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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CINCIAS DA EDUCAO
ADULTOS POUCO ESCOLARIZADOS
DIVERSIDADE E INTERDEPENDNCIA DE LGICAS DE FORMAO
Carmen de Jesus Dores Cavaco
DOUTORAMENTO EM CINCIAS DA EDUCAO
(Formao de Adultos)
2008
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CINCIAS DA EDUCAO
ADULTOS POUCO ESCOLARIZADOS
DIVERSIDADE E INTERDEPENDNCIA DE LGICAS DE FORMAO
Carmen de Jesus Dores Cavaco
Dissertao orientada pelo Professor Doutor Rui Canrio
DOUTORAMENTO EM CINCIAS DA EDUCAO
(Formao de Adultos)
2008
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Resumo
A presente investigao teve como principal objectivo a anlise das lgicas de aco
inerentes s ofertas de educao e formao, frequentadas por adultos pouco escolarizados.
Neste trabalho, parte-se do princpio que a categoria social dos adultos pouco escolarizados
engloba uma grande heterogeneidade, incluindo pessoas com idade, nvel de escolaridade,
situao face actividade profissional e competncias de literacia muito distintas.
Na anlise, tenta-se compreender de que modo as orientaes polticas definidas a nvel
internacional (nvel macro) e nacional (nvel meso) influenciam as prticas de educao e
formao de adultos, a nvel local (nvel micro). A anlise da evoluo da poltica de educao
de adultos, a nvel internacional e nacional, centrou-se em fontes documentais. A anlise das
lgicas de aco das ofertas de educao e formao frequentadas por adultos pouco
escolarizados decorreu de um estudo de caso territorial, em cinco concelhos do Baixo Alentejo
(Aljustrel, Castro Verde, Ourique, Almodvar e Mrtola). Na investigao analisa-se tambm a
organizao e funcionamento de trs Centros de Reconhecimento, Validao e Certificao de
Competncias, devido ao carcter recente e inovador desta oferta dirigida aos adultos pouco
escolarizados.
A anlise da interveno dos actores locais, responsveis pela oferta de educao e
formao de adultos, permitiu a elaborao de uma tipologia constituda por cinco tipos de
lgicas: ortopedia social; qualificao individual; desenvolvimento organizacional;
animao/ocupao de tempos livres e interveno comunitria. Estas lgicas de aco
influenciam a organizao e funcionamento da formao, a mobilizao dos adultos pouco
escolarizados e os resultados. A anlise do dispositivo dos Centros de Reconhecimento,
Validao e Certificao de Competncias permitiu-nos verificar a complexidade do
reconhecimento, validao e certificao de competncias e as tenses que lhe esto
subjacentes, elementos que tm repercusses na organizao e funcionamento do processo;
nas metodologias, nos instrumentos, nas funes dos tcnicos das equipas, nas representaes
e resultados do processo junto dos adultos.
Palavras-Chave: adultos pouco escolarizados, formao, reconhecimento e validao de
adquiridos experienciais
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Rsum
Cette recherche a eu comme objectif l'analyse des logiques d'action inhrentes aux
offres d'ducation et de formation, frquentes par des adultes peu scolariss. Dans ce travail,
nous considrons que la catgorie sociale des adultes peu scolariss regroupe une trs
grande htrognit y compris des personnes dont lge, le niveau de scolarit, la situation
face l'activit professionnelle et les comptences d'alphabtisme sont trs distinctes.
Dans l'analyse, on cherche comprendre comment les orientations politiques dfinies au
niveau international (niveau macro) et national (niveau mso) influencent les pratiques
d'ducation et la formation d'adultes, au niveau local (niveau micro). L'analyse de l'volution de la
politique d'ducation d'adultes, au niveau international et national, a t centre sur des donnes
documentaires. L'analyse des logiques d'action des offres d'ducation et de formation
frquentes par des adultes peu scolariss sappuie sur une tude de cas territorial, dans cinq
mairies au Alentejo (Aljustrel, Castro Verde, Ourique, Almodvar et Mrtola). Dans cette
recherche, nous analysons aussi l'organisation et le fonctionnement de trois Centres de
Reconnaissance, Validation et Certification de Comptences, cause du caractre mergeant et
innovateur de cette offre, dirige aux adultes peu scolariss.
L'analyse de l'intervention des acteurs locaux, responsables de l'offre d'ducation et de
formation des adultes, a permis l'laboration d'une typologie avec cinq types de logiques: logique
dorthopdie sociale; logique de qualification individuelle; logique de dveloppement
organisationnel; logique danimation/occupation de temps libres et logique dintervention
communautaire. Ces logiques d'action ont des consquences dans l'organisation et le
fonctionnement de la formation, dans la mobilisation des adultes peu scolariss et dans les
rsultats de la formation.
L'analyse du dispositif mis en place dans les Centres de Reconnaissance, de Validation
et Certification de Comptences a permis de vrifier la complexit de la reconnaissance et la
validation des comptences et les tensions que lui sont sous-jacentes, lments qui ont des
rpercussions dans l'organisation et le fonctionnement du processus; dans les mthodologies,
dans les instruments, dans les fonctions des techniciens des quipes, dans les reprsentations et
les rsultats du processus auprs des adultes.
Mots-Cls: Adultes peu scolarises, formation, reconnaissance des acquis.
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Agradecimentos
Ao meu orientador, Prof. Doutor Rui Canrio, um agradecimento muito especial pelo incentivo e
confiana, pelo apoio cientfico, pelo seu pensamento, que muito me orientou e inspirou, e pela
amizade.
A todas as pessoas entrevistadas e s que facultaram os dados quantitativos, um agradecimento
pela colaborao e disponibilidade. Aos elementos das equipas dos CRVCC, um agradecimento
pela cooperao, amabilidade e partilha de reflexes. Aos adultos entrevistados, um
agradecimento especial pela partilha do seu percurso de vida, dos seus saberes e projectos.
Aos meus colegas agradeo o incentivo. Natlia um agradecimento pelo apoio, pela amizade e
pela leitura atenta deste trabalho. Ao Prof. Joo Barroso, ao Belmiro e ao Joo Pinhal agradeo
as palavras de encorajamento. Mnica e Gabriela agradeo o arranjo final do documento.
Aos responsveis pelo Servio de Bolsas da Fundao Calouste Gulbenkian agradeo a
atribuio da bolsa de curta durao, que possibilitou a realizao de um perodo de
investigao no CNAM, em Paris. Ao Prof. Doutor Guy Jobert agradeo o acolhimento e apoio
durante a estadia no CNAM. Ao Daniel, ao Stephane, ao Pierre e Corinne agradeo a
hospitalidade.
Aos meus familiares e amigos, um agradecimento muito especial pelo apoio incondicional.
Ins um agradecimento do tamanho do mundo e um pedido de desculpas pelo tempo
subtrado s brincadeiras.
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ndice
INTRODUO..1
PARTE I CONSTRUO DO OBJECTO DE ESTUDO E METODOLOGIA.5
CAPTULO I PROBLEMTICA E METODOLOGIA 7 1. A problemtica do estudo os adultos pouco escolarizados e a formao...7
1.1 Pressupostos epistemolgicos...7 1.2 Pressupostos tericos...12 1.3 Termos e conceitos a definio (im)possvel...22 1.4 Justificao da investigao..........................31 1.5 Objectivos e questes de pesquisa.33
2. Procedimentos metodolgicos da investigao.....35 2.1 Mtodo: o estudo de caso......35 2.2 Dispositivo de recolha, tratamento e anlise de dados..39
CAPTULO II POLTICAS EDUCATIVAS E OS ADULTOS POUCO ESCOLARIZADOS: DA EDUCAO PERMANENTE APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA.45 1. Orientaes polticas a nvel internacional..47
1.1 O movimento da educao permanente e o analfabetismo.51 1.1.1 A humanizao do desenvolvimento e a educao integral.51 1.1.2 Das campanhas de alfabetizao alfabetizao funcional ...54
1.2 A aprendizagem ao longo da vida e a literacia.70 1.2.1 Educao de adultos subjugada gesto de recursos humanos70 1.2.2 Mudana de conceitos: dos analfabetos aos pblicos desfavorecidos...83 1.2.3 O reconhecimento de adquiridos experienciais e a gesto de si......86
2. A poltica de educao de adultos a nvel nacional...88 2.1 Orientaes polticas e diversidade de lgicas........105
2.1.1 A lgica da educao popular e do associativismo.105 2.1.2 A lgica da escolarizao compensatria.111 2.1.3 A lgica da qualificao e gesto de recursos humanos115
2.2 As novas orientaes polticas e os adultos pouco escolarizados119
CAPTULO III ADULTOS POUCO ESCOLARIZADOS EM PORTUGAL AS ESTATSTICAS, OS PERCURSOS EXPERIENCIAIS E OS ESTUDOS DE INVESTIGAO129 1. Das estatsticas aos percursos experienciais...129 1.1 A persistncia do analfabetismo..129
1.2 Adultos pouco escolarizados: a leitura dos nmeros...131 1.3 Adultos pouco escolarizados: percursos de vida..143
1.3.1 Nuno a (des)iluso no ensino recorrente..145 1.3.2 Jos o homem dos sete ofcios...146 1.3.3 Matias a fora dos projectos de vida.149 1.3.4 Ana a (des)continuidade do percurso escolar...154
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1.3.5 Maria curiosidade e motivao para a aprendizagem.......157 1.3.6 Alice de costureira a formadora.160 1.3.7 Francisco os projectos profissionais..162 1.3.8 Isabel da indstria ao trabalho com os idosos.166
2. Adultos pouco escolarizados: elementos de sntese dos estudos de investigao169
2.1 Ensino recorrente: predomnio do modelo escolar e do pblico jovem...186 2.2 Extra-escolar: as potencialidades da educao no formal..203 2.3 Cursos EFA a inovao (com)prometida.208 2.4 Centros Novas Oportunidades reconhecimento dos adquiridos experienciais.216
PARTE II DIVERSIDADE E INTERDEPENDNCIA DE LGICAS DE FORMAO DE ADULTOS POUCO ESCOLARIZADOS .225
CAPTULO IV FORMAO DE ADULTOS POUCO ESCOLARIZADOS NO TERRITRIO EM ESTUDO..227 1. A formao de adultos e a territorializao...227 2. As ofertas de formao e os adultos pouco escolarizados........238 2.1 O ensino recorrente243 2.2 A educao extra-escolar.250 2.3 A formao profissional.263 2.3.1 As entidades formadoras e a formao profissional263
2.3.2 As entidades empregadoras e a formao profissional................................................283
2.4 As lgicas da formao e os adultos pouco escolarizados ..312 2.4.1 A lgica da interveno comunitria..321 2.4.2 A lgica da animao/ocupao de tempos livres...332 2.4.3 A lgica da ortopedia social.353
2.4.4 A lgica de desenvolvimento organizacional363 2.4.5 A lgica da qualificao individual..383 2.4.6 A diversidade e interdependncia das lgicas de formao 400
CAPTULO V EMERGNCIA DE NOVAS PERSPECTIVAS RECONHECIMENTO DE ADQUIRIDOS EXPERIENCIAIS407
1. O reconhecimento e validao de competncias e a dinmica formativa no territrio em estudo.....410 2. Os cursos EFA e as limitaes inovao..422 3. Uma prtica em construo o reconhecimento e validao de adquiridos experienciais...438
3.1 O reconhecimento e validao um processo de avaliao?.......................................................455 3.2 A avaliao de competncias..465 3.3 A experincia e os adquiridos experienciais..471 3.4 As metodologias e o reconhecimento de adquiridos...487 3.5 Os instrumentos e o reconhecimento de adquiridos493 3.6. A adeso dos adultos e os resultados (in)esperados do processo..503 3.7. A emergncia e alterao de actividades profissionais .509
3.7.1 Emergncia de uma nova actividade profissional o profissional de RVC ..509 3.7.2 Alterao da actividade do formador o formador de RVC 519 3.7.3 Funes e competncias do profissional de RVC e do formador de RVC .530
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CONCLUSO.539 1. Orientaes e pressupostos.539 2. Lgicas de aco dos promotores locais da formao.542 2.1 A prevalncia da lgica da ortopedia social544 2.2 A gesto de si e a lgica da qualificao individual.549
2.3 As entidades empregadoras e a lgica de desenvolvimento organizacional..............................553 2.4 A lgica da animao/ocupao tempos livres e a elevada procura...556 2.5 A lgica da interveno comunitria e o carcter integrado dos dispositivos formativos 559
3. Reconhecimento de adquiridos experienciais..562
3.1 Os domnios de complexidade562 3.2 Metodologias, instrumentos e acompanhamento572
4. A diversidade e interdependncia de lgicas de formao575 BIBLIOGRAFIA.587
ANEXOS
Anexo 1. Listagem de entrevistas e respectivos cdigos..607
Anexo 2. Elementos quantitativos sobre os adultos pouco escolarizados.613
Anexo 3. Elementos quantitativos sobre a frequncia de formao.621
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ndice de quadros ndice de quadros Quadro 1. Questes orientadoras da investigao..35
Quadro 2. Distribuio da taxa de analfabetismo, por regio e variao entre 1991 e 2001.129
Quadro 3. Evoluo da taxa de analfabetismo entre 1991 e 2001 no territrio em estudo130
Quadro 4. Adultos certificados no 1 ciclo do ensino recorrente, entre 2000 e 2004..131
Quadro 5. Adultos pouco escolarizados residentes em Portugal, por nvel de ensino e grupo etrio..132
Quadro 6. Adultos pouco escolarizados em Portugal, por nvel de escolaridade, segundo o sexo e os grupos etrios, em percentagem..133
Quadro 7. Adultos pouco escolarizados de 18 e mais anos, por nvel de escolaridade, segundo o sexo e o concelho134
Quadro 8. Adultos pouco escolarizados de 18 e mais anos, segundo o grupo etrio, no territrio em estudo...135
Quadro 9. Adultos pouco escolarizados, residentes em Portugal com 15 e mais anos, empregados.136
Quadro 10. Populao pouco escolarizada, no territrio em estudo, com 15 e mais anos, empregada..137
Quadro 11. Populao residente em Portugal, com 15 e mais anos, desempregada e pouco escolarizada..138
Quadro 12. Populao pouco escolarizada, no territrio em estudo, com 15 e mais anos, desempregada...139
Quadro 13. Populao residente em Portugal, pouco escolarizada, com 15 ou mais anos, por condio perante a actividade econmica141
Quadro 14. Populao pouco escolarizada, no territrio em estudo, com 15 ou mais anos, por condio perante a actividade econmica (sentido lato)142
Quadro 15. Nmero de formandos no ensino recorrente, por nveis de escolaridade, nos concelhos em estudo, entre 2000-2004..243
Quadro 16. Nmero de formandos do ensino recorrente por nveis de escolaridade, nos concelhos em estudo e no Alentejo, entre 2000-2004..244
Quadro 17. Nmero de adultos envolvidos na educao extra-escolar, nos concelhos em estudo, entre 2000-2004..251
Quadro 18. Total de formandos no POEFDS, nos concelhos em estudo, entre 2000-2004, por sexo264
Quadro 19. Total de formandos no POEFDS, nos concelhos em estudo, entre 2000-2004, por situao face ao emprego..265
Quadro 20. Nmero de formandos por nvel de escolaridade e sexo, nos concelhos em estudo267
Quadro 21. Nmero de formandos pouco escolarizados, por sexo, nos concelhos em estudo269
Quadro 22. Nmero de formandos por grupo etrio e gnero, nos concelhos em estudo270
Quadro 23. Total de aces de formao realizadas no mbito do POEFDS, no perodo 2000-2004, por tipo de entidade formadora e concelho272
Quadro 24. Tipo de dinmica formativa por entidade empregadora.284
Quadro 25. Nmero de formandos nos cursos EFA, nos concelhos em estudo e na regio Alentejo, entre 2000-2004..422
Quadro 26. Nmero de cursos EFA, nos concelhos em estudo, entre 2000-2004, por nvel de escolaridade..425
Quadro 27. Nmero de adultos certificados no CRVCC, da Esdime, por nvel de certificao.438
Quadro 28. Nmero de adultos certificados no CRVCC, da Esdime, no territrio em estudo..439
Quadro 29. Funes e competncias do profissional de RVC e do formador de RVC..531
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ndice de Anexos (Disponvel em formato digital na contracapa)
PARTE I GUIES DE ENTREVISTAS Anexo 1 Guio das entrevistas a responsveis das entidades formadoras Anexo 2 Guio das entrevistas a responsveis das entidades empregadoras Anexo 3 Guio das entrevistas aos interlocutores das entidades gestoras/coordenadoras Anexo 4 Guio das entrevistas aos formadores Anexo 5 Guio das entrevistas aos formandos Anexo 6 Guio da entrevista Coordenadora do Centros de Reconhecimento, Validao e Certificao Anexo 7 Guio da entrevista aos Profissionais de RVC Anexo 8 Guio da entrevista aos Formadores de RVC Anexo 9 Guio da entrevista aos Adultos Certificados PARTE II ENTREVISTAS REALIZADAS Anexo 10 Entrevistas aos interlocutores das entidades formadoras 10.1 Tcnica do Centro de Formao Profissional de Aljustrel (E1) 10.2 Tcnica do Centro de Formao Profissional de Beja (E2) 10.3 Vice-Presidente da Esdime (E3.1) 10.4 Coordenadora dos Cursos EFA da Esdime (E3.2) 10.5 Formadora e Mediadora de Cursos EFA (E3.3) 10.6 Formandos Cursos EFA (Geriatria) (E3.4.1 a E3.4.3) 10.7 Coordenadora da Formao na Associao de Defesa do Patrimnio de Mrtola (E4) 10.8 Presidente da Associao Alentejo XXI (E5) 10.9 Coordenador da Formao da Associao de Municpios do Distrito de Beja (E6) 10.10 Presidente do Centro de Formao de Professores (CENFOCAL) (E7) 10.11 Presidente do Centro da Associao de Escolas de Mrtola (E8) 10.12 Responsvel pela Oficina de Tecelagem (E9) 10.13 Coordenadora Concelhia Ensino Recorrente e Educao Extra-Escolar de Almodvar (E10.1) 10.14 Formador de Educao Extra-Escolar (Educao para a Sade) (E10.2) 10.15 Formadora de Educao Extra-Escolar (Bainhas Abertas) (E10.3) 10.16 Formandos de Educao Extra-Escolar (Educao para a Sade) (E10.4.1 a E10.4.9) 10.17 Formandas de Cursos de Educao Extra-Escolar (E10.5.1 a E10.5.3) 10.18 Coordenadora Concelhia do Ensino Recorrente e Educao Extra-Escolar de Castro Verde (E11.1) 10.19 Formadora do Ensino Recorrente (1 ciclo) (E11.2) 10.20 Formadora da Educao Extra-Escolar (Informtica) (E11.3) 10.21 Formandos da Educao Extra-Escolar (E11.4.1 a E11.4.3) 10.22 Coordenadora Concelhia Interina e Presidente Conselho Executivo da Escola EB2,3 e Secundria de
Mrtola (E12) 10.23 Coordenador Concelhio do Ensino Recorrente e Educao Extra-Escolar de Aljustrel (E13.1) 10.24 Formador de Educao Extra-escolar (Educao para a Sade) (E13.2) 10.25 Formadora do Ensino Recorrente (1 ciclo) (E13.3) 10.26 Formandos de Educao Extra-Escolar (Educao para a Sade) (E13.4.1 a E13.4.5) 10.27 Formandos do Ensino Recorrente (1 ciclo) (E13.5.1 a E13.5.12)
Anexo 11 Entrevistas aos interlocutores das entidades empregadoras
11.1 Responsvel de Recursos Humanos da PubliObras (E14) 11.2 Responsvel de Recursos Humanos da CoopAlentejo (E15) 11.3 Scio-Gerente da ImoConstruo (E16) 11.4 Directora de Recursos Humanos e Tcnica do Departamento de Recursos Humanos da Reust (E17) 11.5 Director de Recursos Humanos da Pirite-Extraco (E18) 11.6 Scio-Gerente da Padaria Ourique (E19) 11.7 Director da Sociedade de Explosivos (E20) 11.8 Tcnica da Associao Regantes (E21)
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11.9 Comandante Bombeiros Voluntrios de Aljustrel (E22.1) 11.10 Formandos e formadores dos Bombeiros Voluntrios de Aljustrel (E22.2.1 a E22.2.4) 11.11 Responsvel Recursos Humanos do Centro Paroquial de Ervidel (E23) 11.12 Assistente Social da Santa Casa da Misericrdia de Aljustrel (E24.1) 11.13 Trabalhadores da Santa Casa da Misericrdia de Aljustrel (E24.2.1 a E24.2.4) 11.14 Assistente Social do Lar Jacinto Faleiro (E25) 11.15 Assistente Social da Santa Casa da Misericrdia de Ourique (E26) 11.16 Responsvel pela Formao Santa Casa da Misericrdia de Mrtola (E27) 11.17 Responsvel Recursos Humanos Cmara Municipal de Mrtola (E28) 11.18 Presidente Cmara Municipal de Ourique (E29) 11.19 Responsvel Recursos Humanos Cmara Municipal de Castro Verde (E30) 11.20 Responsvel Recursos Humanos Cmara Municipal de Aljustrel (E31) 11.21 Vereadora Responsvel Recursos Humanos Cmara Municipal de Almodvar (E32) Anexo 12. Entrevistas s entidades gestoras e coordenadoras 12.1 Gestora do Programa Operacional da Regio Alentejo (E33) 12.2 Coordenador Regional do POEFDS (E34) 12.3 Coordenadora Regional dos Cursos EFA e Aces S@ber+ (E35) 12.4 Coordenador Regional do Programa INPME (E36) 12.5 Tcnica da Associao de Agricultores Campo Branco (E37) Anexo 13. Entrevistas aos actores dos CRVCC 13.1 Entrevista Coordenadora do CRVCC da Esdime (E39.1) 13.2 Entrevista Profissional RVC (E39.2) 13.3 Entrevista Profissional RVC (E39.3) 13.4 Entrevista Profissional RVC (E39.4) 13.5 Entrevista Formador RVC (E39.5) 13.6 Entrevista Formador RVC (E39.6) 13.7 Entrevista Adulto Certificado (E39.7) 13.8 Entrevista Adulto Certificado (E39.8) 13.9 Entrevista Adulto Certificado (E39.9) 13.10 Entrevista Adulto Certificado (E39.10) 13.11 Entrevista Adulto Certificado (E39.11) 13.12 Entrevista Coordenadora do CRVCC da Fundao Alentejo (E40.1) 13.13 Entrevista Profissional RVC (E40.2) 13.14 Entrevista Profissional RVC (E40.3) 13.15 Entrevista Profissional RVC (E40.4) 13.16 Entrevista Formador RVC (E40.5) 13.17 Entrevista Formador RVC (E40.6) 13.18 Entrevista Adulto Certificado (E40.7) 13.19 Entrevista Adulto Certificado (E40.8) 13.20 Entrevista Adulto Certificado (E40.9) 13.21 Entrevista Adulto Certificado (E40.10) 13.22 Entrevista Adulto Certificado (E40.11) 13.23 Entrevista Coordenadora/Profissional RVC do Centro de Formao Profissional de Portalegre (E41.1) 13.24 Entrevista Profissional RVC (E41.2) 13.25 Entrevista Formador RVC (E41.3) 13.26 Entrevista Formador RVC (E41.4) 13.27 Entrevista Formador RVC (E41.5) 13.28 Entrevista Adulto Certificado (E41.6) 13.29 Entrevista Adulto Certificado (E41.7) 13.30 Entrevista Adulto Certificado (E41.8) 13.31 Entrevista Adulto Certificado (E41.9)
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Lista de Abreviaturas
ADPM Associao de Defesa do Patrimnio de Mrtola
AIRC Associao de Informtica da Regio Centro
ANEFA Agncia Nacional de Educao e Formao de Adultos
ANQ Agncia Nacional para a Qualificao
ATAM Associao dos Tcnicos de Administrao Autrquica
CCDRA Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional do Alentejo
CEFA Centro de Estudos e Formao Autrquica
CNE Conselho Nacional de Educao
CNEA Campanha Nacional de Educao de Adultos
CNO Centros Novas Oportunidades
CRVCC Centro de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias
DGFV Direco-Geral de Formao Vocacional
ESDIME Agncia para o Desenvolvimento Local no Alentejo Sudoeste
Formador de RVC Formador de reconhecimento e validao de competncias
FSE Fundo Social Europeu
IEFP Instituto de Emprego e Formao Profissional
OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
PEMA Programa Experimental Mundial de Alfabetizao
POEFDS Programa Operacional do Emprego, Formao e Desenvolvimento Social
PORA Programa Operacional da Regio Alentejo
Processo de RVCC Processo de reconhecimento, validao e certificao de competncias
Cursos EFA Cursos de Educao e Formao de Adultos
PRODEP Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal
Profissional de RVC Profissional de reconhecimento e validao de competncias
RSI Rendimento Social de Insero
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura
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INTRODUO
Esta dissertao resulta de uma investigao cujo objectivo se centrou na anlise das
lgicas de aco subjacentes s actividades de educao e formao frequentadas por adultos
pouco escolarizados. Com esta anlise, pretende-se compreender de que forma as lgicas de
aco influenciam a organizao e funcionamento das prticas de educao e formao de
adultos, a adeso dos adultos pouco escolarizados e os resultados que esto associados a
essas mesmas dinmicas. Em termos metodolgicos, a investigao baseia-se, essencialmente,
num estudo de caso territorial. Porm, ao longo deste trabalho o local entendido como um
espao geogrfico delimitado que, para alm de apresentar caractersticas especficas e
dinmicas prprias, resultantes da aco dos seus actores, tambm influenciado por factores
regionais, nacionais, europeus e internacionais. Parte-se do princpio que o nvel local
influenciado pelos nveis mais abrangentes (regional, nacional, europeu e internacional), mas
que tambm os influencia.
A anlise e recolha de dados orientada para trs nveis distintos, mas
complementares: o nvel macro; o nvel meso e o nvel micro. No actual contexto, marcado por
polticas de educao e formao inspiradas na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida,
interessa-nos identificar a repercusso de tais politicas num determinado territrio nacional e
compreender o seu impacto junto dos adultos pouco escolarizados. Atravs da anlise, tenta-se
perceber de que modo as orientaes polticas definidas a nvel internacional (nvel macro) e a
nvel nacional (nvel meso) influenciam as prticas de educao de adultos a nvel local (nvel
micro).
A anlise da evoluo da poltica internacional de educao de adultos, nos ltimos 30
anos (nvel macro), baseia-se em fontes documentais, principalmente, nos relatrios das
conferncias internacionais de educao de adultos da UNESCO. A anlise do nvel meso
tambm incide em fontes documentais, nomeadamente, na legislao nacional sobre a
educao, em geral, e educao de adultos, em particular. A anlise do nvel micro baseia-se na
realizao de um estudo de caso territorial, nos concelhos de Aljustrel, Castro Verde, Ourique,
Almodvar e Mrtola, no perodo temporal entre 2000 e 2004. No estudo, optou-se pela
caracterizao e anlise das ofertas formativas de carcter mais tradicional dirigidas a adultos,
tais como: a formao profissional realizada por entidades formadoras, pblicas e privadas; a
formao profissional promovida pelas entidades empregadoras; o ensino recorrente e os cursos
de educao extra-escolar. Todavia, a caracterizao e anlise tambm incidiram nas novas
ofertas de educao e formao dirigidas aos adultos pouco escolarizados, nomeadamente, nos
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cursos EFA e nos Centros de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias. Os
dados empricos sobre a oferta de educao e formao de adultos no territrio em estudo
resultaram de fontes documentais e de entrevistas. As fontes documentais reportam-se a dados
sobre a frequncia das prticas de educao e formao. Para caracterizar a dinmica de
educao e formao de adultos nos cinco concelhos, optou-se pela realizao de entrevistas
semi-directivas aos responsveis das entidades formadoras, das entidades empregadoras com
mais de vinte trabalhadores, a formadores e a formandos. No mbito da investigao, estudou-
se a dinmica dos trs Centros de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias
existentes na regio Alentejo, em 2002. Neste caso, realizaram-se entrevistas semi-directivas
aos coordenadores, profissionais de RVC e formadores de RVC e entrevistas biogrficas a
alguns adultos certificados nestes Centros.
Ao longo do trabalho, procurou-se adoptar uma perspectiva crtica sobre a construo
social do discurso relativo aos adultos pouco escolarizados. necessrio ter presente que a
questo dos adultos pouco escolarizados um construto social, que varia medida que
surgem alteraes no nvel determinado para a escolaridade obrigatria. Em Portugal, o uso
desta designao surgiu na dcada de 90 e quase sempre associada a perspectiva de dfice. O
discurso mais frequentemente aludido sobre os adultos pouco escolarizados fundamenta-se na
ideia de que se trata de um grupo homogneo, de pessoas iletradas, desempregadas e
excludas. Neste trabalho, considera-se que a designao adultos pouco escolarizados um
construto social, uma tentativa de classificar as pessoas a partir do seu nvel de escolaridade, o
que reflecte e reproduz, desde logo, uma forma de pensar o social atravs da hegemonia do
modelo escolar. Nesta investigao, semelhana do que defende Bernard Lahire (2003a)
recusa-se a perspectiva miserabilista que tende a considerar todas as pessoas com reduzida
escolaridade em situao de dfice, mas tambm no se reconhece a perspectiva populista, que
nega a importncia das competncias de literacia para a vida na sociedade contempornea.
Parte-se do princpio que a categoria social dos designados adultos pouco escolarizados
engloba uma grande heterogeneidade, pois inclui pessoas com idade, nvel de escolaridade,
situao face actividade profissional e competncias de literacia muito distintas, o que torna
incorrectas as generalizaes que se pretendam realizar sobre estes adultos.
Seguidamente identifica-se a estrutura e o contedo da dissertao. O presente
documento est organizado em duas partes: na primeira parte, identificam-se elementos
referentes construo do objecto de estudo e metodologia; na segunda parte, apresentam-se
e analisam-se os dados empricos sobre as ofertas de educao e formao no territrio em
estudo. A primeira parte do relatrio composta por trs captulos. O primeiro captulo centra-se
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na definio da problemtica e na explicitao da metodologia do estudo. Deste modo,
identificam-se os pressupostos epistemolgicos e tericos da investigao, alguns dos conceitos
estruturantes do trabalho, os objectivos e as questes orientadoras da investigao e os
procedimentos metodolgicos (o mtodo e o dispositivo de recolha, tratamento e anlise dos
dados). O segundo captulo explora as orientaes polticas a nvel internacional e nacional,
tendo como dimenses de anlise as duas grandes perspectivas educativas das ltimas trs
dcadas a educao permanente e a aprendizagem ao longo da vida. Visa-se elucidar as
diferenas entre ambas as perspectivas educativas, a sua influncia nas polticas de educao
de adultos, em geral, e em particular, nas dirigidas aos adultos pouco escolarizados; e tentar
perceber de que forma as medidas de poltica internacional se repercutiram a nvel nacional. O
terceiro captulo incide na caracterizao e anlise do grupo social dos adultos pouco
escolarizados e recorre-se a trs tipos de elementos: i) informao estatstica para perceber
elementos como a idade, o nvel de escolaridade e a situao face profisso; ii) anlise de
percursos de vida de alguns adultos entrevistados; iii) aos dados provenientes de estudos sobre
os adultos pouco escolarizados ou as ofertas formativas que lhe so dirigidas.
A segunda parte do relatrio constituda por dois captulos. No primeiro captulo
identificam-se e analisam-se os elementos quantitativos relativos s ofertas mais tradicionais de
educao e formao frequentadas por adultos pouco escolarizados (ensino recorrente, cursos
de educao extra-escolar e formao profissional) e as lgicas de aco que lhe esto
subjacentes. Para analisar as lgicas inerentes s aces de educao e formao de adultos
frequentadas por adultos pouco escolarizados elaborou-se uma tipologia. A tipologia
apresentada constituda por cinco tipos de lgicas: ortopedia social; qualificao individual;
desenvolvimento organizacional; animao/ocupao de tempos livres e interveno
comunitria. Neste captulo analisa-se a influncia das lgicas de aco na organizao e
funcionamento das prticas de educao e formao de adultos e na adeso dos adultos pouco
escolarizados. No segundo captulo da segunda parte so identificadas e caracterizadas as
ofertas mais recentes de educao e formao de adultos pouco escolarizados (cursos EFA e
CRVCC) e o seu impacto na dinmica formativa local. Este captulo centrou-se na anlise do
processo de reconhecimento, validao e certificao de competncias. Exploram-se alguns
elementos, tais como as questes da avaliao, as competncias e as experincias de vida, que
nos ajudam a compreender a complexidade destas novas prticas sociais. Analisam-se tambm
as tenses resultantes da co-presena de duas perspectivas distintas nestas prticas: a
perspectiva humanista e a perspectiva centrada na produo de mo-de-obra qualificada
(gesto de recursos humanos). Tenta-se compreender de que modo esses elementos de
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complexidades e as tenses presentes nos dispositivos influenciam as metodologias e os
instrumentos, a mobilizao dos adultos, os resultados do processo, e a emergncia e/ou
alterao das actividades do profissional de RVC e do formador de RVC. De seguida apresenta-
se a concluso, onde se sistematizam elementos sobre as lgicas de aco inerentes
formao frequentada por adultos pouco escolarizados e sobre o processo de reconhecimento,
validao e certificao de competncias.
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PARTE I CONSTRUO DO OBJECTO DE ESTUDO E METODOLOGIA
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Captulo I
Problemtica e metodologia
1. A problemtica do estudo os adultos pouco escolarizados e a formao
1.1 Pressupostos epistemolgicos
Este trabalho enquadra-se no domnio cientfico das Cincias da Educao e, em
termos tericos, apoia-se num conjunto alargado de contributos das Cincias Sociais, por se
considerar que, mais importante do que estabelecer e definir claramente fronteiras com outras
disciplinas, til e pertinente concentrar esforos na construo de um objecto de estudo
singular e, que simultaneamente, faa apelo ao patrimnio terico e conceptual que tende a ser
comum s vrias cincias sociais (Canrio, 2003, p.8). Para Bernard Charlot (2001) as Cincias
da Educao centram-se no estudo do homem a partir do triplo ponto de vista da sua
hominizao (o tornar-se ser humano), da sua socializao (o tornar-se membro de uma cidade
e mesmo vrias) e da sua personalizao (o tornar-se um ser singular) (p.165), pelo que se
torna fundamental reconhecer a importncia de uma perspectiva interdisciplinar que permita
respeitar, tanto quanto possvel, a complexidade e riqueza dos fenmenos educativos.
Ao longo da investigao considerou-se essencial seguir uma epistemologia da escuta
(Canrio, 2003, p.14), partindo-se do pressuposto que os fenmenos educativos em estudos
constituem um campo de prticas, que so, ao mesmo tempo, atravessados pelo debate
filosfico e poltico (Canrio, 2003, p.15). Nesta investigao, adopta-se uma perspectiva crtica
que visa contribuir para o aumento de lucidez sobre as polticas e prticas educativas,
nomeadamente, as direccionadas para os adultos pouco escolarizados. Parte-se do princpio
que a anlise crtica e a desnaturalizao dos fenmenos educativos esto entre os principais
contributos das Cincias da Educao. As Cincias da Educao podem assumir um papel
muito importante na construo de problemas cientficos sobre o domnio educativo e na
produo de conhecimento nessa rea, o que pode contribuir para um acrscimo de lucidez,
por parte de todos os actores sociais envolvidos no campo da educao (Canrio, 2003, p.20).
A investigao uma tentativa sistemtica de elaborao de respostas s questes
(Tuckman, 2005, p.5), questes, essas, que surgem no mbito de uma problemtica e de um
objecto de estudo. As cincias sociais, nas quais se inscrevem as Cincias da Educao, no
estudam a realidade em si, ou fragmentos dela, mas sim objectos cientficos, construdos pela
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prpria actividade investigativa (Canrio, 2003, p.7). Os objectos de estudo no existem per si,
resultam de um processo de construo que intrnseco a cada processo de investigao e ao
investigador. Ou seja, o investigador constri tcnica e teoricamente o objecto de estudo
(Pires, 1997, p.20). A construo do objecto de estudo est directamente associada
problemtica terica e s questes que esta permite colocar sobre as prticas sociais. A anlise
das prticas sociais implica um processo de construo dos objectos de estudo (Canrio,
1995, p.98), que tem inerente um olhar especfico sobre a realidade, que nunca neutro, pois
depende no ponto de vista do investigador. Deste modo, podemos afirmar que a cada
investigao concreta corresponde um especfico objecto de estudo, construdo com base num
olhar terico particular (entre vrios possveis) sobre um segmento da realidade, recortado de
forma no arbitrria (Canrio, 1995, p.99).
A construo da problemtica e do objecto de estudo, a definio do dispositivo de
investigao e a recolha e anlise de dados so questes interdependentes que constituem um
processo gradual, isto porque o objecto da investigao qualitativa constitui-se
progressivamente, em ligao com o terreno, a partir da interaco com os dados recolhidos e
da anlise que se realiza, e no somente a partir dos elementos tericos sobre o domnio
(Deslauriers e Krisit, 1997, p.92). A construo do objecto de estudo um processo que
acompanha todas as fases da investigao e caracteriza-se por delimitaes sucessivas,
resultantes da escuta permanente e atenta do terreno, do questionamento dos dados e da
reflexo e conceptualizao. A construo do dispositivo da investigao um processo que
constitui um todo, que no pode ser pensado como uma simples sequncia linear de etapas
pr-determinadas (Canrio, 1995, p.106), tornando-se frequente e adequado um movimento em
espiral, marcado por relaes dialcticas entre as vrias etapas. A recolha de dados ao incidir
sobre o contacto com os actores, com a sua experincia e representaes, funciona como uma
fonte para emergncia de novas questes e para a sucessiva delimitao do objecto de estudo.
nesse sentido que se pode considerar que os modos de investigao e as tcnicas de
recolha de informao decorrem, e so parte constitutiva e integrante, do processo de
construo do objecto de estudo (Canrio, 1995, p.106).
Este estudo, na tradio da investigao qualitativa caracteriza-se por apresentar um
carcter iterativo e retroactivo, marcado pela simultaneidade da recolha de dados, anlise e
elaborao das questes de pesquisa (Deslauriers, Krisit, 1997, p.99). Nesta perspectiva, o
investigador assume um papel de bricoleur criativo que tem uma margem de autonomia
considervel para (re)definir e construir em permanncia o objecto de estudo, o qual depende
dos dados recolhidos, da metodologia, do enquadramento terico, mas tambm do campo
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disciplinar em que se enquadra e da influncia dos seus pares. Estes elementos intimamente
associados construo do objecto de estudo so influenciados por questes epistemolgicas,
terico-metodolgicas e pela experincia de vida e valores do investigador. A construo do
objecto de estudo deriva, bastante, da experincia de vida do investigador e do seu
posicionamento perante a cincia e o mundo em que vive. necessrio reconhecer que as
nossas trajectrias de vida, os valores, as crenas e os quadros de referncia que
transportamos so a prova ntima do nosso conhecimento, sem o qual as nossas investigaes
[] constituiriam um emaranhado de diligncias absurdas sem fio nem pavio (Sousa Santos,
2000, p.80).
A investigao que se apresenta resulta da combinao entre a experincia e o
raciocnio, constituindo um processo lgico e sistemtico (Rodrigues-Lopes, 2005), processo
que, no plano epistemolgico, foi marcado essencialmente pelos pressupostos inerentes s
perspectivas fenomenolgica e crtica. A perspectiva fenomenolgica, como o prprio nome
indica, centra-se no estudo dos fenmenos, partindo do pressuposto que estes so construes
que resultam da aco dos actores sociais; entende-se que o mundo social no nos dado,
como postulam os positivistas, mas constantemente construdo pelos actores sociais
(Laperrire, 1997, p.311). Neste caso, a construo dos factos resulta de uma atribuio de
sentido realidade, que mediada pelas nossas referncias tericas, esquemas de
pensamento, experincias, interaces com os outros e com o ambiente. Trata-se de uma
abordagem aberta que, ao defender o carcter construdo dos fenmenos sociais, reconhece o
seu carcter contingencial, a relao dialctica sujeito/objecto e a importncia de no se
estabelecerem hipteses priori. O que justifica uma construo progressiva das hipteses, em
estreita articulao com a recolha e conceptualizao, ao longo da investigao no terreno.
A perspectiva fenomenolgica orientada para a descoberta, o seu objectivo
encontrar o sentido para os dados, a atitude deve ser suficientemente aberta para deixar os
significados imprevistos manifestarem-se (Giorgi, 1997, p.355). A fenomenologia pretende
deixar falar os fenmenos por si (Laperrire, 1997, p.309). Porm, privilegiar o vivido dos
actores sociais para compreender a sua aco no significa que a investigao se centre
necessariamente na descrio minuciosa das aces ou dos fenmenos atravs da sua
observao e captao das dinmicas. Em muitos casos, tal como ocorre nesta investigao,
procura-se privilegiar a aco interpretada quer pelos actores, quer pelo investigador da a
importncia da linguagem e da conceptualizao (Deslauriers e Krisit, 1997, p.90). Os actores
sociais actuam em funo de estmulos e de smbolos, esses smbolos so a linguagem e as
aces dos outros, elementos que os actores sociais definem e interpretam constantemente, de
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uma situao para outra, as suas prprias aces so o resultado dessas interpretaes
(Laperrire, 1997, p.311). A fenomenologia uma perspectiva compreensiva que incide na
interpretao global do significado atribudo pelos actores sociais sua aco, tornando-se
difcil distinguir o que foi observado daquilo que foi interpretado (Mucchielli, 2002, p.34). A
dimenso compreensiva inerente perspectiva fenomenolgica no deve ser percepcionada
como um simples mtodo para captar o sentido da aco individual e colectiva, mas como uma
verdadeira condio ontolgica da vida humana em sociedade (Giddens, 1996, p.34).
Nesta pesquisa, reconhece-se a importncia da perspectiva dos actores sociais na
definio do seu universo social sem, no entanto, se negligenciar a influncia do contexto meso
e macro-social no qual se enquadram as suas aces. Para a compreenso dos fenmenos
sociais necessrio conhecer o contexto no qual estes se inscrevem. Por um lado, porque os
elementos estudados s fazem sentido na sua relao com o todo, por outro lado, porque
necessrio ter em conta complexidade do mundo, no somente ligada multiplicidade de
elementos e sistemas que a esto presentes, mas tambm relativa indeterminao dos
fenmenos e sua evoluo constante, da qual resulta a sua singularidade e diversidade
(Giorgi, 1997, p.372). Para Bachelard (1986), o conhecimento produzido pelo investigador
sempre um conhecimento aproximado, isto porque o saber cientfico est constantemente a
ser reconstrudo. O conhecimento anterior explica o novo e assimila-o, por outro lado, o novo
consolida e organiza o antigo (Bachelard, 1968, p.15). A construo cientfica supe
necessariamente uma deformao da realidade, o que no significa automaticamente uma
deformao da verdade (Sousa Santos, 1987, p.282). A compreenso dos fenmenos, quer
pela observao directa quer pela anlise do discurso dos actores directamente envolvidos,
implica deformaes da realidade, mas pode permitir aproximaes da verdade.
Para Ricoeur, o discurso dos actores sociais tem subjacente um enredo, uma intriga, na
sua perspectiva o discurso construdo posterior para dar sentido aco. A identificao das
lgicas de aco atravs da anlise do discurso dos actores sociais deve ter em ateno esses
elementos, como refere Dortier (2000) a multiplicidade de interpretaes possveis, a
multiplicidade de sentidos escondidos num discurso, numa conversa tornam ilusria a sua
transparncia (p.71). Os actores sociais, ao longo deste trabalho, so entendidos como sujeitos
conscientes, portadores de vontade, de projectos, e dotados de uma conscincia de si,
semelhana da perspectiva defendida por Paul Ricoeur. Ricoeur (2004) destaca a capacidade
de agir, de pensar e de sentir do ser humano, considerando a sua reflexividade como forma de
aco, a qual associa de uma forma dialctica ao reconhecimento. O agir est intimamente
associado ao reconhecimento, e este processa-se em dois sentidos, mantendo sempre uma
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relao dialctica: o reconhecer e o ser reconhecido. A aco, a reflexo e a linguagem so
elementos intrinsecamente ligados pelo que a reflexividade enquanto capacidade distintiva da
espcie humana est integral e intimamente dependente do carcter social da linguagem
(Giddens, 1996, p.34). A linguagem um sistema de sinais que compreende significados e,
nesse sentido, um canal da actividade social prtica diria (Giddens, 1996, p.34).
A noo de aco diz respeito quer ao acto realizado quer ao significado que lhe
atribudo e o significado atribudo s experincias mediado pela reflexo e pela linguagem. A
aco, enquanto experincia subjectiva, implica um olhar reflexivo para o acto pelo autor e
pelos outros, algo que apenas pode ser aplicado retrospectivamente, em relao aos actos
decorridos (Giddens, 1996, p.43). As experincias no so dotadas de significado per si, este
construdo retrospectivamente pelos actores, atravs da sua reflexo e discurso sobre a aco,
pressuposto que orientou esta pesquisa. A perspectiva fenomenolgica atribui uma importncia
capital ao sujeito (sujeito experiencial), no entanto, no lhe confere um estatuto de actor. A
etnometodologia, embora influenciada pela fenomenologia, apresenta a esse nvel com um
contributo original, porque percepciona o sujeito como actor. Este entendido, em simultneo,
como objecto de investigao e como sujeito que age, institui, aceita, e capaz, ao mesmo
tempo, de conscincia e de transformao (Mucchielli, 2002, p.12), ideias que se reflectiram e
influenciaram esta investigao. O estudo das lgicas de aco inerentes formao de adultos
baseado nos dados recolhidos juntos dos actores locais, com inspirao na perspectiva
etnometodologica, tenta-se compreender o modo como as pessoas percebem, explicam e
descrevem a ordem do mundo em que habitam (Bogdan e Biklen, 1994, p.60).
A perspectiva de Habermas, herdeiro da Escola de Frankfurt, sobre a hermenutica e a
teoria crtica foram tambm fontes de inspirao nesta investigao, considerando-se
principalmente o seu contributo na teorizao sobre a compreenso da aco humana, da
linguagem, enquanto expresso do ser humano no mundo e da emancipao como processo de
libertao dos indivduos da dominao: no s da dominao dos outros, mas tambm da
dominao de foras que no entendem ou controlam (Giddens, 1996, p.77). Habermas (1987)
apresentou uma tipologia com quatro modelos de aco: o agir teleolgico; a concepo
axiolgica; a lgica dramatrgica e o agir comunicacional. Estes quatro modelos, que se
manifestam em articulao na vida diria, permitem compreender as vrias formas de
racionalidade da aco humana. Para Habermas (1987), assumir o outro como sujeito, e no
como objecto, o que distingue o agir comunicacional de uma manipulao, nesse sentido o
agir comunicacional estruturante para a integrao social, a democracia e a emancipao. Os
actores sociais intervm no mundo que os rodeia e por via da reflexo e do agir comunicacional
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constroem um sentido para a sua aco, so reconhecidos pelas suas aces e reconhecem-se
a si prprios enquanto intervenientes activos.
Reconhecer que a reflexo e o agir comunicacional so aspectos inerentes ao ser
humanos significa admitir que todas as pessoas, independentemente do seu nvel de
escolaridade, so actores sociais, antes de mais porque so actores da sua prpria vida e do
seu processo de aprendizagem. O que tambm implica admitir que o investigador um
interveniente activo na vida social e no pode limitar-se a observar e a descrever do exterior os
comportamentos sociais. O investigador de cincias sociais membro de uma comunidade e
no pode abstrair-se da sua participao, o que significa que, independentemente do seu
objecto de estudo e da sua metodologia, o trabalho que desenvolve afecta-o a si prprio, os
outros e o mundo no qual participa (Schurmans, 2006, p.41). Ao longo desta investigao
adoptou-se, sobretudo, uma postura de escuta atenta aos actores sociais contactados no
territrio em estudo, e no houve a preocupao de manter um distanciamento dos actores e
das suas prticas, com o pretexto de uma pretensa objectividade. Pelo contrrio, optou-se por
uma estratgia de escuta dialogante, assumindo-se que os momentos de realizao das
entrevistas, das conversas informais, das observaes constituem prticas sociais, em que o
investigador interage com os interlocutores, e que quanto mais rica essa interaco mais
possibilidades tem de aceder a informao que lhe permita compreender a diversidade, a
riqueza e a complexidade das prticas sociais em estudo. No caso dos CRVCC optou-se, em
alguns momentos, por uma postura de cooperao. medida que se analisaram os dados
recolhidos, estes foram facultados aos interlocutores entrevistados por se considerar que
poderia ser til e pertinente para as equipas ter acesso a elementos de conceptualizao sobre
as suas prticas.
1.2 Pressupostos tericos
Explicitam-se aqui alguns dos pressupostos tericos orientadores deste trabalho de
investigao, numa tentativa de demarcar o ponto de vista a partir do qual se observaram e
analisaram os dados empricos, embora se reconhea que este esforo de explicitao ser
sempre incompleto porque o saber resultante das nossas trajectrias e valores, do qual
podemos ter ou no conscincia, corre subterrnea e clandestinamente, nos pressupostos no
ditos do nosso discurso cientfico (Sousa Santos, 2000, p.80). Num contexto histrico em que
prevalece a perspectiva da aprendizagem ao longo da vida, marcada pela subordinao
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funcional da educao e formao racionalidade econmica, considera-se essencial
compreender as consequncias de tal perspectiva nas polticas e prticas de educao e
formao de adultos, especialmente, dos adultos pouco escolarizados.
Nesta investigao est subjacente a ideia de que o problema dos no escolarizados
no corresponde a um dado mas sim a um construdo histrico que exprime uma determinada
maneira de equacionar as questes educativas (Canrio, 2001b, p.88). A construo social
deste problema, em que se opem os muito escolarizados dos pouco ou nada escolarizados
resulta, por um lado, de um optimismo ingnuo relativamente s virtudes da escolarizao e,
por outro lado, de um olhar estigmatizante sobre os que no frequentaram ou abandonaram
precocemente a escola (Canrio, 2001b, p.88). Deste modo, pode afirmar-se que a construo
social do problema dos adultos pouco escolarizados tem subjacente dois pressupostos: o
primeiro baseia-se no princpio de que a educao se reduz ao ensino, o que resulta da
hegemonia do modelo escolar e de uma aceitao, de certo modo acrtica, do fenmeno da
escolarizao; e o segundo, estritamente relacionado com o anterior, consiste em considerar
os adultos pouco escolarizados numa situao de dfice, a colmatar atravs de uma oferta de
natureza escolar (Canrio, 2001b, p.85).
A construo do problema dos adultos pouco escolarizados corresponde a
categorizao do social e os processos que categorizam, avaliam, julgam, frequentemente
tambm estigmatizam (Lahire, 2003a, p.14). Bernard Lahire (1999) defende que no possvel
a evoluo do conhecimento cientfico sobre a iliteracia sem antes se proceder a uma
desconstruo do discurso social e cientfico, predominante nas ltimas dcadas, sobre esta
matria, o que tambm vlido para a questo dos adultos nada ou pouco escolarizados. A
desconstruo de um problema social visa perceber em que medida esse problema` e o
discurso que se tem sobre ele impedem de pensar e imaginar outros problemas` e outras
formas de os colocar, neste sentido que se considerar que um problema constitui um
obstculo ao aparecimento de outras alternativas (Lahire, 1999, p.23). O investigador no se
deve esquecer que a realidade social no coincidente com o discurso tcnico, poltico ou
meditico sobre a mesma. Cabe-lhe a si, desconstruir o discurso dominante para conseguir
construir outro olhar sobre os fenmenos sociais.
O discurso sobre estes fenmenos sociais tem, normalmente, como referncia nica os
saberes escolares, ou seja, uma viso escolar do mundo social (Lahire, 2003a, p.26) que
podemos designar de etnocentrismo cultural. Este etnocentrismo cultural resulta da hegemonia
da cultura letrada e da, consequente, negao e falta de reconhecimento de saberes resultantes
de outras formas culturais. Para se materializar a desconstruo social do fenmeno dos adultos
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pouco ou nada escolarizados fundamental edificar um certo distanciamento face a esta forma
de colocar o problema, o que exige uma anlise crtica da forma escolar. fundamental
reconhecer que a emergncia da escola um facto social muito recente na histria da
Humanidade. Todavia, a rpida expanso da escolarizao e a contaminao de modalidades
educativas no formais pela forma escolar so factores que contriburam para a desvalorizao
de outras modalidades educativas e dos adquiridos experienciais. Segundo Ivan Illich (1971) a
escola, enquanto instituio, assumiu o monoplio institucional da educao, o que resultou na
desvalorizao das aprendizagens realizadas fora da escola. Neste contexto, as prprias
pessoas interiorizaram, progressivamente, o sentimento de incapacidade de aprender fora do
sistema escolar. A afirmao do modelo escolar produziu-se custa de uma ruptura com
modalidades de aprendizagem experiencial (Canrio, 2001b, p.87) e com as experincias dos
aprendentes. A partir da 2 Guerra Mundial a expanso da oferta escolar conduziu a torn-la
extensiva aos pblicos adultos no escolarizados que passaram a ser percepcionados, escala
planetria, como um problema e um obstculo ao desenvolvimento (Canrio, 2001b, p.86), e
nesse sentido que a nula ou baixa escolaridade encarada como um deficit a preencher
(Canrio, 2001b, p.88).
A construo social do problema foi orientada para um discurso que, ao tentar alertar e
evidenciar a importncia da interveno junto dos adultos pouco ou nada escolarizados,
contrariamente quilo ao que se pretendia, contribuiu para a estigmatizao dessas pessoas e
para orientar a aco numa lgica de correco do dfice, o que explica, em grande medida, a
ineficcia da maioria das polticas e prticas que lhe tm sido dirigidas. tambm nesse sentido
que se pode afirmar, que a construo do problema social da iliteracia tem contribuido para
estigmatizar, quando se pretendia apenas denunciar (Lahire, 2003a, p.26). O discurso sobre os
iletrados, analfabetos ou pouco escolarizados assenta sobretudo em ideias negativas,
descontextualizadas e abusivamente generalizadas (Lahire, 1999, p.228). As pessoas nestas
condies so, normalmente, percepcionadas pela ausncia de saberes, competncias e
capacidades, sempre a lacuna () que se apresenta como a fonte de dificuldades com as
quais estes se deparam nas diversas situaes sociais e no a lgica dessas mesmas
situaes (Lahire, 1999, p.25).
No discurso sobre a iliteracia predomina uma perspectiva miserabilista. Alain Bentolila
(1996) no livro intitulado De lIlletrisme en gnral et de lcole en particulier adopta uma
perspectiva miserabilista sobre os iletrados. Para Bentolila (1996) a iliteracia est associada
quase totalidade de calamidades sanitrias e sociais, ningum duvida que ele surge conjunta e
frequentemente com terrveis misrias afectivas e com graves dificuldades psicolgicas (p.15).
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Segundo este autor, a iliteracia uma situao de insegurana lingustica global; a iliteracia
acompanha, alimenta e refora a excluso, contendo no seu interior a agressividade e a
violncia (p.64). Este tipo de discurso sobre a iliteracia no se centra nas desigualdades de
acesso escrita (consumo e/ou produo), mas sim nos elementos ticos, de poder, de
felicidade, de dignidade, de desenvolvimento, de autonomia, de cidadania, de democracia, de
humanidade ou de violncia (Lahire, 1999, p.16). Como destaca Bernard Lahire (1998)
necessrio reconhecer que os iletrados no vivem necessariamente com vergonha, por um lado,
graas aos efeitos de solidariedade dos amigos e, por outro lado, porque no esto em contacto
permanente com situaes que exigem o domnio de competncias de leitura e escrita.
O problema social dos adultos pouco escolarizados deve ser estudado sob diferentes
olhares, numa tentativa de leitura crtica das suas vrias dimenses. Considera-se que atravs
do trabalho emprico circunstanciado possvel compreender que os adultos pouco
escolarizados, em certas situaes, evidenciam um conjunto de dificuldades na resoluo de
problemas do seu a dia-a-dia, e em outras situaes conseguem superar os efeitos da
dominao cultural. O investigador no se deve colocar numa posio que consiste em dizer que
os adultos pouco escolarizados, em geral, e os iletrados, em particular, so constantemente
vtimas da dominao cultural e que se deparam, a todo o momento, com problemas que no
conseguem resolver, mas tambm no pode adoptar uma atitude populista e demaggica. Ao
eleger esta perspectiva o investigador considera os iletrados como pessoas to cultas como
os outros, ultrapassando os problemas e desafios com os quais se deparam ao longo da vida,
graas a estratgias diversas (Lahire, 2003a, p.26). No primeiro discurso, adopta-se uma
perspectiva legitimadora e miserabilista; no segundo, opta-se por uma perspectiva relativista,
quer uma quer outra pecam por excesso de zelo e generalizao (Lahire, 2003a, p.26). Para a
desconstruo do discurso social sobre os adultos pouco escolarizados essencial a realizao
de estudos empricos que nos permitam compreender, por um lado, quem so os adultos pouco
escolarizados, os seus percursos de vida, saberes e projectos e, por outro lado, como se
estrutura e dinamiza a oferta de educao e formao que lhes dirigida ou qual aderem.
O discurso social e poltico tem vindo a basear-se no pressuposto que os adultos nada
ou pouco escolarizados no estariam em condies de assegurar a sua insero social e
profissional e de contribuir para o desenvolvimento do pas. Este tipo de discurso baseado no
dfice, inspirado na Teoria do Capital Humano, estabelece uma relao linear e directa entre
qualificao escolar, emprego e desenvolvimento, que marca uma abordagem economicista, e
portanto redutora, deste fenmeno (Canrio, 1999, p.54). Nas ltimas dcadas, tornou-se
evidente que essa relao linear e directa no existe, o aumento generalizado das qualificaes
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escolares concomitante com o crescimento do desemprego como fenmeno estrutural de
massas, com a precariedade dos vnculos laborais e com o agravamento das desigualdades e
da excluso social (Canrio, 2005, p.1-2). A perspectiva antes referida, para alm de contribuir
para a estigmatizao social dos adultos pouco ou nada escolarizados, teve consequncias na
instrumentalizao da educao de adultos que passou a estar estreitamente ligada
economizao` da vida social (Finger e Asn, 2003, p.116), enquanto instrumento adequado e
privilegiado para aumentar a competitividade do indivduo e da organizao, ou seja, para
sustentar o turbo-capitalismo. Nesse sentido, defende-se que a educao de adultos deve ser
assumida na sua dimenso poltica e ideolgica. A alfabetizao e educao de base de adultos
tm um carcter eminentemente poltico e a construo cientfica do problema deve considerar
que a ineficcia das polticas e prticas neste domnio foram, na maioria das vezes, decorrentes
de constrangimentos diversos e no somente tcnicos, como frequentemente se tentou
evidenciar. Assumir a ligao entre a educao de adultos e o modelo de desenvolvimento
econmico implica admitir a sua importncia no controlo social e na gesto das relaes de
poder. As polticas e prticas de alfabetizao e de educao de base pautaram-se, com
frequncia, na opo entre duas estratgias: Excluir da educao a maioria da populao para
melhor a controlar? Ou control-la melhor atravs de uma incluso macia na (e pela)
educao? (Melo, 2004a, p.11).
O problema do analfabetismo e do reduzido nvel de escolaridade dos adultos
complexo e no se pode reduzir sua dimenso tcnica e estatstica. Pelo contrrio,
fundamental uma desconstruo deste problema social e para isso tem de se operar uma
ruptura epistemolgica relativamente s noes fundamentais do saber, do Estado e do
desenvolvimento (Parajuli, 1990, p.322). Isto porque a alfabetizao e a educao de base so
o resultado de uma rede complexa de tenses contraditrias entre saber e poder, entre o Estado
e as populaes marginalizadas pelas polticas de desenvolvimento (Parajuli, 1990, p.322). As
polticas e prticas de alfabetizao e de educao de base enquadram-se, na maioria das
vezes, em estratgias de multiplicao e refinamento dos dispositivos de classificao dos
indivduos que os envolvem num processo de estigmatizao que, paradoxalmente, se legitima
atravs de uma narrativa` que afirma ocupar-se da sua incluso respeitando a sua diversidade
(Correia e Caramelo, 2003, p.172). Tais polticas e prticas baseiam-se no pressuposto da
ignorncia e incapacidade dos destinatrios, o que se traduz num processo que deslegitima os
saberes destes adultos. Para ultrapassar esta situao necessrio redefinir a identidade dos
portadores do saber, de maneira a reconhecer e validar a produtividade simblica de cada um
dos actores da sociedade (Parajuli, 1990, p.322).
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Ao longo deste trabalho defende-se a superao crtica do modelo escolar o que exige a
revalorizao epistemolgica da experincia dos indivduos e a valorizao das modalidades de
educao no formal e informal. Quando se tem por objectivo atrair os chamados no pblicos
da educao-formao, que na sua maioria foram rejeitados pela escola ou a rejeitaram, ser
inconcebvel basear-se um sistema de aprendizagem de adultos no figurino escolar (Melo,
2004a, p.13). Esta mudana fundamental para alterar a situao actual. As polticas de
educao-formao dirigidas aos adultos pouco escolarizados tm vindo a basear-se na
naturalizao da escolarizao e do modelo escolar, supondo que esta a nica forma de
aprendizagem e que apenas so vlidos os saberes adquiridos por essa via. Esta perspectiva
tem contribudo para a ineficcia das prticas de educao de adultos de carcter formal e para
distanciar os adultos pouco escolarizados da formao, o que est na origem de um paradoxo:
as prticas educativas e formativas orientadas para os adultos pouco escolarizados tm
contribudo para que estes reforcem uma ideia negativa da formao e do saber.
A desconstruo do discurso social sobre os adultos nada ou pouco escolarizados
exige a revalorizao epistemolgica da experincia e o reconhecimento da diversidade de
modalidades educativas. As polticas e prticas dirigidas aos adultos pouco escolarizados devem
ter em conta os saberes de que estes adultos so portadores, que normalmente so saberes
contextualizados e indispensveis sua sobrevivncia, os quais Parajuli (1990) designa por
saberes de sobrevivncia (p.326). Estes saberes de sobrevivncia no se limitam a refutar o
carcter redutor do saber desenvolvimentista, eles propem tambm sistemas de conhecimento
pertinentes, reclamando princpios ecolgicos diferentes (Parajuli, 1990, p.326). Para este
autor, um programa de alfabetizao e de educao de base deve ter em conta e experincia
dos analfabetos [e pouco escolarizados] recorrendo a modos alternativos de produo e de
validao do saber (Parajuli, 1990, p.331). Os adultos pouco escolarizados so portadores de
um conjunto de saberes, provenientes da sua experincia, que deve ser valorizado e
considerado como o principal recurso nos processos educativos-formativos que lhe so
direccionados; a sua experincia deve ser entendida como um factor de facilitao de
aprendizagens e no um obstculo, como fazem supor as formaes inspiradas no modelo
escolar.
Neste caso, considera-se indispensvel a valorizao dos saberes experienciais para
que ocorra a produo de novos saberes por parte dos adultos, o que implica articular uma
lgica de continuidade (sem a referncia experincia anterior no h aprendizagem), com uma
lgica de ruptura (a experincia s formadora se passar pelo crivo da reflexo crtica)
(Canrio, 1999, p.111). As prticas educativas e formativas dirigidas aos adultos pouco
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escolarizados devem basear-se na produo de saberes, instituindo os aprendentes como
autores, e na alternncia entre o experiencial e o simblico, de forma a permitir, ao mesmo
tempo, aprender com e contra a experincia (Canrio, 2003, p.205). Este tipo de alternncia
baseada, simultaneamente, na continuidade e na ruptura com a experincia dos aprendentes
possibilita, por um lado, a valorizao dos seus saberes, o que fundamental para que fiquem
motivados e atribuam um sentido formao e, por outro lado, facilita a (re)elaborao da
experincia e o contacto com novos saberes que se integram e contribuem para a evoluo do
seu conhecimento.
O conhecimento sobre os adultos pouco escolarizados no passa unicamente pela
anlise estatstica, esta sempre descontextualizada e no permite perceber as especificidades
individuais. Considera-se, por isso, indispensvel contactar directamente com os adultos nessa
situao, conhecer os seus percursos e projectos de vida, a sua relao com o saber e com a
formao formal. Isto porque as propriedade que so atribudas aos seres para que eles
possam ser gerveis nem sempre so coincidentes com as propriedades que lhe so atribudas
para os tornar cognoscveis (Correia e Caramelo, 2003, p.172). Os adultos pouco escolarizados
contactados no mbito da presente investigao so indivduos inseridos socialmente e, em
alguns casos, profissionalmente, e procura-se compreender os seus percursos de vida e os
processos de formao experiencial. A auscultao de adultos pouco escolarizados permite
aceder a elementos sobre os seus saberes e processos formativos e sobre a percepo e
apropriao das prticas educativas formais, o que fundamental para compreender as
potencialidades e fragilidades que lhes esto associadas, assim como o impacto dessas
dinmicas na sua vida.
fundamental proceder-se anlise crtica das polticas e prticas dirigidas aos adultos
pouco escolarizados, no sentido de compreender se esto a servir os seus interesses e a
respeitar a especificidade dos seus saberes ou se, pelo contrrio, contribuem para a negao
dos mesmos e para a estigmatizao. Na presente investigao no se pretende pr em causa a
pertinncia e utilidade da escolarizao, em geral, e da alfabetizao e educao de base, em
particular, mas considera-se fundamental submeter a uma anlise crtica a forma escolar, a sua
naturalizao e hegemonia para compreender, o modo, como se tem vindo a construir
socialmente o problema dos adultos pouco escolarizados. Defende-se que a questo da literacia
e da importncia da escola se deve colocar num plano educativo mais vasto, em que se
reconhea a diversidade de modalidades educativas (formal, no formal e informal), a
pertinncia da sua complementaridade e a educao como um processo que mais do que
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adaptativo e orientado para o consumo do saber deve ser orientado para a reflexo, a
interveno, a transformao/mudana e a construo de saber.
As polticas e prticas de alfabetizao e educao de base de adultos devem inspirar-
se nos princpios da educao de adultos defendido por Illich, ou seja: a aprendizagem, por
oposio a escolarizao; a convivialidade, por oposio a manipulao; a responsabilizao,
por oposio a desresponsabilizao; e a participao, por oposio a controlo (Finger e Asn,
2003, p.23). nesse sentido que se advoga que as polticas e prticas de educao e formao
de adultos, em geral, e as direccionadas para os adultos pouco escolarizados, em particular,
devem ser estruturadas como respostas a questes emergentes de projectos individuais ou
colectivos que os adultos vivam intensamente (Melo, 2004a, p.14). Ou seja, parte-se do
princpio que o papel central da educao e formao consiste, ento, em ajudar a
problematizar (Canrio, 2001b, p.96) e a construir o futuro, o que implica uma aprendizagem
orientada para a leitura crtica do mundo e para a sua transformao. S nestas condies
possvel passar da escolarizao para a educao (Canrio, 2001b, p.96). No caso dos adultos
nada ou pouco escolarizados, a oferta de educao e formao por si s no gera a procura, o
que nos possibilita compreender a enorme diferena entre o potencial de procura e a procura
real. A maioria destes adultos constitui assim os designados no pblicos da educao e
formao de carcter formal. Para contornar esta situao e atrair este vasto no pblico
fundamental a reinveno de novas polticas e dinmicas educativas e formativas, no que se
refere aos espaos, tempos e ritmos, contextos, percursos, procedimentos, assuntos, mtodos,
agentes e agncias (Melo, 2004a, p.13).
Neste trabalho considera-se que as perspectivas da educao permanente e da
aprendizagem ao longo da vida so muito distintas, nos pressupostos e valores, embora os
defensores desta ltima tentem difundir uma ideia de continuidade entre ambas as perspectivas.
Deste modo, torna-se oportuno revisitar criticamente os ideais da educao permanente, nas
suas dimenses tica, politica e social, para que se possa negar a aparente continuidade e pr
em evidncia a ruptura existente entre as duas concepes (Canrio, 2003, p.191). A
perspectiva da educao permanente inspirava-se em trs pressupostos sobre a educao: a
diversidade, a continuidade e a globalidade. Nesta perspectiva, a educao percepcionada
como um processo de aprender a ser, o que a torna indissocivel de elementos filosficos e
polticos. Todavia, a concepo de pessoa e de sociedade que lhe estavam inerentes, assim
como os pressupostos em que se baseava foram, nos ltimos 40 anos, progressivamente
alterados, tratou-se de uma eroso progressiva e continuada das referncias iniciais da
educao permanente o que conduziu sua perverso (Canrio, 2003, p.193). Os argumentos
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que fundamentam a perspectiva da aprendizagem ao longo da vida so de natureza
diferenciada, mas, no essencial, orientados para uma mesma lgica: a subordinao funcional
das polticas de educao e de formao racionalidade econmica dominante (Canrio, 2003,
p.195).
A perspectiva da aprendizagem ao longo da vida baseia-se no pressuposto da
responsabilizao individual. A educao tida como um direito, mas tambm como um dever
que cada um deve assumir, enquanto responsvel pelo seu sucesso e insucesso, numa lgica
de gesto de si. No contexto actual em que predomina a perspectiva da aprendizagem ao
longo da vida, a racionalidade econmica e instrumental est to difundida como a
individualizao dos percursos de vida e a responsabilidade privatizada de construir biografias
significativas (Finger e Asn, 2003, 118). Esta nova perspectiva educativa assenta no
individualismo o que permite acusar a vtima` tida por nica responsvel pela sua prpria
desgraa, recomendar-lhe o self-help (Bourdieu, 1998, p.9-10). A perspectiva da aprendizagem
ao longo da vida visa promover a adaptao e contribui para a resignao face situao social,
econmica e poltica, uma concepo educativa que retira educao, como aventura
humana de conhecer e transformar o mundo, o material essencial de que esta se alimenta: o
sonho, a utopia e o projecto (Canrio, 2003, p.205). tambm nesse sentido que se pode
afirmar que a educao de adultos agora um produto da sociedade muito mais do que uma
fora motriz da sua transformao (Finger e Asn, 2003, 118). A perspectiva da aprendizagem
ao longo da vida apoia-se num discurso poltico e ideolgico, tem inerente uma perspectiva de
sociedade e de homem, e muito importante tentar perceber os fundamentos que lhe esto
subjacentes. A aprendizagem ao longo da vida uma das retricas mais insistentes dos ltimos
anos (Nvoa e Rodrigues, 2005, p.12), o que refora a importncia de se analisar criticamente
o discurso que lhe est subjacente para o desconstruir e desnaturalizar. Esta nova perspectiva
educativa enquadra-se num modelo social que tem contribudo para que a vida se torne numa
capitalizao econmica do self (Rose, 1999). Perante esta situao interessa-nos
compreender de que modo a evoluo dos fundamentos e pressupostos inerentes s duas
perspectivas educativas, antes mencionadas, se reflecte nas polticas pblicas de educao de
adultos a nvel nacional e nas lgicas de aco dos actores locais, assim como na adeso
formao, por parte dos adultos pouco escolarizados.
Num contexto caracterizado pela revalorizao do local, traduzido num discurso poltico
em que se reconhece a importncia das polticas educativas territorializadas, importa saber de
que modo se concretiza esta directiva no mbito das polticas de educao e formao de
adultos, nomeadamente, das dirigidas aos adultos pouco escolarizados. O local que havia ficado
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durante algumas dcadas escondido perante a centralidade do nacional torna-se numa escala
e num operador ideolgico central na administrao dos problemas sociais (Correia e
Caramelo, 2003, p.174). Interessa-nos perceber se o discurso sobre a revalorizao do local e
da territorializao orientado para a promoo das relaes de proximidade e das lgicas
comunitrias e neste caso, estamos na presena de um novo paradigma poltico-cognitivo;
ou se, pelo contrrio, estamos perante uma reactualizao do antigo paradigma, num contexto
onde se reconhece a ingovernabilidade dos sistemas sociais a partir da sua gesto
monocentrada (Correia e Caramelo, 2003, p.168). A revalorizao do local e das polticas
territorializadas visa principalmente garantir a eficcia da gesto dos problemas sociais. nesse
sentido que se justifica a aposta nos dispositivos de desconcentrao do Estado, o
relanamento da actividade normativa sobre os fenmenos territoriais, o desenvolvimento de
um conjunto de instrumentos que tm conduzido perda da autonomia financeira dos actores
locais, e a aposta em modalidades de financiamento mais volteis (Correia e Caramelo, 2003,
p.174). As entidades do terceiro sector seguiram, tendencialmente, um processo de
institucionalizao e de normalizao e funcionam numa grande dependncia financeira do
Estado, o que, em muitos casos, inviabiliza a definio de programas de interveno prprios,
orientados para uma perspectiva crtica e de mudana social. Estas entidades procuram orientar
a sua interveno para domnios onde possvel aceder a fundos financeiros, que lhes garantam
a sobrevivncia, o que justifica uma interveno mais funcional e instrumental, em que os ideais
de democracia radical e de mudana social cedem lugar a objectivos de ndole assistencialista
ou de ajustamento (Lima, 2005, p.54).
A perspectiva do local, que se imps durante os anos 60 e 70, fundamentou a
interveno nas especificidades e potencialidades dos territrios, numa relao de conflito com o
Estado-Nao. Esta perspectiva contrasta com a actual revalorizao do local em que ocorre
uma aproximao dos mecanismos de controlo e normalizao do Estado s comunidades,
baseados numa ideologia do dfice e numa interveno orientada para a ortopedia social. A
perspectiva de revalorizao do local tem subjacente um certo bucolismo do local rural o que
contribui para reforar a interveno baseada em projectos que o inibem de se afirmar como
projecto de relao social alternativa (Correia e Caramelo, 2003, p.177). Nesta investigao,
opta-se por um estudo territorial para compreender as lgicas de aco dos actores locais,
embora se considere que a sua interveno resulta mais da implementao de polticas
centralmente definidas do que de aces localmente negociadas e construdas. A anlise das
prticas de educao de adultos num determinado territrio pode-nos permitir a identificao de
aces direccionadas para adultos pouco escolarizados que, pela sua metodologia, dinmica e
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resultados se apresentam como exemplos positivos e inovadores, atravs dos quais podem
surgir contributos relevantes para reequacionar as estratgias de interveno junto deste tipo de
pblico.
Atravs do estudo de prticas tenta-se tambm identificar e perceber as que possuem
elementos portadores de futuro (Canrio, 2000a, p.134). As polticas e prticas de educao de
adultos assentes no reconhecimento, validao e certificao de competncias so inovadoras e
muito pertinentes porque esto fundamentadas na revalorizao epistemolgica da experincia
dos adultos. Deste modo, tm subjacentes uma perspectiva do saber e dos adultos pouco
escolarizados, o que se considera muito relevante e nos interessa aprofundar neste trabalho. Os
dispositivos de reconhecimento, validao e certificao de competncias deram lugar a novas
prticas sociais de educao de adultos que podem contribuir para um melhor conhecimento dos
adultos pouco escolarizados e da natureza dos saberes experienciais, assim como para
mobilizar estes adultos para os processos de aprendizagem formais. A identificao,
caracterizao e anlise de prticas educativas e formativas autogeridas pelos actores locais no
domnio da educao de adultos, podem constituir contributos importantes para construir um
referencial cognitivo e uma aco social e poltica preocupados com uma reabilitao do local e
do comunitrio que confiram centralidade s periferias (Correia e Caramelo, 2003, p.169). As
intervenes territoriais autogeridas pelos actores assentam numa lgica em que a educao e
formao so eixos estruturantes no desenvolvimento dos projectos e na resoluo dos
problemas das comunidades, interveno esta que necessariamente educativa e formativa
para as populaes envolvidas. neste sentido que se pode afirmar que os processos de
interveno local so, na sua essncia, dinmicas educativas e formativas capazes de colocar o
enfoque nos processos de aprendizagem, valorizando os conhecimentos experienciais e a
interaco colectiva na resoluo dos problemas locais (Canrio, 1999, p.66).
1.3 Termos e conceitos a definio (im)possvel
O termo adulto um constructo social que tem vindo a registar, ao longo dos tempos,
algumas flutuaes de sentido. Embora no se pretenda aprofundar esta temtica, no presente
trabalho, considera-se importante identificar alguns elementos que nos permitam perceber que o
conceito e a representao social do adulto, em termos cientficos, so, actualmente, domnios
em que as interrogaes e debates predominam sobre as certezas. Para Boutinet (1999)
podemos considerar trs temporalidades significativas na vida adulta: i) o jovem adulto (20-25
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anos) que constitui uma primeira fase da vida adulta que ocorre quando as pessoas transitam
para a vida profissional e, progressivamente, constroem a sua maturidade e actualizam as suas
potencialidades; ii) o adulto-intermdio (45-55 anos) corresponde fase intermdia da vida
adulta, ocorre quando as pessoas j empreenderam um conjunto de experincias profissionais,
sociais e familiares e esto dispostas a reinvestir essas experincias em novos projectos para
rentabilizar o que j adquiriram e aproveitar o tempo que ainda resta, fazem a seleco do que
consideram mais importante, porque tm noo que o tempo de vida j no lhes permite tudo
fazer; iii) o adulto-maduro a fase que antecede a entrada na velhice. Neste caso, o adulto est
preocupado com o domnio das situaes e com a perfeio das suas aces, uma fase de
balanos e de consolidao de projectos. Nas sociedades contemporneas, a definio legal de
entrada na idade adulta, embora varivel, situa-se entre os 16 e os 21 anos. A maioria dos
pases estabelece os 18 anos, o que o caso de Portugal. O termo de adulto ambguo porque
varia no s entre pases e culturas diferentes como tambm no interior de uma cultura e
contemporaneamente, consoante os contextos de vida, os domnios de experincia em que se
aplica e no tanto apenas em funo da idade biolgica dos sujeitos (Imaginrio et al., 1998,
p.35). Estas variaes no entendimento do que um adulto resultam do facto do termo ser
definido como base em variveis muito distintas: idade cronolgica/biolgica, situao
profissional. Porm, a flutuao no sentido do termo adulto tambm est directamente
relacionada com as prprias evolues sociais. O termo adulto regista alguma flutuao, no s
no que respeita idade de referncia tida como adequada, mas tambm na prpria
representao sobre esta fase da vida. Como afirma Boutinet (1999, p.173) podem-se considerar
trs tipos de representaes sobre o adulto: i) uma representao de adulto-referncia, baseada
na imagem do adulto como algum maduro, estvel e que funcionava como a norma de
referncia para as restantes idades da vida, perspectiva que foi predominante entre 1950 e 1965;
ii) uma representao de adulto-perspectiva que permite desconstruir a imagem do adulto-
referncia, pois reconhece-se o inacabamento, a pluralidade e o carcter dinmico associado a
este momento da vida, assim como a maturidade e as potencialidades, representao que
predomina entre 1965 e 1980; iii) uma representao de adulto-problema em que se assume a
presena de imaturidade, de conflitos, de crises, de transies e incerteza na idade adulta. Fala-
se da diversidade de percursos e do carcter catico dos itinerrios, assume-se a complexidade
e instabilidade como caractersticas deste perodo que corresponde maior parte temporal da
vida das pessoas.
Ao considerarmos a idade como referncia para a definio de adulto, subentendendo-
se que a idade cronolgica pode servir de indicador para inferir/induzir o grau de maturidade das
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pessoas, percebe-se, que em funo dos domnios de referncia, assim podem ocorrer
flutuaes. Ou seja, se considerarmos a maturidade jurdica podemos ter como referncia uma
idade; se considerarmos a maturidade profissional assumimos outra, e se optarmos pela
maturidade psicolgica podemos adoptar outra idade de referncia. Ser adulto uma questo de
idade, mas tambm de experincia, o que nos permite perceber as flutuaes do entendimento
do adulto, e esses factores, para alm distintos entre as vrias culturas, tambm se alteram
medida que ocorrem as mudanas sociais. Phillipe Carr (2007) chama a ateno para a
flutuao do conceito de adulto em que as dificuldades surgem na definio e estabilizao do
limite de idade mnimo para se ser adulto, mas tambm na definio de um limite mximo. O
autor, com base num estudo que realizou em Frana, percebeu que, em determinadas
empresas, uma pessoa com 45 anos considerada snior, quando a nvel cientfico se tem
vindo a considerar que essa idade corresponde a uma fase de adulto-intermdio ou adulto de
meia-idade. Carr (2007) no estudo supracitado assume como principal referncia a situao
profissional e considera 4 fases: a fase da chegada idade adulta que tem como referncia os
25 anos; a fase mdia (meia-idade) que ocorre por volta dos 40 anos; a fase snior que ocorre
por volta dos 55 anos e a fase da reforma, a partir dos 70 anos. O conceito de adulto ao ter como
referncia diversos critrios, no apenas a idade mas tambm a finalizao dos estudos, a
insero na vida activa e a reforma, altera-se consideravelmente com as evolues sociais
devido s repercusses que estas tm nesses mesmos domnios. Tendo em conta os elementos
identificados podemos colocar um conjunto de questes: Sai-se algum dia da idade adulta? De
que forma? Os idosos fazem parte do grupo dos adultos ou so um grupo distinto?
As polticas pblicas de educao e formao de adultos em Portugal reflectem tambm
esta flutuao em torno do conceito de adulto, para o que bastar recordar as diferenciaes
que ocorrem quando tais polticas so tuteladas pelo Ministrio da Educao ou pelo Ministrio
do Trabalho (Imaginrio et al., 1998, p.35). No ensino recorrente, subsistema de educao de
adultos tutelado pelo Ministrio da Educao, est previsto que podem aceder indivduos com
idade superior a 15 anos. No mbito do Ministrio do Trabalho, o Instituto de Emprego e de
Formao Profissional, tem repartido a sua oferta de formao por dois grandes grupos etrios,
o dos jovens at aos 25 anos e o dos adultos, maiores de 25 anos (Imaginrio et al., 1998,
p.35). As polticas pblicas de educao e formao de adultos decorrentes da ANEFA, e
actualmente tuteladas pela ANQ, dirigem-se aos indivduos a partir dos 18 anos (cursos EFA,
CRVCC). Neste trabalho, considera-se que o critrio idade no permite definir e caracterizar o
conceito de adulto, porque, para alm de existir uma grande flutuao cronolgica, a varivel
idade por si s no suficiente para delimitar um conceito e uma fase da vida, sobretudo quando
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esta est intrinsecamente relacionada com a maturidade e com a experincia. Deste modo, para
se definir o conceito de adulto necessrio invocar diversos factores, uma certa idade
cronolgica, situaes de desenvolvimento que permitam realizaes sociais e uma maturidade
psicolgica promotora de um estatuto psicolgico (Loureto, 2000, p.17).
Embora seja essa a perspectiva adoptada, para efeitos de caracterizao e anlise dos
dados quantitativos optou-se pela referncia dos 18 anos, embora se reconhea que estes so
adultos jovens e que esto numa fase de iniciao vida adulta. Por outro lado, embora ao
longo do estudo se mencione unicamente o termo adulto consideraram-se tambm os idosos e,
neste caso, no foi apenas nos elementos estatsticos mas tambm na recolha de dados sobre
as ofertas formativas no territrio em estudo. Esta opo resulta de vrios factores: primeiro,
porque num contexto histrico em que as polticas pblicas de educao e formao de adultos
tendem a considerar prioritrios, essencialmente, os activos (empregados e desempregados), as
pessoas que no esto nesta co