Caracterização do Pasto de Capim-Buffel

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R. Bras. Zootec., v.34, n.2, p.454-463, 2005

Caracterizao do Pasto de Capim-Buffel Diferido e da Dieta de Bovinos, Durante o Perodo Seco no Serto de Pernambuco1Gladston Rafael de Arruda Santos2, Adriana Guim3, Mrcia Virginia Ferreira dos Santos 4, Marcelo de Andrade Ferreira4, Mrio de Andrade Lira4, Jos Carlos Batista Dubeux Jnior4, Maria Jos da Silva5RESUMO - Objetivou-se, neste experimento, quantificar a disponibilidade de massa seca e avaliar a composio botnica e bromatolgica de pastagem de capim-buffel diferida e da dieta de bovinos, durante o perodo seco. Foram realizadas estimativas visuais para determinao da composio botnica e do corte de amostras, para determinao da disponibilidade da forragem, sendo os dados processados pelo programa BOTANAL. Trs animais fistulados no esfago foram utilizados para avaliar a qualidade e composio botnica da dieta selecionada. As mdias foram comparadas pelo teste Tukey a 5% de probabilidade, empregando-se o procedimento estatstico SAS. Na pastagem foram encontradas 10 famlias, 19 gneros e 19 espcies de plantas; os componentes que apresentaram maior disponibilidade e participao foram o buffel e a orelha-de-ona, variando de 1.392 a 2.750; e 1.167 a 1.215 kg de massa seca (MS)/ha, com participao de 50 e 30% na composio da pastagem, respectivamente. A composio bromatolgica da pastagem variou de 63,0 a 81,6; 3,3 a 5,2; 0,9 a 1,4; 69,3 a 76,0; 53,0 a 57,4; 5,2 a 8,9; 86,0 a 88,6; e 10,8 a 16,4% para massa seca (MS), protena bruta (PB), extrato etreo (EE), fibras em detergente neutro (FDN) e cido (FDA), material mineral (MM), carboidratos totais (CHOT) e no-fibrosos (CNF), respectivamente. A composio da extrusa variou de 18,5 a 22,3; 4,5 a 5,6; 1,3 a 1,9; 52,0 a 75,0; 52,3 a 59,8; 9,4 a 11,4; 81,8 a 84,4; 6,8 a 20,6; 45,7 a 49,1 para MS, PB,EE, FDN, FDA, MM, CHOT, CNF e digestibilidade in vitro da matria seca (DIVMS), respectivamente. Palavra-chave: BOTANAL, Cenchrus ciliares, extrusa

Stockpiled Buffelgrass Pasture and Diet Selected Characterization during the Dry Season at the Semi Arid Region of Pernambuco StateABSTRACT -The experiment aimed to determine the herbage mass and to evaluate the botanical and chemical composition of a stockpiled Buffelgrass pasture during the dry season. Visual estimates were accomplished for determination of the botanical composition. Samples were cut for forage availability determination. The data were processed by the BOTANAL program. Three esophagus fistulated animals were used to evaluate the quality and botanical composition of the selected diet. On the pasture a total of 10 families, 19 genus and 19 species of plants were observed. The botanical components that showed the highest herbage mass and participation were Buffel grass and Orelha-de-ona (Macroptilium martii Benth.), ranging from 1392 to 2750 kg DM/ha and 50% and, 1167 to 1215 kg DM/ha and 30%, respectively. The forage chemical composition ranged from 63.0 to 81.6 %, 3.3 to 5.2 %, 0.9 to 1.4 %, 69.3 to 76.0 %, 53.0 to 57.4 %, 5.2 to 8.9 %, 86.0 to 88.6 % and, 10.8 to 16.4 % for dry matter (DM), crude protein (CP), ether extract (EE), neutral detergent fiber (NDF), acid detergent fiber (ADF), ashes (ASH), total carbohydrates (TCH) and, no fiber carbohydrates (NFC), respectively. Extrusa chemical composition showed values ranging from 18.5 to 22.3 %, 4.5 to 5.6 %, 1.3 to 1.9 %, 52.0 to 75.0 %, 52.3 to 59.8 %, 9.4 to 11.4 %, 81.8 to 84.4 %, 6.8 to 20.6 % and, 45.7 to 49.1 % for DM, CP, EE, NDF, ADF, ASH, TCH, NFC and, in vitro dry matter digestibility, respectively. Key Words: BOTANAL, Buffel grass, extrusa

Introduo A vegetao nativa da caatinga do Nordeste caracteriza-se pela predominncia de estrato arbustivo-arbreo composto por plantas de baixo potencial forrageiro, que constituem o suporte ali-

mentar bsico da maioria das propriedades destinadas pecuria nessa regio. Alm disso, apresenta baixa capacidade de suporte, resultando em baixo rendimento animal (Lima, 1984). Guimares Filho et al. (1995) registraram valores de 0,08 UA/ha/ano, para a capacidade de suporte da caatinga, e produo

1 Parte da Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Zootecnia-UFRPE e Trabalho realizado pelo Acordo IPA-UFRPE. 2 Aluno do Programa de Doutorado Integrado em Zootecnia ([email protected]). 3 Professora da UFRPE ([email protected]). 4 Professor(a) da UFRPE. Bolsista CNPq ([email protected], [email protected], [email protected], [email protected]). 5 Zootecnista da UFRPE.

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de 68 kg de ganho de peso/ha/ano. Considerando-se apenas a estao chuvosa do ano, a capacidade de suporte da caatinga ficou em torno de 0,22 UA/ha. Estudos desenvolvidos no Nordeste brasileiro evidenciam que 70% das espcies botnicas da caatinga participam significativamente da composio da dieta dos ruminantes domsticos. Gramneas e leguminosas perfazem acima de 80% da dieta durante o perodo chuvoso. No perodo seco, com a queda das folhas da vegetao de porte mais alto, as espcies arbustivas e arbreas ganham maior importncia, particularmente na dieta de caprinos. A produo mdia anual de fitomassa da vegetao nativa da caatinga situase em torno de 4 t de MS/ha, com substanciais variaes advindas de diferenas nos stios ecolgicos e flutuaes climticas (Arajo Filho et al., 1995). Entretanto, desse total de fitomassa produzida, apenas cerca de 6% podem ser considerados como forragem quando a explorao feita com bovinos, podendo chegar a 10% no caso de explorao com caprinos e ovinos (Mesquita et al., 1988). A relao entre pastagens cultivadas e nativas bastante ampla, chegando a atingir, em algumas regies do serto, valores em torno de 21,8 ha de pastagens nativas para 1,0 ha de pastagem cultivada (Moura,1987). A aceitao do capim-buffel pelos pecuaristas, como a planta forrageira mais adaptada s condies semi-ridas do Nordeste, motivou diversas avaliaes cujos resultados abrangeram vrios aspectos do seu cultivo, manejo e utilizao (Oliveira, 1993). A Austrlia um dos pases que mais ateno tm dedicado ao cultivo de capim-buffel. Em 1981, este pas possua cerca de dois milhes de hectares plantados no estado de Queensland, dos quais 60% em estado puro e 40% consorciado com outras gramneas e/ou leguminosas (Paull & Lee, citados por Ayerza, 1981). O sistema CBL (caatinga-buffel-leucena) preconizado pelo Centro de Pesquisa Agropecuria do Trpico Semi-rido (CPATSA) muito prximo do sistema proposto por Moura (1987) e tem como principal diferena a utilizao da leucena e de outras plantas forrageiras introduzidas ou nativas, que, durante o perodo chuvoso, devem ser cultivadas para produo de feno ou silagem, de modo que a rebrota de algumas espcies possa ser consumida a partir do incio do perodo seco. A finalidade da Leucena e das outras espcies forrageiras suprir a deficincia protica do pasto de capim-buffel, que na poca seca chega a teores de 3 a 4% de protena bruta (Guimares Filho et al., 1995).R. Bras. Zootec., v.34, n.2, p.454-463, 2005

A prtica de diferimento leva a planta a avanar em seu estdio fenolgico, influenciando positivamente o acmulo de massa seca e negativamente a composio qumica e digestibilidade (Reis et al., 1997). Uma vez que a qualidade e a disponibilidade de forragem est diretamente relacionada ao consumo e, conseqentemente, ao desempenho animal, torna-se evidente a necessidade de se considerar estes dois aspectos quando se pensa em diferimento de pastagens. Segundo Maraschin (1986), o diferimento uma prtica excelente e, muitas vezes, evita a perda de animais. Porm, Neiva & Santos (1998) chamam a ateno para o aspecto de que essa prtica pode resultar em perdas da qualidade e quantidade da forragem reservada. Por outro lado, o diferimento de pastagem influencia a composio botnica da pastagem, conforme observado por Fernandes et al. (1983). A determinao da dieta dos animais de fundamental importncia para os estudos da nutrio animal em pastagem, pois identificar as plantas ou parte das plantas mais preferidas e consumidas pelos animais, alm de detectar as carncias alimentares dos mesmos ao longo do ano (Peter, 1992). Neste trabalho, objetivou-se caracterizar um pasto de capim-buffel diferido e avaliar a composio botnica e bromatolgica da pastagem e da dieta de bovinos, durante o perodo seco no serto pernambucano. Material e Mtodos O experimento foi realizado na Estao Experimental de Serra Talhada, da Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuria IPA, durante o perodo de setembro a dezembro de 2001, quando foram registradas precipitao mdia mensal de 35,04 mm e temperatura mdia mensal de 24,2C, com mdia de mxima e mnima de 32,9 e 21,4C, respectivamente. Na classificao de Thornthwaite, o clima da regio o tipo DdAa Semi-rido, caracterstico da rea do polgono das secas com duas estaes bem definidas (Encarnao, 1980). O solo predominante na rea experimental do tipo Bruno No Clcico, considerado tpico e representativo da regio, apresentando tambm manchas de Podzlico Vermelho Amarelo Eutrfico, textura arenosa mdia e relevo suave ondulado (IPA, 1986). A cobertura florstica da regio do tipo caatinga, bastante complexa e irregular com predominncia de arbustos e rvores e um estrato herbceo bastante escasso (Moura,1987).

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Caracterizao do Pasto de Capim-Buffel Diferido e da Dieta de Bovinos, durante o Perodo Seco...

A rea de pastagem foi fechada no incio do perodo chuvoso anterior (dezembro de 1999), no recebeu adubao, e passou ser utilizada somente no incio de setembro de 2000. A rea total da pastagem foi de 7,5 ha, destinados a oito vacas e trs novilhos fistulados no esfago. No final de cada perodo experimental de 21 dias, os animais (vacas e novilhos fistulados) foram retirados da rea para que fosse realizada a avaliao da disponibilidade e composio botnica da pastagem. A estimativa da disponibilidade de forragem total foi obtida pelo mtodo do rendimento comparativo (Haydock & Shaw ,1975), enquanto os dados para estimar a composio botnica foram obtidos pelo mtodo do peso seco ordenado, descrito por Manetje & Haydock (1963), modificado por Jones & Hargreaves (1979). Para o processamento dos dados, foi empregado o programa computacional BOTANAL (Hargreaves & Kerr, 1978). O ndice de seletividade (Hodgson, 1979) foi obtido pelo quociente entre a porcentagem da espcie na dieta e na pastagem. Na rea, foram traados 10 transectos paralelos, distanciados entre si a, aproximadamente, 20 metros, e em cada um, foram realizadas 12 estimativas visuais, totalizando 120 pontos observados. Utilizou-se um quadrado de ferro medindo 0,50 x 0,50 cm para a estimativa da composio botnica e disponibilidade de forragem. As quinze amostras referentes aos padres foram pesadas e secas em estufa a 55C, por 48 horas, para posterior anlise da composio bromatolgica do pasto de acordo com Silva & Queiroz (2002). Para avaliar a dieta, a cada perodo de avaliao, durante sete dias consecutivos, foram realizadas coletas com trs animais fistulados no esfago, que eram contidos em um curral no final da tarde e submetidos a jejum por, aproximadamente, 16 horas. Na manh seguinte, eram retiradas as cnulas e colocadas bolsas coletoras confeccionadas em lona impermevel, contendo tela de nilon no fundo. O perodo de pastejo era de cerca de 20 minutos, suficiente para que as bolsas coletoras ficassem cheias. Em seguida, as bolsas eram retiradas, as amostras recolhidas, espremidas para a retirada do excesso de saliva, e, em seguida, acondicionadas em sacos plsticos devidamente identificados e armazenadas em freezer. Para a anlise da extrusa coletada, aps descongelamento, a amostra foi dividida em duas pores,R. Bras. Zootec., v.34, n.2, p.454-463, 2005

uma utilizada para determinao da composio bromatolgica, realizando-se as anlises de matria seca (MS), protena bruta (PB), extrato etreo (EE), fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente cido (FDA) e matria mineral (MM), conforme Silva & Queiroz (2002). A estimativa dos teores de carboidratos totais (CHOT) foram de acordo com a frmula: CHOT=100 - (PB + EE + MM), descrita por Sniffen et al., (1992), e a dos carboidratos nofibrosos (CNF), pela frmula: CNF=100 - (FDN + PB + EE + MM), conforme Mertens (1997). A outra poro da extrusa foi utilizada para determinar a composio botnica da dieta, pela tcnica do ponto microscpico descrita por Heady & Torrel (1959). Uma amostra da extrusa foi enviada ao Laboratrio de Nutrio Animal da Embrapa Semi-rido, Petrolina - PE, para determinao da digestibilidade in vitro da matria seca. Os dados foram analisados a partir da comparao de mdias pelo teste Tukey a 5% de probabilidade, por intermdio do procedimento estatstico SAS (1997). Resultados e Discusso Foram encontradas 10 famlias, 19 gneros e 19 espcies de plantas na pastagem avaliada (Tabela 1). As espcies identificadas so tpicas da vegetao de caatinga, como observado tambm por Moura (1987) e Silva (1988). A massa total de forragem variou de 4.968 a 3.169 kg de MS/ha nos meses de setembro a dezembro (Tabela 2), que correspondem ao perodo seco da regio. Foi observada reduo significativa ao longo dos meses para a massa de forragem disponvel de capim-buffel, que passou de 2.750 kg/MS/ha em setembro para 1392 kg/MS/ha em dezembro. Entretanto, a amplitude observada na disponibilidade do componente em cada ms muito pequena. Ao analisarmos o componente ervas e arbustos, observamos comportamento semelhante, possivelmente devido ao seu consumo pelos animais, visto que eram um dos poucos componentes da pastagem que se manteve verde durante quase todo o perodo experimental. Vale ressaltar que, segundo Minson (1981), a quantidade mnima de forragem para garantir a mxima ingesto pelos animais de 1.000 kg MS/ha. Deve-se salientar que, em pastagens de pior valor nutritivo, necessrio maior disponibilidade de forragem para garantir adequada seleo pelos animais. Porm, Gomide (1998) orienta que, em sistemas que

SANTOS et al. Tabela 1 - Espcies encontradas nos piquetes experimentaisTable 1 Species found in the experimental area

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Nome vulgarCommon name

Nome cientficoScientific name

FamliaFamily

Alento Algodo de seda Aroeira Barana Canafstula Capa bode Capim-buffel Catingueira Ervanso Feijozinho Jitirana Juazeiro Jurema preta Malcia Malva-preta Mato de embrejado Melosa Moleque-duro Moror Orelha-de-ona

Gonfrena vaga Mart. Calotropis procera (Ait.)R. Br. Astronium urundeuva Engl. Schinopsis brasiliensis Engl. Caessia escelea Scharad. Melochia tomentosa L. Cenchrus ciliaris L. Caesalpinea ferrea Mart. Alternanthera tenella colla. Centrosema sp. Ipomoea sp. Ziziphus joazeiro Mimosa nigra. Mimosa sp. Malvastrum sp. Diodia teres Walt. Herissantia tiubae (K. schum.) Briz Cordia leucocephala Moric. Bauhinia cheillantha Steud. Macroptilium martii Benth.

Amaranthaceae Asclepiadeceae Anacardiacea Anacardiacea Leguminosae Sterculiaceae Gramineae Leguminosae Amaranthaceae Leguminosae Convolvulaceae Rhamnaceae Leguminosae Leguminosae Malvaceae Rubiaceae Malvaceae Ehretiacea Leguminosae Leguminosae

Tabela 2 - Massa de forragem (kg MS/ha) nos meses correspondente a poca secaTable 2 Herbage mass (kg DM/ha) during the dry season

EspcieSpecie

Ms de avaliaoEvaluation month

SetembroSeptember

OutubroOctober

NovembroNovember

DezembroDecember

Capim-buffel Orelha-de-ona Malva-preta Ervas e arbustos Total

275090a 1167131a 22289a 82971a 496837a

229844b 1183159a 264109a 62328b 436814ab

18452c 1199186a 307129a 41814c 3769385bc

139248d 1215213a 350149a 21257d 3169356c

Mdias seguidas pela mesma letra, nas linhas, no diferem entre si a 5% de probabilidade pelo teste Tukey.Means within a row, followed by same letter, did not differ (P