Cap._norA_O Retorno Do Fato
Transcript of Cap._norA_O Retorno Do Fato
COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Coordenação
Anna Mari;J. de Castro
Roberto Osvaldo Cruz
Alba Zaluar Guimarães
Theo Araujo Santiago
História: Novos Problemas
Direção de
JAcQUES LE GoFF e PIERRE NoRA
Tradução de
THEO SANTIAGO
2!edição
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A.
:) Capa: AG Comunicação Visual e Arquitetura Ltda. ReQ
Data: I ·-
PROJ::TJ 8JBLOS (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte do
SINDICATO NACIONAL OOS EDITORES DE UVROS, RJ)
Le Goff, Jacques, comp. L528h História: novos problemas, direção de Jac<iues
76-0037
Impresso no Brasil Printed in Brazil
1979
Le Goff e Pierre Nora; tradução de Theo Santiago. Rio de Janeiro, F. Ah•es,2ªedição,.1979
3v. 23cm.
Do original em f;ancês: Paire de l'histoire. nouveau problêmes.
1. História - Teoria. 2. História - Teoria - Coletãnea. I. Nora Pierre. II. Título.
CDD- 901 901.08
CDU- 930.1 930.1 (082.1)
Todos os direitos desta tradução reservados à
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S. A. Rua Sete de Setembro, 177 - Centro 20.050 Rio de Janeiro, RJ
~~'k PLANO GERAL DA OBRA
PRIMEIRA PARTE
NOVOS PROBLEMAS
A operarão, hi.rtórica O quarititaJivo em história A história conceituai Os caminho.r da história antes da escrita A história dos povos sem história A aculturtlfáo
História social e ideologias das sociedades História marxista, história em construção O retorno do fato
Michel de. Certeau François Furet Paul Veyne André Leroi-Gourhan Henri Moniot Nathan Wachtel Georges Duby Pierre Vilar Pierre Nora
SEGUNDA PARTE
NOVAS ABORDAGENS
A arqueologia A economia:
- As crises economrcas - Ultrapassagem e prospeclit'a
A demografia A religião:
.- Antropologt:l religiosa - História religiosa
A literatura A arte As ciências A política
TERCEIRA PARTE
Alain Schna.pp
Jean Bouvier Pierre Chaunu André Burguiere
Alphonse Duprqnt Dominique Julia Jean Starobinski Henri Zerner Michel Serres Jacques Julliard
NOVOS OBJETOS
O clima: história da chuva e do bom tempo · ·.0 ·inconsciente: o episódio da prostit:tta em
. Que Fazer? e em O Subsolo O, mito: Orfeu no mel As mentalidades: uma história ambígua A língua: lingiiística e história O livro: uma mudança de perspectiva Os jovens: o cru, a criança grega e o cozido O corpo: o homem doente e sua história
A cozinha: um cardátJio do século XIX A opinião pública: apÓlogia das sondagens O filme: uma contra-análise da sociedade? A festa: sob a Revolução Francesa
Emmanuel Lc Roy LaJurie
Alain Besançon Marcel Detienne Jacques Le Goff Jean-Claude Chevalier Roger Charlier e Daniel Roche Pierre Vidal-Naquet Jean-Pierre Peter e Jacques Revel Jean-Paul Aron Jacques Ozouf Marc Ferro Mona Ozouf
SUMARIO
Apresentação de Jacques Le Goff e Pierre Nora
A operação histórica, Michel de Certeau
O quantitativo em história, François Furet
A história conceituai, Paul Veyne
Os caminhos da história antes da escrita, André Leroi-Gourhan
A história dos povos sem história, Henri Moniot
A aculturação, Nathan Wachtel
História social e ideologia das sociedades, Ge~rges Duby
História marxista, história em construção, Pierre Vilar
O retorno do fato, Pierre Nora
Colaboradores do volume
11
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49
64
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178 HISTóRIA: NOVOS PROBLEMAS
pronunciamento espanhol, o tipo de "acontecimento" banal. Que faz ele? Aprende espanhol, nas traduções de Chateaubriand e de Bernardin de SaintPierre que parecem diverti-lo muito! Logo lê Lope e Calderón, para finalmente escrever a Engels: "E agora, em cheio em Don Quixote". O bom e grande militante anarquista Anselmo Lorenzo, quando viu Marx em Londres, em 1871, ficou estupefato diante da cultura hispânica de seu interlocutor; admirativo, mas ultrapassado, a qualificará de "burguesa"; só que, na série de artigos de 1854-1856, Marx deu uma visão histórica da Espanha da qual o século XIX só mediu as lições: todos os grandes traços esboçados, nenhum contra-senso cometido, e, em cerlios desenvolvimentos sobre a guerra de Independência, uma análise que nunca foi ultrapassada.
Há, é verdade, o gênio. Há também o método. Perguntamo-nos se Marx alguma vez desejou "escrever uma história". A resposta encontra-se aí. Para um artigo sobre uma militarada ele não escreveu uma "história da Espanha". Mas acreditou ser necessário pensar a Espanha historicamente.
Tudo pensar historicamente, eis aí o marxismo. Que seja ou não, após isso tudo, um "historicismo", trata-se (como para o humanismo) de querela de palavras. Tenho desconfiança somente das negações apaixonadas. ~ importante saber, parece, que o objeto de O capital não era a Inglaterra. Naturalmente, pois era o capital. Mas a pré-história do capital denomina-se Portugal, Espanha, Holanda. A história se pensa no espaço, como no tempo.
A história universal, escreve Marx, não existiu sempre: em seu aspecto de história universal, a história é um resultado.
Ainda uma frase chave. Nascido da colonização e do "mercado mundial", o capitalismo universalizou a história. Certamente não "unificou": isso será a tarefa de um outro modo de produção.
Aqui a última ambição do historiador encontraria seu lugar. "A história universal" é de ontem. Sua hora não passou. Há algo de risível nesses propósitos feqüentemente ouvidos: sabemos muita coisa, há muitos especialistas, o mundo é muito grande para que um livro, um homem, uma pedagogia aborde a "história universal". Ess~ enciclopedismo implícito encontra-se nos antípodas da noção de "história raciocinada", de "história total", "de conceito ·de história" simplesmente.
Podemos pensar em três tipos de empreendimentos: 19 "tratados de história", o que não seria· mais absurdo do que "tratados de psicologia" ou de "sociologia"; 2' histórias nacionais claramente periodizadas a partir da cronologia dos modos de produção, estes sistematicamente estudados a partir das forças produtivas e das relações sociais, dos tempos diferenciais, das combinações. de estruturas regionais; 39 histórias universais bastante informadas para não esquecer nada de essencial nos traços que compõem o mundo moderno, mas bastante esquemáticas para tornar claros os mecanismos explicativos. Em todos os níveis a história marxista encontra-se por fazer. E é história e nada mais. Nesse sentido, toda "história verdadeira" seria uma história "nova"
. E toda história "nova" privada de ambição totalizante é uma história de início envelhecida.
O retorno do fato *
PIERRE NORA
A " t como base duas imagens coo-A CHAMADA história .. contemporanea . em . . d A f oiíidade
. d d d uma históna mais nobre - a a n tb- ' traditórias: ftlha egenera a e d ondenada a ir vivendo à sua
, d · d T pos Mo e mos - e c ;:m~::~e 5~:r~~a e ins;irad:a de qualquer interrogaç!o s~bre 0 P::sa~~~~ do int:resse geral, visto que é depositária dos segre os o presen . dessas imagens é completamente falsa.
A • nda não encontrou nem sua ~ verdade que a história contemporanea at . F t d história puramente francesa, nasceu
identidade nem sua . autonomta. in~~uz~ no ensino secundário, fazendo jusdas reformas que .V tctor Dumy ~ E A uartos de . • . t à história nacional pela Revoluçao. sse~ tres q
ttça a cesura tmpos a ~ .. A • a duração da vida de um homem a século não foram senao uma sequenoa, . ~ tinham poucas partir da qual os métodos .cdientíficos e'? v;~resdep:J::a:ça:mbém legitima-
~ N mesmo senti o, novas ctrcu d' 1 apreensces . o . d . . ' . da III República da Primeira Guerra Mun ta
te fazê-la parttr o mtoo ' . . 'd men . ncípio de continuidade sena atmgt o. ou da . Segunda: em nenhum caso o pn .
• Versão remanejada de um artigo Publicado em Communications,. 1972, n<~ 18; sob
0 título "L'événement monstre'' ·
180 HISTóRIA: NOVOS PROBLEMAS
Contudo, nenhuma época se viu, como a nossa, viver seu presente como Ja possuído de um sentido "histórico". E somente isso seria suficiente para dotá-la de uma identidade, para libertar a história contemporânea de sua imperfeição. As guerras totais e as transformações revolucionárias, a rapidez das comunicações e a penetração das economias modernas nas sociedades tradicionais, em resumo, tudo o que se costuma entender por "mundialização" assegurou uma mobilização geral das massas que, por trás do front dos acontecimentos, outrora representavam os civilizados da história; ao passo que os movimentos de colonização, logo depois de descolonização, integravam à historicidade de tipo ocidental sociedades inteiras que, ainda ontem, dormiam o sono dos povos "sem história" ou o silêncio da opressão colonial. Essa vasta democratização da história, que fornece ao presente sua especificidade, possui ma lógica e suas leis: uma delas- a única que aqui desejamos isolar - é que a atualidade, essa circulação generalizada da percepção histórica, culmina num fenômeno novo: o acontecimento. Seu aparecimento parece datar do último terço do século XIX, ou seja, entre a guerra de 1870 e o incidente de Fachoda; na França, entre a Comuna e o Caso Dreyfus.
~ impossível não colocar em relação o acontecimento rápido desse presente histórico, feito do sentimento de participação das massas no destino nacional, com o esforço de uma geração de historiadores positivistas para criar, no mesmo momento, uma escola histórica propriamente científica. Ora, todo o trabalho dos positivistas consistiu precisamente, por um lado, em fundamentar a história no estudo do passado, cuidadosamente separado do presente, e, por outro, em movimentar esse passado por um encadeamento contínuo de "acontecimentos" . "A história só nasce para uma época quando esta está completamente morta; o campo da história é o passado1." Animada pela ambição de transportar para o campo das ciêricias sociais os métodos das ciências experimentais, essa equipe de historiadores não procurou senão atestar cientificamente um fato, reconstruí-lo pacientemente para retomar todo o passado através de uma série de acontecimentos constituídos por uma reunião de fatos, e remeter a descontinuidade de acontecimentos únicos à cadeia de uma causalidade contínúa. Tudo se passa, portanto, como se os positivistas tivessem emprestado ao presente o principal elemento daqueles que deviam modelar sua visão, mas para rejeitar sua validez exclusiva no passado; como se tivessem, eles para quem d historiador não deveria ser de tempo algum nem de país algum, acusado o acontecimento inesperado do presente, mas para exercizar inconscientemente seus perigos, não permitindo ao acontecimento o direito de cidadania senão num passado inofensivo. A partir da condição de que o presente, dominado pela tirania do acontecimento, foi proibido de residir na história, ficou enten· dido que a história seria construída sobre o acontecimento.
As modalidades dessa distribuição, as . conseqüências desse choque de civilização, por mais importantes que sejam, não nos concernem aqui . O essencial, para definir esse estatuto do acontecimento, é marcar essa transposição. Os positivistas santificaram com o selo da ciência ao mesmo tempo que inauguraram
0 RETORNO DO FATO 181
d. - fazia do historiador o grande ordenador do acontecimento, uma tra tçao que · to em que
. 1·- ue lhe confere ou não o digmu es mtrare, no momen ... o ptgma tao q
I. A PRODUÇÃO DO ACONTECIMENTO
media ue se deve o reaparecimento do monopólio da. ~istó--e aos mass . q 'l" lhes pertence. Nas nossas sooedades · D agora em dtante esse rnonopo w . t
~~~tem;orâneas é por intermédio deles e_ somente por eles que o acontectmen o marca a sua presença e não nos pode evttar.
1 l Ponto de se tornarem Mas não é suficiente dizer que se co am ao rea a. . sua parte integrante e que nos restituem sua presença ~:;;~t~~s;u:~~~l a~:~ çam os contornos e peripécias, quando fazem parte ~o c dos) quais P os aco~teciprensa, rádio, imagens não ~gem apenas como metos ró ria condição de mentos seriam relativamente mdependen~es, mas ,co~o a d çfo Acontecimensua existência. A publicidade dá forma a /~a r~pna ~ p~o f~to de apreendê-los tos capitais podem ter lugar sem que sed a e eMes~. Tsé-Tung após o grande
. t orno a perda do po er por "o retrospecttvamen e, c . . . t 0 fato de terem acontecido não passo adiante, que constltut o acontectmen o.. ' ' . seja co-os torna históricos. Para que haja aconteomento e necessano que
nhecido. · tal meio de -e or ue as afinidades entre tal tipo de acont~oment? e
. p -q s-ao tão intensas que eles nos parecem mseparavets. Como nã? comumcaçao . d d f ragem a constl· l d"fusão de uma tmprensa e gran e t ' colocar, por exeml p o, a 'd~ de let"tores pela instrução primária obrigatória e a
· - de uma c asse me ta d · · , · d tutçao. - d f d século XIX em relação com os escândalos o mtct~ . a urbantzaçao o tm o d 1 d p namá a importância dada à vida pohttca III República, o caso o cana o a . ' ·o a rivalidade das nações euroe parlamentar, a querela sobre ~ se.culanzaça ' . d P' blica? Dessa
éias em resumo, com o própno ststema que reveste .a v.t a . u - d m form~, o caso Dreyfus talvez c?~stitui, na ~ranç:~sa /en~e:~alt:~~~o ar;a~as ncontecimento modi~;aode; i~~o~~tt:fa7s :es~Jo~m:;emplares ; hist~ria contempodo ventre das soe . . d a matriz comparavel. Rumores rânea não cessar~ de re~r?d~Zlf, a partir. e u~a de oposição de direita, parainiciais, exploraçao _do stlen~w Pr. ~ma("~_pre~á caso Dreyfus"), comprometilisia insistente da mformaçao o l(ta ao. l . r ·o de dois
mentos adtvinhados :ti:s~~~si~~ra::er~ ~~~~~~ ~o~u j~~tt;,P ~~~ momento gr~~des corpos d~s . p blicano gr~ndes princípios abstratos afrontados e~ cnttco dpara o r~gtcmabceçrae ~icotomia do mundo em bons e maus, suspense ah-tomo e uma so ,
182 HISTóRIA: NOVOS PROBLEMAS
mentado por falsos documentos e confidências em cadeia, apelo à opinião por meio de carta aberta e manifestos, aparecimento significativo do neologismo de "intelectual" que mostra uma nova função social mediadora da opinião de massa2
, o caso Dreyfus teve tudo da imprensa e tudo lhe forneceu3 • Seu papel não foi diminuído pela concorrência. A ela se deve a volta de um tipo de acontecimentos: aquele onde os fatos se escondem e demandam a crítica da informação, a confrontação de testemunhos, a dissipação do segredo mantido pelos desmentidos oficiais, o colocar em questão princípios que apelam à inteligência c à reflexão, o apelo obrigado a um saber prévio que somente a imprensa escrita pode fornecer e recordar. Pois do jornal local ao diário nacional, do órgão de grande tiragem ao semanário de opinião, somente a imprensa dispõe de uma gama de virtualidades sem rival, um leque excepcionalmente rico de manipulação da realidade. Dessa forma, a guerra da Argélia não pertence inteiramente à imprensa, mas episódios particulares, como o problema das torturas ou a narrativa das negociações, continuam especialmente agregados a ela. Todo o Watergate na sua fase divulgadora deve-se à imprensa. antes de passar, na sua fase judiciária, à televisão.
Outros fenômenos históricos, ao contrário, dependem do rádio. Uma boa parte do período de entre-guerras e a segunda guerra mundial foram percebidas auditivamente. Uma certa época da história contemporânea começa com as conversas democráticas inauguradas por Roosevelt, com os discursos fulminantes de Nuremberg, que a televisão, no estrangeiro, talvez tivesse matado pelo ridículo ou pela certeza de suas conseqüências. Uma outra começa para os árabes com os discursos de Nasser; ainda uma outra, para o Congo dos anos 60, onde era suficiente a um homem de Estado negro estar em vias de afirmar através das ondas que teria tomado o poder para que o poder lhe pertencesse efetivamente. Palavra radiofônica que funciona em diferentes níveis. :e ela antes de mais nada quem assegura a importância do acontecimento, caracterizada pela quantidade de palavras que ele desencadeia: voz que informa, explica, comenta, critica, parafraseia, extrapola, conjectura, eco público de conversações privadas e, às vezes, veículo único da modernização. Franz Fanon mostrou o papel revolucionário desempenhado pela voz dos árabes na Argélia em guerra4 , e sabemos qual instrumento de penetração da história o transistor continua a desempenhar no continente africano. Mas é à própria história, pela voz de seus atores, que o rádio permite falar, reativando dessa forma, numa vasta escala, o mais poderoso motor da história desde os profetas e os oradores gregos. Os media transformam em a tos aquilo que não teria sido senão palavra no ar, dão ao discurso, à declaração, à conferência de imprensa a solene eficácia do gesto irreversível. Maio de 1968, como sabemos, foi o festival da palavra agitadora; todas as formas coabitaram para constituir o próprio acontecimento5 : palavra de líderes e palavra anônima, palavra · mural e palavra verbalizada, palavra estudantil e palavra operária, palavra· inventiva ou citativa, palavra política, poética, pedagógica ou messiâni~a, palavra sem palavras e palavra-bruto, desde a noite das barricadas do Quarttn' lAJin, onde os transistores repercutiam instantaneamente nos quatro cantos .da província noturna os incidentes que se tornavam um acontecimento, até o dts-
o RETORNO DO FATO 183
1 ~ eceu na televisão, curso de 30 de maio do general D~ Gaul e, que nao . apar mas CUJ. a voz olímpica encerrou preosamente o aconteCimento. f • . de
· ~ de Praga as con erenoas Se tipos de acontecimentos,b como a 10~~:o nos pare~em irredutivelmente
. l'fca ou 0 desem arque na • ~ d tmprensa po I ' d · am sê-lo em maior grau, nao eve-ligados à ima~em, e r:os ~arecem q~e . :ve:teja assimilável à "panfactualidade". ríamos conclmr a partir dat q'-:le a te evtsa~ . menta um passo decisivo. InicialMas ela fornece à democra~ta do dacon ec_t s a atual falta de diferenciação
ueno · numero e canats e u mente porque o pe~ ~ , 1 do relatório. Há vários meios de comen-assegura a menor dtspersao posstve. de mostrá-los E cada um sabe
J 01' p·cos existem mmto poucos . . tar os ogos tm ' , t to de uma . escolha orientada de troa-que . se trata de uma montagem, e, pod r an . ' t Cada um é apanhado, mal
al · pressão do vtvt o mats per o· gens, prev ece a tm desprovido pela novidade televisada que ou bem, só ou em grupo, sempre 't. acerba A televisão é para a vida
d onhecido e com uma cn Ka . . . . ~ . marca o esc • , . a aldeia 0 angelus da ovtltzaçao 10-moderna o que era o campanano rara . revis~a. é como disse Mac Luhan, dustrial, mas. portadora de umat pat~~: '7!vorece ~ domicílio e sem esforço a um media fno, aquele que, en re . . '- ousamos dt.zer sem participação,
· · - partlopaçao se • mais intensa partlopaçao; essa . . .d d' e' para as massas a forma mais
· t de distância e 10tlmt a e que essa mtstura exa a , . d ue dispõem, de viver a história contempo-moderna, e gder~lmentt~d un~~ t~m~ o acontecimento é projetado, lançado na rânea. Nos ots sen 1 os • ,
1 . d rivada e oferecido sob a forma de espetacu o. -vt a P . f a fi:t:eram da história uma agressao e torna-
Os mass med~a, dessa orm ' ' . d f. · ~0 do ordinário . Não porque sat, por e tmça , • ram o aconteetmento ~o~st~os~. ao sistema tende a produzir o sensacio-mas porque a redundanoa mtnnseca limenta uma fome de acontecimentos. nal, fabrica pe.rman~~t:mente o novo, d:se· ariam fazer crer os poderes quando Não que os cne arttft~ta~mente, co~o t J como poderiam fazer crer certas têm interesse em supn~t~ o aco_ntec,'r:;~; ~~~u seus novos poderes, tal como a performances de uma 10 ormaçao e desembar ue de marcianos. A prócélebre emissão de Orson Welles _sobre o a im r~nsa escrita ou falada, no pria in(ormação ~egrega se~s. anttc~rpode etudo llmitar o desencadeamento de seu conjunto, tena como e etto, an es d·a u' ma posição crescente sobre os
· ·~ 1 agem Assegura aos me 1 • ~ uma o~mta~ se ~as o. sistema de detecção constituído pelos mass med~a n~o ~~;:e~~:~~ o;~vorecer a eclosão de ac~~ec::e~~% ~a~~~~raes~~s v;:i~oe~ias: atualidade que . rece~temente tomara~rt:dap do general De Gaulle e sua morte, Maio de 68, a mvasao de Praga, a P . e se repetem e se
l . americana aconteomentos monstros qu ou a a umssagem • re etirão, na verdade, sempre mais freqüentemente. .
P conteomento -moderno se apre-E para o historiador que, monstruoso, o a . . , . P . d t dos aqueles que lhe dtzem respeito, e o mats
senta mais vantajoso. . ots e 0 . sistema tradicional, privilégio
~:sru~~~~ç~. a~~~t:~~m~:~: )~~;~;~:~::· s~;:n;ugar e s~~an~~o~ :cO:~~;i!:~;~ trava na história sem se':~ consenttm~nto. f De a2~r~r:~ado, a~tes de sua elabooferece-se a ele do extendor, com to Ea a orça com muito mais força na medida
ão antes do trabalho o tempo. mesmo . . raç , d" ·mpõem imediatamente o vivido como htstóna, e que o pre-em que os me ta 1
184 HISTóRIA: NOVOS PROBLEMAS
sente nos impõe em maior · 'd U · h. t, . d . . grau o vtvi o. ma tmensa promoção do imedi to ao IS onco e o vtvtdo ao lendário opera-se no momento mesmo em a . htstonador se encontra confuso nos seus hábitos am d que
0
f d ' eaça o nos seus poder con ronta o coi? o que se aplicava, em outro lugar, a reduzir. Mas trata- eds, mesmo aconteomento? se o
II. AS METAMORFOSES DO ACONTECIMENTO
Na medida em que f t' . ligad , ~ - e e I.va~~nte o aconteCimento se tornou intimamente form~ ~e s~~a~~;:ç~s~a~· :~~ stgmftc~ção intelectual, próximo de uma primeira cionais A 1' Is or~ca, es~azw~-se a favor de suas virtualidades emoMarii ~ M rea Idade propoe, o tmagmário. dispõe. Para que o suicídio de que ~ilhõe~n~~e h~::~ tornar-:e um aconteomento, é necessário, e é suficiente,
I. f 1' d d s e mu heres possam ver nele o drama do star s;stem a n e IZ ven e ora que s d' , ' i . . .. e escon ta por tras da supervedeta, a tra édia da beleza nterromptda, a mfehwàade da existência mais dissimulada a f t 1· d d d 1
quer suce;so. E os maiore~ incêndios escapam freqüent~men~ei ~a :eme ~~~~ ~r~;r~~r n:~~~:;i:oro ;~o~~~~~e~~ ap~~~imou-se1 bdo fato coti~iano, ~ascido ele
. ~ ' e se e a orava a sooedade industrial. A dtferença entre os do· f • , . O acontecimento ert IS enomenos e teoncamente bastante nítida.
~:zã~ac7~~~{ic:~u al!ognt=~~~!t~r p~~~~~~za~ua. s~a~, c~Jt:~~;f~ ~~mci~~~~~~!:,d~oc:~ , u ar se mscreve nas rubncas d · · M .
sua categoria bem marcad . os JOrnal~· as no mterior de tância, a novidade da men:~ ~maconteomento s.e ~az assmalar por sua impor-
o f t t'd' g ' tanto menos mdtscreto quanto menos banal
a o co 1 Iano ocupa um 1 · . . · encontra espalhado fora d u~ar st.metncamente mverso6: afogado no que se
na-
0
, . rt ' e ca egona, consagrado ao inclassificável e ao que e tmpo ante remete por t 1 d , texto de con '- .'. olu ro a o, a um conteudo estranho a um con-
vençoes soctats pe a lóg' d . . (do ti . - . ' tca e uma causalidade seja corrompida home!%o~~a s::ue _assasst_na seus q~atro filhos) seja trocada (do tipo: um
haj·a m . d'f u cao) . 'É essa relaçao teórica que se esfuma Não que não
ats 1 crença entre f t t' d · . · quer acontecimento n ~ d a o cdo I Iano e o aconteCimento; mas sobre qual-
d o sen I o mo erno do termo, o imaginário de massa uer
po er enxertar qualquer coisa do fato c t'd· . d . q · t' · o 1 tano. seu rama sua magia seu mts en~, sua e~tran~e.za, sua poesia, sua tragicomicidade, se~ ode r de 'com-pensaçao e de Identificação, o sentimento da fatalidad P h luxo e sua c-ratuidade
0 . . , . e que o acompan a, seu
' b • tmagmano pode de f · q
uer fato cotid1·ano
0 f ' ssa arma, apropnar-se de qual-
- o caso rey us como M · d 6 , ato e 8 - e faze-lo atravessar,
O RETORNO DO FATO 185
pelas mudanças de acontecimentos sucessivos, o cabo do acontecimento mais maciço, no momento mesmo em que a história faz sentir sua degradação em
fatos cotidianos. O acontecimento é o maravilhoso das sociedades democráticas . Mas a
própria integração das massas teve por efeito integrar também o maravilhoso. A literatura popular e operária de antes da metade do século XIX mostra que o fantástico tradicionalmente tomava seus elementos do extramundo. No pre· sente momento é a própria sociedade industrial que os fornece. Dessa forma obtém-se um efeito de sobremultiplicação quando as performances da sociedade tecnocrática parecem precisamente imitar os temas do fantástico tradicional. Foi o caso, por exemplo, da primeira alunissagem americana
7• Tudo aí obe
decia ao contraste explorado legitimamente pelos organizadores desse show interplanetário: inimaginável demonstração de poderio técnico realizado com essa precisão completamente onírica, superseleção dos três heróis com identificações com o físico de superman das histórias em quadrinhos, utilização da estética futurista do /em de onde emergiam na televisão escafandros livres do peso da 'ferra, contraste entre a imensidão dos meios financeiros, humanos, políticos e a fragilidade dos reflexos físicos e nervosos de três simples homens; o imaginário fundamentado no superpoderio científico do mundo moderno alimentando-se aqui do mais antigo sonho da humanidade. Instância do real, instância informadora, instância consumidora caminhando ao mesmo tempo: o desembarque na Lua foi o modelo do acontecimento moderno.
Sua condição devia-se à retransmissão direta pelo Telstar. A rapidez da retransmissão sem dúvida não é a causa suficiente da transformação do acontecimento, mas sem dúvida a causa necessária . Vimos isso demonstrado quando da luta de boxe Classius Clay-Frazier, que foi- um acontecimento em todos os países onde a televisão a retransmitiu diretarriente, mas não na França, que só viu a retransmissão posteriormente . Abolindo os prazos, desenvolvendo a ação incerta sob nossos olhos, miniaturalizando o vivido, o direto acaba por arrancar ao acontecimento seu caráter histórico para projetá-lo no vivido das massas.
. E para restituí-lo sob a forma de espetáculo. A teatralidade própria a tantos acontecimentos contemporâneos é assegurada pela publicidade ou, pelo contrário, é a transmissão direta que lhe confere essa dimensão? Mas de qualquer forma, a democracia do acontecimento e a espetacularidade progrediram no mesmo movimento. A história contemporânea poderia simbolicamente iniciar-se com as palavras de Goethe a Valmy: "E vós podereis dizer: Eu aí estava!" . . . O próprio do acontecimento moderno encontra-se no seu desenvolvimento numa cena imediatamente pública, em não estar jamais sem repórterespectador nem espectador-repórter, em ser visto se fazendo, e esse "voyerismo" dá à atualidade tanto sua especificidade com relação à História quanto seu perfume já histórico. Daí essa impressão de jogo mais verdadeiro que a realidade, de divertimento dramático, de festa que a sociedade dá a si própria através do grande acontecimento. Todo mundo e ninguém toma parte, pois todos formam a massa da qual ninguém pertence. Esse acontecimento sem historiador é feito da participação afetiva das massas, o só e único meio que elas têm de participar na vida pública: participação exigente e alienada, voraz
186 HISTóRIA: NOVOS PROBLEMAS
e frustrada, múltipla . e distante, impotente e portanto soberana, autônoma e teleguiada como essa tmpalpável realidade da vida contemporânea que se chama opinião.
. Essa história espera seu Clausewitz para analisar a estratégia do aconteome~ro. ~otal que, como a guerra, recrutou os civis; não há mais retaguardas d~ .htstona, da mesma forma que não há frente única onde combateriam os militares .. O fosso 9ue tradicionalmente separava dois mundos, os dominantes e os dommados da ~~formação, duas culturas, erudita e popular, tende a desap.arec~r ou, melhor dtzendo, uma hierarquia mais estável se estabelece no intenor do mundo da informação, no universo dos media. No mundo onde nin~ém ~stá comr'letamente sem saber nem poder, se não fosse através do sufrágto um~ersal, nmguém ,teria ~obre o acontecimento um monopólio permanente; os medra parecell? faze-lo dtzer, como os sinos de John Donne: "Não perguntes por quem ele dobra, ele dobra por ti!"
Foi para todos 9ue De, Gaulle pronunciou o Apelo de 18 de junho, mesmo se poucos o ouvtram; e pa~a todos que um campeão de esqui ultrapassa um recorde nas altitudes solitárias, para todos que um carro de combate israelense se afund~ no deserto: a publicidade é a lei de bronze do acontecimento moderno . E ets que no mesmo movimento a informação se acha condenada a. ~er. total. Condenação tão ma!s rigorosa no caso em que ela cessa, é seu stlenoo que se, to~na u~ ac~nteomento. , ~s nigerianos interditando aos repórt~res o acesso ~ ~tafra mvadtda, a Indones1a massacrando um milhão de comumstas sob a mdtfe,re?ça do mundo capitalista acrescentam uma significação complementar ~o tragtco de cada ~m desses acontecimentos. O fato de os processos de Lenmgrado terem ocorndo ~o mes~o tempo que os processos de Burgos, e nas mesmas portas fechadas, mfluencwu a corte na sua manifestação . O locut~r que logo após a morte de De Gaulle não tivesse anunciado prontamente: O general D.e Gaulle n;~rreu ontem à tarde" teria criado os primeiros P.assos de u~ aconteomento politico. O fato de os chineses não terem conheodo .a aluntssagem americana é um acontecimento para o universo não-chinês. A let do espetáculo é a mais totalitária do mundo livre.
_Esquartejada dessa f~rma entre o real e sua projeção espetacular, a informaçao perdeu sua neutralidade de órgão de simples transmissão. Ela não era p~r _natureza, apesar das distorções superiores, senão uma correia de transmtssao, um ponto de passagem obrigatório. O acontecimento era emitido transmi:ido, rec_e~ido. Daí a narrativa, que fazia passar o acontecimento d; um meto onde Ja se encontrava morto a um meio onde estava amortecido numa grande gradação tradicional dos mais advertidos aos menos informados ' A inf?rmação remetia a um ~ato da r~a.lidade que lhe era estranho, que el~ signiftca~a. Qualqu~r. que seJa ~ tecmodade do sentido que lhe dermos, a Informaçao, com mamscula, funciOna em princípio sempre como um redutor de incerteza. Permaneceria ininteligível. se não viesse enriquecer um saber organizado, reestruturar o quadro preestabelecido no qual vem inscrever-se. Ora considerado glo~almente, o sistema informativo dos media fabrica o ini~teligível. Bombardeta-nos como . um saber interrogativo, sem núcleo, sem sentido, que espe~a de nós seu sentido, nos frustra e nos satisfaz por sua vez com sua evidenCia enfadonha: se um reflexo de historiador não interviesse, isso seria, nas
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circunstâncias extremas, se apenas um ruído que conf~ndiri~ a inteligibil!dade de seu próprio discurso. Denominamos s.empre em mat~r nume~o acon_te_omentos, por angústia do tempo plano e untfor~e das sooedades mdus~nats, por necessidade de consumir o tempo como objeto, por medo do própno acontecimento. A própria máquina informativa, por. seu peso próprio, exig~ por seu lado sua alimentação permanente e o confecoona segundo. as necesstdade~ _de todos os dias: os títulos de France-S o ir, por exemplo, fabncam a cada edtçao, acontecimentos cuja maior parte é de natimortos. ~ão há ent~o, _como pretendia -Boorstins, pseudo-acontecimentos qu.e postulanam ~ .parasttaçao de verdadeiros acontecimentos por falsos aconteCimentos. O arttftce - mas tra~a-se de artífice? - é a verdade do sistema. Melhor é dizer que outrora se tmha necessidade do extraordinário para que hou~;sse acontecime~to e que o acontecimento tende a ser num hoje que abas nada possui de absoluto, seu próprio sensacional. liá uma lei de Gresham da In~ormaçã~, a m~. expulsa a boa. A história contemporânea viu morrer o aconteomento na~ural onde poderíamos idealmente trocar uma informação por um fato da realidade; entramos no reino da inflação factual e devemos, bem ou mal, integrar essa inflação no tecido de nossas existências cotidianas.
A modernidade segrega o acontecimento, do contrário das sociedades tradicionais que tinham de preferência inclinação a. torná-l_o. raro. O aco?tecimento vivido das sociedades camponesas era a rotma rehgwsa, a calamidade climática ou a transformação demográfica; uma não:hi~tória. Mas. os poderes instituídos, as religiões estabelecidas tendiam a. eltmmar a novt~ade, a reduzir seu poder corrosivo, a digeri-la através do nto. Todas as sooeda~es procuram dessa forma perpetuar-se por um sistema ~e novid_ades 9ue tem por finalidade negar o acontecimento, pois o aconteomento e preo:amente a ruptura que colocaria em questão o equilíbrio sobre o qual. el~s. s~o fu~damentadas. Como a verdade, o acontecimento é sempre revoluoonano, o grao de areia na máquina, o acidente que transforma e que prende inesperadan:ente. Não há acontecimentos felizes, são sempre catástrofes. Mas para exomzar
0 novo há dois meios: conjurá-lo através de um sistema de informação sem
informações, ou integrá-lo ao sistema da informaçã~. Países. inteiros no Leste vivem sob 0 regime da notícia s~m nov.idad: .. Leta-se a tmpre~sa, nada de imprevisível: vida interna do parttdo, amve~sanos e comemoraçoes esperadas, performances de produção, novtdades do Oodente recuperadas pela de~or~ação qce impressionam pela pres~nção, ronr?nar. da propaganda, tu~o e _fett? para esvaziar a informação daqmlo que arnscar~a. col~car em ques~ao a mst~tuição que a emite. Os hagiógrafos da Idade Medta so da':am o dta e o mes do acontecimento da vida de um santo, nunca o ano, para mscrever esse acontecimento numa eternidade sem memória e, portanto, sem eficác~a tempo:al. O segundo meio de conjurar o novo consiste en: fazer. dele, ate os ltmttes da redundância, o essencial da mensagem narrativa, arnscando-se a dar ao sistema de informação a vocação de destruir a si próprio: é o nosso.
Esse estado de superinformação perpétua e de s~binforma~ã? crô~ica caracteriza nossas sociedades contemporâneas. O aconteCimento extbtdo nao permite mais fazer a parte do ex!bicion~smo factual. ~~nfusão .i~evitável, ~as f~vorável a todas as incertezas, as angust1as e aos pamcos soctats. Saber e a pn-
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~e.ira forma do poder numa sociedade de informação democrática. 0 corolano n~m, ~empre é fal~o:. quem detém o. poder é tido como quem sabe. Daí uma dt_alettca n1~va,d propna a fazer surgtr nas nossas sociedades um tipo de aconteomentos tga os ao segredo, à polícia, à conspiração ao rumor
'd p·' , eaos rut os. ots e ao . mesmo te~po verdadeiro e falso que não se fala tanto para esconder o essenoal, que o ststema que favorece o nascimento do acontect"m t , t bé - en· ~ ~ am m, mas nao apenas, fabricante de ilusões, que tantas confissões dtsstmulam uma falsidade. Quer se trate por exemplo do grande pânico que devastou os campos franceses ou da espionite aguda de 1793 quer se t t da f . . d , ra e
. ranco-maçonana assooa a aos Sábios de Sion na época da revolução indus-t~tal, quer se ~~ate ~a . Internacional judia sob Hitler, do trotskysmo sob Stálm ?~ do antumpenahsmo nos países descolonizados, é certo que todos esses exutono~ e, ?odes expiatórios utilizados por tantos senhores-feiticeiros do poder cartsmatteo ~com~an~aram as experiências históricas de participação nova das ~assas na vtda pubhca, ou seja, no sentido que lhe dava Tocqueville no cresomento da democracia. Acontecimentos que traduzem desastradamente 'selvagemente, tanto a irrupção das massas na cena quanto a profunda f~stração das multidões que se lançam sobre um falso saber para compensar sua falta de poder.
Multiplicar o ~ovo, fabricar o acontecimento, degradar a informação, são seguramente_ os me10s de se defender. Mas a ambigüidade que se encontra no coração da mformação acaba no paradoxo das metamorfoses do acontecimento.
III. O PARADOXO DO ACONTECIMENTO
Encontra-se _aqui a chance do historiador do presente: o deslocamento da ~ensagem narrattv~ nas ~uas virtualidades imaginárias, espetaculares, parasitánas, tem como efetto assmalar, no acontecimento, a parte do não factual. Ou melhor, . de, fazer do acontec~mento o lugar temporal e neutro da emergência brutal, tsolavel, de um co~Junt~ de fenômenos sociais surgidos das profundezas e que, sem ele, contmuanam enterrados nas rugas do- mental coletivo. O acontecimento ~estemunha menos pelo que traduz do que pelo que revela, menos pelo que e do que pelo que provoca. Sua significação é absorvida na sua ressonância; ele não é senão um eco, um espelho da sociedade, uma abertura. Podemos perg~~tar-~os o, que representou, dez anos depois, a morte de De_ Gaulle, u~ annao dtmmmdo, esquecido. Mas um ano após seu desaparectmento, mmto pouco depois que o voto dos franceses o tivesse expulsado
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e bastante tempo para que eles só sentissem a má consciência e o pesar, no início de um regime que não lhe prestou senão uma homenagem fúnebre e ao qual, nascido dele, seu pai fez a injúria suprema de nada mudar no testamento lacônico que dirigira contra a IV República, sua morte, que o inacabado de suas memórias, chance suprema, tornava mais patética, apareceu como a cena involuntariamente mais bem desempenhada do grande ator obsecado com sua saída. Uma morte brutal, mágica, como aquela que cada um deseja intimamente, mas que, nesse caso solene toma formas lendárias do santo chamado vivo a Deus. Morte que, aos "olhos do estrangeiro, arrebatou o último sobrevivente da guerra mundial, o aliado da URSS, o descolonizador, o amigo dos países árabes, o símbolo do rebelde, o homem que reconheceu a China, em resumo, o homem que significava alguma coisa para cada um dos poderosos do mundo e que, para o povo francês, fazia as pazes com a mais antiga, a mais venerável das tradições do reino, a morte do rei. Mas uma morte que, pelo arranjo da dupla cerimônia, pela oportunidade do momento, capitalizou a monarquia sobre a herança da República, a nostalgia de uma grandeza perdida e uma fugitiva reconciliaÇão nacional. E, enquanto por um ardil da história, a cerimônia de Notre-Dame entronizava ironicamente pela segunda vez o homem que se julgava ter demolido os tabus, foi o nacionalismo francês inteiro que escoltou o cortejo de Colombey. A morte de De Gaulle aí dizia providencialmente mais do que toda a sua vida havia expressado.
O imediato torna de fato a decifração de um acontecimento ao mesmo tempo mais fácil e mais difícil. Mais fácil porque choca de imediato, mais difícil porque se manifesta totalmente de imediato. Num sistema de informação mais tradicional, o acontecimento assinalava por seu próprio conteúdo sua área de difusão. Sua rede de influências era, cada vez mais, definida por aqueles aos quais tocava. Seu traço era mais linear. Se o acontecimento não conseguisse a virtude de se reduzir a uma única de suas significações, não teria a história imediata tido mais dificuldades, ainda no século XIX, com Marx, Tocqueville, ou Lissagaray, mas também com tantos comentadores mais obscuros, em se aproximar da análise histórica? Os contemporâneos, mesmos lúcidos, ter-seiam enganado bastante, tal como hoje, sobre a atualidade. Estando doravante cortados os intennediários, · ópera-se uma telescopagem e na incandescência das significações ficamos cegos. Sendo uma novidade importante como o assassinato de Kennedy instantaneamente divulgada, sua vocação à factualidade é imediatamente realizada no universal, mas remete as profundezas da emoção mundial à sua fonte, mais depressa do que desce do círculo dos iniciados para aqueles aos quais podeda eventualmente concernir. E nesse remeter ela carrega tudo. No acontetimento intransitivo, sem rivais teóricos e sem fronteiras, são os patamares de significação que se imbricam e as constela- · ções explodidas que se misturam. Cercámo-lo melhor pelo exterior: o que é acontecimento e por quê? Pois se ele não é acontecimento sem consciência crítica, não há então acontecimento que, oferecido a cada um, não seja o mesmo para todos. Limites de significações, limites de meios interessados, limites também do tempo: quando pára e o que se toma? As bases do acontecimento, as amnésias coletivas como aquela que aconteceu quanto à guerra da Argélia, os caminhos subterrâneos acabam por desenhar seus contornos.
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Estabelece-se dessa forma, entre um tipo de sociedade e sua existência factual, uma estranha reciprocidade. Por um lado, é a sucessão de acontecimentos que constitui a superfície contínua da sociedade, que a institui e a define na medida mesmo em que a rede de sua informação represente uma institui: ção. O sistema de informação que, na URSS, na China ou nos Estados Unidos, produz por exemplo o XX Congresso,. a revolução cultural ou o caso Calley, ilustra a sociedade por completo: é a forma de sua institucionalização. Mas, inversamente, tais acontecimentos veiculam todo um material de emoções, hábitos, rotinas, representações herdadas do passado que freqüentemente afloram à superfície da sociedade. Lugar de projeções sociais e de conflitos latentes, um acontecimento é como o acaso para Cournot, o encontro de várias séries causais independentes, um rasgão do tecido social que o próprio sistema tem por função tecer. E o mais importante dos acontecimentos é aquele que faz readquirir a herança mais arcaica. Aqui ainda o sistema dos países do Leste fornece um instrutivo contraponto. Sem dúvida ele não é indiferente de que estejam ausentes os fatos cotidianos. Esse resíduo revela precisamente, a partir do modo menor, o que há de mais secreto. Expurgando o que existe para além do fato cotidiano no acontecimento, o sistema do Leste elimina pelo mesmo movimento a parte incontrolável e escandalosa de significações sociais que aparece no fato cotidiano.
A partir desse momento não é o acontecimento, sobre a criação do qual não tem nenhum poder, que interessa ao historiador, mas o duplo sistema que se entrecruza nele, sistema formal e sistema de significação; e ele se encontra mais bem colocado do que ninguém para se apropriar desse sistema.
Pois por mais independente que possa parecer, o desdobramento de um acontecimento não tem nada de arbitrário. Se não é seu aparecimento, pelo menos seu surgimento, seu volume, seu ritmo, seus encadeamentos, seu lugar relativo, suas seqüelas e seus saltos obedecem a regularidades que dão aos fenômenos aparentemente mais longínquos um certo parentesco e uma morna identidade. Os estudos de opinião, de agora em diante clássicos, poderiam utilmente duplicar-se em análises comparativas que estabeleceriam as seqüências de informação, o desdobramento dos media, as relações da mensagem e da redundância, as reações em cadeia da difusão, em resumo, a fenomenologia formal do acontecimento.9 Um rápido estudo foi feito sobre a morte de João XXIIJ.l0 A que comparações conduziriam monografias similares sobre as mortes nacionais por exemplo, as de Stálin, Kennedy, Churchill, Adenauer, Togliatti, Nasser, De Gaulle? Quais homologias nas escansões de certos escândalos ou processos, casos sem relação imediata· como o caso Dreyfus e a guerra da Argélia? A análise formal conduz espontaneamente à análise de significação, não seria, para começar, senão a significação do aparecimento do sistema for~ mal, que é ele próprio um acontecimento. Pois essa intrusão decisiva de uma {actualidade nova - no fim do século XIX, no preciso momento em que a história científica, com o triunfo do positivismo, não se apropriou da noção de acontecimento senão para aplicar somente ao passado sua eficácia exclusiva -exprimia qual mutação? Quais correlações estabelecer entre esses dois fenôme· nos contemporâneos: o nascimento de uma ciência que tem por objeto apenas
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os acontecimentos do passado e o surgimento de umá especificidade da his
tória contemporânea.? 0 historiador do presente não pratica então outra coisa, para conseguir
significações, . senão o método seriado da~uele d? passado, co~ a diferença de que sua conduta tem por finalidade, aqut, culmm_ar no aconteomento em lugar de procurar reduzi-lo. Faz conscientemente surgu o passado no presente, e~ vez de fazer inconscientemente surgir o presente do passado. Sabemos hoJe que a noite de 4 de agosto não foi somente a hi~~ris_ia histérica qu~ Raymond Âron viu nas Assembléias Universitárias que retvmdtcavam em mato de 68. Era isso evidente em 5 ·de agosto de 1789 pela manhã? Somente o qu: se ~e~e permite decidir, a interrupção dos exames-~ seu 9uest~o~~ento. E nao ha duvida de que, reciprocamente, as Assembl~tas Unt~e:s1tanas tenham exp~essado outra coisa além do que tinham pretendtdo exphotamente. O . aco?teomento tem como virtude unir num feixe significações esparsas . Ao h1stonado_r .ca~e desuni-los para voltar da evidência do acontecime~to ~ ;alocação em evtdenoa do sistema_ Pois a unicidade para que se torne mtehgtvel postula sempre a existência de uma série que a novidade faz surgir. Mesmo a afirmação "é a primeira vez que ... " supõe virtualmente a pos~ibili~a~e de ~ma se~nda"Mesmo se permanecermos no nível do modelo obernet!C': d~ vtda_ soctal, escreve corretamente Edgar Morin, o acontecimento-informa_çao e preosam~nte o que permite compreender a natureza da estrutura e _o. f~ncwnat?ento do~ s1stema, ou seja, 0 feedback processo de integração. (ou re~e1çao) d~ mform~çao, ;~~r dizer também da modificação conduzida seJa no SIStema, seJa pelo ststema · Sobr~ a erupção do vulcão, o historiador do presente, repeti~os, nã? toma part~, diferentemente do historiador do passado, a quem a duraçao permtte faz~r artificialmente desses vulcões factuais tantas colinas-testemunhas de uma pa1sagem que ele baliza_ Mas enquanto geólogo encontra sua sobe~ania_. ~ a ele que cabe identificar os níveis geológicos, as mudanças de explosoes mterna~ e os detonadores secundários, distinguir as realidades conflituais f~nda~e~tats dos mecanismos de integração e de reabsorção da lava expulsa. Nao ha dtferença de n~tureZ?. entre uma crise, que é um complexo de acontecimen_tos, e um _aconleomento, que assinala em algum lu~ar de~tro do siste~a sooal uma cns_e. Uma dialética se instaura entre esses do1s fenomenos que e o da mudança, ~1an~e da qual o historiador do passado se encontra tão desprovido quanto o htstortador
do presente . _ . O futuro 0 desmentiria e, desprezando suas atribuições provisónas, destrui
ria as séries instituídas para fazer aparecer o próprio acont~tm~to n~ma outra rede, pois permaneceriam ainda signi~ica_tivas suas_ elaboraçoes tmprov~sa.d~ no momento crítico; fazem parte do propno acontecimento. Toda ~ htstona da Revolução Francesa no século XIX não faz senão procl~ar o macabado do acontecimento revolucionário. Toda a literatura sobre mato de 68 acompanl~a inseparavelmente seu assunto; revela um~ impos~ível hi~tória de m_aio. A htstóna contemporânea, essa exploração da atuahdade, n~o cons1st~ em apltcar ao presente métodos históricos testados pelo passado; ela e o exorosmo ~upremo do acontecimento, a última seqüela de sua resolução. Mes~o que seJa contesta?a. pela história, tal não impede que assim como o acontecimento, ela tenha extsttdo.
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:e o nosso presente por inteiro que procura sua prÓpria consciência através do novo estatuto que o acontecimento adquiriu nas sociedades industriais . A problemática do acontecimento - que se encontra por fazer - encontra-se estreitamente ligada à especificidade de uma história "contemporânea". Numa socied~de dita de consumo, talvez o tratamento ao qual submetemos o acontecimento seja uma maneira entre outras de reduzir o próprio tempo a um objeto de consumo e nele investir os mesmos afetos12 • Se é verdade que a história só começa quando o historiador faz ao pllssado, em função de seu próprio presente, perguntas das quais os contemporâneos não poderiam ter a menor idéia, quem nos dirá - desde agora - qual inquietação se esconde por trás dessa necessidade de acontecimentos, qual nervosismo implica essa tirania, qual acontecimento maior de nossa civilização exprime a colocação desse vasto sistema do acontecimento que constitui a atualidade?
:e pela incapacidade de dominar o acontecimento contemporâneo, cujas conseqüências não conhecemos, que na época em que os positivistas registravam inconscientemente ·seu advento para fundar uma ciência da história, eles assinalavam o presente com uma imperfeição de princípio. Hoje, quando toda a historiografia conquistou sua modernidade a partir do apagamento do acontecimento, a negação de sua importância e sua dissolução, o acontecimento nos volta - um outro acontecimento -, e com ele, talvez, a possibilidade mesma de uma história propriamente contemporânea.
NOTAS
I. 1867. Relatório ao Ministro sobre os Estudos Históricos.
2. O termo nasceu em 14 de janeiro de 1898, quando L'Aurore, para reclamar a revisão do processo Dreyfus após a absolvição de Esterhazy, publicou o "Manifeste des intellectuels''.
3. Cf. Patrice Boussel, L'Affaire Dreyfus et la presse, col. Kiosque, Colin, 1960.
4. Cf. Franz Fanon, L'An V de la révolution algérienne, Maspero, 1959.
5. Cf. Roland Barthes, "L'ecriture de l'événement'', em Communications, 12, 1968.
6. Cf. em particular Georges Auclair, Le Mana quotidien, estruturas e funções da crônica dos fatos cotidianos, ed. Anthropos, 1970, e Roland Barthes, Mythologies, Seuil, 1967.
7. Cf. um rico estudo do caso diante da imprensa, realizado pela equipe do Centre d'~tudes de Presse de Bordeaux e publicado sob a direção de A_. -J. Tudesq. : La presse et l'événement, Mouton, 1973.
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8. Cf. L'lmage, Julliard, 1963 . . ul Abraham Moles Socio-dynamique de la culture, Mouton, 1967.
9. Cf. em parUc ar ' . . d' ' de bomme"', 10 Cf Jules Gritti "Un récit de presse: les derruers Jours un gran. . .
. C . . t" ' 8 1966 E, em geral os trabalhos do autor, pnncipalmente. ommwuca 10ns, , . •
L'événement technique d'analyse de l'actualité, 1961. ' . d résent" La rumeur d'Orléans Seuil, 1969, P· 225.
11. "Príncipes ·d'une sociolog1e u P , em • 12. Cf. em particular Jean Baudrillard, Le systeme des objets. Gallimard, 1967.