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Número 45, 2013 Engenharia Civil UM 5 Caracterização experimental do comportamento cíclico de paredes pombalinas simples e reforçadas Ana Maria Gonçalves 1 , João Gomes Ferreira 2, Luís Guerreiro 3, Fernando Branco 4Universidade de Lisboa, Instituto Superior Técnico, DECivil, ICIST, Lisboa, Portugal RESUMO Os edifícios pombalinos surgiram após o terramoto de 1755 e constituem um dos primeiros exemplos de construção sismo-resistente planeada. A solução encontrada nesses edifícios foi o sistema dito de “gaiola”, extremamente engenhoso na sua simplicidade de princípios e na sua realização prática. Devido à falta de regulamentos específicos, a reabilitação sísmica de edifícios antigos é geralmente realizada com base em regras empíricas, dependendo fundamentalmente da perícia e experiência de engenheiros e empreiteiros. Uma abordagem tecnicamente sustentada dos projectos de reabilitação requer conhecimentos sobre o comportamento sísmico de paredes e sobre o efeito de possíveis soluções de reforço, o que motivou o estudo aqui apresentado. O estudo apresentado neste artigo teve como objectivo específico caracterizar experimentalmente o comportamento cíclico das paredes de frontal Pombalinas simples e reforçadas com três métodos diferentes. Os métodos de reforço consistiram em (i) introdução de um sistema elasto-plástico de dissipação de energia, (ii) reforço das ligações com chapas metálicas e (iii) utilização de reboco armado. 1. INTRODUÇÃO As construções de paredes de alvenaria com elementos de madeira no seu interior podem ser observadas por toda a Europa, especialmente em regiões sísmicas (Diskaya, 2007; Dogangun, 2006; Gulkan, 2004; Langenbach, 2007; Makarios, 2006; Redondo, 2003). Os Edifícios Pombalinos, assim designados em homenagem ao Marquês de Pombal, são estruturas com o máximo de quatro pisos, com arcadas no piso térreo, pavimentos de madeira nos pisos superiores, paredes de alvenaria na fachada e paredes de frontal no interior. As paredes de frontal consistem num pórtico de madeira constituído por elementos verticais 1 Aluna de doutoramento 2 Professor Associado † Autor para correspondência ([email protected]) 3 Professor Associado 4 Professor Associado

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Número 45, 2013 Engenharia Civil UM 5

Caracterização experimental do comportamento cíclico de paredes

pombalinas simples e reforçadas

Ana Maria Gonçalves1, João Gomes Ferreira

2†, Luís Guerreiro

3†, Fernando

Branco4†

Universidade de Lisboa, Instituto Superior Técnico, DECivil, ICIST, Lisboa, Portugal

RESUMO

Os edifícios pombalinos surgiram após o terramoto de 1755 e constituem um dos

primeiros exemplos de construção sismo-resistente planeada. A solução encontrada nesses

edifícios foi o sistema dito de “gaiola”, extremamente engenhoso na sua simplicidade de

princípios e na sua realização prática.

Devido à falta de regulamentos específicos, a reabilitação sísmica de edifícios antigos

é geralmente realizada com base em regras empíricas, dependendo fundamentalmente da

perícia e experiência de engenheiros e empreiteiros. Uma abordagem tecnicamente sustentada

dos projectos de reabilitação requer conhecimentos sobre o comportamento sísmico de

paredes e sobre o efeito de possíveis soluções de reforço, o que motivou o estudo aqui

apresentado.

O estudo apresentado neste artigo teve como objectivo específico caracterizar

experimentalmente o comportamento cíclico das paredes de frontal Pombalinas simples e

reforçadas com três métodos diferentes. Os métodos de reforço consistiram em (i) introdução

de um sistema elasto-plástico de dissipação de energia, (ii) reforço das ligações com chapas

metálicas e (iii) utilização de reboco armado.

1. INTRODUÇÃO

As construções de paredes de alvenaria com elementos de madeira no seu interior

podem ser observadas por toda a Europa, especialmente em regiões sísmicas (Diskaya, 2007;

Dogangun, 2006; Gulkan, 2004; Langenbach, 2007; Makarios, 2006; Redondo, 2003). Os

Edifícios Pombalinos, assim designados em homenagem ao Marquês de Pombal, são

estruturas com o máximo de quatro pisos, com arcadas no piso térreo, pavimentos de madeira

nos pisos superiores, paredes de alvenaria na fachada e paredes de frontal no interior. As

paredes de frontal consistem num pórtico de madeira constituído por elementos verticais

1 Aluna de doutoramento

2 Professor Associado

† Autor para correspondência ([email protected]) 3 Professor Associado

4 Professor Associado

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(prumos), horizontais (travessas) e diagonais (escoras, formando cruzes designadas de Santo

André), preenchido com alvenaria.

Embora a estrutura "pombalina" tenha um bom comportamento sísmico, depois de

mais de 250 anos estas construções necessitam de obras de reabilitação por causa da sua

degradação natural, das intervenções inadequadas a que foram submetidas (tais como a adição

de andares, modificação de elementos estruturais ou alteração da funcionalidade do edifício) e

porque as novas exigências regulamentares são mais rigorosas no que se refere à resistência

aos sismos.

O objectivo do trabalho experimental desenvolvido foi o de estudar o comportamento

cíclico das paredes "frontal", com e sem reforço, por meio de ensaios quase estáticos com

imposição de deslocamentos horizontais.

2. PROGRAMA EXPERIMENTAL

O trabalho experimental foi dividido em duas partes. A primeira parte consistiu numa

campanha experimental para avaliar o comportamento sísmico no plano das paredes "frontal"

avaliando a contribuição de cada componente (estrutura de madeira simples e paredes de

madeira com enchimento de alvenaria). Na segunda parte avaliou-se a eficácia de três

métodos propostos de reabilitação sísmica deste tipo de paredes: (i) dissipadores elasto-

plásticos, (ii) chapas de aço de reforço de ligações entre elementos de madeira e (iii) reboco

armado.

2.1 Elementos Ensaiados

Os modelos ensaiados eram constituídos por quatro cruzes de Santo André. Foram

construídos dez modelos semelhantes, sendo oito preenchidos com alvenaria nos espaços

vazios e dois não preenchidos. Os modelos foram identificados como gaiola de madeira (TF)

e paredes com alvenaria (MW) e numerados consoante o tipo de reforço (Tabela 1 e Figuras 1

e 2).

Tabela 1 - Modelos ensaiados

Tipo de Parede Designação

Gaiola de Madeira TF1, TF2

Parede de madeira com alvenaria MW1, MW2

Parede com alvenaria reforçada com dissipador MW3, MW4, MW5

Parede com alvenaria reforçada com chapas metálicas MW6, MW7

Parede com alvenaria reforçada com reboco armado MW8

a) Gaiola de Madeira (TF1/2) b) Paredes com alvenaria (MW1/2)

Figura 1 - Paredes simples sem reforço

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a) Parede com o dissipador 1 (MW3) b) Parede com o dissipador 2 (MW4/5)

c) Parede com chapas metálicas (MW6/7) d) Parede com reboco aramado (MW8)

Figura 2 - Paredes reforçadas

Na execução dos modelos foram reproduzidos os métodos de construção utilizados

para a reabilitação deste tipo de estruturas. A madeira utilizada nos prumos e travessas foi o

pinho bravo, com secções de 16×12 cm2 e 8×12 cm

2 (12 cm corresponde à espessura da

parede) (Figura 3). As ligações entre os prumos e travessas são do tipo meia-madeira. Para a

ligação dos elementos de madeira utilizaram-se pregos de ferro de 8 cm, nas ligações das

travessas e prumos, e de 12 cm, nas ligações das diagonais com os montantes.

2,4

8x12

(cm

)

0,8

9

0,86

0,25

8x12(cm)

16x12(cm)

0,86

8x12

(cm

)

0,12

0,1

6

8x12

(cm

)

8x12

(cm

)

8x12

(cm

)

0,25

2,1

0,08

0,0

8

0,08 0,08

16x12(cm)

2,46

Figura - 3 Esquema do modelo de estrutura

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8 Engenharia Civil UM Número 45, 2013

Foi necessário fazer uma opção em relação ao tipo de alvenaria, dado que existem

vários tipos de preenchimento, nomeadamente de argamassa com tijolos cerâmicos maciços,

de argamassa com cacos cerâmicos (de telhas, tijolos, etc) e de argamassa com pedra irregular

pequena. Optou-se, neste caso, por fazer um preenchimento com tijolos maciços (Figuras 4 e

5). Como os ensaios foram realizados com a alvenaria ainda jovem e a cal aérea (usada

originalmente) apresenta um endurecimento por carbonatação muito lento, optou-se por uma

composição bastarda com o traço de 1:2:6 (cimento: cal: areia). Os materiais utilizados foram

cal hidratada (aérea), cimento Portland 32,5 N e areia numa relação areia lavada de rio/ areia

de areeiro de 2/1. O tempo de secagem das alvenarias (período entre a construção das paredes

e os ensaios) foi de 2 meses.

Figura 4 - Parede de alvenaria Figura 5 - Pormenor de execução da alvenaria

2.2 Reforço com dissipador elasto-plástico

O reforço das paredes de frontal pombalinas e, em particular, o aumento da sua

capacidade de dissipação de energia pode melhorar o desempenho sísmico do edifício. O

sistema de reforço/dissipação adoptado teve como objectivo reforçar a estrutura com um

sistema exequível e económico, de modo a viabilizar a sua utilização em situações práticas.

Neste sentido foram estudados dissipadores elasto-plásticos, compostos por elementos

lineares de aço (varões ou barras) que através da sua plastificação asseguram a capacidade

acrescida de dissipação de energia. Estes dissipadores funcionarão ao longo de uma diagonal

da parede, para tirar partido da respectiva deformação.

O dissipador elasto-plástico foi executado com base nos princípios apresentados por

Kumar et al. (2007), embora numa escala mais reduzida.

Concebeu-se um primeiro dissipador designado “Dissipador 1”, utilizado no ensaio da

parede MW3, evoluindo para outro dissipador após a realização do primeiro ensaio com este

reforço, com a designação “Dissipador 2”, no ensaio das paredes MW4 e MW5.

O “Dissipador 1” apresenta a seguinte configuração: núcleo de aço constituído por um

varão de diâmetro 8 mm em aço do tipo S237 e com um comprimento de 55.5 cm, montado

dentro de um tubo de aço com diâmetro de 33.7 mm e 4 mm de espessura, preenchido com

resina para impedir a encurvadura do varão. Garantiu-se a lubrificação da interface entre o

varão e a resina de modo a permitir o deslizamento dos elementos mas sem encurvar o varão.

As Figuras 6 e 7 representam um esquema da configuração do “Dissipador 1”.

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Ch.100x200x10

UNP160

Varão de 8mm

Secção B-B'

Tubo 33.7mm

Varão de 8mm

UNP 1

60

TUBO

33.

7

Sikadur-52 injection

Secção A-A'

Ch.100x200x10

UNP160

Varão de 8mm

Secção B-B'

Tubo 33.7mm

Varão de 8mmUNP 1

60

TUBO

33.

7

Sikadur-52 injection

Secção A-A'

a)Secção A-A’ b)Secção B-B’

Figura 6 - Parede MW3, com

Dissipador 1 Figura 7 - Esquema do Dissipador 1

A configuração do Dissipador 1, que foi utilizado para reforçar a parede MW3, teve,

no entanto, de ser alterada nos ensaios seguintes uma fez que não teve o comportamento

pretendido, isto é, ocorreu encurvadura para fora do plano do dissipador juntamente com o

perfil de ligação à parede.

Os materiais utilizados no segundo dissipador foram: varão de 8 mm de diâmetro com

55,5 cm de comprimento, perfis UNP100, chapa de 80 mm x 10 mm, guia de aço, chapa de 10

mm. As Figuras 8 e 9 representam o esquema da configuração no “Dissipador 2”.

O princípio de funcionamento é o mesmo, isto é, dissipar energia a partir da

compressão e tracção do varão de aço de diâmetro 8 mm, sendo necessário, para tal, impedir a

encurvadura lateral. De acordo com essa funcionalidade, foram colocadas guias soldadas nos

perfis UNP 100, impedindo a encurvadura do varão para fora do plano. Por sua vez nas

extremidades do varão foi soldada uma chapa 80 x 100 mm, que se colocou entre os dois

perfis UNP 100 de forma a não poder encurvar. A Figura 10 mostra o varão com as chapas e

os dois perfis soldados.

Secção AA Secção BB

Ch. 10mmCh. 10mm

Secção AA Secção BB

F 8 mm GuidePal.10 mmUNP 100

D.8 mm Guias

Secção AA Secção BB

Figura 8 - Parede MW4, com

Dissipador 2 Figura 9 - Esquema do Dissipador 2

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a) UNP100 b) Guias, o varão e as chapa c) Dissipador 2

Figura 10 - Elementos do Dissipador 2

2.3 Reforço com chapas metálicas

As paredes MW6 e MW7 foram reforçadas com chapas metálicas. Pretendeu-se

avaliar a influência do confinamento das ligações entre os elementos de madeira das paredes

através de colocação de chapas aparafusadas, com 3 mm de espessura, no comportamento das

paredes reforçadas.

A geometria das chapas foi definida tendo por base conceitos usuais de pré-

dimensionamento, de modo a garantir o reforço e confinamento das ligações sem perda

significativa da capacidade de deformação. A Figura 11 mostra a geometria das chapas

utilizadas.

(m) (m) (m)

a) Chapa 1 b) Chapa 2 c) Chapa 3

Figura 11 - Chapas metálicas de reforço

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2.4 Reforço com reboco armado

A parede MW8 foi reforçada com reboco armado, nestes caso apenas foi testado uma

parede com este tipo de reforço devido a limitação do número de parede.

O uso de reboco armado é uma técnica de aplicação relativamente simples que tem

vindo a ser utilizada na reabilitação de paredes de edifícios antigos. No estudo realizado

pretendeu-se avaliar a influência deste tipo de solução na resistência e capacidade de

dissipação de energia de paredes de frontal. A execução do reboco armado, aplicado em

ambas as faces da parede MW8 (Figura 12), compreendeu as seguintes fases:

i) Aplicação de argamassa de chapisco da Secil, com aproximadamente 2 cm de

espessura;

ii) Colocação da rede de metal distendido espinhaço 20/25 galvanizada;

iii) Pregagem da rede com furações atravessantes em quincôncio, 1 por metro, com

varões ø8 mm, roscados e galvanizados;

iv) Execução do reboco sarrafado, de argamassa de chapisco com a referência

comercial “ARMO-crete W”, com uma espessura aproximadamente 2 cm. O

reboco armado foi aplicado em ambas as faces da parede.

a) Argamassa com rede metálica (pormenor) b) Argamassa com rede metálica

Figura 12 - Reboco armado

2.5 Procedimento experimental

Os ensaios das paredes de frontal consistiram na aplicação de um deslocamento no

topo das paredes através de um actuador com capacidade de 1.000 kN e 400 mm de curso. A

força aplicada pelo actuador foi medida com uma célula de carga de 500 kN (marca TML)

montada no êmbolo do actuador enquanto o deslocamento no topo das paredes foi medido

através de um transdutor de deslocamento colocado do lado oposto à célula de carga (Figura

13).

Foram utilizados no total nove transdutores de deslocamento para analisar o

comportamento da parede ao longo dos ensaios: três transdutores (D1, D2, D3) de

deslocamento de fio, com um curso de 500 mm, (marca TML, modelo DP-500C) e seis

deflectómetros de êmbolo (D4 a D9) com 25 mm de curso (marca TML, modelo CDP25). Na

Figura 13 são indicadas as posições dos diversos deflectómetros utilizados.

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Legenda: 1) Actuador, 2) Êmbolo, 3) Viga distribuição, 4) Cabos de pré-esforço, 5) Viga de madeira, 6)

Macacos hidráulicos, D1-D9) Transdutores, F1-F4) Células de carga

Figura 13 - Montagem de ensaio

Na direcção vertical foi imposta uma carga constante transmitida por cabos

traccionados por macacos hidráulicos (Figura 3) para simular as acções gravíticas a que o

módulo de parede pode estar sujeito quando inserido numa estrutura real, tendo-se adoptado

um valor de 30 kN/m nas paredes de alvenaria e de 15 kN/m nas gaiolas (simulando apenas a

carga absorvida pelos prumos). A aplicação dessa carga é feita através de uma viga metálica

HEB 120 colocada no topo do modelo físico, onde é carregada pelos cabos em pontos

localizados (pontos 4, Figura 13).

O procedimento de ensaio cíclico consistiu na imposição da história de deslocamentos

definida pelo protocolo CUREE (Krawinkler, 2000), aplicável a estruturas de madeira. Esta

história de deslocamentos consiste em sequências cíclicas de deslocamentos aumentando em

amplitude progressivamente; cada fase consiste num primeiro ciclo que é submúltiplo ou

múltiplo dum deslocamento de referência Δ, seguido de outros ciclos que têm amplitudes

iguais a 75% do primeiro. Os segmentos variam em repetições de 3 a 7 ciclos.

Para deslocamento de referência foi considerado o valor de 90 mm obtido nos ensaios

efectuados por Meireles (Meireles, 2010). A história de deslocamentos é apresentada na

Figura 14.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

-200

-150

-100

-50

0

50

100

150

200

Desl

ocam

ento

(m

m)

Nº de ciclos Figura 14 - História de deslocamento dos ensaios

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3. RESULTADOS

3.1 Paredes Simples

As curvas força-deslocamento obtidas para as gaiolas de madeira (TF) e para as

paredes com alvenaria sem reforço (MW) podem ser observadas na Figura 15. Na figura 15.a)

apresentam-se os diagramas completos e na figura 15.b) apresentam-se os diagramas

correspondentes apenas a deslocamentos inferiores a 55 mm.

Analisando o comportamento das curvas verifica-se que a parede, quando atinge cerca

de 55 mm de deslocamento, apresenta um incremento de rigidez. Contudo, esse aparente

aumento de rigidez é devido ao aumento de força nos macacos hidráulicos quando estes

atingem o fim de curso e passam a funcionar como tirantes passivos, em vez de impor uma

força constante através do controlo da pressão hidráulica, não se podendo considerar esses

valores para a caracterização das paredes. Assim, a análise restringe-se a um intervalo de ±55

mm de deslocamento como mostra o diagrama da figura 15.a).

O comportamento histerético das paredes de frontal é caracterizado por uma forte não

linearidade na envolvente força horizontal – deslocamento no topo. Como se pode observar na

Figura 15, as paredes com preenchimento de alvenaria possuem, ao longo dos ciclos, uma

rigidez superior (atingem forças mais elevadas para deslocamentos semelhantes) e garantem

uma maior dissipação de energia (área interior dos ciclos mais elevada). A força obtida para

um deslocamento de 55 mm é de cerca de 30 kN para gaiolas de madeira e de cerca de 50 kN

nas paredes de alvenaria.

-200 -150 -100 -50 0 50 100 150 200-150

-100

-50

0

50

100

150 TF1

TF2

MW1

MW2

Fo

rça

(kN

)

Deslocamento (mm)-80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80

-60

-40

-20

0

20

40

60TF1

TF2

MW1

MW2

Deslocamento (mm)

a) Deslocamentos entre -150 e +150 mm b) a) Deslocamentos entre -55 e +55 mm

Figura 15 - Curvas força-deslocamento das gaiolas de madeira

e das paredes com alvenaria

Nos ensaios realizados verificou-se que a estrutura de madeira dos frontais pombalinos

apresenta uma elevada capacidade de deformação enquanto a alvenaria contribui para o

aumento da rigidez e da resistência do conjunto e influencia o modo de rotura, evitando, por

exemplo, a encurvadura das diagonais para fora do plano (Figura 16).

É de salientar que as paredes de alvenaria têm uma maior capacidade de dissipar

energia, o que implica um maior amortecimento, sendo esta característica muito relevante

para o comportamento das paredes face à acção sísmica.

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a) Rotura do nó da diagonal comprimida b) Rotura da travessa intermédia da parede

Figura 16 - Modos de rotura das paredes pombalinas

3.2 Reforço das paredes com o dissipador

Da análise das Figuras 17.a) e 17.b) constata-se que o dissipador com o melhor

comportamento foi o instalado no elemento MW5.

No ensaio do elemento MW3, correspondente ao reforço com o Dissipador 1, observa-

se na figura 17.b) que a força imposta no dissipador não garantiu dissipação de energia,

devido à encurvadura do dissipador e do respectivo sistema de fixação, obtendo-se um

comportamento idêntico às paredes sem reforço. Por consequência, evoluiu-se para o

Dissipador 2 conforme já referido.

Observa-se, na figura 17.b), a dissipação de energia no ensaio do elemento MW4 (com

Dissipador 2), nos primeiros ciclos do ensaio (área das curvas histeréticas), entretanto,

ocorreu a rotura da soldadura de uma guia ligada ao perfil, que provocou a encurvadura do

varão responsável pela dissipação da energia, pelo que esta deixou de ocorrer.

Observa-se na Figura 17.b), que a dissipação de energia na parede MW5 (Dissipador 2

com reforço das soldaduras das guias) ocorre à tracção e à compressão. No entanto, é de

salientar que os deslocamentos máximos do dissipador são de 22 mm à tracção e de 15 mm à

compressão, devido à encurvadura localizada que o varão manifesta à compressão (Figura

18.b), o que originou uma maior dissipação de energia na fase de tracção do que na fase de

compressão.

-100 -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 100-100

-80

-60

-40

-20

0

20

40

60

80

100 MW3

MW4

MW5

Fo

rça (

kN

)

Deslocamento (mm)

-30 -20 -10 0 10 20 30 40 50 60-30

-20

-10

0

10

20

30 MW3

MW4

MW5

Fo

rça n

o d

issi

pad

or

(kN

)

Deslocamento no dissipador (mm) a) Comportamento global da parede b) Comportamento do dissipador

Figura 17 - Curvas histeréticas das paredes com dissipador

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Na Figura 18 mostra-se a rotura da soldadura no ensaio do elemento MW4, à

compressão (Figura 18 a) e a encurvadura localizada do Dissipador 2 no ensaio do elemento

MW6 (Figura 18b).

a) Dissipador 2, rotura da soldadura da

guia do varão no ensaio de MW4

b) Instabilidade do varão do

dissipador no ensaio de MW6

Figura 18 - Rotura e instabilidade do varão dos dissipadores

Nas curvas força-deslocamento dos ensaios MW1 e MW5, respectivamente parede

sem reforço e parede reforçada com o Dissipador 2, apresentadas na Figura 19, foi constatado

um deslocamento máximo de -54 mm (tracção), correspondente à força de 82.3 kN no ensaio

MW5 e 46 kN no ensaio sem aplicação de reforço estrutural – MW1. Ao observar-se as áreas

dos ciclos histeréticos nos dois ensaios é perceptível a maior energia dissipada no ensaio

MW5, nomeadamente no ciclo correspondente à aplicação de uma força da zona de tracção.

Curiosamente na zona dos ciclos de compressão as curvas força-deslocamento são

semelhantes, o que se deve à encurvadura do varão de dissipação. Este fenómeno conduz a

uma dificuldade acrescida na obtenção de um comportamento simétrico

(tracção-compressão), podendo-se, no entanto, tornear este problema através da colocação de

dois dissipadores, um em cada diagonal. Este procedimento implica, no entanto, um aumento

de espessura na parede, o que seria uma desvantagem da solução.

-70 -60 -50 -40 -30 -20 -10 0 10 20 30 40 50 60 70

-100

-80

-60

-40

-20

0

20

40

60

80

100

Forç

a (k

N)

Deslocamento (mm)

MW5

MW1

Figura 19 - Curvas histeréticas nas paredes MW5 e MW1

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3.3 Reforço com chapas metálicas

As paredes reforçadas com chapas metálicas apresentam aumento da rigidez e da

energia dissipada, como mostra a Figura 20. Para o deslocamento aplicado de 54 mm obteve-

se uma força de 109 kN nas paredes reforçadas (MW6 e MW7) e 46 kN na parede simples.

Comparando o andamento das curvas histeréticas nas paredes verifica-se que o

confinamento das ligações em meia madeira promove um aumento da energia dissipada desde

o início no ensaio. Devido ao reforço nas ligações os prumos ficam com uma melhor ligação à

travessa inferior, levantando menos, e o fim de curso dos macacos hidráulicos só ocorre para

um valor do deslocamento horizontal de cerca de 80 mm (por comparação com os 60 mm nas

paredes sem reforço).

-150 -100 -50 0 50 100 150

-200

-150

-100

-50

0

50

100

150

200

Forç

a (k

N)

Deslocamento (mm)

MW6

MW7

MW1

Figura 20 - Curvas histeréticas na parede MW6/7 e MW1

3.4 Reforço com reboco armado

Nas curvas histeréticas dos ensaios MW1 e MW8, respectivamente parede sem reforço

e parede reforçada com reboco armado, apresentadas na Figura 21, constata-se que, até aos 10

mm de deslocamento, a rigidez da parede reforçada é significativamente superior e a

dissipação de energia significativamente inferior. Para os deslocamentos com amplitude

superior a 10 mm ocorreu, localmente, fendilhação do reboco armado na base da parede

reforçada, com a sua rigidez a diminuir dando-se início à dissipação de energia. Observa-se

que para um deslocamento de 40 mm a força aplicada é de cerca de 60 kN e de cerca de

40 kN, para as paredes reforçada e simples, respectivamente.

A análise dos resultados obtidos nos ensaios das duas paredes permite constatar que

este tipo de reforço é o menos eficiente em comparação com os outros reforços aqui

apresentados. O mecanismo de rotura na parede com reboco armado origina o corte localizado

na base, tendo como consequência o aproveitamento deficiente deste sistema de reforço.

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-70 -60 -50 -40 -30 -20 -10 0 10 20 30 40 50 60 70

-80

-60

-40

-20

0

20

40

60

80

Forç

a (k

N)

Deslocamento (mm)

MW1

MW8

Figura 21 - Curvas histeréticas nas paredes MW8 e MW1

4. CONCLUSÕES

Com a campanha experimental realizada obtêm-se as seguintes conclusões (Figura 22):

- Nos ensaios realizados verificou-se que a estrutura de madeira dos frontais pombalinos

apresenta uma elevada capacidade de deformação, enquanto a alvenaria contribui para

o aumento da rigidez e da resistência do conjunto, influenciando, também, o modo de

rotura através, por exemplo, da limitação da encurvadura das diagonais para fora do

plano.

- As paredes de alvenaria têm uma maior capacidade de dissipar energia do que os

elementos de madeira simples, o que implica um maior amortecimento, sendo esta

característica muito relevante para o comportamento das paredes face à acção sísmica.

- A parede MW5 teve um bom comportamento com o Dissipador 2. No entanto é muito

difícil garantir um comportamento idêntico à tracção e à compressão, devido à

possível instabilidade do varão no ciclo de compressão.

- As paredes reforçadas com chapas (ensaios dos elementos MW6 e MW7) aumentaram

a resistência e a energia dissipada em cada ciclo.

- A parede reforçada com reboco armado teve um aumento da resistência inicial até ao

início da fendilhação, com posterior diminuição de resistência e rigidez.

- A comparação dos sistemas de reforço utilizados na campanha experimental, descrita

neste artigo, permitiu concluir que, de todos os sistemas testados, a aplicação de

chapas metálicas foi o que induziu o melhor comportamento, com maior dissipação de

energia e simetria nos ciclos histeréticos.

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18 Engenharia Civil UM Número 45, 2013

-80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80

-120

-100

-80

-60

-40

-20

0

20

40

60

80

100

120

Forç

a (k

N)

Deslocamento (mm)

MW5

MW1

MW7

MW8

Figura 22 - Curvas histeréticas nas paredes MW1/5/6/8

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FCT o financiamento deste trabalho através do projecto

PTDC/100168/2008 – REABEPA, e agradecem à HCI a colaboração na construção dos

modelos de ensaio.

REFERÊNCIAS

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