Capoeira Uma Historia de Vida

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  • JANEIRO 1999 (Atualizada em janeiro 2010)

    Apostila elaborada por Maurcio Pastor

  • CAPOEIRA, UMA HISTRIA DE VIDA Apostila elaborada por Maurcio Pastor

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    01 ORIGEM

    Entre as muitas hipteses que surgiram e que ainda surgem, a que mais se assemelha ao correto a de que esta palavra CAPOEIRA seja de origem Tupy-Guarany. Os ndios chamavam de KAPU'RA este local, que era sempre no meio das matas ao redor das fazendas de engenho, onde o mato era ralo, rente ao cho ou s vezes at mesmo cortado (roado) pelos negros para a prtica dos movimentos e golpes da luta. At hoje os povos do interior dos estados brasileiros, principalmente de Minas Gerais chamam estes locais de Capoeira, muitas vezes sem saber que este o nome que d significado Capoeira. Uma luta/dana veio para o Brasil com os negros africanos na poca do Brasil Colnia, por volta do ano de 1538, na fase urea do desbravamento e desenvolvimento do nosso pas. Na frica, esta luta/dana no se chamava Capoeira e sim N'Golo e l era apenas uma diverso. Havia, inclusive, campeonatos onde os melhores lutadores eram chamados de guerreiros, tinham privilgios junto aos lderes das tribos e sempre eram os preferidos pelas mulheres na hora de casarem, pois eram considerados os mais fortes e sadios. O N'Golo era praticado principalmente pelos "Humbes", uma tribo da regio sul de Angola e a palavra N'Golo traduzida por "Dana da Zebra". Os movimentos imitavam alguns movimentos das zebras em luta ou em carreira ou ainda, das zebras machos para conquistar uma fmea no cio. Ao serem trazidos como escravos para o Brasil, os negros angolanos passaram a usar esta luta no mais para se divertirem, mas para se defenderem das atrocidades do homem branco. No possvel dizer com exatido em que data ou local se travou a primeira batalha corporal entre negros e brancos, na qual foram utilizados golpes de Capoeira. Porm, j foram encontrados registros de sua existncia a partir do sculo XVII, no litoral da Bahia, onde era maior a concentrao de negros no Brasil. Tambm se diz dos litorais de Pernambuco, Rio de Janeiro, Alagoas e Paraba. Conta a histria que os negros do Quilombo dos Palmares, o maior e mais famoso reduto de negros fugitivos que existiu, levaram uma enorme vantagem nas lutas corporais contra os seus perseguidores, tendo em vista a rapidez, a violncia e a potncia com que os negros deferiam golpes de ps e pernas, conseguindo cada guerreiro levar vantagem sobre trs ou quatro homens do rei, como eram chamados os soldados naquela poca. Foi devido a esta habilidade de lutar de seus integrantes que o Quilombo dos Palmares resistiu por mais de cem anos s invases e destruio. At chegar ao que hoje a arte da Capoeira, passou por muitas "provaes", pois aps ter sido marginalizada e at mesmo proibida, ainda sobreviveu por conta de Mestre Pastinha e Mestre Bimba que, apesar de toda a fama que tiveram, morreram abandonados, na misria e sem verem sua arte valorizada e difundida aos quatro cantos do mundo.

    02 ARTE DE GUERRA

    "Ter malcia no ser maldoso". So freqentes as histrias e notcias sobre a violncia nas rodas de Capoeira de todo o Brasil. So mestres invalidados por conta de uma cabeada, ponteira, a, rabo de arraia ou tesoura de tronco. Alunos mortos por um martelo rodado ou por uma meia-lua de compasso que os atingiu na cabea ou nos pulmes, enfim... Talvez por influncias erradas nos grupos de Capoeira, somente para semear a violncia e a morte seqente, a Capoeira hoje mal vista por muita gente. Muitas pessoas que gostam e admiram a arte da Capoeira, deixam de ingressar nas academias e escolas para aprender a jogar por causa da violncia que impera. A m fama cresce to desordenadamente que muitos capoeirista abandonam o aprendizado com medo de serem invalidados ou, pior ainda, de serem mortos. Muitos mestres ensinam aos seus discpulos que a Capoeira um esporte de exibio, que para ser praticado somente na roda ou dentro das academias, que um capoeirista que for apanhado brigando nas ruas ou promovendo arruaas ser expulso do grupo ao qual pertencente. Mas, de que adianta isso tudo se o prprio aluno j chega na academia disposto a dar uma de macho, valente, dono do pedao? No adianta nada. O mestre o senhor do aluno durante a prtica da Capoeira. Se o mestre no impuser o devido respeito ao aluno, qual aluno respeitar seu mestre? Quantos destes alunos (alunos mau feitos) j no encheram os boletins de ocorrncia das delegacias policiais do Brasil inteiro? Ser culpa dos mestres? Muitas vezes, sim. O aluno assimila o que o mestre ensina. Graas a Deus, estes "mestres" so uma minoria entre ns. Quando acontece de um capoeirista se machucar durante o jogo por falta de ateno aos movimentos de seu parceiro, a culpa de sua prpria desateno, nada mais. Porm, quando um capoeirista "pega" o outro pr valer, ou seja pr machucar, a coisa diferente, maldade mesmo e isso no Capoeira. A Capoeira no uma luta de medio de fora, um jogo de habilidade e agilidade. J foi uma luta feroz, mas isso nos tempos dos escravos. Hoje, a Capoeira um esporte e o esporte uma forma de educao e no de favorecimento violncia.

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    03 INSTRUMENTO DA PAZ

    A Capoeira instrumento da paz desde o Quilombo dos Palmares. Pode parecer contraditrio mas, foi atravs da luta que os Palmarinos buscavam a paz. Foi com golpes mortais de Capoeira que eles lutaram at a morte sonhando com uma vida em paz e com a harmonia entre os povos. Uma Capoeira bem ensinada forma um atleta, um ser humano tranqilo, bem educado, respeitador e de bom convvio social e familiar. Hoje a Capoeira a profisso de muitos, que atravs dela sustentam a famlia e ainda tiram lucro. Muitos meninos de rua das grandes cidades que tm oportunidade de ingressar na prtica da Capoeira mudam seus hbitos e a sua maneira de viver. Com empenho e dedicao, em pouco tempo, eles j esto fora do caminho das drogas, da prostituio e do roubo. Diga a, se isso no um caminho da paz na vida de um ser humano! Quando se forma uma roda de Capoeira no meio de uma praa para uma exibio, forma-se em torno desta roda uma multido de admiradores e de curiosos que vo ali somente para ver e se divertir com o acontecimento e muitas vezes, quem est da roda jogando nem se d conta da unio que se forma em torno dele, da fora espiritual que cada um passa para o prximo mesmo sem perceber, isto uma manifestao de paz. Em muitas academias, a unio fraterna entre os alunos o primeiro ensinamento que o mestre d. Afinal de contas, eles no esto ali para se matarem. Esto, na verdade, se tornando amigos, irmos.

    Existe uma msica que diz: "Capoeira beleza / Capoeira tradio Capoeira tem fundamento / Capoeira jogo de irmos"

    E outra que diz: "Camarada que meu camarada / meu irmo irmo do corao / camarada meu irmo..."

    comum ver nas msicas a palavra "camarada" e se o jogador chamado de camarada, porque com certeza no seu inimigo.

    04 LUTA MORTAL

    Os golpes da Capoeira podem ser mortais se no forem bem aplicados, com destreza, sabedoria e habilidade. Golpes como meia-lua de compasso, a cabeada, a ponteira, o a, o rabo-de-arraia, o martelo, a chapa de frente, o piso, a tesoura de tronco, o salto mortal e o martelo rodado so fatais se acertarem o parceiro de jogo. Os capoeiristas, no princpio do sculo XIX passaram a ser muito temidos, pois, alm da fora empregada nos golpes da luta, eles usavam navalhas presas entre os dedos dos ps, com o fio voltado para o alvo do golpe, ou seja, o corpo do adversrio. Antes, os capoeiristas se aliavam a polticos e formavam bandos para promover desordens em comcios de adversrios de outros partidos ou para fazer arruaas em pontos isolados da cidade para que a polcia se dirigisse l enquanto outros desordeiros se organizavam ou se reuniam em locais pblicos.

    05 DANA E BRINCADEIRA

    Hoje encontramos escolas - "Academias de Capoeira" - onde os mestres formam seus discpulos. A luta transformada num divertimento passou a ser o prprio divertimento em si, a vadiao como se diz. Vadiar numa roda de Capoeira o sonho de todo capoeirista. Ao som de berimbaus, pandeiros, caxixis e atabaques, os "capoeiristas" batem palmas e cantam. Formam um semicrculo e, dois a dois, entram na roda para vadiar, ou para jogar a Capoeira. Maneios de corpo, ginga, rasteira, rabo-de-arraia, bno de peito, armada, queixada... golpes e contra-golpes ritmados e rpidos, embalados pela msica e pelas palmas. uma dana. Mas, cuidado! A brincadeira pode acabar e a luta de verdade comear. Com a Capoeira no se brinca nem na hora da brincadeira.

    06 PRTICA DA CAPOEIRA

    A Capoeira dispensa qualquer tipo de ginstica ou condicionamento fsico para seus praticantes por ser ela um esporte completo, que trabalha o corpo desde a parte muscular at a parte mental e espiritual do ser humano. Suas bases so movimentos altamente flexibilizantes, tonificantes e alongadios. Ainda h muito que ser pesquisado sobre as movimentaes da Capoeira mas, do j se sabe, os mestres definem que o equilbrio mental e corporal o que sustenta a prtica dos movimentos de um bom jogador de Capoeira. A Capoeira a arte de lutar sorrindo, onde os jogadores so um como o espelho do outro. Praticar a Capoeira um prazer que cada vez mais pessoas esto descobrindo e levando a srio.

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    07 A APRESENTAO DOS CAPOEIRISTAS

    Um bom capoeirista deve se apresentar para a prtica do esporte vestido com seu "abad", ou seja, cala de helanca branca e camisa regata de malha branca, contendo estampado na frente e nas costas o smbolo ou escudo do grupo ou associao ao qual representa. Um abad completo consta de: cala de helanca branca, camiseta regata ou olmpica branca, corda, cordo ou cordel, que representam a graduao do atleta, proteo para os ps, tornozelos, punhos e joelhos, que so opcionais e os capoeiristas devem estar descalos. H uma diferena entre a apresentao de um capoeirista regional e um angoleiro. Ainda hoje, os capoeiristas que praticam e cultuam o jogo de Angola, fiis ao ritual antigo, se vestem de terno de puro linho branco, camisa de seda pura, leno no pescoo, chapu de Panam, sapato lustrado e meia.

    08 A CONCENTRAO MENTAL

    O capoeirista medita em movimento. Ele conta com o apoio de todos os santos que conhecem e confiam. Antes de sair para o jogo, o capoeirista agacha ao p do berimbau e reza pela proteo, se benze e pede aos velhos mestres que o protejam. E o capoeirista pula e rodopia, faz misura, enfeita o jogo, faz que vai e no vai e quando menos se espera... ele j foi. Embalados pelo som dos berimbaus, pandeiros e atabaque, os capoeiristas se entregam ao jogo como se um "esprito brincalho" tomasse conta de seus corpos. O som da Capoeira embala, encanta, enfeitia os jogadores e a platia, que se prendem ao jogo com a mxima ateno e concentrao. A Capoeira uma espcie de dana mgica que toma conta da gente sem a gente perceber ou querer. O escritor brasileiro Dias Gomes, em uma de suas muitas crnicas, disse o seguinte: "Capoeira dana de gladiadores e luta de bailarinos, disputa, simbiose perfeita de fora, ritmo, poesia e agilidade. Acima de tudo e do esprito da luta, h no capoeirista um sentimento puro de beleza. O Capoeira um artista, um atleta, um jogador e um poeta."

    09 O QUE SER CAPOEIRISTA?

    Ser capoeirista muito mais do que aprender a lutar bem. preciso entender as caractersticas da luta e sua origem histrica. Nada foi escrito ou estipulado. Porm, a Capoeira tem as suas regras muito bem definidas e que foram sendo transmitidas oralmente de capoeirista para capoeirista. Nada pode ser inventado na Capoeira posto que ela provm da prtica e no da teoria, apesar de ter alguns princpios tericos, somente podendo ocorrer o aperfeioamento e o desenvolvimento tcnico. Devido sua origem histrica, o capoeirista tem de ser liso, esperto e oportunista, tendo em vista que na Capoeira no h confronto direto nem medio de foras. O que manda a habilidade, a agilidade, a flexibilidade e a malcia do jogador para atacar e se defender de seu adversrio com a mesma rapidez usando todos os recursos que tiver. Fora da roda de Capoeira, a defesa da liberdade em todos os sentidos, a honestidade consigo mesmo e com os outros, o respeito tanto ao fraco tanto quanto ao forte devem orientar a sua vida.

    10 GRADUAO

    Originalmente, no havia graduao na Capoeira. O prprio Mestre Bimba, somente quando considerava um aluno sabedor do que lhe fora ensinado, que o considerava formado e, seguindo uma tradio, dava-lhe um leno de seda azul que deveria ser usado amarrado ao pescoo sempre e somente quando o capoeirista ia para a roda jogar. Atualmente, a graduao usada para distinguir as vrias fases do aprendizado do aluno, sendo que cada grupo ou associao adota o critrio e as cores que mais lhe convierem seguindo suas preferncias em fitas, cordis, cordas, faixas ou lenos de seda em conformidade com o sistema de cores da Bandeira Nacional, das religies Afro do Candombl, dos elementos da natureza (fauna, flora, etc.).

    11 IMPORTNCIA DA VISO E INTUIO

    O capoeirista deve possuir tima viso, bom golpe de vista e uma viso perifrica bastante abrangente. O golpe de vista d ao capoeirista em apenas um segundo a viso perfeita e segura do ambiente que o cerca, das pessoas que o cercam, dos ataques que se pode aplicar nas horas certas e

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    das defesas que pode fazer. A viso perifrica permite que o capoeirista perceba o ambiente sem descuidar ou desviar a ateno durante o jogo j que o mnimo descuido pode lhe ser fatal. Pela viso global, o capoeirista sabe de todas as pretenses de seu adversrio sem fixar o olhar diretamente no parceiro, no deixando que este conhea seu jogo e se apodere do ambiente. Pela intuio, o capoeirista deve pressentir de longe o golpe de seu parceiro e livrar-se dele oportuna e instintivamente. A percepo clara, reta e imediata do ataque e da defesa, estando no seu subconsciente, um reflexo condicionado que proporciona rapidez aos golpes e flexibilidade s defesas dando mais agilidade ao jogo.

    12 DESENVOLVIMENTO FSICO

    Ter um corpo bem estruturado o princpio de toda pessoa que se empenha na prtica do esporte. Na Capoeira, a formao fsica evidente, sendo que todo movimento que o capoeirista desenvolve tambm desenvolve seus msculos e principalmente suas articulaes, dando-lhe muito mais vigor fsico e mais maleabilidade. Outro ponto importante que muito evidenciado na Capoeira a respirao, ou seja, o flego do capoeirista. Isto se deve ao grande esforo fsico desempenhado durante o jogo. Para ter um flego bom, e portanto um bom preparo fsico para executar com eficincia os movimentos da Capoeira, o capoeirista deve ser uma pessoa sem vcios, principalmente da bebida, das drogas e do cigarro. Alm disso, o capoeirista deve ser assduo na freqncia das aulas e praticar com xito todos os exerccios ensinados por seu professor.

    13 FLEXIBILIDADE, AGILIDADE E EQUILBRIO

    Possuir flexibilidade de articulao, ao que Mestre Bimba chamava de "ter junta", um elemento de grande importncia, no s para se desviar dos golpes, como tambm para aplic-los com eficincia. Ter molejo no corpo, jogo de cintura, ginga macia so termos que muitos mestres empregam para incentivar aos seus alunos a praticar os exerccios de flexibilizao do corpo. Um capoeirista que tem um bom jogo de cintura se sai muito melhor no jogo e seus movimentos so melhores executados, ou seja, se destaca na roda. Faz um jogo bonito tanto na Capoeira Angola quanto na Regional. A agilidade exerce um relevante papel na Capoeira. O capoeirista gil desvia-se em tempo oportuno dos golpes do adversrio e no se deixa prender em nenhum deles. Caso fique preso em um golpe, ainda a agilidade que o capacita a se livrar aplicando a seu adversrio golpes imprevistos e rpidos que no dem tempo para o adversrio evit-los. O equilbrio outra qualidade indispensvel para o capoeirista negacear, deferir os golpes ou se desviar deles. O praticante da Capoeira deve explorar de forma irrestrita estas qualidades, ou seja, a agilidade e o equilbrio, empenhando-se sempre nos exerccios que buscam desenvolver estas habilidades. Mas, e quando entra no treinamento uma roda de cadeiras? O uso de obstculos para desenvolver o golpe de vista e segurana dos movimentos da Capoeira j prtica antiga, defendida e tambm usada por Mestre Pastinha e outros mestres mais. Pastinha disse: - "Eu no inventei o uso das cadeiras, eu vi e achei bom. O crculo das cadeiras bom para aprender o jogo de dentro". Pastinha ainda acentua a importncia da proximidade dos parceiros no jogo da Capoeira. Os antigos mestres usavam obstculos como a roda de cadeiras, de mesas ou das duas juntas para desenvolver a agilidade e o golpe de vista de seus alunos, o que indispensvel na prtica da Capoeira, principalmente no jogo de dentro, que simula a luta com arma branca. A referncia de Pastinha ao uso pelo seu mestre de cadeiras para delimitar o ambiente de treino importante porque revela a preocupao desde os tempos antigos com a noo espacial da localizao do capoeirista dentro do ambiente em que se desenvolve o jogo. Trata-se do meio de treinar o sexto sentido, de modo a evitar os acidentes de choque dos jogadores com o povo que est assistindo. Desenvolve-se ainda um sentido de presena de obstculos volta do jogador, e isso extremamente importante na avaliao da oportunidade de lanar um ataque ou durante uma esquiva. Psicologicamente, muito importante a sensao de segurana e autoconfiana. O treino individual em rea delimitada por quatro cadeiras simulando quatro adversrios obriga o praticante a desenvolver um senso especial de obstculos e uma avaliao de distncia que lhe so de grande utilizao no jogo, na luta e na vida prtica. Na dcada dos anos quarenta, depois de aulas e treinos curriculares, o grupo de alunos do Mestre Bimba permanecia na academia para um treino de briga em ambiente fechado, sempre com o uso de uma arma branca (navalha, faco, faca ou cacete de madeira). Treinar com a luz apagada, com cadeiras, bancos e mesas espalhados pela sala, onde estejam no mximo cinco jogadores, excelente para a apurao dos reflexos, o que leva ao no acontecimento de acidentes graves ou leses durante um jogo, pela predominncia da esquiva sobre o ataque.

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    14 DESENVOLVIMENTO MENTAL

    Pontos bsicos:

    I - CAPACIDADE DE OPINIO: importantssimo que um capoeirista tenha opinio prpria formada. Isto significa que, ao entrar numa roda, mesmo que seu mestre esteja junto dele, o aluno tem que ter opinio para tomar ele prprio a iniciativa do jogo e no ficar esperando que seu mestre "o empurre" para o jogo ou que outro capoeirista o chame.

    II - RAPIDEZ DE PENSAMENTO: Um bom Capoeira deve ser rpido ao pensar. Porm, deve pensar direito. Mas, como conseguir isso? Pensar rpido e a contento de suas atitudes quase impossvel. Porm, se a imaginao for desde cedo bem trabalhada, o capoeirista consegue pensar mais rpido do que seu adversrio e com isso consegue ser mais rpido na aplicao do golpe. Rapidez de pensamento quer dizer, acima de tudo, ateno.

    III - CONTROLE EMOCIONAL: importante que o capoeirista controle ao mximo as suas emoes, seja frio e calculista, desde que estes estados de esprito sejam usados somente para o jogo. fcil fazer isto. Basta que o mestre faa desde o incio um trabalho de exerccios mentais com seus alunos, ensinando-os a serem comedidos e frios sem serem mesquinhos e ruins e, principalmente, sem serem violentos.

    IV - CONTROLE RACIONAL: O capoeirista deve raciocinar dentro da roda durante o jogo. Deve ter controle absoluto sobre seus movimentos e deve tentar ao mximo controlar os movimentos de seu adversrio, fazendo com que ele jogue o seu estilo de jogo e que aplique os golpes de acordo com os que so aplicados por voc.

    15 MESTRE PASTINHA (CAPOEIRA ANGOLA)

    Nasceu em 1889, filho do espanhol Jos Seor Pastinha e de Dona Maria Eugnia Ferreira. Seu pai era um comerciante, dono de um pequeno armazm no Centro Histrico de Salvador e sua me, com a qual ele teve pouco contato, era uma negra natural de Santo Amaro da Purificao e que vivia de vender acaraj e de lavar roupa para famlias mais abastadas da capital baiana. Menino ainda, Pastinha conheceu a arte da capoeira com apenas 8 anos de idade, quando um africano que chamava carinhosamente de Tio Benedito, ao ver o menino pequeno e magrelo apanhar de um garoto mais velho resolveu ensinar-lhe a arte da capoeira. Durante trs anos, Pastinha passou tardes inteiras num velho sobrado da rua do Tijolo em Salvador, treinando golpes como meia-lua, rasteira, rabo de arraia e outros. Ali ele aprendeu a jogar com a vida e a ser um vencedor. Viveu uma infncia feliz, porm, modesta. Durante as manhs freqentava aulas no Liceu de Artes e Ofcio, onde tambm aprendeu pintura. tarde, empinava pipa e jogava capoeira. Aos treze anos era o moleque mais respeitado e temido do bairro. Mais tarde, foi matriculado na Escola de Aprendizes Marinheiros por seu pai, que no concordava muito com a vadiagem do moleque. Conheceu os segredos do mar e ensinou aos colegas as manhas da capoeira. Aos 21 anos voltou para o centro histrico, deixando a Marinha para se dedicar pintura e exercer o ofcio de pintor profissional. Suas horas de folga eram dedicadas prtica ca capoeira, cujos treinos eram feitos s escondidas, pois no incio do sculo esta luta era crime previsto no cdigo penal da repblica. Em fevereiro de 1941, fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola, no casaro nmero 19 do Largo do Pelourinho. Esta foi sua primeira academia-escola de capoeira. Disciplina e organizao eram regras bsicas na escola de Pastinha e seus alunos sempre usavam calas pretas e camisas amarelas, cores do Ypiranga Futebol Clube, time do corao de Pastinha. Mestre Pastinha viajou boa parte do mundo levando a capoeira para representar o Brasil em vrios festivais de arte negra. Ele usava todos os seus talentos para valorizar a arte da capoeira. Fazia versos e chegou a escrever um livro, Capoeira Angola, publicado em 1964, pela Grfica Loreto. Pastinha trabalhou muito em prol da capoeira, divulgou a arte o quanto lhe foi possvel e foi reconhecido por muitos famosos que se maravilhavam com suas exibies. Aos 84 anos e muito debilitado fisicamente, deixou a antiga sede da academia para morar num quartinho velho do Pelourinho, com sua segunda esposa, Dona Maria Romlia e a nica renda financeira que tinha era a

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    das vendas dos acarajs que sua esposa vendia . No dia 12 de abril de 1981, Pastinha participou do ltimo jogo de sua vida. Desta vez, com a prpria morte. Ele, que tantas vezes jogou com a vida, acabou derrotado pela doena e pela misria. Mestre Pastinha morreu aos 92 anos, numa sexta-feira, 13 de novembro de 1981, no abrigo D. Pedro II em Salvador. Estava cego e paraltico.

    16 MESTRE BIMBA (CAPOEIRA REGIONAL)

    Manoel dos Reis Machado era filho de Luiz Cndido Machado e de Dona Maria Martinha do Bonfim, nasceu dia 23 de novembro de 1899, no bairro do Engenho Velho em Salvador/BA, lado da Freguesia. Seu apelido - BIMBA - resultou de uma aposta da parteira com a sua me, pois Dona Martinha acreditava que daria luz uma menina e a parteira dizia que seria menino. A parteira ganhou a aposta e o pequeno Manoel recebeu o apelido de Bimba, por ser este o nome popular dado ao rgo sexual do homem na Bahia, referindo-se s crianas. Comeou na arte da capoeira com menos de 12 anos, tendo por mestre e professor um negro africano chamado Bentinho, que era capito da Companhia Baiana de Navegao. Seu aprendizado com Bentinho durou cerca de quatro anos e aps este perodo passou a ensinar o que aprendeu e lecionava Capoeira Angola na Capitania dos Portos da Bahia. Bimba fez por mais de dez anos. Mestre Bimba fundiu a Capoeira Angola com o Batuque, um tipo de luta que aprendeu com seu pai, que era campeo absoluto na Bahia, dando-lhe uma roupagem nova, um novo estilo, tornando-a mais rpida e gil. Este novo estilo foi chamado Luta Regional Baiana, por ser praticado, na poca, somente na regio de Salvador e mais tarde, j em franca expanso foi chamado de Capoeira Regional. Em 1932, fundou sua primeira academia-escola de Capoeira Regional no Engenho de Brotas em Salvador. Era o Centro Cultural Fsico Regional Baiano. A partir da, Mestre Bimba comeou a ser conhecido e a ficar famoso e ganhou dentre muitos o ttulo "Pai da Capoeira Moderna". S em 1937 obteve o registro de sua academia junto Secretaria de Educao, Sade e Assistncia Pblica de Salvador e em 1942 fundou sua segunda academia no Terreiro de Jesus - Rua das Laranjeiras, hoje rua Francisco Muniz Barreto, 1, onde continua funcionando, sob a direo de seu ex-aluno Vermelho-27. Trado por falsas promessas do governo, falta de apoio e dificuldades financeiras, Mestre Bimba morreu em 15 de fevereiro de 1974, no Hospital das Clnicas de Goinia, vtima de Derrame Cerebral. H relatos de sua famlia que Mestre Bimba teria morrido no no dia 15 e sim no dia 05. Mestre Bimba foi carvoeiro, doqueiro, trapicheiro, carpinteiro, mas principalmente, capoeirista, MESTRE DE CAPOEIRA e a chama de sua existncia estar sempre acesa no corao e na mente de todos os capoeiristas regionais, recebendo assim o reconhecimento de vrias geraes e a consagrao de sua genialidade e da sua mais conhecida criao, a CAPOEIRA.

    ALGUMAS CRIAES DE MESTRE BIMBA:

    1) Capoeira Regional: consistia de 52 golpes. 2) Mtodo de Ensino: Seqncia de Bimba que consiste em 8 seqncias de ataque e defesa para

    serem executados na roda. 3) Seqncia de Cintura Desprezada, que uma srie de bales cinturados, que os alunos s podiam

    jogar depois de formados, ao toque de iuna. 4) Batizado de Capoeira, um ritual onde o aluno iniciado na capoeira recebendo um apelido e sua

    primeira graduao. 5) Graduao na Capoeira, que consistia em 4 lenos de esguio de seda:

    a) 1 leno cor azul Aluno Formado b) 2 leno cor vermelho Aluno Formado e Especializado c) 3 leno cor amarelo Curso de Armas d) 4 leno cor branco Mestre de Capoeira

    17 SEQUNCIA DE MESTRE BIMBA

    As seqncias devem ser feitas, a partir da ginga bsica, em ritmo rpido (So Bento Grande, capoeira regional), apesar de poder ser tambm em ritmo lento, at que o iniciante as memorize, para execut-las sem titubear, naturalmente.

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    Jogador 1 meia-lua de frente meia-lua de frente bno a 1 Seqncia

    Jogador 2 cocorinha cocorinha bno a rol

    Jogador 1 martelo cocorinha bno a rol 2 Seqncia

    Jogador 2 rasteira armada negativa cabeada Jogador 1 queixada cocorinha bno a rol

    3 Seqncia Jogador 2 cocorinha armada negativa cabeada

    Jogador 1 godeme godeme arrasto a rol 4 Seqncia

    Jogador 2 godeme galopante negativa cabeada

    Jogador 1 Arpo de cabea joelhada A role 5 Seqncia

    Jogador 2 cabeada negativa Cabeada

    Jogador 1 meia lua do compasso cocorinha joelhada lateral a role 6 Seqncia

    Jogador 2 cocorinha meia lua do compasso negativa cabeada

    Jogador 1 armada cocorinha bno a rol 7 Seqncia

    Jogador 2 cocorinha armada negativa cabeada

    Jogador 1 beno a rol 8 Seqncia

    Jogador 2 negativa cabeada

    18 EVENTOS DE CAPOEIRA

    So festas preparadas para reunir os alunos e mestres de vrios grupos, associaes e entidades ligadas arte. Entre os muitos eventos ligados arte da Capoeira, alguns mais importantes:

    BATIZADO O batizado de Capoeira uma festa realizada especialmente para os alunos. Para tanto, so convidados pelo grupo organizador vrios mestres, instrutores e professores com seus respectivos alunos representando seus grupos ou associaes. A associao ou grupo que promove um batizado, faz a festa para os seus alunos que recebero graduao e que posteriormente sero batizados. Para esta festa realmente acontecer com tudo que tem direito, so programadas apresentaes de Maculel, Samba de Roda, Roda de Mestres (jogo de Ina), roda s para mulheres, roda de crianas, a entrega das graduaes propriamente dita e um rodo livre para todos jogarem. Depois disso tudo, realiza-se um almoo, lanche ou algo parecido, muito bem aceito por todos. O batizado de Capoeira um evento dispendioso e que requer uma boa organizao e uma boa programao de atraes. Alm disso, os organizadores tm que preparar o local onde se realizar o evento, hospedagem para os mestres e contra-mestres convidados, alojamento para os demais integrantes das associaes e grupos convidados, refeio para todos aps as atividades, confeco dos convites, despesas de envio pelo correio, propagandas, etc., e, para tanto, preciso batalhar por patrocnio de empresas que se interessam pela divulgao da arte e do esporte Capoeira. Realizao parte, falemos do aluno. Para que o aluno seja batizado, no basta apenas que ele receba a graduao das mos de seu mestre ou de seu padrinho ou madrinha. Ele ser realmente batizado quando um mestre ou contra-mestre convidado jogar com ele e derrub-lo ao cho.

    ENCONTRO Realizar um encontro de Capoeira uma tarefa que exige habilidade e muita queda de cintura. O encontro de Capoeira um evento onde se renem mestres, contra mestres, professores de arte, interessados pelo assunto, personalidades do mundo da Capoeira, alunos e todo tipo de pessoa que se interesse pelo assunto. No encontro se pratica a informao, ou seja, discute-se e estuda-se a arte da Capoeira, o seu desenvolvimento e seu futuro, os rumos a serem tomados, as novas formas de ensinamento, etc. Tambm num encontro, se realizaro inmeras rodas de jogo, faz-se avaliaes entre os muitos grupos convidados etc. As providncias a serem tomadas para a realizao do encontro so as mesmas do batizado, que no deixa de ser uma espcie de encontro.

    GRADUAO Graduar um aluno da Capoeira no somente colocar uma corda, cordel ou cordo na sua cintura e solt-lo numa roda merc de quem queira derrub-lo. At chegar a merecer uma graduao, o aluno passa por um rigoroso aprendizado e por um longo tempo de treinamento. Nunca haver um capoeirista que dir: - Eu peguei minha primeira graduao com menos de um ano de academia e

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    treinamento! Se isso acontecer, quem escutar pode estar certo de que est acontecendo trs coisas: ou o aluno muito conversado e gosta de se exibir; ou o mestre que deu a graduao um mestre de "araque"; ou ainda, por melhor que seja o aluno, nunca o mestre poder dar a ele uma graduao por menor ou seja com menos de seis meses de prtica.

    19 - INSTRUMENTOS MUSICAIS DA CAPOEIRA

    BERIMBAU - talvez um dos instrumentos musicais mais primitivos de que se tem informao. Considerado instrumento de corda e encontrado em vrias culturas do mundo, inclusive no Novo Mxico (USA), Patagnia, frica Central, frica do Sul e Brasil. Em geral, o berimbau constitudo de um pedao de madeira rolio (pau-pereira, aricanga, biriba) ou qualquer outra madeira flexvel, tensionado por um fio de arame de ao bem esticado, que lhe d a forma de um arco, contm um tipo de caixa de ressonncia que, na verdade, uma cabaa ou um coit cortado no fundo e raspado por dentro para ficar oco e com o som bem puro. tocadas a rpidas batidas de uma pequena vareta na corda de arame que vez por outra presa pelo dobro (moeda antiga de cobre ou uma pequena pedra de fundo de rio), acompanhada por um caxixi, que nada mais que uma espcie de chocalho feito de vime e cheio de contas de lgrima (semente) ou conchas do mar bem pequenas. Este caxixi preso por uma ala ao dedo do tocador e faz um "fundo" de acompanhamento ao som da cabaa. No Brasil, o berimbau chegou pelas mos dos escravos africanos que vieram para c traficados para servios pesados nos engenhos, isto por volta do ano de 1538, sculo XVI, portanto.

    O berimbau tambm chamado por outros nomes como urucungo, puta, quijenge, geguer, quibundo, umbundo, dentre outros. Estes nomes so derivados de palavras vindas do dialeto Bantu, correspondente aos pases de Angola, Moambique, Congo, Zaire e outros, mas alguns desses nomes aqui no Brasil se destinaram a designar outros instrumentos. Por exemplo: a puta a nossa tradicional cuca, feita de madeira e couro e com formato sextavado; o quijenge o atabaque feito de madeira de lei e couro, de forma cilndrica. O berimbau que conhecemos mais popularmente o que normalmente feito de madeira ou bambu e que se compe de sete partes distintas, ou seja: vrga, cabaa, corda, caxixi, dobro, baqueta e amarrao da cabaa.

    a) BERIMBAU DE BARRIGA - o berimbau comum que conhecemos. Porm, poucas pessoas sabem que ele tambm se chama berimbau de barriga por ser encostado ao abdomem da pessoa, ou seja na barriga do tocador.

    b) BERIMBAU DE BEIO OU DE BOCA - Tambm conhecido como "marimbau" ou "marimba", um pequeno instrumento de metal arqueado em forma de diapaso sem cabo, que os escravos usavam preso aos dentes, com os quais faziam soar as pontas do metal. O formato de diapaso sem cabo semelhante a um grampo de cabelo, porm um pouco maior. A caixa de ressonncia a prpria boca do tocador.

    Atualmente, o berimbau de boca no mais usado, apesar de alguns mestres antigos, especialmente de Capoeira Angola ainda saberem toc-lo. uma pea rarssima, encontrada mais possivelmente em museus.

    c) GUNGA, MDIO E VIOLA - A afinao d o nome ao berimbau. de acordo com a afinao da corda e o tamanho da cabaa que se chama o Gunga que tem o som mais grave e que faz a marcao do toque, tem uma cabaa maior e raramente executa uma virada durante a melodia; o Mdio tem um som regulado entre o grave do Gunga e o agudo do Violinha, tem uma afinao mediana que permite ao tocador executar a melodia fazendo o solo da msica. permitido ao tocador de um mdio a execuo de algumas viradas e alguns toques de repique. Porm, com moderao, para no abafar o Violinha e nem destoar do Gunga, pois o mdio que faz o apoio

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    ao som do Gunga e a base do som do Violinha ele que determina o toque que ser feito para o jogo; o Violinha tem uma cabaa pequena e bem raspada por dentro para ficar bem fina, tem um som agudo e faz apenas o papel de executar as viradas e floreios dentro da melodia. Seu som baseado ao som mdio e do Gunga ao mesmo tempo, o Violinha que "enfeita" a msica da roda. Um bom Capoeira "obrigado" a saber tocar os trs tipos de berimbau e executar suas viradas quando possvel. o tocador do mdio que ordena o toque e d a senha para a sada do jogo. Numa roda de Capoeira quando o jogo de Angola, usa-se o trio completo de berimbaus, juntamente com o atabaque e dois pandeiros. ao p do berimbau mdio, que fica no centro do trio que o Capoeira se benze e espera agachado a senha para comear, ou para sair do jogo.

    ATABAQUE - Instrumento de origem rabe, que foi introduzido na frica por mercadores que entravam no continente atravs dos pases do norte, como o Egito. geralmente feito de madeira de lei como o jacarand, cedro ou mogno cortada em ripas largas e presas umas s outras com arcos de ferro de diferentes dimetros que, de baixo para cima do ao instrumento uma forma cnico-cilndrica, na parte superior, a mais larga, so colocadas "travas" que prendem um pedao de couro de boi bem curtido e muito bem esticado. o atabaque que marca o ritmo das batidas do jogo. Juntamente com o pandeiro ele que acompanha o solo do berimbau.

    PANDEIRO - Instrumento de percusso, de origem indiana, feito de couro de cabra e madeira, de forma arredondada, foi introduzido no Brasil pelos portugueses, que o usavam para acompanhar as procisses religiosas que faziam. o som cadenciado do pandeiro que acompanha o som do caxixi do berimbau, dando "molejo" ao som da roda. Ao tocador de pandeiro permitido executar floreios e viradas para enfeitar a msica.

    RECO-RECO - Instrumento de percusso composto de uma espcie de cano de metal, coberto por duas ou trs molas de ao, levemente esticadas e, que para produzirem o som so friccionadas por um "palito" comprido de metal, um ferrinho. usado em rodas de Capoeira Angola na Bahia, em outros estados seu uso eventual.

    AGOG - Instrumento de origem africana composto de um pequeno arco, uma ala de metal com um cone metlico em cada uma das pontas, estes cones so de tamanhos diferentes, portanto produzindo sons diferentes que tambm so produzidos com o auxlio de um ferrinho que batido nos cones. Tambm faz parte da "BATERIA" da roda de Capoeira Angola na Bahia.

    "EVENTUAL" VIOLO - normalmente usado em gravaes de msicas de Capoeira em discos, CD's e fitas. Na roda muito difcil ver um violo acompanhando a msica. Em uma das poucas vezes que tive oportunidade de ouvir um violo tocar em conjunto com berimbaus, atabaques e pandeiros foi numa gravao do Mestre Mestrinho do grupo de Capoeira Ina, na msica "Lamento de um Berimbau", na verdade, no era bem um violo com afinao clssica que proporcionou um efeito sonoro de extremo bom gosto.

    PALMAS DE MADEIRA - comum ver nas rodas de Capoeira, todos os participantes batendo palmas para acompanhar a msica e dar mais calor ao jogo. Normalmente, se bate palmas com as mos, o lgico! Mas, voc j pensou num tipo de palmas de madeira que se usa at hoje em muitas rodas de Capoeira? isso mesmo. So pequenos pedaos de tbua bem lixada e fina, porm, de madeira pura, que no racha fcil. Nestes pedaos de tbua so colocados tiras de couro para que se possa pass-lo por cima das mos, deixando a parte de tbua embaixo da palma da mo. O efeito sonoro destas palmas de madeira algo incrvel, d um barulho quase ensurdecedor na roda e incentiva mais os jogadores e a platia. Alm do que, evita aqueles calos doloridos na palma das mos.

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    20 - VARIAES DO TOQUE DO BERIMBAU

    As variaes musicais do berimbau so os vrios toques executados pelo tocador para definir o tipo de jogo que ser feito na roda. Um bom capoeirista deve, ou melhor, tem obrigao, saber o maior nmero de toques, bem como o significado e o tipo de jogo praticado em cada um desses toques. Estes so os toques mais usados, cada um deles tem um significado. Vejamos:

    1) TOQUE DE ANGOLA: o toque especfico do jogo de Angola. um toque lento, cadenciado, bem batido no atabaque, tem um sentido triste. feito para o jogo de dentro, jogo baixo, perigoso, rente ao cho, bem devagar.

    2) ANGOLINHA: uma variao pouco mais rpida do toque de angola, serve para aumentar o ritmo quando vai mudar o jogo.

    3) SO BENTO PEQUENO: o toque para jogo solto, ligeiro, gil, jogo de exibio tcnica. Tambm conhecida como ANGOLA INVERTIDA.

    4) SO BENTO GRANDE: o toque mais original da Capoeira Regional. muito usado em apresentaes pblicas, rodas de rua, batizados e outros eventos e tambm nas rodas tcnicas das academias para testar o nvel de agilidade dos alunos.

    5) TOQUE DE INA: usado apenas para o jogo dos mestres. Neste toque, aluno platia, no joga nem bate palmas, jogam apenas os mestres. No toque de Ina no h canto.

    6) LAMENTO: o toque fnebre da Capoeira. Usado apenas em funerais de mestres.

    7) AMAZONAS: o toque festivo, usado para saudar mestres visitantes de outros lugares e seus respectivos alunos. usado em batizados e encontros.

    8) CAVALARIA: o toque de alerta mximo ao capoeirista. usado para avisar o perigo no jogo, a violncia e a discrdia na roda. Na poca da escravido, era usada para avisar aos negros Capoeiras da chegada do feitor e na Repblica, quando a Capoeira foi proibida, os capoeiristas usavam a "cavalaria" para avisar da chegada da polcia montada, ou seja, da cavalaria.

    9) SANTA MARIA: o toque usado quando o jogador coloca a navalha no p ou na mo. Incita o jogo mas no incentiva a violncia.

    10) BENGUELA: o mais lento toque de Capoeira regional, usado para acalmar os nimos dos jogadores quando o combate aperta. Em seu incio, era tocado com apenas um berimbau. Atualmente, se usa trs.

    11) MACULEL: o toque usado para a "Dana do Maculel", ou para o jogo do porrete, faca ou faco.

    12) IDALINA: um toque lento, mas de batida forte, que tambm usado para o jogo de faca ou faco.

    13) SO BENTO GRANDE DE BIMBA: Como o nome j diz, o toque de Bimba, pois um tipo de variao diferente que mestre Bimba criou em cima do toque original de So Bento Grande. o hino da Capoeira Regional Baiana.

    14) SAMBA DE RODA: o toque original da roda de samba, geralmente feita depois da roda de Capoeira, para descansar e descontrair o ambiente. no Samba de Roda que o Capoeira mostra que bom de samba, bom de cintura e bom de olho em sua companheira.

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    Outros toques que no foram citados so toques mais usados para florear, enfeitar o jogo, dar andamento roda, geralmente so usados em eventos e festas de Capoeira para esticar a durao do jogo quando se preparam outras atraes durante o acontecimento da roda. essencial a um bom Capoeira que ele domine com perfeio todos os toques que conseguir e que pratique o ritmo dos trs berimbaus ou seja, que ele toque o Gunga to bem quanto o Mdio e este to bem quanto o Violinha.

    21 VARIAES MUSICAIS DA CAPOEIRA

    A prtica da Capoeira est intimamente ligada msica, por ser esta uma arte completa que envolve o desenvolvimento fsico e as aptides artsticas de seus praticantes. A Capoeira desenvolve-se ao som de uma "orquestra" muito particular e peculiar por natureza. Esta orquestra composta de um atabaque, dois pandeiros e de um a trs berimbaus e, so estes instrumentos que acompanham as "cantorias da roda". Dentre os vrios tipos de "cntigos" de uma roda de Capoeira, destacamos:

    CHULA uma cantiga curta, normalmente feita de improviso que faz apresentao ou identificao. entoada pelo cantador para fazer a abertura de sua composio. Normalmente faz uma louvao aos seus mestres s suas origens ou cidade em que nasceu ou est no momento, pode ainda fazer culto fatos histricos, lendas ou algum outro no momento, pode ainda fazer culto a fatos histricos, lendas ou algum outro elemento cultural que diga respeito roda de Capoeira. comum aos cantadores da roda usarem a chula como introduo para as corridos e ladainhas e, durante a mesma sugerido um refro para o coro cantar.

    CORRIDO Como o prprio nome j sugere, uma cantiga que "acelera" o ritmo e que se caracteriza pela juno do verso do cantador com as frases do refro repetido pelo coro total ou parcialmente, dependendo do tempo que o cantador d entre os versos que canta. O cantador faz versos curtos e simples que so toda hora repetidos e o conjunto deles usado como refro pelo cro. O texto cantado pode ser retirado de uma quadra, de uma ladainha ou de uma chula ou ainda de cenas da vida cotidiana, de um passado histrico ou simplesmente da imaginao do cantador. Geralmente, o ocorrido cantado nos toques de So Bento Grande, Cavalaria, Amazonas, So Bento Pequeno, sempre em toques mais acelerados.

    QUADRA o que o nome diz, uma quadra. A quadra uma estrofe curta de apenas quatro versos simples, cujo contedo pode variar de acordo com a criatividade do compositor que pode fazer brincadeiras com sotaque ou comportamento de algum companheiro de jogo, pode fazer advertncias, falar de lendas, fatos histricos ou figuras importantes da Capoeira. Normalmente as quadras terminam com uma chamada ao cro que pode ser: camaradinha, camar, volta do mundo, aruand, I......dentre muitas.

    LADAINHA um ritmo lento, sofrido, dolente, como uma reza, uma orao muito parecida com as que so feitas na Igreja Catlica em louvor ao tero. O contedo de uma ladainha corresponde a uma orao longa e desdobrada pelo cantador em versos entremeados pelo refro repetido pelo cro. As ladainhas , exclusivas do jogo de Angola, so cantadas antes do incio do jogo. Os participantes da roda devem ficar atentos ao cantador, pois na ladainha pode ser feito um desafio e, quando for dada a senha para o incio do jogo qualquer um pode ser chamado neste desafio. Normalmente, depois que a roda acaba, feito um "samba de roda" para acalmar os nimos mais exaltados durante o jogo. O samba de roda tem letra um pouco mais longa do que o corrido e a quadra, mas se compara bem de perto ao contedo de uma chula ou ladainha. Numa roda de Capoeira, apenas uma pessoa canta, o resto do povo responde o cro e bate palmas.

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    22 DESENVOLVIMENTO

    Dos tempos da escravido pr c, muita coisa aconteceu no mundo da Capoeira. Foram crises, proibies, liberaes, perseguies, etc. Atualmente, a Capoeira reconhecida e praticada mundialmente por um nmero incalculvel de pessoas. Porm, existem pontos a serem discutidos e melhor evidenciados. Dentre eles, muitas coisas que as pessoas falam, mas, que at agora, no disseram realmente nada.

    23 CRIME QUE VIROU ESPORTE

    Na poca da escravido a prtica da Capoeira foi perseguida a ferro e fogo. Porm, depois de passado este perodo, a Capoeira ainda continuou a ser alvo de poderosos que tentavam dar-lhe um fim, impondo leis sua prtica. O cdigo penal de 1890, criado durante o governo do Marechal Deodoro da Fonseca, fazia proibio prtica da Capoeira em todo o territrio nacional e, reforado por decretos que impunham penas severas aos capoeiristas, este cdigo s fez aumentar o dio s perseguies dos chefes de polcia que tentavam a todo custo fazer valer a lei contra os capoeiristas. O motivo de tanta perseguio era o que a Capoeira trs em toda a sua essncia, ou seja, a liberdade. Mesmo passando por todas estas provaes, a Capoeira resistiu e se firmou at os dias atuais. De luta proibida antigamente, a Capoeira passou a ser um esporte, ou melhor, o esporte nacional. Genuinamente brasileira, a Capoeira hoje uma "potncia" que d aos seus praticantes mais fiis um meio de vida e sustento, sem luxo nem ostentaes, mas com dignidade e respeito. Do crime reprimido duras penas ao esporte praticado pelo mundo afora, esta a Capoeira, uma herana negra que todo mundo guarda em si como um tesouro invalivel.

    24 FESTA QUE VIROU VIOLNCIA E FEZ POLTICA

    No tempo da Repblica, quando foi proibida, a Capoeira se fez transformar em crime e o crime gera a violncia. Nesta poca, os capoeiristas eram considerados marginais e, para dar continuidade prtica proibida, eles se escondiam em barraces das companhias porturias das cidades do Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Os Capoeiras, como eram chamados, se organizavam em bandos e esses bandos eram chamados de "maltas". As maltas de Capoeira saam para enfrentar rivais em festas e datas comemorativas diante das bandas militares e procisses religiosas misturando assim, brincadeira e violncia. Os que eram mais perigosos no se expunham tanto assim, mas eram bons nas lutas de faca, porrete e navalha. propsito, a navalha era uma das armas mais usadas por aqueles que no tinham poder aquisitivo para possuir uma arma de fogo. Elas eram constantemente roubadas das barbearias para uso como arma de luta. Nesta poca, o sistema partidrio poltico era movido corrupo, e para tanto, a Capoeira foi uma ferramenta ideal pois, alm de ser considerada prtica criminosa, os Capoeiras faziam verdadeiras badernas, tornando-se uma valiosa arma entre partidos rivais para que um pudesse destruir o comcio do outro. Para isso, um partido contratava sorrateiramente duas maltas rivais sem que uma soubesse do contrato da outra para que se encontrassem no comcio e a partir da, a confuso estava formada, cabendo polcia, acabar com a festa. Duas das "gangues" mais violentas do Rio de Janeiro, naquela poca, eram as dos Guaiamuns e dos Nagoas, verdadeiras fortalezas em matria de briga de rua e de desordem pblica. A gangue dos Nagoas servia ao Partido Conservador e a dos Guaiamuns, ao Partido Liberal, sendo estes dois os maiores e mais poderosos partidos polticos da poca, imagina-se o resto.

    25 PUNIO

    At ento, a lei punia com penas que variavam de 300 aoites com sal e cachaa mais a ida para o calabouo das prises a quem fosse pego na capoeiragem. Porm, o auge da represso se deu em 1893, quando foi instituda a deportagem dos capoeiras do Rio de Janeiro para a Ilha de Fernando de Noronha onde havia um presdio de trabalhos forados. Na Bahia, a capoeiragem foi desorganizada pela eminncia da Guerra do Paraguai e, todos os que fossem pegos na vadiao da Capoeira eram mandados para a linha de frente da guerra de 1864. As gangues do Recife s foram extintas em 1912 por pura falta de graa para a violncia pois, foi a partir desta data que a Capoeira passou a ser considerada como brincadeira e deu origem ao frevo, como tudo que deixa de ser proibido perde a graa.

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    26 LIBERTAO DE UMA ARTE

    Foi em nome da liberdade para a Capoeira como um todo que a luta continuou e continua at hoje. Mesmo sob o ferro da represso, grandes nomes de capoeiristas clebres passaram para a histria. Entre estes esto nomes que j se foram como Mestre Pastinha, Mestre Bimba, Mestre Gigante, Manduca da Praia, Mestre Leopoldina, Pedro Cobra, Nascimento Grande e Besouro Mangang, que ganhou este apelido devido ao contedo de uma lenda que o cercava e que dizia que quando ele se via cercado por muitos homens armados, ele se transformava num inseto, um besouro gigante e saa voando, deixando todos apavorados com seu sumio. Sem usar armas, a Capoeira bateu-se esse tempo todo contra a injustia que perseguia seus praticantes. Hoje a Capoeira arte, arte livre e pura que trs em seu ntimo a luta de um povo pela prpria liberdade de viver.

    27 VITRIA DE UMA CULTURA

    No Brasil a Capoeira cresce num contexto de conflito no Recncavo Baiano, nas fazendas do Rio de Janeiro e nas serras de Pernambuco. Atravs da saga dos quilombos foram aprimoradas tcnicas de combate, dissimuladas nas senzalas, onde, diante dos olhos do feitor, era praticada a luta em forma de dana. No dia 31 de outubro de 1821, o intendente geral da polcia da corte recebia do prncipe regente, instrues para por fim s desordens provocadas pelos Capoeiras. Com a guerra do Paraguai, estes capoeiristas faziam parte das maltas de Capoeira que promoviam a desordem pblica e atemorizavam os transeuntes, intimidando pessoas pacficas. Cabe destacar que, alm de muitos elementos oriundos de classes mais pobres, muitos rapazes da alta roda da burguesia cultivavam com entusiasmo a prtica da Capoeira que j estava criando razes na sociedade carioca. Em 1890, com o advento da repblica, teve incio uma ferrenha campanha contra a prtica da Capoeira, levando muitos jovens da sociedade a se transformarem em marginais, j que a Capoeira era tida como crime. Devido a tanta proibio foram criados cdigos e estratgias de comunicao atravs dos toque de Cavalaria (a polcia anda a cavalo), ou atravs do toque Amazonas ou de So Bento Grande que dava aviso de rea livre. Toda esta perseguio era na verdade preconceito, racismo e luta de classes, misturados com medo e ignorncia por parte daqueles que se sentiam ameaados com o fortalecimento da cultura afro-brasileira. No entanto, em 1937, o ento presidente Getlio Vargas, revogou a Lei Sampaio Ferraz, liberando a capoeiragem. Isto depois de assistir a uma apresentao de Mestre Bimba e de seus alunos. Esta apresentao deixou Getlio Vargas muito impressionado com a beleza da arte da Capoeira, e dando licena a Mestre Bimba para registrar sua "escola", tornando-se o primeiro a sistematizar o ensino da Capoeira no Brasil. Mestre Bimba introduz inovaes no jogo, golpes e contra-golpes de bateria, o atabaque, o berimbau, o agog, o reco-reco, destituindo do jogo rituais como a ladainha, por exemplo. Era a Capoeira Regional. O estilo Angola resiste e permanece at hoje como a expresso primeira da Capoeira. Comparaes parte, o que importa mesmo a vitria desta cultura to rica e to importante que parte maior da atual cultura brasileira.

    28 VARIEDADE DE GOLPES

    A parte fsica da Capoeira a que faz o espetculo da arte e a que exige mais do aluno capoeirista, afinal a Capoeira feita de golpes e contra-golpes em sua totalidade. Didaticamente, podemos dividir os golpes da Capoeira em trs estilos diferentes, ou seja, em trs grupos:

    GOLPES TRAUMATIZANTES Armada, Bno, Cabeada, Chapa, Chapa de costas, Chapa giratria, Chapa rodada, Chapu de couro, Cutilada, Eclipse, Esporo, Galopante, Gancho, Giro de Costas, Godeme, Joelhada, Martelo, Martelo de cho, Martelo rodado, Meia-lua de frente, Meia-lua solta, Meia-lua de compasso, Parafuso, Ponteira, Queixada, Rabo de arraia e Vo de morcego.

    GOLPES DESEQUILIBRANTES Apanhada, Arqueado, Arrasto , Baianada, Balo cinturado, Balo de lado, Banda, Banda de costas, Banda tranada, Boca de cala, Chibata, Crucifixo, Cruz, Cruzilha, Dentinho, Gira baiana, Giro de cho, Gravata alta, Gravata baixa, Rasteira, Rasteira de mo, Relgio, Tesoura de costas, Tesoura de Frente , Tesoura em uma perna, Tesoura em ambas as pernas e Vingativa.

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    GOLPES MORTAIS So todos estes e mais alguns que por ventura apaream, pois h uma infinidade de golpes na Capoeira. Para que um golpe destes seja mortal, basta que ele seja aplicado com maldade em pontos vitais ou mais sensveis do corpo, como as tmporas, a nuca, o mediano da coluna vertebral, o estmago, os pulmes, o fgado e outros pontos do abdmen ou da cabea. Se mal aplicados, estes golpes ou qualquer outro golpe de Capoeira poder ser mortal ou deixar invlido o capoeirista desatento. Exemplo de um golpe mortal a PONTEIRA, que se for aplicada com maldade e fora na altura do estmago, causa uma hemorragia imediata, sem muito o que se fazer para socorrer a vtima. Outro golpe que pode ser fatal e imediato o MARTELO CINTURADO que acerta, na maioria das vezes, as costelas do adversrio no rumo do bao. Quando acontece um ataque destes, pouco h de se fazer. Geralmente a vtima morre no meio da roda ou at mesmo pode ser atirada para fora da roda, tendo alm do traumatismo fatal no bao, fraturas mltiplas devido queda.

    29 IMPORTNCIA PEDAGGICA

    Numa concepo didtica, consideramos a Capoeira uma atividade fsica completa, pois ela atua de maneira direta e indireta sobre o aspecto cognitivo, afetivo e motor do ser humano. Sendo encarada como ldica instrucional, articula atividades de desenvolvimento visomotor com desenvolvimento artstico e social, levando a criana a estabelecer relaes a partir dela prpria, fato que torna a Capoeira multidirecional, uma vez que permitir, desde que adequadamente conduzida, desenvolver na criana noes de equilbrio fsico juntamente com o equilbrio mental e a disciplina. No que tange a sua articulao s atividades pr-escolares, podemos atravs dela trabalhar contedos que dizem respeito localizao espao-temporal, lateralidade cruzada e domnio da linguagem oral, caracterstica marcante desta arte. Nas sries subseqentes, passar naturalmente a ocorrer a articulao com os contedos de Geografia e Histria, principalmente a Histria do Brasil, intimamente ligada Histria da Capoeira, situando a criana no tempo e no espao que ocupa, haja visto a necessidade de situar seus praticantes no contexto histrico desta arte que, de gerao em gerao, vem se desenvolvendo atravs dos anos. Assim vemos na Capoeira uma fonte inesgotvel de riquezas que, pelas vrias formas de ser ministrada, oferece ao seu praticante atravs de sua prtica bem orientada, aprender a escolher as vrias linhas com as quais mais se identifica, deixar de lado nenhum dos aspectos que abrangem o universo de nossa arte.

    ALGUNS ASPECTOS A SEREM DESTACADOS:

    EDUCAO Como instrumento educacional, a Capoeira contribui muito para o desenvolvimento fsico, intelectual e moral da criana bem como do adolescente e do adulto, visando sempre sua integrao na sociedade como um todo.

    ARTE O aluno ser orientado para dar viso sua criatividade atravs do ritmo, do canto, da msica e da expresso corporal.

    CULTURA Reconhecida como uma das maiores expresses do folclore e das tradies brasileiras, a Capoeira um ponto importante a ser preservado, orientando-se os alunos para apresentaes pblicas, reforando sempre o mrito do ttulo conquistado, ou seja, apresentado aos espectadores a graduao de cada um dos alunos.

    ESPORTE Pode ter uma ateno especial para competies, estabelecendo treinamentos fsicos, tcnicos e especiais. Foi institucionalizada em 1972 pelo Conselho Nacional de Desportos e reconhecida em 1984 pelo Comit Olmpico Brasileiro.

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    SADE A capoeira se constitui em uma poltica de sade pblica, pois somente por meio de uma prtica cultural e fsica, possvel sanar vrios problemas, podendo ser empregada para resgatar queles que j esto doentes, evitando que jovens e crianas enveredem pelo caminho das drogas.

    CIDADANIA A prtica da capoeira difundida no mundo e encontramos, ainda, resistncia em pratic-la, desconhecendo que a atividade pode ser uma alternativa eficaz na melhoria das condies gerais do indivduo, pois contribui para a auto-estima e formao do carter e da personalidade de quem a realiza.

    FILOSOFIA DE VIDA Tornar-se um mestre preocupado em passar seus conhecimentos com alma, mostrando ao aluno que SER mais importante que TER, que DAR-SE mais importante que DAR e que a maior recompensa pelo trabalho a verdadeira conscincia do dever cumprido.

    LUTA Esta uma das caractersticas que possibilitou a sobrevivncia da Capoeira no Brasil. Graas sua eficincia como instrumento de ataque e defesa desde os primeiros momentos de sua criao.

    30 ESCOLA ESPECIAL

    J existem no Brasil vrios mestres de Capoeira que trabalham com crianas especiais, ou seja, trabalham com crianas e adolescentes excepcionais. Jovens e crianas portadoras de deficincia mental e/ou pequenas deficincias fsicas podem praticar a Capoeira, tendo para tanto um mestre especializado neste tipo de trabalho. Muitos portadores da Sndrome de Down, de Paralisia Cerebral de 1 e 2 graus e outros tipos de deficincia que no comprometam 100% do sistema motor da pessoa podem e devem praticar esportes e em especial a Capoeira e a natao que possibilitam uma reabilitao muito mais rpida e eficiente das deficincias, melhorando muito o desenvolvimento desta pessoa. emocionante ver (pela televiso) algumas crianas portadoras da Sndrome de Down formando a roda, tocando pandeiro e jogando Capoeira como se no houvessem "barreiras" entre elas e a arte.

    31 EDUCAO FSICA

    A Capoeira apresenta-se como por excelncia desenvolvendo as atividades fsicas de base ao mesmo tempo que atua com eficcia na melhoria das condies gerais do indivduo estimulando a auto confiana e a formao do carter e da personalidade do capoeirista. Hoje em dia o capoeirista est mais preocupado com suas condies fsicas e, por isso, as qualidades fsicas necessrias a um capoeirista, estas so qualidades desenvolvidas na prtica da Capoeira, visando o condicionamento fsico que o esporte exige:

    a) Resistncia Aerbica: a qualidade fsica que permite a um atleta, por um longo perodo de tempo, uma atividade fsica relativamente generalizada em condies aerbicas, isto , utilizando diretamente o oxignio do ar.

    b) Resistncia Muscular: a qualidade que permite a um atleta sustentar uma atividade fsica o maior tempo possvel em condies anaerbicas, ou seja, com dbito de oxignio no ar dos pulmes.

    c) Flexibilidade: uma qualidade fsica que pode ser evidenciada pela amplitude dos movimentos das diferentes partes do corpo. dependente da mobilidade articular e da elasticidade muscular, no jogo da Capoeira seja em qual for o ritmo do toque de berimbau, a flexibilidade necessria em todo o tempo do jogo.

    d) Velocidade de Reao: a velocidade com a qual o atleta capaz de responder a um estmulo, ou seja, a rapidez com que o atleta executa cada movimento a ele imposto.

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    e) Velocidade de Deslocamento: a capacidade mxima que o atleta desenvolve de passar de um ponto ao outro.

    f) Velocidade dos Membros: a capacidade de movimentar os braos e pernas com a maior rapidez possvel. Sendo a Capoeira uma dana-luta, a habilidade para os trs tipos de velocidade essencial a qualquer capoeirista.

    g) Equilbrio Dinmico: o equilbrio conseguido em movimento e que est diretamente ligado com a ginga.

    h) Equilbrio Esttico: o equilbrio conseguido numa determinada posio depois de um movimento e que o capoeirista executa em todas as paradas que faz, sejam elas de mo, de tronco, etc.

    i) Equilbrio Recuperado: aquele que se consegue depois de um giro de meia-lua, de armada, de a, etc. Isto quer dizer que o capoeirista tem de se firmar em p, ou em posio de ginga equilibrada depois de executar qualquer movimento para no perder o "centro". o ligamento entre o trmino de um movimento e o incio de outro em um curto espao de tempo.

    j) Educao em Geral: Destaca-se ainda outras qualidades psicolgicas da Capoeira que so: ateno, percepo, criatividade, persistncia, capacidade de iniciativa, auto-controle, auto-confiana, astcia, coragem, segurana, dentre outros.

    k) Metodologia: Pr-aquecimento, Preparao fsica geral, Preparao fsica especfica e Roda.

    Todas as qualidades citadas anteriormente esto presentes a todo instante numa roda de Capoeira. preciso muita formao, fora de vontade, muita conscincia e muito trabalho. Havendo um berimbau tocando e dois capoeiristas jogando, haver um transbordo de potencial jorrando desta fonte insaturvel que a Capoeira.

    32 PR-ESCOLA

    Sendo considerada como atividade fsica completa e nica, a Capoeira ideal para o desenvolvimento fsico, principalmente para quem est em fase de crescimento. Durante a fase em que a criana est na pr-escola ela se depara com um mundo completamente novo a cada dia, para sobreviver neste mundo de novidades, a criana tem de desenvolver e adquirir destreza para se defender e transpor os diversos obstculos a ela impostos. A prtica da Capoeira desenvolve na criana uma habilidade nica, trabalhando o corpo e a mente, deixando a criana mais ativa e mais atenta. Trabalhar com crianas uma atividade muito gratificante desde que o mestre seja uma pessoa preparada para tal. A idade ideal para a criana inicie na prtica da Capoeira a partir de 6 anos ou um pouco mais. s vezes, existe crianas que tm aptido para iniciar aos 6 anos. Porm, h outras que no. Boa parte dos grupos de Capoeira no Brasil faz este tipo de trabalho com crianas em seus prprios locais de atividade, ou seja, dentro das escolas. Para que este tipo de trabalho tenha pleno sucesso, preciso que as escolas tambm colaborem com os mestres dos grupos, facilitando o trabalho com a cesso de locais prprios e horrios que no interfiram em outras fases de aprendizagem das crianas.

    33 FUNDAMENTOS

    durante o tempo que o aluno convive com o mestre que ele entra em contato com o infinito mundo da Capoeira. Por isso, no existe Capoeira sem mestre. Cada mestre tem seu jeito particular de ensinar, de passar para o seu aluno tudo o que ele achar que o aluno deve aprender para ser um bom capoeirista. Na maioria das vezes, fundamento quer dizer conselhos de mestre e estes conselhos ajudam aos "menos avisados" a evitarem os vacilos na roda ou durante o jogo. Alguns destes conselhos vm em forma de dicas para o aluno e so fundamentais para o "bom comportamento" na roda, pois muitos mestres antigos exigem o respeito s tradies e, como no encontram, deixam de jogar e assim deixam de ensinar muita coisa boa para os mais novos. Na Capoeira Angola, por

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    exemplo, vemos que para assumir como angoleiro no se pode jogar sem sapato nem sem camisa. Na roda de Capoeira, se voc quer ser bem recebido, voc tem que em primeiro lugar se apresentar ao mestre dono da roda, depois observar o jogo, tocar um instrumento e s ento pedir licena e sair para o jogo. A roda comea e termina ao p do berimbau, no ficar disperso na roda o motivo principal pelo qual ela formada, a roda o smbolo da concentrao. No "acumular" nem fazer confuso ao p do berimbau, s abaixar para a sada pr jogo depois que os dois adversrios sarem da roda. No bater palmas e nem jogar durante a ladainha, pois ela pode ser um desafio e todos os jogadores tm de estar atentos. Um mestre diz que no se bate palmas no jogo de Angola. Outro diz que sim, que as palmas em duas batidas ritmadas e bem compassadas fazem parte do jogo de Angola. De qualquer forma, considere as duas hipteses corretas. No se deve tampar a frente dos tocadores de berimbau, pois o berimbau que coordena o jogo, pede para parar ou comear ou ainda para mudar a cadncia do jogo. No pode haver troca de instrumento entre os jogadores e tocadores durante o jogo, para que o tocador tambm possa jogar, ele tem de esperar uma "folga" no jogo para poder passar o instrumento para outro tocador. obrigatrio a um bom capoeirista saber tocar todos os instrumentos e cantar pelo menos dez msicas diferentes. Quando dois mestres esto jogando no se compra o jogo deles. Eles decidem quando querem passar o jogo para outro mestre. Para a sada do jogo de Angola, obrigatrio fazer o Cumprimento do Mestre ou Queda de Rim. Cada um cada um, ningum luta com o jeito do outro, mas na luta de cada um h toda a sabedoria que aprendeu. No jogo da Capoeira, o principal movimento a ginga, da qual partem todos os outros movimentos. Ainda existe uma infinidade de pontos fundamentais a ser dita, mas est em aberto, pois nunca chegaria a um final sendo que existem muitos, inmeros mestres no Brasil inteiro e dizer os fundamentos que cada um deles segue, seria impossvel.

    34 MANDINGA OU MALCIA

    "Ngo veio mandinguro d um risu a todumundu mais brabo i veiaco cum mulequi i vagabundu". Nesta parbola, v-se muito bem onde se esconde a mandinga de um velho Capoeira. de sorriso em sorriso que ele arma seu jogo e faz hora com o adversrio dentro da roda. No s no jogo de Angola que existe mandinga, na Regional tambm existe e muita. A mandinga ou malcia o jeito que cada um cria de jogar a Capoeira e de lidar com seu adversrio dentro da roda. Uma finta de movimento, um faz que vai e no vai, um floreio de mo, uma meia-queda para um lado ou para o outro, tanto faz o tipo de "segredo" que o jogador vai usar, so todos movimentos imprevisveis, feito um gato andando em cima de telhas, nunca se sabe para onde ele vai pular.

    35 MACULEL

    Existe em Santo Amaro da Purificao, Bahia, uma dana, um jogo de bastes remanescentes dos antigos ndios cucumbis. o Maculel. Esta "dana de porrete" tem origem Afro-indgena, pois foi trazida pelos negros da frica para c e aqui foi mesclada com alguma coisa da cultura dos ndios que aqui j viviam. A caracterstica principal desta dana a batida dos porretes uns contra os outros em determinados trechos da msica que cantada acompanhada pela forte batida do atabaque. Esta batida feita quando, no final de cada frase da msica os dois danarinos cruzam os porretes batendo-os dois a dois. Os passos da dana se assemelham muito aos do frevo pernambucano, so saltos, agachamentos, cruzadas de pernas, etc. As batidas no cobrem apenas os intervalos do canto, elas do ritmo fundamental para a execuo de muitos trejeitos de corpo dos danarinos. O Maculel tem muitos traos marcados que se assemelham a outras danas tradicionais do Brasil como o Moambique de So Paulo, a Cana-verde de Vassouras-RJ, o Bate-pau de Mato Grosso, o Tudundun do Par, o Frevo de Pernambuco, etc. Se formos olhar pelo lado do conceito de que Maculel a dana do canavial, teremos um outro conceito que diria ser esta uma dana que os escravos praticavam no meio dos canaviais, com cepos de cana nas mos para extravasar todo o dio que sentiam pelas atrocidades dos feitores. Eles diziam que era dana, mas na verdade era mais uma forma de luta contra os horrores da escravido e do cativeiro. Os cepos de cana substituam as armas que eles no podiam ter e/ou pedaos de pau que por ventura no encontra sem na hora. Enquanto "brincavam" com os cepos de cana no meio do canavial, os negros cantavam msicas que evidenciavam o dio. Porm, eles as cantavam nos dialetos que trouxeram da frica para que os feitores no entendessem o sentido das palavras. Assim como a "brincadeira de Angola" camuflou a periculosidade dos movimentos da Capoeira, a dana do Maculel tambm era uma maneira de

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    esconder os perigos das porretadas desta dana. Uma outra verso diz que para se safarem das chibatadas dos feitores e capatazes dos engenhos, os negros dos canaviais se defendiam com pedaos de pau e faces. Aos golpes e investidas dos feitores contra os negros, estes se defendiam com largas cruzadas de pernas e fortes porretadas que atingiam principalmente a cabea ou as pernas dos feitores de acordo com o abaixar e levantar do negro com os porretes em punho. Alm desta defesa, os negros pulavam de um lado pr outro dificultando o assdio do feitor. Para as lutas travadas durante o dia, os negros treinavam durante a noite nos terreiros das senzalas com paus em chama que retiravam das fogueiras, trazendo ainda mais perigo para o agressor. Atualmente a dana do Maculel muito praticada para ser admirada.

    36 PUXADA DE REDE

    O teatro folclrico que retrata a puxada de rede, conta a histria de um pescador que ao sair para o mar em plena noite para fazer o sustento da famlia, despede-se de sua mulher que, em mau pressentimento, preocupa-se com a partida do marido e o assusta dizendo dos perigos de sair noite, mas o pescador sai e deixa a choras e os filhos assustados. O pescador sai para o mar e leva consigo uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, seus companheiros de pesca e a bno de Deus. Muito antes do horrio previsto para a volta dos pescadores, que seria s cinco horas da manh, a mulher do pescador, que ficou na praia esperando a hora do arrasto, teve uma viso um tanto quanto estranha. Ela v o barco voltando com todos bordo muito tristes e alguns at chorando. Quando os pescadores desembarcam, ela d pela falta do marido e os pescadores dizem a ela que ele caiu no mar por conta de um descuido e que devido escurido da noite, no foi possvel encontr-lo, ficando ele perdido na imensido das guas. Ao amanhecer, quando foram fazer o arrasto da rede que ficara no mar, os pescadores notaram que por ter sido aquela uma noite de pouca pesca, a rede estava pesada demais. Ao chegar todo o arrasto praia, j com dia claro, todos viram no meio dos poucos peixes que vieram o corpo do pescador desaparecido. A tristeza foi instantnea e o desespero tomou conta de todos ali presentes. Prossegue-se ento os rituais fnebres do pescador sendo levado sua morada eterna pelos amigos que estavam com ele no mar, sendo seu corpo carregado nos ombros, pois a situao financeira no comportaria a compra de uma urna, o cortejo segue pela praia. Muitos grupos de Capoeira encenam a puxada de rede para fazer um treinamento teatral em seus alunos e tambm para abrilhantar seus eventos. Porm, poucos conhecem a fundo a verdadeira histria da puxada de rede e conheo apenas esta verso. uma pea folclrica e, portanto, as verses sobre a sua definio podem ser infinitas.

    37 INTEGRAO CULTURAL ATRAVS DA ARTE

    O negro escravo trouxe a sua cultura para o Brasil e junto a ela veio a Capoeira. O brasileiro leva sua cultura para outros pases e junto a ela vai a Capoeira. a coisa mais certa que tem! A Capoeira no tem raa, nem cor, nem nacionalidade, nem religio, nem limites geogrficos. A Capoeira nica, uma s aqui ou qualquer outra parte da terra. Hoje se pratica a Capoeira nos Estados Unidos, Inglaterra, Canad, Sua, Sucia, Itlia, Portugal, Espanha, Alemanha, Israel, Japo, Holanda, Austrlia, Cuba, Panam e em muitos pases pelo mundo afora. Cada mestre que sai do Brasil para trabalhar ensinando em outro lugar do mundo, trs de l um pouco da cultura deste lugar que se misture nossa cultura e vice-versa. E assim vai-se fazendo esta mesclagem cultural muito evidente aos nossos olhos e muito til para uma maior absoro de conhecimentos novos. Este um trabalho que deve ser continuado pois a expanso da nossa cultura mais original para outros povos alm de ser uma forma excelente de divulgao da nossa arte sem, claro, perder a essncia fundamental desta arte.

    38 ZUMBI DOS PALMARES

    A partir das lutas com os holandeses, o destino do grande Quilombo de Palmares aparece ligado famlia da princesa Aqualtune. Dois de seus filhos, Ganga Zumba e Gana Zona tornaram-se chefes dos mocambos mais importantes do Quilombo. O mais provvel que tenham recebido estas chefias de herana. Como em algumas tribos africanas a sucesso no se fazia de pai para filho e sim de tio para sobrinho, Ganga Zumba e Gana Zona devem ter substitudo algum irmo de Aqualtune, do qual at hoje nenhum registro foi encontrado. Mas Aqualtune tambm tivera filhas e uma delas, a mais

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    velha, que se chamava Sabina, deu-lhe um neto, nascido quando Palmares se preparava para mais um ataque holands, previamente descoberto. Por isso, os negros cantaram e rezaram muito aos deuses, pedindo que o Sobrinho de Ganga Zumba, e, portanto, seu herdeiro, crescesse forte. E para sensibilizar o deus da guerra, deram-lhe o nome ZUMBI. A criana cresceu livre e passou sua infncia ao lado de seu irmo mais novo chamado Andalaquituche, em pescarias, caadas, brincadeiras, ao longo dos caminhos camuflados, que ligavam os mocambos entre si. Garoto ainda, Zumbi conhecia Palmares inteiro. Suas rvores, seus rios, suas plantaes e aldeias. Os anos corriam tranqilos para Zumbi, que da escravido s conhecia as histrias terrveis, que os mais velhos estavam sempre a contar, lembrando da escurido das senzalas, a umidade e a morte nos navios negreiros. Passam-se os anos e Palmares torna-se cada vez mais uma potncia. Na dcada que se inicia em 1670, Palmares vive seu apogeu. Mais de 50.000 habitantes livres, distribudos em vrios mocambos. Zumbi e Andalaquituche, j homens feitos, chefiavam suas prprias aldeias. Nesse tempo, o crescimento do Quilombo e as novas necessidades de defesa haviam transformado Palmares numa federao. Ganga Zumba, que governava a maior das aldeias - Cerca dos Macacos - presidia o conselho de chefes dos mocambos e passou a ser considerado rei de Palmares. Sempre muito perseguidos, os negros que conseguiam chegar a Palmares e eram considerados livres, logo se transformavam em guerreiros, pois foram muitos anos de lutas sangrentas em defesa do quilombo. Tantas foram estas lutas, que doze anos mais tarde o velho Ganga Zumba via seu reinado ameaado por uma espcie de fora que Zumbi tinha e exercia sobre os guerreiros que seguiam muito mais as suas ordens do que as do rei Ganga Zumba. Numa noite de festa em comemorao vitria de uma luta, Ganga Zumba reuniu todo o povo de Palmares para que testemunhassem a coroao de Zumbi como novo rei de Palmares. Nesta mesma noite, Ganga Zamba traiu Zumbi, dividindo a opinio do povo e colocando a grande maioria contra Zumbi. Ganga Zumba foge de Palmares com um grupo muito grande de guerreiros, mulheres e crianas e se refugia no Vale do Cacu, logo abaixo da Serra da Barriga, onde procura fundar um novo quilombo. Mas, os guerreiros que o acompanhavam comearam a se desentender com as ordens quase suicidas do velho Ganga Zumba e tambm o traram. Deram-lhe vinho envenenado para beber, dizendo que aquele era um vinho especial, que haviam roubado na vila do Porto Calvo, somente para agradar o rei. Com a morte de Ganga Zumba, os guerreiros voltaram para Palmares e se uniram a Zumbi. Foi quando se deu a batalha mais cruel de toda a existncia do quilombo, fazendo com que fosse desfeita toda a soberania de Palmares. Zumbi foi morto em 20 de novembro de 1695, vtima da traio de um de seus homens de confiana. Aps a queda de Palmares e a morte de Dandara, a esposa de Zumbi, e de todos os seus trs filhos, Zumbi se refugiou na mata, numa pequena caverna beira de um riacho. Muito ferido da guerra e j sem muitas foras, tinha consigo apenas a ajuda de uma criana abenoada chamada Lualua, quando o seu traidor levou um dos homens do exrcito de Domingos Jorge Velho at o esconderijo de Zumbi. Este homem era Andr Furtado de Mendona e levou Zumbi at Domingos Jorge Velho que o matou a sangue frio com dois tiros queima roupa. Era o fim. A cabea de Zumbi foi cortada e levada para a vila do Recife como prova do fim de Palmares e da rebeldia dos negros, que a todo momento eram ameaados por feitores que diziam fazer com eles o mesmo que foi feito com Zumbi.

    39 BESOURO MANGANG

    Foi um dos mais exmios capoeiristas que se tem notcia. Tinha fama de mau e seu nome at hoje uma lenda no mundo da Capoeira. Dizem os mais antigos que Manoel Henriques era o que se chamava de fantasma na roda de Capoeira, devido sua grande esperteza e agilidade. Poucos sabem de sua origem, mas muitos conhecem sua valentia. Besouro Mangang foi o apelido dado a ele por conta de que muitos diziam que quando o cerco se fechava numa roda de Capoeira ou numa briga de rua, e ele se via acuado ou ameaado, se transformava num inseto enorme e preto, feito um besouro gigante, e saa voando por cima de todos e rogando praga a quem jurasse a morte. E assim, ele seguia seu caminho metendo medo e pavor a quem o encontrasse de frente. At que um dia, numa emboscada muito bem armada, foi morto a golpes de "ticum", uma faca feita de osso de boi, a qual os negros diziam ter sido feita com o osso do diabo. No se sabe quem o matou. S conhecido de todos os capoeiristas o seu nome e sua fama.

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    40 PRINCESA AQUALTUNE

    Era uma princesa negra da tribo dos Zulus, que veio para o Brasil como escrava. Foi a matriarca fundadora do Quilombo dos Palmares, junto com seu marido, de nome desconhecido. Me de Ganga Zumba, Gana Zona e Sabina, a me de Zumbi. Morreu entre os anos de 1626 e 1628, numa das muitas batalhas pela destituio de Palmares, j muito velha, quando incendiaram a choupana na qual ela estava abrigada.

    41 DANDARA

    Primeira e nica mulher de Zumbi, princesa de Palmares e me dos trs filhos de Zumbi. Dandara era guerreira valente e auxiliou muito Zumbi quanto s estratgias e planos de ataque e defesa de Palmares. Morreu por acidente, durante uma caada, quando cai da pedreira mais alta de Palmares, que ficava nos fundos do principal mocambo de Palmares - a Cerca dos Macacos.