Carlos Manuel Pelaez - As Conseqüências Econômicas Da Ortodoxia Monetária, Cambial e Fiscal

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  • As Conseqncias Econmicas da Ortodoxia Monetria, Cambial e Fiscal no Brasil entre 1889-1945 * Carlos Manuel Pelaez **

    1. Prefcio. 2. Introduo. 3. O Encilhamento no inIcio da Repblica 1889-1898. 4. A polftica de deflao durante uma contrao dos neg6cios. 5. O primeiro fundo de estabili-zao e o abandono da ortodoxia durante a I Guerra Mundial. 6. A volta ortodoxia. 7. A polltica de deflao durante a Grande Depresso. 8. Concluso.

    1. Prefcio

    Esta monografia acompanha um trabalho meu mais amplo sbre o caf, Uma anlise econmica do programa brasileiro de sustentao do caf de 1906-45: teoria, poltica, e quantificao. A idia que originou essa mono-grafia ocorreu-me no outono de 1964, durante um dos encontros de um seminrio do Professor Rondo Cameron, na Universidade de Wisconsin, no qual Regina Ribeiro analisou a evoluo do sistema monetrio do Brasil, em trmos de sua inacionalidade. Foi inacional, pois atrasou a industriali-zao e o crescimento do Pas. Tentei mostrar como as instituies mo-netrias foram moldadas de forma a atender aos intersses de classe dos plantadores de caf brasileiros. Esta foi uma das grandes injustias raciais do passado do Brasil. Agradeo a Regina e ao Professor Cameron pelo assunto estimulante. o incio de uma pesquisa para uma monografia mais abrangedora, Uma histria monetria do Brasil 1822-1970.

    Original escrito no Rio de Janeiro, agsto de 1970. Vanderbilt Uni\"enity, Nashville.

    R. bras. Econ .. Rio de Janeiro, 25 (3):5/82, jul./set. 1971

  • Aos meus amigos e colegas da Fundao Getlio Vargas, Drs. Srgio Ramos da Silva e Wilson Suzigan devo vrias crticas construtivas e ori-entao para a pesquisa. A assistncia financeira, para ste ensaio, foi-me dada pelo Professor Annibal Villela. Minha monografia teria sido imposs-vel se no tivesse sido feita uma sria reconstituio de industrializao no Brasil, nas bases as mais formais, abalizadas e quantitativas, pelo Pro-fessor Villela. O documento mais importante do economista , natural-mente, o fornecimento de dados. A extenso da industrializao no Brasil e os vrios booms (perodos de prosperidade) antes de 1945 no eram conhecidos antes do estudo do Professor Villela, Fatres no crescimento econmico do Brasil, 1889-1945, que abre um nvo campo de pesquisa para os economistas brasileiros. Quaisquer mritos que essa monografia tenha se devem aos meus colegas do Instituto Brasileiro de Economia; as falhas so tdas minhas.

    Tirei grande proveito de conversas com o Dr. Jos Maria Gouva Vieira, especialmente sbre a reforma de Murtinho. Santiago Fernandes foi excelente amigo e fonte, na realidade a fonte mais original, quanto m gesto de Murtinho em trmos de poltica monetria.

    A George e Mary Pease, e Edlow e Carmen Parker, muitos agradeci-mentos por seus amveis incentivos.

    2. Introduo

    Os economistas, comumente, preocupam-se com o baixo grau de indus-trializao e com a relativa pobreza do Brasil. A maior parte dos trabalhos empricos sbre os problemas econmicos do Brasil focaliza, naturalmente, o perodo do ps-guerra. Mas por que o Brasil no progredira at 1945?

    Durante o sculo passado, uma das mudanas mais importantes na economia mundial foi o rpido crescimento e desenvolvimento das assim chamadas regies de colonizao recente. 1 Essas reas de colonizao re-

    1 o trmo assim como um dos primeiros trabalhos sbre o comrcio e desenvolvimento foram in-troduzidos por Folke Hilgerdt no seu clssico Industrializao e comrcio exterior. Muitas das suas idias foram subseqentemente desenvoh'idas em uma das primeiras teorias modernas de desenvolvimento por Ragnar Xurkse. Veja-se Problemas de formao de caPital em pases .uh-desenvolvidos e Equilbrio e crescimento na economia mundial: Ensaios Econmicos, de Ragnar Xurkse, editado por G_ Narberler. O Professor Jacob Viner tambm foi um dos pioneiros no relacionamento entre comrcio e desenvolvimento. Algumas das primeiras idias de ViDer e de ~urkse foram inicialmente introduzidas durante conferncias no Instituto Brasileiro de Eco-nomia e Fundao Getlio Vargas (IBRE-FGV) e, subseqentemente, foram publicadas na Revista Brasileira de Economia. O Instituto Brasileiro de Economia, sob a direo do Prof. Gudin, colocou-se frente das pesquisas sbre desenvolvimento econmico em todo o mundo. Ao contrrio da opinio dominante no Brasil, desde o incio do sculo o exerccio profissional dos economistas tem sido ativo. Em minha Uma nota sbre trs trabalhos clssicos para o desen-volvimento da cincia econmica no Brasil, recentemente publicada nesta Revista, e em meu

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  • cente eram reglOes onde comeou a produo de produtos primrios, principalmente de gneros alimentcios, em amplas e frteis plancies e que, subseqentemente, tornaram-se industrializadas e adiantadas. Os Es-tados Unidos, o Canad, a Austrlia, a Nova Zelndia, a frica do Sul e, em menor escala, a Argentina e algumas reas do Sul do Brasil, pertencem a essa categoria. Sir Dennis Robertson referiu-se a sse modlo, como um modlo em que o comrcio um motor de crescimento. 2 A diviso inter-nacional do trabalho entre os pases industrializados e os ento pases em desenvolvimento (reas de colonizao recente) permitiu o influxo de capital e de trabalho qualificado, com os quais se alcanou o progresso. Um dos problemas mais crticos da histria, nesse campo, o de se saber por que o Brasil e a Argentina no conseguiram desenvolver-se juntamen-te com as outras reas de colonizao recente. Afinal, ambos os pases re-ceberam um grande influxo de trabalho e capital europeus, e tornaram-se grandes exportadores de produtos primrios. Por que, ento o Brasil ainda permanecia subdesenvolvido em 1945?

    Na poca em que a mo-de-obra euroria aflua para o Brasil j havia vrios fatres de industrializao. A anlise econmica de fatos passados mostrou que a utilizao de capital e de novas tcnicas acompa-nhou o crescimento e o desenvolvimento em quase todos os pases adi-antados. As excees, tais como a Nova Zelndia, so raras e podem ser deixadas de lado. O Brasil tem os recursos e o potencial de uma nao industrial, fato amplamente provado pela fase de expanso industrial do ps-guerra. Assim, em ltima anlise, o insucesso do Brasil, em matria de crescimento e desenvolvimento antes de 1945, foi um insucesso na indus-trializao. Uma explicao da existncia do atraso no Brasil, em 1945, deve, portanto, explicar as causas do atraso da indstria.

    Esta a primeira de duas monografias que tentam explicar o atraso da indstria brasileira. ~sse atraso pode ser explicado em trmos de dois fatres interdependentes, relacionados com a poltica governamental. Esta afirmativa feita com a seriedade que se faz necessria para culparem-se as geraes passadas. Contudo, muito se pode lucrar da anlise completa dos erros do passado.

    Professor Simonsen no passado recente e futuro do Brasil: polticas de crescimento equilibrado a ser publicado proximamente em Dados pode ser analisada a contribuio dos economistas pio-neiros no Brasil: Luiz Raphael de Vieira Souto, Jorge Kingston e Eugenio Gudin. Um estudo mais completo sbre o Desenvolvimento da cincia econmica no Brasil encontra-se em preparo. Todos sses trabalbos constituiro parte de um lino - Uma histria monetria do Brasil 1822-1970 - de minha autoria e Wilson Suzigan, com financiamento de colaborao do Conselho de Pesquisa nas Cincias Sociais (Social Science Research Council).

    O futuro do comrcio internacional. In: Readings in the theory of international trade.

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  • Fator I, a mais importante poltica econmica que contribuiu para retardar a industrializao brasileira foi a proteo do setor caf, em rela-o s demais atividades. A outra monografia, que acompanha ste estu-do, pretende demonstrar que a manuteno de um preo mnimo para o caf por um perodo de 30 anos, distorceu as lucratividades relativas na economia brasileira, destruiu a vantagem comparativa do Brasil na pro-duo do caf e, com isso, impediu a utilizao tima dos recursos e a diversificao da economia com a industrializao e a evoluo dos ser-vios. 3

    F ator lI, polticas monetria, cambial e fiscal e bases institucionais contrrias industrializao. O sistema monetrio e bancrio de um pas deve ser orientado para a promoo da indstria, ou, do contrrio a in-dustrializao pode sofrer srio atraso. Esta, ao menos, foi a experincia de desenvolvimento da maioria das economias de mercado, como provam as evolues histricas da Inglaterra, Esccia, Frana, Blgica, Alemanha, Rssia, Japo e, mais complexamente a dos Estados Unidos. 4 Se fsse aplicado ao Brasil o modlo de Joseph Schumpeter, a transmisso de tecnologia desempenharia o papel de inovao, visto que no havia tec-nologia interna. O sistema monetrio e bancrio deveria ter fornecido liquidez para o estabelecimento de novas indstrias no Brasil com base em tecnologia estrangeira. No sendo essa liquidez adiantada, ou sendo da restringida, ento a industrializao no podia ser atingida.

    O desenvolvimento industrial foi retardado no Brasil, em grande parte, devido inadequao de suas polticas monetria, bancria, cambial e fiscal. Essa inadequao foi causada pelo apoio avassalador dado s polticas de uma escola de pensamento, aqui definida como a escola da ortodoxia monetria. 5 Seu filsofo mais importante foi Joaquim Murtinho, 3 UMA anlise econmica do programa brasileiro de sustentao do caf 1906-45; teoria, poltica e

    mensurao, parte do projeto da Fundao Getlio Vargas para estudo da histria econmica do Brasil, dirigido pelo Dr. Annibal Villela, a ser publicado nesta revista no nmero 4/1971.

    4. CAMERO~J R. E. O sistema bancrio nos estgios iniciais da industriali:ao.

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    o apoio dado a lIfurtinho durante o perodo aqui estudado foi esmagador: RIBEIRO DE A"DRAD.\, Antonio Carlos. Finanas e financistas de 18221922. Rio, Imprensa Nacional, 1922. p. 24.6; TEIXEIRA VIEIRA, Dori'-al. Et'oluo do sistema monetrio brasileiro. So Paulo, Faculdade de Cincias Econmicas e Administrat\'as, 1962. p. 203; ORTlGO, Ramalho. A moeda circulante no Brasil. Rio, Tip. Jornal do Commercio, 1914. p. 11539; GUA"ABARA, Alcindo. A presidncia Campos Sal/es: Polticas e linanas. Rio, Laemmert, 1902; C.,LGERAS, J. Pandi. A poltica monetria do Brasil. So Paulo, Companhia Editra Nacional, 1960; VIASA, Victor. O Banco do Brasil: sua formao, seu engrandecimento, sua misso nacional Rio, tipo Jornal do Commercio. 1926; ISGLEZ DE SoUZA, Carlos. A anarchia monetaria e suas c~nsequencias. So Pau1o~ :Monteiro Lobato, 1924. p. 308-30; I"GLEZ DE SoL'ZA, Carlos. Restaurao da moeda no Brasil. So Paulo, tipo Casa Garraux, 1926; AMAR.'L, ngelo de. & OURO PRho, Visconde de. Finanas e riqu'ta pblica. (por \'olta de 1901); RIBEIRO DE ANDRADA, Antonio Carlos. Ba7lcos de emisso no Brasil. Rio, Livraria Leite Ribeiro, 1923; CosTA, Affonso. A caixa de cont'erso e taxa cambial.

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  • um homeopata que se tornou Ministro da Fazenda do Brasil entre 1898 e 1902. O mito Mortinho sobreviveu profissionalizao da economia no Brasil e, at hoje, muitos economistas acreditam que sua reforma criou os incentivos para o crescimento econmico. 6 Na realidade, uma triagem das fontes apenas evidenciou duas em que Mortinho criticado. 7 J mais do que tempo de reconhecer as vrias deficincias de uma das an-lises menos cientficas dos problemas econmicos do Brasil.

    A ortodoxia econmica aqui definida como a implementao de trs polticas que so desejveis sob quaisquer condies econmicas: equilbrio oramentrio, austeridade monetria, e altas taxas de cmbio. O remdio para uma contrao dos negcios restringir a oferta mone-tria, equilibrar o oramento, e valorizar a taxa de cmbio. A moeda de-veria ser fcilmente conversvel em ouro. O bem-estar econmico de um pas depende em grande parte de grandes excedentes comerciais, pronta amortizao das dvidas externas, moeda conversvel e taxas de cmbio valorizadas.

    A ortodoxia incoerente com quase tdas as metas de poltica eco-nmica nacional. Primeiro, choca-se seriamente com a meta da estabilizao econmica, em tdas as teorias modernas. Em segundo lugar, a ortodoxia conflitante com a meta de uma alta taxa de crescimento econmico por retardar a industrializao. O financiamento da transmisso de tecnologia impossvel quando h monoplio de emisso. A valorizao cambial, feita artificialmente, diminui a posio competitiva da indstria. verdade que os bens de capital podem ser importados a preos relativamente mais

    Rio, Imprensa Nacional, 1910; RIBEIltO, Benedicto Bc GUIMAllEs, Mrio Mazzei. Histria dos bancos e do desenvolvimento financeiro do Brasil. Rio, Pro Service, 1967. p. 131, que defende que Murtinho era uni terico da quantidade de moeda, apesar de ser bvio que Murtinho no sabia e~ provvelmente, no podia aprender o que era a teoria quantitativa da moeda, Retrospecto Comercial do Jornal do Commercio, num periodo de "rios anos; FALCO, Waldemar. O empirismo monetrio no Brasil. So Paulo, Companhia Editra Nacional, 1931; SoUZA CosTA, Artur. Oramento e contas pblicas de 1935 a 1939. Rio, Imprensa Nacional, 1940. p. 145; BAPTISTA, Homero. Relatrio 1920. Ministrio da Fazenda, p. 8; BULHES, Leopoldo de, Rela-trio 1905. Ministrio da Fazenda. Esta lista poderia ser, fcilmente, encompridada de maneira absurda. Quase todos os Ministros da Fazenda, entre 1898 e 1945, seguiram os princpios da ortodoxia.

    At mesmo Werner Baer e Celso Furtado elogiaram o trabalho de Murtinho: "Furtado menciona Joaquim Murtinho, ministro da fazenda nos anos 18981902, que pela primeira vez adotou um programa coordenado de poltica econmica, baseado em sistemtica anlise da situao eco-nmica." Ver FUR.TADO. Formao econmica do Brasil, p. 195. IRWIS, R. D. Industrializao e desenvolvimento do Brasil. Homewood, 1965. p. 30, nota 20.

    7 VIEIRA SoUTO, L. R. O ltimo relatrio da Fazenda. Rio, L. Malafaia Junior, 1902, um trabalho brilhante e pioneiro no desenvolvimento da cincia econmica no Brasil, recentemente redesco berto por Santiago Fernandes. Ouro: a relquia Barbosa. Rio, 1967. Um grande nmero de economistas contemporneos, porm, deuse conta da m gesto de Murtinho.

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  • baixos quando se valorizam as taxas de cmbio. Mas a legislao brasileira incorporou, desde cedo, a iseno de taxas de imprtao para mquinas industriais e outras matrias-primas. O fator importante durante longo perodo foram os preos relativos dos bens finais, visto que as tarifas alfandegrias no eram ad valorem. Em terceiro lugar, a ortodoxia tam-bm entra em conflito com a meta de alocao tima dos recursos. A sus-tentao de um preo mnimo para o caf, enquanto so implementadas polticas monetrias ortodoxas, impede a diversificao da atividade eco-nmica e assim leva a uma concentrao de recursos em uma atividade exportadora de caf no promissora. Em quarto lugar, choca-se a ortodoxia com a poltica social, pois perpetua uma distribuio injusta da renda que , provvelmente, prejudicial ao crescimento, pelo fato de estar o comando dos recursos concentrado no setor da sociedade com o esprito menos vol-tado para a indstria.

    O Ministro Murtinho enfatizou que os brasileiros eram inferiores em raa e fra aos norteamericanos. Por isso, o desenvolvimento industrial no era possvel no Brasil. Suas opinies so bastante questionveis. Na realidade, pode-se argumentar que a conseqncia econmica do Ministrio Murtinho foi o atraso do desenvolvimento industrial realmente possvel, que se realizou no ps-guerra. A histria tem sido realmente boa demais com as polticas desesperadas e confusas do perodo 1898-1902.

    2.1. Postscriptum - as conseqncias histricas de Rodrigues Alves

    O Dr. Dnio Nogueira, redator-chefe desta Revista, demonstrou extraor-dinria pacincia em oferecer um certo nmero de crticas eruditas e in-teligentes a esta monografia. O propsito dste postscriptum acusar minha dvida para com o Dr. Nogueira, apresentar suas crticas e remo-,-er os erros, concordando com le.

    O Dr. Nogueira ressaltou que esta monografia injusta com a repu-tao histrica de Rodrigues Alves, Bulhes e Murtinho. Na poca em que les viveram, a macroeconomia moderna n era conhecida e a orto-doxia era comumente seguida mesmo nos pases mais industrializados. Conquanto eu concorde com o Dr. Nogueira que ste um problema im-portante para esta monografia, le encontrar correo automtica com a publicao, no prximo nmero, da monografia sbre o caf. O his-toriador econmico tenta selecionar as verdadeiras realizaes das admi-nistraes passadas. Ainda que Murtinho, Bulhes e Rodrigues Alves possam no ter acertado em suas polticas de estabilizao li instituies monetrias, les foram absolutamente corretos em seus extraordinrios

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  • esforos no sentido de evitar o como dos programas de suporte do caf. Alm disso, um fato histrico, suficientemente conhecido, que Rodrigues Alves selecionou um dos mais excelentes grupos de administradores em tda a histria do Brasil - Leopoldo Bulhes, Oswaldo Cruz, Baro do Rio Branco e muitos outros. A merecida reputao histrica da Admi-nistrao Rodrigues Alves e seus grandes feitos para a civilizao e pro-gresso do Brasil no devem ser obscurecidos por outras concluses desta monografia. Leopoldo de Bulhes foi um dos primeiros e mais completos historiadores monetrios do Brasil, e esta monografia baseou-se em sua erudita contribuio.

    Um outro problema inter-relacionado, tambm apontado pelo Dr. Nogueira, a importncia relativa dos fatres que explicam o atraso da industrializao. bvio que o suporte ao caf foi um fator mais impor-tante, naquele atraso, que a monetria ortodoxia. Mas a introduo a essa monografia era confusa a sse respeito. Aqui, tambm, sse problema ser eliminado com a publicao da monografia sbre o caf, que, a propsito, foi escrita antes desta.

    O terceiro ponto importante do Df. Nogueira a crtica excessiva do programa de estabilizao. A inflao da dcada de 1890 tinha de ser controlada ou, ao menos, reduzida a um ritmo aceitvel. A desvalorizao cambial havia distorcido artificialmente a verdadeira lucratividade do setor cafeeiro. Do ponto de vista social, a inflao tambm produzira muitos resultados indesejveis. A necessidade de um programa de estabilizao era inegvel e esta monografia no pretende afirmar o contrrio. Con-tudo, as menores evidncias disponveis para sse perodo sugerem que o programa de estabilizao foi levado ao ponto da deflao e desemprgo. A curto prazo, a conseqncia mais importante foi a ameaa de virtual runa de parcelas substanciais do setor cafeeiro. tsse efeito do programa de estabilizao levou reunio dos intersses criados no setor cafeeiro, que forou Rodrigues Alves, ao nvel estadual, a conviver com a poltica cafeeira a que le apropriadamente se opunha: o suporte do caf.

    3. O Encilhamento no inicio de Repblica - 1889-1898

    3.1. A lei Bancria de 1888

    Quase no fim do Imprio, a organizao econmica do Brasil foi distor-cida de maneira crtica pela abolio da escravatura em 1888. A economia dependia completamente da agricultura. O ramo principal do setor agr-cola era o caf, seguido de outras culturas comerciais. At certo ponto, as plantaes dependiam da escravatura para sua mo-de-obra. Conseqen-

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  • temente, a abolio da escravatura implicou em que os fazendeiros ti-vessem que obter volumosos fundos de li qui dez para financiar a produo agrcola. Segundo Teixeira Vieira, essa situao financeira precria da agricultura foi o fator mais importante da reforma monetria, durante os ltimos anos do Imprio. 8 Mas, no h dvida que a abolio da es-cravatura no foi o nico fator de reforma. No final do Imprio, So Paulo j produzia dois teros da produo de caf do Brasil, amplamente com base no trabalho imigrante europeu. A abolio no veio como um choque sbito. Foi precedida por libertao espontnea e substituda pela imigrao europia. 9 To importante (ou talvez mais importante) quanto a abolio da escravatura era a inadequao da oferta da moeda. O mo-noplio de emisso era exercido pelo Tesouro, e havia evidente insufi-cincia, nos meios de pagamentos, causada por poltica monetria austera e rgida. 10

    Em 7 de junho de 1888, o Partido Liberal, chefiado pelo Visconde de Ouro Prto, assumiu o poder no Brasil. 11 Foi um acontecimento crucial. Desde o meio do ano de 1887, os Viscondes de Cruzeiro e de Ouro Prto haviam introduzido reformas monetrias radicais no Senado. 12 A proposta principal era a autorizao de bancos de emisso. Outra parte da reforma consistia na contratao de um emprstimo pblico de 100 mil contos-ouro que seriam destinados a assistncia financeira agricultura.

    O projeto de Lei Cruzeiro-Ouro Prto foi aprovado pelo Senado sem alteraes. Transformou-se na Lei Bancria de 1888, arcabouo ins-titucional sbre o qual se construiu uma das mais notveis inflaes da histria do Brasil. As disposies mais importantes da Lei eram as se-guintes. 13 Em primeiro lugar, bancos poderiam emitir notas conversveis em moeda imperial. :tsses bancos tinham que garantir as emisses com o depsito de ttulos da dvida pblica. As emisses no poderiam exceder a quantia depositada em ttulos. As emisses do Tesouro seriam recolhidas ante a emisso dsses ttulos. Os bancos ento substituiriam os ttulos do 8 TEIXEIRA VIEIRA. op. cito p. 176-7.

    DELFIM NETO, Antonio. O problema do caf no Brasil. So Paulo, Faculdade de Cincias Eco-nmicas e Administrativas, 1959, p. 22.

    10 RIBEIRO DE ASDRAD.'. Antonio Carlos. Bancos de emisso no Brasil. p. 171-2.

    U RIBEIRO DE ASDRADA, Antonio Carlo . Finanas e financistas de 18221922. p 19. U RIBEIRO DE ANDRADA. Antonio Carlos. Bancos de emisso no Brasil. p. 171:

    13 DECRETO n . 3403, de 24 de novembro de 1888, "Permite s companhia. annimas, que se propuserem a fazer operaes bancrias, emitir, mediante certas condies, bilhetes ao portador e vista, conversveis em moeda corrente, e d outras providncias". Documentos parlamentares, meio circulante. 1842. V. 3 p. 389-92; Legislao sbre pape/-moeda. Rio, Imprensa Nacional, 1923, p. 469; VIASA, Victor. O Banco do Brasil, p. 530-37; TEIXEIRA VIEIRA. op. cit., p. 1789.

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  • Govrno por ouro. Assim, de incio, as notas de banco seriam conversveis em ttulos governamentais; num estgio intermedirio, as notas seriam conversveis, parte em ouro, parte em ttulos; e quando tdas as notas do Tesouro fssem finalmente recolhidas, as notas de banco seriam ple-namente conversveis em ouro. 14 O resultado final contemplado era, pois, um sistema bancrio com 100% de reservas.

    A emisso mxima permitida aos bancos foi de 200 mil contos. Dsse total, 100 mil contos seriam emitidos pelos bancos localizados na cidade do Rio de Janeiro. As notas de banco eram garantidos direitos de moeda corrente para a maioria dos fins. Apesar de que as notas de banco eram plenamente conversveis em ttulos governamentais, os bancos tinham que manter reservas em metal correspondentes a 20% da emisso. Um dos primeiros bancos a tirar proveito da nova legislao foi o Banco do Brasil. At mesmo antes da publicao da nova Lei o Banco j alterara seus regula-mentos, para nles incluir a emisso de notas. 15 O Govrno, rpidamente, promulgou a regulamentao da Lei, em 5 de janeiro de 1889. 16

    3.2. A reforma de Barbosa: origens do Encilhamento

    3.2.1. O plano econmico de Rui Barbosa

    Em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a Repblica no Brasil. Nos ltimos anos do Imprio, Rui Barbosa tornara-se um crtico ardente da administrao do Partido Liberal do Visconde de Ouro Prto. 17 Assim, quando Barbosa foi nomeado Ministro da Fazenda, sua primeira medida foi a de abalar a Lei Bancria de 1888, uma das mais importantes medidas da administrao anterior. O Ministro Barbosa exigiu dos bancos que emi-tissem as notas j autorizadas num prazo de menos de trs meses, espe-rando, provvelmente, que os bancos no seriam capazes de seguir a nova legislao.

    No incio de 1890, Barbosa j tinha formulado um plano econmico articulado. Contemplava-se em tal plano uma vasta reorganizao da economia brasileira. Havia dois importantes problemas no tocante poltica econmica nacional. Primeiro, o Govrno devia fornecer recursos s classes produtoras, de forma a auxiliar o crescimento econmico. Em segundo

    11 TElX~IRA VIEIRA. op. cit., p. 179.

    u DECIlETO 10077, de 17 de novembro de 1888, citado na integra em VIANA, Victor. op. cit., p. 5378.

    ,. DECRETO 10144, de 5 de janeiro de 1889, citado na integra em RIBEIRO DE ASDRADA. op. cito p.206.

    11 Ibid., p. 215.

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  • lugar, o Govrno devia achar meios para eliminar o servIo da dvida externa. 18 :tsses dois problemas tinham-se tornado crticos durante as administraes sucessivas do Imprio. 19

    Barbosa props vrias medidas para a soluo dos problemas econ-micos nacionais: reduo dos deficits governamentais, levantamento de ta-xas de importao em ouro} reforma das leis de sociedades annimas, e reforma do sistema bancrio. Para a reforma do sistema bancrio, aps reflexo, Barbosa conservou a Lei Bancria do Visconde de Ouro Prto. A Repblica permitiria o estabelecimento de bancos de emisso. No obs-tante ser um metalista, Barbosa achava que o metalismo (i. e. a conversi-bilidade integral de papel em ouro) era incompatvel com o problema do balano de pagamentos do Brasil. 20 Os bancos de emisso substituiriam o Tesouro na emisso de notas. Visto que se requeria dos bancos o depsito de ttulos do Govrno como reserva para a emisso, o nvo sistema bancrio libertaria o Govrno do servio da dvida interna. Tal fato se daria de duas maneiras. Em primeiro lugar, o Govrno reduziria anualmente os juros dos ttulos mantidos como reservas para a emisso de notas de banco. Em segundo lugar, os bancos teriam que separar uma quantia anual de pelo menos 10% de seus lucros, que substituiriam parte dos ttulos do Go-vrno como reservas bancrias. Assim, a dvida pblica seria reduzida anualmente at sua eliminao total, pelo lucro do sistema bancrio. Outra meta importante da reforma monetria era o fornecimento de recursos de liquidez, sob a forma de notas de banco, necessrios ao crescimento eco-nmico do Pas. Conseqentemente, a reforma monetria era o instru-mento mais importante para a implementao do plano de Barbosa. Re-solveria simultneamente ambos os problemas da poltica econmica, com o mnimo de gasto e de frico. Era, em muitos aspectos, uma utilizao engenhosa do arcabouo institucional herdado do Imprio.

    3.2.2. A implementao do plano de Barbosa

    O impacto real das medidas de Barbosa sbre a inflao do Brasil entre 1890 e 1898 fato importante na histria econmica do Pas. A tabela 1 mostra as medidas legislativas do Ministro Barbosa. As de fato relevantes so a primeira e a ltima. A Lei de 17 de janeiro de 1890 englobava as 18 Do Relatrio Ruy Barbosa (1890). Documenlos parlamenlares, meio ci,'culanle. v. I, p. 543-4. ,. Ibid., p. 539-69; OURO PRho. op. cit., p. 5.

    "" Veja-se uma estimatha feita por Barbosa do deficit no balano de pagamentos no fim do Imprio em Do relalrio Ruy Barbosa (1890). p. 540.

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  • TABELA 1 A legislao monetria de Rui Barbosa

    Nmero do Data de decreto Disposies mais importantes ou aprovaao

    da lei

    165 17-1-1890 a) Autoriza bancos de emisso de notas baseadas em ttulos do Govrno ou ouro.

    b) Divide o Brasil em regies bancrias com uma emisso nacional total de notas no montante de 450 mil contos.

    c) Limita as emisses de notas quantidade de ttulos, ouro ou moedas.

    2 190 29-1-1890 a) Autoriza o estabelecimento do Banco dos Estados Unidos do Brasil.

    3 794 31-1-1890 a) Fixa o total de emisso de notas para o Brasil no m-ximo de 200 mil contos.

    b) Autoriza mais uma regio bancria composta de So Paulo e Gois.

    4 251-A 7-3-1890 a) Fixa a emisso total de notas de cada banco do Norte, individualmente; em 20 mil contos.

    6 253 8-3-1890 a) Autoriza o Banco do Brasil e o Banco Nacional do Brasil a emitir notas at o montante de duas vzes os 25 mil contos em ouro depositados por cada um dsses bancos no Tesouro.

    6 255 10-3-1890 a) O Banco do Brasil e o Banco Nacional do Brasil re-cebem a incumbncia de recolher as notas do Tesouro.

    7 7oo-A 29-3-1890 a) O Banco dos Estados Unidos do Brasil autorizado a emitir notas em valor duas vzes superior aos

    s 782-A 25-9-1890 25 mil contos depositados no Tesouro.

    a) Autoriza aumentos na emisso de notas por bancos em So Paulo, na Bahia e em Pernambuco.

    Q 1154 7-12-1890 a) Autoriza a fuso do Banco dos Estados Unidos do Brasil com o Banco Nacional do Brasil que passam a formar o nvo Banco da Repblica dos Estados Unidos do Brasil.

    b) O nvo Banco autorizado a emitir notas em valor trs vzes superior ao de seu depsito em ouro.

    c) Fixa um mximo de dois anos para os bancos emitirem as suas cotas de notas.

    d) O nvo Banco torna-se o agente bancrio do Govmo tanto no Pas como no exterior.

    Fontes: 1 VIANA, Victor. O Banco do Brasil. p. 59097; Documentos parlamentares, meio circulanU. v. I, p. ~-7. DOCUMENTOS parlamentares, meio circulante, v. 1. Ibid .

    Ibid. Ibid., p. 11-12. LEGISLAO sbre papel-moeda, p. 49. VIANA, Victor. O Banco do Brasil. p. 599-600; Legislao ... , p. 53 e .eg.; Documentos

    parlamentares: v. I. Ibid., p. 17.

    8 Ibid. p. 12-1~; VIANA, p. 601-2. Legislao ... , p. 80; Documentos ... , p. 18-20.

    ORTODOXIA MONETARIA, CAMBIAL E FISCAL 15

  • caractersticas principais do plano inicial de Barbosa. 21 Dividia o pas em trs regies de emisso. O total permitido para a emisso de notas de banco foi fixado em 450 mil contos. Essas notas tornavam-se moeda cor-rente. O campo das operaes bancrias foi ampliado passando a incluir: depsitos e emprstimos, cmbio de moedas estrangeiras, todos os tipos de emprstimos agricultura a curto e longo prazos, emprstimos inds-tria a longo prazo, operaes com bens imveis e, de maneira geral, todos os tipos de operaes comerciais e industriais. Os bancos poderiam depo-sitar tanto ttulos do Govrno como ouro, como lastro para as suas emisses de notas. De acrdo com o plano de Barbosa, os ttulos do Go-vrno dariam juros anuais decrescentes nos sete primeiros anos e depois dsse prazo mais nenhum. Os bancos, tambm, separariam anualmente 10% do seu lucro para a substituio dos ttulos do Govrno. O valor dos ttulos seria reduzido em consonncia.

    A Lei de 7 de dezembro de 1890 alterou substancialmente a formu-lao original. A primeira medida em janeiro foi garantir a plurali-dade de emisso. A legislao de dezembro assegurou o crescente monop-lio de emisso a um banco, o Banco da Repblica dos Estados Unidos do Brasil. 22 Foi uma fraca tentativa no sentido de estabelecer um nico banco de emisso e associ-lo s operaes do Govrno. Nesse momento, tambm, contemplava-se o recolhimento gradativo das outras notas de banco.

    3.2.3. O Ministro Barbosa, a especulao e o desenvolvimento

    Durante aproximadamente 66 anos de Imprio, at maio de 1888, o capital global de tdas as companhias estabelecidas no Brasil se elevara a 410879 contos. Entre 13 de maio de 1888 e 15 de novembro de 1889, ou seja, durante o perodo do Partido Liberal e do Visconde de Ouro Prto, o capital das companhias alcanou 402 mil contos. Durante a administrao de Barbosa, entre 15 de novembro de 1889 e 20 de outubro de 1890, o capital total das companhias estabelecidas no Brasil atingiu 1 169386 con-tos. 23 Naturalmente uma importante limitao dessas cifras a utilizao do custo histrico de capital que no tem significado econmico real. Assim mesmo, os dados mostram grosseiramente a mania das sociedades annimas durante a administrao de Barbosa. Entre maio de 1888 e

    21 RIBEIRO DE A!\"DRADA. op. cit., p. 224.

    ~ OURO PRiTO. op. cit., p. 140; TEIXEIRA VIEIRA. op. dt., p. 181.

    ZI Ver os dados em Documentos parlamt'nlar-es, meio circulante. v. ], p. 600-9.

    16 R.B.E. 3/71

  • outubro de 1890, o capital das companhias estabelecidas no Pas aumentou aproximadamente 377%. No mesmo perodo o meio circulante cresceu 138%, alcanando 506992 contos. 24 Com base nesses dados, o Ministro Barbosa concluiu que se justificavam as emisses de notas, as quais, pro-vvelmente, eram inferiores ao volume necessrio ao crescimento econ-mico. Por outro lado, segundo Barbosa, a ac1oo do trabalho livre na agricultura requeria maiores fundos de liquidez.

    A maioria das firmas fundadas na administrao de Barbosa, porm, apresentava metas impossveis e fantsticas. O perodo de 1889 e 1891 passou a ser conhecido no Brasil como o Encilhamento. A palavra tem sua origem nas barracas do Jquei Clube onde os cavalos eram encilhados. Nessas barracas havia atividade febril, apesar de elegante e na moda, tanto de apostas como de troca de palpites de apostas. 25 Mas, como sses palpi-tes, muitas das companhias se transformaram em desapontamento. Dos 57 bancos que existiam no Brasil nessa poca, apenas o Banco do Brasil ainda existe. Foi fundado durante o Imprio, passando por vrias trans-formaes. 26

    Em retrospecto, Barbosa tinha provvelmente razo ao afirmar que o trabalho livre requeria aumentos na oferta de moeda. Mas estava, sem dvida, enganado, at certo ponto, ao justificar a emisso de notas em trmos da especulao incontrolada das sociedades por ao, entre 1889 e 1891. 27 aparente, porm, que as emisses por si s no causaram a espe-culao. As mudanas nas instituies no foram realmente drsticas, e certo que Barbosa herdou a mudana institucional incorporada Lei de 1888. Depois de Barbosa decretar, em 1889, que os bancos deveriam emi-tir em trs meses a quantidade mxima de notas que lhes era permitida, a maioria dles as emitiu rpidamente. A mudana nas leis de incorporao decretada por Barbosa provvelmente facilitou maior especulao. E ento o fluxo de notas depois de 1890, resultante da legislao monetria, com-pletou a corrida especulativa. Mas inegvel que um fator psicolgico, tambm, teve grande importncia. O advento da Repblica foi considerado no Brasil como o incio de um perodo de rpido crescimento econmico e de confiana no destino nacional. Parecia que a mudana legal das ins-tituies ia resolver os problemas do crescimento econmico. Grandes de-sgnios foram profetizados para o Brasil.

    .. DocuMENTOS parlamentares, meio circulante. v. I, p. 610.

    .. TEIXEIkA VIEIllA. op. cito p. 176.

    ,., RIBElkO &: GUIMARES. op. cit, p. 117.

    To RODklGUES, J. C. Alguns artigos sbre finanas. Rio, Typ. do Jornal do Commercio, 1899. p. 63.

    ORTODOXIA MONETRIA, CAMBIAL E FISCAL 17

  • Tem havido muitas crticas a Rui Barbosa por causa das diversas atividades permitidas aos bancos pela Lei bancria de 17 de janeiro. 28 Do ponto de vista da prtica bancria ortodoxa, o comprometimento com emprstimos a longo prazo no desejvel para um banco comercial. Mas esta viso estreita no em nada coerente com o problema do desenvol-vimento econmico. Fazia grande falta ao Brasil aquilo que o Visconde de Mau j tinha tentado implantar em perodos anteriores: um banco de desenvolvimento. Nessa poca no havia bancos de investimento no Brasil. Era prticamente impossvel conseguir crdito para a organiza-o de emprsas. O plano bancrio de Barbosa contemplava o estabeleci-mento de instituies, como o Crdit Mobilier Europen, que se comprovou terem tido impacto crucial no desenvolvimento econmico. 29 Assim, Rui Barbosa no estava inteiramente errado ao tentar estabelecer bancos de investimento no Brasil. mais adequado criticar o abuso e a falta de regu-lamentao cuidadosa da legislao do que a carteira dos bancos. Afinal, mais do que legislao bancria, a Lei de 17 de janeiro foi uma Lei de Sociedades Annimas. O que se visava era, no o estabelecimento de bancos comerciais, mas sim, de preferncia, grandes sociedades bancrias por aes, com privilgios de emisso e submetidas legislao das sociedades annimas. A idia para o Brasil no era nem original. Mas mudanas ins-titucionais eram necessrias para o desenvolvimento da indstria e de atividades econmicas outras que culturas comerciais. Sob sse aspecto a administrao de Barbosa foi mal compreendida.

    3.3. O liberalismo do Baro de Lucena

    No dia 20 de janeiro de 1891, depois do primeiro voto sbre a Constitui-o, os Ministros do Govrno Provisrio renunciaram. O Chefe de Estado, Marechal Deodoro da Fonseca, nomeou Tristo de Alencar Araripe para a pasta da Fazenda. 30 tste foi fortemente criticado pela sua poltica cau-telosa e por sua incapacidade em prosseguir as polticas liberais de Barbosa. Em fevereiro de 1891, houve vrios escndalos relativos a transaes com aes no Rio de Janeiro. Especuladores profissionais, com aes de empr-sas fantsticas, cometeram muitos abusos em detrimento do pblico. No dia 14 de fevereiro, Araripe decretou rgidos contrles na comercializao de aes. Os negociantes de aes, em resposta, recusaram-se a continuar as transaes durante o restante do ms. Assim, a especulao foi diminuda

    .. TEIXEIRA VIEIRA. op. cito p. ISO.

    ~ CAMERON. Rondo E. A FraPla e o desenvolvimento econmico da Europa. Princeton, Princeton University Press, 1961.

    .. RETROSPECTO Comercial do Jornal do Commercio 1891. p. 3.

    18 R.B.E. 3171

  • em parte. Porm o Govrno substituiu Araripe no Ministrio da Fazenda pelo Baro de Lucena, em 4 de julho de 1890. 31

    A primeira medida do Baro de Lucena foi assinar um contrato com o Banco da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, no sentido do reco-lhimento das notas do Tesouro. ~sse contrato foi muito criticado na Cmara dos Deputados, e desenvolveu-se uma rivalidade em assuntos econmicos entre o Congresso e o Executivo. O Baro de Lucena enfatizou a natureza especulativa da prosperidade econmica. 32 Mas reclamava que o Brasil no tinha estoque timo de moeda. Em primeiro lugar, havia grande quantidade de notas em depsitos a prazo. Em segundo lugar, o setor agrcola necessitava fundos de liquidez substanciais. 33 Lucena formulou nvo plano monetrio. Primeiro, devia-se conceder ao Banco da Repblica dos Estados Unidos do Brasil o privilgio exclusivo de emis-so, objetivo a que a legislao de Barbosa de 7 de dezembro de 1890 j visava.

    Em segundo lugar, o Banco deveria contratar com os outros bancos a transferncia do ouro e dos ttulos depositados, assim como do privilgio de emisso. Em terceiro lugar, um aumento no total de 'papel-moeda em circulao no Brasil para 600 mil contos. Em quarto, o arrendamento a intersses privados da Estrada de Ferro Central do Brasil. Houve oposio no Congresso a sse plano. O Marechal Fonseca dissolveu o Congresso no dia 3 de novembro. No dia 9, saiu decreto permitindo o arrendamento da Estrada de Ferro do Govrno.3-l A imprensa dizia que o Baro de Lucena tentava simplesmente beneficiar amigos prprios atravs de suas reformas. No dia 23 de novembro, o Marechal Floriano Peixoto substituiu Fonseca e todos os seis membros de seu gabinete renunciaram.

    3.4. O incio da ortodoxia

    O Marechal Peixoto tinha apoio no Senado. O Senador Campos Salles apoiava, energicamente, a ortodoxia monetria como remdio para os problemas econmicos do Pas. 35 Mais tarde, na mesma dcada, Campos

    31 Quanto .. medidas tomadas por Araripe In: Relatrio do Sr. Araripe (1891), Documentos parlamentares, meio circulante. v. I, p. 613-19.

    .. Notou que era to grande o nmero de companhias estabelecidas no Brasil que havia escassez de nomes para novas companhias. Aparentemente at mesmo se \'endiam nomes para novas companhia.. Ver LUCENA, Baro de. Exposio de motivos. In: Mensagem de Manoel Deodoro da Fonseca ao Presidente do Senado, 1891. Documentos parlamentares, meio circulante. v. I, p. 623; OUkO PRtTO, op. cito p. 134.

    33 LUCENA, Baro de. op. cit., p. 19. M RETROSPECTO Comercial do Jornal do Commercio 1891, p. 5. 35 RIBEIRO DE ANDRADA. op. cit., p. 287.

    ORTODOXIA MONETRIA, CAMBIAL E FISCAL 19

  • SaBes tornou-se Presidente do Brasil e comeou drstico programa defla-cionrio. Para agradar ao Senado, Peixoto escolheu para o Ministrio da Fazenda, Francisco de Paula Rodrigues Alves. Rodrigues Alves era reco-nhecidamente a favor da cessao da emisso, do recolhimento de notas e de estrita restrio ao volume de moeda. Nessa poca, o volume de moeda j alcanava 513 727 contos.

    Segundo Rodrigues Alves, o Pas se encontrava no meio de uma con-trao dos negcios. 36 Durante o perodo do fim de 1891 ao incio de 1892, tinham falido os empreendimentos mais aventurosos. Processos cri-minais foram o eplogo de muitas dessas aventuras. 37 Desenvolveu-se rpidamente o pnico no mercado de aes. f-ste foi acompanhado de sria contrao do crdito. 38 Sem dvida, os documentos da poca retratam uma situao de recesso. Para Rodrigues Alves a recesso tinha sido cau-sada pela quantidade de moeda em circulao e, tambm, pela sua m qualidade (inaceitabilidade). Medidas para terminar a recesso requeriam a reduo da quantidade de moeda e a melhoria de sua qualidade.

    Rodrigues Alves props um plano monetrio para solucionar a con-trao dos negcios. O poder de emisso se concentraria na esfera do Govrno Federal. Era m a regulamentao das notas. Quase todo tipo de papel podia circular. Em alguns casos as notas no eram legveis. Assim, o monoplio da emisso garantiria a aceitabilidade e qualidade das notas. O Govrno Federal devia impor um teto para a quantidade de moeda em circulao. Sua restrio, tambm, era desejvel e poderia con-seguir-se atravs do recolhimento de notas de banco. 39 Assinou--se contrato com o Banco da Bahia para que ste recolhesse as suas notas. f-sse plano monetrio foi muito defendido pela imprensa, e a ortodoxia de Rodrigues Alves foi amplamente aceita no Brasil. 40 A despeito da crescente popula-ridade de suas idias, Rodrigues Alves renunciou em agsto. 41 Em re-trospecto, bvio que algumas das medidas de Rodrigues Alves no al-canariam os objetivos da poltica fixados. Dificilmente a recesso pode ser corrigida atravs de austeridade fiscal e contrao monetria. O monoplio de emisso era dificilmente coerente com o desenvolvimento econmico e a diversificao da atividade econmica atravs da industrializao.

    .. Relatrio Rodrigues Alves (1892). Documentos parlamentares, meio circulante. v. 3, p. 393. '" RIBEIRO DE ANDItADA. op. cit., p. 252. .. Os diretores de baDco redamaram de Rodrigues Alves de que havia sria escassez de moeda.

    RetrosPecto Comercial do Jornal do Commercio 1892, p. 6 . .. RELATRIO Rodrigues Alves (1892). p. 400. .. RETltoSPEcro Comercial do Jornal do Commercio 1892, p. 46. .. RmElIto DE ANDItADA. op. cito p. 301.

    20 R.B.E. 3/71

  • Rodrigues Alves foi substitudo no Ministrio da Fazenda por Serze-dello Correa, um acomodador. Rodrigues Alves e a escola ortodoxa enfati-zavam a reforma monetria: correo do direito de os bancos emitirem notas e o recolhimento de notas. Outra soluo competitiva para a falta de estabilidade monetria era a reforma bancria. Na opinio de Correa, a reforma monetria agravaria seriamente a situao econmica do Brasil. A maioria dos bancos se encontrava em precria situao financeira. Era sse especialmente o caso do Banco do Brasil. 42 Se a reforma monetria de Rodrigues Alves fsse implementada, a crise econmica se complicaria com um srio pnico bancrio. Uma soluo era reorganizar o sistema bancrio de forma a evitar o pnico e maior especulao subseqente.

    A reforma de Correa estava contida na Lei Bancria de 17 de de-zembro de 1892. 43 As principais reformas foram as seguintes. Primeiro, a fuso do Banco da Repblica dos Estados Unidos do Brasil com o Banco do Brasil. Em segundo lugar, as reservas metlicas dos bancos de emisso foram substitudas por ttulos com valor expresso em paridades-ouro. Em terceiro lugar, o Banco da Repblica foi autorizado a emitir 100 mil contos em ttulos. :esses ttulos eram para ser usados na assistncia s indstrias brasileiras. Os ttulos pagavam um juro de 4% e tinham prazo de maturao bianual durante um perodo de vinte anos. Em quarto lugar o Banco da Repblica do Brasil faria o servio da dvida interna do Govr-no federal. :esse banco tambm seria encarregado da tarefa de recolher as notas do Tesouro. Em quinto lugar, um total de 100 mil contos em notas do Tesouro seria recolhido dentro do perodo de um ano. Essa reforma, naturalmente, no correspondeu s propostas da escola ortodoxa. O sis-tema herdado da administrao de Barbosa encontrava-se, ainda, relativa-mente inalterado. Afinal, o prprio Barbosa fra forte defensor do mo-noplio de emisso e iniciara as primeiras medidas para a concentrao dsse monoplio numa instituic;o semi-autnoma chegada ao Govrno federal.

    Correa foi sucedido no Ministrio da Fazenda por Felisbello Freire. Durante o ano de 1893 o nvo Ministro no alterou de forma significa-tiva as polticas anteriores da administrao Peixoto. A nica ao im-portante do Govrno foi a consolidao da Lei Bancria que se verificou

    .. REUTRlO Serzedello Correa (1893). Documentos parlamentares, meio circulante. 1893-1895. v. 4, p. 482 .

    .. DECIlETO 0. 1167, de 17 de dezembro de 1892, Documentos parlamentares, meio circulante. 1893-95. v. 4, p. 477-79; VIANA, Victor. op. cit, p. 63439; Legis/afo sbre papel moeda. p. 935; RIBEI1l0 DE ANDRADA. op. cit., p. 316-21.

    ORTODOXIA MONETRIA, CAMBIAL E FISCAL 21

  • em 23 de setembro. 44 Freire estava convencido de que havia excesso de moeda no Brasil. Mas a legislao de setembro simplesmente ratificara a fuso que resultou no Banco da Repblica do Brasil. Foi includa, porm, disposio mais estrita quanto ao monoplio de emisso. Os bancos de emisso deveriam dar um jeito de fazer uma rpida transferncia da emis-so e das reservas para o Banco da Repblica do Brasil. Concedeu-se a sse ltimo um prazo de 12 meses para absoro das notas. Nesse lapso de tempo, o Banco deveria prover o Brasil com uma emisso de notas uniforme.

    3.5. A ortodoxia do Ministro Rodrigues Alves

    Rodrigues Alves voltou para o Ministrio da Fazenda em 1894. Durante essa segunda administrao elaborou os rudimentos da tcoria da ortodoxia. Segundo Rodrigues Alves, havia uma relao entre o volume de moeda e a taxa de cmbio. Taxas de cmbio depreciadas tinham impacto negativo na atividade econmica. Tambm afetavam adversamente o ingresso de capitais. Os banqueiros europeus, por outro lado, suspeitavam dos pases onde a oferta da moeda subia drsticamente. A poltica governamental devia reduzir os deficits do Govrno, causa primria dos aumentos na oferta de moeda. O contrle da oferta monetria resultaria em valorizao da taxa de cmbio. O capital estrangeiro entraria no Brasil e se alcanaria a prosperidade. 45

    A administrao de Rodrigues Alves, porm, no ati.ngiu muitas das metas da ortodoxia. Contraiu-se um emprstimo externo na Inglaterra da ordem de 6 milhes de libras esterlinas, a maior parte do qual foi usado no pagamento de obrigaes das administraes anteriores do Govrno. O Govrno federal, conseqentemente, absteve-se de intervir no mercado de cmbio. Relatos contemporneos indicam que os especuladores abano donaram o mercado de cmbio e que se alcanou relativa estabilidade. 4G

    A principal medida monetria de Rodrigues Alves foi a contratao de um emprstimo interno no montante de 100 mil contos, obtido pela emisso de ttulos governamentais. Parte do emprstimo foi usada para cobrir a dvida interna do Brasil, especialmente para com o Banco da

    .. RETROSPECTO ComerCiai do Jornal do Commercio 1893. p. 7-8; VIANA, Victor. O Banco do Brasil. p 63943; Legislao sdbre papel moeda. p. 1003; Relatrio felisbello Freire (1894). Documentos prlamentares, meio circulante. v. 4. p. 492501.

    '" RELATRIO Rodrigues Alve. (1896). Documentos parlamentares, meio circulante. 189596. v. 5, p. 401. Outras fontes de referncia so: RETROSPECTO Comercial do Jornal do Commercio 1895, p. 36; VIANA, Victor. op. cit., Ao r.generadora de Rodrigues Alves. p. 64452; Legislaro sbre papel moeda. p. 10509 RELATRIO Rodrigues Alves (1895). Documentos parlamentares, meio cir culante, v. 4, p. 50219; Manifesto 1898, p. 6776; OURO PRbo. op. cito p. 9399; RIBEIRO DE ASDRADA. op. cito p. 326.

    RETROSPECTO Comercial do Jornal do Commercio 1895, p. 212.

    22 R.B.E. 3/71

  • Repblica do Brasil. O restante, como estava previsto na legislao destinou-se ao recolhimento das notas do Tesouro. As notas recolhidas foram aquelas emitidas pelo Marechal Peixoto, em 1893.

    3.6. A ortodoxia mais rgida de Bernardino de Campos

    Uma ortodoxia mais rgida caracterizou a administrao de Bernardino de Campos no Ministrio da Fazenda, do fim de 1896 ao incio de 1898. Tambm foi o primeiro exemplo da aplicao de polticas monetrias ortodoxas durante um perodo de grave contrao dos negcios. A atividade econmica mais importante do Brasil, o caf, estava sofrendo forte declnio de preos. 47 Essa crise no setor cafeeiro no podia deixar de ter importante impacto sbre o resto da economia. No havia setor algum de atividade econmica suficientemente importante para contrabalanar a queda de renda resultante do declnio dos preos do caf. A ortodoxia monetria, em tais condies, entrava em conflito com a meta de estabilizao eco-nmica, meta mais importante dentre as que se propunha Bernardino de Campos.

    Campos acreditava que o Imprio tinha administrado mal as finanas do Brasil. Em 1889, as dvidas interna e externa do Brasil somadas se ele-vavam a 1713132 contos, enquanto o volume de moeda atingia 211 011 contos. Grandes deficits governamentais em sucessivas administraes ti-nham causado emisses, forando discrepncia substancial com a definio da moeda, em trmos de ouro, feita em 1846. O Brasil devia progredir seguindo o exemplo dos Estados Unidos: atrair imigrantes e capital. O Ministro seguiu uma mxima de Leon Soy: "O capital requer confiana nos negcios". 48 A confiana nos negcios s podia ser promovida atravs da ortodoxia monetria. As metas da poltica econmica nacional deviam ser: o equilbrio oramentrio, a reduo da oferta de moeda, o monoplio de emisso pelo Estado, a plena conversibilidade do papel em ouro pa-ridade de 1846, e a valorizao da taxa de cmbio, para se ficar conforme a definio do papel em trmos de ouro.

    Tdas essas metas foram institucionalizadas na legislao de Campos, de dezembro de 1896. 49 O Congresso forneceu o mecanismo legal para a t7 Ver o meu trabalho L"ma anlise econmica do programa brasilt!iro de sustentao do caf

    1906-45: teoria, poltica e mensura,o. cap: L .. RELATRIO Bernardino de Campos (1848). Documentos parlamentares, meio circulante. 1897-1903_

    Y. 6, p. 375. Ver RELATRIO Bernardino de Campos (1848). Documentos parlamentares, meio circulante. v. 5,

    p. 425-32; Ibid., p. 423-4; RETROSPECTO Comercial do Jornal do Commercio 1896. p. 5-7; ISGLEZ DE Souz.

  • reforma monetria, atravs de uma lei no dia nove dsse ms. A Lei in-clua trs importantes providncias. Primeiro, o Tesouro assumiria a responsabilidade exclusiva pelas notas de banco em circulao. Em se-gundo lugar, tanto as notas de banco como os ttulos do Banco da Re-pblica do Brasil deveriam ser substitudos por notas do Tesouro. Em terceiro lugar, far-se-ia o recolhimento gradual do papel-moeda em circula-o. O Govrno assinaria um contrato com o Banco para o recolhimento das notas. No dia 16, um decreto do Executivo e do Ministrio da Fazenda acabou com os privilgios de emisso dos bancos brasileiros. Os ttulos bancrios tambm foram retirados de circulao. A medida prtica mais abrangedora foi o Decreto do dia 28. Em primeiro lugar, o Brasil voltaria paridade-ouro de 1846. Diversos recursos foram separados com o fim espe-cfico do recolhimento de notas pelo Go~rno, incluindo superavits prov-veis no oramento. Em segundo lugar, um esquema para o recolhimento anual das notas foi estipulado para durar at que o papel-moeda fsse plenamente conversvel em ouro. Em terceiro, o Govrno estabeleceu um fundo em ouro que eventualmente levaria plena conversibilidade. Em quarto lugar, uma providncia estipulava que as notas recolhidas seriam incineradas. Uma comisso no governamental chefiada pelo Presidente do Banco da Repblica do Brasil foi organizada para assistir o Govrno na implantao da legislao. Um contrato formal foi assinado com o banco.

    O que Campos tinha em mente era uma definitiva organizao do Brasil no regime do padro-ouro. A definio da unidade monetria, em trmos de uma quantidade fsica fixa de ouro, enquadraria o Brasil mais seriamente no padro-ouro, sistema monetrio que prevalecia na poca. 110 RuyBarbosa dissera, anteriormente na mesma dcada, que o padro-ouro no era possvel para o Brasil, a no ser que se modificasse substancial-mente a meta do desenvolvimento econmico. As medidas de Barbosa, apesar de serem em parte conflitantes com as filosofias que expressavam, eram mais adequadas ao Brasil do que as de Campos. O Pas necessitava de instituies de crdito e de um crescente volume de moeda para que se diversificasse a atividade econmica e viesse o progresso. A destruio das notas, a reduo do volume de moeda atravs de sua ligao com uma quantidade fixa de ouro, assim como o equilbrio oramentrio, entraram seriamente em conflito com a estabilizao da economia num perodo de recesso econmica. A valorizao da taxa de cmbio simplesmente cau-saria a falncia do setor cafeeiro, devido queda dos preos do caf.

    ao Ver o captulo 2. que segue. para uma anlise geomtrica do padroouro e a confuso dos polticos brasileiros.

    24 R.B.E. 3/71

  • Assim, a reforma monetria de Campos era conflitante com qualquer objetivo concebvel da poltica econmica nacional.

    3.7. A teoria da deflao: Joaquim Murtinho no Ministrio dos Transportes

    Embora todos os elementos para a deflao estivessem contidos na legislao de Bemardino de Campos, o acontecimento mais importante dsse perodo foi a ascenso de Joaquim Murtinho - um dos polticos mais importantes na histria econmica do Brasil - a uma situao de preeminncia nacional. Na introduo de um relatrio do Ministrio dos Transportes, Murtinho fz um forte aplo ao Presidente no sentido de uma reforma monetria fosse documento tornou-se o repositrio da sabedoria convencional sbre a organizao da economia brasileira, durante mais de 40 anos. 51

    Segundo Murtinho, a indstria brasileira crescera mais do que propor~ cionalmente aos recursos disponveis. A emisso de uma massa colossal de papel-moeda inconversvel provocara o desenvolvimento de grande nmero de indstrias ineficientes. Papel-moeda inconversvel causava ne-cessriamente especulao. Muitas das opinies de Murtinho sbre formao de capital so totalmente incompatveis, tanto com o bom senso como com a teoria econmica. Argumentava que: 52

    Uma grande quantidade de capital circulante se transformava em mquinas e construes e, em conseqncia, era temporriamente, ou talvez mesmo permanentemente, destruda.

    Isso equivale a dizer que a formao de capital no era benfica ao progresso do Pas. E at mesmo essa idia, de que a formao de capital destrua capital lquido, era incompatvel com a proposio de Murtinho para a reduo da oferta de moeda.

    Em matria de poltica comercial, Murtinho era totalmente contra subsdios e proteo indstria. Grandes fortunas se poderiam criar com a industrializao. Os verdadeiros intersses da Nao entrariam em con-flito com essas fortunas potenciais resultantes do protecionismo. Ter-se-ia que abrir mo da democracia no Brasil. 53 De qualquer forma, para Mur-tinho no era possvel para o Brasil um desenvolvimento industrial seme-lhante ao dos Estados Unidos. Os brasileiros eram inferiores em raa e em fra aos norte-americanos, e assim no eram capazes de realizar a indus-trializao! Insistia em que o protecionismo provvelmente no fra o

    :a .MURTINHO, Joaquim.. Introduo ao relatrio da viao. Documentos parlamentares, meio cir-culante. v. 6, p. 406-23.

    62 Ibid., p. 406.

    53 Ibid., p. 407.

    ORTODOXIA MONETRIA, CAMBIAL E FISCAL 2.'5

  • fator primrio do desenvolvimento americano. O fator principal, junta-mente com a raa, fra a construo de estradas de ferro. 54

    Quanto ao cmbio, M urtinho era a favor da valorizao. Sua mxima era: produzir barato o que importamos caro e importar barato aquilo que produzimos caro. 55 Se a taxa de cmbio fsse nivelada paridade do ouro, as indstrias ineficientes desapareceriam e assim o Brasil poderia consumir bens importados a preos mais baixos. Tambm defendia que a depreciao cambial no beneficiava os fazendeiros de caf. O bem-estar na realidade no aumentava, pois os fazendeiros tinham que pagar preos mais elevados pelas importaes. A renda real era, conseqentemente, mais baixa. Tendo em vista o forte movimento no sentido da interveno no mercado do caf, a renda real dos fazendeiros seria provvelmente afetada pelo declnio dos preos internacionais e a valorizao cambial.

    No fim de seu manifesto, Murtinho advertia o Presidente e a Nao contra a ascenso do socialismo e do despotismo econmico. Definiu des potismo econmico como circulao forada de notas de banco, industriali-zao ineficiente forada e redistribuio forada da renda. };sse despotis-mo tinha que acabar se se quisesse preservar a democracia. Depois dsse manifesto, Murtinho tornou-se o economista em voga no Brasil. };le era o homeopata pessoal de Campos SaBes. Quando Campos SaBes foi eleito Presidente, escolheu Murtinho para o Ministrio da Fazenda, com o obje-tivo de curar a economia doente. A deflao de Murtinho constituiu-se em um dos mais drsticos erros de administrao na histria econmica do Brasil. Isso ser o assunto do prximo captulo.

    3.8. As conseqncias econmicas do Encilhamento

    O grfico 1 e a tabela 2 mostram os nicos indicadores disponveis para uma avaliao do Encilhamento. O grfico 1 mostra o rpido aumento do volume de moeda de 1889 a 1891, tambm acompanhado pela depre-ciao cambial. Foi, tambm, sse o perodo de febril constituio de so-ciedades, seguido de falncia das companhias. A estabilizao tanto da taxa de cmbio como do volume de moeda foi conseguida em 1894, pro-vvelmente por Rodrigues Alves. Entre 1896 e 1898, porm, houve certa depreciao cambial.

    verdade que o volume de moeda aumentou com rapidez excessiva no incio do Encilhamento. Mas sse acrscimo amplamente exagerado se no se levar em considerao o perodo anterior. Em primeiro lugar, a '" Ibid., p. 40i.

    :;.:) Ibid", p. 406.

    26 R.B.E. 3/71

  • GRAFICO 1

    Brasil, Volume de Moeda e Taxa de Cmbio - 1888-1898

    Taxa de cmbio

    Volume dos meios de pagamento

    1888 89 90 91 92 95 !H 95 Y6 97 98

    Fonte: Anlise Econmica do programa brasileiro de sustentao do caf, Apndice, Tabela M.

  • TABELA 2

    Brasil, saldos ou deficits do oramento federal - 1888-1897 (contos de ris)

    Saldos (+) ou Ano deficits (-)

    do oramento

    1888 No disponvel 1889 - 25325 1890 - 25 393

    1891 + 8 353 1892 - 51 673 1893 - 40 780 1894 -107694 1895 37 012

    1896 - 22 708 1897 - 75 925

    austeridade monetria predominava na ltima fase do Imprio, especial-mente durante a reforma monetria de Salles Torres Homem na dcada de 1860. , conseqentemente, possvel que a oferta de moeda fsse insu-ficiente para o crescimento do Pas. Os aumentos no volume de moeda entre 1889 e 1891 podem simplesmente ter compensado um longo perodo de estabilizao. Em segundo lugar, o Pas estava passando da escravatura para o trabalho livre, e certamente um volume maior de meios de paga-mento era necessrio. O plano de Barbosa seria, provvelmente, adequado para um perodo de prosperidade industrial e rpido crescimento, se dle no se tivesse abusado. Afinal, uma vez que as grandes aventuras de negcios fracassaram em 1891-92, no havia necessidade de se reduzir o volume de moeda. Os bancos de emisso poderiam suprir os meios de pagamento para o estabelecimento da indstria. A depreciao cambial aumentaria o preo das importaes e, tambm, permitiria o estabelecimento de indstrias competitivas com as importaes, se fsse concedida iseno de direitos de importao aos equipamentos. A inflao, para a qual no h mensura o disponvel alm de uma aproximao feita atravs da taxa de cmbio, poderia ter introduzido algumas distores na atividade econmica. Mas tais distores seriam simples se comparadas com as prticas dellacionrias da escala da ortodoxia monetria. duvidoso que fsse necessria maior austeridade a partir de 1893.

    28 R.B.E. 3/71

  • Por estranho que possa parecer, geralmente se louva Murtinho e a escola da ortodoxia monetria pelo estmulo que dispensaram industriali-zao. Numa perspectiva histria, o que a ortodoxia monetria conseguiu foi precisamente a frustrao e o atraso da industrializao. A restrio do crdito pela reduo da oferta de moeda , na realidade, a frustrao da industrializao e do desenvolvimento. E a despeito dos preconceitos raciais de Murtinho, do exame dos documentos da poca se infere que o Brasil tinha os recursos necessrios industrializao. Mas sses recursos, para serem usados frutiferamente, necessitavam de uma infra-estrutura monetria. O fato de que j havia algumas indstrias no Pas demonstra amplamente as possibilidades econmicas do desenvolvimento industrial. O monoplio de. emisso, as notas convenveis e a valorizao cambial impediram que o estabelecimento da indstria no Brasil se processasse mais cedo.

    4. A politica de deflao durante um perOdO de contrao dos negcios

    4.1. As conseqncias econmicas do Ministrio Murtinho

    4.1.1. A anlise do Ministro Murtinho

    O Ministro da Fazenda considerava que havia uma crise econmica ge-neralizada no Brasil resultante do encilhamento. l.sse problema econ-mico geral foi por le dividido em uma crise financeira e uma outra, puramente econmica. A crise financeira era um excesso de emisso de notas em relao ao que era necessrio consecuo dos negcios. A crise econmica devia-se ao excesso de produo de caf causado por uma distoro dos preos internacionais, resultante da depreciao cambial. O mecanismo, atravs do qual sses dois problemas interagiam, foi sim-plificado como segue: o excesso de produo de caf fra causado por aumento de seu preo internamente como resultado da depreciao cam-bial. A queda dos preos do caf, externamente, causava deteriorao nas relaes de troca, e, conseqentemente, tinha impacto negativo sbre a renda nacional. 56

    58 MINISTDtIO DA FAZENDA. Introduo ao relatrio do Ministro Joaquim Murtinho. Rio, Imprensa Nacional, 1899. p. v.

    Notese que essa no uma exposio liberal da anlise de JIlurtinho, mas pelo o que le escreveu fica claro de que le estava ciente dsse mecanismo. Uma crtica devastadora a Murtinho foi feita por VIEIRA SoUTO, L. R. O ltimo relatrio da Fazenda. Para uma discusso geral dsse perlodo, favorvel a Campos Salles e a JIlurtinho, ver GUANABARA, Alcindo. A presidncia Cam-pos Sallu, poltica e finanas. Para crtica veemente de JIlurtinho, ver FERSANDES, Santiago. OUTO: 4 relquia Barbosa.

    ORTODOXIA MONET ARIA, CAMBIAL E FISCAL 29

  • Com base nessa anlise, Murtinho considerava quatro problemas importantes da poltica econmica. Em primeiro lugar, o problema da existncia de produtores ineficientes no mercado do caf: 57

    "Assim senhor presidente (Campos Sales), a produco das industrias artificiais no representa um resultado economico; os seus lucros expri-mem apenas impostos sobre as outras produces; os capitaes nellas em-pregados no so factores, mas antes agentes parasitarios da riqueza pu-blica ...

    A lavoura do caf deve ser considerada em relao ao consumo actual como composta de duas partes, uma constituida pela cultura em terrenos e climas superiores por agricultores intelligentes e em b'oas condies eco-nomicas, outra representada pela cultura em terrenos e climas inferiores por agricultores rotineiros e em mas condies economicas."

    Assim, o problema a resolver, em trmos de poltica econmica na-cional, era o da existncia dsses produtores ineficientes. Em segundo lugar, a proteo tarifria e as emisses de moeda resultavam num setor industrial interno artificial. Segundo Murtinho: 58

    "Estudado o mecanismo pelo qual as emisses desvalorizaram a nossa CIr-culao, no dificil comprehender-se como por um mecanismo seme-lhante desvalorizaram a nossa produco.

    A pseudo-abundancia de capitaes por ellas produzidas promoveu a crea-o de um sem numero de industrias e desenvolveu de modo extraordin-rio a actividade agricola.

    Como todo desenvolvimento precipitado, ella fez sem ordem, sem calma necessaria ao estudo, sem estudo indispensavel e previso.

    Dahi o estabelecimento de industrias artificiais e a organizao agricola para produco exaggerada do caf os dois factores da desvalorizao da nossa produco ...

    O custo de produco nessas industrias, sendo muito alto em relao ao dos que nos veem do exterior, eleva, por meio de taxas ultra-proteccionis-tas nas tarifas de alfandega, o preo dos productos estrangeiros, creando assim um mercado falso, em que os productos internos vencem na con-currencia os productos do exterior.

    5i MISIST.RIO D.-\. FAZE~mA. op. cit., p. xv.

    58 MINISTRIO DA FAZENDA. op. cit., p. XIV.

    30 R.B.E. 3/71

  • Todo consumidor , pois, lesado, e a differena entre o que elle paga pelos objectos nesse regimem e o que pagaria em um regimem livre representa um imposto que lhe arrancado para manuteno daquellas industrias."

    o problema em trmos de poltica econmica, agora, era conseguir-se a industrializao com base em produtores internos eficientes.

    Em terceiro lugar, o Encilhamento distorcera substancialmente as fi-nanas pblicas e nada, a no ser uma drstica reforma fiscal e dos im-postos, poderia restaurar um progresso ordenado na economia. O pro-blema crucial da poltica nacional era o impacto inflacionrio dos gran-des deficits anuais financiados por emprstimos externos. 59 Em quarto lugar, as emisses de notas em desproporo com a atividade econmica requeriam uma reorganizao do mercado monetrio do Pas. Talvez ~eja sse o ponto em que a anlise de Murtinho era menos correta. Sua ten-tativa de encontrar um estoque timo de moeda no resistiria a um exame nos moldes da teoria monetria moderna. A sua teoria, uma anlise sim-plista do padro-ouro, condensava-se em uma equao que le dizia ser de-rivada da "oferta e da procura de cmbio"; 60

    exportao em ouro volume de moeda interno taxa de cmbio

    O que Murtinho tinha em mente era uma razo do volume de moeda para metais preciosos, dos quais a taxa de cmbio dependia. Embora considerasse, vagamente, uma relao entre a moeda e a atividade eco-nmica, Murtinho era um metalista ardente. Havia uma relao entre renda nacional e o volume de moeda, e aumentos atuais na oferta de moeda, provvelmente, constituiriam a poltica econmica tima. Tal ligao entre o volume de moeda e a explorao de um metal no era uma anlise correta. Era na realidade um caso de insanidade monetria e um obstculo srio ao crescimento econmico. Sob muitos aspectos, Murtinho era apenas um mercantilista confuso. :tle, simplesmente, tentava transformar algumas idiosincrasias e desvios polticos em uma teoria econmica para o desenvolvimento brasileiro.

    Onde Murtinho difere substancialmente de outros polticos brasi-leiros na nfase que d distino entre o efeito do curto e do longo prazo da poltica econmica geral. Estava perfeitamente ciente do sacri-fcio do homem de estado no curto prazo resultante de um programa de

    Ibid., p. XXXVII e XXXVIII.

  • estabilizao tal como o que le visava. Mas no era sua inteno im-pedir que consideraes demaggicas obscuras cessassem os fatres real-mente econmicos - do seu questionvel ponto de vista - ao sair a re-forma econmica. Na sua exposio da reforma, le conclui:

    "Para combater essas causas e destruir os seus effeitos perniciosos dois so os caminhos: o caminho estreito e tortuoso da poltica de expedientes e a estrada recta e larga da politica de principios que acabo de apresentar.

    a primeiro fcil de percorrer; os beneficios que nelle encontramos so de effeitos imediatos, embora transitorios: emprestimos lavoura, a alta artificial do cambio a custa do thesouro, a propaganda em favor do con-sumo de caf por agentes officiaes, o commercio desse producto realizado directamente pelo proprio governo e outras formulas reductoras arrancam applausos calorosos e muitos daquelles que, sentindo mais directamente os effeitos terriveis da crise, pensam e raciocinam sob forte presso de seus proprios males.

    A estrada da poltica de prinClplOs aspera e rude; os resultados longi-quos mas seguros que ella nos offerece, s podem ser percebidos por aquel-les que teem a calma, a clarividencia e a serenidade de espirito no estudo dessas questes.

    A politica de expedientes a politica de mscara, com que se procura occultar ao paiz os seus proprios males; a politica do narcotico, que in-sensibilisa a nao para as suas prprias dores, tirando-lhe a conscincia da necessidade de uma reaco energica e viril contra os agentes que amea-cam destrui-la.

    A outra a politica da franqueza e a lealdade, que no esconde as verda-des duras e amargas que o paiz precisa conhecer; a politica que, tendo f na vitalidade da republica, no tem receio de provocar de sua parte uma reaco salutar." 61

    Essas idias so provvelmente Ulllcas na histria econmica do Bra-sil. Pode-se sentir em Murtinho a percepo de que a contnua m 3.10-cao de recursos, no curto prazo, leva, no final a uma crise sem retrno e, provvelmente, a um govrno autoritrio e ao subdesenvolvimento. Essas polticas de curto prazo, demaggicas e visando conseguir prestgio, foram muito comuns no passado econmico do Brasil. Na realidade correm com o esprito da poca; so popularizadas pelos no-economistas e pelo pblico. Mas os problemas econmicos seguem uma soluo econmica

    II Ibid., p. XLIII-XLIV.

    32 R.B.E. 3/71

  • e no poltica. E uma contnua m alocao de recursos, em perodos sucessivos de curto prazo, no pode levar a uma eficincia econmica dinmica, que vem a ser no final a alocao tima de recursos de longo prazo. O problema de Murtinho era a fraqueza de sua teoria econmica, especialmente no que diz respeito moeda e ao cmbio.

    4.1.2. As medidas econmicas do Ministro Murtinho

    O programa econmico de Murtinho estava concentrado na soluo de trs distores na economia brasileira causadas pelo Encilhamento. 62 Em primeiro lugar, tomaramse medidas para corrigir o excesso de produo no mercado do caf, provvelmente o fato mais premente do momento. A soluo de Murtinho consistia em darwinismo econmico: 63

    "Convicto de que a interveno official s poderia augmentar os nossos males, o Governo dei vou que a produco de caf se reduzisse por seleco natural, determinando-se assim a liquidao e a eliminao dos que no tinham condies de vida, ficando ellas nas mos dos mais fortes e dos mais bem organizados para a lucta."

    Assim, a poltica do caf simplesmente no era uma poltica. Seria permitido ao mercado continuar livre; a queda dos preos internacionais sob taxas de cmbio estveis foraria a sada do mercado dos produtores ineficientes. Os preos ento flutuariam de acrdo com as condies do mercado. O Presidente Campos Salles, tambm, obteve reduo das taxas de importao sbre o caf na Inglaterra e na Frana, assinando tratados comerciais e buscando medidas para aumentar as exportaes para sses pases. Por outro lado, uma taxa de 2 contos sbre as fazendas que ti-vessem plantaes de caf novas foi instituda em So Paulo, em dezem-bro de 1901. 64 Essas polticas naturalmente eram um convite rebelio ou ao menos organizao dos produtores em um grupo de presso. Afinal os intersses constitudos influenciam o curso dos acontecimentos em inte-rao com as idias.

    Em segundo lugar, tomar-se-iam medidas para cornglr a depreciao cambial. Os dois instrumentos de poltica foram uma taxa sbre o oum e

    02 MURTINHO, Joaquim. Relatrio apresentado aO Presidente da Repblica dos Estados Unidos do Brasil pelo Ministro do Estado dos NegCios da Faunda Joaquim Murtinho, no Anno 1900. Rio, Imprensa Nacional, 1900. p. iiii\".

    .. Ibid., p. iv.

    OI ANDRADE, Theophilo de. O Com"nio de 1941. Revista do Departamento Nacional do Caf. p. 276, abro 1941.

    ORTODOXIA MONET ARIA, CAMBIAL E FISCAL 33

  • 1 j

    I um emprstimo de consolidao da dvida. A tarifa-ouro era na realidade uma forma de contrle cambial: 10% do valor das taxas de importao seriam pagos, em espcie, a partir de 1899, com aumento de 5% em 1900 c, a partir dsse ano, acrscimos anuais at que a taxa de cmbio se estabi-lizasse. Os proventos da taxao seriam usados para pagamento da d-vida externa, que se originara em grande parte nos deficits de governos passados. O que Murtinho tencionava evitar eram compras espordicas do Tesouro ao longo do ano, que tinham causado no passado grande de-sequilbrio no mercado de cmbio, e tambm evitar emisses de moeda para compra de divisas.

    O emprstimo de consolidao contrado pelo Presidente Campos Salles foi talvez a medida de maior alcance da administrao Murtinho. Com tda justia, deve-se enfatizar que Murtinho no foi o autor original dessa medida. O plano foi elaborado pelo Sr. Tostal, um dos diretores do London and River Plate Bank. 65 O contrato foi assinado pelo Pre-sidente eleito, Campos SaBes, durante visita a Londres antes de assumir a presidncia do Brasil. Assim l\Iurtinho j estava compremetido com a medida que tinha forte apoio dos banqueiros de Londres.

    O contrato do emprstimo de consolidao da dvida externa (Funding Loan) foi assinado em Londres em 15 de junho de 1898 entre o govrno brasileiro e N. M. Rothschild & Sons. Pelo acrdo, o Govrno do Brasil emitiria ttulos (Ttulos de Consolidao dos Estados Unidos do Brasil a 5% de juros) no excedendo 10 milhes de libras esterlinas, subscritas por Rothschild e tendo como garantia a hipoteca dos direitos alfandegrios do Brasil. O pagamento do principal sbre as dvidas externas do Brasil foi suspenso durante 13 anos. A Casa Rothschild emitiria periodicamente os ttulos a prazo para os portadores de cupons. Os ttulos seriam reco-lhidos ao longo de um perodo de 63 anos. O Brasil depositaria perio-dicamente num fundo de amortizao quantias especficas, que seriam uti-lizadas para o recolhimento dos ttulos. Em resumo, o que o Brasil fz foi consolidar os juros de vrios emprstimos externos em um fundo, e entrar em acrdo com a Casa Rothschild para o pagamento dsses juros. O mecanismo do pagamento era como segue: 66

    No dia primeiro de janeiro de 1899 e, subseqentemente, pari passu com a emisso dos ttulos de consolidao, o Govrno depositar no Rio de Janeiro guarda do London and River Plate Bank Limited, do London

    '" Ver RETROSPEcrO Comercial do Jornal do Commerrio 10898. p. 5 . .. LEGISLAO sbre papelmoeda. p. lIi8.

    34 R.B.E. 3/71

  • anel Brazilian Bank e do Brasilianische Bank fur Deutschland, o eqUIva-lente dos ttulos citados em papel-moeda corrente taxa de cmbio de 18 pence; e o papel-moeda, equivalente aos ttulos emitidos entre 1.0 de julho e 31 de dezembro de 1898, ser depositado da mesma forma durante um perodo de trs anos, a partir de 1.0 de janeiro de 1899_

    O papel-moeda depositado ou ser retirado da circulao ou destrudo, ou, se e quando a taxa de cmbio fr favorvel, ser aplicado na compra de letras sbre Londres em favor de N. "M. Rothschild Se Sons, para ser colocado a crdito de" um fundo voltado para o futuro pagamento em ouro, dos juros sbre os emprstimos e as garantias de estradas de ferro.

    R/q

    DM

    o

    s

    DIAGRAMA 1 Exportao de capital no regime do padro-ouro

    Libras esterlinas por unidade de tempo

    / I

    /

    /

    / /

    /

    ,

    "- ,

    q/t

    Pomo de exportao do ouro

    Pomo de importao do ouro

    "-

    "

    Libras esterlinas por unidade de tempo

    A anlise do Funding Loan semelhante da exportao de capital vIgorando o padro-ouro. O diagrama 1 mostra a determinao da taxa de cmbio vigorando o padro-ouro. a procura e a oferta de divisas que determina a taxa de cmbio, como o Prof. Vieira Souto lembrou a Mur-tinho. na imprensa, e no uma simples equao. Vamos supor que o mil-ris fsse expresso em trmos de um dado contedo de ouro. Num mercado livre de cmbio, a taxa de cmbio seria determinada em A, onde a demanda de divisas estrangeiras (resultante da demanda por im-portaes) intercepte a oferta de divisas (resultante da procura de di-

    ORTODOXIA MONET ARIA, CAMBIAL E FISCAL 3.'5

  • visas no estrangeiro, ou seja, da oferta de exportaes). No ponto de im-portao de ouro a demanda por divisas estrangeiras tornou-se perfeita-mente elstica. De forma semelhante, no ponto de exportao de ouro a oferta de divisas torna-se perfeitamente elstica. Assim, a taxa de cm-bio pode oscilar entre os pontos de exportao e de importao de ouro. Suponha-se agora que ocorra uma sada de capital, no caso a criao do fundo em Londres. A demanda de divisas se desloca para cima e para a direita passando a ser Dn+I paralela a Dn. A taxa de cmbio passa a ser OT, determinada pela interseo de Dn+I e S, que perfeitamente els-tica no ponto de exportao de ouro. Nesse ponto os exportadores con-vertem em ouro os proventos de venda de divisas estrangeiras. 67 A moeda , conseqentemente, eliminada da circulao. Isso equivalente inci-nerao ou ao depsito de papel-moeda previstos no contrato do emprs-timo. Ocorre uma contrao da renda monetria, que causa deslocamento para baixo da curva de procura e um deslocamento para cima da curva de oferta. Se o deslocamento inicial no fr suficiente, subseqentes con-traes da renda monetria causariam novos deslocamentos das curvas at que a taxa de cmbio se fixasse novamente abaixo do ponto de ex-portao de ouro. O que importante a deflao requerida por tal me-canismo. Pode entrar em conflito com as polticas internas de estabiliza-o econmica. o caso da administrao de Murtinho, pois o emprs-timo foi contrado durante um perodo de extraordinria crise econmica. O superavit na balana comercial em moeda do pas aumentou de apro-ximadamente 50 mil para 412 mil contos em 1901, principalmente devido queda das importaes de 792 mil contos, em 1898, para 448 mil em 1901. As exportaes de capital requeriam precisamente um excedente comercial, que foi conseguido atravs da reduo nas importaes. Sem dvida a deflao resultante do programa de Murtinho foi substancial. Tendo em vista a j grave crise econmica, surpreendente que Campos Salles e Murtinho no tenham sido tirados de seus postos. As crticas contemporneas largamente difundidas revelam as conseqncias sociais e econmicas das polticas deflacionrias durante um perodo de contrao dos negcios.

    4.1.3. Resultados do programa de estabilizao de Murtinho

    Um resultado imediato da reforma de Murtinho foi o pamco bancrio em 1900. Grande nmero de instituies financeiras do Rio de Janeiro

    Ir. Ver MACHLUP, Fritz. The theory of foreign exchanges. In: Readings in lhe Theory of In/ema tional Trade. p. 1334.

    36 R.B.E. 3/71

  • GRAFICO 2

    Fatres que influram no terceiro ciclo de preos do caf - 1886-1906

    Volume dos meios de pagamento

    Ex taes brasileiras de caf

    Produto nacional lquido dos ElTA

    Preo de importao do caf nos ECA

    1886 90 95 1900 1906

    l'mIte: Anlise Econlllica, cit., Tabela ~I.

  • 1 j 1 ;

    I

    I 1 I I I I

    I 1

    foi falncia, e o prprio Banco do Brasil se viu seriamente ameaado. 68 Num dado momento a presso foi suficientemente forte para forar o Banco do Brasil a suspender temporriamente os pagamentos. Outros bancos seguiram sse exemplo e o pnico se espalhou. Uma crise finan-ceira geral desenvolveu-se em setembro de 1900. O Congresso ento san-cionou legislao em apoio ao Banco do Brasil. Assim, foi depositado um milho de libras esterlinas no Banco do Brasil para evitar a sua falncia. As outras instituies bancrias no Rio, que tinham suspendido os pagamentos, tambm foram beneficiadas pela legislao em outubro do mesmo ano, e a crise foi finalmente controlada. 69

    O grfico 2 mostra o impressionante sucesso de Murtinho na con-secuo das reformas visadas por le. O volume dos meios de pagamento estabilizou-se depois de 1889 e o preo da libra esterlina, em mil-ris, declinou substancialmente. Isso no quer dizer que a poltica de l\Iurti-nho era ideal para o Brasil nessa poca. verdade que escassa a infor-mao sbre sse perodo, e uma anlise correta requeriria dados sofisti-cados sbre o movimento dos preos, renda real, produo etc. As pol-ticas, tais como as da administrao de Murtinho, devem, tambm, ser julgadas luz das contraes nos negcios, e tal informao no dis-ponvel para o Brasil. Provvelmente nunca o ser. Mas o grfico 2 mostra o comportamento irracional do volume dos meios de pagamento no Brasil: um planalto, seguido de violento aumento e, ento, nvo planalto. Nesse perodo o volume de meios de pagamento estava firme-mente controlado pela poltica do Govrno, e da mesma forma sses movimentos violentos contnuos no poderiam contribuir para o cresci-mento econniico a longo prazo. Porm isso foi um rro repetido em v-rias administraes, inclusive a de Murtinho. Por outro lado, a limitada informao disponvel permite a concluso experimental de que Murtinho provocou grave deflao durante um perodo de contrao dos negcios, como o indica a profunda crise na atividade econmica mais importante do pas, que era o caf.

    A conseqncia mais relevante do programa de estabilizao de l\Iur-tinho, para a alocao de recursos, est evidente no grfico 2. A sensvel queda no preo internacional do caf, depois de 1895, foi contrabalan-ada at 1898 por uma depreciao cambial relativamente acentuada apesar de insuficiente. Mas tal compensao deixou de existir depois de 1899; pelo contrrio, houve valorizao cambial mais rpida do que

    as CALGERAS. op. cit., p. 346. Umas li instituic!'J de crdito faliram. .. Ibid., p. 350.

    38 R.B.E. 371

  • a alta do preo do caf. Sempre que havia algama recuperao do preo do caf depois de 1901, a valorizao cambial subseqente anulava essa recuperao. A meta de Murtinho de colocar produtores para fora do mercado estava funcionando com todo o impacto. Os produtores efi-cientes viram seus lucros diminuir de modo substancial e os produtores ineficientes foram levados falncia. A conseqncia do programa de es-tabilizao foi a formao de um movimento nacional contra a interven-o no mercado do caf. O poltica de Murtinho na realidade denotou a sua convico mais forte: um mercado do caf livre. 70

    4.2. As conseqncias econmicas do Ministrio Bulhes

    4.2.1. A anlise econmica do Ministro Bulhes

    Raro acontecimento na histria brasileira, as polticas econmicas de Murtinho foram continuadas pelo seu sucessor, Leopoldo de Bulhes, nomeado para a pasta da Fazenda pelo Presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves. A anlise da crise brasileira feita por Bulhes era se-melhante, ainda que no to drstica, de Murtinho. Afinal, fra Ro-drigues Alves quem implementara polticas de ortodoxia quando Mi-nistro da Fazenda na dcada anterior. Segundo Bulhes, as emisses do perodo do Ericilhamento tinham resultado em substancial inflao. A inflao levara a uma inadequada alocao de recursos atravs da dis-toro dos preos relativos e das rentabilidades. Por outro lado, o perodo inflacionrio da ltima dcada do sculo XIX resultava numa incerteza para investimentos, tanto do capital nacional quanto do estrangeiro. O nico caminho que restava para o Brasil era o da reduo das emisses. 71

    Bulhes, tambm, acreditava firmemente no programa de Murtinho, na maioria dos detalhes: 72

    "Si as condies geraes do paiz so boas, si as circunstancias economi-co-financeiras so animadora~, a concluso a tirar que, apezar da insuf-ficiencia dos elementos do balano, a depreciao do papel-moeda, cuja prova e medida esto na taxa cambial, s pode ser attribuida ao excesso do meio circulante, que embaraa a importao de capitaes extrangeiros em maior escala e a fixao da moeda metallica na circulao."

    ~o Ver meu trabalho Fma anlise '" capo I. ~l ~IIXlSTtR.IO DA FAZEXDA, Relatrio Leopoldo de Bulhes (1905). Documentos parlamentares, meio

    circulante. p. 37-8. A bibliografia dsse ~[inistro de autoria de Augusto de Bulhes. Leopoldo de Bulhes. Rio, Ed. Financeiras.

    ;2 Ibid., p. 59.

    ORTODOXIA MONET ARIA, CAMBIAL E FISCAL 39

  • A sustentao d3 taxa de cmbio favorecia o desenvolvimento de um setor industrial interno e um eficiente setor de exportao. A depreciao deliberada da taxa de cmbio, de forma a proteger o setor exportador, aumentava substancialmente os custos das necessidades de capital do setor industrial nascente. Havia muitos brasileiro nessa poca que no acreditavam na redistribuio da renda, em favor do setor cafeeiro, como o caminho para o progresso de longo prazo.

    4.2.2. As medidas do Ministro Bulhes

    o programa econmico de Bulhes era semelhante ao de Murtinho. Em primeiro lugar, a tarifa-ouro foi mantida com a esperana da estabili-zao do mercado cambial. Em segundo lugar, estabilizou-se o volume da moeda. Em terceiro, emprstimos foram contrados no estrangeiro para continuar o progresso do pas no clima de certeza que a estabilizao permitia. Rodrigues Alves escolheu funcionrios competentes para a cidade do Rio de Janeiro, que progrediu muito durante a sua administra-o. A ambio do Presidente era a consolidao das reformas de Campos Salles e um nvo perodo de expanso econmica. 73 Como se v no grfico 2, as polticas alcanaram as metas previstas: estabilizao do volume de moeda, valorizao da taxa de cmbio, diminuio dos deficits oramentrios e reduo da rentabilidade do plantio do caf para elI-minar do negcio os produtores ineficientes.

    4.2.3. O quarto Banco do Brasil

    Durante o pnico bancrio de 1900, o Banco da Repblica do Brasil recebeu assistncia do Govrno para evitar a sua falncia e as repercus-ses drsticas que dela resultariam sbre tda a estrutura econmica do Brasil. 74 Assim, o Govrno se tornou credor do Banco, e a associao entre as duas instituies foi aumentada com os anos. Mais tarde tal as-sociao se tornou mais forte pela reforma bancria de Leopoldo Bulhes, em 1905. 75 No dia 30 de dezembro foram apurados novos estatutos para o Banco do Brasil. 76

    ,. Ibid., p. 34; VIAXA. op. cit., p. 706-765.

    7. CALCERAS. A crise dos banros em 1900. op. cit. capo 20. ,., Consulte-se o RELATRIO Leopoldo de Bulhes (1905)_ Docum",tos parlam",tares, meio circulante.

    1905. v. 7, p. 505 e seg_ para uma anlise dos bancos anteriores.

    70 DECRETO n . 1455 de 30 de dezembro de 1905, ApPTova os estatutos do Banco do Brasil, Le-gislao sbre pape/moeda. p. 130; VIAXA, Victor. op. cito p. 723; CALCERAS. op. cit A Reor ganizao do Banco da Repblica. O Banco do Brasil, capo 23. p. 384 e sego

    40 R.B.E. 3/71

  • Os novos estatutos 77 mudavam o nome do Banco da Repblica do Brasil para Banco do Brasil, a quarta instituio no Brasil com tal nome. O Govrno aumentou os ativos do banco em 2500 contos para atingir o total de 22500 contos. Ficou estabelecido que o Banco teria a sua di-reo no Rio de Janeiro, mas poderia estabelecer agncias em qualquer ponto do pas. O capital do Banco foi fixado em 70 mil contos, subs-tancialmente abaixo dos 190 mil contos do Banco da Repblica do Brasil. Foi dividido em 350 mil aes de 200 mil-ris cada. Os possuidores de aes do Banco da Repblica do Brasil receberam 112500 aes. Outras 112500 aes foram subscritas pelo Tesouro federal. As 125 mil restantes foram oferecidas ao pblico.

    Numerosas operaes foram permitidas ao Banco. Em primeiro lu-gar, podia aceitar depsitos do Tesouro e adiantar fundos para ste, mas no alm do limite mximo imps to pela lei oramentria anual. Em segundo lugar, o Banco podia aceitar depsitos comerciais normais. Em terceiro, era-lhe permitido descontar ttulos comerciais. Em quarto, o Banco se lanaria em ampla variedade de operaes com os vrios n-veis de Govrno, federal, estadual e municipal. Em quinto, ao Banco foram permitidas operaes de subscrio de ttulos governamentais e privados. Em sexto, o banco estabeleceria uma carteira para os negcios em moeda estrangeira (ou seja, uma carteira de cmbio). Em stimo, para poder ter lucros o banco poderia conceder emprstimos com prazo no superior a seis meses e tendo como garantia ouro, ttulos do Go-vrno, mercadorias, diamantes, aes ou debntures de emprsas privadas.

    Uma das mudanas mais importantes que o Banco sofreu foi com relao administrao. Esta ficou a cargo de um presidente e quatro diretores. O presidente e o diretor da carteira ele cmbio eram nomeados pelo Presidente do Brasil. Tratava-se de providncia no sentido de con-trolar as medidas de estabilizao cambial. E no que se refere carteira, foi importante para conseguir divisas para as obras pblicas da admi-nistrao Rodrigues Alves. 78 Essas providncias administrativas, conse-qentemente, asseguravam que os assuntos relativos moeda e ao cmhio seriam controlados pelo Govrno, tornando-se o Banco do Brasil um importante instrumento da poltica econmica. Nos perodos subseqen-tes, a presidncia do Banco do Brasil tornou-se o segundo cargo econ-mico mais importante do Brasil, logo aps o de Ministro da Fazenda. Em muitos casos os ministros da Fazenda foram escolhidos por terem sido

    ,., os estatutos so integralmente reproduzidos em VIA"A. op. cit., p. i24-41. Viana reproduz in-tegralmente os documentos mais importantes.

    ;, RELATRIO Leopoldo de Bulhes (1906), DocuTII, .. tos ... \'. i, p. '>3i-8.

    ORTODOXIA MONET ARIA, CAMBIAL E FISCAL 41

  • anteriormente presidentes do Banco do Brasil. Um ramo