CARDOSO, M. (2013) Oswald Violência Ritual Humor

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     Violência ritual em performance de humor

    Marília Rothier Cardoso*

    RESUMO:Nos tempos atuais, a crítica da arte e do pensamento tem revisitado as escritasradicais da modernidade guardando distância tanto da compartimentaçãoespecializada do saber, quanto do revolucionarismo utópico-progressista. Espera-se iluminar os impasses de hoje com a proposta “antropofágica” de Oswald de

     Andrade, que situava, em plano contemporâneo, ritos arcaicos e tecnologia devanguarda, através da precisão cruel do humor.

    Palavras-chave:  Modernidade revisitada. Alteridade. Perspectivismo. Arte.Pensamento.

    I

    Em comunicação incisiva e breve, enviada para ser lida no Encontro de Intelectuais, que tevelugar no Rio de Janeiro, já em 1954, Oswald de Andrade indica, claramente, o legado que preparoupara as gerações futuras, ao longo de uma vida aventurosa de constantes reinvenções de si e de suaarte. endo delineado, em plena potência, a inserção da América – em particular, da América tropicalcom suas tradições indígenas – no processo de reconstrução das bases do pensamento e da históriado Ocidente, o ensaísta espera que as novas gerações deem continuidade à tarefa. Preocupado (nostermos da época) com a “reabilitação do primitivo”, é assim que se posiciona:

    [...] ao nosso indígena não falta sequer uma alta concepção da vida para se oporàs filosofias vigentes que o encontraram e o procuraram submeter. enho aimpressão de que isso que os cristãos descobridores apontaram como o máximohorror e a máxima depravação, quero falar da antropofagia, não passavaentretanto de um alto rito que trazia em si uma Weltanschauung , ou seja, umaconcepção da vida e do mundo.O indígena não comia carne humana nem por fome nem por gula. ratava-se deuma espécie de comunhão do valor que tinha em si a importância de toda umaposição filosófica (ANDRADE, 1992, p. 231).

    Parece descabido que Oswald, opositor ferrenho da instituição patriarcal, onde a linha desangue deve corresponder à da transmissão dos bens, estivesse preocupado em deixar uma herança.

    Vale lembrar o depoimento (cf. ANDRADE, 1972, p. 23-29), que redigiu em forma de diálogo(visando maior impacto) e enviou a Edgard Cavalheiro para o livro Testamento de uma geração. Semdúvida, as posições contraditórias são as preferidas pelo escritor rebelde, no empenho de subverteros costumes dominantes. Sua herança não implica em propriedade nem se dirige à parentela; aocontrário, estimula a dispersão da riqueza e convida às alianças mais espúrias. É explorando os pontosde conflito que ele escapa ao controle da razão bem estabelecida e reverte em paródia qualquer eventosolene. Segue sua trajetória visando aproximar-se daqueles cujo “riso intelectual e culto denuncia suaesplêndida liberdade” (ANDRADE, 1992, p. 254).

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    Seguro de que as atitudes graves, a obediência à gramática e o acatamento da ordem socialenfraqueceriam a inventividade do olhar perscrutador, Oswald adotou uma postura desabusada,mais decidida a questionar pela via do incômodo, do que a convencer por argumentação consistente.Sua economia literária resulta de uma combinação singular entre a vanguarda e o naif  ; tempera acomplexidade agressiva da primeira com o esquematismo confortável do segundo. razia, assim,

    a público os assuntos mais sérios e urgentes, mas os críticos achavam que estava fazendo blague .Muito comentado e pouco lido, só décadas mais tarde, percebeu-se que seus poemas-piada, romancesparódicos e teatro desconcertante eram exercícios do pensamento crítico, tentativas de confrontara toda poderosa epistemologia ocidental com saberes de outros quadrantes que oferecessem lógicasalternativas de acesso ao saber. Reverte, em jogo de humor, a comicidade banal do “erro de português”,compondo, em 1925, o poeminha que transcreve num dos ensaios de A marcha das utopias :

    Quando o português chegouDebaixo duma bruta chuvaVestiu o índioQue pena!

    Fosse uma manhã de solO índio tinha despidoO português (ANDRADE, 1972, p. 214).

    O retorno a essa dicção antilírica – um exemplo da “brutalidade jardim” (ANDRADE, 1971,p. 36) caracteristicamente oswaldiana –, justifica-se mesmo que a obrigatória tarefa modernistado abrasileiramento cultural soe muito pouco atraente, nos dias de hoje. Com nossa desconfiançano conceito de identidade, em termos substanciais e unitários, passível de desdobrar-se emfundamentalismo perigoso, interessa visitar a escrita de vanguarda em seus aspectos cosmopolitas eabertos ao fascínio pela alteridade. A proposta epistemológica e a prática estética de Oswald inclinam-se, com insistência, para a valorização dos cruzamentos inter-étnicos e interculturais. Ao buscar de

    uma poesia “de exportação” (ANDRADE, 1972, p. 7) não se apoiava em interesse nacionalista;antes seguia o impulso de fazer das utopias, inspiradas na descoberta do Novo Mundo, instrumentosatuantes numa operação de transvaloração dos valores.

     A escolha da nudez, como marca da diferença dos indígenas frente ao modelo ocidental dehomem, acrescenta, à malícia desafiadora do ascetismo filosófico, a negação da superioridade daqueleque se provava civilizado escondendo o corpo e disfarçando sua atividade erótica. Numa versãomanuscrita, possivelmente preparatória dos estudos sobre a “crise” do messianismo e sua contrapartidautópica, o ensaísta encadeia, ao modo de perguntas retóricas, argumentos cuja potência resulta do risosatírico embutido nas palavras:

    De que modo poderiam coexistir a severidade dos mandamentos cristãos e uma

    humanidade pelada e livre que se entregava sem a menor repressão à gula naturalde seus instintos sexuais? [...] uma gente que, além do mais, contrariando todaética penitencial brotada das catedrais ou dos conventos, tinha o despudor de sernua e feliz? (ANDRADE, 1992, p. 252).

    Engajado na vanguarda artística, dava um salto para a vanguarda política e filosófica, através daintuição de que, em lugar do espírito, o corpo é que engendrava a atividade avaliativa saudável. Paraessa reviravolta de critérios, baseava-se tanto na história quanto na mitologia, lançava, polemicamente,propostas utópicas ao lado de conclusões científicas. Considera o traço mais importante, da passagemdo medievo à modernidade, “o renascimento do corpo do homem” (ANDRADE, 1992, p. 253),

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    resgatado das culturas arcaicas para o esplendor da arte, que tratou com exuberância a nudez e deudignidade às formas femininas.

     A valorização do corpo, como operação revitalizadora da tarefa do conhecimento, além deaproximar os ensaios de Oswald da ousada epistemologia nietzschiana, traz – vale insistir –a “descobertado homem natural” (ANDRADE, 1992, p. 254), como ele define o habitante da América, para lugar

    de destaque nos séculos que se enriqueceram com os resultados das grandes navegações. Se a arte e aciência se potencializam com o reconhecimento da participação capital do corpo, sede da sensibilidade,tão ativa quanto o intelecto no ato de conhecer, foi necessário – para ruptura com a inércia dosenso comum – tomar, como emblema, uma ação radical das sociedades selvagens – a antropofagia.Conhecer o outro não significa menos que incorporá-lo, envolver-se, sem medo, na prática – seletivae religiosa – da devoração. A mesma violência com que Nietzsche, rejeitando a dialética de Sócrates,trouxe, para o horizonte de uma nova filosofia, o corpo despedaçado e glorioso de Dionísio, serviua Oswald de Andrade na instauração da antropofagia como procedimento investigativo-crítico eestético. Assim, enquanto a racionalidade socrático-platônica sobreviveu graças ao autoritarismo dopatriarca, com o projetado advento do rito antropofágico, estaria ressurgindo uma ordem matriarcal,

    poligâmica e pronta a miscigenar-se.II

    Em entrevista de 2007, reunida a outras, num livro da coleção Encontros  editado pela Azougue,Eduardo Viveiros de Castro diz que “o perspectivismo é a retomada da antropofagia oswaldiana emnovos termos” (VIVEIROS DE CASRO, 2008, p. 114). Essa afirmativa estimula os interessadosno legado cultural brasileiro a mais uma visita a esse modernista polêmico, que não se contentava emser poeta e arriscava-se no terreno da filosofia. A retomada dos escritos de Oswald visa não apenas arevisão periódica de sua fortuna crítica mas principalmente a atualização necessária dos instrumentosda teoria e crítica literárias para fazer face às exigências contemporâneas. O “perspectivismo”, proposto

    intuitivamente no “Manifesto Antropófago” e em seus desdobramentos posteriores, corresponderia auma linha de fuga à tradição do pensamento ocidental, experimentada por Nietzsche e retomada, emtempos recentes, por Gilles Deleuze e pela vertente da antropologia liderada por Bruno Latour. Atravésde prática etnográfica, voltada para um trabalho permanente de resgate das bases do pensamentoindígena, Viveiros de Castro passou a sistematizar a noção de que há naturezas diferentes para cadaespécie, conforme a própria perspectiva que assume para conhecer. Se, no Ocidente, só o homemconstrói o saber e a ciência moderna é detentora dos únicos meios confiáveis de produzir a verdade, osameríndios – e possivelmente outros povos não ocidentais – levam em conta, na lógica de sua cultura,os modos de perceber e interagir com o mundo não só dos animais como de outras entidades como osespíritos ou os mortos. Em sua amplitude de compreensão, os povos amazônicos percebem que, se a

    carniça que evitam é o banquete do urubu, não há nenhuma razão capaz de justificar a primazia de seuponto de vista. Essa atitude do perspectivismo indígena vem sendo avaliada lado a lado com as demaisestratégias de desconstrução da linha hegemônica da epistemologia moderna, rompendo, assim, coma unicidade do conceito de natureza garantido por “nossas” ciências. O esforço gnosiológico-político,resultado do movimento pós-68 de romper com o etnocentrismo e admitir perspectivas plurais, teriaentre seus precursores, na linhagem nietzschiana, o humor especulativo de Oswald de Andrade, cujoprincípio de orientação era: “Só me interessa o que não é meu” (ANDRADE, 1972, p. 13). Ao queViveiros de Castro acrescenta, para conferir abrangência crítica ao aforismo, legitimando o valor dadiferença: “[...] se penso, também sou um outro. Pois só o outro pensa, só é interessante o pensamentoenquanto potência da alteridade” (VIVEIROS DE CASRO, 2008, p. 117-118).

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    O modo como Oswald de Andrade encarava o mundo, reafirmado em Crise da filosofiamessiânica  e nos ensaios de A marcha das utopias (1972), sempre se prendeu a um método fragmentárioe associativo de ler a história, na contramão da cronologia. Se, nos termos do filósofo contemporâneoGiorgio Agamben, “a concepção do tempo da idade moderna é uma laicização do tempo cristãoretilíneo e irreversível” (AGAMBEN, 2005, p. 117), o escritor brasileiro, nos meados do século XX,

    empenhava-se no resgate de um (suposto) período de organização (matriarcal, ociosa e coletivista) dassociedades indígenas cujo modelo ofereceria a possibilidade de subverter o processo (insatisfatório)daquilo que, “sob o influxo das ciências da natureza”, o Ocidente considera “desenvolvimento” e“progresso”. Essa proposta, que definiu os rumos da escrita e da trajetória política de Oswald, desloca,para o acervo de referências latino-americanas, a expectativa do mesmo Agamben de que a fugapossível ao “conceito metafísico-geométrico” de tempo se configure na “Gnose”, religião ocidental,esquecida no passado. O gnóstico percebe um tempo não homogêneo e incoerente, pois não postergaa ressurreição para o futuro, mas toma-a por “algo que já aconteceu desde sempre” (AGAMBEN,2003, p. 123). Isso torna a experiência gnóstica revolucionária: as interrupções do fluxo permitemao homem apreender, num átimo, sua “condição de ressurreto” e reavaliar o que anteriormente fora

    condenado. Respondendo a impulso semelhante, a utopia, com que Oswald rompe a linhagem esgotadados messianismos, anuncia-se através do retorno diferido de uma ordem social arcaica. As teses de Walter Benjamin, fundamento privilegiado do raciocínio crítico de Agamben, repercutem no projetooswaldiano, onde se delineia a força política de uma noção “constelar” de história. É importante notarque, se o brasileiro valia-se do termo “messianismo” para resistir (seguindo o impulso de Nietzsche)às heranças judaica e cristã, não se afastava muito do emprego livre (mas rigoroso) do materialismohistórico praticado por Benjamin. Compartilhando, com este contemporâneo alemão, uma espéciede religiosidade agnóstica – o “sentimento órfico” –, Oswald também valorizava aquela interrupçãosúbita da cronologia, produtora do movimento revolucionário. Esse “agora” transformador concentra,na linha de pensamento benjaminiana, o “prazer” colhido da “oportunidade favorável” que seapresenta aos homens e é aproveitada por eles (ANDRADE, 1972, p. 128). Oswald, por seu turno, ao

    surpreender, numa fenda da história, a potência do “matriarcado de Pindorama” (ANDRADE, 1972,p. 16), investe-se da tarefa de trazê-la para o presente, avaliando que aí se confirma que “a alegria é aprova dos nove” (ANDRADE, 1972, p. 12).

    Pode-se parafrasear o título de um dos livros de Bruno Latour para dizer, num aparente paradoxo,que Oswald de Andrade participou do movimento modernista sem “jamais ter sido moderno”. Avessoà disciplina historiográfica fundada no tempo linear, desconsiderava as fronteiras do conhecimento,por isso seus manifestos e ensaios operavam sobre o entrelaçamento das redes dos saberes discursivos,sociais e da natureza (cf. LAOUR, 1994, p. 12), privilegiando aqueles pontos onde a ciência toca oexercício do poder. ão flagrante era sua desobediência à distinção das especialidades acadêmicas que,em ambas as candidaturas ao ensino universitário, teve suas teses reprovadas. anto quanto apostava

    na miscigenação dos povos como saída para o impasse do imperialismo e das ditaduras, apropriava-se do espaço híbrido para inscrever suas propostas antropológico-filosófico-políticas. Situando-se,a sua maneira, na efervescência das vanguardas artísticas, diagnosticou, desde logo, a “crise” doconhecimento moderno e atravessava, sem cerimônia, a barreira entre as ciências da natureza e aspráticas político-sociais.

    III

     A campanha de Oswald de Andrade pela exibição e “exportação” da singularidade mestiçade nossa cultura apresentava um alcance maior que o simples registro de possível marca identitária

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    brasileira. Bem mais ambicioso, seu propósito foi a mudança dos fundamentos da epistemologiano Ocidente. al propósito, delineado da perspectiva da América Latina, antecipa o desvio capitalque os pós-estruturalistas franceses operaram nos rumos da filosofia, durante os anos sessenta esetenta. Por seu lado, o escritor brasileiro, tendo-se educado, na virada do século, em pleno clima dasvanguardas, provocadoras de choque com um panorama sócio-político ainda bastante conservador,

    apostou em sua intuição selvagem para explorar as afinidades, que captava, nos discursos de Marx,Freud e Nietzsche. Sem qualquer disciplina sistemática no trato com os filósofos, desconhecendo atendência do estruturalismo de dessubstancializar os conceitos, percebeu que a trinca de rebeldes doséculo XIX reinstaurava o discurso do saber em nova base e passou a “devorar” o que lhe pareciainstigante nos escritos que assinaram. O mais decisivo, no entanto, é que “digeria” partes dessescorpos de pensamento através do que se pode considerar uma fisiologia afro-americana. Ou, dito maisdiretamente: a operação seletiva e apropriadora, que desenvolvia, no contraponto dos saberes arcaicos,mítico-rituais com o conhecimento científico e filosófico moderno, destinava-se a produzir resultadosinesperados no escopo da lógica ocidental.

    Levando em conta a posição precursora que Oswald ocupou, diante do panorama artístico-

    intelectual da primeira metade do século XX, não admira que seus escritos sejam retomados detempos em tempos e que sejam considerados contemporâneos tanto das pesquisas atuais da chamadaantropologia simétrica, quanto das artes de agora, que combinam várias linguagens para explorarmodos alternativos de produzir conhecimento. Na crise dos anos sessenta, quando marxismo epsicanálise eram relidos para adequar-se aos rumos das revoluções falhadas e da domesticação daprática analítica, percebeu-se que Oswald já relia os discursos renovadores dos oitocentos pelo prismaanti-etnocêntrico. No início do século XXI, volta-se aos manifestos, depoimentos, rascunhos, tesese ensaios oswaldianos porque seu recurso à escrita paródica de Nietzsche vai além da análise docapitalismo moderno, empreendida por Marx. Confrontando a modernidade patriarcal e capitalistacom as culturas não ocidentais antes da colonização, logrou uma amplitude de desconstrução dasbases do conhecimento que só agora se está dimensionando. No seu habitual tom de desafio, assinaloua importância do trio revolucionário como parte da tese que se propunha defender:

    Somente a captação do pensamento desses três gênios, Marx, Nietzsche e Freud,poderá indicar o verdadeiro caminho do homem moderno na direção de suaautenticidade e no derrocamento inflexível das velhas formas absurdas daexploração patriarcal (ANDRADE, 1992, p. 251).

    Por isso mesmo, antes do elogio acoplado à expectativa própria do otimismo utópico de seumomento, faz a ressalva:

    O que escapou à observação de Nietzsche, como à de Marx e Engels, é que havia

    um potencial de primitivismo recalcado por séculos sob o domínio fraco daselites burguesas (ANDRADE, 1992, p. 250).

    Evidencia, aí, a consciência do peso de sua contribuição, enquanto artista-pensador latino-americano, no contexto de uma releitura da epistemologia ocidental. Por sua perspectiva, é indispensávelromper com a ordem dogmática patriarcal, mas tal ruptura só se torna gesto afirmativo quandoescapa aos próprios limites e se apropria da força do “Outro”. Assim, a proposta da “antropofagia”ultrapassa o gosto pelo exotismo que atraía a vanguarda para artes africanas e orientais. razendo agnosiologia indígena – em paralelo com gnoses europeias medievais – para o trabalho de construção

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    do pensamento, Oswald lança, intempestivamente, um gesto anti-etnocêntrico. Pena que tenha sidoentendido como mera bravata.

    Não se trata, aqui, é claro, de advogar que intelectuais, formados no início do século XX,tenham antecipado questionamentos e atividades revisionistas contemporâneas, no entanto, cabe oacompanhamento da produção anterior tomando, como critério avaliativo, as questões norteadoras

    do panorama atual. Nos artigos jornalísticos componentes de  A marcha das utopias , fica patente arejeição da superioridade das chamadas sociedades civilizadas, na referência irônica a Lévy-Bruhl, osociólogo que “criou a lenda de uma mentalidade pré-lógica, isto é, primitiva” (ANDRADE, 1972,p. 189). Em justificativa a essa recusa enfática, ressalta a afinidade do autor com a demanda atualde servir-se da crise do pensamento moderno para quebrar hierarquias e propor outros fundamentosepistemológicos. O diagnóstico de Oswald poderia ter sido escrito hoje: “Havia-se encontrado,enfim, a linha demarcatória entre a mentalidade primitiva e a mentalidade civilizada. Esta era avitoriosa detentora do instrumento de todas as mágicas da inteligência. Era a possuidora da lógica”(ANDRADE, 1972, p. 190). Ao perceber que os debates sobre a eugenia dos cruzamentos entre etniase espécies diferentes tinham amplo alcance filosófico e político, desconsidera também a fronteira

    entre humanos e não humanos: “As sociedades jovens, vivas e fortes, experimentam um impulsotrazido pela miscigenação que no campo agrícola corresponde à produção farta de milho híbrido ea munificência dos produtos enxertados” (ANDRADE, 1972, p. 205-206). Paralelamente, a novaantropologia, empenhada na prática “simétrica” (LAOUR, 1994, p. 93) dos registros etnográficostanto de primitivos quanto de modernos, considera ambos como o conjunto natureza-sociedade, ondese integram signos e coisas, política e ciência, economia e técnicas. Assim, o pesquisador brasileiroatual, a exemplo de Eduardo Viveiros de Castro, vê-se estimulado a adotar os estudos perspectivísticos,apoiados na impossibilidade de “universalizar a natureza” (LAOUR, 1994, p. 104), através de umretorno instigante às teses derivadas do “Manifesto antropófago”.

    IV 

    Formado como um diletante excessivamente curioso, tanto quanto interessado em participardos debates acadêmicos, em mais uma bifurcação de sua carreira de escritor, Oswald de Andradepratica e defende, na radicalidade de seu estilo aforismático, um pensamento atrelado ao corpo,pensamento construído de conceitos, perceptos, afectos e tão funcional quanto os produtos científicos(cf. DELEUZE; GUAARI, 1997, p. 10, 153, 217). Convicto da potência dos “artistas que sãoos semáforos da sociedade” para “dar o alarma” (ANDRADE, 1972, p. 191), construiu a tese do“matriarcado”, cujo resgate responderia à crise da modernidade patriarcal, pela instauração de umprincípio “simétrico” de contraponto e relacionamento entre “culturas-naturezas” – a “antropofagia”.rata-se de um experimento de história estético-vitalista, na vertente nietzschiana, que desconsidera

    o passado como referência modelar e instala o pensamento no fluxo do devir, onde se captam forçasarcaicas em movimento de contágio do futuro. Entre os anos vinte e cinquenta, no contexto dasdisputas imperialistas entre fascismo, liberalismo e comunismo, Oswald intuiu alternativas para ocampo dos saberes atreladas aos avanços da tecnologia das comunicações. Leitor entusiasta, masdesobediente de Marx, Freud e Nietzsche, entrecruzou os caminhos da ficção e da polêmica parasubverter a epistemologia ocidental, dominante e auto-defensiva, contaminando-a com resíduos degnoses desconhecidas ou abandonadas. ratando informações histórico-antropológicas com as táticasda arte – operadora do “mais alto poder do falso” (DELEUZE, s/d, p. 154) – e pretendendo interferirno curso das políticas técnico-científicas, tratou de retirar mitologia e ritos afro-indígenas do lugarinoperante do exotismo e do papel perigoso de propaganda nacionalista, em que as produções

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    modernistas tendiam a situá-los. Simultaneamente, integrou-os a restos de cultos órficos e fez dessaconstrução a abertura de um campo de saber apropriado ao processamento consequente do acervotranscultural – e transnatural – latino-americano.

    Voltando à variedade de textos (ensaísticos, ficcionais e de intervenção circunstancial) queOswald de Andrade apresentou como participantes de sua prática antropofágica no campo da arte-

    pensamento, percebe-se que, efetivamente, estes são antes exemplos de uma escrita operada atravésde “devoração” seletiva e “digestão” incorporadora do que textos expositivos de uma teoria onde orito indígena se transformasse num sistema conceitual. É possível que a potência da proposta tenhaescapado tanto a seus pares como aos historiadores da cultura justamente porque não se apresentoupriorizando o raciocínio intelectual, mas combinou, pela via artística, procedimentos intelectivos esensitivos. Se o comportamento antropofágico constitui-se pela “transformação do tabu em totem”(ANDRADE, 1972, p. 77), a escrita oswaldiana se constitui ao transformar o tabu do plágio naenergia totêmica que desterritorializa saberes para reterritorializá-los em contextos antes impensadosonde apontam para novas significações possíveis. Esse método escritural, cuja função transformadoracorresponde à repetição que se dá sempre em diferença, imprime à sequência ritual o tom de humor.

    Explicando melhor: os fragmentos de um corpus alheio não são apropriados para imitar esse outronem, muito menos, para representá-lo; trata-se de reinventar-se através da captura de dimensõesde que não se dispõe. Desde o manifesto de 1928 até a série de artigos da  Marcha das utopias , oque se divulgou como proposta assinada por Oswald de Andrade foi uma performance escrituralde “vingança” afirmativa contra a disciplina que isola os saberes, contra a ruptura secular entre afilosofia e a arte, contra o descarte do corpo na operação de construir o conhecimento. Quandosubstitui a lógica argumentativa estabelecida pela condensação de fragmentos recortados (por critériosrigorosamente indisciplinados) de diferentes campos do discurso – a história, a antropologia, aeconomia, a filosofia, a psicanálise –, a antropofagia escritural fortalece seu rigor crítico e seu ímpetopolêmico. Atualiza ordens sociais possíveis (como o matriarcado) ou desloca processos arcaicos paraatividades de vanguarda. Subvertendo critérios e surpreendendo expectativas, investe a tarefa críticade humor estetizado. Assim, pode empregar, sem o peso do ressentimento, a violência necessáriaà operação apropriadora. A agilidade com que condensa resíduos de informações variadas infunde“alegria” (ANDRADE, 1972, p. 18) ao trabalho cruel de subverter ordens sequenciais, estilhaçarconjuntos de proposições e desrespeitar princípios.

     A retomada da vanguarda “antropofágica”, em tese e ensaios, vinte anos depois do Manifesto,conserva o estilo fragmentário, num ostensivo descarte da tradição lógico-discursiva, ainda queexperimente alguns raciocínios de aparência dialética, acompanhando o prestigio da linhagem

    marxista, naqueles meados de século. A economia poético-humorística dos textos reforça o teor umtanto desconcertante das propostas, alheias seja ao controle da linearidade fonocêntrica da escrita, sejaao fechamento da disciplina dialética. Os períodos curtos e diretos, encadeando boutades , aforismos-piada, afirmativas obviamente discutíveis e provocações lembram, de imediato, o método nietzschianode filosofar “a golpes de martelo”. E é nesse ritmo que interessa a Oswald trabalhar; assim é que valorizao instante, afastando o “messianismo” com sua promessa de verdade salvadora sempre adiada parao futuro. Seu intento é valorizar a vida em constante devir, por isso, o “matriarcado de Pindorama”,em processo de construção, não idealiza as sociedades selvagens à moda romântica, antes inventa, noaqui e agora, uma postura de pensamento e ação capaz de confrontar-se, pela violência do humor,

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    com a ascese filosófico-religiosa. Enquanto rastreia a trajetória de grupos e movimentos (as migraçõese alianças dos árabes, as viagens jesuíticas de catequese tanto quanto de assimilação da alteridade)que puseram em crise a ordem messiânica vigente, a pesquisa de Oswald levanta, em contraponto,a divulgação europeia do mundo ameríndio desdobrada em utopias contestatórias. Distinguindo,de um lado, a ordem messiânica, resistente a relações exogâmicas, sob a autoridade do patriarca,

    defensor da linhagem e da propriedade em nome da hegemonia de seu ponto único de observaçãoda natureza, e, de outro lado, o princípio utópico do intercâmbio com o outro, de cujos valores, usose critérios se apropria, Oswald não está reduplicando o tempo cristão-iluminista, mas situando seupensamento em dimensão extemporânea. Essa suspensão das referências fixas instaura a possibilidadede perspectivas plurais.

    Uma vez que o conhecimento só se pode reativar criticamente através da substituição dosrelativismos manipuladores pela legitimação da diferença de perspectivas, a tese do matriarcadoantropofágico instala a gnose ameríndia na posição de sujeito de saberes que não se restringem à sociedadeselvagem mas abarcam as tecnociências e a filosofia. As disputas de então e de hoje sobre o direito depropriedade, o controle do Estado, a constituição da família ganham alternativas de encaminhamentoquando examinadas da perspectiva de tribos que mantinham organização matrilinear, garantiam osustento comunitariamente, minimizavam os poderes do chefe e reconheciam que bichos, espíritose até plantas e minerais produziam suas definições diversas e específicas sobre a natureza. Mais queisso, a divulgação das perspectivas ameríndias, nas elocubrações estetizadas de Oswald, desqualificama superioridade do Mesmo (pedra de toque da hegemonia ocidental) para reconhecer a importânciado Outro – o inimigo cuja força se incorpora, o animal de cujo saber se utiliza, o estrangeiro comque se pode estabelecer aliança. Fora do controle do pai (ou do rei), a escrita legada por Oswald de

     Andrade libera seus leitores da expectativa de verdade única. Conduz à recepção por todos os sentidos,sem submeter as sensações à codificação racional. Convida à participação afetiva, como num ritual, eseduz à apropriação, à rasura e ao reaproveitamento.

     Alertados por uma vertente da antropologia contemporânea, auto-identificada como

    “simétrica”, percebemos que alguns dos exemplares mais instigantes da escrita de vanguarda não sãomodernos. Situam-se num momento anterior à modernidade, quando o pensamento ainda não setinha disciplinarmente compartimentado e fixado numa matriz única, universal. Entre os brasileiros,artistas como Oswald de Andrade ampliaram o arco das perspectivas do saber e admitiram queo real seja conhecido através de noções diferentes, construídas por sujeitos de outras culturas e deoutras espécies, isto é, passaram a relacionar-se não apenas com culturas diversas mas com uma“multinatureza” (VIVEIROS DE CASRO, 2002, p. 349). Esse exercício ousado, que os fez rompercom as bases epistemológicas de seu momento histórico, arrastou-os para outra temporalidade –aquela, rastreada entre os estóicos e na arte do humor fantástico mais recente, nomeada como “purodevir” por Gilles Deleuze (1974, p. 1). Rejeitando a direção e a significação únicas do senso comume do bom senso, as escritas em devir deslocam-se na fronteira entre as palavras e as coisas e insistemnum presente em fluxo – limiar “entre um ‘ainda não’ e um ‘não mais’” (AGAMBEN, 2009, p. 67). Amaturidade mais produtiva de um poeta como esse coincide com a plena atividade da infância (de in-

     fans  – o que não fala, cf. AGAMBEN, 2005, p. 58), que se apresenta em sua face voltada para o futuroe em sua ação de interferência sobre o passado. Através de palavras-em-ato prontas a afetar o factual e omágico, o político e o religioso, os séculos anteriores, o ano seguinte, o instante e a eternidade, Oswaldde Andrade relacionou-se com o tempo, como vate e como criança. A “crise da filosofia messiânica”,que irá discutir em tese de 1950, já estava dramatizada na trajetória pessoal de Miramar – alter-egodo poeta – que se apresentava, em suas  Memórias sentimentais , como “o pensieroso”, habitante de um“jardim desencanto”, onde revivia o nascimento do messias cristão: “Mamãe chamava-me e conduzia-

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    me para dentro do oratório de mãos grudadas. / O Anjo do senhor anunciou a Maria que estava paraser mãe de Deus” (ANDRADE, 1971, p. 13). Sempre incapaz de responder às imposições de suacircunstância, Miramar repete com a filha a mesma cena, banalizada e esvaziada de expectativas, cujalembrança constitui o “serão dos conformados”: “Íamos ao Jardim da Infância de D. MademoiselleIvone e à novena organista do Sagrado Coração” (ANDRADE, 1971, p. 91).

    VI

     A relação anti-convencional dos artistas com o tempo – e com as perspectivas do pensamento– faz deles habitantes do agora. Agamben explica que “[t]odos os tempos são, para quem delesexperimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essaobscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente” (AGAMBEN,2009, p. 62-63). Oswald aparece para o leitor de hoje na qualidade de contemporâneo. Pode-seobservar que, confrontado com as sombras do instante, o perspectivismo do poeta superpõe o pontode vista adulto ao infantil, a consciência intelectiva às percepções e afetos corpóreos.

     A experimentação da arte com a fratura da continuidade cronológica põe em contatoperíodos distantes que intercambiam energias: “Assim, o mundo antigo no seu fim se volta, para sereencontrar, aos primórdios; a vanguarda que se extraviou no tempo, segue o primitivo e o arcaico”(AGAMBEN, 2009, p. 70). De seu lado, viajante de diversos itinerários, Oswald visitou o mundoarcaico e impressionou-se com o rito da antropofagia, praticado pelos tupinambá. Passou, então,a “citá-lo”, na figura do “matriarcado de Pindorama” (ANDRADE, 1972, p. 19), para que atuassesobre a “crise” da modernidade patriarcal, advinda da distribuição desequilibrada do capital entre asclasses. A proposta de ruptura da carreira progressista da América Latina com o retorno aos costumesselvagens – apropriados polemicamente de relatórios etnográficos – destinou-se a convencer seuscontemporâneos de que

    a operação metafísica que se liga ao rito antropofágico é a da transformação dotabu em totem. Do valor oposto ao valor favorável. A vida é devoração pura.Nesse devorar que ameaça a cada minuto a existência humana, cabe ao homemtotemizar o tabu (ANDRADE, 1972, p. 77, 78).

    Com sua violência característica, a experimentação, proposta por Oswald, não se reduz a umautopia idílica de instauração da sociedade comunitária. A sociedade civilizada, que se horroriza com adevoração do semelhante enquanto domestica e explora o Outro, posta em confronto com a diferençaradical da perspectiva indígena, produz, no observador, um choque capaz de desencadear a autocrítica.Serve de impulso para a transformação de valores e regras. Ao apontar o início de uma “marcha”, opoeta-filósofo não delineia um caminho direto mas indica voltas e interrupções. A imagem instigantede humor, que caracteriza o trajeto complexo das mudanças do pensamento e da ordem social, é ado navio El Durasno, navegando sem escalas por todos os mares, fugindo ao “contágio policiado dosportos”, para conduzir, nua e alegre, “a humanidade liberada”. Com a proclamação “pelas antenas” de“peste a bordo”, “El Durasno só pára para comprar abacates nos cais tropicais” (ANDRADE, 1971,p. 264).

    Um dos pensadores mais fortemente identificados com a modernidade é Nietzsche, que, noentanto, não se conformava com várias das expectativas disciplinares de seu tempo. O gesto afirmativocom que respondeu a esse impasse foi de imergir naquela circunstância para melhor afastar-se dasinjunções paralisantes do momento. Foi assim que lançou suas “considerações intempestivas”. A

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    segunda delas, referente à história, diagnostica, no excesso de reverência ao passado, uma forma decegueira em relação ao presente. Os homens daquele tempo mostravam-se incapazes de entenderos acontecimentos que presenciavam, o peso da história emperrava o curso da vida. O esforço detornar sua escrita inatual permitiu a Nietzsche promover a revitalização dos saberes de sua época.Por isso mesmo, Agamben enfatiza: “Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente

    contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suaspretensões [...]” (AGAMBEN, 2009, p. 58). Além da inserção extemporânea de uma vertentevitalista de pensamento, em tensão com a linhagem hegemônica da epistemologia fundadora dohistoricismo, os golpes do martelo nietzschiano atacaram a noção de verdade absoluta, substituindo-apela pluralidade de perspectivas. Não se tratava de relativizar conclusões e conceitos mas de baniros privilégios tradicionalmente estabelecidos. No acervo poético da língua portuguesa, o legado deOswald de Andrade funciona como um alerta intempestivo na contemporaneidade que partilhamos.Convencido, como Nietzsche, da ausência de verdades cósmicas, dispôs-se a uma “vida experimental”de apresentação de novas perspectivas de arte-pensamento, sem garantia permanente de nenhuma emparticular. Deslocado na corrente modernizadora, fez inscrições extemporâneas no tecido trepidante

    do século XX. Essas inscrições, com sua margem enigmática, podem ser “citadas”, hoje, em reforçoao inconformismo e simpatia pelas perplexidades do presente.

    Ritual violence in performatic humour

     ABSTR ACT:Nowadays art criticism as well as epistemological thinking have been re-readingthe radical writings of high modernism, avoiding both the excessive splitting ofspecialized knowledge and the utopian and revolutionary tendency aiming todevelopment. One hopes to lighten the present deadlock with the help of the“anthropophagic theory” proposed by Oswald de Andrade, theory that placedin contemporary level archaic ritual and vanguard technology, through theviolent strictness of humour.

    Keywords: Modernity revisited. Otherness. Perspectivism. Art. Tinking.

    Nota explicativa 

    * Professora assistente do Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica, PUC-Rio.

    Referências

     AGAMBEN, Giorgio. Infância e história : destruição da experiência e origem da história. rad.Henrique Burigo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. 188 p._. O que é contemporâneo? rad. Vinicius N. Honesko. Chapecó: Argos, 2009. 92 p.

     ANDRADE, Oswald de. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às utopias. Intr. Benedito Nunes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. 240 p._. Estética e política. Org. Maria Eugênia Boaventura. São Paulo: Globo, 1992. 507 p.

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    _. Memórias sentimentais de João Miramar & Serafim Ponte Grande. Intr. Haroldo deCampos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. 264 p.DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. rad. Luiz Roberto S. Fortes. São Paulo: Perspectiva, 1974.386 p._. Nietzsche e a filosofia. rad. António M. Magalhães. Porto : Rés, s/d. 164 p.

    _

    ; GUAARI, Félix. O que é a filosofia. rad. Bento Prado Jr. e Alberto A. Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. 279 p.LAOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. rad. Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34,1994. 152 p.VIVEIROS DE CASRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: CosacNaify,2002. 549 p._. Encontros. Org. Renato Sztutman. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. 261 p.

    Recebido em: 05 de junho de 2013

     Aprovado em: 06 de julho de 2013