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    Kevin Lynch: Imagem e Desenho das CidadesPor Carlos Leite

    As cidades possuem imagens prprias e seus habitantes criam imagens mentais de suas cidades ao

    percorr-las e vivenci-las. Tais imagens mentais podem ser pesquisadas e, em sendo analisadas, revelar

    imagens pblicas ou coletivas que, por sua vez, identi ficaro atributos urbano-arquitetnicos posit ivos

    ou negativos, marcos referenciais para a coletividade ou paisagens urbanas pobres e sem significado. Mais

    ainda: as pesquisas serviro como instrumental para uma implementao de um adequado desenho urbano

    que de fato responda aos anseios da populao usuria.

    Prximos da virada do milnio e em meio ao caos urbano de nossas maiores metrpoles, tais

    conceituaes parecem ganhar mais fora do que poca em que foram lanadas pelo urbanista Kevin Lynch

    em 1960. Talvez nunca dantes as imagens das cidades estivessem sendo to preciosas. Por um lado, por

    aqueles que as transformaram em marketing e as utilizam para vender um produto atrativo investimentos,

    turismo e como exemplos de boa administrao pblica . Por outro lado, para, infelizmente, atestarmos o

    quanto ainda estamos longe de uma adequada paisagem urbana, resultado de um responsvel desenho

    urbano nas nossas cidades.

    Neste contexto, vemos chegar finalmente ao Brasil um dos maiores clssicos da arquitetura e urbanismo

    contemporneos: A Imagem da Cidade de Kevin Lynch (Editora Martins Fontes, So Paulo, 1997). Mais umavez, temos de correr atrs do prejuzo, j que estamos com 27 anos de distncia do lanamento original do

    livro nos EUA! Ora diro, havia a verso portuguesa da Edies 70, por aqui distribuda pela mesma Martins

    Fontes. Digamos que pelo menos trs motivos h que nos preocupassem: a m traduo daquela verso, a

    enorme dificuldade em se encontrar a obra nas livrarias e seu alto preo (o original vendido por U$ 17.50

    pela MIT Press!). Assim sendo, no espirito do antes tarde do que nunca, vamos obra, sua influncia

    seminal para os campos do desenho urbano e da percepo ambiental e ao autor que conseguiu impor uma

    tessitura interdisciplinar mpar nos seus trabalhos.

    Kevin Lynch (1918-1984) foi, certamente, o maior terico do desenho urbano de nosso tempo. Dedicou-se

    pesquisa, ao ensino e atividade projetual. Publicou oito livros, vrios ensaios e diversos captulos em

    obras de outros colegas, no apenas na rea do urbanismo mas tambm em reas afins que ele mesmo

    ajudou a criar (percepo e psicologia ambientais). Lynch estudou arquitetura inicialmente na Universidade

    de Yale, abandonando o curso aps consider-lo antiquado e beaux-arts , para estudar no Atel i Taliesin de

    Publicado em: REVISTA PROJETO 218, 100-101. So Paulo: Arco Editorial, 1998.

    Arquiteto; Mestre e Doutor [FAU-USP]; Professor do Programa de Ps-graduao em Arquitetura e Urbanismo

    da Universidade Presbiteriana Mackenzie [[email protected]].

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    Frank Lloyd Wright. Posteriormente, graduou-se em planejamento urbano no MIT em 1947, instituio onde

    lecionou de 1948 ao incio da dcada de 80. Junto com Lloyd Rodwin estabeleceu o renomado Joint Program

    in Urban Studies , programa de pesquisa pioneiro entre as escolas de arquitetura e planejamento urbano do

    MIT e da Universidade de Harvard em Boston, curso que preconizou os estudos acadmicos em desenho

    urbano nos EUA. Com seu ex-aluno, Stephen Carr, estabeleceu a firma Carr/ Lynch Associates que se tornou

    um dos mais renomados escritrios de estudos e projetos urbanos dos EUA. Em 1984, recebeu a maior

    distino internacional oferecida a planejadores urbanos, o Rexford G. Tugwel l Award .

    Sua obra referncia obrigatria para todos aqueles que desejam compreender, por um lado, o processo

    do pensamento urbano aps o advento do modernismo (Lynch, ao lado dos americanos Jane Jacobs e Robert

    Venturi e dos europeus Aldo Rossi e Gordon Cullen, um dos crticos da dcada de 60 aos postulados

    funcionalistas/ racionalistas advindos da Carta de Atenas) e, por outro vis, representa um marco na

    emergncia de novas abordagens disciplinares sobre a relao do homem com o seu meio vivencial.

    Este seu primeiro livro paradigmtico ao apresentar consideraes sobre a forma de entendimento da

    paisagem urbana que os habitantes fazem de sua cidades. Aps realizar experincias com moradores de trs

    metrpoles americanas (Boston, Jersey City e Los Angeles), ele teceu uma srie de conceitos bsicos para o

    que hoje chamamos de mapeamento cognitivo (conhecimento ambiental). Lynch fez uma srie de

    experincias com moradores de cada cidade no intuito de avaliar a representao mental que eles tinham de

    seu ambiente urbano. O conceito chave de seu livro justamente o de que as pessoas formam uma imagem

    mental do ambiente construdo: no processo de orientao, o elo est atgico a imagem do meio

    ambiente, a imagem mental generalizada do mundo exterior que o indivduo retm. Esta imagem o produto da percepo imediata e da memria da experincia passada e ela est habituada a interpreta

    informaes e a comandar a es. A necessidade de conhecer e est uturar o nosso meio to importante e

    to en aizada no passado que esta imagem tem uma grande relevncia prtica e emocional no indivduo .

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    Tais imagens mentais formam as imagens coletivas e estas podem ser analisadas atravs de elementos

    caractersticos que lhes so comuns, atributos urbanos que levam os usurios a formarem suas

    representaes espaciais cognitivas: percursos, limites, distritos, ns e marcos referenciais.

    A bibliografia especializada tem ressaltado como particularmente importantes dois daqueles elementos.

    Os marcos referenciais, que despontaram como elementos de forte estruturao cognitiva j nos primeiros

    estudos de Lynch, quando fica claro, p.ex., que em uma cidade pobre em quantidade/ qualidade destes

    elementos, caso de Jersey City, os indivduos tm grande dificuldade de representao mental do ambiente,

    enquanto em cidades onde os marcos referenciais so elementos significativos, seja por sua caracterstica

    arquitetnica e histrica como os edifcios antigos do centro de Boston, seja por sua caracterstica

    delimitadora/ definidora de espaos urbanos distintos como em Los Angeles, os indivduos conseguem formar

    representaes mentais do ambiente com maior facilidade.

    Por outro lado, os percursos tm-se mostrado em diversos estudos como particularmente fundamentais naformao das imagens mentais, j que , predominantemente, atravs do caminhar/ circular que o indivduo

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    faz o reconhecimento de sua cidade e o aprendizado espacial, ou seja, muito do experienciar uma cidade

    realizado atravs dos deslocamentos atravs da mesma.

    Lembre-se tambm que Lynch, ao contrrio do que muitos pensam, no parou de realizar suas pesquisas

    nesta rea aps este estudo clssico de 1960. Ele realizou pesquisas em cidades de pases em

    desenvolvimento (Mxico, Argentina, Polnia) e Austrlia, sob encomenda da UNESCO para avaliao da

    percepo urbana de crianas de diversas culturas e pases.

    Em cidades novas construdas no ps-guerra na Polnia, por exemplo, ele demonstrou como as crianas

    tinham maior dificuldade de identificao (e representao mental) da nova arquitetura comparativamente

    s crianas de mesma idade em cidades antigas prximas (com espaos urbano-arquitetnicos tradicionais

    cultura polonesa). As experincias realizadas em cidades pobres na Argentina e Mxico, mostraram como

    crianas faziam uma representao mental dos ambientes urbanos abertos (como praas) muito mais precisa

    do que de outros ambientes tambm familiares como a escola e a prpria casa, cuja arquitetura era pobre epouco signif icativa.

    Tais postulados tericos ajudaram a formar, posteriormente, os conceitos de percepo ambiental e de

    mapeamento cognitivo, sejam eles objeto de estudo de arquitetos e urbanistas ou de psiclogos ambientais.

    Finalmente, de se destacar a importncia de Lynch para o desenvolvimento do desenho urbano, campo

    emergente na dcada de 60 e que ganhou enorme importncia desde ento enquanto alternativa de atuao

    projetual ao que vinha sendo realizado (e criticado) naquele momento: um alternativa entre o projeto do

    objeto arquitetnico descontextualizado da paisagem urbana e o planejamento urbano de larga escala

    (tecnicista). Seguidores seus, como o ingls David Gosling, chamaria isto de projetar os spaces in between,

    enquanto outros como os americanos Donald Appleyard, Stephen Carr e Christopher Alexander, na verdade

    mostravam que o que se procurava buscar eram alternativas projetuais para os espaos pblicos (a volta da

    preocupao da vida comunitria nas cidades em detrimento do planejamento voltado prioritariamente ao

    veculo) e para a revitalizao de reas degradadas das grandes cidades, fatos renegados pela gerao

    anterior.

    Jane Jacobs, que havia decretado o final do chamado town planning americano, diz a seu respeito do

    trabalho de Lynch: A proposta do planejamento feita a priori, objet ivada, tratada como uma coisa (modelo), aqui substituda por uma proposta a posteriori e que decorre do conhecimento do ponto de vista do

    habitante: o p ojeto deixa de ser objeto na medida em que, pela mediao da psicologia experimental e do

    questionrio, o habitante torna-se, diante do planejador, um tipo de interlocutor...Essa anlise demonstra,

    como nunca, o erro dos urbanista progressistas quando compem seus projetos como quadros ou obras de

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    Na rea do desenho urbano e suas derivaes, a influncia do trabalho de Lynch sentida de forma

    vigorosa at hoje. No h curso no mundo que no se utilize de seus conceitos e da sua bibliografia. Veja-se,

    por exemplo, o caso do renomado Urban Design Group, na Inglaterra, que mantm o Kevin Lynch Memorial

    Lecture , onde profissionais do porte de Leon Krier e Peter Hall proferem palestras anuais. Muitos projetos

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    urbanos atuais tem forte influncia sua dos projetos participativos desenvolvidos junto comunidade local

    em cidades californianas revitalizao de Battery Park City, rea porturia de Nova York, passando pelo

    projeto desconstrutivista do Parc La Vil lete, em Paris, cujo autor, Bernard Tschumi seu admirador confesso.

    No Brasil, constata-se a mesma situao nos cursos e trabalhos em desenho urbano. Principalmente agora

    que, parece, o poder pblico volta suas preocupaes para a revitalizao de espaos pblicos degradados. A

    Curitiba de Jaime Lerner, o projeto Rio Cidade e o recente concurso de recuperao urbana de 20 reas na

    cidade de So Paulo mostram, em seus projetos, a clara inf luncia da escola lynchiana.

    O autor voltaria, com maior profundidade, ao temas do desenho urbano e da revitalizao urbana em

    diversas obras posteriores. Destacam-se A Theory of Good Cit y Form (MIT Press, 1980), What Time Is This

    Place (MIT Press, 1972) e o lanamento recente de City Sense & City Design: Writings & Projects of Kevin

    Lynch (MIT Press, 1991), editado por dois de seus ex-alunos, Trit ib Banerjee e Michael Southworth reunindo

    todos os textos e projetos de Lynch em obra extensa e amplamente ilustrada.

    Bibliografia:ALEXANDER, Christopher et al. A New Theory of Urban Design. New York: Oxford, 1987.APPLEYARD, Donald. Livable Streets. Berkeley: University of California, 1981.CARR, Stephen et al.Public Spa e. New York: Cambridge, 1992.CULLEN, Gordon. A Paisagem Urbana. Lisboa: Edies 70, 1983.GOSLING, D.; MAITLAND, B. Concepts of Urban Design. London: Academy Editions, 1984.JACOBS, Jane. The Death & Life of Great American Cties: The Failure of Town Planning . Middlesex: Pelican Press, 1974.ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cdade. So Paulo: Martins Fontes, 1995.TSCHUMI, Bernard. Archit ecture & Disjunction. Cambridge: MIT Press, 1995.VENTURI, Robert. Complexidade e Contradio em Arquitetura. So Paulo: Martins Fontes, 1995.