Caracterização dos Danos Pós-Colheita em Citros Procedentes de “Packinghouse”

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Fitopatol. Bras. 32(4), jul - ago 2007 304 Caracterização dos Danos Pós-Colheita em Citros Procedentes de “Packinghouse” Ivan H. Fischer, Leonardo Toffano, Silvia A. Lourenço & Lílian Amorim , Silvia A. Lourenço & Lílian Amorim Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola, ESALQ, Universidade de São Paulo, Cx. Postal 9, CEP 13418-900, Piracicaba, SP, Brasil, e-mail: ihfi[email protected] Autor para correspondência: Ivan H. Fischer Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor. ESALQ, Universidade de São Paulo. Piracicaba SP. 2006. *Endereço Atual: Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, APTA, Av. Rodrigues Alves 40-40, CEP 17030-000, Bauru SP. INTRODUÇÃO O Brasil destaca-se como o maior produtor mundial de citros, com aproximadamente 20 milhões de toneladas/ ano, correspondendo a 36% da produção mundial de laranja fresca (FNP Consultoria & Agroinformativos, 2006). As podridões constituem-se na principal causa de danos (redução na qualidade ou quantidade) pós-colheita em citros e se expressam desde a colheita até seu uso pelo consumidor. A porcentagem de frutos cítricos com podridões fúngicas que ocorrem em uma safra podem, sob condições favoráveis, atingir até 50% no período de comercialização de laranja (Eckert, 1993). Dantas et al. (2003) detectaram 21,9% dos frutos de laranja ‘Pêra’, comercializados na Central de Abastecimento de Recife, com podridões fúngicas após cinco dias de armazenamento. As doenças de pós-colheita podem ser separadas em duas categorias baseadas em sua infecção inicial. Infecções em pré-colheita incluem Lasiodiplodia theobromae (Pat.) Griffon & Maubl., Phomopsis citri H.S. Fawc., Colletotrichum gloeosporioides (Penz.) Penz. & Sacc. e Alternaria citri Ellis & N. Pierce e infecções em pós-colheita incluem Penicillium digitatum (Pers.) Sacc., P. italicum Wehmer e Geotrichum candidum Link (Brown & Miller, 1999; Ohr & Eckert, 1985). FISCHER, I.H., TOFFANO, L., LOURENÇO, S.A. & AMORIM, L. Caracterização dos danos pós-colheita em citros procedentes de “packinghouse”. Fitopatologia Brasileira 32:304-310. 2007. RESUMO As doenças pós-colheita representam um sério obstáculo à citricultura, uma vez que comprometem a qualidade e quantidade dos frutos colhidos. Este trabalho objetivou caracterizar as injúrias pós-colheita de frutos de laranja ‘Pêra’, ‘Lima’ e ‘Natal’ e de tangor ‘Murcott’, destinados ao mercado interno, após diferentes etapas do beneficiamento em “packinghouse”. Foram coletados cem frutos na chegada ao “packinghouse”, na banca de embalagem e no palete, após embalamento em caixas de madeira. Os frutos foram individualizados e submetidos à câmara úmida por 24 horas, permanecendo por mais 20 dias a 25ºC e 85% de umidade relativa. A incidência de podridões foi avaliada visualmente após a retirada da câmara úmida e a cada três dias. Os patógenos fúngicos encontrados tiveram a patogenicidade confirmada através da inoculação em frutos sadios. Não houve diferença significativa na incidência de doenças pós-colheita nas diferentes fases do processamento nas variedades Lima e Natal. Na variedade Pêra e no tangor ‘Murcott’, a incidência de doenças foi menor nas amostras coletadas na chegada ao “packinghouse”. O bolor verde (Penicillium digitatum) foi a principal doença encontrada nos diferentes frutos cítricos. Outras doenças importantes foram a antracnose (Colletotrichum gloeosporioides), as podridões pedunculares (Lasiodiplodia theobromae e Phomopsis citri) e a podridão azeda (Geotrichum candidum). Palavras-chave adicionais: frutos cítricos, doenças pós-colheita, injúrias mecânicas. ABSTRACT Characterization of post-harvest damages in citrus fruits from the packinghouse Post-harvest diseases represent a serious problem for citriculture, reducing fruit quality and crop yield. This work aimed to characterize the post-harvest injuries of oranges ‘Pêra’, ‘Lima’ and ‘Natal’ and tangor ‘Murcott’, during handling in the packinghouse. Samples of one hundred fruits were collected on arrival at the packinghouse, before culling and in the pallet, after hand packing into wood boxes. The fruits were individualized and submitted to humid chambers for 24 hours. Fruits were incubated for 20 days at 25ºC and 85% of relative humidity. The incidence of diseases was assessed visually after the removal of the humid chamber and every three days. Fungal pathogenicity was confirmed by fungal inoculation in healthy fruits. Post-harvest disease incidence was similar in different phases of handling system for varieties Lima and Natal. For Pêra and tangor ‘Murcott’ disease incidence was lower on arrival at the packinghouse compared to other handling phases. Green mold was the most frequent disease in all varieties. Other important diseases were anthracnose (Colletotrichum gloeosporioides), stem-end rots (Lasiodiplodia theobromae and Phomopsis citri), and sour rot (Geotrichum candidum). Additional keywords: citrus fruit, post-harvest diseases, mechanical damages.

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Fitopatol. Bras. 32(4), jul - ago 2007 304Caracterizao dos Danos Ps-Colheita em Citros Procedentes de PackinghouseIvan H. Fischer, Leonardo Toffano, Silvia A. Loureno & Llian Amorim , Silvia A. Loureno & Llian AmorimDepartamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrcola, ESALQ, Universidade de So Paulo, Cx. Postal 9, CEP 13418-900, Piracicaba, SP, Brasil, e-mail: [email protected] para correspondncia: Ivan H. FischerParte da Tese de Doutorado do primeiro autor. ESALQ, Universidade de So Paulo. Piracicaba SP. 2006.*Endereo Atual: Agncia Paulista de Tecnologia dos Agronegcios, APTA, Av. Rodrigues Alves 40-40, CEP 17030-000, Bauru SP.INTRODUOO Brasil destaca-se como o maior produtor mundial de citros, com aproximadamente 20 milhes de toneladas/ano, correspondendo a 36% da produo mundial de laranja fresca(FNPConsultoria&Agroinformativos,2006). Aspodridesconstituem-senaprincipalcausadedanos (reduo na qualidade ou quantidade) ps-colheita em citros e se expressam desde a colheita at seu uso pelo consumidor. A porcentagem de frutos ctricos com podrides fngicas que ocorrem em uma safra podem, sob condies favorveis, atingir at 50% no perodo de comercializao de laranja (Eckert, 1993). Dantas etal. (2003) detectaram 21,9% dos frutosdelaranjaPra,comercializadosnaCentralde AbastecimentodeRecife,compodridesfngicasaps cinco dias de armazenamento.As doenas de ps-colheita podem ser separadas em duas categorias baseadas em sua infeco inicial. Infeces empr-colheitaincluemLasiodiplodiatheobromae (Pat.)Griffon&Maubl.,PhomopsiscitriH.S.Fawc., Colletotrichumgloeosporioides(Penz.)Penz.&Sacc.e Alternaria citri Ellis & N. Piercee infeces em ps-colheita incluemPenicilliumdigitatum(Pers.)Sacc.,P.italicum Wehmere GeotrichumcandidumLink(Brown&Miller, 1999; Ohr & Eckert, 1985). FISCHER, I.H., TOFFANO, L., LOURENO, S.A. & AMORIM, L. Caracterizao dos danos ps-colheita em citros procedentes de packinghouse. Fitopatologia Brasileira 32:304-310. 2007.RESUMOAs doenas ps-colheita representam um srio obstculo citricultura, uma vez que comprometem a qualidade e quantidade dos frutos colhidos. Este trabalho objetivou caracterizar as injrias ps-colheita de frutos de laranja Pra, Lima e Natal e de tangor Murcott, destinados ao mercado interno, aps diferentes etapas do benefciamento em packinghouse. Foram coletados cem frutos na chegada ao packinghouse, na banca de embalagem e no palete, aps embalamento em caixas de madeira. Os frutos foram individualizados e submetidos cmara mida por 24 horas, permanecendo por mais 20 dias a 25C e 85% de umidade relativa. A incidncia de podrides foi avaliada visualmente aps a retirada da cmara mida e a cada trs dias. Os patgenos fngicos encontrados tiveram a patogenicidade confrmada atravs da inoculao em frutos sadios.Nohouvediferenasignifcativanaincidnciadedoenasps-colheitanasdiferentesfasesdoprocessamento nas variedades Lima e Natal. Na variedade Pra e no tangor Murcott, a incidncia de doenas foi menor nas amostras coletadas na chegada ao packinghouse. O bolor verde (Penicilliumdigitatum) foi a principal doena encontrada nos diferentes frutos ctricos. Outras doenas importantes foram a antracnose (Colletotrichum gloeosporioides), as podrides pedunculares (Lasiodiplodia theobromae e Phomopsis citri) e a podrido azeda (Geotrichum candidum). Palavras-chave adicionais: frutos ctricos, doenas ps-colheita, injrias mecnicas.ABSTRACTCharacterization of post-harvest damages in citrus fruits from the packinghousePost-harvest diseases represent a serious problem for citriculture, reducing fruit quality and crop yield. This work aimed to characterize the post-harvest injuries of oranges Pra, Lima and Natal and tangor Murcott, during handling in the packinghouse. Samples of one hundred fruits were collected on arrival at the packinghouse, before culling and in the pallet, after hand packing into wood boxes. The fruits were individualized and submitted to humid chambers for 24 hours. Fruits were incubated for 20 days at 25C and 85% of relative humidity. The incidence of diseases was assessed visually after the removal of the humid chamber and every three days. Fungal pathogenicity was confrmed by fungal inoculation in healthy fruits. Post-harvest disease incidence was similar in different phases of handling system for varieties Lima and Natal. For Pra and tangor Murcott disease incidence was lower on arrival at the packinghouse compared to other handling phases. Green mold was the most frequent disease in all varieties. Other important diseases were anthracnose (Colletotrichum gloeosporioides), stem-end rots (Lasiodiplodia theobromae and Phomopsis citri), and sour rot (Geotrichum candidum).Additional keywords: citrus fruit, post-harvest diseases, mechanical damages.305Fitopatol. Bras. 32(4), jul - ago 2007Caracterizao dos danos ps-colheita em citros procedentes...Os frutos ctricos colhidos em adequado estdio de maturaosotransportadosemengradadosplsticosou agranelatopackinghouse,ondeusualmentesofrem uma lavagem com desinfestantes (hipoclorito de sdio e/ou detergente neutro), seguida de aplicao de cera, podendo ounoreceberfungicidaspreviamenteouemmisturaa cera. Embalados normalmente em caixas de madeira tipo Mretornvel,de27kg,sotransportadosatomercado atacadistaouvarejista.Essesprocessosdemanipulao, duranteaps-colheita,podemresultaremdiversas injrias. O tecido danifcado torna-se susceptvel infeco pormicrorganismospatognicos,almdeaparecerem cicatrizes visveis que comprometem a aparncia dos frutos, depreciando-os no mercado (Golomb et al., 1984). Injrias mecnicas provocam o rompimento das glndulas de leo daepiderme,comconseqenteaparecimentodemanchas denominadas de oleocelose. Leses decorrentes de injrias mecnicas em ps-colheita prejudicaram a qualidade do fruto de lima cida Tahiti, afetando distintamente os contedos decidoascrbico,acideztitulveleslidossolveis,a aparncia e diminuindo o perodo de comercializao dos frutos(Duriganetal.,2005),pormnofoiestudadaa relao com doenas.Dessa forma, a caracterizao dos danos visa facilitar a tomada de deciso quanto necessidade de investimento emmedidasdepreveno.Osobjetivosdestetrabalho foram caracterizar os danos ps-colheita de frutos de laranja Pra, Lima e Natal e de tangor Murcott, destinados ao mercado interno, aps a chegada do fruto ao packinghouse, na banca de embalagem e no palete, aps embalamento em caixas de madeira tipo M.MATERIAL E MTODOSFrutos ctricos destinados ao mercado interno foram coletadosemintervalosde14diasempackinghouse, localizado em Engenheiro Coelho, SP, na safra de outubro a janeiro de 2004/05 e 2005/06. Cem frutos foram coletados emcadaumadasseguintesetapasdobenefciamentodo packinghouse: 1) aps a chegada ao packinghouse, nos engradados plsticos (laranja Lima e tangor Murcot) ou narampadedescarregamento(laranjaPraeNatal); 2) na banca de embalagem, aps lavagem com detergente neutro e pulverizao de cera e, 3) no palete, em caixa de madeira tipo M localizada em posio intermediria napilhadecaixas.Osfrutosforamindividualizados embandejasplsticasesubmetidoscmaramidapor 24horas,visandofavoreceraocorrnciadepodrides, permanecendo por mais 20 dias a 25C e 85% de umidade relativa, em cmara do Setor de Horticultura, pertencente ao Departamento de Produo Vegetal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, Campus de Piracicaba SP. Doenas ps-colheita e injrias mecnicas de oleocelose foram avaliadas visualmente aps a retirada da cmara mida e a cada trs dias. Os patgenos fngicos encontradostiveramapatogenicidade confrmada atravs da inoculao em frutos sadios.Compararam-seasincidnciasdedoenasnas diferentesetapasdobenefciamentoeaincidnciados diferentespatgenosfngicospormeiodetesteno paramtricodecomparaodemltiplaspropores,ao nvel de 5% de probabilidade, conforme descrito por Zar (1999).Osmodeloslinear(y=a+rt,ondeyrepresentaa incidncia de frutos doentes, a um parmetro do modelo relacionado ao inculo inicial, r, a taxa de progresso da doena e t, o tempo) e monomolecular (y=ymax*(1-a exp(-rt)), onde y representa a incidncia da doena em proporo, ymax a assntota da curva de progresso da doena, a um parmetro relacionado ao inculo inicial,ra taxa de progresso da doena e t, o tempo em dias aps o incio do armazenamento) foramajustadosaosdadosdeprogressodobolorverde, causadoporP.digitatum,duranteoarmazenamento,por meioderegresseslineareseno-lineares. Aescolhado melhormodelofoifeitapormeiodacomparaodos coefcientes de determinao e pela melhor distribuio dos resduos.Osparmetrosdosmodelosajustadosscurvas das diferentes variedades ctricas foram comparados entre si por meio do teste t (Campbell & Madden, 1990).RESULTADOS E DISCUSSOOsfrutosdelaranjaPra,Lima,Natalede tangorMurcottapresentaramincidnciadediferentes doenas fngicas ps-colheita, atingindo mdias de 6,5; 9,2; 12,7e7,3%aossetediasdearmazenamento,14,8;17,5; 26,4e21,1%aos14diase21,2;25,4;36,2e29,9%aos 21 dias de armazenamento, respectivamente (Tabelas 1 a 4). Osresultadosobtidosconfrmamaimportnciaeconmica daspodridesps-colheitaemcitros,umavezqueessas doenasdesqualifcamafrutaparacomercializao,como destacado por Eckert (1993), que mencionou perdas de at 50% durante o perodo de comercializao.Observou-se um acrscimo signifcativo (p