CAPÍTULO I – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL · 7 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito...

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CAPÍTULO I – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL 1.1 – Breve Histórico da Responsabilidade Civil Primeiramente, conceituamos responsabilidade como o dever de reparar um determinado dano oriundo da violação ou inobservância de um dever jurídico. A norma jurídica estabelece deveres que constituem obrigações aos indivíduos. Caso essas obrigações não sejam observadas e respeitadas, restará consumado um dano, que criará, ao indivíduo-transgressor, um novo dever jurídico, que é o de reparar o dano. A idéia de responsabilidade civil está ausente do direito romano, que se caracterizava pela chamada justiça pelas próprias mãos. Posteriormente, com a evolução do direito romano e do Estado romano, modifica-se a forma de aplicação, passando os conflitos, portanto, a serem solucionados no domínio jurídico, fazendo-se o uso de regulamentações, legalizando e estabelecendo valores devidos pelo sujeito responsável pela conduta danosa. Seguindo com a evolução da responsabilidade em âmbito jurídico, vêm a Lei das XII Tábuas, que estabelece a valoração devida pelo agressor de forma prévia. Nasce, então, a Lei Aquília, importantíssima na evolução da responsabilidade civil, pois instituiu que para haver o direito de reparação pelo dano ocorrido, faz-se necessário que se configure o elemento culpa. Na era moderna, fundamental mencionarmos o Código Civil francês, inspirador para nossa Constituição Federal, bem como para inúmeros outros dispositivos legais no direito brasileiro. Instituiu, o Código Civil francês, com fundamento na culpa comprovada, uma cláusula geral de responsabilidade civil.

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CAPÍTULO I – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

1.1 – Breve Histórico da Responsabilidade Civil

Primeiramente, conceituamos responsabilidade como o dever de reparar um

determinado dano oriundo da violação ou inobservância de um dever jurídico. A

norma jurídica estabelece deveres que constituem obrigações aos indivíduos.

Caso essas obrigações não sejam observadas e respeitadas, restará

consumado um dano, que criará, ao indivíduo-transgressor, um novo dever

jurídico, que é o de reparar o dano.

A idéia de responsabilidade civil está ausente do direito romano, que se

caracterizava pela chamada justiça pelas próprias mãos.

Posteriormente, com a evolução do direito romano e do Estado romano,

modifica-se a forma de aplicação, passando os conflitos, portanto, a serem

solucionados no domínio jurídico, fazendo-se o uso de regulamentações,

legalizando e estabelecendo valores devidos pelo sujeito responsável pela

conduta danosa.

Seguindo com a evolução da responsabilidade em âmbito jurídico, vêm a Lei

das XII Tábuas, que estabelece a valoração devida pelo agressor de forma

prévia.

Nasce, então, a Lei Aquília, importantíssima na evolução da responsabilidade

civil, pois instituiu que para haver o direito de reparação pelo dano ocorrido,

faz-se necessário que se configure o elemento culpa.

Na era moderna, fundamental mencionarmos o Código Civil francês, inspirador

para nossa Constituição Federal, bem como para inúmeros outros dispositivos

legais no direito brasileiro.

Instituiu, o Código Civil francês, com fundamento na culpa comprovada, uma

cláusula geral de responsabilidade civil.

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E nosso Código Civil de 1916, em seu artigo 159, com base na legislação

francesa, tipificou a responsabilidade civil subjetiva.1

Porém, com a evolução da responsabilidade civil, o direito brasileiro consagrou

a responsabilidade civil objetiva, que é aquela cujo indivíduo responderá

mesmo sem que exista consumada sua culpa, bastando estar presente o nexo

de causalidade.

Sobre esses elementos trataremos melhor no segundo capítulo deste trabalho

monográfico. O importante neste momento é citarmos a Lei n° 6.938/81,

denominada Política Nacional do Meio Ambiente, que instituiu para os agentes

responsáveis por dano ecológico a responsabilidade civil objetiva.

O Código Civil de 2002 legislou sobre a matéria em seu artigo 927, ao criar a

responsabilidade objetiva para atividades de risco, o que explicaremos ainda

neste capítulo.

1.2 – A Responsabilidade com o Meio Ambiente

Tamanha é a importância do assunto em questão, que os legisladores

instituíram o tema como matéria constitucional, inserida no artigo 225,

parágrafo 3°, da Constituição Federal de 1988.2

Segundo MACHADO:

“[...] a responsabilidade no campo civil é concretizada em

cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer e no

pagamento de condenação em dinheiro. Em geral,

manifesta-se na aplicação desse dinheiro em atividade ou

obra de prevenção ou de reparação do prejuízo”.3

1 Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. 2 Art. 225, § 3° – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos. 3 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, 18ª Ed., p. 355.

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Tal procedimento se faz necessário em obediência ao caput do artigo 225 da

Constituição Federal de 1988, uma vez que o ambiente equilibrado é essencial

à sadia qualidade de vida e, para garantir essa qualidade de vida, bem como o

desenvolvimento sustentável para a nossa e as futuras gerações, o Direito tem

um papel fundamental, estabelecendo as tarefas do Estado e da sociedade na

proteção ambiental. Desenvolveram-se, para tanto, normas visando a

preservação e a proteção do ambiente, considerado como um macrobem

jurídico, dotado de valor intrínseco.4

Assim, entendemos que, na intervenção humana que origina dano ao ambiente

– seja degradando-o, modificando-o, poluindo-o ou destruindo-o – haverá

responsabilidade.

O instituto da responsabilidade abrange pessoas físicas e jurídicas, sujeitando-

as a responder nas esferas penal, civil e administrativa, desde que identificados

os sujeitos da relação obrigacional, a existência do dano e a demonstração do

nexo de causalidade.

1.3 – A Responsabilidade Civil Objetiva

A Lei 6.938/81, no seu artigo 14, parágrafo 1°, definiu que a responsabilidade

do autor do dano ecológico será objetiva, ou seja, independe de culpa.5

Conforme ANTUNES:

“A responsabilidade civil fundada em culpa, do ponto de

vista da estrutura econômica, corresponde a uma

determinada etapa do desenvolvimento capitalista, na

qual a produção industrial em grande escala, a máquina a

vapor, as comunicações por telégrafo e as vias férreas

trouxeram uma grande modificação na escala produtiva.

4 Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 5 Art. 14, § 1° – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.

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Este conjunto de fatos implicaram profundas

transformações no Direito em geral. No tema

responsabilidade, estas transformações foram marcantes,

pois significaram uma verdadeira revolução na ordem

jurídica vigente, com o afastamento da culpa como

fundamento da responsabilidade”.6

Logo, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, que

originou qualquer dano que prejudique o ambiente, terá o dever jurídico de

repará-lo, não sendo necessário que se tome conhecimento do porquê do dano

haver se configurado, tampouco de qual tipo de atividade deu causa ao

mesmo, bastando que haja relação entre o dano efetivo e a conduta

causadora.

A reparação tem o intuito de fazer com que o lesado, homem ou ambiente,

retorne ao status quo ante.

Aqui vemos que a responsabilidade está atrelada ao princípio do poluidor-

pagador. E, por este princípio, aquele que deu causa à poluição, direta ou

indiretamente, deverá arcar com as despesas de prevenção, reparação e

repressão da poluição, sendo o responsável principal pelas conseqüências de

sua ação ou omissão.

O princípio do poluidor-pagador é a internalização da externalidade negativa,

ou seja, que o poluidor pague pela parte negativa, que são os danos ao

ambiente.

Assim, impede-se que o produdor-poluidor tenha somente os lucros originados

de sua atividade, enquanto a parte negativa de sua produção – resíduos,

emissões, efluentes, calor, ruído, etc – fique para a sociedade.

Neste teor, MACHADO se posiciona da seguinte forma:

“A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo

poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a

6 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., pp. 215 - 216.

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emissão poluente representa um confisco do direito de

alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver

com tranqüilidade. Por isso, é imperioso que se analisem

oportunamente as modalidades de reparação do dano

ecológico, pois muitas vezes não basta indenizar, mas

fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro

não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios,

ou a boa formação do feto”.7

Para se verificar a responsabilidade civil objetiva, não é imprescindível que seja

comprovada a prática de um ato ilícito. O necessário é restar provada a

existência do dano, assim como o vínculo com a atividade perigosa que deu

causa ao mesmo. Isso ocorre porque a licitude de uma atividade não é uma

excludente de responsabilidade, já que ocasionou algum tipo de dano ao

ambiente.

1.3.1 – Responsabilidade Civil Objetiva por Atividade de Risco

Com o advento do Código Civil de 2002, a responsabilidade civil objetiva teve

uma novidade na sua composição. Isto porque, o artigo 927, parágrafo único,

introduziu, ao instituto, o elemento risco.8

Esse novo entendimento reporta-se às atividades que apresentam um grau de

risco elevado em razão do que efetivamente fazem, como, por exemplo,

atividades nucleares.

Trouxe, dessa forma, duas principais conseqüências, a saber: não se faz mais

necessário a existência da culpa ou do dolo para que haja o dever de reparar o

dano e não se aceitam mais as causas excludentes da responsabilidade civil,

ou seja, caso fortuito, força maior ou fato exclusivo de terceiros.

7 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, 18ª Ed., p. 361. 8 Art. 927, par. único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

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Observamos a existência do princípio da prevenção aqui. Tal princípio tem por

escopo evitar danos ecológicos irreparáveis nos casos em que se tenha a

certeza do mesmo. Encontra-se implícito no artigo 225, parágrafo 1°, incisos III,

IV e V e parágrafo 6°, da Constituição Federal de 1988.9

É com base no princípio da prevenção, que podem ser realizados mecanismos

como o licenciamento ambiental, o estudo de impacto ambiental, auditorias etc.

Todos com o objetivo de evitar, mitigar, compensar, ressarcir ou reparar o dano

ecológico.

A nossa doutrina divide a responsabilidade objetiva por atividade de risco em

três modalidades: teoria do risco proveito, teoria do risco criado e teoria do

risco integral.

A teoria do risco proveito praticamente não tem defensores doutrinários.

Argumenta ela que somente responderá pelas conseqüências danosas aquele

que é beneficiário da atividade de risco. Entenda-se como beneficiário aquele

que aferiu lucro ou proveito com a exploração da atividade de risco.

Já a segunda teoria, a do risco criado, diz que a pessoa, física ou jurídica, que

exerce uma atividade de risco deverá responder pelas suas externalidades

negativas. Admite, porém, excludentes de responsabilidade, que, como já foi

dito anteriormente, são o caso fortuito, de força maior e ação de terceiros.

Dessa forma, pelos defensores dessa teoria, ações da natureza, como raios,

furacões ou inundações, afastariam a responsabilidade do responsável.

MACHADO, entretanto, posiciona-se contrário à essa teoria:

9 Art. 225, § 1°, III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; § 6° - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

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“[...] aponto que há equívoco em se fazer atuar o fato da

Natureza como diretamente excludente da

responsabilidade, deixando-se de analisar os efeitos do

fato da Natureza, para verificar se os mesmos poderiam

ou não ser evitados ou impedidos.”10

Para tanto, MACHADO baseia-se no parágrafo único, do artigo 393, do Código

Civil de 2002.11

A última teoria, chamada de teoria do risco integral, ao contrário da teoria do

risco criado, não admite as excludentes de responsabilidade. Alegam seus

seguidores que o bem maior protegido é o meio ambiente, e sua reparação é

mais importante que qualquer indenização pecuniária, logo, considerando-se

as excludentes como válidas, haveria uma restrição imensa no rol dos sujeitos

responsáveis, culminando na ausência de reparação de grande parte dos

danos ecológicos.

Essa teoria admite apenas uma excludente, que se dá quando o responsável

pela atividade avaliou previamente todas as possibilidades de ocorrerem fatos

alheios à sua vontade e, então, tomou todas as providências necessárias para

evitar os danos, todavia, mesmo assim, houve o caso fortuito ou de força

maior, motivando o dano. Nesta hipótese, cabe ao responsável pela atividade

produzir prova demonstrando que era impossível evitar ou impedir que o dano

realmente nascesse.

O Superior Tribunal de Justiça determinou, nesse diapasão, que:

[...] a eventual exoneração do recorrente por culpa de

terceiro, pode ser aferida em ação regressiva, inter partes,

posto que somente pela efetiva aplicação da teoria da

responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco

integral é que se poderá garantir o direito ao meio

10 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, 18ª Ed., p. 378. 11 Art. 393, par. único – o caso fortuito ou a força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

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ambiente ecologicamente equilibrado essencial à sadia

qualidade de vida, consoante o cânone do art. 225 da

Carta Maior.12

Referente à matéria, ANTUNES também posiciona-se:

“Penso ser importante chamar a atenção para o fato de

que a responsabilidade por risco integral não pode ser

confundida com a responsabilidade derivada da só

existência da atividade. Explico-me melhor: não se pode

admitir que um empreendimento que tenha sido vitimado

por fato de terceiro passe a responder por danos

causados por esse terceiro, como se lhes houvesse dado

causa. Responsabilidade por risco integral não pode ser

confundida com responsabilidade por fato de terceiro, que

somente tem acolhida em nosso Direito quando

expressamente prevista em lei”.13

A teoria do risco integral recebe, ainda, o direito à ação regressiva. Este

ocorrerá quando um poluidor tiver direito de regresso contra outro poluidor, que

deu causa real ao dano.

1.3.2 – Poluidor Indireto

Surge outra questão quando nos referimos à responsabilidade civil objetiva,

que passaremos a analisar agora. Estamos nos referindo ao poluidor indireto.

ANTUNES estabelece uma crítica quando diz que

“A definição de poluidor indireto é um dos temas mais

controversos do DA brasileiro e, seguramente, não há um

consenso doutrinário ou jurisprudencial quanto à extensão

do conceito. Existem algumas decisões judiciais

emanadas pelo STJ que, em meu entendimento, dão ao

12 STJ – REsp n° 598.797-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 20.09.2004. 13 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., pp. 217 - 218.

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conceito de poluidor indireto uma abrangência bastante

grande.”14

Como bem menciona ANTUNES, vejamos o posicionamento do Superior

Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS.

CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA.

REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR

OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. [...]

4. Havendo mais de um causador de um mesmo dano

ambiental, todos respondem solidariamente pela

reparação, na forma do art. 942 do Código Civil. De outro

lado, se diversos forem os causadores da degradação

ocorrida em diferentes locais, ainda que contíguos, não

há como atribuir-se a responsabilidade solidária

adotando-se apenas o critério geográfico, por falta de

nexo causal entre o dano ocorrido em um determinado

lugar por atividade poluidora realizada em outro local.15

O artigo 3°, inciso IV, da Lei 6.938/81 dispõe sobre a matéria, inserindo o

caráter de responsabilidade também no poluidor indireto.16

Embora não tenha um consenso quanto à sua definição, o Código Civil de

2002, através de seu artigo 258, estabelece a indivisibilidade da obrigação

quando o objeto da prestação não for passível de divisão.17

14 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 218. 15 STJ – REsp n° 647.493-SC, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 22.10.2007. 16 Art. 3° - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; 17 Art. 258 – A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivos de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico.

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Isso significa que, nos casos em que houver dois ou mais agentes poluidores,

cada um será responsável pelo total da dívida e não pela parte que ele julgar

ser responsável. Então, resumindo, pode-se cobrar a dívida na sua totalidade

de apenas um único agente e, a este, caberá o direito de regresso em face dos

demais agentes poluidores.

O que podemos verificar no caso em tela é que, seguramente, será

responsabilizada a empresa possuidora de maior capital em oposição daquela

menor e com recursos econômicos menos atraentes, o que acarreta em uma

falha na legislação, já que, nas palavras de ANTUNES,

“a excessiva ampliação do conceito de poluidor indireto

pode implicar uma verdadeira indução à não

responsabilização dos proprietários de atividades

poluentes que, de uma forma ou de outra, se encontrem

vinculados a cadeias produtivas maiores”.18

Terminamos este primeiro capítulo analisando o papel do Estado na proteção

ambiental.

Conforme já estudamos, o caput do artigo 225, da Constituição Federal de

1988, determina que o Estado tem o dever não somente de preservar, como

também de defender o ambiente. Em outras palavras, atribui o poder de polícia

ambiental para regulamentar e fiscalizar a matéria em questão.

É, portanto, dever do Estado, no que concerne a defesa ao ambiente, punir

aquele que causar dano ao mesmo, mesmo que no rol de culpados esteja

presente algum ente federativo que prejudique o ambiente direta ou

indiretamente.

Assim, com base na teoria do risco integral, que analisamos anteriormente, o

Estado possui responsabilidade civil objetiva por dano ambiental, pois a

atividade estatal pode gerar risco a terceiros, que, por sua vez, terão direito a

acionar o ente estatal, exigindo uma compensação pelo dano ocasionado,

18 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 222.

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necessitando, para tal, comprovar que houve o nexo de causalidade entre a

ação ou omissão do Estado que resultou no dano efetivo.

CAPÍTULO II – ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE

CIVIL

2.1 – Dano Ecológico

2.1.1 – Conceito

Primeiramente torna-se necessário conceituarmos dano, para depois

entendermos o que vem a ser o dano ecológico ou dano ambiental e toda a

complexidade deste tema.

ANTUNES define o dano como sendo “o prejuízo causado a alguém por um

terceiro que se vê obrigado ao ressarcimento”.19 Portanto, para haver dano, é

indispensável haver ação ou omissão oriunda de um terceiro. Caso o dano seja

ocasionado pelo próprio prejudicado, o ato será juridicamente irrelevante.

Toda atividade humana que intervenha de forma negativa no ambiente

ocasionará uma degradação do mesmo, porém esta alteração ambiental pode

não ser desfavorável. Para que o dano se configure, tem que existir um

prejuízo. Não há dano se as condições foram modificadas para melhor. Afirma

ANTUNES ser “a variação, moral ou material, negativa que deverá ser, na

medida do possível, mensurada de forma que se possa efetivar o

ressarcimento”.20

Para CAVALIERI FILHO, o dano é a

“subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer

que seja a sua natureza, quer se trate de um bem

patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria

19 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 247. 20 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 247.

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personalidade da vítima, como sua honra, a imagem, a

liberdade etc”. 21

Como podemos observar, a noção de dano está profundamente ligada a um

conteúdo patrimonial/econômico, porém, como veremos a seguir, isso é muito

mais complicado de mensurar no dano ecológico.

Se dano é um prejuízo que um terceiro causa a alguém, é correto afirmarmos

que o dano ecológico é o prejuízo que um terceiro causa ao ambiente.

Conforme SILVA, dano ecológico “é qualquer lesão ao meio ambiente causada

por condutas ou atividades de uma pessoa física ou jurídica de Direito Público

ou Privado”.22

Mas o que vem a ser ambiente? A resposta, segundo ANTUNES, é cultural.

Entende o ilustre doutrinador que “é a ação criativa do ser humano que vai

determinar aquilo que deve e o que não deve ser entendido como meio

ambiente”.23

Continua ANTUNES:

“Meio ambiente é, portanto, uma res communes omnium.

Uma coisa comum a todos, que pode ser composta por

bens pertencentes ao domínio público ou ao domínio

privado. A propriedade do bem jurídico meio ambiente,

quando se tratar de coisa apropriável, pode ser pública ou

privada. A fruição do bem jurídico meio ambiente é

sempre de todos, da sociedade. Por outro lado, o dever

jurídico de proteger o meio ambiente é de toda a

coletividade e pode ser exercido por um cidadão, pelas

associações, pelo Ministério Público ou pelo próprio

21 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2002, 3ª Ed., p. 80. 22 SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, 7ª Ed., p. 302. 23 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 247.

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Estado contra o proprietário dos bens ambientais que

sejam propriedade de alguém”.24

Na realidade, no ordenamento jurídico brasileiro não há uma definição

expressa de dano ecológico, mas, apenas, algumas expressões e

denominações, tais como “degradação ambiental” e “poluição”, contidos na Lei

n° 6.938/81, no artigo 3°, incisos II25 e III26. Subtende-se daí, por conseguinte,

que o dano ecológico seria uma deterioração, alteração ou destruição dos

recursos naturais, de forma parcial ou total, de forma que agredisse o

ambiente.

2.1.2 – Prova do Dano

O enorme obstáculo do tema dano ecológico é a dificuldade em se produzir

provas plenas. Os Tribunais brasileiros exigem que haja dano real e não

somente o dano potencial. A respeito do tema, ANTUNES se manifesta

contrário à essa postura, pois “ao exigirem que o autor faça prova do dano real,

os Tribunais, de fato, impõem todo o ônus da prova judicial para os autores,

enfraquecendo a responsabilidade objetiva do poluidor”.27

Ainda, no que concerne o dano ecológico, existe também outro conflito. Como

o direito ambiental abraça não somente as gerações presentes, como

igualmente as gerações futuras, nos deparamos com uma situação de difícil

solução, que é o chamado dano futuro.

É comum haver uma grande distância temporal entre o momento no qual o

dano foi gerado e sua efetiva manifestação. Isto é: imaginemos um caso no

qual uma fábrica de produtos de beleza exerceu suas atividades. Durante anos,

24 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 248. 25 II – degradação da quantidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; 26 III – poluição, a degradação da quantidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

27 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 249.

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esta indústria enterrou produtos químicos no solo, todavia o dano permaneceu

oculto, não se manifestando os seus efeitos negativos. Posteriormente, a dita

fábrica encerrou suas atividades. Algum tempo depois, o terreno foi adquirido

por outro empreendimento, digamos, uma farmácia laboratorial. Obviamente

houve uma irregularidade da primeira empresa, contudo é uma situação

complicada para se comprovar a causa e a autoria do dano existente, dado o

estado latente do dano.

Neste exemplo, a complexidade do problema tornará necessário que se realize

uma perícia ambiental técnica e científica para que conheçamos a extensão do

dano.

2.1.3 – Reparação do Dano Ambiental

Toda vez que um dano ao ambiente resultar em prejuízos ao patrimônio

pessoal, individual ou coletivo, haverá dever de restituir, reparar ou indenizar o

bem lesado. O artigo 225, parágrafo 3°, da Constituição Federal de 1988

tutelou sobre o tema.28

Esta reparação se dá, normalmente, de forma pecuniária, dada as dificuldades

de reparação natural na prática. A reparação do dano ecológico é outra matéria

de complicada solução, uma vez que, no dano ambiental é difícil se estipular

uma valoração. Afinal, quanto vale a restituição de um rio poluído ou de uma

floresta danificada ao seu status quo ante? Todavia, mesmo havendo todo

esse entrave, o que não se pode jamais é se basear nisso para se justificar a

irreparabilidade do meio ambiente.

A respeito da reparação, conclui MIRRA:

“Uma vez consumada uma degradação ao meio

ambiente, a sua reparação é sempre incerta e, quando

possível, excessivamente onerosa. Daí a necessidade de

28 § 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar o dano.

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atuação preventiva para que se consiga evitar os danos

ambientais”.29

O dano ecológico pode ser patrimonial ou extrapatrimonial. Neste particular, o

primeiro, o dano patrimonial, diz respeito ao patrimônio do lesado, portanto,

passível de valoração pecuniária. O segundo, por sua vez, refere-se a valores

de ordem pessoal, ideal ou moral, logo não possui caráter indenizatório, mas

sim compensatório e poderá receber uma valoração contraditória.

É neste último que surge a maioria dos conflitos. O dano extrapatrimonial

reporta-se aos direitos personalíssimos do ser humano, assegurados pelo

artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal de 1988, que são a honra, a

liberdade, a saúde e a integridade psicológica. E, ainda, nas hipóteses em que

exista a redução de um bem jurídico não patrimonial, configurando-se prejuízos

não apenas individuais como também coletivos, já que ambiente, enquanto

macrobem, é provido de natureza difusa, logo possuindo o dever de indenizar

toda a coletividade.

No dano extrapatrimonial é ainda mais árduo estabelecer a valoração, por

serem bens que não têm valor de mercado. O Judiciário deverá estipular,

baseado em casos concretos, métodos razoáveis e proporcionais,

estabelecendo, assim, valores coerentes. Infelizmente, não é o que vemos na

prática, pois não há parâmetros de reparação pré-estabelecidos.

O Decreto n° 1.306, de 1994 regulamenta o Fundo de Defesa de Direitos

Difusos, que tem o intuito de administrar os valores advindos de indenizações

por danos ambientais, utilizando-os para recuperar bens lesados.

No nosso objeto de estudo, ou seja, o direito ambiental, o dano extrapatrimonial

está descrito no artigo 84 da Lei n° 8.884/94.30

29 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. “Princípios Fundamentais do Direito Ambiental”. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, vol 2, p. 61. 30 Art. 1° Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente;

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No tocante ao assunto em tela, podemos citar o famoso episódio da “chuva de

pó branco”, que faz alusão ao pó branco catalisador da Refinaria de Duque de

Caxias, pertencente à Petrobrás, no Estado do Rio de Janeiro. O TJRJ

condenou a refinaria ao ressarcimento por dano moral às vítimas do referido

dano ambiental.

RESPONSABILIDADE CIVIL. PETROBRÁS. DANO

AMBIENTAL. VAZAMENTO DE “PÓ BRANCO”

CATALISADOR DA REDUC REFINARIA DE DUQUE DE

CAXIAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO AGENTE

POLUIDOR (ART. 14, § 1° DA LEI N° 6938/81). DANO

MORAL CONFIGURADO. É incontroverso o fato dos

problemas que ocorreram em 14 de julho de 2001 na

REDUC, refinaria pertencente à Petrobrás. O evento que

restou intitulado “a chuva de pó branco” foi amplamente

noticiado pela mídia escrita e falada, sendo, pois, público

e notório. Embora tenha a parte autora desistido da prova

pericial, junta receituário médico (fls. 21) que demonstra

ter sofrido os desconfortos com o contato da substância

lançada na atmosfera, sendo certo que para que se tenha

lugar a compensação por dano moral em casos como o

que deu origem ao presente feito, é desnecessário o

efetivo dano à saúde. É razoável e justo supor que cento

e quarenta toneladas de pó branco industrial caindo do

céu, sem qualquer aviso, em uma noite de sábado,

tenham causado sentimentos de surpresa, perplexidade,

medo, pânico e angústia àqueles que residiam ou

transitavam nas áreas afetadas. De fato, mesmo as

complicações mais simples, como dor de cabeça,

alergias, irritação de olhos, da pele e das vias

respiratórias, potencializaram o sentimento de

preocupação, angústia e medo de que algo mais sério e

imprevisível pudesse acontecer. A incerteza que pairava

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sobre os reais riscos à saúde certamente inclui-se no

terreno dos danos morais.31

Ainda, levando-se em consideração a teoria da reparação integral dos

prejuízos causados, ocorrendo o dano extrapatrimonial, a recomposição das

perdas será apenas parcial, visto que só logrou-se êxito quanto aos prejuízos

de ordem material.

Finalmente, cabe-nos explicar que a reparação só é devida quando restar

configurado o dano, advindo de atividade lícita ou ilícita, ao ambiente. Um

exemplo clássico que podemos citar é o de uma indústria que foi licenciada

pelo Órgão Ambiental competente, porém que esteja causando, em razão de

suas atividades, degradação ao ambiente, poluindo-o. O simples fato de estar

devidamente licenciada não lhe dá direito a gerar dano ambiental de qualquer

natureza.

Importante notarmos também que, na hipótese de alguém causar dano

ecológico em uma área que já tenha sofrido degradação, este não ficará

impune, respondendo solidariamente com os que o antecederam no dano.

Deixemos, para reflexão, o ensinamento de ANTUNES:

O que se percebe, de fato, é que qualquer critério de

reparação do dano ambiental é sempre falho e

insuficiente. Fundamentalmente, a atividade ambiental

deve ser regida pelos critérios preventivos. A prevenção,

contudo, implica ataque a diversos interesses econômicos

bastante fortes, seja daqueles que pretendam promover a

degradação ambiental, seja daqueles que atuam na

própria indústria da “recuperação” do meio ambiente

(venda de equipamentos antipoluição etc.).32

E, por último, cabe-nos ressaltar que a indenização pecuniária só será devida

quando for impossível restaurar-se o status quo ante.

31 TJRJ Apelação 2009.001.08460, Des. RENATA COTTA, Nona Câmara Cível, DO 24.07.2009. 32 ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 12ª Ed., p. 254.

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2.2 – Como Identificar os Sujeitos da Relação Jurídica

Obrigacional

2.2.1 – das Vítimas

MIRRA alerta que “os danos devem ser pessoais para fins de reparação,

condição que o dano ao meio ambiente não preenche, dado seu caráter

essencialmente coletivo e difuso”.33

Portanto, MIRRA expõe toda a complicação na solução de danos difusos, ou

para identificar uma vítima que passou a ter algum problema de saúde oriundo

de algum dano ecológico ou, por exemplo, para quantificar a perda da biota

terrestre, vítima de dano.

E são, realmente, muitas as dificuldades para se identificar e quantificar as

vítimas de um dano ecológico.

Isto se deve, principalmente, porque existe uma série de danos diferentes de

natureza ambiental, seja atrelado ao dano ambiental, seja de natureza pessoal,

seja no tocante a algum dano patrimonial ou, então, um dano de natureza

extrapatrimonial.

Cabe salientar que, de forma indireta, a maior vítima de um dano ecológico

será sempre a coletividade, que, em alusão ao caput artigo 225, como já vimos

anteriormente, é o titular do direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado.

E de forma direta, quem é o maior prejudicado? Obviamente é o próprio

ambiente. Vemos, assim, uma característica ímpar do dano ecológico e um

grande desafio para legisladores, que é a proteção de um ente jurídico

autônomo sem personalidade jurídica.

2.2.2 – dos Autores

33 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. A ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, 2ª ed., pp. 104 - 105.

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Assim como outros temas estudados no decorrer deste trabalho, trata-se de

uma matéria complexa, dado a dificuldade de se identificar o responsável pelo

dano ecológico.

Comecemos, então, citando a chamada poluição histórica, que é aquela que

ocorre em um microbem ambiental, ao longo dos anos, de excessivas e

diversas formas, geradas, também, por excessivos e diversos agentes

poluidores, conhecidos ou não.

Assim sendo, resta configurada uma enorme dificuldade em se demonstrar e

comprovar a parcela de contribuição que cada agente poluidor deu para que

ocorresse o dano ecológico.

Afinal, como identificaremos os autores do dano ecológico em casos tão

longevos? Lembrando ainda que, observado o espaço temporal, por muitas

vezes, a atividade podia nem ser considerada lesiva ou perigosa na época da

sua feitura.

O entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça é o de que a

responsabilização será solidária dos agentes envolvidos. Um único agente

poluidor poderá responder pela totalidade do dano aferido ao ambiente,

cabendo a este entrar com uma ação de regresso em face dos demais agentes

poluidores, com o intuito de que todos respondam na medida de sua

contribuição ao dano ecológico.

A tese recursal não prospera, tendo em vista que a

responsabilidade por danos ambientais é solidária entre o

poluidor direto e o indireto, o que permite que a ação seja

ajuizada contra qualquer um deles, sendo facultativo o

litisconsórcio. Precedentes do STJ.34

34 STJ – REsp n° 1079713-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 31.08.2009.

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Esse entendimento do STJ encontra fundamentação no artigo 3°, inciso IV, da

Lei n° 6.938/8135 e a sua combinação com o artigo 942 do Código Civil de

2002.36

2.3 – Nexo de Causalidade

Nas palavras do ilustre jurisconsulto CAVALIERI FILHO, o nexo de causalidade

“estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento,

permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do

agente foi ou não causa do dano”.37

Em outras palavras, o nexo de causalidade é a relação que existe entre a

conduta do agente e o resultado danoso. Para que haja a responsabilidade do

sujeito pela conduta que culminou no dano, é fundamental que se evidencie o

nexo de causalidade.

Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho monográfico, com a teoria do

risco, não há mais a necessidade de se debater o aspecto culpa do agente

poluidor, então, atualmente, o papel que o nexo de causalidade é de maior

destaque ainda.

A complexidade da matéria está presente, especialmente, nos casos de

causalidade múltipla, ou seja, quando existem diversas condições que

contribuem para a criação de uma determinada conseqüência.

Podemos exemplificar esta assertiva: uma empresa que vende pinto matriz

contaminado à uma cliente. Esta faz o cruzamento deles, fecundando uma

segunda geração. Posteriormente, vende para um supermercado, que coloca o

frango à disposição da população. Um comprador ingere o produto e passa

mal. E agora, qual é o sujeito que deu causa ao dano?

35 Art. 3°, IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. 36 Art. 942 – os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. 37 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2003, 4ª ed., p. 66.

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Este assunto introduz duas dificuldades: a primeira é comprovar-se a existência

do dano e a segunda é como se identificar o autor do mesmo. Para solucionar

o problema do nexo de causalidade, surgiram três teorias. Analisemos,

portanto, essas teorias, lembrando sempre que, por se tratar de teorias, devem

apenas servir para a orientação dos magistrados na busca de uma solução

plausível.

A primeira teoria, a da equivalência, não tem sido aplicada pela jurisprudência.

Conforme PEREIRA,

“[...] todos os elementos que, de alguma maneira

concorreram para a sua realização, consideram-se como

causa, sem a necessidade de determinar, no

encadeamento dos fatos que antecederam o evento

danoso, qual deles pode ser apontado como sendo o que

de modo imediato provocou a efetivação do prejuízo”.38

Portanto, como podemos ver, na teoria da equivalência não cabe análise em

diferentes graus, razão pela qual sofre pesadas críticas.

A teoria da causalidade adequada é exatamente oposta à teoria da

equivalência, à proporção que ela procura individualizar as condições,

analisando as probabilidades de produção do dano, para assim alcançar

àquela que pode realmente constituí-lo.

Visto que ocorre, eventualmente, imprecisão nos resultados das análises

apresentadas pela teoria da causalidade adequada, ela é, assim como a

primeira, objeto de críticas, porém, pelo menos quando nos referimos à esfera

civil, ela é a teoria predominante.

Por último, pela teoria da causalidade direta e imediata, para haver o nexo de

causalidade, tem que ter dado causa ao dano, o que significa produzir direta ou

imediatamente o resultado danoso.

38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 78.

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O artigo 403 do Código Civil de 2002 dá base à essa teoria.39

Ainda, para a teoria da causalidade direta ou imediata, o responsável pela

causa primitiva só responderá até a interrupção desta. Logo, podemos

observar que, mesmo quando a causa é distante, havendo o nexo de

causalidade, será passível de responsabilização.

A verdade é que há uma confusão acerca das teorias e o próprio Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro não faz distinção entre a teoria da causa adequada e

a teoria da causa direta e imediata:

[...] Em síntese, o problema relativo à poluição das águas

da Baía de Sepetiba não decorre de um fato simples, ao

contrário, fato complexo, originado de causalidade

múltipla; uma sucessão de condições ou de várias

situações concorrendo para a destruição da vegetação

marinha e de seus peixes, crustáceos, etc, de modo a

tornar necessário precisar dentre todas as causas qual

delas é a eficiente para o resultado, ou se todas formam

um bloco sólido e determinante da devastação criminosa

de peixes e crustáceos na região marinha.

Com efeito, tendo em vista que o nosso direito, em sede

de responsabilidade civil, adota a teoria da causa

adequada, também chamada de causa direta e imediata

por força de referência que lhe faz o artigo 1060 do

Código Civil, o concurso de causa não acarreta

necessariamente a solidariedade de todos os agentes,

sendo preciso verificar em que medida cada qual

concorreu para o resultado. (grifo nosso)40

39 Art. 403 – Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor,as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. 40 TJRJ – Apelação Cível n° 6393/2002, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Sérgio Cavalieri, DO 22.08.2002.