CARACTERIZAÇÃO E TRATAMENTO DE EFLUENTES RESULTANTES

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Departamento de Cincias e Engenharia do Ambiente

CARACTERIZAO E TRATAMENTO DE EFLUENTES RESULTANTES DA ACTIVIDADE DE PRODUO DE QUEIJO

Djamila Carvalho Costa

DISSERTAO APRESENTADA NA FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA PARA OBTENO DO GRAU DE MESTRE EM ENGENHARIA DO AMBIENTE, PERFIL ENGENHARIA SANITRIA

Orientador Cientfico: Professora Doutora Leonor Miranda Monteiro do Amaral

Constituio do Jri: Presidente: Doutor Antnio Pedro de Macedo Coimbra Mano Vogais: Doutora Leonor Miranda Monteiro do Amaral Doutora Rita Maurcio Rodrigues Rosa

LISBOA Maio 2011

CARACTERIZAO E TRATAMENTO DE EFLUENTES RESULTANTES DA ACTIVIDADE DE PRODUO DE QUEIJO Copyrigth Djamila Carvalho Costa, FCT/UNL e UNL

A Faculdade de Ciencias e Tecnologia e a Universidade Nova de Lisboa tm o direito, perptuo e sem limites geogrficos, de arquivar e publicar esta dissertao atravs de exemplares impressos reproduzidos em papel ou de forma digital, ou por qualquer outro meio conhecido ou que venha a ser inventado, e de a divulgar atravs de repositrios cientificos e de admitir a sua cpia e distribuiao com objectivos educacionais ou de investigaco, no comerciais, desde que seja dado crdito ao autor e editor.

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AGRADECIMENTOS Para a concluso desta pesquisa acadmica, dissertao para obteno do grau de Mestre na rea adiante desenvolvida, salienta-se em primeiro lugar a direco cientfica e metodolgica da Professora Doutora Leonor Miranda Monteiro do Amaral, mais do que Orientadora, grande incentivadora criativa, crtica preciosa e suporte em todas as fases de dvida ou desnimo, cuja solidariedade foi inexcedvel. Apresenta-se um trabalho realizado a partir da SISAQUA Sistemas de Saneamento Bsico, S.A., juntamente com a ento chefia, assumida pelo Eng. Carlos Raposo, e no interesse da empresa guas do Centro Alentejo, S.A.. A pesquisa efectuada configurava-se, por conseguinte, algo singular, por incluir uma vertente urbana e uma vertente industrial, e nela intercederam quer o cliente guas do Centro Alentejo, S.A., como apoios centralizados da AdP Servios, S.A.. No se podem, subsequentemente, omitir as sucessivas entidades e individualidades que intervieram na consecuo do processo investigatrio agora terminado, facultando acesso aos dados a serem analisados, sob as directivas acadmicas da Professora Orientadora, em todas as suas fases. Abaixo, portanto, se referem os mencionados veculos de assistncia imprescindvel a esta dissertao, segundo a usual ordem alfabtica das instituies representadas: i) guas do Centro Alentejo, S.A., nomeadamente ao Dr. Antnio Manuel Vinagreiro dos Santos Ventura (Administrador Delegado), que autorizou a utilizao dos dados, os maiores agradecimentos; ao Eng. Lus Guerra (Director de Engenharia), Eng. Ana Marco (Directora de Operao) e ao Eng. Lus Pauzinho, disponvel acompanhante da nossa prestao de servios, uma franca gratido; ii) AdP Servios, S.A., especificamente aos Eng.s Joo Oliveira Miguel e Miguel Carreira, que auxiliaram a prestao de servios na sua vertente tcnica, um muito obrigada veemente; iii) SISAQUA Sistemas de Saneamento Bsico, S.A., muito em particular ao Eng. Carlos Raposo, um penhorado reconhecimento do apoio recebido. Manifestam-se desde j estes agradecimentos porque, sem eles, jamais teria sido possvel o percurso de pesquisa sobre o qual se disserta, com destaque, natural e justamente, para a Professora Orientadora, fundamental logo na formao inicial da autora e, muito mais, na fase de especializao.

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RESUMO A sustentabilidade ambiental das actividades agro-industriais, nomeadamente da indstria de produo de queijo, constitui uma preocupao fundamental da gesto integrada deste sector, tendo em conta os impactes ambientais que lhe esto associados e os requisitos de qualidade em vigor. Para assegurar maior sustentabilidade nos padres de produo fundamental estabelecer novas formas de gesto dos efluentes lquidos gerados por esta indstria, atravs da aplicao de tecnologias de tratamento, da reutilizao do efluente tratado e da valorizao do lacto-soro , tendo sempre a preocupao de considerar a viabilidade financeira da sua implementao. O presente caso de estudo aborda o tratamento conjunto de guas residuais urbanas e de guas residuais de queijarias, reflectindo alguns problemas associados gesto destes dois tipos de efluentes de forma integrada. O estudo apresenta uma soluo de tratamento para as guas residuais produzidas pela populao de uma pequena povoao e por dezasseis queijarias em laborao na referida povoao, que consiste no pr-tratamento por digesto aerbia do efluente industrial e no tratamento conjunto do efluente urbano e do efluente industrial pr-tratado. A soluo de tratamento apresentada, tem a vantagem de permitir o tratamento da totalidade dos efluentes produzidos, incluindo o soro de leite, de ser de fcil operao e ser uma opo tecnicamente robusta. Se, no futuro, for efectuada a valorizao do lacto-soro, os custos de explorao da instalao, podem decrescer significativamente.

Palavras Chave: Queijarias, guas residuais, ETAR, sustentabilidade

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ABSTRACT The environmental sustainability of agro-industrial activities, especially of the cheese-making industry, is a key concern of the integrated management of this sector, considering environmental impacts associated and the quality policy in force. To ensure greater sustainability in production patterns, it is essential to establish new ways of managing wastewater generated by this industry, through the application of treatment technologies, reuse of treated effluent and cheese whey valorisation, always taking into consideration the financial viability of their implementation. This case study addresses the joint treatment of urban wastewater and wastewater from cheesemaking plants, reflecting some problems associated with managing these two types of effluents in an integrated manner. The study presents a solution for treating wastewater generated by the population of a small town and sixteen cheese-making plants in that village, which consists of pre-treatment by aerobic digestion of industrial wastewater and joint treatment of urban wastewater and pre-treated industrial wastewater. The treatment solution presented has the advantage of allowing treatment of all effluent produced, including cheese whey, being easy to operate and a technically robust option. If in the future, cheese whey valorisation is done, the costs of operating the facility could decrease significantly. Key words: cheese-making plants, wastewater, wastewater treatment plant, sustainability

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NDICE DE MATRIAS INTRODUO ............................................................................................................................... 1 1.1 OBJECTIVOS ............................................................................................................................ 2 2 CARACTERIZAO DA INDSTRIA DE PRODUO DE QUEIJO .......................................... 3 2.1 FUNCIONAMENTO DA INDSTRIA DE PRODUO DE QUEIJO ....................................................... 4 2.1.1 Escolha do Tipo de Leite............................................................................................... 6 2.1.2 Recepo e Pr-tratamento do Leite ............................................................................ 6 2.1.3 Pasteurizao................................................................................................................ 6 2.1.4 Coagulao ................................................................................................................... 6 2.1.5 Moldagem e Prensagem ............................................................................................... 7 2.1.6 Salga ............................................................................................................................. 7 2.1.7 Maturao ..................................................................................................................... 7 2.2 CARACTERIZAO DOS EFLUENTES GERADOS DA INDSTRIA DE PRODUO DE QUEIJO ............. 8 2.2.1 Caracterizao Quantitativa.......................................................................................... 9 2.2.2 Caracterizao Qualitativa .......................................................................................... 12 2.2.3 Destino Final do Efluente ............................................................................................ 14 2.2.4 Efeitos das Descargas de guas Residuais Industriais nas Redes de Drenagem .... 15 2.3 TECNOLOGIAS DE TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS ................................................... 17 2.3.1 Pr-tratamento ............................................................................................................ 18 2.3.2 Tratamento Qumico.................................................................................................... 21 2.3.3 Tratamento Biolgico por Processos Aerbios ........................................................... 22 2.3.4 Tratamento Biolgico por Processos Anaerbios ....................................................... 30 2.4 VALORIZAO DO EFLUENTE INDUSTRIAL ................................................................................ 31 2.4.1 Tecnologias de Valorizao do Lacto-soro ................................................................. 31 2.4.2 Reutilizao das guas Residuais.............................................................................. 32 3 DESCRIO DO CASO DE ESTUDO ........................................................................................ 35 3.1 CONSIDERAES INTRODUTRIAS .......................................................................................... 35 3.2 CARACTERIZAO DA INDSTRIA ............................................................................................. 36 3.2.1 Matrias-primas e Produtos Fabricados ..................................................................... 36 3.2.2 Perodo de Laborao................................................................................................. 37 3.2.3 Consumo de gua....................................................................................................... 37 3.2.4 Volume de Leite Laborado .......................................................................................... 39 3.2.5 Consumo de Especfico de gua................................................................................ 39 3.3 PRODUO E CARACTERSTICAS DAS GUAS RESIDUAIS INDUSTRIAIS ...................................... 40 3.3.1 Volume de guas Residuais Produzidas .................................................................... 41 3.3.2 Qualidade das guas Residuais Industriais................................................................ 46 3.3.3 Critrios de Definio da Qualidade do Efluente Final ............................................... 51 3.3.4 Dados de base relativos s guas residuais industriais ............................................. 52 3.4 CARACTERIZAO DAS GUAS RESIDUAIS DOMSTICAS .......................................................... 53 3.4.1 Populao Servida ...................................................................................................... 53 3.4.2 Capitaes de guas Residuais Domsticas ............................................................. 53 3.4.3 Cargas poluente domsticas....................................................................................... 55 3.4.4 Dados de base relativos s guas residuais domsticas ........................................... 56 3.5 CARACTERIZAO DAS GUAS RESIDUAIS MISTAS ................................................................... 57 3.5.1 Caudal de guas Residuais Mistas Produzidas ......................................................... 57 3.5.2 Qualidade das guas Residuais Mistas Produzidas .................................................. 59 3.6 SNTESE DOS DADOS DE BASE ................................................................................................ 60 3.7 DESCRIO DA SOLUO DE TRATAMENTO PREVISTA.............................................................. 63 3.7.1 Soluo A: Pr-tratamento do Efluente Industrial (digesto aerbia) e Tratamento Conjunto do Efluente Domstico e do Efluente Industrial Pr-tratado......................................... 67 3.8 AVALIAO TECNICO-ECONOMICA DA SOLUO DE TRATAMENTO ............................................ 80 3.8.1 Critrios de Estimativa de Custos ............................................................................... 80 3.8.2 Custos de Investimento e Operao........................................................................... 81 4 CONCLUSO............................................................................................................................... 83 5 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................ 85 6 ANEXO I CONSUMO DE GUA, VOLUME DE LEITE LABORADO, PRODUO DE SORO E PRODUO DE GUAS RESIDUAIS ............................................................................................. 89 7 ANEXO II CAMPANHA DE MEDIO DO CAUDAL DE GUAS RESIDUAIS MISTAS (URBANAS E INDUSTRIAIS), DRENADAS NA REDE PBLICA DE DRENAGEM DE GUAS RESIDUAIS, EM TEMPO SECO ........................................................................................................ 201 8 ANEXO III BALANO DE MASSAS ...................................................................................... 203 1

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NDICE DE FIGURAS Figura 2.1 Diagrama do processo de produo do queijo seco: etapas genricas.............................. 5 Figura 2.2 Diagrama do processo de fabrico tpico do queijo seco ..................................................... 9 Figura 2.3 Diagrama do processo de fabrico tpico do requeijo ........................................................ 9 Figura 2.4 Esquema de funcionamento do reactor Carbofil............................................................ 27 Figura 2.5 Linha de tratamento do soro de leite, integrando o reactor Carbofil.............................. 27 Figura 3.1 Fossa Sptica da Queijaria 8............................................................................................ 35 Figura 3.2 Descarga directa das guas residuais mistas (urbanas e industriais) na linha de gua.. 35 Figura 3.3 Queijo produzido (Queijaria 1 e Queijaria 15) .................................................................. 37 Figura 3.4 Nmero de dias de funcionamento por semana, das Queijarias...................................... 37 Figura 3.5 Evoluo do caudal dirio de guas residuais industriais produzidas no perodo de referncia............................................................................................................................................... 42 Figura 3.6 Evoluo do caudal de guas residuais resultantes da lavagem das instalaes e equipamentos, e produzidas no perodo de referncia......................................................................... 43 Figura 3.7 Evoluo do caudal de lacto-soro, produzido no perodo de referncia .......................... 44 Figura 3.8 Evoluo do caudal de guas residuais, produzidas nos dias teis, no perodo de referncia............................................................................................................................................... 45 Figura 3.9 Evoluo do caudal de guas residuais, produzidas no fim-de-semana, no perodo de referncia............................................................................................................................................... 46 Figura 3.10 Evoluo do caudal de guas residuais mistas drenadas na rede pblica .................... 58 Figura 3.11 - Soluo 1: Pr-tratamento do efluente industrial, por digesto aerbia, e tratamento conjunto do efluente domstico e do efluente industrial pr-tratado .................................................... 64 Figura 3.12 - Soluo 2: Pr-tratamento do efluente industrial, por digesto anaerbia, e tratamento conjunto do efluente domstico e do efluente industrial pr-tratado .................................................... 64 Figura 3.13 - Soluo 3: Tratamento conjunto do efluente domstico e industrial............................... 65 Figura 3.14 - Soluo 4: Tratamento conjunto do efluente domstico e do efluente industrial sem soro, e envio do soro para digesto anaerbia em ETAR prxima, de grande capacidade ......................... 65 Figura 3.15 - Soluo 5: Tratamento conjunto do efluente domstico e do efluente industrial sem soro, e secagem do soro para posterior envio para Aterro............................................................................ 66 Figura 3.16 - Soluo 6: Tratamento do efluente domstico ................................................................ 66

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NDICE DE TABELAS Tabela 2.1 Principais variveis da indstria de lacticnios em Portugal no ano 2007 ......................... 3 Tabela 2.2 Evoluo da produo de queijo em Portugal ................................................................... 4 Tabela 2.3 Tabela de classificao das actividades econmicas........................................................ 5 Tabela 2.4 Consumo de gua na indstria de produo de queijos, em alguns pases nrdicos .... 10 Tabela 2.5 Rendimento da produo de queijo por tipo de leite laborado ........................................ 11 Tabela 2.6 - Composio das guas residuais da indstria de lacticnios gama de variao e mdia ............................................................................................................................................................... 12 Tabela 2.7 - Comparao das concentraes dos principais parmetros das guas residuais industriais e domsticas ........................................................................................................................ 13 Tabela 2.8 - Valores mximos admissveis para as guas residuais industriais descarregadas nos colectores pblicos geridos pela C.M. de Celorico da Beira................................................................. 15 Tabela 2.9- Composio do efluente bruto e tratado na cooperativa de produo de queijo le Fied Chamolle .............................................................................................................................................. 24 Tabela 2.10 - Concentraes dos principais parmetros no efluente tratado num sistema de lagunagem avanada ............................................................................................................................ 26 Tabela 2.11 - Eficincia do tratamento por digesto aerbia atravs do reactor Carbofil, de guas residuais provenientes da indstria de comida pr confeccionada e de panquecas............................ 28 Tabela 2.12 Resultados obtidos no tratamento das guas residuais provenientes da indstria de lacticnios por microfiltrao e osmose inversa..................................................................................... 33 Tabela 3.1 Descrio dos produtos fabricados e do tipo de leite laborado nas queijarias................. 36 Tabela 3.2 Consumo de gua nas queijarias..................................................................................... 38 Tabela 3.3 Volume de leite laborado nas queijarias .......................................................................... 39 Tabela 3.4 Consumo especfico de gua........................................................................................... 40 Tabela 3.5 Produo de guas residuais........................................................................................... 42 Tabela 3.6 Campanha analtica de guas residuais industriais: tipo de amostra e designao ....... 47 Tabela 3.7 Caracterizao dos principais parmetros das guas residuais industriais .................... 48 Tabela 3.8 Sntese dos dados de base do efluente industrial ........................................................... 52 Tabela 3.9 Evoluo da populao residente e da populao flutuante na rea de influncia da instalao de tratamento ....................................................................................................................... 53 Tabela 3.10 - Volume de guas residuais domsticas recolhido em fossas spticas.......................... 54 Tabela 3.11 - Carga e concentrao dos principais parmetros de qualidade das guas residuais provenientes de fossas spticas ........................................................................................................... 55 Tabela 3.12 Sntese dos dados de base do efluente domstico ....................................................... 56 Tabela 3.13 Caudal dirio de efluente misto drenado na rede pblica ............................................ 58 Tabela 3.14 Resultados da campanha analtica de caracterizao de guas residuais mistas ....... 60 Tabela 3.15 Sntese dos dados de base............................................................................................ 61 Tabela 3.16 - Objectivos de qualidade do efluente final da ETAR ....................................................... 63 Tabela 3.17 - Objectivos de qualidade do efluente final da ETAR para utilizao em rega................. 63 Tabela 3.18 Dimensionamento do digestor aerbio .......................................................................... 70 Tabela 3.19 Dimensionamento do reactor biolgico tanque de arejamento e anoxico .................. 74 Tabela 3.20 Dimensionamento do reactor biolgico tanque de desnitricao com metanol ......... 74XIII

Tabela 3.21 Caractersticas de funcionamento com decantador secundrio.................................... 76 Tabela 3.22 Condies de funcionamento do sistema de desidratao de lamas............................ 78 Tabela 3.23 Critrios de estimativa de custos ................................................................................... 80 Tabela 3.24 - Custos de investimento inicial......................................................................................... 81 Tabela 3.25 Comparao dos custos do tratamento conjunto do efluente domstico e industrial, com os custos do tratamento domstico....................................................................................................... 81

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SIMBOLOGIA E NOTAES

AGCL - cidos Gordos de Cadeia Longa APR - rea Predominantemente Rural CAE Classificao das Actividades Econmicas CBO5 Carncia Bioqumica de Oxignio ao fim de 5 dias CCDR - Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental CQO Carncia Qumica de Oxignio ENEAPAI Estratgia Nacional para os Efluentes Agro-Pecurios e Agro-Industriais ETAR Estao de Tratamento de guas Residuais EPA Environmental Protection Agency HP Horizonte de Projecto IDF - International Dairy Federation IGAOT - Inspeco-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Territrio INAG - Instituto da gua, I.P. INE Instituto Nacional de Estatstica, I.P. INETI Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovao, I.P. MTD Melhores Tecnologias Disponveis MBR Reactores Biolgicos de Membrana MLSS Mixed Liquor Suspended Solids N - Azoto PNAPRI Plano Nacional de Preveno de Resduos Industriais S.A. Sociedade Annima SS Slidos Suspensos SST Slidos Suspensos Totais SSV Slidos Suspensos Volteis SBR Sequencing Batch Reactors VABpm Valor Acrescentado Bruto a preos de mercado TKN Total Kjeldahl O&G leos e Gorduras P Fsforo PM Ponto de Medio TIPAU Tipologia de reas Urbanas

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INTRODUO

A sustentabilidade ambiental das actividades agro-industriais, nomeadamente da indstria de produo de queijo, constitui uma preocupao fundamental da gesto integrada deste sector, tendo em conta os impactes ambientais que lhe esto associados e as obrigaes regulamentares em vigor. A indstria de produo de queijo est organizada em duas reas principais: produo primria de leite que servir de matria prima (de vaca, cabra, ovelha, etc); processamento do leite para produo de queijo.

No mbito deste documento analisada a segunda rea referida acima, que envolve o processamento de elevadas quantidades de leite e a produo de efluentes lquidos especficos. A gesto dos efluentes produzidos durante a produo de queijo, um dos aspectos mais importantes da vertente ambiental desta actividade, devido ao potencial poluente destas guas residuais, quando descarregadas directamente no meio hdrico, ou quando submetidas a tratamento inadequado. De facto, as guas residuais produzidas nas queijarias, podem provocar a contaminao e desoxigenao de cursos de gua por descarga directa ou aps tratamento inadequado, que confere o aumento da concentrao de nutrientes, nomeadamente de azoto e fsforo, em guas de superfcie e guas subterrneas. Quando integradas na malha urbana, muitas vezes estas indstrias so abastecidas atravs do servio pblico e enviam os seus efluentes para a rede pblica de drenagem de guas residuais, podendo prejudicar o seu normal funcionamento e o normal funcionamento das instalaes de tratamento das guas residuais urbanas a jusante. Para assegurar maior sustentabilidade nos padres de produo fundamental estabelecer novas formas de gesto dos efluentes lquidos gerados por esta indstria, que passaro obrigatoriamente pela aplicao de tecnologias de tratamento e de valorizao especficas, tendo sempre a preocupao de considerar a viabilidade financeira da sua implementao. Sendo assim, o tratamento de guas residuais de queijarias constitui um tema de investigao muito relevante uma vez que importante conhecer os diferentes processos de tratamento de efluentes lquidos disponveis, nomeadamente processos fsicos, qumicos e biolgicos e as tecnologias de tratamento disponveis no mercado. No caso particular desta indstria, o lacto-soro produzido, devido ao seu alto valor nutricional, pode ser reaproveitado, pelo que tm sido desenvolvidas solues de valorizao dos efluentes lquidos e de reutilizao dos mesmos no processo. O presente estudo aborda tambm a problemtica da gesto conjunta de efluentes industriais gerados na actividade de produo de queijos, e de efluentes urbanos.

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Em consequncia, a presente dissertao est estrutura em dois grandes captulos: o primeiro captulo consagrado caracterizao da indstria de produo de queijo onde ser apresentada uma caracterizao geral do processo produtivo, uma caracterizao dos efluentes lquidos gerados e dos efeitos da sua descarga em sistemas pblicos urbanos, as tecnologias de tratamento disponveis (processos fsicos, qumicos e biolgicos) e as solues de valorizao dos efluentes lquidos; o segundo captulo consagrado apresentao de um caso de estudo relativo ao tratamento conjunto de guas residuais provenientes de dezasseis queijarias de cariz familiar e de guas residuais urbanas provenientes de uma pequena localidade, onde esto implementadas as queijarias.

1.1

OBJECTIVOS

No panorama nacional de predomnio de queijarias de pequena e mdia dimenso, a problemtica da gesto dos efluentes lquidos gerados por esta actividade industrial, em particular do seu tratamento, pode ser encarada a nvel individual, a nvel de um agrupamento de indstrias ou considerando uma gesto integrada nos sistemas pblicos urbanos. Tendo em conta o potencial poluidor destes efluentes, torna-se importante estudar as suas caractersticas e as tecnologias disponveis para o seu tratamento. Em Portugal, tm sido publicados estudos sobre o tratamento de efluentes da indstria de lacticnios no geral, como o Guia Tcnico Sectorial Indstria de Lacticcios, que integra o Plano Nacional de Preveno de Resduos Industriais (INETI, 2001) e o documento Estratgia Nacional para os Efluentes Agro-Pecurios e Agro-Industriais (ENEAPAI, 2007), mas verifica-se que a informao relativa ao sector de queijarias est muito dispersa. No presente estudo ser realizada uma descrio geral do processo produtivo do queijo e apresentada uma caracterizao dos efluentes lquidos produzidos, no que respeita s etapas do processo produtivo em que so gerados, elementos que os constituem e principais parmetros fsicoqumicos que os caracterizam. Pretende-se tambm apresentar um levantamento dos principais problemas associados gesto deste tipo de efluentes industriais e caracterizar as melhores tecnologias disponveis (MTD) de tratamento, as vantagens e desvantagens da sua aplicao e as eficincias de remoo que lhes esto associadas. Por ltimo, apresenta-se uma anlise da viabilidade do tratamento conjunto das guas residuais industriais e domsticas produzidas por dezasseis queijarias e pela populao residente e flutuante de uma pequena localidade, onde esto implementadas as queijarias, atravs da avaliao de uma soluo de tratamento, das vantagens e desvantagens a ela associadas, e dos custos da sua implementao.

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CARACTERIZAO DA INDSTRIA DE PRODUO DE QUEIJO

O sector de produo de queijo integra o sector de lacticnios em Portugal, cujas principais caractersticas so apresentadas na Tabela 2.1.

TABELA 2.1 PRINCIPAIS VARIVEIS DA INDSTRIA DE LACTICNIOS EM PORTUGAL NO ANO 2007 (INE, 2010)mbito Geogrfico Empresas Volume de Negcios VABpm

n. Portugal Continente Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve Regio Autnoma dos Aores Regio Autnoma da Madeira 450 397 44 145 55 140 13 42 11 1622503 1315051 750128 148763 340377 297391 10061

103 euros 313599 261735 131087 25972 94747 50409 1455

A produo de produtos lcteos em Portugal tem por matria-prima o leite de vaca, pasteurizado ou cru, na maior parte dos casos (96%) sendo que os leites de ovelha e de cabra representam apenas 1% da matria-prima usada (ENEAPAI, 2007). A tendncia dos ltimos anos tem sido o decrscimo da produo destas matrias-primas, embora se tenha verificado um aumento da produo de leite de vaca no ano 2008, relativamente ao ano 2007 (INE, 2009). Em 2008, o volume de leite cru de vaca produzido foi de 1962 milhes de litros, tendo representado um aumento de 2,7%, relativamente ao ano transacto. As produes de leite de ovelha e de cabra foram de 89 milhes de litros e 27 milhes de litros, respectivamente, o que, comparativamente a 2007, reflecte uma quebra de cerca de 4% para o leite de ovelha e uma variao pouco significativa (+1%) para o leite de cabra produzido (INE, 2009). Em Portugal, de acordo com o Guia Tcnico para a Indstria de Lacticnios que integra o Plano Nacional de Preveno de Resduos Industriais (PNAPRI) (INETI, 2001), na indstria de lacticnios, so de assinalar as seguintes caractersticas genricas:

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predomnio de pequenas e mdias empresas; mo de obra pouco qualificada; existncia de diferenas acentuadas nas tecnologias utilizadas; distintos nveis de produtividade.

A produo de queijo em Portugal, apresentada na Tabela 2.2 TABELA 2.2 EVOLUO DA PRODUO DE QUEIJO EM PORTUGAL (INE, 2009)Produo anual (t) Anos Queijo Vaca de Ovelha de Cabra de Mistura 2006 77767 55431 16026 1715 4595 2007 79517 58431 15387 1629 4070 2008 77102 55760 14752 1649 4941

A produo de queijo a partir do leite de cabra e ovelha tem um reduzido peso no volume total de leite laborado mas, so justamente estas unidades que exercem maior presso sobre o ambiente por nem sempre darem o melhor destino aos seus efluentes (ENEAPAI,2007).

2.1

FUNCIONAMENTO DA INDSTRIA DE PRODUO DE QUEIJO

Queijo o nome genrico dado a um grupo de produtos alimentares base de leite fermentado produzidos em todo o mundo. O queijo entende-se como um produto fresco ou maturado que se obtm por separao parcial do soro de leite ou leite reconstitudo (integral, parcial ou totalmente desnatado), ou de soros lcteos coagulados pela aco fsica do coalho, de enzimas especficas, de bactrias especficas, de cidos orgnicos, isolados ou combinados, todos de qualidade apta para o uso alimentar, com ou sem agregao de substncias alimentcias e/ou especiarias e/ou condimentos, aditivos especificamente indicados, substncias aromatizantes e matrias corantes (MAGANHA, 2006). A produo de queijo tem sido uma actividade artesanal existente desde h cerca de 8000 anos (FOX, 2000). O processo de fabricao caseira foi evoluindo com a aquisio de conhecimento relativo qumica e microbiologia do leite e hoje em dia est bem consolidada toda uma agroindstria de fabrico de queijo, com grande capacidade de controlo do processo. Na indstria de produo de queijos, as matrias-primas utilizadas so o leite (de vaca, ovelha e cabra), o sal, o coalho e a gua. O queijo constitudo pela gordura do leite, gua, protenas e minerais (INETI, 2001).

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O cdigo atribudo indstria de fabrico de queijo na tabela de Classificao das Actividades Econmicas (CAE) o 15510, como se apresenta na Tabela 2.3. TABELA 2.3 TABELA DE CLASSIFICAO DAS ACTIVIDADES ECONMICAS (ENEAPAI, 2007)Diviso Grupo Classe Subclasse Designao Seco A Agricultura, Produo animal, Caa e Silvicultura 01 155 1551 15510 Agricultura, Produo animal, Caa e Actividades dos Servios Relacionados Indstria de Lacticnios Indstria do Leite e Derivados

No do mbito deste trabalho apresentar uma descrio exaustiva do processo de produo de queijo, mas sim o fundamental para enquadrar a problemtica dos efluentes gerados. O fabrico de queijo baseia-se na coagulao da casena do leite, ou das protenas do soro (INETI, 2001). A produo das diferentes variedades de queijo envolve geralmente um protocolo semelhante em que, desde a recepo at embalagem do produto final, as matrias-primas passam por uma srie de etapas. As alteraes de algumas fases do processo, permitem fornecer aos produtos diferentes caractersticas, que distinguem os vrios tipos de queijo. Na Figura 2.1, apresentam-se as etapas genricas do processo de produo de queijos, para as quais se analisam de seguida as caractersticas gerais.

Recepo e pr-tratamento do leite

Pasteurizao Adio da cultura, coalho e aditivos Coagulao

Moldagem e Prensagem

Salga

Maturao

Embalagem e distribuio

FIGURA 2.1 DIAGRAMA DO PROCESSO DE PRODUO DE QUEIJO SECO: ETAPAS GENRICAS

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2.1.1

Escolha do Tipo de Leite

A composio do queijo fortemente dependente do tipo de leite usado como matria-prima. Os leites mais vulgares em Portugal so o de vaca, ovelha e cabra, sendo muitas vezes usada uma mistura de diferentes tipos de leites. Dentro de cada tipo de leite, o queijo tambm fortemente influenciado por factores como a raa, sade e estado de lactao do produtor de leite.

2.1.2

Recepo e Pr-tratamento do Leite

O leite cru usado na produo de queijo, recepcionado e armazenado e sofre uma srie de prtratamentos com diferentes objectivos como por exemplo o cumprimento das normas associadas produo de um determinado tipo de queijo. O leite transportado em camies cisterna com tanques refrigerados ou em vasilhas de metal, geralmente de 30 ou 50 litros, sendo que, neste caso, o leite no est refrigerado quando chega unidade industrial. No cais de recepo da fbrica, so retiradas amostras de leite para realizao de uma srie de testes laboratoriais para anlise da qualidade e estado de preservao. Procede-se em seguida determinao do volume de leite (INETI, 2001). Aps a fase de caracterizao qualitativa e quantitativa, o leite sujeito a diferentes processos de pr-tratamento, dos quais so exemplo a filtrao, para remoo das partculas grosseiras e impurezas eventualmente presentes, o tratamento trmico, e a padronizao, que consiste na operao de separao e ajuste do teor de gordura do leite.

2.1.3

Pasteurizao

O produto intermdio resultante dos processos descritos anteriormente, segue para o processo de pasteurizao, realizada usualmente a 72-73 C, durante 15-20 segundos (INETI, 2001), com o objectivo de destruir os microrganismos patognicos.

2.1.4

Coagulao

Depois de sofrer diferentes pr-tratamentos, o leite encaminhado para cubas onde se d a sua converso em coalhada, atravs do processo de coagulao da casena do leite.

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Para que a coagulao ocorra, necessrio adicionar ao leite uma cultura (fermento, coalho, cidos, nitratos, vapor e enzimas, cloreto de clcio), varivel com o tipo de queijo que se pretende obter. Aps a adio e mistura do fermento ou cultura inicial de bactrias, do coalho e dos restantes aditivos, o leite deixado em repouso o tempo necessrio para que a coagulao ocorra. Quando a coalhada atinge o ponto de corte, efectua-se a sua separao (corte da coalhada), que muitas vezes um processo manual, seguindo-se o processo de esgotamento, em que drenado o soro. A coalhada aquecida atravs de vapor ou com gua quente, para regulao do seu tamanho e acidez.

2.1.5

Moldagem e Prensagem

A fase de moldagem consiste na colocao da coalhada em moldes/formas, consoante o tipo de queijo. Segue-se a prensagem, que pode ser manual ou mecnica. A moldagem tem por objectivo dar forma ao queijo e a prensagem visa retirar o resto de soro melhorando a textura do produto final.

2.1.6

Salga

Nesta fase, efectuada a adio de sal, com o objectivo de condimentar este produto alimentar e tambm de remover humidade por efeito osmtico. Os mtodos de salga so variveis, destacando-se a submerso dos queijos em tanques de salmoura e a adio directa de sal por pulverizao, aps o esgotamento.

2.1.7

Maturao

A fase final de fabrico de queijo, consiste na maturao, onde se realiza o processo de cura que consiste num ciclo de transformaes ao nvel microbiolgico, fsico e bioqumico que ocorrem nas cmaras de cura e do origem ao produto final. O queijo por fim embalado e enviado para o seu destino final.

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2.2

CARACTERIZAO DOS EFLUENTES GERADOS NA INDSTRIA DE PRODUO DE QUEIJO

O principal problema, em termos ambientais, para a indstria de lacticnios, diz respeito aos seus efluentes lquidos (INETI, 2001), pelo seu potencial poluidor, quando no se procede ao seu correcto tratamento. Os efluentes gerados na actividade de produo de queijo so constitudos pelos seguintes elementos: Soro (resultante do fabrico de queijo, em particular do processo de moldagem e prensagem); Sorelho (resultante do fabrico de requeijo); Perdas na produo, resultantes, por exemplo, de: o Derrames ou fugas devido a utilizao inadequada do equipamento ou falta de manuteno; o Descargas de misturas aquosas de leite e slidos suspensos durante os arranques, paragens e mudanas de produtos dos pasteurizadores, separadores, clarificadores e evaporadores; o Derramamentos nos moldes;

Produto residual que permanece nas tubagens, bombas, tanques, cubas e equipamento de processo;

guas de lavagem, resultantes da limpeza de tanques no cais de recepo do leite, das instalaes, dos equipamentos e dos utenslios;

Detergentes e desinfectantes usados nas operaes de lavagem; Lubrificantes utilizados na manuteno dos equipamentos; Slidos de leite retidos em clarificadores, filtros e grelhas, gorduras e restos ou pedaos de produto final eventualmente no removidos para reciclagem ou deposio em separado.

Nas Figuras 2.2 e 2.3 apresentam-se os diagramas tpicos do processo de fabrico de queijo e requeijo, com a indicao dos principais efluentes gerados.

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FIGURA 2.2 DIAGRAMA DO PROCESSO DE FABRICO TPICO DO QUEIJO SECO (INETI, 2001)

FIGURA 2.3 DIAGRAMA DO PROCESSO DE FABRICO TPICO DO REQUEIJO (INETI, 2001)

2.2.1

Caracterizao Quantitativa

Dependendo da dimenso da instalao e das medidas implementadas para reduo de perdas, o volume de guas residuais gerado durante o processamento de lacticnios, pode ir at 2,5 litros de efluente por litro de leite processado (as melhores prticas mundiais apontam para 0,5 litros de gua residual por litro de queijo produzido) (EPA 1997). Em mdia, pode considerar-se que so necessrios dez litros de leite para fabricar um quilo de queijo do tipo pasta comprimida, e que so recuperados nove a doze litros de lacto-soro, conforme as quantidades de gua utilizadas no decorrer do processo (LUQUET, 1991). O volume de guas residuais gerado numa queijaria, pode ser estimado atravs da seguinte expresso: Vefluente = Vconsumido * coef. Afluncia rede + V.Leite laborado * (1-) (1)

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Em que: Vefluente volume de guas residuais geradas no processo de fabrico de queijo Vconsumido volume de gua consumido no processo de fabrico do queijo e nas actividades secundrias (limpeza das instalaes, dos equipamentos, etc) Coef. Afluncia coeficiente de afluncia rede de drenagem de guas residuais rendimento de produo de queijo A principal contribuio para o volume do efluente final o volume de gua de lavagens, resultantes da limpeza de tanques no cais de recepo do leite, das instalaes, dos equipamentos e dos utenslios. A seguir, a parcela que mais contribui para a formao do efluente final, constituda pelo principal subproduto do processo de fabrico, o lacto-soro, e depende do rendimento do processo produtivo e do tipo de leite laborado. Salienta-se que o volume de lacto-soro que constitui o efluente final , de forma geral, consideravelmente inferior ao de gua de lavagem. H que ter em ateno no dimensionamento e planeamento da gesto do sistema de tratamento, principalmente no caso de pequenas queijarias, que podero vir a ocorrer perodos em que no existe efluente bruto, devido paragem das unidades fabris para frias. Neste caso, ser necessrio pensar nas consequncias da paragem na operao da ETAR e nas medidas a tomar.

2.2.1.1 Volume de gua Consumido

O volume de gua necessrio numa indstria de lacticnios elevado, atingindo mesmo em certos casos os 15 litros por cada litro de leite processado (INETI, 2001). Na Tabela 2.4, apresenta-se o consumo de gua na indstria de produo de queijos, em alguns pases nrdicos:

TABELA 2.4 CONSUMO DE GUA NA INDSTRIA DE PRODUO DE QUEIJOS, EM ALGUNS PASES NRDICOS (WORLD BANK GROUP, 2007)Produto Sucia Queijos 2,0 a 2,5 gua consumida em 2001 (L de gua/ L leite processado) Dinamarca 1,2 a 1,7 Finlndia 2,0 a 3,1 Noruega 2,5 a 3.8

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A utilizao de gua no processo produtivo, est relacionada com a garantia das condies sanitrias e de higiene necessrias, atravs das operaes de limpeza e lavagem da massa lctea. A gua tambm utilizada no arrefecimento e formao de vapor para aquecimento da coalhada. Salienta-se que o maior consumo de gua nesta indstria est associado a operaes secundrias e que a implementao de boas prticas nestas actividades pode levar sua reduo. Algumas medidas que podem ser implementadas so indicadas de seguida (MAGANHA, 2006); o o o Limpeza de superfcies a seco; Utilizao de gua pressurizada para limpeza de superfcies; Utilizao de sistemas de espuma para limpeza de superfcies.

2.2.1.2 Volume de Lacto-soro

O lacto-soro, ou mais simplesmente o soro, a fase aquosa que se separa da coalhada no decorrer da fabricao dos queijos. A maior parte da gua encontra-se no lacto-soro, e com ela todas as substncias solveis (LUQUET,1991): A lactose; As protenas solveis; Os sais minerais solveis; Matria gorda.

A quantidade de lacto-soro produzida, depende do tipo de leite laborado e do rendimento de produo de queijo. Na Tabela 2.5, apresenta-se o rendimento da produo de queijo, por tipo de leite laborado (FOX et al., 2000).

TABELA 2.5 RENDIMENTO DA PRODUO DE QUEIJO POR TIPO DE LEITE LABORADO (FOX ET AL., 2000)Tipo de Leite Laborado Vaca Ovelha Cabra Unidades kg queijo/100 kg leite kg queijo/100 kg leite kg queijo/100 kg leite Rendimento 9,86 14,78 9,84

O aumento do rendimento da produo de queijo e consequentemente a reduo dos efluentes produzidos, pode ser conseguido atravs da implementao de boas prticas de trabalho na unidade industrial, nomeadamente atravs das medidas indicadas de seguida (MAGANHA, 2006);

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controlo da recepo de matrias primas e produtos auxiliares, atravs do estabelecimento de critrios e conhecimento de especificaes para seleco dos produtos considerados aceitveis;

controlo dos materiais armazenados; manipulao adequada das embalagens, de modo a evitar perdas de matria prima; estabelecimento de rotinas de manuteno preventiva para mquinas, equipamentos e instalaes;

estabelecimento de procedimentos operacionais para operaes com alto risco de perdas.

2.2.2

Caracterizao Qualitativa

Na Tabela 2.6 apresentam-se os valores dos principais parmetros de caracterizao das guas residuais produzidas na indstria de lacticnios e de queijo.

TABELA 2.6 - COMPOSIO DAS GUAS RESIDUAIS DA INDSTRIA DE LACTICNIOS GAMA DE VARIAO EMDIA

Parmetro Slidos Suspensos Totais CQO CBO5 leos e Gorduras Azoto Fsforo Sdio Cloreto Clcio Magnsio Potssio pH(1) EPA, 1997 (2) INETI 2001

Gama (mg/L) 24 5700 450 4790 15 -180 11 -160 60 -807 48 469 57 -112 25 49 11 -160 4 -12

(1)

Mdia Indstria Lacticnios (1) (mg/L) 1885 76 50 276 67 7,1

Mdia Indstria Queijos (2) (mg/L) 1100 12000 5400 380 160 110 -

Comparando os valores mdios apresentados na Tabela 2.6 para as guas residuais resultantes da actividade de fabrico de queijos com os correspondentes para guas residuais urbanas brutas, verifica-se que as guas residuais industriais apresentam concentraes muito superiores para todos os parmetros, como se pode verificar na Tabela 2.7.

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TABELA 2.7 - COMPARAO DAS CONCENTRAES DOS PRINCIPAIS PARMETROS DAS GUAS RESIDUAISINDUSTRIAIS E DOMSTICAS

Parmetro Slidos Suspensos Totais CQO CBO5 leos e Gorduras Azoto Fsforo(2) INETI 2001

Mdia Indstria Queijos (2) (mg/L) 1100 12000 5400 380 160 110

guas residuais urbanas medianamente carregadas (3) (mg/L) 720 500 220 100 40 8

guas residuais urbanas muito carregadas (3) (mg/L) 1200 1000 400 150 85 15

(3) Metcalf & Eddy 2003

O principal problema destes efluentes industriais, a elevada carga orgnica, conferida pela presena do lacto-soro. A ttulo indicativo os valores de CBO5 do leite e do soro, so os seguintes (EPA, 1997): CBO5 Leite inteiro : 100000 mg/L; CBO5 Soro: 30000 a 40000 mg/L.

Os altos teores de fsforo e azoto apresentados pelas guas residuais produzidas, devem-se ao facto do lacto-soro ser constitudo por uma elevada quantidade de nutrientes e ao uso de produtos para limpeza e desinfeco. Os elevados teores de leos e gorduras devem-se gordura presente no leite e em particular ao efluente resultante da operao de desnate do mesmo. A elevada concentrao de cloretos (276 mg/L na indstria de lacticnios (EPA, 1997) e 50 mg/L em guas residuais urbanas brutas medianamente carregadas (METCALF, 2003)), deve-se ao sal que adicionado ao produto durante a operao de salga e que em parte vai para o efluente final juntamente com o soro ou com a gua de lavagem das instalaes. Verifica-se tambm que estes efluentes apresentam muitas vezes: grandes variaes no pH, devido presena de residuais de solues cidas e alcalinas, provenientes das operaes de limpeza. O efluente tem tendncia para acidificar devido formao de cido lctico atravs de fermentao lctea e ao uso de cido na limpeza; condutividade elevada, devida presena de cloreto de sdio usado na operao de salga; variaes na temperatura, provocadas por etapas produtivas especficas; colorao branca; odor desagradvel.

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2.2.3

Destino Final do Efluente

Em Portugal, existe informao sobre rejeio das guas residuais produzidas para 50% das unidades de transformao do leite e produtos lcteos, identificadas pela Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional (CCDR) e pelo Instituto da gua, I.P. (INAG, I.P.), sendo referido que 28% lanam os seus efluentes na linha de gua e possuem licena de descarga, e que 7% ligam ao colector municipal (ENEAPAI, 2007). No que respeita ao destino das guas residuais geradas nas queijarias instaladas no pas (que disponibilizaram informao s Comisses de Coordenao e Desenvolvimento Regional (CCDR)), possvel identificar o seguinte (ENEAPAI, 2007): 42% tm licena de descarga para rejeio das guas residuais produzidas; 13% tm indicao de que a descarga realizada no solo; 62% tm indicao de que a descarga realizada na linha de gua; 6% tm indicao de que a descarga realizada no colector municipal.

Em termos legais, as regras e condies de descarga de guas residuais de natureza industrial na rede pblica de drenagem, so estabelecidas por um regulamento apresentado pela entidade gestora da mesma. Sendo assim, a nvel nacional, este regulamento varia de entidade para entidade, visando sempre assegurar que as guas residuais industriais, no afectam negativamente nem o pessoal que opera e mantm os sistemas de drenagem e as estaes de tratamento, nem a durabilidade e as condies hidrulicas de escoamento nos colectores municipais e, nos termos da legislao em vigor, nem a qualidade dos seus efluentes, nem a ecologia dos meios receptores, nem o destino final das lamas produzidas. A ttulo exemplificativo, as condies impostas pela Cmara Municipal de Celorico da Beira, entidade gestora da rede pblica de drenagem de guas residuais, do municpio com maior nmero de unidade industriais de produo de queijo (ENEAPAI, 2007), so apresentadas na Tabela 2.8. De acordo com esta entidade gestora, as guas residuais descarregadas na rede de colectores municipais, no podem conter quaisquer das substncias indicadas na Tabela 2.8, em concentraes superiores, ao Valor Mximo Admissvel indicado.

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TABELA 2.8 - VALORES MXIMOS ADMISSVEIS PARA AS GUAS RESIDUAIS INDUSTRIAIS DESCARREGADAS NOS COLECTORES PBLICOS GERIDOS PELA C.M. DE CELORICO DA BEIRAParmetros CBO5 a 20 C CQO SST pH Temperatura leos e gorduras Condutividade Cloretos totais Boro Arsnio total. Chumbo total Cianetos totais Cobre total Crmio -hexavalente -trivalente Ferro total Nquel total Selnio total Zinco total Mercrio Prata Cdmio Metais pesados (total) Hidrocarbonetos totais Cloro residual disponvel total Fenis Sulfuretos Azoto amoniacal Detergentes (lauril-sulfato) Valores Mximos Admissveis 500 1000 1000 5