o crítico utilizou o célebre personagem de Dostoiévski, o homem

do subsolo, em Meyer traduzido como “o homem subterrâneo”, cuja condição síntese

era a necessidade de demonstrar indiferença, e no ato de desprezar, clamar pela atenção

que gostaria de ignorar; um circunlóquio de desprezo pelo outro que não cessa.

Alfredo Bosi (1982) afirma que os três triângulos amorosos de Machado são

significantes do estado de coisas em que se encontrava o mundo sob sua visão, não há

mais heróis a cumprir missões ou a afirmar a própria vontade, há apenas distintos

destinos sem grandeza. Todos são farsantes dissimulados. A representação dessa

condição então revela-se no todo mas notabiliza-se especialmente nas mulheres desses

“triângulos”, nem mesmo elas próprias escapando da perfídia, do cinismo e da avareza

de espírito. Assim, Virgília em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Sofia em Quincas

Borba, Capitu em Dom Casmurro notabilizaram-se pela forma ambígua, sempre

representadas por um tom irônico, deixando o leitor em constante dúvida.

Esse estado de coisas para alguns autores refletia o próprio estado de espírito de

Machado, e não o cenário real do qual ele tirava suas impressões, que Bosi sentencia:

não importam os fatos em si; mas a constelação de intenções. Constelação essa que José

Guilherme Merquior (2014) definiu como “orientação problematizadora”, pela qual

Machado alcançou sua grandeza entrando em diálogo com a literatura ocidental, como

ficam explícitas as referências constantes presentes nas vastíssimas divagações entre os

atos narrativos, um “impulso filosófico que problematizava o homem diante do mundo”,

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indo além da “forma-forma” que então marcava - e continuar a marcar - a literatura

nacional.

A problematização presente na literatura do Bruxo do Cosme Velho, entretanto,

é justamente o motivo de controvérsias por parte de muitos exemplos de sua recepção

crítica. Por ter trilhado a linha do ceticismo, o caráter de dubiedade permanece a todo o

momento, a cada passagem machadiana, e o que era justamente o motivo de interesse,

da compreensão total e acabada de sua obra, se tornou o campo de disputa de

interpretações cujas várias linhas críticas não deram conta de fechar uma obra marcada

justamente por se deixar em aberto - que por questões de prioridade e práticas não

podem ser amplamente abordadas neste estudo. Daí a razão de diversas interpretações

terem se ocupado de sua biografia e da presença, ou não, de sua personalidade nas

obras, como pedra de toque para amparar a interpretação, ou como recurso auxiliar nos

estudos mais estéticos e/ou técnicos. Mas nem todos recorreram a essa angulação.

Em “Uma Fonte da Filosofia de Machado de Assis”, ensaio publicado em

Respostas e Perguntas (1953), uma de suas coletâneas, Carpeaux esboça uma vez mais

as características de seu método, e também de seu estilo. Analisando um tema em

específico, ele excetua todos os outros elementos que compõem a obra e são,

geralmente, abordados pela crítica, buscando tão somente elucidar o caráter filosófico

de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Privando-se de comentar a dimensão social da

história, o caráter não linear da narrativa, o aspecto metalinguístico e outras questões

consagradas na narrativa e na fortuna crítica do romancista, como o biografismo,

Carpeaux pousa os olhos sobre aquilo que seria o princípio do humanitismo

machadiano, mais bem acabado em Quincas Borba, e sua relação com a literatura e a

filosofia de caráter universal.

Na análise da filosofia contida no romance de Brás Cubas, Carpeaux vai buscar

no poeta italiano Giacomo Leopardi e no filósofo alemão Schopenhauer a referência

histórica para dimensão filosófica por ele identificada no romance. Ao confrontar as

características de cada um, o crítico vai encontrando pontos convergentes em suas

obras, bem como mostrando a relação entre elas. Demonstração não só de capacidade

analógica, mas também conhecimento filosófico, trazendo ao leitor o diálogo entre os

autores. Expressão de sua segunda lição de Croce, o fio histórico das obras de arte:

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Machado foi leitor assíduo de Schopenhauer, e este, por sua vez, foi grande

admirador de Leopardi. Voltarei a esse ponto. Em todo caso, o autor do

delírio de Brás Cubas reconhecido teria em Leopardi mais que um poeta

melancólico e sim um pensador poético ao qual o ligavam profundas

afinidades. O delírio de Brás Cubas é da mesma Lucidez das “Operette

morali” que são o documento principal da filosofia leopardiana.

(CARPEAUX, 1999, p.478).

Augusto Meyer (2008, p.156) classificou como “impressionante” a capacidade

do austríaco em encadear a filosofia do alemão, a poesia do italiano e o romance do

brasileiro num único eixo temático. Comparatismo temático que depois se comprovaria

como influência direta, pois muito embora haja relações entre os autores no tempo e no

tema, a ponta solta da inspiração direta Machado-Leopardi acabou ficando no ar. O que

posteriormente foi documentado e comprovado, nas pesquisas e catalogação da

biblioteca do escritor fluminense, em que não só Schopenhauer se faz presente, mas

também Giacomo Leopardi, como consta no compêndio A Biblioteca de Machado de

Assis, em que Jean-Michel Massa comenta que “entre os escritores italianos, somente

Bocaccio e Petrarca estão ausentes”61 (MASSA, 2001, p.30).

No ensaio em questão, Otto Maria Carpeaux tomará como síntese da expressão

Machadiana a passagem do “Delírio de Brás Cubas”, logo no capítulo VII, num deserto,

em que o delirante encontra-se em face de um "vulto imenso, figura de mulher", de

caráter egoísta, é reconhecida como a Natureza, sua mãe e inimiga, sua tese e sua

antítese, cruel em aplacar a lei do universo onde a “onça mata o novilho porque o

raciocínio é que ela deve viver”. Ao passo que em Leopardi fará a comparação com um

“documento literário menos famoso entre nós”, e segue descrevendo o trecho que se

apresenta de forte semelhança, em que um sujeito encontra no deserto “um vulto

grandíssimo, figura desmesurada de mulher”, de impostura cruel, inimiga das criaturas,

que também apresenta a lei selvagem do mundo, “um círculo perpétuo de produção e

destruição”. “Acreditaste que este mundo tenha sido criado para ti?”. As citações

referem-se ao “Diálogo entre a Natureza e um Irlandês”, constante nas Operette Morali

do poeta italiano (CARPEAUX, 1999).

Em seu conciso A Filosofia na Obra de Machado de Assis, o professor Miguel

Reale cumprirá exercício semelhante ao proposto por Carpeaux, mas não de maneira

ensaística, comparatista e especulativa, mas de modo descritivo e quase técnico.

61 A edição constante na biblioteca pessoal de Machado de Assis é: LEOPARDI, Giacomo. Operete di

(...). Canti, Frammenti, Operette Morali. Leipzig, F. A. Brockhaus, 1877, [Laemmert].

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Observando as obras do autor, Reale propõe não explicar a obra de Machado à luz da

filosofia, mas explicar a filosofia de Machado à luz de sua literatura. Ou seja, investigar

no texto o repertório filosófico do romancista bem como sua cosmovisão, seja ela a real

do autor, seja ela a que ele logrou esboçar em sua obra. Assim, o filósofo busca sair da

“boca dos personagens” e chegar a Machado, reconhecendo o risco de que isso possa

levar à nada, pela pluralidade de resultados. E é justamente isso o que acontece. Não o

nada, mas a pluralidade. De modo que são identificadas várias linhas de força que se

complementam (REALE, 1981).

Dessa forma, tal qual Carpeaux, Reale identifica a presença de Pascal. Cuja

influência será o drama existencialista diante do mundo. Mas Machado não reconhecia a

tragédia da Queda, por isso não havia redenção possível para o homem, que o filósofo

francês encontrava na redenção da cruz e do divino. Não havia nenhuma inquietação

religiosa em sua alma, ateu, não acreditava na imortalidade da alma, sendo este então o

ponto final da dimensão pascaliana de Machado. Entretanto, Machado não era

materialista. De onde, portanto, haveria de vir sua metafísica? Se a morte para Pascal

era a redenção divina; e para Machado, o fim do sofrimento neste mundo, o que

resolveria o impasse do romancista?

Diante do mundo, o homem teria duas soluções: as instituições ou o próprio

“nariz” (o nariz de Brás Cubas, o centro do mundo onde o indivíduo se dissocia da

realidade e passa a ser senhor de si). A vida institucional em sociedade une os homens, a

opinião pública e preserva a espécie contendo os ânimos, submetendo-o às convenções

e à obscuridade. Assim, entre a liberdade interior e a abstenção, é melhor voltar-se para

si e prover a própria existência. O nariz é o símbolo axiológico de “ao vencedor as

batatas”, o humanitismo. O complemento dessa visão será o pessimismo. Não havendo

tragédia, não há redenção, mas havendo drama, há decepção. Assim, é Schopenhauer

quem dará o complemento teórico discursivo à noção machadiana de natureza humana.

A humanitas, princípio de todas as coisas, é uma transposição pessoal da

filosofia de Schopenhauer. No filósofo alemão, a busca bela sobrevivência vinha do

amor e da busca pela reprodução que perpetuaria a espécie garantindo a sobrevivência

da natureza autodestruidora pela descendência de gerações, onde a “vontade de viver é a

manifestação fenomenal da vontade no domínio orgânico. O que atrai dois indivíduos

de sexos diferentes um para o outro é a vontade de vida. E como a vontade é força ou

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energia vital que perpetua a existência” (DIAS, 2005, p.387); em Machado, a

humanidade repartida em microcosmos (narizes), em algozes e vítimas, em carneiros e

leões, resume a vontade de viver com matizes darwinistas de superação pela força vital,

e não há diferença entre predador e presa, pois sendo todos miseráveis a diferença é

apenas aparente. É assim que Machado entra no círculo perpétuo do ceticismo que

desemboca no niilismo: a vida não tem jeito. Visão pessimista que Shiiya resume:

Constata-se, assim, que a descrença na instituição da Igreja, do Estado, do

casamento e da família tais como burguesamente se apresentavam; o

egoísmo, a hipocrisia, o adultério, a traição, a mentira, a vaidade e o interesse

dominando as relações humanas; os limites da loucura e da razão; a

desesperança, o mito da Natureza madrasta e o gosto de destruir são situações

fortemente presentes nas relações humanas (SHYIIA et al, 2009, p.6)62.

Se em Croce (2001) Carpeaux encontrou a arte como meio de sobrevivência do

“espírito”, de Weber (2001) assimilou a compreensão sociológica das épocas e a

individualização estilística dos autores, observando-os para além do determinismo

social como entes dotados de alguma expressão genuína. Já de Wilhelm Dilthey

assimilou a necessidade de compreender os fenômenos humanos e sociais, buscando

para isso não as causas, mas a intenção e o sentido subjacentes a eles, de modo que a

literatura fosse não um objeto isolado, mas um elemento explicativo da realidade, pois

“os poetas são os nossos órgãos para compreender o mundo” (DILTHEY apud

CARPEAUX, 2011). Para o austríaco, o estudo e compreensão da literatura eram,

então, uma forma de compreender o mundo enquanto universo das relações da natureza

humana, na mesma linha de Edward Said (2007), para quem o humanismo não deve ser

postura despropositada e erudição oca, mas consciente “que também desejam conectar

esses princípios ao mundo em que vivem como cidadãos”. Como afirma Alfredo Bosi:

Para Carpeaux, cujo pensamento remonta de Dilthey e Hegel, e que nunca foi

afetado pela Sociologia positivista, a literatura não é só, nem principalmente,

o espelho das estruturas dominantes, mas um campo minado de tensões. O

grande escritor é uma antena capaz de apreender os sinais de fratura entre

épocas, entre classes, entre grupos, entre indivíduos e entre momentos

dilacerantes de um mesmo indivíduo (BOSI, 2002, p.39).

Assim, complementar e formalmente, a linha adotada por Carpeaux poderia ser

vista como convergente o que fora proposto por Northrop Frye, para quem um dos sete

62 “Ceticismo e Pessimismo em Machado de Assis”. Disponível em

<http://www.unisalesiano.edu.br/encontro2009/trabalho/aceitos/CC26863303841.pdf> Acesso em: 5 de

mar. 2016.

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passos para aquilo que ele denominou como O Caminho Crítico era a necessidade da

crítica ser capaz de alinhar um contexto histórico na atividade crítica, evitando assim o

estrangulamento da realidade numa teoria prévia:

A crítica precisa desenvolver um senso de história dentro da literatura para

complementar a crítica histórica, que estabelece uma relação entre a literatura

e seu fundo histórico não-literário. Da mesma maneira, ela precisa

desenvolver sua própria forma de abordagem histórica em cuja base a

literatura está mais dentro do que fora. Ao invés de amoldar a literatura a um

esquema de história pré-fabricado, o crítico deve vê-la como uma estrutura

coerente historicamente condicionada, mas forjando a sua própria história,

respondendo a um processo histórico externo, mas não determinada por ele

no que diz respeito à sua forma. (...). Estes princípios estruturais são

largamente ignorados pela maioria dos críticos sociais. Sua maneira de tratar

a literatura, em consequência, é geralmente superficial, um pretexto para

distinguir nas obras literárias coisas que se mostram interessantes por razões

não-literárias. (FRYE, 1973, p. 22).

Nesse sentido, ponderando o jogo de tensão histórica e buscando identificar o

que lhe parecia essencial na narrativa, Carpeaux se aproxima de Frye, tanto pelo aspecto

histórico de seu ensaio, quanto pela exclusão dos aspectos sócio-econômico e relações

de poder da abordagem, tão presente em análises como as de Otávio Brandão e Roberto

Schwarz, cada uma num sentido63. Apegando-se ao substancial considerado por ele, à

visão de mundo ali exposta por Machado, estabelecendo diálogo deste com a poesia

italiana e a filosofia alemã, Carpeaux evidencia parte do imaginário literário

machadiano trazendo não o que o autor diz ao Brasil, mas ao mundo, ou seja distinção

categórica entre “alegoria” e “símbolo”; a representação do que seria para Carpeaux

uma alta literatura nacional, capaz de dialogar para além de suas fronteiras, mediante o

63 No ensaio “Em tomo de um monumento”, Carpeaux terçou armas e, no melhor estilo da polêmica de

alto nível, rebateu contundente a abordagem de Octávio Brandão sobre Machado de Assis, no qual o autor

pretendeu “proceder ao que chama de Análise Crítica Ideológica” (CARPEAUX, 1999, p.885), em O

niilista Machado de Assis, acusando o bruxo do Cosme Velho de ser demasiado niilista e desprezar a

classe operária, traindo o ideal de escritor herói de Castro Alves e considerando o romancista “muito

enfadonho”, “deplorável” e inferior aos realistas de sua geração. Sobre o assunto, Carpeaux responde, em

didatismo claro e recorrendo ao mais puro materialismo dialético, que a análise de Brandão era

anacrônica, pois as categorias da chave interpretativa em questão – burguesia x – proletariado – inda não

se encontravam disponíveis no país como amostra concreta: “Realmente, os homens do seu ambiente não

trabalhavam: porque burguês só era o ambiente literário do escritor em seu gabinete de leitura e trabalho;

mas a sociedade da época em que se formou, e em que faz passar seus romances, não era burguesa, era

pré-burguesa, uma sociedade escravocrata. (...) Ou teria sido melhor e mais virtuosa a sociedade

escravagista, que é o fundo dos romances de Machado? Deseja o Sr. Brandão que Machado embelezasse

essa sociedade com virtudes que não teve?” (CARPEAUX, 1999, p.887). Schwarz, entretanto, pela

estética marxista na esteira de Georg Lukács, em Um mestre na periferia do capitalismo fará o completo

oposto, apontando a subversão dos pressupostos da ficção realista, ou seja, as coordenadas oitocentistas

da normalidade burguesa, em desobediência aberta ao senso da realidade e a seu objetivismo como o

grande mérito do romancista. Com essa última, Carpeaux não teve contato.

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caráter universal de sua construção, embora inevitavelmente marcada pelos aspectos

sociais locais circundantes ao autor e a despeito de sua condição pessoal. Pois “é o

problema escolhido, o campo de investigação delimitado que impõem um ou mais

métodos e não o contrário (como o fazem ainda numerosos ‘críticos’...)” (PEGEAUX;

MACHADO, 1990, p. 150).

Tomando como referência e amostra a análise a respeito de Brás Cubas fica

explícito o caminho escolhido por Carpeaux: ao privilegiar a dimensão filosófica do

romance, ele evidencia a ideia subjacente à história. Detendo-se da análise do enredo,

das alegorias e da estrutura do romance. Apegando-se ao que para ele a obra teria de

perene e propriamente literário, sua mensagem simbólica, efetiva seu papel de crítico,

mediante seu método de expor ao público aquilo que a mensagem literária tem a dizer à

humanidade, bem como ela se relaciona com outros textos. Ou como analisa Ventura

(2002), que segundo Walter Benjamin o real valor literário da obra era a humanidade do

escritor capaz de transpor em forma artística conteúdo simbólico, o único capaz de

superar a aridez do tempo, eliminando traços históricos e o ambiente em que nasceu (no

caso de Brás Cubas, por exemplo, a corte carioca como pano de fundo), restando apenas

seu “conteúdo de verdade”, restando apenas os valores permanentes depois que o

contexto se apaga.

No ensaio “Belarmino y Apolonio”, Carpeaux faz com clareza a distinção

conceitual entre alegoria e símbolo, na qual baseia seu entendimento crítico da

literatura. O austríaco esclarece que a alegoria, “segundo Baruzi”, se caracteriza pelo

paralelismo exato entre um “sistema de ideias e um sistema de imagens”, o que faria

com que fossem somente traduções poéticas de pensamentos racionais. Ao contrário, o

símbolo não seria o correspondente exato de uma ideia pré-fixada, mas teria vida

independente, até mesmo difusa e variada, permitindo interpretações “diferentes e até

contraditórias”. Ao passo que a alegoria seria obra da fantasia, vestindo de imagens

sugestivas e figuras de linguagem de conteúdo abstrato, o símbolo seria “revelação

duma ideia inefável” (CARPEAUX, 1999, p.611-612). Segundo Ventura (2002), mais

um indício do idealismo carpeauxniano, já que a noção do simbolismo – inclusive

abordada por nós em Hegel no início deste trabalho – como expressão máxima artística

já se encontrava no romantismo de Goethe:

Existe uma grande diferença, para o poeta, entre procurar o particular e a

partir do universal, e ver no particular o universal. Ao primeiro tipo pertence

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à alegoria, em que o particular só vale como exemplo do universal. O

segundo tipo é correspondente à verdadeira natureza da poesia: ela exprime

um particular, sem pensar no universal, nem a ele aludir. Mas quem capta

esse particular em toda sua vitalidade, capta ao mesmo tempo o universal,

sem dar-se conta disso ou dando-se conta muito mais tarde (GOETHE apud

VENTURA, 2002, p.96).

Em convergência com a noção bejaminiana surge a distinção tão cara a

Carpeaux entre alegoria e símbolo. Para o crítico “nasce uma obra de arte” quando o

escritor consegue transformar a emoção em símbolo, caso contrário, “ele só consegue

uma alegoria”. Dessa forma, alegoria seria uma narrativa de tese em que o autor diz A

por B, sendo compreensível pelo raciocínio do leitor, enquanto o símbolo seria o lirismo

croceano que fala à emoção. Eis a primeira lição de Croce, a distinção de Carpeaux

entre o “poético e não poético”. E assim complementa que

o símbolo fala-nos, não ao nosso intelecto, mas a toda a nossa personalidade.

O símbolo exprime o que nós outros sentíamos também sem poder exprimir.

A expressão simbólica é o privilégio do poeta. Tanto mais durável é a sua

obra quanto mais universal o símbolo (CARPEAUX, 1999, p.121).

Nesse sentido, a crítica literária mais apropriada para o autor seria aquela que

abandona o sentido literal do texto e recupera sua universalidade profunda,

reconhecendo nele a expressão potencial simultânea de diversas coisas diferentes; uma

leitura simbólica algo diferente da leitura alegórica, que consiste em traduzir o sentido

literal do texto para outro sentido particular que, supostamente, está por trás dele,

incorrendo no risco do que o autor quis dizer, ou que algum dado biográfico o levou a

tal. Se ao analisar obras literárias se decompõe o símbolo, ele não funciona mais, então

ele não significa mais nada. Como uma fórmula química, decompô-la vai desvendar

todas as suas partes, as quais aplicadas separadamente não surtem o efeito da

composição proposto; assim, também o significado não surte o efeito imaginário na

consciência do leitor senão traduzido inteiramente, em sua plenitude, não fragmentando-

o, mas explicando-o e com ele dialogando em linguagem acessível, fornecendo ao leitor

o auxílio iniciático e introdutório ao conteúdo mais profundo. Uma noção que encara o

todo não só como a junção das partes, mas como síntese, como um todo orgânico, cuja

explicação das partes separadas não pode elucidar suas possibilidades literárias de

compreensão da existência humana à la Dilthey, pois o que está em jogo não é o

“como”, mas o "quê", o quid, que Carpeaux busca interpretar em sua inteireza:

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Seguindo a filosofia pós-hegeliana de Dilthey, não querem explicar o poema

- "explicar" é o esforço das "ciências causais"-, querem compreendê-lo como

estrutura orgânica. Não começam do simples, do elementar, para subir ao

mais complicado. (...) "Os poetas" - disse Wilhelm Dilthey - "são os nossos

órgãos para compreender a vida"; a incompreensão da vida revela-se em não

saber o que é poesia. A poesia não é objeto para embelezar o lar às tardes de

domingo nem matéria para os colégios femininos. Para citar o critico inglês

Daiches, a quem devo muito, "a poesia é a expressão das experiências

mentais e emocionais dos homens da maneira mais direta e memorável"

(CARPEAUX, 1999, p.316-432).

Finalizando seu ensaio, o crítico enfim define a relação entre Leopardi e

Machado, citando ao longo do ensaio personagens e passagens de obras que ilustram

aquilo que seria o ponto nevrálgico da filosofia de ambos – uma das fontes que levou

Machado à sua verve filosófica. A descrença na vida e o pessimismo por dias melhores

neste mundo do jeito que é. Se Leopardi encontra solução na morte do corpo que enfim

liberta a alma, Machado encontra solução justamente no reverso de Schopenhauer; num

mundo sem solução em que a Natureza, Pandora, é a que nos dá o privilégio da vida e o

fardo de mantê-la, a grande vitória é não perpetuar à espécie o legado da miséria

humana:

Machado de Assis embora espirituoso, não foi um cético; ele também - “a

vida é boa” – foi materialista. Em Leopardi também se encontra o motivo que

sugere a impressão de cepticismo ao leitor de Machado de Assis. Como

materialistas epicureus, o erudito grecista Leopardi e “mulato grego”

Machado seriam “pagãos”; mas na verdade não podem existir pagãos depois

do advento do cristianismo. Fica, até nos anticristãos, estímulo da inquietação

espiritismo, do cepticismo pascaliano. Machado foi leitor de Pascal, Leopardi

também foi leitor de Pascal (...). Mas por serem pascalianos, ainda não eram

cristãos: Leopardi consolava-se com a “morte eterna” (“a matéria liberta para

sempre da alma extinta”, diz o nosso poeta), e o outro com o pensamento de

não ter transmitido “a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. (...) O

“cântico do galo silvestre” ensinou ao poeta, despertando-o do sono das

“imagens vãs”, a seguir o seu fado, “com ânimo forte e sereno”. O outro,

quando o galo da madrugada o despertou da agonia, pôde dizer: “A vida é

boa”. Pois então, não havendo mais futuro, é boa. (CARPEAUX, 1999,

p.480).

Sendo assim, a relação que Carpeaux foi buscar em Benedetto Croce, para

estabelecer o fio comparativo entre literaturas cuja substância fundamental transcende o

tempo e o espaço, e pode encontrar com seus pares em qualquer período ou geografia é

precedida pela especificidade da angulação escolhida pelo crítico, que por sua vez se dá

pelo que a obra lhe oferece de mais substancial, sua “poesia”, o “lirismo” de Machado,

e, por conseguinte, seus semelhantes no tempo histórico da literatura. Nesse sentido,

vale lembrar as palavras do comparatista Pageaux:

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115

A Literatura Comparada, pela abertura que suscita e que pratica na direcção

das literaturas e das culturas estrangeiras, pela tónica que põe no caráter

relacional dos textos literários e dos factos culturais, pode e deve assegurar

este indispensável alargamento dos campos de investigação, já praticado

pelos historiadores, às questões menos literárias que culturais. Trata-se dum

verdadeiro reequilíbrio dos estudos literários, que só poderá ser obtido se a

nossa disciplina se abre, mais nitidamente do que num passado recente, às

ciências sociais e humanas, às ciências do homem (PEGEAUX;

MACHADO, 1990, p. 151).

Assim, fazendo jus ao título do ensaio, Carpeaux esboça a filosofia de Leopardi,

"pensador poético", e Schopenhauer, para desvendar um das bases de Machado, sua

“fonte” filosófica, explicando um pelo outro, tomando a substância do primeiro pelo

segundo, num comparatismo não apenas descritivo, mas realmente dialético,

compartilhando do diálogo que as obras, "documentos", propuseram, indo além de

apontamentos formais. Método que justifica da seguinte maneira:

As obras raríssimas que se tomam propriedade comum de todos os homens

baseiam-se na congruência perfeita entre o individual e coletivo. Para voltar,

ainda uma vez, à crítica biográfico-psicológica: essa congruência seria

impossível se as obras procedessem da situação individual do autor. (...) A

colaboração autobiográfica na obra não provém do autor, que a transfigura,

mas do leitor, que se reconhece no espelho. O símbolo é bastante rico para

falar a todos, e em todos os tempos (CARPEAUX, 1999, p.121-122).

Diferente de outras abordagens, Carpeaux ignorava o caráter biográfico do autor

em geral, considerando seu aspecto sociológico apenas enquanto obra, conteúdo

diegético, apenas quando convinha, já que seu propósito era vasculhar na literatura e nas

obras escolhidas ou encontradas sua força simbólica, como monumento artístico, já que

o problema da arte como expressão individual do artista e arte como propriedade

coletiva não estava resolvido, não sendo possível delimitar com precisão onde acaba o

homem e começa o artista. Nesse sentido tanto fazia as origens sociais de Machado e

seu reflexo literário, bem como seu comportamento diante da sociedade e dos

fenômenos sociais após sua ascensão social, pois que a obra tinha algo a dizer por si.

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116

3.4. O “eu” e o “outro”, o individual e o coletivo em Carlos Drummond de

Andrade

Um Projeto-Poético-Pensante

Em Drummond: o gauche no tempo (1992), Affonso Romano Sant'anna, postula

a respeito de uma “personagem-lírica” em constante elaboração, de um duplicar-se, na

poesia de Drummond, que mescla os tons e confunde os limites existentes entre os

dados biográficos e o fazer poético do autor. Dessa forma, o sujeito-voz do poema

sofreria alterações perceptíveis no tempo, formulando uma poesia voltada para o que

acontece sem abdicar da memória e, por conseguinte, do passado, constituindo, se nos

ocupássemos da extensa obra do poeta itabirano, um coral expressivo de vozes poéticas,

formado pelas personae que surgiram do processo que Sant'anna chamou de “projeto-

poético-pensante64”, se caracterizando como poeta que fez do “efêmero marcos de

significação prolongada”, transformando o banal, o comezinho de todos os dias, em

formas concisas de essência duradoura.

Os estudos que compõem a fortuna crítica de Drummond, ainda que adotem

teorias diferentes, tendem a se basear na relação Indivíduo / Mundo, na produção que

nasce a partir do contraste entre o Eu e o Outro, em um sentido amplo, atingindo um

individualismo altruísta que alcança o universal através de seu caráter humano.

A poesia de Carlos Drummond se inicia em 1930, com Alguma Poesia, “uma

grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação ingênua com o próprio indivíduo”,

e continua com Brejo das Almas65 (1934), que apesar do individualismo exacerbado

apresentará “também uma consciência crescente de sua precariedade e uma

desaprovação tácita da conduta (ou falta de conduta) espiritual do autor” (CAMILO,

2000, p.38), também caracterizada pela personificação do Eu, de diálogos internos

consigo mesmo.

No mesmo ano da publicação de seu segundo livro, o poeta muda-se para o Rio

de Janeiro com a família, onde passa a trabalhar como chefe de gabinete de Gustavo

64 Affonso Romano Sant'anna divide a obra drummondiana em três grandes núcleos (histórico-

ideológicos): Eu maior que o mundo / Eu menor que o mundo / Eu igual ao mundo – (Poesia irônica,

social, e metafisica respectivamente). 65 Há certa dificuldade por parte da crítica em situar o livro Brejo das Almas dentro do conjunto da obra

drummondiana, às vezes por caracterizá-lo como mera extensão de Alguma poesia, ou para marcar a

transição entre uma poesia irônica, individualista, e uma poesia socialmente comprometida, iniciada com

a publicação de Sentimento do mundo em 1940 (SANTOS, 2002, p. 272).

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Capanema, novo ministro de Educação e Saúde Pública. Em 1935 passa a responder

pelo expediente da Diretoria-Geral e torna-se membro da Comissão de Eficiência do

Ministério da Educação. Uma década depois do primeiro livro (1940), Drummond

publica, em tiragem de 150 exemplares, o Sentimento do Mundo, obra esta que marcará

a primeira reviravolta de sua poética. O próprio gauche assumiria, anos mais tarde, uma

divisão entre as primeiras obras: “penso ter resolvido as contradições elementares da

minha poesia num terceiro volume, Sentimento do mundo”. Na primeira parte deste

artigo, nos ateremos a essa fase inicial, mais especificamente, à “revolução” que sofre a

“personagem-em-progresso”. Posteriormente, nosso intuito será analisa a interpretação

feita por Carpeaux, identificando como sua técnica ensaística e sua metodologia crítica

foram aplicadas em sua crítica ao poeta mineiro.

Vasto Mundo Grande: Lagoa e Mar

A metáfora Lagoa/Mar é construída por Drummond no poema de Alguma

Poesia. O poeta, ainda em Minas Gerais, dirá pela voz de sua personagem-lírica:

Eu não vi o mar.

Não sei se o mar é bonito,

não sei se ele é bravo.

O mar não me importa.

Eu vi a lagoa.

A lagoa, sim.

A lagoa é grande

e calma também.

Na chuva de cores

da tarde que explode

a lagoa brilha

a lagoa se pinta

de todas as cores.

Eu não vi o mar.

Eu vi a lagoa...

(ANDRADE, 2007, p. 14)

A partir dessa construção arquetípica popomos entender as vozes por detrás dos

versos: um Drummond lagoa, de 1930, com margens que marcam suas fronteiras e

instigam a realidade para além da visão, olhar-lagoa frente a um vasto mundo, cercado e

montanhoso como a geografia Mineira; um Drummond mar, de 1945, que observa a

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imensidade, que se posiciona frente ao mundo e o compreende grande demais, um

abismo inquietante, prenunciando o que virá, a impossibilidade do homem frente à

guerra, a vontade-de-ser que não encontra lugar no espaço, a premissa de ter “apenas

duas mãos

e o sentimento do mundo”, uma fase transição em que a “poesia ainda é a agressão do

vivido; é uma experiência existencial, mais que uma arte” que, entretanto, embora

reflexo “não é mero documento fruto do determinismo” e embora reflexão não

desalinha para o abstratismo ou intelectualismo (MERQUIOR, 2012, p.29, p.70).

Esse diálogo, estabelecido entre as vozes de 30 e 40, apresenta-nos um autor que

é leitor-de-si, que se revisita e reelabora seus discursos por estar, constantemente, ele

mesmo, em reelaboração, “assim, perplexo diante desse panorama, ele rompe com o uso

tradicional da palavra e transforma-a num veículo de representação da nova realidade”

(PELET, 2013, p.10) na qual está inserido. Esse solilóquio, mas não solipsista, uma

conversa entre confrades, fica marcado no Poema de Sete Faces, de Alguma Poesia, e

em Mundo Grande, de Sentimento do Mundo, onde um personagem parece responder ao

outro. Vejamos como essa relação se evidencia:

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

(ANDRADE, 2007 , p. 05)

Outrora escutei os anjos,

as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.

Nunca escutei voz de gente.

Em verdade sou muito pobre.

(ANDRADE, 2007, p. 88)

No primeiro fragmento, o poeta ouve a voz do anjo que lhe comunica o fado

(“Vai, Carlos! Ser gauche na vida”), revelando, no segundo, a pobreza na qual se

encontra, por ter ouvido outrora confissões patéticas, anjos e poemas, nunca tendo

escutado voz de gente.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

(ANDRADE, 2007, p. 05)

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Não, meu coração não é maior que o mundo.

É muito menor.

[...]

Sim, meu coração é muito pequeno.

Só agora vejo que nele não cabem os homens.

Os homens estão cá fora, estão na rua.

A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.

Mas também a rua não cabe todos os homens.

A rua é menor que o mundo.

O mundo é grande.

(ANDRADE, 2007, p. 87)

A confissão, no primeiro fragmento, deixa clara a posição do personagem

(“Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é meu coração”), o coração transcende a

grandeza do mundo, ultrapassa-o em tamanho e vastidão, é um existir-lato em contraste

com o estreito-coração da segunda personagem (“Não, meu coração não é maior que o

mundo. É muito menor”).

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

(ANDRADE, 2007, v. 1-3, p. 05)

Então, meu coração também pode crescer.

Entre o amor e o fogo,

entre a vida e o fogo,

meu coração cresce dez metros e explode.

– Ó vida futura! Nós te criaremos.

(ANDRADE, 2007, p.88)

No fechamento dos dois poemas nos é mostrado uma espécie de reconciliação

simbólica, onde, sobre interpretação, podemos encontrar um realinhamento das vozes. O

estreito-coração pode ainda crescer entre o amor e o fogo, entre a lua e o conhaque. Há

esperança para a comoção e no calor da descoberta o Ser alcança proporções imensas,

explode, e faz surgir das personagens um momento de comunhão – que resultará, mais

tarde, na poesia lírica, iniciada em José (1942). Assim em Sentimento do Mundo

Drummond “resolve as contradições de sua poesia” (MERQUIOR, p.82), reformulando

o individualismo radical quem sofre isolado, e agora sofre junto, e encerra na poesia o

sentimento de todo mundo . O último verso poderia ser considerado como a inauguração

de um novo tom, a possibilidade amparada pela vontade que declarará à “vida futura”:

“Nós te criaremos”.

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Assim, em termos dialéticos, o Eu dos dois primeiros livros cede lugar a um Eu

despojado, resumido à pura atenção ao mundo, fruto da dolorosa realidade social, tanto

da cidade grande quanto de um mundo em guerra, tanto da política quanto da miséria

social, das necessidades elementares de um povo que sofre. Podendo-se observar no

primeiro, o posicionamento do poeta diante da vida, atitude passiva e observadora; no

segundo, uma aproximação e observação objetiva, de quem comenta não só mais o

passado de memórias e a própria vida, subjetivo e interpretativo; e no terceiro um Eu

lírico que deixa de se concentrar em si mesmo e funde o observador arguto dos dois

primeiros livros à passionalidade de sôfrego porta-voz. Uma postura consciente, de

arrependimento pela postura reclusa do passado, que causa no poeta um mal estar moral

(MERQUIOR, 2012), um ímpeto de solidarizar-se com os homens. A reflexão poética

desse “sentimento”, além de “Mundo Grande”, está presente em peças como “Brinde no

juízo final”, (“chegou vossa hora, poetas do bonde e do rádio/ poetas jamais acadêmicos,

último ouro do Brasil”); “Ode no cinquentenário do poeta brasileiro”;(“Debruço-me em

teus poemas/ e neles percebo as ilhas/ em que nem tu nem nós habitamos”) “Mãos

dadas”, (“Estou preso à vida e olho meus companheiros/ Estão taciturnos mas nutrem

grandes esperanças”) (ANDRADE, 2001) e outros.

Angústia e Piedade; Indivíduo e Sociedade: o Sentido Social da Poesia de

Drummond.

No ensaio intitulado Fragmento sobre a Poesia de Carlos Drummond de

Andrade, publicado originalmente em Origens e Fins (1943) e também reeditado nos

Ensaios Reunidos Volume I (1999) Otto Maria Carpeaux evidencia uma vez mais sua

visão simbólica e, sobretudo, a aplicação de seu método. Ao analisar uma dimensão

específica da obra do poeta, o crítico não se apega a questões pontuais, num verso e

outro, numa obra ou outra. Como lhe é característico, vai em busca daquilo que julga ser

o aspecto universal, a quintessência que resume a expressão poética - no caso, do poeta

mineiro - , e assim, de forma dialética, encontra no específico, o universal; e no

universal, o específico66. Ao primeiro parágrafo de seu ensaio, então, Carpeaux informa:

66 Por limitada que seja a interpretação quanto à obra de Carlos Drummond de Andrade, é necessário

dizer que o ensaio-base para interpretação do crítico corresponde à produção do poeta até início da década

de 40, quando da publicação do texto, o que compreende apenas o início da poesia drummondiana. E

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“Está indicado, com isso, o método que vou seguir, concentrando toda a coragem

intelectual para tentar interpretar um aspecto da poesia de Carlos Drummond de

Andrade: o seu sentido social” (CARPEAUX, 1999, p.438).

As análises de Carpeaux tendem a considerar cada obra como expressão de

determinada corrente de opinião e sentimento, mas sem deixar de incorporar um

elemento essencial da filosofia de Benedetto Croce: a irredutibilidade da poesia. Para

Carpeaux (via Croce), nenhuma arte se esgota ou se limita à corrente ou classe social

que a produziu. Sendo assim, tanto indivíduo quanto obra exercem e sofrem influência

do meio, de forma interdependente, entretanto, a poesia enquanto experiência subjetiva

radical, é o interior absoluto do indivíduo, sua forma mais íntima de expressão. A

relação entre literatura e sociedade, como disse Carpeaux, não é de mera dependência,

mas de dependência recíproca entre fatores espirituais (ideológicos e estilísticos) e

materiais (estrutura social e econômica), “a literatura é, pois, estudada nas páginas

seguintes como expressão estilística do Espírito objetivo, autônomo, e ao mesmo tempo

como reflexo das situações sociais” (CARPEAUX, 2011, p.39-40). Cronologicamente,

em Dummond, do Brejo das Almas ele passa ao Sentimento do Mundo, isto é, da

autonomia do caos psicológico ao reflexo do caos social (MARTINS, 1978). Sendo

assim, o crítico complementa:

A realidade social faz parte da realidade geral, do mundo das sociedades,

homens, bichos, coisas, objetos de toda espécie, daquele mundo que nos

rodeia e limita, dando ao indivíduo a medida de sua solidão e a medida de sua

capacidade de criar novas realidades. Fazer poesia, isto significaria

transformar em luz própria a sombra que o mundo exterior deita na alma do

poeta. Eis a definição, dada pelo poeta espanhol Pedro Salinas, na primeira

das suas conferências, Reality and the Poet in Spanisb Poetry(Baltimore,

1940). O mundo, sempre "realista", mais realista do que o rei, não admite

essa função real da poesia, não admite função nenhuma dela. Assistiu, porém,

a nossa época ao desmoronamento de muitas realidades muito firmes,

enquanto a poesia - diz Salinas - dá vida às sombras dos mortos e esperança

aos ainda não nascidos (CARPEAUX, 1999, 439).

Em Benedetto Croce, Carpeaux encontrou a arte como meio de sobrevivência do

espírito hegeliano, e em Weber assimilou a compreensão sociológica das épocas e a

individualização estilística dos autores, encarando-os não só como fruto do meio, mas

como entes dotados de alguma expressão genuína.

como bem ressaltou Alfredo Bosi “Convém lembrar que Drummond, nesse ano de 1943, mal havia

chegado ao meio do caminho. Não nos dera ainda A rosa do povo nem sua obra-prima, Claro enigma.

[Drummond] Dedicara a Carpeaux ‘Os rostos imóveis’, que está em ‘José’. Mas o exilado europeu, lendo

Sentimento do mundo, já nos revelava o essencial de sua poesia brasileira e universal” (BOSI, 2013,

p.286).

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Quando o crítico volta sua atenção ao aspecto formal assinala que, apesar de

moderno, Drummond se encaixa naquilo que Benedetto Croce chamou de “espírito

dialético” das obras de arte. Quintessência poética que permanece no tempo, fazendo a

ligação entre diversos autores, permitindo o encadeamento histórico deles, fazendo o

“espírito” permanecer. Pois mesmo que o artista, ou o poeta em questão, represente um

ponto de fratura, de inovação, de avanço, se enquadrando no que Ezra Pound (2006)

chamou de “diluidores”, homens que vieram depois dos inventores e mestres da arte

literária, mas não foram capazes de realizar bem o trabalho ou não quiseram dar-lhe

continuidade, esse, mesmo que por oposição ou incapacidade se encaixa na dialética

histórica da literatura, em que autores se interligam no tempo, mesmo que não sejam

diretamente relacionados, mas no tempo geral da história da arte:

De modo que, considerando a questão em geral, parece não haver outro modo

de pensar a independência e dependência concomitante das várias atividades

espirituais senão concebê-las numa relação de condição e condicionado, em

que o condicionado supera a condição pressupondo-a e, tornando-se por sua

vez condição e dando lugar a um novo condicionado, constitui uma série de

desenvolvimento. (CROCE, 2001, p.71)

Para Carpeaux, era inegável que houvesse uma dimensão social (tanto em

conteúdo como em influência) na obra de Drummond, entretanto, é necessária cautela

para não cair em precipitações:

Realmente, o problema não é tão fácil. O equívoco está na confusão entre o

movimento poético e os movimentos da realidade social. Mas, não estarei

caindo no mesmo equívoco? É lícito confrontar a poesia com uma realidade

qualquer? É lícito confrontar a poesia lírica, expressão da experiência mais

individual, com a realidade social, coletiva? (CARPEAUX, 1999, p. 439)

Segundo o crítico, toda a poesia de Carlos Drummond de Andrade, poeta d’o

"tempo presente, os homens presentes, a vida presente" (ANDRADE apud

CARPEAUX, 1999, p.438), é reflexo duma grande angústia e síntese duma tensão

dramática, dum conflito não resolvido, e que continua sempre no tempo, já que o

presente é o momento contínuo de estar vivo. Esse conflito das esferas individual e

coletiva, uma situação de desarmonia, se revela formalmente modernista na falta e

ausência da rima. Essa correspondência, de caráter isomórfico (desarmonia forma e

desarmonia social/existencial), se assemelha ao que Theodor Adorno chamou “de

conteúdo de verdade da obra de arte” e sua historicidade (como se verá adiante), sobre a

condição do poeta no início do século XX:

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Na passagem do século XIX para o século XX as criações artísticas passaram

a refletir as transformações estéticas ocasionadas pelas mudanças ocorridas

nos elementos externos e internos, devido às mudanças sociais ocasionadas

pela pressão histórica da época. Os poetas sentiram o peso da evolução de

uma forma mais acentuada, precisaram transformar sua linguagem em meio

ao sentimento de caos e crise, instaurado pelo clima de mudança (ADORNO

apud CAMARGO, 2008, p.196).

Todavia, ao se buscar em Croce o processo dialético da arte na história, sobre os

movimentos e estilos que não conseguem desprender-se por completo, a lírica do

moderno Drummond, seu esforço em busca da singularidade, do genuíno, seu

individualismo radical da poesia estreante, traz ainda o reflexo de uma poesia

precedente, o eterno individualismo romântico, que embora diverso na expressão é

semelhante na mentalidade, como aponta o filósofo italiano, exemplificando-o com

realismo:

Mais viril foi a outra tentativa, de ultrapassar o romantismo por meio do

realismo e do verismo, pedindo apoio às ciências naturais e à atitude que elas

promovem; mas o exagero no realce dado ao particular enquanto tal, e à

multidão dos particulares, não se atenuou e ao contrário cresceu naquela

escola, que também era, por derivação e caráter, romântica (CROCE, 2001, p.

134).

Assim, Drummond, o poeta objetivo, o ateu, o homem da palavra minuciosa, nos

versos de Poema de Sete Faces revela elementos típicos do romantismo, a natureza, a

divindade, a extrema subjetividade, o bem e o mal,

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

(...)

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

(ANDRADE, 2007, p. 05)

nuances e resquícios da condição inevitável de que não se pode criar do nada, e que no

tempo histórico, no plano macro, mesmo que distantes, é possível estabelecer uma

relação, como definiu Merquior (2012), classificando a forma do poeta como

“esteticamente reacionária”, voluntária ou involuntariamente, já que o romantismo

enquanto movimento havia passado.

Para Carpeaux, há na poesia de Drummond duas “séries de símbolos”: símbolos

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de coletividade X símbolos de individualidade (1999, p.441). O “Eu” e o “Outro” – ou

os outros -; o indivíduo e o mundo; lagoa/mar. Há uma tensão no ambiente; “em

grandes Edifícios, caixões de cimento armado; em grandes Cidades, cristais sujos da

época; e em Instituições, sem adjetivo, (...) mundo, alarmado de ruídos apocalípticos

que os outros não entendem” (CARPEAUX, 1999, p.441). A expressão poética desse

ambiente só encontra saída na sensibilidade poética do indivíduo, que é quem é capaz

de entendê-lo, sintetizá-lo e codificá-lo:

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada. .

(ANDRADE, 2007, p. 05)

Assim, se apresenta ao individualista Drummond o problema da coletividade:

É uma série de contradições irresolúveis, nas quais reside aquela tensão

dramática, que continua. A poesia de Carlos Drummond de Andrade exprime

um conflito dentro da própria atitude poética: transformar uma arte toda

pessoal, a mais pessoal de todas, em expressão duma época coletivista. Ou,

para falar em termos pessoais: guardar, no turbilhão do coletivismo, a

dignidade humana. A sua e a de nós todos. Eis o "sentido social" da poesia de

Carlos Drummond de Andrade. (CARPEAUX, 1999, p. 442)

Sendo assim, apesar do caráter social da poética de Drummond, o autor

consegue dialogar, tal qual estabelecido por Croce, com autores de outros períodos, de

outras geografias, pois, dentre outros aspectos, o nobre e humano sentimento de

piedade, já tão antigo e universal, permite que a expressão poética supere limites e

sobreviva além-Minas, ligando-o à toda uma tradição:

Poesia dum mundo em movimento, poesia dialética, que só encontra o ponto

firme fora da realidade coletiva: no indivíduo isolado, na alma dissociada em

lembranças individuais, na pupila dum cão através da qual a alma

encarcerada da criatura olha, em sons dissipados de músicas que passaram,

numa fotografia na parede, e que dói. É uma solidão imensa, a solidão do

"homem presente" entre os milhões da cidade. É o desespero, o desprezo, a

angústia (CARPEAUX, 1999, p. 441).

É o homem que compadece, e que por isso além-muros, além-mar, e que gauche

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angustiado sensibiliza-se com seu semelhante, e na angústia traduzida em piedade

comunica-se com o mundo, pois que não há na terra quem ao menos não conheça a

compaixão. Eis aí, o processo pelo qual se realiza em sentido amplo a poesia social

Carlos Drummond de Andrade.

Ao contrastarmos alguns aspectos da crítica a respeito do poeta de Itabira

notamos a variedade de perspectivas pelas quais sua obra foi abordada, mas notamos

também certa unidade de sentido nessas abordagens. Tanto para Sant’anna quanto para

Carpeaux, há na obra de Drummond uma dualidade indivíduo/sociedade, ou “eu” e o

“outro”, que se revela de diversas maneiras. Tanto em seu conteúdo quanto em sua

forma.

Se para Sant’anna (1992) o “projeto poético-pensante” do poeta se mistura de

forma indissociável com o homem Carlos Drummond de Andrade, essa relação poético-

biográfica se revela em sua poesia social por meio da “piedade”, da compaixão com o

próximo, o outro, a sociedade, como aponta Carpeaux (1999). É assim que o

“Drummond lagoa”, ao se chocar com a vastidão além de Itabira, vai captando os

dramas da “sociedade mar”, assim que ele pequeno, cercado e limitado se choca com a

vastidão da maré agitada, das gentes e no vai-e-vem da capital em processo de

industrialização. E nela sente as dores do povo e a sua própria.

Walter Benjamin (1987) nos relata em O Narrador como é fundamental o papel

do autor-artista no processo construção de memória e significação da realidade

enquanto processo de criação que traduz também alguma sabedoria, algum

conhecimento de mundo. Narrador, aquele que com suas vivências, catalisa e traduz em

linguagem simbólica e artística a síntese de suas experiências, suas viagens, seus

sentimentos, tal qual nos indica Croce (2001) em sua síntese da intuição, onde na arte o

poeta esgota e extravasa aquilo que germina depois todo um processo de acumulação de

estímulos em seu “espírito”. Nesse sentido Merquior complementa ainda que, “

conteúdo sociológico do lirismo drummondiano é tanto mais rico pelo fato de sua

aventura pessoal – o filho do fazendeiro tornado burocrata na grande cidade – coincidir

com a evolução social do Brasil” (MERQUIOR, 2012, p.84).

Sendo assim, ao sentir as dores do mundo, as mazelas do cotidiano coletivo e

individual, Drummond as sintetiza em metáforas como “lagoa” e “mar” – e tantas outras

como “ilha” ou até mesmo “José” -, e que formalmente se revelarão na ausência da rima

e da métrica, sendo então a expressão aparente e formal da desarmonia, “a da alma e a

das esferas”, da angústia apontada por Carpeaux. E como complementa Wilberth

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Salgueiro:

Há grande variação no tamanho dos poemas, desde os cinco versos na estrofe

única de ‘Indecisão do Meier’ até os 82 versos da ‘Canção da Moça-

Fantasma de Belo Horizonte’, distribuídos em seis estrofes. Os versos são

maciçamente brancos e livres. Há versos de todo tamanho – curtos, médios,

longuíssimos – e um poema em prosa, o célebre “Operário no mar”. Tanta

variação formal se relaciona, decerto, aos conflitos e instabilidades do sujeito

e, por extensão, de sua época (SALGUEIRO, 2014, p.58).

O que pode ser relacionado justamente do que nos fala Ezra Pound (2006) com

seu “condensare”, para quem a “literatura é linguagem carregada de significado. Grande

literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau

possível.” Sendo assim, se cabe ao narrador revelar em literatura sua vivência

experimentada, cabe ao poeta condensar o maior grau de significação possível em

poucas palavras, numa expressão primitiva e toda pessoal como é a da poesia, podendo

conter um poema mitos inteiros.

Poesia não se compõe de "pensamentos" que a gente poderia extrair e

utilizarpara fins extrapoéticos. Poesia não é filosofia transcendental rimada

nem manifesto político metrificado. Poesia é uma coordenação significativa

de palavras, e o princípio individual dessa coordenação é o estilo do poeta

(CARPEAUX, 1999, p.441).

Essa linguagem carregada de significado, para Carpeaux se revelou na noção

universal e milenar da piedade, difundida pelo mito cristão. Cristianismo esse, ou

cristologia, também apontado por Vagner Camilo, para quem a infração do segundo

mandamento contido em Matheus 22:967, a representação máxima e universalizada da

empatia pelo próximo, o amor ao próximo, o sentimento do mundo, foi motivo do salto

adiante da reparação e preenchimento do vácuo da alienação e reclusão individualista e

irônica da primeira fase da juventude, assim, tomando o poema “Confissão”, que virá

mais adiante em Claro Enigma, “o sentimento de culpa que motiva a confissão decorre

justo do contraste entre a eficácia e o benefício imediatos de gestos solidários como

esses a que se furta o eu lírico e o que ele praticou” (CAMILO, 1999, p. 204). Como

aponta o próprio crítico austríaco, ao relacionar a culpa no pathos drummondiano:

É esta atrocidade que inspira ao poeta Drummond o profundo sentimento de

responsabilidade, que o arranca da solidão, que o liga a todas ao; criaturas

que sofrem e são humilhadas, que lhe inspira a solidariedade das "mãos

dadas" e uma grande piedade. Para a sua poesia. o poeta inglês Wilfred

Owen, que morreu em 1918 nos campos de Flandres, parece ter dito: "The

poetry is in the pity" (CARPEAUX, 1999, p.441-442).

67 “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”

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127

Dessa forma, não por literalidade e religiosidade convicta, mas por analogia, por

equivalência, a angústia drummondiana alça vôo à universalidade, e deixa pra trás os

vestígios históricos, como apontado por Benjamin, e já aludido por nós anteriormente, e

torna-se símbolo – ainda que uma poesia simbolizada em angústia. Para Carpeaux, é

essa força de significado que faz o eterno e o transitório no poeta estarem de tal forma

entrelaçados que, ainda que Itabira seja apenas uma fotografia na parede, o mundo

possa senti-la doer.

Nesse sentido é complementar a ideia apresentada por Adorno a respeito da

relação entre lírica e sociedade. Uma nação que aponta para a universalidade da forma

poética, embora expressão toda particular e individual, conforme afirma Croce, torna-se

universal no instante em que seu teor social cristaliza a história e o homem passa a falar

pela humanidade, torna-se um documento dela, orgânico e não determinado pelo

fatalismo histórico social, mas um dado da realidade acessível ao público, a todos:

um poema não é mera expressão de emoções e experiências individuais. Pelo

contrário, estas só se tornam artísticas quando, justamente em virtude da

especificação que adquirem ao ganhar forma estética, conquistam sua

participação no universal. Não que aquilo que o poema lírico exprime tenha

que ser imediatamente aquilo que todos vivenciam. Sua universalidade não é

uma volonté de tous, não é a mera comunicação daquilo que os outros

simplesmente não são capazes de comunicar. Ao contrário, o mergulho no

individuado eleva o poema lírico ao universal por tornar manifesto algo de

não distorcido, de não captado, de ainda não submisso, anunciando desse

modo, por antecipação, algo de um estado que nenhum universal ruim, ou

seja, no fundo algo particular, acorrente o outro, o universal humano

(ADORNO apud CARMARGO, 2008, p. 193).

É nesse processo dialético de inter-relação entre em indivíduo e sociedade que se

revela parte da poesia social de Carlos Drummond de Andrade, e que ele nos deixa esse

esforço de consideração pelo outro, pela sociedade, pelo humano - traduzido

poeticamente, pois “Os poetas são os nossos órgãos para compreender o mundo”

(DILTHEY apud CARPEAUX, 2011). Nesse sentido, a proposta do autor foi a

identificação da universalidade da obra, fazendo a subida e a descida em escala de

amplitude da lírica drummondiana, que então considerou cristalizada pela angústia e

uma auto redenção piedosa. Com sua abordagem no formato de ensaio, uma peça que

insinua uma tese descompromissada, e que embora mais livre seu rigor reside mais na

argúcia da abordagem do que no referencial teórico, nas fontes ou cientificismo

acadêmico, como ressaltado por Adorno (2003) em seu “ensaio como forma”.

Dessa forma, a mentalidade e metodologia do crítico austro-brasileiro segue no

sentido de busca expandir a visão do leitor não só fornecendo interpretação, mas uma

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mentalidade mesma que faça conceber o artista, por mais singelo que pareça, por mais

local e temporal que ele se apresente, como alguém de grande envergadura, capaz de

exceder o limites de seu tempo. Sendo assim, pode-se dizer que “o crítico é o revelador

de aspectos que podem estar obscuros na obra e o indivíduo que conduz o leitor pelos

caminhos da interpretação pessoal. Talvez a sua preocupação seja em formar leitores

verdadeiros de literatura” (GONÇALVES, 2012 p.6). Uma perspectiva criativa, na

medida em que reencena o texto, não apenas descrevendo ou fornecendo interpretação

literal, mas garantindo-lhe sentindo sem distorcer o texto, chamando a atenção para

aspectos que poderiam passar despercebidos.

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129

4. Considerações finais

Conforme a exemplificação do método crítico de Otto Maria Carpeaux, pôde-se

observar a já comentada postura do autor em buscar observar o que de mais

significativo a obra lhe parecia ter. Aplicando suas duas lições fundamentais de

Benedetto Croce, a saber a da história enquanto história da obra de arte – literatura – e a

assinalação da poesia do texto literário em questão, e recorrendo a sociologia do saber

weberiana para individualizar o escritor/poeta enquanto sujeito autônomo de

determinismos quaisquer, o crítico identificou então em seu ensaio o pessimismo em

Machado de Assis e a compaixão em Carlos Drummond de Andrade – para o crítico, os

símbolos de cada autor – mediante abordagem filosófica e social, respectivamente. Uma

distinção de método ressaltada pelo próprio crítico:

Empregam-se métodos, criados em situações literárias diferentes, para

explicar onde não há nada para explicar. Com impaciência estou esperando

que um crítico da novíssima geração dedique trabalho de análise estilística às

imagens da vida doméstica nos romances da Sra. Leandro Dupre ou à

frequência de adjetivos astronômicos na poesia de Petrarca Maranhão.

Antigamente não era assim. Os nossos críticos antigos nem sequer sabiam o

que é método. Num sentido muito diferente, Augusto Meyer também ‘não

tem método’. Emprega ora este, ora aquele processo de interpretação,

obedecendo só e exclusivamente à natureza da obra que pretende interpretar;

o método estilístico, o método sociológico (nos seus estudos de literatura

gaúcha) e last but not least – o método psicológico” (CARPEAUX, 1999, p.

852).

O exercício de distinção das categorias do objeto sob análise, como explanado

no início deste trabalho, foi uma técnica desenvolvida ainda por Aristóteles e

aprimorado obsessivamente pelos escolásticos posteriores, detentores e responsáveis

pela preservação da obra do filósofo. Assim, no método estilístico-sociológico-

hermenêutico e historicista de Carpeaux, a “distinção dos predicamentos” tinha por

intenção identificar a que grandes correntes históricas o autor se relacionava, bem como

a mensagem, calcada no texto, a obra conseguia transformar em símbolo. Os ensaios de

Otto Maria Carpeaux são um extenso exercício da arte escolástica da distinção. Ventura

(2002) aponta que a exegese literária da crítica escolástica atuava em quatro níveis: o

literal ou histórico, o tipológico, o tropológico ou moral e o místico. A prática medieval,

entretanto, tinha uma visão interpretativa cuja aplicação não era totalmente adequada ao

cenário literário do século XX, devido à visão de mundo radicalmente diferente da idade

média. De acordo com João Adolfo Hansen (apud VENTURA, 2002), as diretrizes

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cosmológicas de julgamento da obra literária eram a presença de Deus nas coisas, nos

seres e na alma humana. Daí, portanto, o caráter de humanista de Carpeaux, que cônscio

do condição de mudança dos tempos enveredou pelo culturalismo de Dilthey e Johan

Huizinga, conservando a técnica medieval no método, mas adaptando a verve teológica

à humanista, idealista, cultural.

Da técnica intelectual e, digamos, epistemológica, para a técnica textual e

estilística, o austríaco expande o leque de referências. Assim, Aristóteles permanece

também como fonte “dialética”, ou seja, o entrechoque dos contrários para apuração das

premissas postas em questão. O que fica evidente no comparatismo Machado-Pascal-

Schopenhauer, e em Drummond se dá pela averiguação do teor social e coletivo da

poesia mesmo enquanto arte individual, onde o confronto de opiniões vai eliminando e

delineando uma conclusão. Dessa forma, e a um só tempo, Carpeaux realiza o feito de

incorporar também a dialética no sentido de Hegel, pois o confronto se dá no tempo

histórico, que via Croce ele fará a ponte literária entre autores, como em “Uma fonte da

filosofia de Machado de Assis”. Sendo assim, o comparatismo e o grande volume de

referências vinham ao centro da discussão com o propósito de ampliar o propósito da

especulação literária, de modo que interligando os vários exemplos ao objeto central sua

singularidade pudesse revelar a universalidade mediante a velha máxima de Aristóteles:

a universalidade se dá pela quantidade de repetição do fenômeno, que pela força da

recorrência e da abrangência do conhecimento que se tenha a seu respeito eleva-se ao

senso geral humano. Com a contingência jornalística no encalço da proposta

universalizante e atemporal das análises, a citação por referências vinha à mão como

argumento resumido, conceitos e proposições inteiras, que embora em linguagem

simples e acessível, supunha do leitor certa capacidade de apreensão de um

conhecimento prévio para o entendimento, como no longo e exemplar trecho a seguir,

de “Graciliano e seu Intérprete”:

Apesar da cor local, não é um ambiente exclusivamente brasileiro. Por volta

de 1880, certas regiões atrasadas da Europa - os distritos agrários, não-

industrializados, da Inglaterra; as províncias espanholas; a Itália meridional-

manifestaram os mesmos característicos sociais, que aparecem então nos

romances de Hardy, Pérez Galdós e Verga. São grandes nomes; Graciliano

Ramos tem várias qualidades, positivas e negativas, em comum com eles.

Distingue-se deles pela psicologia novelística. Pois Hardy, Pérez Galdós,

Verga pertencem à época pré-dostoievskiana do romance europeu. Não

pretendo absolutamente afirmar influência direta de Dostoievski em

Graciliano Ramos. Mas historicamente nosso romancista pertence à época

pós-dostoievskiana; e isso se revela na sua técnica, na sua filosofia e - last but

not least - na sua psicologia (CARPEAUX, 2005, p.156).

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Dessa forma, ao longo de sua atividade ensaística, Carpeaux sempre que

possível retoma ao propósito geral de sua visão literária exposta na introdução da

História, transitando, conforme lhe pareça pertinente, entre as duas dialéticas,

“exemplificando a lógica com a história e descobrindo, por trás da história, uma unidade

lógica”. Ou seja, usando a dialética clássica (Aristóteles) para identificar (escolástica)

na obra sua especificidade, separando os elementos materiais e empíricos dos poéticos e

espirituais (Croce), para daí então religá-los às grandes correntes da qual comungam e

fazem parte no grande movimento histórico (Hegel) das generalizações ideológicas,

filosóficas e estéticas. “Saltando sobre as várias gradações do ‘geral’, o universal se

encontra no singular” (CARVALHO, 1999, p.26). Dessa forma, Carpeaux pode ser

relacionado a Adorno, como anteriormente referido na análise do ensaio sobre

Drummond, e também a René Welleck:

A querela entre o "universal" e o "particular" em literatura tem-se mantido

acesa desde a época em que Aristóteles proclamou a poesia mais universal -

e, portanto, mais filosófica - do que a história, que só versa o particular, e

desde que o Dr. Johnson declarou que o poeta não devia "contar as riscas das

tulipas". Os românticos e a maior parte dos críticos modernos nunca se

cansam de sublinhar a particularidade da poesia, a sua "textura", o seu caráter

concreto. É preciso reconhecer, porém, que toda e qualquer obra literária é

simultâneamente geral e particular, ou - talvez com maior exactidão -

simultâneamente individual e geral (WELLECK et WARREN, 1962, p.22).

A prática que o caracterizou então foi responsável pela introdução e ineditismo

de vários autores postos em circulação no debate público. Com sua formação

humanística e acadêmica, mas com talento natural para o jornalismo que já

desempenhava profissionalmente desde a Europa, Carpeaux se transformou “num de

nossos primeiros e mais significativos mediadores culturais” (VENTURA, p.149, 2012),

atuando na formação cultural do país e na iniciação de leitores, consolidando uma

cultura literária que ele via como missão pessoal, pois com “o estudo das obras do

passado pode tornar-se, como propunha A Cinza do Purgatório, ‘um exame de

consciência’” assumindo o “papel no quadro de uma pedagogia espiritual”, a busca do

atemporal mesmo na imprevisibilidade de um semanário, pois para o espírito e o tempo

todo es igual e “um conflito de estudos poéticos, no século XVI ou uma discussão de

escolásticos, no XIII, podiam às vezes ter atualidade mais explosiva que as manchetes

do dia” (CARVALHO, 1999, p.23-28); condição que Fernandes fez questão de

enfatizar:

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Nada mais cruel do que o crítico do momento, pois não tem o distanciamento

histórico necessário para avaliar o conjunto de forma isenta. Carpeaux nunca

se negou a comentar, analisar, estudar livros de pensadores e de ficcionistas e

poetas brasileiros ou internacionais que estavam aparecendo. Era ao mesmo

tempo esta espécie rara de encontrar: o crítico literário no fragor da luta e o

historiador criterioso e, concomitantemente, universal e particular no estudo

do fenômeno literário (FERNANDES, 2010, p.18).

Entretanto, o mesmo fator que o consagrou foi motivo para seu posterior

ostracismo, estranhamente. Embora tivesse qualificação acadêmica especializada, o

crítico só atuou como jornalista e enciclopedista formalmente, atuando como historiador

e escritor profissional autonomamente. Seu legado ficou, portanto, reduzido à imagem

de jornalista cultural, caricaturando a imagem de intelectual público, cuja função oficial

na divisão social do trabalho, a de jornalista, era apenas o cargo de direito, não a

atuação de fato. Carpeaux era didático, suave, mas não rasteiro, ordinário e reducionista,

“para facilitar o curto alcance de alguns leitores” (FERNANDES, 2010, p.17).

Entretanto, tão pouco era um acadêmico nos moldes que vieram a se consolidar no país

– muita embora suas Histórias da literatura ocidental, da música e da literatura alemã

tenham vigor acadêmico -, o que alterava radicalmente a forma de sua abordagem,

afinal lhe eram reduzidos tanto tempo dos prazos jornalísticos como espaço gráfico.

Restou a imagem de enciclopédia viva, de erudito, de jornalista cultural, “um rótulo

redutor, já que a propensão enciclopédica pressupõe larga abrangência de assuntos e um

conceito do mundo colocados nos escaninhos dos verbetes, o que discrepa inteiramente

de Carpeaux” (FERNANDES, 2010, p.11) – e que sua atuação na literatura dá

testemunho suficiente.

Considerando a breve abordagem deste estudo, pode-se inferir que:

Otto Maria Carpeaux, semelhante a diversos críticos, foi um intelectual público

de formação acadêmica sólida, mas de atuação profissional jornalística e

produção bibliográfica independente. Dessa forma, sua qualificação foi formal,

vertical e especializada, mas seu trabalho foi desenvolvido como profissional

liberal, longe das cátedras, que encontrou espaço nos periódicos jornalísticos,

mas teve pouca legitimação no mercado editorial, visto que suas obras históricas

tiveram pouca repercussão e encararam dificuldades para publicação,

diferentemente de sua atuação ensaística semanal.

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Institucionalmente, “as instâncias de legitimação” de sua época lhe conferiram

ampla liberdade de atuação, tanto no aspecto crítico quanto no engajamento

político, possibilitando considerável alcance e influência no público alvo que

com quem buscou se comunicar. Nesse sentido, o austríaco angariou legitimação

tanto por leigos quanto por especialistas. Entretanto, seu post mortem destoa

consideravelmente de sua consagração em vida, havendo somente a publicação

de seus ensaios, ainda incompletos, apenas 20 anos depois; a reedição pelo

Senado Federal de sua História três décadas após seu falecimento; e desde o

início dos anos dois mil o estudo empenhado de Mauro Souza Ventura sobre sua

atuação crítica.

Considerando os fatores supracitados, a ótica sob a qual Carpeaux encarou a

formação cultural se aproxima mais da lógica de Friedrich Hayek do que a de

Gramsci. Como dá testemunho seu enfático ensaio “A ideia da universidade e as

ideias das classes médias”, em que o crítico cristaliza sua visão a respeito da

função das universidades e do intelectual enquanto especulador, pesquisador e

clérigo leigo a serviço do conhecimento desinteressado, livre e insubordinado –

o que em nada obsta da atuação pessoal do intelectual em atividades engajadas,

como já elucidado em páginas anteriores. Para o crítico, o sepulcro do espírito

livre seria a instrumentalização geral da inteligência, seja para qual propósito

fosse:

Por toda parte, as universidades são doentes, senão moribundas, e isto é

grande coisa. Os iniciados bem sabem que não é esta uma questão para os

pedagogos especializados. Das universidades depende a vida espiritual das

nações. O fim das universidades seria um fim definitivo. O abismo entre o

progresso material e a cultura espiritual aumenta de dia para dia, e as armas

desse progresso nas mãos dos bárbaros é fato que clama aos céus. Os

edifícios das universidades resistem ainda, e neles trabalha-se muito, demais,

às vezes, mas o edifício do espírito, esta catedral invisível, está ameaçado de

cair em ruínas. (...) Porque não cabe à Universidade formar crentes nem

sequer sugerir convicções, mas dar ao estudante capacidade para escolher a

sua convicção. Já abundam os homens cegamente convictos, muito

"práticos", "úteis" para os serviços do Estado, da Igreja, dos partidos e das

empresas comerciais. Pode ser que todas essas instituições lamentem, em

breve, a abundância de homens convictos e a falta de homens livres. Então,

acusar-se-á amargamente o utilitarismo das universidades modernas. O

utilitarismo é o inimigo mortal da Universidade (CARPEAUX, 1999, p.211-

212).

Neste sentido, o propósito dos homens de cultura seria a dedicação integral e

desnudada aos temas pertinentes à sociedade, pela qual a soma das descobertas,

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o choque das correntes, a comparação das descobertas cumpriria seu papel de

promover o desenvolvimento humano em geral. Tarefa que sua própria biografia

reafirma na prática.

Criticamente, para ele, crítica era uma forma de inteligência que se revelava no

bom gosto da composição e sensibilidade da seleção do objeto e da abordagem.

Com forte carga impressionista, Carpeaux encarou sua crítica de ofício – leia-se

ensaística e periódica - como texto criativo em que os recursos solicitados

serviam ao propósito da abordagem. Assim, suas análises quase sempre

deixavam o objeto em aberto – e também a própria abordagem em questão, que

poderia ser estendida conforme interesse do leitor. “Colocamos o gosto no

primeiro lugar entre os requisitos exigidos ao bom crítico literário. Depois, a

mais ampla informação possível, atitude desinteressada, método seguro, e uma

certa dose de força criadora” (CARPEAUX, 1999, p. 849). Um aspecto

proveniente, em grande parte, da disposição com que o autor buscava encarar a

literatura, em seu garimpo simbólico; pois que condição do simbolismo a

impossibilidade de reduzir um símbolo a um significado único, já que esses não

significam algo por si mesmo independentemente da significação que lhe dá o

seu intérprete. Como ressaltou Fernandes de forma esclarecedora:

O símbolo fala-nos, não ao nosso intelecto, mas a toda a nossa personalidade.

O símbolo exprime o que nós outros sentíamos também sem poder exprimir.

A expressão simbólica é o privilégio do poeta. Tanto mais durável é a sua

obra quanto mais universal é o símbolo. Há símbolos que refletem a situação

humana inteira68 (FERNANDES, 2010, p.12).

Dessa forma, as “verdades” encontradas por Carpeaux eram mais umas de outras

tantas possíveis.

Essa vastidão interior que supera questões ideológicas e teóricas só encontra

razão na observação da mentalidade que a abriga. Rejeitando o raciocínio doutrinário ou

68 Essa condição foi bem desenvolvida por Paul Diel na análise simbólica dos mitos clássicos, em O

simbolismo na mitologia grega, do qual Gaston Bachelard em prefácio endossou a polivalência da

narrativa simbólica e sua condição como chave interpretativa da condição humana. “Mas determinar o

sentido imediato dos símbolos não seria uma tarefa que implica uma contradição? Não deveria um

símbolo sugerir algo que se situa para além de sua expressão? Não implicaria uma relação essencial entre

duas ordens de significação: um sentido manifesto e um sentido oculto? (...) Pois trata-se precisamente de

instalar-se na psicologia pura, de partir do seguinte postulado psicológico: o símbolo tem uma realidade

psicológica inicial, uma realidade psicológica imediata, ou, dito de outra maneira, a função de

simbolização é uma função psíquica natural (BACHELARD, 1991, p.12).

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determinista, ou abordagem técnica de metodologia universalizante proposta pela crítica

acadêmica proposta por Afrânio Coutinho, acompanhar fielmente uma corrente ao

longo de toda sua extensão à revelia de possíveis incoerências não esteve nos planos de

Otto Maria Carpeaux. Portanto, não é nessa chave interpretativa que se pode buscar a

coerência interior de seu pensamento crítico. Dessa forma, este estudo se esforçou no

propósito de compreender e esboçar seus princípios, sua forma mentis, sua disposição

intelectual frente à literatura de forma geral, considerando esta o aspecto que garante

senso de unidade ao conjunto incoerente e anárquico das várias leituras ensaísticas e

dispersas fornecidas pelo crítico – que analisadas separadamente evidenciam como cada

uma delas representa um caminho a seguir. Como uma estrela, sua produção parte de

um ponto e se dissipa em diversas direções. E o que determina essa condição? A

resposta é dada pelo próprio autor: liberdade. Mas não uma vulgar, panfletária ou

instrumentalizada, mas uma pessoalíssima e irrevogável; a liberdade interior:

Evidentemente, não falamos do liberalismo econômico, que é um abuso, nem

do liberalismo religioso, que é cômodo demais, nem do Liberalismo político,

que reúne, aliás, certas ilusões antiquadas e certas vantagens bem apreciáveis.

Falo daquele liberalismo superior, como um Croce ou um Ortega y Gasset o

professam, esse liberalismo a que Ramón Pérez de Ayala, numa página sobre

Pérez Galdós, chamou “la aptitud para la comprensión amplia de todas las

cosas en conjunto”. Este liberalismo é o único ar respirável para o artista, o

sábio, o intelectual. (...) O que Burckhardt exige, de si mesmo e de nós

outros, não é senão isto: no meio da crise que está sacudindo tudo, guardar o

ponto firme do espírito livre e da continuidade histórica para, no turbilhão de

uma época ilusionista, estar consigo mesmo sem ilusões e consciente É uma

atitude altiva e humilde ao mesmo tempo. É a atitude duma consciência

européia, e que me lembra uma frase, cheia de desespero e de confiança, de

Barrês: "Il y a là mes blâmes, mes éloges, et tout ce que j'ai dit" 69

(CARPEAUX, 1999, p.263-265).

Para os leitores e críticos que desconfiam de tudo e de todos, dos narradores, do

eu lírico, Carpeaux recomendo que deveriam começar generosamente desconfiando de

si próprios, despir-se de véus ideológicos, do horizonte de expectativas, permitindo a

apreensão descompromissada da ideia e mensagem elucidada nas obras, não obliterando

de antemão possíveis posições díspares (BOSI, 2013), a “supension of disbelief”, a

clássica indicação do autor de The Rime of The Ancient Mariner, S. T. Coleridge:

Desde Coleridge recomenda-se para tanro a suspension of disbelief. É um

recurso precário. Contudo, funciona para ajudar-nos a vencer barreiras de fé

religiosa: "entendemos" assim, esteticamente, o hinduísmo do Bhagavad

Gita ou o catolicismo medieval de Dante. Mas resistem à suspension of

disbelief os credos políticos obsoletos (...) (CARPEAUX, 2005, p.652).

69 "Aí estão minhas censuras, meus louvores, e tudo o que eu disse."

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Condição que o crítico exemplifica ao especular a verossimilhança das

personagens de Macbeth, em que seu sentido não deve ser buscado na literalidade de

sua construção, mas no plano do significado. Uma espécie de imperativo categórico de

considerar que possa haver verdades mais sutis e profundas em todo lugar, por baixo da

representação ou enviesamento pela qual elas venham a ser expressas, e é necessário

desopilar-se psicologicamente para concebê-las; sendo uma ilusão pensar que a adesão a

uma doutrina geral garanta o conhecimento da verdade nas situações particulares e

concretas, ou, inversamente, que ter uma doutrina geral errada impeça de conhecer a

verdade nessas situações – ou seja, mesmo em teorias fechadas, onde o conjunto

contenha erros, contém também verdades pontuais. Para o espírito, tudo é válido. Tal

qual as Bruxas de Shakespeare, era necessário encarar toda leitura, teórica ou literária,

de mente aberta, deixando que ela fale:

Outros espectros nas peças de Shakespeare - o velho Hamlet, o "gênio" de

César, Banquo no próprio Macbeth - aparecem com a dignidade majestosa do

outro mundo, falando pouco ou até nada, impressionando pela mera presença;

então os resíduos recalcados de superstição e pavor da morte em todo homem

produzem sem dificuldade a suspension of disbelief que Coleridge exige em

face de obras de arte. Mas as bruxas de Macbeth são menos discretas, e

portanto inacreditáveis. Como representá-las?(...) Seria preciso uma enorme

suspension of disbelief para o espectador moderno acreditar em bruxas

fantásticas ao gosto do romantismo. Mas não é preciso nenhuma suspension

of disbelief para saber que a infâmia deste mundo - que é o inferno - é

grosseira e feia (CARPEAUX, 1999, p.547-549).

Para ele, o empenho na compreensão da obra de arte serve como esforço de

compreensão humana. Literatura é civilização, compreendê-la é também uma orientação

existencial, pois nos religa com o passado forçando-nos a nos debruçarmos sobre as

origens, sobre o passado buscando o senso de unidade que justifica a natureza do que

nos caracteriza como humanidade, como no melhor de seu estilo em “Retrato de meio

século”, de 1952, em que o autor, amparado por culturalistas como Johan Huizinga,

Ortega y Gasset e Karl Mannheim diagnostica nas correntes modernas e

contemporâneas e lamenta a diluição total das categorias culturais, políticas, sociais,

artísticas et caterva, em demonstração contundente da sociedade de massas que se

avizinhava fazendo ruir o propósito da tradição que buscava enxergar na diversidade

infindável de variáveis da existência humana a unidade, “o denominador comum”:

Cada um de nós vive, simultaneamente, em vários círculos: com a família,

com os companheiros de trabalho, com os amigos no clube, às vezes em

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outras esferas, menos confessáveis; e acabamos ficando estranhos em todos

eles, perdendo o senso de totalidade da nossa vida. Deixamos de ser

indivíduos completos, passando a integrar multidões atomizadas. E essas

multidões são cada vez mais numerosas (...). Na época das multidões

democráticas e de suas elites dispersas não existe mais estilo. Em vez do

estilo, temos modas (...). Os sistemas filosóficos transformam-se em meras

opiniões (...). A moda, diz Leopardi, é a irmã da morte: ameaça a

permanência até das estátuas, das pedras (CARPEAUX, 1999, p.536).

Assim, Carpeaux revela-se um humanista para quem a literatura é pedra de toque

para vislumbrar a civilização e desenvolver a sabedoria, um sentido de cultura como

aprimoramento individual e coletivo, que guia, orienta e dá sentido à existência, se

aproximando do sentido de Russel Kirk da “luta para desenvolver, por um ato da

vontade, a natureza mais elevada que há no homem” (KIRK, 2011, p.165) e evitando

assim o avanço do solipsismo e do niilismo apontados por Todorov em seu A Literatura

em Perigo, para quem “ambos repousam na ideia de quem uma ruptura radical separa o

eu e o mundo, isto é, de que não existe mundo comum” (TODOROV, 2007, p.44). Uma

disposição a quem a rotulação de elitista não seria adequada, servindo antes a

classificação de idealista. Diferentemente do rigor e seriedade com que encarou o

culturalismo, sua atividade em termos de status destoou bastante da altura com que

buscou desenvolver sua obra. Ante a estabilidade da cátedra universitária, a qual nunca

pleiteou, ou a ermitania das direções de bibliotecas e a mera confecção de verbetes

enciclopédicos – funções que exerceu como fonte de renda -, o autor preferiu o agito

semanal do jornalismo de exposição comprometedora - e depois o furor arrebatado da

agitação política. Resultando numa personalidade cujo respeito soberano pelas coisas da

cultura era diretamente proporcional ao desejo de compartilhá-las. E de ser entendido.

“Uma atividade que possuía mais a marca de uma missão do que propriamente de uma

profissão” (VENTURA, 2011, p.296). Candido Ressalta que:

A sua visão universal permite transpor as limitações eventuais do

nacionalismo crítico, cuja função histórica é importante em certos momentos,

mas não deve servir para obliterar a dimensão verdadeira do fenômeno

literário, que por sua natureza é tanto transnacional quanto nacional.

Carpeaux demonstra noutros lugares como a literatura do Brasil ganha em ser

vista de uma perspectiva dupla, como esta sua, capaz de aumentar o

discernimento e quebrar a rotina (CANDIDO, 2004, p.102).

Sendo assim, a partir dessa passagem significativa, a leitura da literatura

brasileira sob a ótica de Otto Maria Carpeaux é a perspectiva constante a nos indagar: o

que em nós nos religa à comunidade dos homens? O que, no Brasil, se diz ao mundo e

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não apenas a nós mesmos? Que aspectos particulares de nossa existência e cultura tem

força de significado para outras comunidades? O que temos a dizer ao outro? Questões

que parecem consideráveis e pelas quais “podemos escapar do fosso do solipsismo”

(KIRK, 2011, p.185).

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