Carlos Vargas - Lógica Pura Dos Prolegômenos Às Investigações Lógicas de Husserl

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ A TEORIA DAS MULTIPLICIDADES (MANNIGFALTIGKEITSLEHRE) NA LÓGICA PURA DOS PROLEGÔMENOS ÀS INVESTIGAÇÕES LÓGICAS DE EDMUND HUSSERL CURITIBA-PR 2007

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Carlos Vargas - Lógica Pura Dos Prolegômenos Às Investigações Lógicas de Husserl

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO PARAN A TEORIA DAS MULTIPLICIDADES (MANNIGFALTIGKEITSLEHRE) NA LGICA PURA DOS PROLEGMENOS S INVESTIGAES LGICASDE EDMUND HUSSERL CURITIBA-PR 2007 2 CARLOS EDUARDO DE CARVALHO VARGAS A TEORIA DAS MULTIPLICIDADES (MANNIGFALTIGKEITSLEHRE) NA LGICA PURA DOS PROLEGMENOS S INVESTIGAES LGICASDE EDMUND HUSSERL Dissertaoapresentadaaocursodemestradoem filosofia da Pontifcia Universidade Catlica do Paran como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Epistemologia.Orientador: Professor Doutor Cleverson Leite Bastos. CURTIBA-PR 2007 3 Vargas, Carlos Eduardo de Carvalho V297tA teoria das multiplicidades (mannigfaltigkeitslehre) na lgica pura dos 2007prolegmenos s investigaes lgicas de Edmund Husserl / Carlos Eduardode Carvalho Vargas ; orientador, Cleverson Leite Bastos. -- 2007. 130 f. ; 30 cm Dissertao (mestrado) Pontifcia Universidade Catlica do Paran, Curitiba, 2007 Bibliografia: f. 115-130 1. Husserl, Edmund. 2. Lgica. 3. Filosofia contempornea.4. Fenomenologia 5. Teoria do conhecimento. I. Bastos, Cleverson Leite II. Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Programa de Ps-Graduao em Filosofia. III. Ttulo. CDD 20. ed. 190 4 Paramim,apartemaiselucidativados Prolegmenos o ltimo captulo, em que Husserl desenvolvesuasprpriasidiasdalgicacomo teoriadateoria,emqueumateoria,por deduo,umsistemaunificadodeproposies ideais. Aqui encontramos a meta-teoria que define aunidadedosistemadeHusserl(DavidW. Smith). 5 RESUMO Oobjetivodestapesquisaexplicaranoodeteoriadasmultiplicidades (Mannigfaltigkeitslehre),desdeasuagnesematemticaatoseusignificadonalgica pura(reineLogik)comodoutrinadacincia(Wissenschaftslehre),chegandossuas implicaesfilosficasqueseremetemfenomenologia.Asmultiplicidades (Mannigfaltigkeiten)soanalisadas,nodesenvolvimentodeEdmundHusserl,na perspectivadoselementosdateoriafilosficadescritanosProlegmenosLgicaPura (Prolegomena zur reinen Logik), primeiro volume da obra Investigaes Lgicas (Logische Untersuchungen). Aps uma descrio da problemtica do psicologismo no debate sobre a objetividade da lgica, da matemtica e do conhecimento cientfico em geral, apresenta-se a divisodostemaspeculiaresteoriadasmultiplicidadesconsiderandoascategoriasde significao e de objeto investigadas por lgicos, matemticos e filsofos. Palavras-chave:EdmundHusserl.TeoriadasMultiplicidades (Mannigfaltigkeitslehre).LgicaPura.Psicologismo.ProlegmenossInvestigaes Lgicas. Fenomenologia. 6 ABSTRACT ThisresearchaimstoexplaintheTheoryofManifolds(Mannigfaltigkeitslehre) since its mathematical genesis until its meaning in the pure logic (reine Logik) as theory of science(Wissenschaftslehre),reachingitsphilosophicalconsequencesrelatingto phenomenology.Themanifold(Mannigfaltigkeiten)areanalysedintheHusserls developmentontheviewoftheelementsofthephilosophicaltheorydescribedinthe ProlegomenatoPureLogic(ProlegomenazurreinenLogik),firstvolumeoftheLogical Investigations(LogischeUntersuchungen).Afteradescriptionofthepsychologisms problematic on the debate about objectivity in the fields of logics, mathematics and general knowledge,theworkpresentsthedivisionoftheissuesconcernedstothetheoryof manifoldsconsideringthecategoriesofmenaningandobjectsinvestigatedsbylogics, mathematicians and philosophers. Key Words: Edmund Husserl. Theory of Manifolds(Mannigfaltigkeitslehre). Pure Logic. Psychologism. Prolegomena to Logical Investigations. Phenomenology. . 7 SUMRIOINTRODUO......................................................................................................... 9 1. DOS PROBLEMAS MATEMTICOS A UMA FILOSOFIA DA LGICA PURA: A GNESE LGICO-MATEMTICA DA TEORIA DAS MULTIPLICIDADES............................................................................................. 17 1.1 A FASE INICIAL DA FILOSOFIA DA MATEMTICA HUSSERLIANA........... 17 1.2 O PROBLEMA DOS NMEROS IMAGINRIOS E A ELABORAO DA TEORIA DAS MULTIPLICIDADES ............................................................................. 29 1.3 ALGUMAS EXIGNCIAS FILOSFICAS DA TEORIA DAS MULTIPLICIDADES DIANTE DA LGICA E DA MATEMTICA CONTEMPORNEAS A HUSSERL ............................................................................. 39 2 A LGICA PURA DOS PROLEGMENOS S INVESTIGAES LGICAS............................................................................................................... 47 2.1 O TEMA DOS PROLEGMENOS .......................................................................... 47 2.2) O PROBLEMA DO PSICOLOGISMO.................................................................... 52 2.2.1 UM CASO ESPECIAL DENTRO DA POLMICA ANTIPSICOLOGISTA: O LIMITE TEORTICO ENTRE PSICOLOGIA E MATEMTICA............................... 55 2.3) A IDIA DE LGICA PURA COMO DOUTRINA DA CINCIA....................... 59 2.3.1) OS PROBLEMAS DA LGICA PURA NOS PROLEGMENOS S INVESTIGAES LGICAS ........................................................................................ 65 3) A TEORIA DAS MULTIPLICIDADES COMO ELEMENTO DA LGICA PURA: A DIVISO DAS TAREFAS ENTRE LGICOS, MATEMTICOS E FILSOFOS ............................................................................................................ 70 3.1) A TEORIA DAS FORMAS DE TEORIAS OUA TEORIA DAS MULTIPLICIDADES COMO TEORIA FORMAL: O PAPEL DOS LGICOS E MATEMTICOS SEGUNDO HUSSERL...................................................................... 73 3.1.1 HUSSERL E A LGICA FORMAL ENQUANTO ESTUDO DAS CATEGORIAS DE SIGNIFICAO E DAS FORMAS POSSVEIS DE TEORIA. 74 3.1.2) A MATEMTICA DAS MULTIPLICIDADES COMO ESTUDO DOS CORRELATOS OBJETIVOS DAS TEORIAS POSSVEIS...................................... 80 3.1.3) DESENVOLVIMENTOS SEMNTICOS A PARTIR DA TEORIA DAS MULTIPLICIDADES DE HUSSERL......................................................................... 89 3.2 A TEORIA DAS MULTIPLICIDADES COMO TEORIA FILOSFICA DE HUSSERL OU O PAPEL DOS FILSOFOS NA LGICA PURA............................... 92 CONCLUSO........................................................................................................ 104 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................ 110 A) OBRAS DE HUSSERL ............................................................................................ 110 I) HUSSERLIANA..................................................................................................... 110 II) OUTRAS EDIES ............................................................................................. 111 B) OBRAS SOBRE HUSSERL E A FENOMENOLOGIA.......................................... 113 C) OBRAS SOBRE FILOSOFIA E HISTRIA DA LGICA E DA CINCIA......... 117 D)OBRAS SOBRE FILOSOFIA E HISTRIA DAS MATEMTICAS..................... 120 E) OUTRAS OBRAS DE FILOSOFIA......................................................................... 122 8 F) OUTRAS OBRAS DE LGICA E MATEMTICA............................................... 123 9 INTRODUO Estasinvestigaesculminaram... nateoriadasmultiplicidades...expostanas InvestigaesLgicas.Elesempreconsiderou essateoriacomoatarefamaiselevadada lgicaformal,easuaelaboraonos Prolegmenos,comodefinitiva(HILLET ROSADO HADDOCK, 2000, p. 156). Oobjetivodestapesquisaexplicaranoodeteoriadasmultiplicidades (Mannigfaltigkeiten1),desdeasuagnesematemticaatoseupapelnalgicapura comodoutrinadacincia,chegandossuasimplicaesfilosficasqueseremetem fenomenologia.Defato,anoodemultiplicidadefoiassumida,natrajetriade Edmund Husserl, como um dos principais componentes da sua teoria filosfica sobre a lgicapuracomodoutrinadacincia,talequaldescritaporelenosProlegmenoss InvestigaesLgicas2.Ateoriasobreasformasdeteoriaspossveisedosseus correlatosobjetivosassumeumimportantesignificadoepistemolgiconamedidaem que um elemento fundamental na defesa da objetividade da lgica, da matemtica e do conhecimento cientfico em geral.Nos Prolegmenos, a partir das reflexes filosficas sobre a matemtica e em certo contexto de crtica ao psicologismo, aparece a teoria das multiplicidades, inspirada em problemas lgicos e matemticos, constituindo parte de uma filosofia da lgica que uma concepo de teoria e de cincia, antecipando problemas que sero desenvolvidos 1EstatraduodotermoMannigfaltigkeiteninspiradanastraduesquejforamfeitasdestetermo para o espanhol (HUSSERL, 1999), francs (HUSSERL, 1992) e portugus (HUSSERL, 2006).2 Os ttulos dos livros de Husserl sero citados, no corpo do texto, em portugus. O ttulo alemo da obra ProlegomenazurreineLogik(HUSSERL,1922).Esteprojetohusserlianodeteoriadacinciaou lgica pura como fundamentao da lgica como cincia est sendo entendido como o elemento que concede unidade obra citada (FISETTE, 2003, p. 7). 10 fenomenologicamente por Husserl3. Em algum sentido, pode-se afirmar que a teoria das multiplicidadesdalgicapuracomodoutrinadacinciaestentrealgicaea matemtica, por um lado, e entre a fenomenologia, por outro4.Este problema surge darelaoentrefilosofiaematemtica, pois a teoria das multiplicidadesumanooqueaparecenafilosofiaenamatemtica,exigindo distinessutisentreseusdiferentessentidoseexplicaesprofundasquejustifiquem comoumproblemafilosficodasmultiplicidadespodeserexemplificado,emcertos aspectos,pormeiodeteoriasmatemticas,comoHusserlfeznosProlegmenos.Mais problemticaainda,considerandoarevisofenomenolgicaqueHusserlfeznaobra InvestigaesLgicas,aimplicaodautilizaodafenomenologiacomomtodo principal para a soluo dos problemas da lgica pura5.Esteproblemapodeserlevantadoaoseconhecerasteoriasmatemticasdas multiplicidadesqueinfluenciaramHusserlecolaboraram,dealgumamaneira,no desenvolvimentodasuafilosofiadalgicadenominadalgicapuracomodoutrinada cincia(Wissenschaftslehre)ecujasreflexesforampublicadasnosProlegmenos. Nestatrajetriadepesquisa,seroapresentadas,demaneirapanormica,asquestes quesorespondidasporHusserlpormeiodesuateoriadasmultiplicidades (Mannigfaltigkeitenlehre)easprincipaisdistinesfilosficasrelacionadassua compreenso, incluindo alguns aspectos fenomenolgicos6. 3 Esta lgica pura como doutrina da cincia seria, depois, ampliada em Lgica Formal e Transcendental (HUSSERL,1974).Suasrelaescomafenomenologiaforammanifestasnasegundaediodas Investigaes Lgicas (HUSSERL, 1922).4 E no coincidncia que, a partir da segunda edio alem das Investigaes Lgicas, o captulo sobre a idia de lgica pura, com suas referncias lgicas e matemticas que exemplificam conceitos filosficos husserlianos,estejaimediatamenteantesdasinvestigaesparaafenomenologiaeparaateoriado conhecimento(HUSSERL,1922).Estarelaodestacadaquandoseutilizaomtodogenticoparao estudo do conjunto da obra de Husserl como fazem DE BOER (1978) e MILLER (1982).5EstarevisoocorreuapsaredaodeIdiasparaumafenomenologiapuraeparaumafilosofia fenomenolgica (HUSSERL, 2006).6 Entretanto, sem aprofundar questes especficas de Lgica Formal e Transcendental.11 UmdosaspectosmaisintrigantesqueHusserl,aofalardestasteorias matemticasquenestadissertaofoitraduzidocomonomedemultiplicidades,no estfazendoumtrabalhoespecificamentematemticoe,mutadismutandis,noest trabalhandoestritamentecomolgicoquandotratadasuachamadalgicapura.Ele parteparaumacompreensofilosficadalgicaedamatemtica.Temos,comesta pesquisa, a inteno de mostrar os caminhos dessa compreenso filosfica que Husserl buscou.Dessa forma, quando o autor em estudo refere-se teoria das formas de teoria outeoriadasmultiplicidades,issotrazumproblemaparaaquelequejconheciaesse termo multiplicidade aplicado a problemas matemticos. Ele parte de uma noo que j existianamatemticaparafazerumateoriafilosficaqueorganizaasdescobertasda lgica e da matemticado sculoXIX, abrindoquestes importantes nosculo XX. O temadestadissertaoseracompreensodestaproblematicidadedateoriadas multiplicidades e suas implicaes, tomando como referncia o panorama da lgica pura como doutrina da cincia apresentado nos Prolegmenos. EstetrabalhoserbaseadoprincipalmentenaobraInvestigaesLgicas7, cujos Prolegmenos8 so dedicados a apresentar a lgica pura como doutrina da cincia nocontextodeumacrticaaopsicologismoedefesadocarterobjetivodo conhecimentolgicoematemtico.Entretanto,tambmseroconsideradosalgunsdos 7AqualjfoiconsideradaCertamenteaobramaisimportantedeHusserl7(SMITH,1989,p.29). OutraobservaodeBarrySmith:peloqualhcertamentemaiselementosepeasenvolvidasna prtica da cincia do que simplesmente atos mentais, e a obra Investigaes Lgicas de Husserl ainda seguramente,depoisdemaisde80anos,omaisdetalhadoemaisrealistaestudodasmaneiraspelas quaisesteselementosepartesseconcretizam(SMITH,1989,p.67).Opiniosimilarencontra-seem outra obra do mesmo Smith: Os Prolegmenos lgica pura, os quais constituem o primeiro volume da obramaiordeHusserl,asInvestigaesLgicasde1900-01(SMITHETSMITH,1995,p.5).Esta obradeHusserltambmfoiselecionadacomoumdosclssicosdafilosofiaemGARCIA, REICHBERGETSCHUMACHER,2003.AdelimitaonosProlegmenossedeveatmesmoporque alianoodeobjetoformaledemultiplicidadeformalestomaisamplamenteelaboradasalido quenoscursosdeGttingenqueHusserlministrouquandoaindapretendiacompletaroprojetode Filosofia da Aritmtica, como observou DA SILVA (2000b, p. 437). 8O que corresponde primeira parte da primeira edio alem.12 comentriosposterioresdeHusserlsobreateoriadasmultiplicidades9,namedidaem queforemrelevantesnocontextodestadissertao10.Orecortemetodolgico decorrentedautilizaodasInvestigaesLgicascaracteriza-sepordelimitarum perodointermedirioentreafasepr-fenomenolgicaeafasefenomenolgicade Husserl11, sendo que a primeira se caracteriza por ser mais voltada para os problemas da filosofiadamatemtica12.Assim,torna-sepatenteaimportnciadasInvestigaes 9 Considerando as vrias publicaes recentes de trabalhos inditos da Husserliana (que o conjunto das obrascompletasdeHusserlqueestsendopublicadoapartirdosarquivosondeseguardaseus manuscritosorganizadospelopadreVanBreda).AlistadestasobraspodeserencontradaemHusserl, Edmund 1859-1938 Husserliana(SANDMEYER, 2005, p. 1), as quais fazem com que Husserl, mesmo sem estar mais no mundo dos vivos (MARAS, 1970, p. 502), seja um dos escritores mais produtivos, fecundosepromissoresdaatualidade,comojeranadcadade1960,quandoJulianMarasfezum comentrio anlogo: suas obras tm sido os aportes mais substanciais filosofia [na dcada de 1960]. Apesar do eco, a ressonncia tem sido limitada: somente dentro de certos ncleos muito prximos, estas obrastm sido operantes, as quais tiveram pouca repercusso no mundo oficial da filosofia (MARAS, 1970, p. 502).10PrincipalmenteaquelesqueaparecememIdiasrelativasaumafenomenologiapuraeumafilosofia fenomenolgica(HUSSERL,1949,pp.159-163),LgicaFormaleTranscendental(HUSSERL,1957, 1974).AlistapoderiaseraumentadacomostextosdoprprioHusserlqueaparecemnosvolumes pstumospublicadosnaHusserlianaindicadosporMORMANN(1991):Husserl,E.:1983,Studienzur ArithmetikundGeometrie,TexteausdemNachlass,especialmenteaquelesbaseadosemcursosqueele ministrousobreoassunto(HUSSERL,1984,1996).Aprofundarasconsideraessobreteoriadas multiplicidades nestes trabalhos foi excludo da delimitao desta pesquisa para destacar a importncia da concepo da lgica pura que aparece nas Investigaes Lgicas.11 Conforme a classificao de FARBER (2006).12Nestesentido,apesquisapresentecontrastacomadelimitaodeBACHELARD(1957),focadano comentrioaoHusserldeLgicaFormaleTranscendental(HUSSERL,1957),comooprpriottulo daquelaobraindica:AlgicadeHusserl:estudosobreLgicaFormaleTranscendental.A justificativa da delimitao nos Prolegmenos ficar reservada para o segundo captulo. As relaes com afenomenologiaseroconsideradasnoltimocaptulo.Outradasmaneirasdeabordaraquestodas multiplicidadesportpicosdeproblemas,comofoirealizadoemHILLETROSADOHADDOCK (2000),queselecionoucincoproblemasdeHusserlemostrourapidamentecomoeleseramabordados antesedepoisdateoriadasmultiplicidades.Noseguiremosexatamenteaquelemodelometodolgico por trsmotivosprincipais:a)estaumadissertaodemestradoa serdefendidaenoumcaptulode umlivronoqualvriosassuntoshusserlianossoabordadosemcomparaocomafilosofiadeFrege, como ela fez muito bem naquela obra; b) pela delimitao que foi assumida nesta pesquisa, destacando o contexto da teoria das multiplicidades na lgica pura como doutrina da cincia nos Prolegmenos, o que serjustificadomaisdetalhadamentenocomeodosegundocaptulo;c)pelaconcepofundamental nestecaptuloque,seguindoumametodologiagentica,mostraodesenvolvimentodeproblemasque levaramHusserlarefletirsobrealgicapura,oferecendonovossentidosprpriaidiadelgicae, principalmente,deestruturaformal.Nesseltimosentido,estadissertaofoiinspiradafortementenas obrasdeMILLER(1982)eDEBOER(1978).Mesmoassim,ostpicosdestacadosporHILLET ROSADO HADDOCK (2000) sero citados e comparados com os problemas que forem levantados nesta pesquisa,ondesedescreveressedesenvolvimentodafilosofiadalgica,passandopelosoutrostemas desenvolvidos por Husserl. Alm disso, tambm se poderia propor o estudo da lgica pura por meio dos textos anteriores publicao das Investigaes Lgicas, dando um sentido mais estritamente histrico a estapesquisa.Poroutrolado,asInvestigaesLgicas,comoumtodo,foramrevisadasapsa publicaodeIdiasparaumafilosofiafenomenolgica,oqueabririaoutroflancoparaaspesquisas sobre multiplicidades em Husserl. 13 Lgicas, onde se manifesta uma concepo sobre a filosofia da lgica de Husserl que se relaciona com as pesquisas fenomenolgicas. Entretanto,ofocodestamonografiacomoumtodo,noestsomentenas InvestigaesLgicas,nemnosProlegmenosenquantotaloumesmonalgicapura propriamentedita,ouatmesmoemumdesenvolvimentosistemticodateoriadas multiplicidades, mas na relao problemtica destes elementos todos, a saber: teoria das multiplicidades,lgicapuracomodoutrinadacincia,ProlegmenossInvestigaes Lgicas e filosofia da lgica de Edmund Husserl13.Comoestarelaocomplexa,pormotivosdedelimitaoacadmica,a pesquisaserdelimitadanosaspectosquepossamajudarnasoluodeproblemas relacionadoscomaobjetividadedalgicapuraedoconhecimentocientficoea refutao do psicologismo, assim como a prpria concepo de cincia. isto que ser buscadoapartirdaquelaexpressoinicialemqueHusserlconstituiateoriadas multiplicidadesaoformularseuprojetodelgicapura,talequalfoipublicadonos Prolegmenos14. Neste sentido, o texto desta obra no qual se pode encontrar exatamente essaquestorelativamentepequeno,masoqueimportaquenestaspoucaspginas foramdelineadososaspectosessenciaisdopapeldessateoriadasmultiplicidadesnas InvestigaesLgicas,comooprprioHusserlconfirmouemLgicaFormale Transcendental15. Nesta obra, apareceu um captulo sobre teoria das multiplicidades na 13porissoque,nestapesquisa,opapeldateoriadasmultiplicidadesnalgicapuraconformefoi descritoporHusserlnosProlegmenosmaisimportantedoqueoprpriolivroInvestigaesLgicas como um todo e mais importante do que as contribuies fenomenolgicas lgica pura. 14 Desta forma, trata-se de uma dissertao sobre o papel da teoria da multiplicidade na lgica pura como teoria da cincia, destacando seus aspectos problemticos. No preciso, e at seria contraditrio, querer explicar o mais simples pelo mais complicado: no utilizaremos a fenomenologia propriamente dita ou a lgica transcendental de Lgica Formal e Transcendental para explicar a concepo de lgica pura e de multiplicidadequejestavamapresentadasnosProlegmenos.Ascontribuiesrelevantesdoslivros citadosedaprpriafenomenologiaquepuderemserencaixadasnadelimitaodestapesquisasero aproveitadas na medida em que colaborarem no esclarecimento deste problema. 15 Seu ltimo livro especificamente sobre o assunto publicado antes do seu falecimento. 14 qualosProlegmenossocitadoscomoumarefernciaimportantssimaparaa compreenso da prpria teoria das multiplicidades16. Assim,serapresentado,noprimeirocaptulo,umpanoramageraldo desenvolvimentodafilosofiadeEdmundHusserlnoseuperodopr-fenomenolgico selecionando aqueles aspectos que concorrem para a realizao da teoria da lgica pura comodoutrinadacinciadosProlegmenossInvestigaesLgicaseparaateoria dasmultiplicidades.Nestaabordagem,serenfatizadaasuapassagemdosestudos estritamentematemticosatchegarssuasreflexessobreafilosofiadalgicaeda cincia.EstaetapadoestudosobrealgicapuradeHusserlficariaincompletasem algumasconsideraessobreasobrasanterioresaosProlegmenosesemalgumas referncias e exemplificaes matemticas.Antesdaabordagemdateoriadasmultiplicidadespropriamentedita,ou, conformeaexpressohusserliana,ateoriadasformasdeteoriaedosseuscorrelatos objetivos,serfeitaumabrevedescriododesenvolvimentodealgunsproblemas filosficosqueconduziramHusserllgicapura.Afinalidadedaapresentaodo itinerriofilosficohusserlianoseraanlisedagneselgicaematemticadateoria dasmultiplicidades.Omtodoescolhidonestaetapadotrabalhogenticonosentido deDEBOER(1978),baseando-senacompreensodequeostrabalhosanterioresde Husserlforamumaespciedeestgiopreparatrioparaostrabalhosposterioresque aparecemcomorespostasparaproblemticassurgidasanteriormente.Porestemotivo, serprecisoapresentaraspectosdodesenvolvimento,nafilosofiadeHusserl,desta noomatemticademultiplicidade(Mannifaltigkeit).Emoutraspalavras,este primeirocaptuloserumainvestigaodetalhadasobreagneseouosurgimentoda teoria das multiplicidades na filosofia de Edmund Husserl. 16PoderamosargumentartambmcomMILLER(1982)quecolocaasInvestigaesLgicascomoo marco da terceira e ltima fase da filosofia da lgica de Husserl. 15 Nosegundocaptuloserapresentada,apartirdaestruturadaobra ProlegmenossInvestigaesLgicas,umasntesedaidiadelgicapura,assim como os seus trs principais conjuntos de problemas, entre os quais aparece a teoria das multiplicidades. Com esta descrio, pretende-se oferecer subsdios para a retomada dos estudos da lgica pura conforme planejados por Husserl nos Prolegmenos.QuandoHusserlestdesenvolvendosualgicapuracomodoutrinadacincia (Wissenschaftslehre)nosProlegmenos,juntamentecomacrticaaopsicologismoapareceum projeto de lgica pura (reine Logik), a qual dividida em trs partes, das quais a terceira ateoriadasmultiplicidades(Mannifaltigkeitlehre).Amaneiracomoissoocorre apresenta-seproblemticaespecialmentequandoseconsideraqueanoode multiplicidadefoiusadaporHusserlemumsentidobemespecfico,contendo peculiaridades que a distinguem dos usos matemticos anteriores do conceito. A percepo desseproblemafundamentaldosProlegmenosedesuarelaocomateoriadas multiplicidades o principal diferencial desta dissertao, do ponto de vista de delimitao e metodologia.Noterceirocaptulo,ateoriadasmultiplicidadesseranalisadacomoum recursofilosficoqueHusserljhaviacomeadoautilizarnasInvestigaesLgicas pararesolverproblemasquesurgiramdoestudodamatemticaedasteoriasformais. EstesentidodasmultiplicidadesespecficodeHusserlecoroaumaconcepode lgicapuraqueserconsideradanocontextodosProlegmenossInvestigaes Lgicas.Nesteltimocaptuloserapresentadaumadivisodetarefasentrelgicos, matemticosefilsofosluzdoprpriotextodasInvestigaesLgicas.Essesero momentodetecerconsideraessobreasimplicaesfilosficasdateoriadas multiplicidades,especialmentenaquiloquesereferefilosoficamentelgica, 16 matemticaeaosestudosdascategoriasdesignificaoedeobjeto.Afenomenologia daidiadalgicapuraservinculadaproblemticadateoriadasmultiplicidadesna medidaemquefoiomtodopensadoporHusserl,apartirdarevisofenomenolgica dos Prolegmenos, para a clarificao filosfica dos conceitos, procedimentos e teorias dalgicaedamatemtica.Seroindicadosalgunstemasontolgicose fenomenolgicosimplicadosnodesenvolvimentolgico,matemticoefilosficoda teoriadasmultiplicidades,fazendorefernciassobrasposterioresdeHusserles pesquisasqueabordamtemasvinculadospeloscomentaristasteoriadasformasde teorias. 17 1. DOS PROBLEMAS MATEMTICOS A UMA FILOSOFIA DA LGICA PURA: A GNESE LGICO-MATEMTICA DA TEORIA DAS MULTIPLICIDADES AidiadeHusserldateoriageraldesistemas dedutivosfoimotivadapelateoriamatemticadas multiplicidades(GAUTHIER, 2002, p. 129). 1.1 A FASE INICIAL DA FILOSOFIA DA MATEMTICA HUSSERLIANA HumdesenvolvimentonotveldasreflexesfilosficasdeHusserlsobrea matemtica,algica,acinciaeoconhecimentoemgeral17,passandodosestudos matemticospropriamenteditosparaafilosofiadamatemticaeparaosproblemas relativosconcepodecinciaedelgicapura.Estecaptuloapresentaralguns aspectosrelevantesdessedesenvolvimentoparaacompreensodateoriadas multiplicidadesnalgicapuracomodoutrinadacincianosProlegmenoss InvestigaesLgicas.Pormeiodeumitinerriohistrico,pretende-semostrara gnese lgico-matemtica da teoria das multiplicidades, mostrando a dependncia desta com os problemas anteriores do pensamento husserliano.Nafaseinicial,dafilosofiahusserliana18,entre1886e1889,quandoHusserl estudou a anlise matemtica como uma cincia baseada no conceito de nmero19, cujo 17 Dallas Willard, o filsofo que traduziu para o ingls o volume das obras de Edmund Husserl com seus primeirostrabalhossobreafilosofiadalgicaedamatemtica,descreveuesseprocessocomouma progressodaproblemticadeHusserldeumaposiorelativamenteestreitaemrelao clarificaodaestruturaepistmicadaaritmticageral,paraumaposiototalmenteabrangentede estabelecimento,pormeiodapesquisafenomenolgica,dolimiteentreasalegaeslegtimase ilegtimasparaqueoconhecimentosejaracional...(WILLARD,1977).OprprioHusserlfaz refernciasaestedesenvolvimentonaintroduodasInvestigaesLgicas:Naintroduos InvestigaesLgicas,HusserltambmcontaalgosobreesteperodoemHalle.Depoisdetrabalhar vriosanosparaclarificaramatemticapura,elesedescobriuemdificuldadesrelacionadascom desenvolvimentosnamatemticaquedesafiavamseusesforosdeclarificaolgica.Osproblemas foramtourgentesapontodefaz-lodeixardeladosuasinvestigaessobreassuntosdafilosofiada matemticaatquetivessesucessoaoalcanarumacertaclarezanasquestesbsicasda epistemologiaedacompreensocrticadalgicacomoteoriadacincia(HILLETROSADO HADDOCK, 2000, p. 146). 18AclassificaodastrsfasesdafilosofiadamatemticadeHusserlqueaparecenestecaptuloser fortemente baseada nas obras publicadas no volume HUSSERL (1970) da husserliana e nas pesquisas de 18 sentido mais fundamental se vinculava ao ato mental de contar, havia uma determinada abertura para os temas psicolgicos. A obra mais importante deste perodo foi Sobre o conceito de nmero. Anlises psicolgicas20.Nesteperodo,manifestava-seumidealdecinciaaserbuscadoporHusserl, tendoinspiraonaanlisematemticaequedepoisapresentariarepercussesno desenvolvimento de sua filosofia:Uma anlise precisa dos ...conceitos; [a necessidade] de insights lgicos nasrelaes de dependnciadasvriasdisciplinasmatemticas...;efinalmentedeumdesenvolvimento estritamentededutivodoconjuntodasmatemticasapartirdomenornmeropossvelde princpios auto-evidentes (HUSSERL, 1970, p. 291). Aobracitadaapresentarelaeseprincpiosqueseriamaprofundados posteriormenteporHusserl21.Solinhasgeraisdopensamentohusserlianoque continuamvlidosnodesenvolvimentodalgicapuraedateoriadasmultiplicidades, como:a)aimportnciadarelaoentrefilosofiaematemtica,sejanasnecessidades filosficasdamatemtica,comonosproblemasmatemticosquesoabsorvidosnas DEBOER(1978),HILL(1997,2002),HILLETROSADOHADDOCK(2000)eMILLER(1982).Ao considerar esse desenvolvimento de Husserl, a pesquisa ficar delimitada nas seguintes obras principais: a)suatesede1887,Sobreoconceitodenmero(berdenBegriffderZahl.PsychologischAnalysen), editado com a Filosofia da Aritmtica em 1891 e,depois, no volume XII da Husserliana; b) Filosofia da Aritmtica:investigaespsicolgicaselgicas(PhilosophiederArithmetik.Logischeund psychologischeUntersuchungen),de1891;c)InvestigaesLgicas(LogischeUntersuchungen),de 1900/1901.Emrelaoaosdoisprimeirostrabalhos,serousadosprincipalmenteoscomentriosde MILLER (1982), o qual delineia trs estgios da filosofia da aritmtica de Edmund Husserl, mostrando as diferentesconcepesassumidassobreoassunto,apartirdainflunciainicialdeseuprofessorKarl Weierstrass. Neste aspecto histrico, esta pesquisa colabora, em pequena escala, a preencher uma lacuna nos estudos husserlianos em geral: Este perodo anterior geralmente negligenciado. H pouqussimos trabalhos dedicados a isso, e ele no discutido com freqncia em detalhes nos vrios livros que tentam dar uma viso de toda a carreira de Husserl (HUDSON, 1981, p. 120).19NmeroentendidocomoUmamultiplicidadeformaldeterminadadealgohomogneo(MILLER, 1982, p. 3).20DallasWillardtraduziuestetextoefezumaintroduonaqualapresentaumesquemaprecisodesta obra em MCCORMIK ET ELLISTON (1981,p. 86-117).21Defato,Husserlacusouaimaturidadefilosficadestasuafase,masnuncarenegouessasobras.A importnciadessafasenodevesermenosprezadaechegou-seaafirmarqueaobraFilosofiada AritmticapodesertomadacomoumaversoampliadaerevisadadeSobreoConceitodoNmero: InfluenciadopelotrabalhodeKarlWeierstrassparaaaritmetizaodaanlise,EdmundHusserl comeou no final da dcada de 1880 a prover uma anlise mais detalhada dos conceitos da aritmtica e umafundamentaomaisprofundaparaseusteoremaspelaanlisedoconceitodenmero.Os resultadosdestesesforossoencontradosnasuaobrade1887Sobreoconceitodenmeroeseu trabalho de 1891 Filosofia da aritmtica 21 (HILL ET ROSADO HADDOCK, 2000, p. 142).19 reflexesfilosficas22;b)aapresentaodetpicosfilosficosimportantesparaa matemticarelacionadoscomaclarificaolgica,aanliseexatadosconceitos,a percepodainterdependnciadasdisciplinasmatemticas23eodesenvolvimento rigorosamentededutivodamatemtica;c)adistinoentrevelhalgica(adisciplina prtica para formular juzos corretos ou Kunstlehre) e a nova lgica ou teoria geral dos mtodosdacincia;d)oestudodocontedo,daorigemedocarterfenomnicodo nmerocomoaspectosindispensveisparaaanlisedoconceitodenmero,passando pelosproblemasdoestudodoprocessodaabstraoedasmultiplicidades24;e)estudo crticodosoutrosfilsofos,quevoltarasermarcantenosProlegmenos, especialmente com a crtica aos psicologistas. AntesmesmodeHusserlchegarsuaconcepodelgicapuracomodoutrina dacincia,comsuateoriadossistemasformaisedasmultiplicidades,percebe-se,nesses manuscritosanteriorespublicaodaFilosofiadaAritmtica,pormeiodaunificaoda anlisecomaaritmticaelementar,abuscadeumaaritmticauniversal(allgemeinen Arithmetik),quelembraamathesis25dosProlegmenos.Husserldestacaopapel precursordeAristteles26,deLeibniz27edeFranoisVite28emrelaoaestaconcepo 22Estetemaserretomadonoltimocaptulocomaexplicaodadivisodepapisentrelgicos, matemticos e filsofos, tal e qual foi apresentada nos Prolegmenos. Em Sobre o Conceito de Nmero, Husserl cita matemticos como Euclides e Riemann. 23Husserlpensavaemdisciplinasmatemticasemqueproblemasaritmticosserelacionamcom problemas geomtricos.24 Temas que sero continuados na obra Filosofia da Aritmtica e nas reflexes sobre fenomenologia.25 Entendida como um sistema formal mais universal que estivesse subjacente a todos os outros sistemas formais.EstanooseraprofundadacomanotaabaixosobreLeibnizecomaapresentaodaidia filosficade lgicapuranosegundocaptulo.Husserlpossuaa inteno dealcanarOpontofinalda verdadeira filosofia do clculo, este objetivo perseguido h sculos (HUSSERL, 1970, 7).26Pode-seconferiracitaoemHUSSERL(1922,p.163.Outrarefernciasobreesteassuntoaparece em Lgica Formal e Transcendental (HUSSERL, 1974, p. 85). Pode-se encontrar comentrios sobre esta refernciaaAristtelesem(HARTIMO,2003,p.128).Pelomenosumdosprecursoreslgicosde Husserl tambmreconheceuestefato:AristtelesfoioprimeiroemLgicaepoder-se-iadizerquefoi bem sucedido... (LEIBNIZ, 1980, p. 23).27Defato,Husserlacreditadarcontinuidadenoodemathesisuniversalisleibniziana.Sobreesta influncialeibniziana,conferirDASILVA(2007)eHUSSERL(1922;1974,p.85).Defato,Leibniz apresentou um projeto de uma arte de inventar ou uma characteristica universallis que organizaria diversas reas da filosofia, como a Metafsica, a Fsica e a Moral, por exemplo, de uma maneira que ele pudesse buscar a certeza seguindo o modelo da certeza matemtica e lgica. Seria uma espcie de lgebra universal do pensamento humano, como ele deixou registrado, por exemplo, no seu projeto de uma arte 20 pura da lgica sem detalhar a sua comparao, mas, em sentido amplo, percebe-se que ele est continuando o caminho da pesquisa da objetividade do conhecimento cientfico.EssascaractersticasdodesenvolvimentoinicialdaconcepodeHusserl sobreasrelaesentrefilosofia,lgicaematemticapodemseridentificadasna primeiragrande influncia que Husserl recebeu sobre a fundamentao da matemtica, vinda de seu professor Karl Weierstrass29 que trabalhou na aritmetizao da anlise, que a reduo dos problemas da anlise aos conceitos mais fundamentais da aritmtica30:Opontodepartidanaturalenecessriodequalquerfilosofiamatemtica,considerava Husserl,eraaanlisedoconceitodenmerointeiro.Poisoaindafieldiscpulode Weierstrassacreditavaqueodomniodosnmerosinteirospositivoseraoprimeiroe mais fundamental domnio, a nica base de todos os domnios numricos restantes. Hoje existe um convencimento generalizado, escreveu ele em Sobre o Conceito de Nmero, de queumdesenvolvimentomaisrigorosoeprofundodaanlisematemticateriaquevir somentedaaritmticaelementarnaqualaanliseestbaseada.Masestaaritmtica elementar tem sua base nica naquela srie infindvel de conceitos que os matemticos chamam de nmeros inteiros positivos (HILL ET ROSADO HADDOCK, 2000, p.140 ). Adiferenamaisnotvelentreotrabalhodoprofessoredoalunoerao instrumentalescolhido:enquantoWeierstrasstrabalhavanosparmetrosdacincia de inventar de 1686: Descobri uma coisa surpreendente: que se pode representar por nmeros toda aespciedeverdadeseconseqncias....imagineiummtodoquenoslevainfalivelmenteanlise geral dos conhecimentos humanos... Descobri, pois, que existem alguns termos primitivos... constitudos osquais,todososraciocniossepoderiamdeterminarmaneiradosnmerose...poder-se-ia determinar,matematicamente,ograudeprobabilidade.(...)Onicomeiodecorrigirosraciocnios torn-los to sensivelmente quantoso os dos matemticos, de maneira que se possa encontrar o erro vistadesarmadae,quandohouverdisputasentreaspessoas,sepossadizerapenas:-contemos,sem outra cerimnia para ver quem tem razo (LEIBNIZ, 1980, p. 21-2). 28OqualcitadoemHUSSERL(1974)pelasuadescobertadocarterformaldamatemtica.Ele tambm descobriu um certo conceito de nmero, chamado de imaginrio, pois era uma soluo possvel paraasequaesquenoestavacontidanoconjuntoinicialnoqualfoipropostaaequao.Conferir, sobreesteassunto,oclssicoKLEIN(1992),almdoscomentriosdeMILLER(1982)eDASILVA (2007).JairodaSilvaressaltaofatodequeoutraorigemremotadestaidiadelgicapurapodeser encontrada, em algum sentido, nos algebristas italianos do sculo XVI (DA SILVA, 2007).29Husserlchegouaafirmarque,nasuacarreiramatemtica,pretendiafazerpelafilosofiaoque Weierstrass fez pela matemtica (HILL ET ROSADO HADDOCK, 2000).Weierstrass teve grande influncia em outrosfilsofos e matemticos alm de Husserl, deixando a sua marca sobre eles. Sobre esse assunto, Bertrand Russel escreveu: matemticos sob a influncia de Weierstrass demonstraram nos tempos modernos um cuidado com a preciso e uma averso ao raciocnio indolente, como no se via entre eles desde o tempo dos gregos (RUSSEL in HILL, 2000). . 30 Dessa forma, o estudo da aritmtica fundamental ou dos nmeros naturais, dos quais se pode ter como referncia a axiomtica de Peano, servem de instrumento para a explicao dos conjuntos numricos com outraspropriedades,comoosracionaiseosreais.Conferir,sobreesseassunto,LIMA(1976)ePINTO (2006).21 matemtica,Husserlbuscavaumametodologiafilosficaquefossesuficientemente rigorosa para clarificar31 os conceitos matemticos, justificando-os teoreticamente. Esta aritmticauniversaldeinspiraoweierstrassianavisavaamanipulaodossignos conformeasregrasformaisdasoperaesrelacionadascomaaritmticaemgeral32. Sendoassim,Husserljdistingueemtrabalhosde189033osentesmatemticoscomo merossignoscomvalidadecientficaindependentederepresentaessubjetivas,oque semostrarmuitorelevantequandoaprofundarmosanoodelgicapurae considerarmos as crticas ao psicologismo. Na escolha do instrumental filosfico, distanciando-se de Weierstrass, Husserl, naobraFilosofiadaAritmtica,decidiuutilizarametodologiadeFranzBrentano,a quemfoidedicadaessaobra.Ainflunciabrentanianamanifesta-seemHusserlpelo interessenosrecursospsicolgicoscomoinstrumentosparaclarificaodosconceitos fundamentaisdamatemtica.Apsicologiatornar-se-ia,assim,umaparterelevanteda filosofiadamatemticahusserliana,poisdariaferramentasparaoestudodos fundamentos da anlise e da matemtica, como se percebe neste trecho da introduo do trabalho Sobre o conceito de nmero34. Husserl declara numa nota de rodap da Filosofia da Aritmtica dever ao seu mestre Franz Brentanoaintelecodasumaimportnciadasrepresentaesimprpriasousimblicas para a vida psquica. Tambm aqui como em outros aspectos a influncia de Brentano sobre Husserldecisiva.NofoisemrazoqueHusserllhededicou"comprofundo agradecimento" a Filosofia da Aritmtica. (FIDALGO, 1996, p. 34). 31 Obtendo logischer Klarung (HUSSERL, 1970, p. 291) clarificao lgica.32HusserldefinesuaaritmticauniversalnotrabalhoConceitodeAritmticaUniversal(HUSSERL, 1970, p. 374-9).33 Incluindo Zur Logik der Zeichen (Semiotik), ou Sobre a lgica dos signos (Semitica) (HUSSERL 1970).34Alis,oprpriosubttulodetalobrajmostraumpoucodestaidia:psychologischeanalysen (anlisepsicolgica).EHusserldesenvolveotemadarelaoentrepsicologiaematemtica respondendoperguntascomo,porexemplo:WashatdieZahlberhauptmitderPsychologiezutun? (qual a relao entre o nmero e a psicologia? ).Sobre essa influncia, conferir DE BOER (1978, p. 54- 58; 77-82). Husserl contou que procurou Brentano apenas por curiosidade no incio, quando assistiu suasaulasdefilosofiaem1884,masfoiapartirdestaexperinciaqueHusserldescobriusuavocao filosfica, fascinado pelo mtodo brentaniano de colocar os problemas e resolv-los. As teorias filosficas epsicolgicasbrentanianaspodemserassimiladas,porexemplo,emPsychologievomempirischen Standpunkte (Psicologia a partir de um ponto de vista emprico) de 1874. 22 Nesta fase, Husserl estudava a anlise matemtica como sendo essencialmente umatcnicaformal(Kunstlehre),mastambmestavaavanandonasanlises psicolgicas relacionadas ao conceito de nmero35. O estudo da aritmtica fundamental incluaosprocedimentosmentaisrelacionadoscomosraciocnioslgicos36,mas ampliavaaquestolevantandoproblemassobreaorigemdosnmeros,isto,pela anlisedosprocessoscognitivosenvolvidosnaexperinciadiretadosnmeros.A anlisedaorigemdeumconceitoincluidoisaspectosprincipais:a)adescriodo processo deabstrao que constitui oconceito; b) a descrio do fenmeno que serviu de base para a abstrao. A partir da descrio geral do processo pelo qual se abstraiu o conceitodeumobjeto,comoonmero,descreve-semelhorofenmenoconcretoque serviudefundamentodaabstrao,levandoclarificaodocontedoemquesto. Clarificarascategoriasouoselementosfundamentaisdoconceitotornou-semais importanteparaHusserldoqueelaborarformaloulogicamenteosconceitos fundamentaisdasteorias,poisacompreensofilosficadeumadefiniolgica depende da clarificao de certas noes que no so definidas explicitamente, mas so tomadas como ponto de partida. Entende-se que o lgico ou o matemtico, preocupados emdesenvolverasconseqnciasformaisdosprincpiosdasteoriasassumamesta posturaqueHusserlclassificoucomoingnua,masofilsofonopode-sesatisfazer com isso37. 35Aobramaisimportantenestafase,segundoMILLER(1982),foiFilosofiadaAritmticaAcitada Filosofia da Aritmtica de 1891 retoma e desenvolve a tese da habilitao acadmica "Sobre o conceito donmero.Anlisespsicolgicas"18de1887.AintenodeclaradadeHusserl,nesteperodo,ade, por um lado, levar a cabo "uma anlise dos conceitos fundamentais da aritmtica" e, por outro, proceder a "uma explicao lgica dos seus mtodos simblicos" (FIDALGO, 1996, p. 32).36Sendo,assim,umaArtedoconhecimento(HUSSERL,1970,p.373).Nooriginal:Kunstder Erkenntnis.Assim,algicaformalseriaumramodalgicageralConcernenteespecialmentecom procedimentosalgortmicos(MILLER,1982,p.14),tendoatarefadeclarificarprocedimentos algortmicos... e formular regras para tais mtodos (HUSSERL, 1970, p. 365).37Levando,posteriormente,divisodepapisnoestudodasmultiplicidades:entrelgicose matemticos,porumlado,efilsofos,poroutro.Umexemplodessaproblemticapodesertomadoa partir da definio clssica de Euclides acerca do nmero. Husserl poderia tom-la como ponto de partida 23 Nestasconsideraes,torna-secadavezmaisexplcitaaimportnciada influnciabrentanianaadametodologiapsicolgicadeHusserl.Seopapelda psicologianesteprocessodeclarificaodosconceitoselementaresdamatemticaera fundamental, no se pode afirmar que a busca do rigor filosficofoi abandonada nesta etapadodesenvolvimentodafilosofiadalgicaedamatemticahusserliana.Porum lado,estesprincpiosmetodolgicosdeFilosofiadaAritmtica,umavezpurificados pelasanlisescrticasdosProlegmenos,seriamparcialmentemantidosnasreflexes fenomenolgicasposteriores.Poroutroaspectodoproblema,amatemtica, especialmenteaanlise,continuavasendoconsideradacomotcnicalgicaquelidava comsmbolos,sendoosnmerosconsideradoscomorepresentaessimblicas. Contudo,Husserlassumiuestametodologiabrentanianaeestudavaasquestes psicolgicasrelativasapresentaodonmero,ampliandoasinvestigaesquej haviafeitonasuatesededoutorado.ComoficoumanifestonaobraFilosofiada Aritmtica,eraumidealdecinciainspiradonascinciasnaturais38,peloqualse buscavaanalisaraorigemdosconceitosfundamentaisdaaritmtica.Oobjetivode fundoeraapreparaodeumateoriamaissistemticaparaafilosofiadaaritmtica enquantodisciplinafilosfica.Seusprincipaistemaseram:a)aanlisedosconceitos elementaresdaaritmticacomoquantidade,unidadeenmero;b)aexplicaodos mtodos simblicos especficos da aritmtica. oucritic-lalogicamentecomofezFrege,masmudaofocodoproblema.Definirnmeropossuipouca utilidade na compreenso filosfica se ela no est clarificada adequadamente. Voltando a Euclides: se o nmeroamultidoouapluralidademedidapelaunidade,restasaberoqueestapluralidade,oque exige, neste sentido, o procedimento adotado por Husserl.38Miller(1982)destacaquealgicaqueaparecianasobras atFilosofiadaAritmticaaindanoeram topurascomoaconcepodelgicadoqueelechamadeterceirafaseporqueaindavisavamumfim prticodojulgamentooujuzocorreto(HUSSERL,1970,p.29;nooriginal:richtigenUrteilens), sem destacarque o papel normativo da lgica deve ser subordinado ao papel teortico, o que seria feito nos Prolegmenos (HUSSERL, 1922). Esta tese da finalidade prtica da lgica, segundo Miller, j havia sidodefendidaporBrentanoem1884.ParaBrentano,algicaeraMaisumadisciplinaprticacuja tarefa era prescrever regras e normas do que para obter conhecimento38 (MILLER, 1982, p. 13). 24 Nesta fase tambm aparecem reflexes sobre a noo de multiplicidade formal nestarelaoentrealgicapuraeaconscincia.Ateoriadasmultiplicidadesfoiuma motivaoimportanteparapesquisarcomoosconceitosfundamentaisdamatemtica39 soconstitudosnasubjetividadehumana.destepontoqueapareceriamaistardea problemticadopsicologismo,assimcomodaampliaodoestudodalgicaeda matemticacomrecursosfilosficosrelacionadoscomapsicologiadescritivaecoma fenomenologia.Poristo,naconsideraodagnesedoconceitodemultiplicidade, tambmimportanteconsiderarestaanliseradicaldaorigempsicolgicados conceitosfundamentaisdamatemticaqueHusserldesenvolveuemFilosofiada Aritmtica por inspirao de Brentano.UmaspectofundamentaldestaabordagempsicolgicadeFilosofiada Aritmtica a utilizao da metodologia da considerao dos atos e dos objetos, assim comoasrelaesintencionaisentreambos.Husserlpartedadefiniobrentanianade intencionalidade.Estapossua,napsicologiadeBrentano,afinalidadededistinguiros fenmenosfsicosepsquicos,constatandoaintencionalidadecomocritriomais importantededistino.Destaforma,todofenmenopsicolgicofariarelaoaum outroobjeto,aindaqueimanente:emumsentimento,porexemplo,halgoaquese refere ou uma direo do sentimento40.Nestaanliseintencional,Husserlpartiadoscontedosconcretosintudose descreviaoprocessodeabstraoenvolvido.Defato,naobraFilosofiadaAritmtica, Husserlhaviapartidodaexperinciaconcretadeagregados(Inbegriffe)afimde considerarcomoocorriaaabstraodoconceitouniversaleindeterminadode quantidade(Vielheit)edoconceitodeumnmerodeterminado.ComoHusserl 39Husserlcomeoufazendoessaperguntaemrelaoaritmticabsica,maschegouafaz-la sistematicamente em relao aos nmeros irracionais e lgica.40Porexemplo:sealgumama,halgoqueamado,poisamarumatopsquico,nestaclassificao brentaniana, e implica em uma intencionalidade, como uma relao a um contedo. 25 perceberiaposteriormente,oproblemaprincipal,nestainflunciadapsicologia brentaniana,estavanadistinodossentidosdotermorepresentao(Vorstellung41), especialmenteentreosaspectospuramentelgicoseosaspectosrelacionadoscomos atos de conscincia. Um exemplo disso est no uso do termo totalidade, fundamental no seu conceito de nmero, em relao ao qual no fica claro se essa totalidade um fato psquico ou uma objetividadematemtica no sentido das InvestigaesLgicas, isto , deumconceitopuro,cujavalidadeindependedosprocessossubjetivosrelacionados com a sua representao.Dequalquerforma,pode-seafirmarqueestafoiumaetapadabuscade Husserl por um conceito que depois seria sua multiplicidade formal, isto , uma noo mais geral e abstrata, vazia de contedo in concreto, como uma espcie de conceito de conceito e uma teoria de teoria, que levaria s suas reflexes sobre a lgica pura como doutrinadacincia.EmFilosofiadaAritmtica,estaaberturaparaaobjetividade matemticaaparece,porexemplo,noconceitoformaldecategoria,queinclui,por exemplo,anoodepluralidade,aqualumdosconceitosfundamentaisnareflexo sobre a origem do nmero. Cada categoria husserliana um conceito mais geral e vazio de contedo.Comoplenodesenvolvimentodaidiadelgicapuraedomtodo fenomenolgico,tornar-se-iapatentequeoobjetivodeHusserleradestacaroconceito de nmero de qualquer representao sensvel e chegar a uma meta inspirada na anlise matemticadeWeierstrass,nosentidodaconsolidaodaobjetividadedo conhecimentolgicoematemticoenquantocincia.Emrelaoaoconceitode intencionalidade,istoficariamanifestoapartirdaconstataodequetodoatopossui umcorrelato.Emtermosdeinvestigaosobreaorigemdonmero,adoutrina 41 Husserl depois distinguiria esses vrios sentidos nas Investigaes Lgicas.26 husserliana sobre conceito categorial ou formal assume que a origem das categorias est nassuaspropriedadesobjetivas,oqueconduzirHusserlaumateoriadosobjetosno sentidoqueseriaadotadoposteriormentenateoriadasmultiplicidades42.Husserl aprimoraosentidodeintencionalidadebrentaniana,apartirdarigorosaconcepo weierstrassianadecincia,desenvolvendoanoodoestudofilosficodosobjetosda lgica e da matemtica a partir de suas caractersticas estritamente formais43. Odiferencialdaquelaetapadodesenvolvimentodafilosofiadalgicaeda matemticadeHusserlestavanametodologiabrentanianadepartirdaconcepode anlisematemticacomocinciafundamentadanoconceitodenmero.Nesta abordagemfilosfica,Husserlprocuravaoferecerumconceitofundamentaldenmero que pudesse ser vlido tambm para os nmeros que no fossem os nmeros naturais44. Essesestudosprovocaramnovasquestesqueofizeramplanejarumsegundovolume paraaFilosofiadaAritmtica,masquenochegouaserpublicado.Entretanto,antes mesmodeescreverFilosofiadaAritmtica,Husserlescreveuaseuantigoorientador Carl Stumpf manifestando sua nova opinio de que aquela hiptese estava se mostrando falsa, isto , de que no seria possvel deduzir, por exemplo, os conceitos dos nmeros negativo,racional,irracionalecomplexoapartirdaorigemdoconceitodenmero cardinal45. 42EstateoriasobreosobjetosseriachamadaposteriormenteporHusserl(2006),emumcontextomais propriamente fenomenolgico, de ontologia formal. 43Oqueiriaconduzi-loconcepodelgicapuracomodoutrinadacinciaparaoestudodas proposies nas suas caractersticas ideais e a priori. 44Nestaobra,Husserlnoofereceumaabordagemformaldenmeronatural,maspercebe-sequeele, considerandooconjuntodosnmerosnaturaiscomoN={0,1,2,3,4,5,...}ecomaspropriedadestais comoapresentadas,porexemplo,naaxiomatizaodePeano,cujaprimeiraapresentaode1889 (Princpios da Aritmtica, no original: Aritmetices principi) e que foi reformulado em 1898, trocando o elementoinicial1por0.AdescriodetalhadadestesaxiomaspodeserencontradaemPINTO (2006).45 Mutadis mutandis, isso que alguns professores tentam fazer na prtica quando explicam aos alunos os conceitosdeconjuntodenmerosnaturais,inteiroseracionais,porexemplo.Elespartemdas experinciasconcretasqueseusalunostmdeoperarcontagenscomosnmeroscardinaisevo ampliando este conceito at chegar ao nmero negativo nos outros. Husserl no oferece uma abordagem formal destes conceitos de nmeros citados. Em um trabalho posterior, ele ofereceu uma definio geral 27 Aredefiniometodolgicadafilosofiahusserlianapartiudadistino brentanianaentrerepresentaoautnticaesimblica.Oatointencionalderepresentar um determinado objetoou contedo pode ser feito na presena ou na ausncia daquilo que foi representado. Se o objeto apresenta-se diretamente ao sujeito da percepo, diz-se que a representao autntica. Por outro lado, se o objeto apresentado por meio de smbolos,comopalavras,arepresentaosimblica.Emtermosdeexemplificao matemtica, no sentido de Filosofia da Aritmtica, a representao autntica, quando o conceitocorrespondeaumobjetointudo,acontecequandosecontaumnmero mantendoaatenosobrecadaobjetocontado46(oconjuntoconcreto).Entretanto, noscontedossimblicosopensamentohumanochegaaobjetosquenoso perceptveis sensorialmente nem percebidos em todas as suas caractersticas distintivas, como acontece na percepo de quantidades maiores do que doze, chegando at mesmo ao conjunto infinito47.Nocontextodafundamentaodaaritmticacomocinciaembases autnticas,temadeFilosofiadaAritmtica,Husserlconstataqueumalgarismoum smbolo geral para qualquer multiplicidade que atenda a este conceito. Por exemplo48: 5 paraestesnmeros,queelechamavadenmerosimaginrios.Trata-sedoselementos ounmerosque no aparecem no sistema formal que define os nmeros naturais. 46 E era nestes fenmenos concretos (multiplicidades ou conjuntos) que estava a base para a abstrao do conceito de nmero. Em pequenas contas possvel ter em mente os objetos contados ou calculados em algumaoperaoaritmtica,mas,apartirdeumadeterminadaquantidade,acertezanovemporesta evidncia, mas dos procedimentos formais realizados.47 Os conjuntos infinitos trazem limites lgicos e ideais filosofia da matemtica, pois, por exemplo, eles no podem ter todos os seus elementos coletados de um em um, dentro de uma perspectiva da psicologia empricaqueHusserltrabalhava.Aristtelesdiria,nomesmosentido,queoinfinitonopodeser atualizado. Chegando a estes limites, j no mais possvel trabalhar baseando-se apenas no conceito de nmero como Husserl pretendia. Este plano possui uma natureza lgica essencialmente diferente. Nos casos comuns, o processo pelo qual os grupos foram criados foi finito, sempre havia um ltimo estgio, e s vezes era possvel levar o processo a uma pausa e tambm construir o grupo correspondente. Mas isso era muito absurdo no caso dos grupos infinitos. O processo utilizado para cri-los era sem fim, e a idia de um ltimo estgio, de umltimo membro do grupo, era semsentido. E isso constituiu uma diferena lgica essencial (HILL ET ROSADO HADDOCK, 2000, p. 148 ). 48Husserlofereceesseexemploinformalmenteesemcitarumaaxiomticaespecfica,provavelmente para destacar o carter formal, geral e abstrato, de multiplicidade e para no dar a impresso de que esta noo filosfica dependa de uma formalizao especfica. Mas ele pode ser pensado no contexto de uma axiomtica de Peano, por exemplo. Conferir PINTO (2006).28 umsmboloparaqualquermultiplicidadequecorrespondaaoconceitode5.Ea expresso5+5=10tambmcorrespondeaumobjetoformal,noqual,duas multiplicidadessimbolizadaspor5,quandorelacionadasconformeasregrasou relaes simbolizadas por + resultam em uma multiplicidade simbolizada por 10, que se refere a este conceito formal de 10. Assim,amatemticaealgica,comoacinciaemgeral,avanamemum sentido ideal, no qual no preciso ter em mente todas as caractersticas distintivas dos objetosqueseobserva49.Dadaaimportnciadopensamentosimblicoparaa matemtica como modelo de cincia, Husserl admirou-se com a dificuldade de se obter intuio autntica de certos contedos da matemtica, especialmente da aritmtica50. Se oestabelecimentodamatemticacomocinciarigorosadependiadasuaconstituio embasesautnticas,Husserlconcluiuqueafaltadavisodaessncia51dosprocessos elementares de intuio levaria obscuridade na teoria da cincia e a uma compreenso insatisfatria e incompleta dos procedimentos lgicos52.Apercepodequehprocedimentoscomunsnasdiversasteoriaslgicas, consideradasdopontodevistafilosfico,masinclusiveemrelaoaseus procedimentoslgicosesimblicos,serumdosfatoresquemotivarasuateoriada lgicapuraapresentadanosProlegmenos.Destaforma,Husserlpercebe,comofica manifestoemalgunstextosmanuscritosanteriorespublicaodaobraFilosofiada 49 Husserl oferece o exemplo da contagem de objetos. Ao efetivar-se a contagem, esta autntica, pois se observa os objetos mantendo a intuio de cada um deles separadamente. Entretanto, dificilmente algum consegue ter em mente doze objetos separadamente ou autenticamente. Para saber que so doze objetos, precisocontarum por ume, nofinal,simbolicamente,concluir que so doze.Pode-seobservarqueesta operao da contagem simblica difcil para algumas crianas que ainda esto aprendendo a contar e, a cada vez que tentam contar os objetos, chegam a um resultado diferente.50Aprefernciapelosproblemasdaaritmticajustificam-sepelointuitodefundamentartodoo conhecimento matemtico por meio do conceito de nmero.51Esteconceitoserretomadonoltimocaptulo,quandosetratardarelaodateoriadas multiplicidades com a fenomenologia.52 O que nem sempre visto como um problema pelos lgicos e matemticos interessados apenas em lidar maneira lgica e matemtica com suas teorias. 29 Aritmtica53,que,peloprocessodesimbolizaomatemtica54,poder-se-iaampliar indefinidamenteodomniodosnmeros,nosentidodequeamatemticapoderia estudarnovasteoriassobrediferentesconceitosdenmeros,comojestava acontecendocomoestudodasteoriassobrenmerosinteiros,racionais,negativos, complexos, reais, etc.JnaobraFilosofiadaAritmtica,Husserlofereceoexemplodasseguintes formaes simblicas, sem formalizar a linguagem do seu exemplo55: se p definido comop=10+5,pode-sefazeradefiniodepcomop=p+8,seguindocom uma definio de p como p=p + 10, criando novos smbolos matemticos com novossignificados.Perceba-seque,almdasoma,poder-se-iausaroutrasrelaes; almdop,outrasletrase,almdasletras,outrossinais,como*.Estaformao simblicarelaciona-secomanoodemultiplicidadecomodomnioformaldeuma formadeteoriaporquecadaumdestessmbolosrefere-sejustamenteauma multiplicidade de objetos que obedecem a relaes definidas apenas formalmente. 1.2 O PROBLEMA DOS NMEROS IMAGINRIOS E A ELABORAO DA TEORIA DAS MULTIPLICIDADES Afirmou-seacimaqueHusserlestavapreocupadocomoproblemafilosfico doconhecimentosimblico.Emsuasinvestigaessobreoconhecimentosimblico matemtico,abordandoalgicasubjacentesquestesaritmticas,Husserlchegouao problemadosnmerosimaginrios,entendidos,emsentidoamplo,comoosnmeros 53Ostextoscitadossode1890eFilosofiadaAritmticade1891.Destaca-seessedetalhehistrico porque geralmente no aparece nos comentaristas da teoria das multiplicidades, mas foi destacado por DA SILVA(2007)eMILLER(1982),queperceberamestesaltodeHusserlparaalgicadesignos.Miller localiza historicamente esta descoberta de Husserl entre a publicao de Sobre o Conceito de Nmero at fevereiro de 1890 (MILLER, 1982, p. 10). 54OqualfoiestudadoemFilosofiadaAritmticanapesquisasobreasfonteslgicasdaaritmtica, abordando os diferentes modos simblicos possveis de formao dos nmeros at chegar s formas mais simples de cada um dos processos lgicos relacionados com as operaes aritmticas (HUSSERL, 1970). 55 Mas estas definies de p e de p poderiam ser pensadas como definies em uma axiomtica de Peano.30 que no pertencem ao conjunto dos nmeros naturais. Desde suas pesquisas anteriores publicaodeFilosofiaAritmtica56,esseumdostemasmaisestritamente relacionadoscomateoriadasmultiplicidades57,conformeaexplicaodeLgica Formal e Transcendental:Oconceitodemultiplicidade...serviu-meoriginalmenteparaumoutrofim,asaber,a clarificaodosentidolgicodapassagemdoclculoparaoimaginrio...Minhas questeseram:sobquaiscondies,emumsistema...(emumamultiplicidade...)a possibilidadedeoperarlivrementecomosconceitosque,deacordocomasuadefinio, so imaginrios? ... Como se entende a possibilidade de se ampliar uma multiplicidade, umsistemadedutivobemdefinidoemumsistemanovoquecontmoantigocomosua parte? (HUSSERL, 1974, p. 101). Pormeiodanoodeteoriadasmultiplicidades,Husserlconseguiuuma maneiradetratardoconceitodenmeroimaginrioutilizandosistemasformais58que podem ser ampliados com novas definies. Assim, os elementos que forem integrados no domnio formal ou multiplicidade no sero mais considerados imaginrios. O conceito do domnio formal ontolgico de um sistema de axiomas A nos permite definir o que,pelaperspectivadeA,umelementoimaginrio...Umelementoimaginrio simplesmenteumelementoquenoestnodomnio...deA,noimportaqualsejaabase. Emoutraspalavras,umelementoque,dopontodevistadeA,noexiste.Ouainda,um elemento que no pode ser singularizado pelos axiomas do sistema.(DA SILVA, 2000b, p. 427) Dentrodadelimitaopresente,podemosdeixarregistradaaconvico husserliana de que sua teoria da multiplicidade seria a chave para solucionar o problema dosnmerosimaginriosparaqueelespudessemreceberumtratamentosistemtico 56Husserldefiniuessetemadosimaginrioscomotemadeconclusodosmeusantigosestudos filosfico-matemticos (HUSSERL, 1974, p. 102).57Observe-sequeHusserlutilizaanoodenmeroimaginrioemumsentidolato,incluindoos nmeros inteiros, racionais, etc. 58 As explicaes presentes nos exemplos e notas abaixo pressupem algo sobre as teorias formais. Alm derecomendarobrasdeintroduosobreoassuntocomoSANTANNA(2003),pode-seadiantarque umateoriaformalpossuiosseguinteselementos:smbolosprimitivosoufundamentais,expressesque soseqnciasdesmbolos,algumasexpressesconsideradasvlidasechamadasdefrmulasbem formadas,umprocedimentoefetivoparadefinirquaissoasfrmulasconsideradasbemformadas, relaesentreasfrmulasbemformadaseumprocedimentoefetivoparaverificarseasfrmulas obedecemaestasrelaes.Ageometriaeuclidiana,porexemplo,podeserelaboradacomoumateoria formal. 31 dentrodospadresdalgicapuracomodoutrinadacincia59.Senocomeodesua pesquisa,Husserlidentificavaocaminhodajustificaodamatemticanapercepo original e autntica dos objetos concretos, a sua concepo foi ampliada filosoficamente at a percepo da teoria das formas de teorias possveis ou teoria das multiplicidades, nasquaisosprocedimentostornam-secadavezmaissimblicosatosextremosdo formalismopuro.Odesenvolvimentodasteoriasformaiseaxiomticasajudariaa oferecerrecursoslgicosparaajustificaodasteoriassimblicas60.Arefernciaaos objetosimaginriosouimpossveisestariajustificadacomasgarantiasdequeas deduesfeitasapartirdessesobjetosestariamcorretas,dadaaconformidadedaquele sistema axiomtico com os padres formais da teoria das multiplicidades. NoprefciodasInvestigaesLgicas,Husserlfezumaalusoespecficaaofatodeter ficado confuso com a teoria das multiplicidades (Mannigfaltigkeitslehre) com sua expanso para formas especiais de nmeros e extenses. O fato, explicou ele, de se poder generalizar, obviamente, produz variaes da aritmtica formal, que poderia levar para o lado de fora do domnio quantitativo sem alterar a essncia da natureza teortica da aritmtica e mtodos de clculoofizeramperceberquehaviamaisnascinciasmatemticasouformais,ouno mtodomatemticodeclculo,doquejamaisseriacaptadoemanlisespuramente quantitativas (HILL ET ROSADO HADDOCK, 2000, p. 151). Em Lgica Formal e Transcendental, Husserl explicou que nos Prolegmenos seu objetivo no era especificamente matemtico, mas era preparar os desenvolvimentos filosficos que ocorreriam a partir das Investigaes Lgicas. Coerentes com essa idia deHusserl,umavezqueescolhemosdelimitaressapesquisanosProlegmenos, situaremosaimportnciadoproblemadosnmerosimaginriosnodesenvolvimento dasmultiplicidades,tratandodainflunciadosproblemaslgicosematemticosna concepohusserliana.Assim,pretende-secontinuaraanlisedaelaboraodalgica 59 Este ponto de vista foi confirmado em HUSSERL (1949, 2006). 60Comoserapresentadonestecaptulo,oexemplomaissimplesdautilizaodessesrecursosformais talvez seja o caso das equaes de coeficientes naturais com soluo pertencente ao conjunto dos nmeros inteiros. 32 puraedateoriadasmultiplicidadesnocontextododesenvolvimentodafilosofiada matemtica husserliana. importante tratar da influncia matemtica, pois foi dela que Husserldesenvolveusuateoriadasmultiplicidades,incluindoseusdoisaspectos abordados nesta pesquisa, isto , a teoria das formas de teorias e a teoria dos correlatos objetivos dessas teorias . interessantenotarqueHusserlnoofereceuumexemploemlinguagem formaldalgicaoudamatemtica61,embora,provavelmente,fossecapazdisso,uma vezqueem1891elejestavaescrevendotrabalhosfilosficossobreasteorias axiomticas62.SejanaobraProlegmenosouemLgicaFormaleTranscendental, Husserlcitanominalmentealgunsmatemticosesuasrespectivasteoriasmatemticas, mas no oferece nenhum exemplo matemtico, exceto a propriedade comutatividade, a qual aparece sem os detalhes formais da linguagem que definiriammatematicamente o seuexemplocomprecisoqueexigeemtrabalhosestritamentelgicosematemticos. Eomesmoprocedimentoseguido,demodogeral,pelosseuscomentaristas63.Disto pode-se concluir que a exemplificao em linguagem formal da lgica e da matemtica no necessria quando se pretende enfatizar a concepo filosfica propriamente dita, mas no se deve eliminar a possibilidade de que tais exemplos sejam formalizados64. 61 Isso pode ser verificado nas vrias obras que tratam sobre multiplicidade.62OconhecimentomatemticodeHusserlfoicomentadoporHILLL(2000).Pode-seentenderteoria axiomtica como uma teoria formal, no sentido dado em uma nota acima, com um elemento extra, que um procedimento que permita determinar quais frmulas bem formadas da teoria formal em questo so axiomas,osquaistambmsoalgumasdessasfrmulasdateoria.Paramaisdetalhes,conferir,por exemplo: SANTANNA (2003, p. 17). 63Pode-seincluirostrabalhosqueaparecemnaextensabibliografiadestadissertao,desdeJairoda Silva a Claire Ortiz Hill, passando por Suzanne Bachelard e Thomas Mormann.64Sealgumnoconcordarcomessahiptese,defendendoquenecessrioapresentarasreferncias matemticas em uma linguagem formalizada para que as consideraes filosficas sejam vlidas, ter que necessariamenteconcluirqueateoriadeHusserlsobrealgicapuranopossuivalornocontextoda filosofiadalgicaedamatemtica,assimcomoseuscomentaristas,entrandoemcontradiocoma tendnciadeassimilaressasimplicaesfilosficashusserlianasapesardafaltadeformalizao de seus exemplos,aqualobservadaemlgicosderenomecomoKurtGdel(DASILVA,2002a;WANG, 1987),oqualsevoltoucomgrandeinteresseparaafilosofiadeHusserlafimdeesclarecersuas curiosidadessobrealgicaqueultrapassavaoslimitesdalinguagemformal(KUSCH,1989).Talvez falte, nesta incompreenso acerca da formalizao no pensamento husserliano, a distino entre uma obra tcnicasobrelgicaematemticaeumaobrafilosficasobrealgicaeamatemtica,seguindoas 33 Nocasoespecficodoproblemadosnmerosimaginrios,oprprioHusserl noformalizaseusexemplos65,masseusargumentossocompreensveis.Eleoferece umexemplodeumsistemaaxiomticoqualqueridentificadocomaletraA.Em seguida,postulaumelementoqualquerquesejaimaginrioparaestesistema,isto, notenhasignificadonestesistemaounosejadefinidopelosseusaxiomas,masque possa ser definido em uma outra teoria axiomtica, que preserve as propriedades de A. Poderamos pensar, por convenincia, em um sistema axiomtico no qual sejam vlidas explicaesdosProlegmenos.QuemnoperceberissopodertomarolivroInvestigaesLgicas pensando ingenuamente que deveria ser um livro escrito em linguagem lgica. Essa aparente contradio no uma novidade de Husserl e de seus comentaristas, mas pode ser notada na obra de Aristteles que, apesar de ter escrito uma obra sobre lgica formal, no escrevia suas diversas pesquisas filosficas nesta mesma linguagem formal que ele mesmo descreveu, como se pode perceber na obra Primeiros Analticos (ARISTTELES,2005),que tratada silogstica, masnoapresentadocomoum tratadoformal, oque foipercebidopeloscrticoslgicoscontemporneos(SANTANNA,2003).Aquiapresenta-seuma distinodediferentesusosdalinguagemquealgunsfilsofosparecemnoperceber,especialmente aqueles que MORMANN (1991) descreveu como pretendendo reduzir a filosofia filosofia da cincia e estasintaxedalinguagemcientfica,fazendorefernciasidiasdeCARNAP(2002).Umateoriado discurso que pode ajudar a resolver esse problema foi apresentada com a teoria dos quatro discursos em CARVALHO(1996)baseando-seprincipalmenteemARISTTELES(2005).AssimcomoDALLA-ROSA (2002) aplicou a teoria dos quatro discursos ao conjunto dos estudos sobre Direito Constitucional, seriapossvelfazerumestudoanlogoemrelaosdiferentesfinalidadesdousodalinguagemno contexto dos estudos sobre lgica e matemtica.65Comopode-severificaremHUSSERL(1970,p.433),porexemplo.Oscomentaristastambmno formalizam seus exemplos. Miller (1982) oferece um exemplo informal do sistema dos nmeros racionais quemantmalgumaspropriedadesdosnmerosnaturais.Pode-seencontrarumaformalizaoe explicaoespecficadosnmerosnaturaisemobrascomoPINTO(2006),POIZAT(2000,p.134)e LIMA(1976,p.26-30).Osnmerosnaturais(N)podemserrepresentadoscomoumconjuntocomos seguintes elementos: N ={1,2,3,...}, como feito por LIMA (1972, p. 2). Ele no define o que entende por nmeros inteiros, mas podemos entender no sentido apresentado em JAKOBS (1992, p. 43-4), que um livro de introduo aos problemas matemticos contemporneos escrito para filsofos. O autor parte doconceitoalgbricodecorpoeformulasuasleiscorrespondentesexemplificando-ascomosnmeros racionais.EsteprocedimentotambmadotadoemLIMA(1972,p.51).Nestelivro,oconjuntodos nmerosracionais(Q) descritosda seguinte maneira:oconjuntoQdos nmerosracionaisformado pelas fraes p/q, onde p e q pertencem a Z [conjunto dos nmeros inteiros], sendo q [diferente] 0. Em smbolos, Q = {p/q; p [pertence] Z, q Z, q 0}, sendo que ele no define o que entende por fraes. DaSilva(2000,p.420)ofereceumexemplo,tambmsemformalizao,doacrscimodeumelemento negativonosistemadosnmerosnaturais.EmDASILVA(2007)eleoferecemuitosexemplos interessantesrecolhidosdahistriadamatemtica,mastambmsemapresentaraformalizaodo exemplo. Esta falta de formalizao no deve estranhar, pois eles esto escrevendo trabalhos de filosofia, ainda que seja filosofia acerca da lgica e da matemtica. Estas reflexes pressupem certo conhecimento matemticosemosquaisasquestesnemseriamlevantadas.Poroutrolado,transcendemos conhecimentosmatemticosnamedidaemqueagregamelementosfilosficosquegeralmentenoso consideradosporlgicosematemticos.Sendoassim,estestambmprecisambuscarasreferncias filosficasnecessriasparaentenderestasquestes.curiosoobservar,emrelaoformalizaodos exemplos, que at mesmo os livros de matemtica no definem formalmente alguns elementos que esto apresentando em suas pginas, dependendo do objetivo especfico do livro. Por exemplo: POIZAT (2000) noapresentaumadefiniodenmerosinteiros,umavezquepretendetratardeobjetosmatemticos maiscomplexosquesupeoconhecimentodaspropriedadesdosnmerosinteiros.LIMA(1972) apresentaadefinioaxiomticadosnmerosinteiros,masnofazomesmoprocedimentocomos nmeros inteiros e racionais.34 as propriedades dos nmeros naturais, tais como definidas por Peano66, mas definida em uma linguagem axiomtica67, na qual se pode formular e resolver equaes utilizando os procedimentosvlidos,queserchamadodeA.Entretanto,nemtodaequao formuladatersentidoemtermosdadospeloselementosdeA.Porexemplo:ao formularaequaox+y=0,sendoxeyelementosdiferentesequepertencem teoria A, no ser possvel encontrar uma resposta em A, isto , no h dois elementos x eyquaisqueremAquesomados(deacordocomosprocedimentosindicadospor+) resultemnoelemento0.Entretanto,comosepercebenahistriadamatemtica,os pesquisadoresnoseacomodaramcomessasituaoeforambuscandosoluespara taisenigmas.UmgrandeexemplofoiFranoisVite,cujolemaeraquenenhum problema ficasse sem soluo68.CoerentecomolemadeVite,SUPPESETHILL(2002)sugeremo acrscimo de um novo axioma que permita resolver esta equao. Perceba-se que estes autores,nasoluodoproblemaapresentadopelaequaoacima,concebemumnovo objeto, pensado apenas em termos de relaes formais possveis, pois busca-se um certo elementodosistemaAquesomadocomoutroelementodiferente,mastambm pertencente a A, pudesse resultar no elemento zero (0). Observando o procedimento da resoluo da equao, percebe-se que os autores SUPPES ET HILL (2002) sabiam que talelementoprocuradocomorespostanopoderiapertenceraosistemaA,aindaque obedecessesleisqueregemA.Ouseja,elesjtinhamemmenteaforma,isto,o conjuntoderelaesformaispossveisqueesperavamdoelementosoluo.E,melhor 66 Como j foi indicado acima, mas considerando a verso que inclui o elemento zero, como faz POIZAT (2000). 67ComoapareceemPOIZAT(2000,p.134-5).Oautorutiliza11axiomasparaformalizaroqueele chamadearitmticadePeanoequejincluemalgumasoperaesenvolvendoestesnmeros naturais.Nestalinguagemaxiomticaaparecemsmbolos,termos,frmulasbemformadas, procedimentos efetivos, regras de inferncias e axiomas. Tambm h exemplos em SUPPES ET HILL (2002). 68Asuaobrasobreequaes,foi traduzidaparao inglsepublicadacomoanexoem KLEIN(1992),o qualfazrefernciasimportnciadasconsideraesfenomenolgicasnoestudodahistriada matemtica.35 ainda, como elesestavam pensando em dar a soluo em termos de linguagem formal, no conceberam um elemento singular qualquer que, casusticamente, resolvesse aquela equao, mas estavam pensando em um novo conjunto ou, mais precisamente, em uma nova regio de objetos quaisquer, para usar uma expresso de Husserl, que obedecesse a certasleisformaispossveis.curiosoque,seoprimeirosistemapossuaasmesmas propriedadesdeumconjuntodenmeros,osnaturais,estesegundosistema(B)ter tambm as mesmas propriedades de um outro conjunto de nmeros69.So duas regies de objetos diferentes: um desses contm o objeto que resolve aequaodadaeooutrono,maselespossuemleisemcomum70.Umdelespodeser comparado com o conjunto dos nmeros naturais (N), por possuir uma correspondncia isomrfica,isto,paracadaelementodeA,pode-seencontrarumelemento correspondenteemNe,paracadaoperaodefinidaemA,pode-seencontraruma operao correspondente em N, ainda que os sinais usados para indicar os elementos e as operaes no sejam os mesmos. Aorigem71destasituao,isto,aevidnciainicialquepermitea compreensodoproblemaoudasoluo,podeocorrerpormeiodeumaabordagem matemtica.Algumpoderiaestarresolvendoumaequao,definidaemtermosde nmerosnaturais,comoViteestavafazendo,porexemplo,eperceberquenohavia soluopossvelparatodasasequaes,comofoimostradoesquematicamenteacima. Ento, pode-se abstrair um exemplo qualquer, supondo x pertencente ao conjunto dos nmerosnaturais,algumpoderiaencontraraequaox+1=0eafirmarquetal 69Osnmerosinteiros.SUPPESETHILL(2002)acrescentamoseguinteaxioma,formandoonovo sistema axiomtico B: para todo X, X + (-x) = 0. Deve-se lembrar que o sistema B no o sistema dos nmerosinteiros,mas,organizandoseusaxiomas,Bpodepermitirespecificaesdosnmeros inteiros, desde que seus termos sejam substitudos adequadamente, como indicado na obra citada, na qual no se chega a construir a teoria formal dos nmeros inteiros.70 Ambos obedecem, por exemplo, lei do fechamento da teoria algbrica dos grupos.71 Como foi apresentado acima, ao tratar dos problemas filosficos que Husserl apresentou em Filosofia da Aritmtica.36 soluo seria impossvel72 no sistema formal em questo. Um matemtico iria lidar com estasituaoprocurandoumateoriaformalquepermitissesolucion-lo,isto,um sistema formal no qual fizesse sentido as operaes exigidas para a soluo da equao da forma x + (-x) = 0. Isto , percebendo a impossibilidade de soluo em um sistema dado, omatemtico iriaabstrair a forma73 de tal sistema pensando-o como uma teoria formalouumaformadeteoria,isto,considerandoseuselementoserelaes, independentes de especificaes ou exemplificaes74. Ento, os signos usados em uma determinadateoriadeixamdesimbolizaraquiloqueseconcebiainicialmenteeso pensados como expresso de um objeto qualquer que obedece quelas relaes formais. Nestecaso,considera-seasregrasqueregemosnmerosnaturaissimplesmente conforme a axiomtica de Peano, sem considerar os nmeros naturais, pensando que ali poderiaestarqualquerobjetoqueseguisseaquelasregrasformais.Assim,pode-se perguntarseosistemapodeserampliadocoerentementeesemcontradiespelo acrscimo de novos smbolos, axiomas, etc.Esta extenso da teoria pode ser exemplificada matematicamente, mantendo a coerncia com o pensamento husserliano, mas utilizando uma definio mais elaborada matematicamente75. Assim, poder-se-ia definir um grupo G, no-vazio76, que obedea s leiscomaforma77daspropriedadesdaadiocomoestodefinidasnateoriados 72 Como acontecia desde a poca de Diofanto, o qual diria que a equao foi mal formulada e exigiria um nmero (arithmos) irracional (KLEIN, 1992).73 A expresso husserliana.74 Em outras palavras, deixando seu escopo indefinido, como explica DA SILVA (2007). 75OquenoumainfidelidadefilosofiadeHusserl,poisesteestavasempreestudandoasnovidades matemticas,aplicando-aseinterpretando-asfilosoficamente,comofoicomentado,porexemplo,em HILL(2000).Esteprocedimentoadotadoprincipalmentepormatemticosqueestudamteorias matemticasouteoriassobreamatemtica(metamatemtica)quenohaviamsidoformalizadaspelos critriosmaisrigorososdesenvolvidos,comofez,porexemplo,SUPPES(1993,p.25-40),oferecendo sugestesdeaxiomatizaoparateoriaselaboradasnaGrciaAntiga,usandotermosdepredicados conjuntistas, isto , por meio de predicados definidos com a utilizao da linguagem de conjuntos.76 Isto , um conjunto que possua, pelo menos, um elemento.77Parafacilitaracompreenso,oelementomaisabstrato,queoobjetoprpriodateoriadas multiplicidades,queaformadateoria,nalinguagemhusserliana,est sendoapresentadoapartirde um elemento mais intuitivo ou autntico (conforme a linguagem de Filosofia da Aritmtica). Entretanto, este exemplo mais intuitivo, pela seqncia lgica ideal, seria uma aplicao dos princpios da teoria das 37 nmerosinteiros,massemespecificarmosseuselementoscomoosnmerosinteiros, isto , pensando apenas em objetos quaisquer que obedeam s leis formais que regem osnmerosinteirosenquantogrupoalgbrico.Assim,umconjuntodeelementosque obedecessespropriedadesouregrasdefechamento78,associatividade79,da comutatividade80,doelementoneutro81edoelementoinverso82,independenteda naturezadeseusobjetos83,mastendocomonicacondiosubmeter-seaestas determinaes formais, seria um grupo (G). Este no necessariamente o conjunto dos nmerosinteiros,masumconjuntodeelementosdefinidosapenaspelofatode obedeceremsleisespecificadasacimaequepoderiamserapresentadosemforma axiomtica como uma teoria T de grupo abeliano84. Note-se que esta teoria correspondente ao grupo G poderia ser ampliada, com o acrscimo de axiomas que transformassem esta teoria em uma teoria algbrica de um corpo K. Este possui, alm das propriedades citadas acima para a teoria T sobre o grupo G,asseguintespropriedadesparaaoperaodemultiplicao(representadapor.):a) associatividade (anloga associatividade da adio: se x, y e z pertencem a K, segue-se que(x.y).x=x.(y.z));b)comutatividade(tambmanloga:x.y=y.x);c)elemento neutro(anloga:existeumelemento1nocorpoKtalquex.1=xparaqualquerx pertencenteak,sendoqueeste1diferentedoelemento0pertencenteaK,queo estruturas formais. E suas leis estariam includas em outra teoria mais abrangente. Dessa forma, dada uma teoria T qualquer, poder-se-ia, conforme Husserl, elaborar uma teoria sobre as caractersticas essncias de T enquanto teoria, como se faz no estudo das teorias formais.78 De acordo com esta propriedade, o elemento resultante de uma adio de dois elementos pertencentes aGtambmpertenceraG.Elinguagemmatemtica,sexeypertencemaGez=x+y,tem-sez pertencente a G. 79 Para quaisquer trs elementos de G simbolizados por x, y e z valeira a equao (x + y) + z = x + (y + z).80 Para todos elementos x e y pertencentes a G, tem-se x + y = y +x.81 Existe um elemento 0 pertencente a G de tal maneira que para todo elemento x pertencente a G, x + 0 = x. Observe que, pela propriedade da comutatividade, tem-se tambm que, para todo elemento x de G, vale a equao 0 + x = x.82Por essa propriedade, fica garantido que todo elemento xde G possui um elemento simtrico -x, tal quex + (-x) = 0. Vale a comutativa, de forma que x + x =0.83 Para usar uma expresso de DA SILVA (1999).84ComofoifeitoemSANTANNA(2003, p.69-70).Seo conjunto dosnmeros inteirosexemplificam essa teoria T, no so necessariamente o nico exemplo.38 elementoneutrodaadio);d)inversomultiplicativo(tambmanloga:paratodo elemento x pertencente a K e diferente do elemento 0 pertencente a K, h um elemento 1/x,talquex.1/x=185;e)fechamento(anlogoadio,comodefinidoparaa estrutura e acima); e) distributividade : para x, y e z pertencentes a K, vale x . ( y + z) = x.y+x.z.86.Note-sequeoselementosquesubmetem-seatodasasleisalgbricasde corposeriamconsideradosimaginriosnogrupocomutativoG.Enote-setambmque asleisemcomumnovalemautomaticamentenosdoissistemasformais,masexigem asdemonstraesrespectivasdeacordocomaaxiomticadecadateoria.Alei comutativa,porexemplo,somentevaleemumdeterminadogrupoporquepodeser provada de acordo com os seus prprios axiomas, o que vale, mutadis mutandis, para o corpo. Naapresentaodessesexemplosretiradosdateoriaalgbrica,deveficar patente que o tratamento dos nmeros imaginrios pela teoria das multiplicidades no evidentementeumaampliaoarbitrriadasteoriasdaquelesnmeros,oquelevariaa contradies,mastrata-sedeumtrabalhosistemticoapartirdassemelhanasnas formas de teoria que se referem aos diferentes objetos matemticos.Talpossibilidadedesistematizaoteorticadeformaspurasreferentesa diversasteoriascientficasnodeixoudeinteressaroprprioHusserl.Eassim,do problemadosnmerosimaginrios,desdobrar-se-iampossibilidadesteorticas relacionadas com as teorias das formas de teorias e de seus correlatos objetivos. Para o estudodateoriadasmultiplicidadesnocontextodalgicapuracomodoutrinada cincia, importa aqui esta noo de domnio de um sistema formal, isto , de uma regio 85 Onde a barra / significa a diviso usual conforme o algoritmo da diviso algbrica.86Paraoestudodeoutrasteoriasalgbricas,conferirobrascomoSHETH(2002).Umexemplobreve pode ser encontrado se tomarmos as propriedades deste corpo K e excluirmos a propriedade do elemento inversomultiplicativo,teremosumaestruturaalgbricachamadadeanelcomutativo.Eseexcluirmos, sucessivamente,apropriedadecomutativadamultiplicaoteremossimplesmenteumanel,isto,outra estrutura, pois o conjunto de relaes mudou. 39 deobjetosdefinidasapenasporobedeceremaalgumasleisformaisdefinidasporum sistemadeaxiomas.TambminteressantenotarqueHusserldesenvolveuestanoo comoumelementoinstrumentalparaevitarabsurdosecontradiesemsistemas axiomticos, mas tendo implicaes no estudo filosfico do conhecimento simblico, o qualpoderiaserauxiliadopormeiodeumaampliaodesmbolosreferentesa elementos imaginrios, desde que estes pudessem ser provados coerentemente na teoria em questo. 1.3ALGUMASEXIGNCIASFILOSFICASDATEORIADAS MULTIPLICIDADESDIANTEDALGICAEDAMATEMTICA CONTEMPORNEAS A HUSSERL Husserlestavabastanteatualizadoemrelaosdescobertasmaisrelevantes dalgicaedamatemticadeseutempo87.Apalavralgicaumtermoquejfoi utilizadoemmuitossentidosnahistriadafilosofia88.Mesmoassim,possvel localizar temas comuns nas vrias elaboraes filosficas sobre a concepo da lgica. H,demodogeral,muitosprincpiosemcomumentreHusserleosoutrospensadores contemporneos.AlmdainflunciacitadadaanlisematemticadeWeierstrassna FilosofiadaAritmtica:aaritmticapura(ouaanlisepura)umacinciaque baseadasomentenoconceitodenmero(HUSSERL,1970,p.12),pode-secitara influnciadeDedekindeCantorquevisavamumconsistente,puramentearitmtico 87Husserlprovavelmentefoiumdosprimeirosaexperimentaroimpactodiretodosproblemas desafiantes da teoria dos conjuntos de Cantor. Neste item tambm sero utilizados dados das pesquisas deHILL(1994,2002),HILLETROSADOHADDOCK(2000),MOHANTY(1995,p.69-70),SMITH (2003a,p.26-8;2003b,p.427-8)eWIEGAND(2000,p.111).Outrasrelaesdaobrafilosficade Husserl com a lgica dos sculos XIX e XX podem ser encontradas em FIDALGO (1996), HILL (2002a) e HUSSERL (1970, 1994, 2003). 88Logo,seriaumtermoequvoconosentidoaristotlico(ARISTTELES,2005).Umexemplodesse carterequvocodotermolgicapodeserencontradonapesquisaqueAntonioPortnoypublicouno DicionrioFilosfico(PORTNOY,1952,p.65-73)sobreasprincipaisconcepesdelgicada histria.ApenasentreasprincipaisdefiniesapresentadaspelospensadoresdossculosXVIII,XIXe XX, ele cita 14 definies distintas. 40 desenvolvimentodaanlise(MILLER,1982,p.6).Assim,aconcepodelgicade Husserlrelaciona-secomosproblemaslgicosdesuapoca.Reforandoestaidia, pode-se fazer algumas relaes com os problemas lgicos e matemticos de sua poca, especialmente as concepes de sistema formal e multiplicidade que eram estudadas na matemtica e na lgica da poca.Poroutrolado,adiferenaentreHusserleosdemaislgicosdeseutempo notvel:Quandoele[Husserl]olhouparaossistemasdedutivosdesuapoca, encontrouapenasobscuridadeemrelaoaostatusteortico89(DAHLSTROM, 2003, p. 1). E, por meio desta pesquisa de clarificao da lgica, Husserl chegou teoria das multiplicidades, que contribui para o esclarecimento filosfico dos estudos lgicos. Pormeiodestasuateoria,procurou-seampliarodomniodalgica90,assimilandoas ltimas descobertas da matemtica. Direcionando-sesomenteparaaquiloqueelealternadamentechamavadeenigmas, tenses,quebra-cabeasemistriossobreacinciaealgicapura,eenxergandosua voltaapenasidiasvagas,maldesenvolvidas,ambguaseconfusas,semnenhuma compreensoglobaleverdadeiramentesatisfatriadopensamentosimblicooude qualquerprocessolgico,Husserlselanousozinhonaresoluodosproblemasdesuas investigaes nas profundezas da matemtica (HILL ET HADDOCK, 2000, p. 149) Retomando o debate sobre a filosofia pr-fenomenolgica husserliana, quando seestudaodesenvolvimentodalgicanoperodoqueantecedeapublicaodas InvestigaesLgicasdeHusserl,destaca-seafiguradeFrege.Umdosautoresque enfatiza esta importncia91 para a lgica pura o prprio Husserl, como se deduz deste 89 No foi por acaso que Husserl afirmou que a sua busca de clarificao filosfica afastou-o de Homens e trabalhos aos quais a minha formao cientfica tem as maiores dvidas (DAHLSTROM, 2003, p. 3).90 Husserl aprofunda a explicao da sua noo de lgica em HUSSERL (1957). 91AimportnciadeFregenalgicadossculosXIXeXXindiscutvel:[Frege]reconhecido amplamentecomoumdosdoismaioreslgicosdesdeAristteles(ooutroKurtGdel).AFrege atualmenteatribudaacriaodalgicamoderna:entreoutrosfeitos,elefoiaprimeirapessoaa investigarasfundamentaeslgicasdamatemticaeoprimeiroaconstruirumsistemadedutivoe formal da lgica (BOOLOS, 1998, p. 143 ). 41 trecho das Investigaes Lgicas: Aproveito a ocasio para assinalar com referncia a todasasdiscussesdestesprolegmenosoprlogodaobraposteriordeFrege,Os Fundamentos da Aritmtica, tomo I, Jena, 1893 (HUSSERL, 1922, p. 169).Acomumopinionis92atribuiumagrandeinflunciadeFregesobreHusserl devidoresenhacrtica93queaquelefezacercadaobrahusserlianaFilosofiada Aritmtica94.AcrticadeFregeaopsicologismoanterior95.NaobraFilosofiada Aritmtica,HusserlnoconcordoucomaposiodeFregesegundoaqualalgica deveria ser fundada sem anlises psicolgicas96:O que Frege almejou no absolutamente uma anlise psicolgica do conceito de nmero. Nopormeiodetalanlisequeeleesperapeloesclarecimentodosfundamentosda aritmtica....Psicologianodeveimaginarquepoderiacontribuiremalgoparaa fundamentaodaaritmtica.LogosevadireoqueFregeesttomando.(...)Uma fundamentaodamatemticaemumaseqnciadedefiniesformais,noqualtodosos teoremas desta cincia possam ser deduzidos puramente de maneira silogstica, o ideal de Frege (HUSSERL, 1970, p. 118). Edepois,nasInvestigaesLgicas,Husserlmudoudeposioeconcordou com o antipsicologismo fregeano: Apenas necessito dizer que j no aprovo a crtica de princpio que havia feito acerca da posio antipsicologista de Frege na minha obra Filosofia da Aritmtica I, p. 129-132 (HUSSERL, 1922, p. 169). Para esta dissertao, 92 Por exemplo: DUMMET (2000) e BETHET PIAGET, 1961, mas MILLER (1982) prefere no tomar posio sobre este tpico.93Trata-sedotrabalhoqueFregepublicouemZeitschriftfrPhilosophieundphilosophischeKritik, vol. 103, p. 313-332 (revista de filosofia e crtica filosfica). . 94possvelencontrarumavozmaisdestoante,emrelaodimensodainflunciafregeanaem Husserl, nos comentrios de Barry Smith (SMITH ET SMITH, 1995, p. 5).95ConferirFREGE(1972).NaobraOsFundamentosdaAritmtica.Umestudolgico-matemticodo conceito,umdosprincipaisobjetosdecrticafoiJohnStuartMill:Elecriticaocrutratamento empricodeMillparaoobjetodaaritmtica(STYAZHKIN,1969,p.264).Millvalorizaopapelda induo no raciocnio lgico. Ao analisar o silogismo, ele escreveu: Toda inferncia do particular ao particular. Proposies universais so apenas registros detais inferncias j feitas (MILL, 1867, p. 129). Frege foi um crtico notvel de tal posio ao refutar a idia de que as leis da aritmtica procedem da induo. 96Anlisessobreaorigemdonmeronosentidoacimaexplicado.curiosoqueistoassociado seriedadefilosficadeHusserlnaseguinteanlise:TambmcontrariamenteaFrege,Husserlpercebe comoumproblemaimportante,omodocomointumosnmeros,isto,comotornamo-nosconscientes desses objetos abstratos. Frege, que no est interessado na questo, entende-a como uma concesso ao psicologismo.Husserlevidentementeassume,nesseaspecto,commaisseriedadeafunodefilsofo (DA SILVA, 2002, p. 577).42 o mais importante, diante da polmica entre eles, reconhecer que ambos sustentavam a posio filosfica de que a lgica essencialmente uma disciplina teortica, no sentido dadiscussoconduzidaporHusserlnosProlegmenos97,ondeaconcepodeteoria dasmultiplicidadesculmina98comaelaboraodeumaconcepodelgicacomo uma cincia pura e a priori cujo objetivo primrio no a mente que faz juzos, mas o planodossignificadosideaiseimutveis(MILLER,1982,p.15).Esteponto culminantedasuaconcepodemultiplicidadeemsentidomatemticoaparecenos Prolegmenoscomoateoriadasformasdeteoriaedosseuscorrelatosobjetivos99. 97MichaelDummet,noprefciodareedioinglesadasInvestigaesLgicas,fezumacomparao breveentreHusserleFrege,mostrandoospontosdesemelhanaentreosdoispensadoresnaviradado sculo.Ambossustentavamquealgicaessencialmenteumadisciplinateorticaeambospodemser considerados, em certo sentido, logicistas em relao filosofia da matemtica (MILLER, 1982, p. 4s.). Contudo,emseguida,notaqueospensamentosdeambosseguiramcaminhosbemdistintos:Husserl seguiu investigando as intuies das essncias e influenciando a escola fenomenolgica, enquanto Frege dedicou-se linguagem,influenciandoaescolafilosficaanaltica,de talmaneiraqueacomunicao entreospensadoresdasduaslinhasdepensamentofoidificultando,sobalgunsaspectos(DUMMET, 2003).Ofenmenodaincomunicabilidadeentrefilsofosexiste,especialmentenosculoXX (STEAGMLLER, 1977, p. 12-4); entretanto, tal argumentao contraditria com a posio de Roy W. Sellars na resenha que fez sobre o livro The Aims of Phenomenology de Marvin Farber (Os objetivos dafenomenologiadeMarvinFarber):DeHusserlpode-sedizerquepertencetradioanaltica (SELLARS, 1968, p. 125). Dessa forma, ambos (Husserl e Frege), divergeriam dentro damesma escola analtica,ondeumteriasevoltadoparaasessnciaseoutroparaalinguagem.Nessalinha,Dummet afirma curiosamente que Frege o av da filosofia analtica e que Brentano o bisav da filosofia analtica(DUMMET,2003,p.xviii).Entreaspesquisasfeitaspeloautorsobreesteassunto,umadas opinies mais curiosas encontradas sobre a relao filosfica entre Frege e Husserl a do historiador P.S. Popov(AutordeIstorizalogichinovogoopemeni,isto,Histriadalgicarecente),segundoo qual, Frege foi um predecessor de Husserl e da fenomenologia em geral (STYAZHKIN, 1969, p. 264). Nooriginal:predecessorofHusserlandphenomenologyingeneral.Entretanto,Styazhkinno concordacomPopov:Noentanto,muitoduvidosoqueistosejaassim.Almdisso,Fregeera completamenteestranhoaestesubjetivismo.AsrelaesentreasfilosofiasdeHusserleFregeso debatidas mais profundamente no livro HILL ET ROSADO HADDOCK (2000).98Istopodeserditobaseando-senaclassificaodastrsfasesdafilosofiadamatemticahusserliana conformeMILLER(1982),mastambmcoerentecomaclassificaodastrsrespostasdeHusserlao problema do conhecimento simblico feito por DA SILVA (2007). Ainda nesta linha de investigao, as obrasimportantesnestafasesoasseguintes:ProlegomenavonLogischeUntersuchungen (Prolegmenos s Investigaes Lgicas) 1900/1901, Doppelvortrag (Aula dupla) 1901, um texto que foi publicado em HUSSERL (1970), e obras posteriores Ideen zu einer reine Phnomenologie und phnomenologischenPhilosophie(Idiasparaumafilosofiafenomenolgica),1913;Formaleund TranszendentaleLogik(Lgicaformaletranscendental),1929,eDieKrisisdeseuropischen wissenschaftenunddietranzendentalePhnomenologie:eineEinleitungindiephnomenologische Philosophie(Crisedascinciaseuropiaseafenomenologiatranscendental:umaintroduo filosofia fenomenolgica), 1936. 99Comumaposioqueconfirmadaquase30anosdepoisemLgicaFormaleTranscendental:Ele sempreconsiderouestateoriacomorepresentandoatarefamaisavanadadelgicaformalea formulao dela nos Prolegmenos como definitiva99 (HILL ET ROSADO HADDOCK, 2000, p.156). 43 principalmenteapartirdesteponto100queHusserlseabreparaumproblemamarcante que o levar a pensar mais profundamente na noo de multiplicidade: a busca de uma teoriaacercadossistemasdedutivosformaisqualcorresponderanoode multiplicidade formal como a determinao formal do domnio de uma destas teorias ou dos objetos tratados por esta teoria. Entretanto,pormaisqueHusserltenhasededicadosteoriasdosoutros lgicos,matemticosefilsofosdapoca,ateoriadasmultiplicidadesdasualgica pura aparece no momento em que ele passa para reflexes mais gerais sobre uma teoria universal acerca dos sistemas dedutivos formais, isto , as teorias. E, desse momento em diante, ele assume essa teoria das multiplicidades de uma maneira to completa que no foi preciso fazer grandes alteraes em suas caractersticas principais: Desde os primeiros trabalhos at a obra Crise das cincias europias, o tema da teoria dasmultiplicidadespermanecepraticamenteinalterado.[Naformade]Mathesis universalis ou lgica pura abrangendo matemtica pura como cincia teortica, a teoria da multiplicidadevistaporHusserlcomoumateoriageralqueabarcatodasteoriasou sistemas dedutivos (GAUTHIER, 2002, p. 131). Esta ltima concepo de teoria das multiplicidades a elaborao da idia da lgica pura ou de uma teoria sistemtica acerca das teorias puramente formais. Trata-se de uma teoria que descreve um objeto, chamado de multiplicidade, definido em termos puramenteformais.Umateoria,assim,apenasexibeumconjuntoderelaesformais que regem um domnio de objetos puramente formais, que, depois, pode ser instanciado nas diversas teorias matemticas especficas que servem como interpretaes, isto , nas quaissejamvlidososmesmosaxiomaseteoremasdessasteoriaspuras.Eletratadas caractersticascomunsadiversasteoriasmatemticas.Estasteoriaspurasso 100NadiscussoseguinteseroutilizadasasrefernciasdeDASILVA(2007),GAUTHIER(2002,p. 129), HUSSERL (1922), KLUTH (2005); KRAUSE, 2002). Na discusso terminolgica sero utilizadas refernciasdeDEDEKIND(1948),HARTIMO(1993,p.136),HILL(2002a);HILLETROSADO HADDOCK (2000). 44 manipulaessimblicasquelidamapenascomobjetosformaise,indiretamente,com as possveis exemplificaes. Nes