A Improvisação na Génese de Formas Musicais para Instrumentos de Tecla
Capítulo I INTRODUÇÃO Génese do estudo -...
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Capítulo I
INTRODUÇÃO
Génese do estudo
O ensino da Geometria, em geral, tem sido encarado como algo difícil
pelos professores das Escolas Secundárias do Ensino Geral (ESG) em
Moçambique. Foi possível fazer-se esta constatação a partir de um inquérito
dirigido a professores de Matemática do ESG, levado a cabo por um grupo de
professores da Universidade Pedagógica de Moçambique, do qual faço parte, no
âmbito de um projecto designado por Projecto UP-STTP 1 . Notou-se dos
resultados do inquérito que foi consensual entre os professores que a Geometria é
um tema difícil de leccionar.
No ensino secundário, na 10ª classe, realiza-se um exame nacional no final
do ano lectivo, por isso os professores têm sentido uma responsabilidade acrescida
na preparação dos seus alunos ao longo desse ano. Em muitos exames de
Matemática, da 10ª classe, aparecem problemas de Geometria no Espaço e isso
tem criado um grande embaraço para os alunos – que não têm estado bem
preparados – e para os próprios professores – que não têm conseguido preparar os
alunos da melhor forma para o exame. Uma das consequências imediatas disso é
que muitos professores têm evitado leccionar as turmas da 10ª classe.
Até ao ano de 2007, a Geometria Espacial era ensinada na 10ª classe mas,
actualmente como resultado da reforma curricular que está em curso no país,
passou a ser ensinada na 9ª classe. Com a passagem deste tema da 10ª classe para
9ª classe, o problema detectado mantém-se porque o exame na 10ª classe, pode
incluir qualquer dos temas da 8ª, 9ª e 10ª classes.
1 O Projecto UP-STTP (Support to Teacher Trainning Programme) foi um projecto desenvolvido na Universidade Pedagógica de Moçambique (UP) no período de 2004 a 2007 que tinha como um dos objectivos promover seminários e workshops com professores do ensino secundário para discutir questões de ensino da Matemática e de outras disciplinas. Neste projecto, também eram elaborados, alguns textos de apoio para os professores, que os ajudavam na preparação das suas aulas.
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As dificuldades que os alunos transportam desde o ensino secundário
fazem-se sentir mesmo na universidade. Esta afirmação fundamenta-se na minha
própria experiência como docente da disciplina de Geometria Analítica e de
Geometria Euclidiana, na Universidade Pedagógica de Moçambique. Os meus
estudantes mostravam muitas dificuldades em lidar com questões que
envolvessem o raciocínio espacial. E a maior parte desses estudantes eram
professores de Matemática nas escolas secundárias.
Importância da temática
Começaria, aqui, por procurar responder a questão: porquê ensinar a
Geometria na escola? É comum que, para responder a esta questão, sejam
enumeradas razões que se apoiam em aspectos da utilidade da Geometria, pondo-
se em evidência as possibilidades que os recursos geométricos oferecem à
resolução de problemas da vida quotidiana, ao desempenho de determinadas
actividades profissionais ou à própria compreensão de outros conteúdos escolares.
Uma das razões para se estudar a Geometria seria a sua aplicação no mundo em
que vivemos. De várias formas usamos a Geometria na nossa vida: matemáticos,
engenheiros, arquitectos, geógrafos, físicos, …, artesãos, artistas plásticos, usam a
Geometria nos seus trabalhos. Portanto, trata-se, neste caso, de reconhecer a
utilidade da Geometria no âmbito da formação humana, mais geral.
Tal como afirmam Fonseca, Lopes, Barbosa, Gomes e Dayrell (2001) para
uma melhor compreensão e apreciação das obras do homem ou da natureza, o
estudo da Geometria também promove valores culturais e estéticos importantes.
Indo a um contexto mais restrito, o escolar, podemos considerar aspectos mais
formativos que evidenciam a importância do estudo da Geometria. Segundo estes
autores, através do ensino da Geometria, é possível concretizar-se o
desenvolvimento de habilidades e competências tais como a percepção espacial e
a resolução de problemas, uma vez que ela oferece aos alunos as oportunidades de
olhar, comparar, medir, adivinhar, generalizar e abstrair. Deste modo, abre-se uma
oportunidade para o desenvolvimento de um pensamento crítico e autónomo nos
alunos.
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Duval (1998), por sua vez, também refere-se à importância do ensino da
Geometria e, segundo ele, é útil para desenvolver nos alunos as habilidades de
representação visual e de raciocínio e favorecer as sinergias destes dois processos.
A Geometria em geral, e a Geometria no Espaço, em particular, pode ser
uma fonte de actividades significativas onde os alunos podem trabalhar em grupos,
usando diversos tipos de materiais. Neste campo da Matemática, é possível
desenvolver nos alunos, as capacidades de visualização espacial, o uso de
diferentes formas de representação, evidenciar conexões matemáticas e ilustrar
aspectos interessantes da história e da evolução da Matemática (Ponte, Brocardo
& Oliveira, 2006). Segundo estes autores, a exploração de diferentes tipos de
investigação geométrica pode dar uma boa contribuição para a concretização da
relação entre situações da realidade e da Matemática.
Portanto, as duas faces (a utilitária e a formativa) do papel da Geometria
justificam o suficiente que esta seja ensinada na escola. Ensinar a Geometria para
que sejam, de facto, alcançados os objectivos de aprendizagem preconizados (nos
programas de Matemática), pode ser um desejo legítimo de um professor de
Geometria. Neste caso, há que considerar vários aspectos que podem ser
determinantes para tal, desde questões associadas aos currículos de Matemática,
em geral, e de Geometria, em particular, a formação matemática e didáctica do
professor, aos recursos e materiais disponíveis na escola, etc.
O sistema educativo serve-se do currículo para garantir aos cidadãos a
educação e, sendo assim, revela-se importante a investigação na área do
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, procurando-se estudar, por
exemplo, as crenças e práticas de professores, inerentes ao processo de gestão
curricular. Tal como referem Stein, Remillard e Smith (2007), as decisões
curriculares dos professores são, de certo modo, influenciadas pelas suas crenças
sobre a Matemática e o seu ensino, bem como pelos seus conhecimentos sobre a
Matemática e as aprendizagens dos seus alunos.
Objectivos e questões de estudo
Dada a situação descrita anteriormente e procurando contribuir para o
avivamento da área de investigação no meu país, achei pertinente realizar este
estudo para tentar esclarecer certas questões subjacentes à temática atrás referida.
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Por outro lado, o meu desejo de aprofundar o conhecimento num campo ao qual
me encontro ligado por interesses profissionais e pessoais, nomeadamente a área
de Geometria e do seu ensino, esteve na origem da decisão de levar por diante esta
pesquisa.
Em linhas gerais, esta investigação tem como objectivo compreender a
situação do ensino da Geometria, no Ensino Secundário Geral em Moçambique,
em particular da Geometria Espacial na 9ª classe, e as práticas de gestão curricular
do professor que lhe estão associadas. Mais especificamente, pretende-se
compreender as dificuldades que os professores enfrentam na leccionação do tema
e a origem das mesmas. Para tal, procura-se responder às seguintes questões:
1. Quais as perspectivas dos professores acerca da Geometria e do seu
ensino?
2. Como se caracteriza o papel do professor na gestão do currículo de
Matemática, em geral, e da Geometria, em particular?
3. Que dificuldades enfrentam os professores no ensino da Geometria? E
qual a sua origem?
Estrutura do trabalho
Com o intuito de compreender aspectos importantes subjacentes às
questões de estudo propostas nesta investigação, foi realizada uma revisão de
literatura que aborda assuntos fundamentais para clarificar o problema colocado.
Esta investigação segue uma abordagem qualitativa, envolvendo estudo de casos.
Globalmente, este trabalho é constituído por oito capítulos:
Após este capítulo de introdução apresentam-se, no segundo capítulo,
aspectos relativos ao ensino e a aprendizagem da Geometria, em que se faz uma
breve introdução sobre a evolução da Geometria como Ciência e uma descrição
sobre o raciocínio geométrico e o espacial. Neste capítulo, faz-se, também, alusão
à importância do uso dos diagramas, desenhos e materiais manipulativos no
ensino da Geometria. Inclui-se, igualmente, uma pequena descrição dos conteúdos
de Geometria no actual programa de 9ª classe em Moçambique. Ainda neste
capítulo, aborda-se alguns aspectos relevantes sobre o professor e o ensino da
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Geometria, nomeadamente, sobre o conhecimento matemático e didáctico do
professor e o seu desenvolvimento profissional, no âmbito deste tema.
No terceiro capítulo faz-se uma abordagem teórica sobre aspectos
associados ao currículo e sobre a gestão curricular feita pelo professor.
Nomeadamente, faz-se referência ao papel do professor na gestão e no
desenvolvimento do currículo e a sua relação com os materiais curriculares. Ainda
neste capítulo, apresenta-se, também, uma pequena descrição de algumas
actividades dos professores em Moçambique, concretamente, no que se refere à
planificação colectiva e a individual.
O capítulo quatro é dedicado à apresentação das metodologias usadas para
a investigação. Neste capítulo são justificadas as opções metodológicas tomadas,
nomeadamente, a escolha de uma abordagem qualitativa e de estudo de caso e são
descritos os principais instrumentos de recolha de dados. Faz-se também uma
breve apresentação dos participantes e o que condicionou a escolha destes.
Os capítulos cinco, seis e sete foram dedicados à descrição dos casos
constituídos no estudo. No capítulo cinco apresenta-se o caso do professor Manuel,
no capítulo seis, o caso do professor José e no sétimo capítulo, apresenta-se o caso
do professor Bernardo. Para cada caso, dedica-se alguma atenção à motivação do
professor para ser professor de Matemática, o seu percurso académico e
profissional, à sua forma de participação na gestão e no desenvolvimento do
currículo de Matemática e às dificuldades que tem enfrentado no ensino da
Geometria.
Finalmente, nas conclusões do estudo, procura-se, com base nos dados
recolhidos, responder às questões do estudo, incidindo-se nas perspectivas dos
professores sobre a Geometria e o seu ensino, no seu papel na gestão do currículo
e nas dificuldades que têm enfrentado na leccionação deste tema.
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Capítulo II
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA
A Geometria está presente em vários contextos, desde os escolares aos
extra-escolares. Em contextos extra-escolares, pode notar-se que a Geometria é
usada em trabalhos artesanais e decorações de certos objectos, fazendo-se a
ornamentação destes a partir de simples formas geométricas ou de aspectos de
simetria para obter, por exemplo, formas geométricas regulares (Mammana &
Villani, 1998). Por razões histórico-culturais, ainda segundo estes dois autores, as
grandes realizações da civilização grega, influenciaram substancialmente o
desenvolvimento da Geometria. Como ciência, a Geometria, englobando uma
colecção de afirmações abstractas sobre formas ideais e as provas dessas
afirmações, foi fundada na cultura grega por Thales, cerca de 600 A.C., que de
acordo com Legend (citado por Hansen, 1998), produziu uma vasta gama de
teoremas em Geometria.
Quando se fala da Geometria, parece incontornável o nome de Euclides,
que há cerca de 300 anos A.C., escreveu os famosos 13 livros conhecidos como
Elementos de Euclides, que foram a base de sustentação da clássica Geometria
grega. Numa fase posterior, a Geometria é desenvolvida por outros geómetras
como Arquimedes, Apolónio e Ptolomeu e, nessa fase, são os aspectos
conceptuais da Geometria que merecem maior atenção (Mammana & Villani,
1998).
A perfeição do tratado de Euclides tornou-o um modelo e um protótipo
para a sistematização de todas as áreas do conhecimento e, por muitos séculos, a
Geometria foi considerada a disciplina mais relevante para a formação cultural,
em escolas de artes (Mammana & Villani, 1998). Estes autores afirmam que a
perfeição do tratado de Euclides inibiu de certa forma o progresso da Geometria,
resultando numa estagnação do conhecimento geométrico por cerca de 2000 anos.
Contudo, ainda segundo estes autores, não foi surpreendente que depois desta
longa estagnação, tenham aparecido ideias originais, em investigações no campo
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da Geometria, independentemente da Geometria Euclidiana: ao longo do século
XV, a partir de um estudo artístico sobre perspectiva (Piero della Francesca, Leon
Battista Alberti); no século XVII, da fusão entre a Geometria e a Álgebra
(Descartes) e no fim do século XVIII, do estudo sistemático dos métodos de
representação de objectos em sistemas tridimensionais, através de desenhos, isto é,
através da Geometria Descritiva (Monge). Todas estas facetas da Geometria (a
Geometria Projectiva, a Analítica e a Geometria Descritiva) eram consideradas
como aspectos alienados do espírito da Geometria Euclidiana. Foi necessário
esperar-se até ao século XIX, para que se alcançasse um progresso fora da
Geometria Euclidiana, graças à descoberta das Geometrias não-Euclidianas por
Gauss, Bolyai e Lobachevsky (Mammana & Villani, 1998).
Como se pode notar, a Geometria vem evoluindo desde há vários séculos
até atingir o estágio actual.
O raciocínio geométrico e o raciocínio sobre o espaço
A Geometria é uma rede complexa de interligações de conceitos, modos
de raciocinar e de sistemas de representação usados para conceptualizar e analisar
ambientes espaciais físicos e imaginários (Battista, 2007). Este autor diz que o
raciocínio geométrico consiste principalmente na invenção e no uso de sistemas
conceptuais formais para investigar espaços e formas. Segundo Battista, os
matemáticos, por exemplo, usam um sistema conceptual base característico para
analisar e definir vários tipos de quadriláteros e de triângulos e, esse sistema usa
conceitos como medida de um ângulo, comprimento, congruência e paralelismo,
para conceptualizar relações espaciais entre as formas. Assim, definindo um
quadrado como um quadrilátero com todos lados iguais e ângulos rectos, dá uma
ideia de um conceito base característico, com propriedades espaciais que podem
ajudar as pessoas a raciocinar com precisão sobre esta classe de formas espaciais.
O pensamento geométrico envolve predominantemente raciocínios espaciais que
exigem habilidades de ver, inspeccionar e reflectir sobre objectos espaciais,
imagens, relações e transformações (Battista, 2007). O raciocínio espacial envolve
produção e inspecção de imagens, para responder a questões sobre essas imagens,
fazendo transformações e operando sobre elas, mantendo-as ao serviço de outras
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operações mentais (Clements & Battista, 1992; Presmeg, 1997; Wheatley, 1997 in
Battista 2007).
Duval (1998) afirma que a geometria envolve três tipos de processos
cognitivos que preenchem funções epistemológicas específicas: a visualização, a
construção e o raciocínio. Define a visualização como sendo o processo de
representação do espaço para ilustrar uma afirmação, para uma exploração
heurística de uma situação complexa, para uma vista de olho sinóptica desta ou
para a sua verificação subjectiva. A construção é feita com ferramentas (como por
exemplo, a régua, o compasso, etc.), com o intuito de obter modelos nos quais a
acção sobre os resultados observados ou representativos diz respeito aos objectos
matemáticos representados. E, finalmente, considera o raciocínio como o processo
discursivo para a extensão do conhecimento, da prova e da explicação. Segundo
este autor, a visualização, a construção e o raciocínio são processos independentes
uns dos outros mas, para o desenvolvimento de proficiência em Geometria, as
suas sinergias são necessárias.
A palavra “raciocinar” é usada com vários significados (Duval, 1998):
uma modificação (mental), uma tentativa e erro ou até um procedimento para
resolver uma dificuldade. Diz, ainda, Duval, que mais especificamente, o processo
que nos possibilita obter ou construir novas informações a partir de informações
dadas, é raciocinar.
Do ponto de vista cognitivo, há diferentes tipos de processos que
dependem da forma como a informação é apresentada e, também, da forma como
ela pode ser organizada. Em Geometria, segundo Duval (1998), a informação
dada ou disponível, deverá ser processada a um nível representacional e simbólico,
mesmo que alguns modelos possam fisicamente ser construídos.
Ainda associado ao raciocínio ou pensamento geométrico, Griffths (1998)
acha que os professores deviam ter uma noção sobre os níveis de van Hiele. De
acordo com a teoria de van Hiele, os alunos progridem através de vários níveis
discretos, qualitativamente diferentes, de pensamento geométrico. Esses níveis
estão organizados segundo uma sequência e hierarquia, de tal modo que, para os
alunos trabalharem adequadamente num dos níveis avançados, deverão ter
passado pelos níveis mais baixos (Battista, 2007). Este autor considera os
seguintes níveis de van Hiele:
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Nível 0 – Pré-reconhecimento: Porque a imaturidade na actividade
perceptual causa nos alunos a tendência de levarem em conta somente um
subconjunto das características de uma forma, eles não são capazes de
identificar muitas formas vulgares.
Nível 1 – Visual: Os alunos identificam e operam com as formas
geométricas de acordo com as suas aparências. Eles dependem fortemente
de protótipos (vulgares).
Nível 2 – Descritivo/analítico: Os alunos reconhecem as figuras e podem
descreve-las com base nas suas propriedades.
Nível 3 – Abstracto/relacional: Porque uma característica pode anunciar
outras características, os alunos produzem definições, distinguem entre o
conjunto de condições necessárias do das suficientes, entendem e, as vezes
providenciam argumentos lógicos.
Nível 4 – Dedução formal: Os alunos estabelecem teoremas com base em
um conjunto de axiomas.
Nível 5 – Rigor/metamatemática: Os alunos raciocinam formalmente sobre
sistemas matemáticos.
Clements e Battista (1992, pp. 1-2) explicam um pouco mais as
características destes níveis:
- A aprendizagem é um processo descontínuo. Isto é, existem saltos na
curva de aprendizagem, a qual revela a presença de níveis de pensamento
discretos e qualitativamente diferentes.
- O progresso dos alunos de um nível para outro não depende da
maturação biológica dos mesmos. O progresso dos alunos depende da
instrução, sendo que a memorização não é uma característica importante
em nenhum dos níveis.
- Conceitos implicitamente compreendidos num certo nível tornar-se-ão
explicitamente compreendidos no nível seguinte. No nível básico (de van
Hiele), as figuras são também determinadas através das suas propriedades
mas alguns raciocínios, neste nível não dependem destas propriedades.
- Cada nível tem uma linguagem própria, tem seu simbolismo e um
sistema próprio que estabelece conexões entre os símbolos. Uma relação
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correcta num certo nível pode revelar-se incorrecta num outro nível. Por
exemplo, a relação entre um quadrado e um rectângulo pode ser
compreendida de formas diferentes por duas pessoas raciocinando em
diferentes níveis.
O ensino da Geometria
Já há muito tempo que os investigadores em educação se preocupam em
estudar os problemas relativos ao ensino (Ponte & Chapman, 2006). Segundo
estes autores, existem sete categorias de conhecimentos que o professor precisa ter
para poder ensinar: conhecimento pedagógico geral; conhecimento sobre o
currículo; conhecimento sobre os conteúdos; conhecimento sobre os contextos
educacionais; conhecimento sobre o conhecimento dos alunos e conhecimentos
sobre os propósitos e valores educacionais.
Para o professor ensinar Geometria precisa ter conhecimentos sobre a
Geometria e sobre o ensino da Geometria, principalmente. Podem estar
subjacentes a este assunto algumas questões pertinentes: Que conhecimentos
precisa ter o professor para ensinar a Geometria? O que, de facto, os alunos
precisam de aprender em Geometria? Porquê precisam de conhecimentos de
Geometria? De diferentes maneiras, vários investigadores têm procurado
responder a estas e outras questões, sobre o ensino da Geometria.
Segundo o NCTM (2007), com o estudo da Geometria, os alunos poderão
aprender as formas e estruturas geométricas e o modo de analisar as suas
características e relações. E, aqui, a ideia de visualização referida por Duval (1998)
é igualmente partilhada. Fala-se da visualização espacial, no que diz respeito à
construção e manipulação de representações mentais de objectos bi e
tridimensionais e a percepção de um objecto a partir de diferentes perspectivas, o
que constitui um aspecto essencial para o desenvolvimento das capacidades de
raciocínio de argumentação dos alunos. O NCTM (2007) considera que a
modelação geométrica e o raciocínio espacial proporcionam formas de interpretar
e descrever ambientes físicos, podendo ser ferramentas bastante importantes na
resolução de problemas. Igualmente, considera que o pensamento geométrico é
bastante útil na representação e resolução de problemas em outras áreas da
Matemática e em situações do dia-a-dia, daí que a Geometria deve ser integrada,
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sempre que possível, com outras áreas. Ainda, segundo o NCTM (2007) é muito
importante desenvolver-se, nos alunos, a capacidade de lidarem com
representações geométricas, pois, estas poderão ajudá-los a dar significado a área
e fracções; os histogramas e os diagramas de dispersão poderão ajudá-los a
clarificar a informação e os gráficos de coordenadas poderão estabelecer um elo
entre a Geometria e a Álgebra. Continuando, o NCTM realça que o raciocínio
espacial tem grande utilidade na utilização de mapas, no planeamento de trajectos,
na construção de plantas e na criação artística. Para além disso, recomenda-se que
os alunos aprendam a ver a estrutura e a simetria presentes no que os rodeia e,
através da utilização de modelos concretos, desenhos e programas informáticos de
geometria dinâmica, estes, poderão envolver-se activamente com conceitos
geométricos. Com ferramentas adequadas, actividades bem concebidas e contando
com o apoio do professor, os alunos poderão formular e explorar conjecturas e
aprender a raciocinar cuidadosamente sobre as noções geométricas, mesmo a
partir dos primeiros anos de escolaridade (NCTM, 2007).
Num estudo exploratório feito por Pérez e Guillén (2007) sobre crenças e
concepções de professores do ensino secundário em relação à Geometria e o seu
ensino, notou-se que não havia uniformidade de opiniões entre os professores que
participaram no estudo. Alguns professores consideram que o ensino da
Geometria se reduz principalmente a aplicação de fórmulas, conferindo-lhe um
carácter algébrico. Como mostraram os resultados do estudo, muitos professores
gostam da Geometria, têm consciência de que tem bastante aplicação na vida real
e acham que para os alunos gostarem desta disciplina, o seu ensino devia ser
realizado utilizando contextos do quotidiano para que se veja a sua aplicação. O
ensino da Geometria, segundo Pérez e Guillén (2007), devia assumir uma forma
prática, tangível e devia usar recursos para visualizar raciocínios espaciais.
Veloso (1999) sugere que uma nova abordagem da Geometria deve
integrar de modo permanente a história da Geometria. Segundo este autor, esta
abordagem não é para entreter os alunos a copiar das enciclopédias anedotas sobre
dois ou três geómetras ou sobre as suas vidas, mas para ajudar à compreensão:
- Da importância ou da contribuição da Geometria, ao longo dos tempos,
na construção da sociedade actual;
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- Do carácter convencional e evolutivo das definições matemáticas e da
forma como conceitos importantes levam longo tempo a ser construídos;
- Da universalidade da Matemática e, ao mesmo tempo, das contribuições
que diferentes povos e civilizações deram à sua construção.
Ainda segundo Veloso (1999) o papel que por tradição é reservado ao
ensino da Geometria, de ajudar os alunos a compreender o carácter axiomático das
teorias matemáticas, deve ser continuado mas em novos moldes. Em consonância
com a maturidade matemática dos alunos, devem ser a estes propostas actividades
de organização local, ao longo da escolaridade. Além disso, ainda segundo Veloso
(1999), os alunos devem ter oportunidade de realizar algumas actividades em
Geometria não euclidiana, e reflectir sobre essa experiência, dada a sua
importância na filosofia matemática e do ponto de vista da cultura científica.
Claudi Alsina, da Universidade Politécnica da Catalunha (Veloso, Fonseca,
Ponte & Abrantes, 1999), é de opinião de que a Geometria no ensino da
Matemática devia ser uma Geometria útil para todos: uma Geometria baseada na
intuição e na experimentação; uma Geometria rica em temas de representação e
interpretação, capaz de ordenar, classificar e mover figuras planas e espaciais;
uma Geometria capaz de combinar diversas formas de linguagens (gráficas,
analíticas, simbólicas, …), com rigor nas definições e deduções e com diversas
técnicas para medir, construir e transformar; uma Geometria conducente à
compreensão do diálogo plano-espaço; uma Geometria aberta a
interdisciplinaridade com outras ciências e artes, etc. Considera ainda que devia
ser uma Geometria moderna, actual, prática, divertida e emocionante, a estar
presente na sala de aula e que, para tal, o professor tem de estar bem preparado.
Sobre a intuição e a dedução no ensino da Geometria, Rita Bastos,
professora do ensino secundário, diz que a experimentação/observação/intuição
por um lado, e rigor/dedução, por outro, são bastante importantes (Veloso et al.
1999). Segundo esta professora, não há Geometria sem os dois aspectos, sendo
que experimentação/observação/intuição e rigor/dedução, complementam-se. Esta
professora afirma que é importante que não nos esqueçamos de que a Geometria
que aparece nos livros e revistas, considerada rigorosa, dedutiva e acabada, tem
por base a actividade matemática que passou pela manipulação de muitos modelos
menos rigorosos (físicos, virtuais ou imagens mentais) e pela intuição que levou
às conjecturas e que resultou da observação desses modelos. Para além disso, esta
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professora argumenta que é fácil experimentar, observar e intuir mas que, embora
as crianças sejam capazes de o fazer, dificilmente podem pensar dedutivamente e
com rigor lógico. Portanto, é isso que os professores precisam de ensinar aos seus
alunos.
Continuando, Rita Bastos acha que é difícil ensinar ao aluno a orientar
experiências, a ver, em vez de olhar, a registar o que observa, a organizar os
registos, etc., para poder compreender e intuir relações. Por isso, não basta dar-
lhes os modelos para a mão, é preciso orientá-los nas tarefas, solicitando-lhes
relatórios e argumentações, etc. Para terminar, esta professora enfatiza que é
preciso que estejam presentes e em interacção, desde sempre e ao longo de toda a
escolaridade, os aspectos intuitivo, informal, e experimental e o aspecto dedutivo
e rigoroso. O que é importante é que a Geometria seja interessante e as actividades
e problemas propostos sejam significativos para os alunos.
Griffths, ao referir-se ao Currículo Nacional Britânico (Galuzzi et al.,
1998), diz que este começa duma forma razoável, dando algumas sugestões
concretas, tais como, dar nomes às formas geométricas, perceber-se as suas
propriedades e o uso da intuição natural dos alunos sobre o espaço para a
exploração de aspectos da Geometria. Mas Griffths afirma que lhe parece que este
currículo reconhece apenas o raciocínio indutivo, enquanto que os alunos deviam
também ser conduzidos a um raciocínio dedutivo.
Por sua vez, Veloso (1999) também é concordante com as mesmas ideias,
ao afirmar que a intuição e a dedução deverão estar presentes ao longo de toda a
escolaridade. Segundo este autor, não se deve considerar que o papel da intuição
esteja reservado para os primeiros anos e o da dedução para os últimos. A
experiência matemática comporta uma componente experimental e, além disso,
comporta também a ciência matemática, tendo como característica fundamental, o
raciocínio dedutivo. Assim sendo, segundo Veloso (1999), estas duas
componentes deverão fazer parte da actividade dos alunos em todos os níveis de
ensino. Este autor, é de opinião de que a componente experimental, embora deva
apoiar-se na utilização de sofware, deve recorrer intensamente a outros materiais,
como os manipuláveis, e isto não só nos primeiros anos. Em particular, o treino da
visualização espacial não pode fazer-se de outra maneira, e deve ser permanente
ao longo de toda a escolaridade. Para terminar, Veloso (1999), refere-se também à
experiência matemática dos alunos, no que diz respeito à Geometria e diz que
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deve tomar como pontos de partida: (1) Os grandes temas da Geometria – como a
visualização, a representação, a simetria, a forma e a dimensão; (2) s conexões da
Geometria no interior da Matemática – nomeadamente com os números, a álgebra
e a análise; (3) As relações da Geometria com a realidade exterior à Matemática –
Geometria e arte, Geometria e natureza, Geometria e arquitectura, aplicações
modernas da Geometria, como a robótica e a Geometria do design gráfico.
Tal como afirma Laborde (Galuzzi et al., 1998), nos últimos anos, a
aprendizagem é assumida como sendo possível quando contextualizada. O ensino
da Matemática, segundo Laborde, tem como objectivo possibilitar ao aluno ser
capaz de transferir a mesma ferramenta matemática de um contexto para outro; ser
capaz de reconhecer algo invariante de uma situação para outra e ser capaz de
mudar o seu ponto de vista ou forma de pensar.
Os objectos da análise geométrica
Muitas vezes, os investigadores distinguem dois tipos de objectos
geométricos: desenhos, referindo-se a entidades materiais, e figuras, referindo-se a
objectos teóricos (Laborde, 1993, in Battista, 2007). Laborde argumenta que no
ensino, se confunde, frequentemente, desenhos e objectos geométricos teóricos
que representam a forma, argumentando ainda que, muitas dificuldades dos alunos
em Geometria, surgem quando eles fazem raciocínios sobre desenhos quando
deviam raciocinar sobre objectos geométricos teóricos.
Battista (2007) identifica cinco tipos básicos de objectos envolvidos no
pensamento geométrico e espacial:
- O objecto físico, que é uma entidade física (exemplo: porta, caixa, bola,
figura, desenho ou figuras arrastáveis num programa de computador);
- O objecto sensorial, que é o conjunto de activações sensoriais evocadas
quando um indivíduo visualiza um objecto físico;
- O objecto perceptual é a entidade mental percepcionada por um
indivíduo quando visualiza um objecto físico;
- O objecto conceptual ou conceptualização é o significado consciente ou a
maneira de pensar activada, por um indivíduo, (a) em resposta a um
objecto perceptual, memória de um objecto perceptual ou definição de um
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conceito; ou (b) como nova construção a partir de outros objectos
conceptuais;
- O objecto como a definição de um conceito que é a especificação
matemática, formal, que pode ser verbal ou simbólica, de um objecto
conceptual.
Segundo (Battista, 2007), como base no seu uso, um objecto, em
raciocínio geométrico, é a entidade mental que é processada (consciente ou
inconscientemente) durante o raciocínio. Em geral, segundo este autor, no
pensamento geométrico, ou raciocina-se sobre objecto, ou raciocina-se com
representações.
No raciocínio geométrico e espacial, torna-se importante procurar entender
a relação entre os diferentes tipos de objectos descritos anteriormente e estar-se
ciente de certas complicações inerentes ao seu uso. Em Geometria, a designação
das figuras geométricas por nomes, pode afectar a percepção/concepção destas
nos alunos (Battista, 2007). Por exemplo, segundo este autor, um quadrado com
lados verticais e horizontais quando rodado 45º, é normalmente percebido como
um losango devido a experiências anteriores dos alunos que fazem com que não
levem em conta a relação entre as partes da figura, mas levem em consideração
apenas a sua posição (Battista, 2007).
Um conceito que tem sido extensivamente aplicado na aprendizagem e no
pensamento geométrico é o conceito de imagem – a combinação de todas figuras
mentais e as propriedades associadas ao conceito (Clements, 2003). Segundo este
autor, muitas vezes, os alunos usam mais imagens do que definições nos seus
raciocínios e os conceitos de imagens estão adversamente afectados por uma
instrução não apropriada. Por exemplo, o conceito de imagem de um ângulo recto
requer nos alunos a existência de um lado horizontal. Para este autor, isso pode
acontecer devido à falta de uma diversidade de exemplos que se tem notado, por
exemplo, nos manuais escolares. De modo similar, quando se fala de um triângulo
rectângulo, os alunos imaginam um triângulo, no qual, o ângulo recto é formado
por um lado vertical e um horizontal. Poucas vezes conseguem imaginar um
triângulo rectângulo em que nenhum dos lados que formam o ângulo recto é
horizontal (Clements, 2003). O estudo destes conceitos (imagens) pode
providenciar informações muito úteis sobre os erros dos alunos. Por exemplo,
16
alunos que conhecem muito bem uma correcta descrição verbal de um certo
conceito e que também têm uma imagem visual específica ou um protótipo,
fortemente associado a este conceito, poderão ter dificuldades de aplicar
correctamente a descrição verbal deste conceito (Clements & Battista, 1992).
Diagramas, desenhos e materiais manipulativos
A construção do conceito de imagem sugere que, embora os diagramas e
os desenhos possam suportar o raciocínio geométrico, eles trazem consigo um
conjunto de problemas (Clements & Battista, 1992). Por exemplo, segundo estes
autores, quando se usa o diagrama para a demonstração de um teorema, os alunos
estão supostos a focalizar-se naquilo que é essencial para a demonstração e
negligenciar o que não é essencial e isso tem sido muito difícil. Os alunos, muitas
vezes, atribuem características de um desenho ao objecto geométrico que o
representa, sem perceberem que os desenhos não representam necessariamente
toda a informação conhecida sobre o objecto representado (Clements, 2003).
Contudo, é natural e recomendável que os alunos tentem desenhar figuras para
poderem perceber a perspectiva visual e as propriedades do objecto a ser
desenhado.
Tradicionalmente, os desenhos e diagramas têm sido usados para dois
grandes propósitos (Battista, 2007): para representar classes de formas (exemplo,
um conjunto de rectângulos) e para representar relações geométricas (exemplo: os
bissectores dos ângulos de um triângulo interceptam-se no incentro do triângulo).
Contudo, tal como tem observado Battista, os alunos têm dificuldades no uso dos
dois casos, muitas vezes porque não entendem a natureza dos objectos a ser
considerados. Segundo este autor, em particular, os alunos atribuem, muitas vezes,
características irrelevantes de um diagrama ao conceito geométrico que se
pretende representar. Por exemplo, os alunos podem não identificar triângulos
rectangulares desenhados sem obedecer ao que é o protótipo deste tipo de
triângulos (o ângulo recto formado por um lado horizontal e outro vertical). Uma
outra dificuldade referida por este autor, surge quando os alunos usam os
diagramas em demonstrações. Por exemplo, os alunos podem assumir que lados
que parecem paralelos, num diagrama auxiliar, são paralelos (adicionando uma
condição não necessária à hipótese). Ou os alunos podem ligar um teorema ao
17
diagrama auxiliar dado pelo enunciado do teorema. Por exemplo, se o teorema é
originalmente ilustrado por um diagrama de um triângulo agudo, os alunos podem
crer que o teorema não é aplicável ou podem não imaginar que se pode aplicar a
um triângulo obtusângulo. Ainda outro tipo de dificuldade pode ocorrer quando os
desenhos não captam as relações geométricas apropriadas. Os alunos focalizam-se,
exclusivamente, no que estão a ver sem ter em conta as relações geométricas
associadas ao desenho. Por exemplo, a tangente pode ser desenhada a mão
levantada e não ser perpendicular ao raio da circunferência que ela intercepta.
Finalmente, os alunos podem cometer erros em diagramas geométricos
como desenhos de objectos, mudando profundamente a sua interpretação
(Clements & Battista, 1992). Por exemplo, os alunos podem identificar um
paralelogramo não rectangular como um rectângulo por interpretarem-no como
desenho de um rectângulo visto obliquamente. Ainda segundo estes autores, o uso
de diagramas, tais como os múltiplos desenhos, para a demonstração de
problemas, revela-se bastante útil. Da mesma forma, usando os materiais
manipulativos facilita-se a construção de boas representações de conceitos
geométricos, mas devem ser usados de forma correcta.
Segundo Clements e Battista (1992), professores e encarregados de
educação, acreditam que a reforma em educação matemática indica que o
“concreto” é bom e o “abstracto” é mau. Mas em contraste, as normas
profissionais de ensino sugerem que os alunos compreendem mais e têm mais
ferramentas para a construção de conhecimentos concretos, com base no uso e
integração de ideias concretas e abstractas. Os desenhos, também podem ser úteis
no ensino da Geometria; eles podem criar uma compreensão intuitiva imediata de
certas ideias geométricas. Contudo, Clements e Battista, deixam um alerta: os
desenhos precisam de ser variados de modo a evitar que os alunos cometam erros
na formação de conceitos. A investigação, segundo Clements (2003), tem
mostrado que o uso de desenhos raras vezes é mais eficiente do que o uso dos
materiais manipulativos.
18
A Geometria no Programa de Matemática da 9ª classe em Moçambique
Refiro-me aqui ao novo Programa de Matemática que entrou em vigor a
partir do ano 2008. As grandes linhas orientadoras deste currículo visam a
formação integral dos jovens, fornecendo-lhes instrumentos relevantes para que
continuem a aprender ao longo de toda a sua vida (Programa Intermédio de
Matemática da 9ª classe, 2006, p. 2). Nisto, o professor desempenha um papel
preponderante, na medida em que é chamado a ser o mediador do processo de
formação dos jovens acima referidos. O programa recomenda que o professor
deve colocar desafios aos seus alunos, envolvendo-os em actividades ou projectos,
propondo problemas concretos e complexos.
O programa de Matemática do primeiro ciclo do Ensino Secundário Geral
(8ª, 9ª e 10ª classes) apresenta os seguintes temas para cada classe:
1. Para a 8ª classe deve ensinar-se: Números racionais e Equações lineares
(1º trimestre); Proporcionalidade, Funções lineares e Sistemas de duas
equações lineares a duas incógnitas (2º trimestre); Circunferências e
círculos, Congruências de triângulos e Teorema de Pitágoras (3º trimestre).
2. Na 9ª classe ensina-se: Números reais e Radiciação, Inequações lineares
e Sistemas de inequações lineares com uma variável, Noção de monómios
e polinómios (1º trimestre); Equação quadrática, Quadriláteros e
Semelhança de triângulos (2º trimestre); Noções básicas de estatística,
Cálculo de áreas e volumes de sólidos geométricos (3º trimestre).
3. Na 10ª classe ensina-se: Teoria de conjuntos, Polinómios, Função
quadrática e Inequação quadrática (1º trimestre); Função exponencial,
Equação e inequação exponencial, Logaritmo e função logarítmica,
Equação e inequação logarítmica (2º trimestre); Trigonometria e
Estatística (3º trimestre).
Deste programa pode-se extrair os seguintes temas de Geometria, para
cada classe:
1. Na 8ª classe deve ensinar-se: Circunferências e círculos, Congruências
de triângulos e Teorema de Pitágoras (3º trimestre).
19
2. Na 9ª classe ensina-se: Quadriláteros e Semelhança de triângulos (2º
trimestre); Cálculo de áreas e volumes de sólidos geométricos (3º
trimestre).
3. Na 10ª classe ensina-se: Trigonometria (3º trimestre).
Portanto, a Geometria no espaço referida neste trabalho é a que aparece a
ser ensinada na 9ª classe como último tema do terceiro trimestre (cálculo de áreas
e volumes de sólidos geométricos). Este tema, como já fiz referência, era
leccionado na 10ª classe, também no último trimestre mas como penúltimo tema
(antes de Estatística), até o ano de 2007. A leccionação deste tema tem por
objectivos específicos que os alunos sejam capazes de identificar e caracterizar
cilindros, cones e esferas, calcular áreas e volumes de cilindros, cones e esferas e
resolver problemas práticos da vida que envolvem o cálculo de áreas e volumes.
Os alunos devem ser capazes de identificar e classificar os poliedros. Devem ser
capazes de estabelecer relações entre faces, ângulos e vértices de um poliedro.
Devem saber definir e classificar poliedros regulares. Identificar prismas,
pirâmides, cilindros, cones e esferas e os seus elementos fundamentais. Devem
desenvolver habilidades para esboçar sólidos e estimar áreas e volumes.
O programa contém algumas sugestões metodológicas para a abordagem
destes conteúdos. Sugere que o professor, ao introduzir os poliedros deverá dar
oportunidade aos alunos para dizerem se alguma vez ouviram falar de poliedro,
dando exemplos. O professor deve levar os alunos a diferenciar os poliedros
côncavos dos convexos, com base em exemplos. Para introduzir os prismas e as
pirâmides, o programa sugere que se comece com o reconhecimento de polígonos
já estudados e o cálculo de áreas de triângulos e rectângulos. O professor deverá
orientar os alunos a construir alguns sólidos simples, tais como, tetraedros,
pentaedros e hexaedros, usando material disponível, como por exemplo, cartão,
madeira, barro, etc. Para introduzir os sólidos de revolução recomenda-se que o
professor explique aos alunos o significado destes, dando exemplos concretos
(como gerar um cilindro a partir de rectângulo, como gerar um cone a partir de um
triângulo e como gerar uma esfera a partir de um círculo).
Fazendo uma comparação do novo programa com o antigo nota-se que
houve uma redução considerável dos conteúdos referentes à Geometria. Para além
20
dos conteúdos existentes no novo programa, o antigo abordava a axiomática da
Geometria no espaço.
Os autores do manual escolar de Matemática da 10ª classe, mostram, ao
introduzir a Geometria no Espaço, que têm consciência de que esta exige dos
professores e alunos, habilidades de raciocínio espacial e de desenhar “… Será
importante procurar enxergar as figuras no espaço e, algumas vezes, também
desenhá-las. O fundamental, no entanto, é usar a imaginação” (Nhêze & João,
2001, p. 193).
O professor e o ensino da Geometria
Nesta secção, faz-se uma pequena abordagem sobre aspectos relativos ao
desenvolvimento profissional do professor, bem como sobre aspectos inerentes ao
seu conhecimento matemático e didáctico, à luz de estudos realizados por vários
investigadores, nesta área.
O conhecimento matemático do professor e o ensino da Geometria
Desde o início dos anos de 1980, muitas investigações na área do
conhecimento matemático do professor, têm sido feitas, dada a importância de
que se reveste este conhecimento para o professor (Ponte & Chapman, 2006).
Várias investigações realizadas, envolvendo professores em formação e alguns em
início de carreira, dizem-nos que muitos destes, não têm os ricos e profundos
conhecimentos matemáticos requeridos no processo de ensino (Mewborn, 2003).
Esta autora, refere-se a uma pesquisa feita por Putnam et al (1992), com quatro
professores, da quinta classe, durante um projecto de instrução matemática e
identificaram aspectos do conhecimento matemático que afectavam a instrução
desses professores. Estes investigadores notaram que os professores apresentavam
muitas limitações em conhecimentos matemáticos e, por isso, pouco
providenciaram experiências ou conhecimentos matemáticos nos seus alunos. Por
exemplo, a falta de familiaridade de uma professora (do grupo) com a noção de
área e de perímetro levou-a a encorajar os seus alunos a multiplicar as dimensões
de um parque para determinar quanta rede seria necessária para cercá-lo,
conduzindo-os erroneamente ao cálculo da área do parque.
21
Mewborn (2003) refere-se, também, a uma pesquisadora Fernández (1997)
que observou aulas dadas por nove professores do ensino secundário. Esta
pesquisadora focalizou-se nas reacções dos professores às respostas inesperadas
dos alunos para ver até que ponto o conhecimento matemático destes professores
afectava a sua prática de ensino. Notou, então, que o forte conhecimento
matemático destes professores ajudou-os a controlar as situações de sala de aula,
na medida em que providenciavam: contra-exemplos para pensamentos errados
dos alunos, um acompanhamento do raciocínio do aluno até chegar a uma
contradição e/ou chegar a uma solução certa, oportunidade para os alunos usarem
métodos próprios para resolver problemas e uma incorporação desses métodos no
processo de instrução.
Outros estudos com professores do nível médio, mostraram que o
profundo conhecimento matemático destes mudou positivamente as suas práticas
(Mewborn, 2003). Os professores procuravam sempre experimentar novas
matemáticas com os seus alunos e eram cada vez menos dependentes do currículo
prescritivo.
Num estudo feito por Swafford, Jones e Thornton (1997), referido por
Mewborn (2003), com oito professores do ensino médio que tinham completado
um curso de Geometria, notou-se que, como resultado do curso, estes tiveram
significativas melhorias, o que afectou as suas práticas na sala de aula. Os
professores do estudo, afirmaram que estavam muito confiantes nas suas
habilidades para mostrar e responder a um alto nível de pensamento geométrico e
que se sentiam capazes de promover, nos seus alunos, o conhecimento
matemático, como resultado da experiência que adquiriram no curso. Por isso, é
plausível afirmar que o conhecimento e a percepção profundos dos professores
sobre a matemática que vão ensinar é um dos factores determinantes para o
sucesso do ensino da Matemática (NCTM, 2000).
Ponte e Chapman (2006) referem-se ao facto de que a maior parte de
estudos apresentados nas conferências do International Group of Psychology of
Mathematics Education (PME), durante as últimas três décadas, teve como foco
as dificuldades ou deficiências mostradas por professores, em aspectos associados
a conceitos ou processos matemáticos. Estas dificuldades, segundo os estes
autores, foram identificadas em certas áreas da Matemática, tais como números e
operações, funções, bem como em Geometria.
22
Ponte e Chapman (2006) referem-se, por exemplo, a um estudo feito por
Hershkowitz e Vinner (1984), envolvendo professores em formação, em que se
notou que estes professores tinham falta de conhecimentos básicos de Geometria e
de capacidades de pensamento analítico. Segundo Ponte e Chapman, muitos
estudos evidenciam que o conhecimento matemático dos professores, envolvidos
nesses estudos, se tem revelado problemático, no que diz respeito àquilo que eles
sabem sobre os conceitos e processos matemáticos e sobre os conceitos
fundamentais do currículo escolar de Matemática. Estes professores têm mostrado
não possuir uma percepção profunda e larga sobre os conteúdos que estão
supostos a ensinar. Finalmente, estes autores observam que muitos estudos sobre
o conhecimento matemático dos professores têm-se centrado em factos
matemáticos particulares, conceitos e procedimentos, não dando evidências da
relação destes com a prática.
O conhecimento didáctico do professor e o ensino da Geometria
Para ensinar a matemática os professores precisam, para além do
conhecimento matemático, o conhecimento sobre o ensino da matemática, em que
o foco está nos métodos de ensino (Ponte & Chapman, 2008). Huillet (2008)
afirma que para o professor ensinar um determinado tópico, precisa de determinar
o procedimento didáctico adequado, conhecer as características essenciais do
tópico, compreendê-lo e ter a noção dos pressupostos básicos necessários para
abordá-lo. Ponte (2005) refere-se, tal como Clements (2003), a duas estratégias no
ensino da Matemática: o ensino directo ou expositivo e o ensino-aprendizagem
exploratório ou de descoberta. Segundo Ponte, existem versões extremas de
ensino directo e de ensino-aprendizagem exploratório, tal como também existem
muitas versões intermédias. Neste contexto, cabe ao professor decidir, explícita ou
implicitamente, sobre a estratégia a usar. O professor pode, segundo este autor,
optar por uma abordagem, essencialmente, directa ou exploratória ou optar por
combinar em diferentes graus as duas modalidades.
O conhecimento sobre o ensino envolve, segundo Ponte e Chapman (2008),
vários elementos tais como os objectivos gerais do ensino da Matemática, a
natureza das questões ou tarefas a serem propostas na sala de aula, os materiais a
usar, os planos das aulas, a forma de organização dos alunos na sala de aula, a
23
comunicação e a avaliação. Para estes autores, e tal como afirmam também
Douady e Parzysz (1998), o professor precisa de ter conhecimentos não só sobre
os conteúdos, como também sobre os seus alunos. Em outras palavras, o professor
deve possuir capacidades que lhe permitam conhecer e antecipar os erros mais
comuns dos alunos, assim como intuir sobre a provável fonte destes erros. O
professor deve ser capaz de interpretar os pensamentos incompletos dos alunos,
estar ciente das actividades que os alunos deverão realizar, dado um certo tipo de
tarefa e o que nela acharão interessante. Ainda segundo Ponte e Chapman (2008),
o professor precisa, igualmente, saber sequenciar bem os conteúdos que vai
ensinar, o que os alunos sabem, como encaram o ensino, o quanto estão dispostos
para aprender e, também, conhecer que habilidades matemáticas possuem para
aprender um determinado tópico.
No que concerne ao ensino da Geometria, o National Council of Teachers
of Mathematics (NCTM, 2007), avança uma proposta no sentido de incentivar o
uso das potencialidades da visualização, do raciocínio espacial e da modelação
geométrica para resolver problemas. Segundo o NCTM, é tarefa dos professores,
promover, nos alunos, desde o início dos primeiros anos de escolaridade, o
desenvolvimento de capacidades de visualização, através de experiências
concretas, com uma diversidade de objectos geométricos e através da utilização
das tecnologias. À medida que vão desenvolvendo os seus conhecimentos sobre
congruência, semelhança e transformação, os alunos necessitam de aprender a
alterar, quer física, quer mentalmente, a posição, a orientação e a dimensão dos
objectos de forma sistematizada. Como um passo no sentido de aprenderem a
prever se determinadas planificações correspondem a determinados sólidos, os
alunos dos primeiros anos de escolaridade, podem experimentar construir sólidos
a partir das planificações de figuras bidimensionais, geralmente feitas em papel,
que podem ser dobradas de modo a obter objectos tridimensionais. Nos anos
seguintes, os alunos deverão ser capazes de interpretar e criar vistas de topo ou
laterais dos objectos. Na mesma linha de pensamento que o NCTM, os
investigadores Jones, Brown, Taylor e Hirst (2004) afirmam que um dos
objectivos importantes ao ensinarmos a matemática na escola secundária é o
desenvolvimento de conhecimentos, compreensão e habilidades de usar
propriedades e teoremas geométricos e encorajar o uso de conjecturas,
pensamento dedutivo e a demonstração.
24
Hershkowitz (1998) faz uma breve descrição dos resultados de uma
pesquisa desenvolvida por Orly, com alunos da 9ª e da 10ª classes, durante dois
anos. Orly escreveu o seguinte, no seu diário de pesquisa:
… Depois de dois anos pesquisando as dificuldades dos alunos em provar na Geometria, comecei a admirar as desvantagens da via clássica de ensinar a Geometria Euclidiana e tenho começado a experimentar outras estratégias. A minha intenção é criar situações em que o “convencer” seja necessário. Na aula enfatizo mais a necessidade de convencer do que a de provar. Neste caso, certos tipos de raciocínios que nunca tinham sido ouvidos nas aulas do passado passam a ser legítimos. … Criei situações nas quais os alunos eram capazes de avaliar os “níveis de convencer” das suas justificações. Isso é possível quando a turma está dividida em dois ou mais grupos que tenham feito conjecturas diferentes ou mesmo opostas. …Notei que as maneiras adequadas de convencer com sucesso são as baseadas no raciocínio dedutivo (incluindo a refutação e os contra-exemplos) (p. 29)
Hershkowitz supõe que os alunos usam o raciocínio, neste caso, para
compreender, explicar e convencer. Orly deu aos seus alunos a liberdade de
produzirem conjecturas. Quando surgem disparidades de ideias, os alunos
dividem-se em grupos, discutem as diferentes conjecturas e tomam a liberdade de
escolher de entre vários argumentos para convencerem-se uns aos outros. Neste
caso, os argumentos são avaliados pela sua força de convencer. Hershkowitz,
considera que esta abordagem é promotora do raciocínio matemático, em geral, e
do raciocínio geométrico, em particular.
Tal como verificaram Jones et al. (2004), para maximizar a oportunidade
de ocorrência do raciocínio geométrico, o tipo de actividades que o professor
prepara para os seus alunos é determinante.
O ensino japonês usou o método indutivo de abordagem, incluindo o uso
de problemas de representações geométricas em duas e três dimensões, tendo-se
verificado que quando pedidos para inferir sobre as relações existentes, os alunos
tinham sucesso (Hafner, 1993 in Clements, 2003).
25
Problemas abertos (por exemplo, encontrar tantas relações possíveis num
diagramas), comparados com um grande número de problemas convencionais,
podem reduzir consideravelmente a carga cognitiva e promover a aprendizagem
nos alunos (Clements, 2003). Segundo este autor, a carga cognitiva, também pode
ser reduzida e emergir a aprendizagem, usando a integração de palavras e
diagramas, por exemplo, inserindo frases em locais apropriados do diagrama,
podendo-se, deste modo, incorporar vários elementos num só.
O desenvolvimento profissional do professor e o ensino da Geometria
O desenvolvimento profissional é um processo associado à experiência,
que se caracteriza pela acumulação de habilidades, conhecimentos profissionais,
valores e qualidades pessoais que possibilitam o professor adaptar-se,
continuamente, no sistema educativo (Mushayikwa & Lubben, 2009). Estes
autores identificaram sete factores que levam o professor a um desenvolvimento
profissional: a sua identidade profissional, o desejo de desenvolver na carreira, a
necessidade de aumentar os seus conhecimentos sobre os conteúdos a ensinar, a
vontade de trabalhar com os outros, o desejo de integrar e adaptar materiais para o
ensino, a necessidade de adquirir habilidades e conhecimentos práticos sobre as
disciplinas a ensinar e os benefícios que podem surgir como resultado da
satisfação destes desejos. De uma maneira mais sumária, Huillet (2008) diz que o
professor precisa, no mínimo, ter conhecimentos sobre os conteúdos matemáticos
que vai ensinar e sobre os procedimentos didácticos que vai usar para abordar
esses conteúdos, para desenvolver-se profissionalmente.
As investigações indicam que o desenvolvimento profissional pode ser
alcançado com sucesso (Clements, 2003). Por exemplo, segundo este autor, um
programa de intervenção de quatro semanas, desenhado para melhorar os
conhecimentos de professores sobre Geometria e pesquisa sobre os processos
cognitivos dos seus alunos em Geometria, resultou numa mudança positiva em
conteúdos e em níveis de van Hiele, para professores do nível médio e, também,
naquilo que ensinavam e como ensinavam. Este estudo evidenciou uma mudança
na sua maneira de ensinar: desde como davam respostas, até à maneira como
produziam perguntas e como facilitavam discussões na sala de aula. Estes
26
professores passaram também a ter boas expectativas com relação aos níveis de
van Hiele para o pensamento dos seus alunos.
Uma forma de desenvolvimento profissional do professor, pode ser a
elaboração (em grupos) de tarefas e textos de apoio para os alunos (Mewborn,
2003). Deste modo, segundo esta autora, providencia-se uma oportunidade para o
professor lidar com assuntos matemáticos que lhe são menos familiares. Existem
várias outras formas de desenvolvimento profissional. Por exemplo, ainda
segundo Mewborn, na China os professores gastam parte substancial do seu
tempo lectivo colaborando uns com os outros. Eles gastam maior parte do seu
tempo estudando os programas escolares, manuais do aluno e do professor, para
perceber como é que os tópicos estão sequenciados, porquê um particular tipo de
exemplo é usado e de que maneira podiam usar os materiais disponíveis para
alcançarem os objectivos preconizados. Os professores encontram-se
semanalmente para discutir e reflectir sobre as suas práticas. Nos estudos e
análises de materiais de ensino, feitos pelos professores, surge sempre a
necessidade individual ou colectiva de aprofundar cada vez mais os seus
conhecimentos matemáticos. Mas há que considerar um detalhe muito importante!
Os professores chineses ensinam somente três ou quatro aulas de 45 minutos por
dia.
Para o desenvolvimento profissional, são requeridos contextos que
conduzam os professores a reflectir sobre as suas práticas e crenças, bem como
uma reforma curricular que os ajude a colmatar os seus constrangimentos
(Clements, 2003). Segundo este autor, o desenvolvimento profissional e a reforma
curricular influenciam-se mutuamente. Por exemplo, os constrangimentos e o
contexto em que os professores trabalham, determinam a consistência entre as
suas crenças e práticas. Enquanto os professores podem acreditar que a construção
de conhecimentos geométricos envolve o processo de socialização dos alunos nas
suas turmas, o desejo de cobrir a maior parte dos conteúdos impede-os de criar um
ambiente de sala de aula consistente com essas crenças (Berenson & Blanton,
1996, in Clements, 2003). Berenson e Blanton dizem, ainda, que os formadores de
professores também precisam de expandir os conhecimentos conceptuais dos
professores e dos tópicos que vão ensinar.
A American Council on Education (ACE), citada por Mewborn (2003, p.
45) afirma que o sucesso dos alunos depende muitas vezes da qualidade dos
27
professores. Os professores devem ser capazes de analisar as ideias dos seus
alunos e ter, também, uma propensão para ouvir e acompanhar os seus raciocínios
matemáticos. Não é suficiente que os professores tenham conhecimentos
matemáticos robustos. Por exemplo, Ponte e Chapman (2008) defendem que o
facto de um professor ter conhecimentos matemáticos profundos, não é uma
garantia de que este seja um bom professor de Matemática.
A oportunidade de desenvolvimento profissional dos professores deve
ocorrer em contextos nos quais eles podem experimentar, na sua prática, o que
têm aprendido, por exemplo, em acções de formação. Segundo Mewborn (2003),
certos estudos reportam que embora os professores, em worshops, por exemplo,
possam lidar com leituras de transcrições de entrevistas e com vídeo gravações
sobre raciocínio matemático de alunos, eles precisam de ouvir e acompanhar o
raciocínio matemático dos seus próprios alunos. Esta autora, refere-se a um estudo
realizado por Kazemi e Franke, numa escola elementar urbana, onde os
professores tinham que trabalhar juntos, em grupos, compartilhando reflexões
sobre trabalhos de alunos, para mudar as suas práticas. Notou-se nesse estudo que
os professores que se engajaram com maior afinco no projecto conseguiram
aplicar, nas suas aulas, o que haviam aprendido com os seus colegas. Estes
professores viam as suas salas de aulas como uma continuidade das actividades
que desenvolviam ao longo do projecto, enquanto que os professores que se
dedicaram menos ao projecto de formação viam as actividades que desenvolviam,
no projecto, como algo separado das suas práticas lectivas. Estes professores eram
pouco capazes de adaptar os problemas matemáticos que discutiam nos grupos de
trabalho para as suas salas de aulas e também menos capazes de trazer exemplos
de problemas matemáticos das suas salas para os grupos de trabalho.
Segundo Mewborn (2003), um estudo realizado por Cohen e Hill (1998),
em Califórnia mostrou que o desenvolvimento profissional requer, também, ser
levado em conta com outros aspectos do trabalho do professor. Estes
pesquisadores notaram que o desenvolvimento profissional era bem sucedido, em
termos de mudanças nas práticas dos professores e na aquisição de conhecimentos
pelos alunos, quando este era planeado para desenvolver o conhecimento do
professor sobre os materiais curriculares para alunos.
28
Capítulo III
O CURRÍCULO EM EDUCAÇÃO E O PROFESSOR
O currículo pode assumir diferentes significados, dependendo do contexto
cultural ou pedagógico no qual estiver sendo considerado. Entre os decisores
educacionais, usa-se o termo currículo para se referir às expectativas instrucionais
patentes nos documentos oficiais (Stein, Remillard & Smith, 2007), visão que
muitas vezes é reduzida à de programa (Canavarro & Ponte, 2005). Segundo Stein,
Remillard e Smith (l2007), muitos investigadores em educação matemática usam
o termo currículo para designar os recursos materiais construídos para serem
usados pelos professores na sala de aula.
De uma forma geral, o currículo é uma realidade pré-estabelecida através
de comportamentos didácticos, políticos, administrativos, económicos, etc., aos
quais estão subjacentes vários pressupostos que condicionam a construção de
diferentes perspectivas sobre o currículo (Gimeno, 2000). Este autor, baseado nas
definições, acepções e perspectivas de alguns autores sobre o currículo (por
exemplo, Grundy , 1987; Rule, 1973; Schubert, 1986), faz uma análise deste, a
partir de cinco âmbitos diferentes:
1) O currículo visto sob a perspectiva da sua função social, como um elo
de ligação entre a escola e a sociedade;
2) O currículo como um projecto ou plano educativo, composto de
diferentes aspectos, experiências, conteúdos, etc.;
3) O currículo como a expressão formal e material desse projecto que deve
apresentar, sob determinado formato, seus conteúdos, suas orientações e
suas sequências para abordá-lo, etc.;
4) O currículo entendido como um campo prático, remetendo à
possibilidade de: a) analisar os processos de instrução e a realidade da
prática, partindo de uma perspectiva que dote os processos instrutivos de
conteúdo; b) fazer-se o estudo do currículo, enquanto um campo de
intersecção de diversas práticas que se referem não apenas aos processos
29
de tipo pedagógico, interacções e comunicações educativas; c) criar uma
base de sustentação do discurso entre a teoria e a prática em educação;
5) O currículo como resultado de um tipo de actividade discursiva
académica e pesquisadora sobre os processos pedagógicos, interacções e
comunicações educativas, etc.
Portanto, com base nestas ideias, o currículo constitui um processo que
começa pelo estabelecimento de planos de execução e termina com a própria
execução, que é concretizada por vários intervenientes (por exemplo, as escolas,
os professores, os alunos, etc.)
Para além destas ideias que muito já dizem sobre o significado que é
atribuído ao currículo em educação, Gimeno (2000) refere-se, ainda, a uma outra
ideia que traduz a acepção e perspectiva de Heubner sobre o currículo. Heubner
(citado em Gimeno, 2000) define o currículo como sendo a maneira de se alcançar
o conhecimento através das condições em que se realiza e se converte numa forma
particular de entrar em contacto com a cultura, sem, no entanto, esgotar o seu
significado em algo estático. O currículo não pode ser algo estático porque é um
processo que fluí entre o plano escrito e a sua implementação, podendo estes dois
extremos influenciar-se mutuamente.
Com base em oito subsistemas, nos quais considera que se expressam as
práticas do currículo e, nos quais se decide e se criam influências para o
significado do mesmo, Gimeno (2000, pp. 23-26) faz a análise de um sistema
educativo:
1. O subsistema da actividade politico-administrativa. Este subsistema tem a
função reguladora do currículo, sob diferentes esquemas de intervenção
política, dentro de um campo com uma certa margem de autonomia. Por
exemplo, a administração política que dá mais ou menos margens de
autonomia e prescreve o currículo escrito.
2. O subsistema de participação e controle, que tem a responsabilidade de
elaborar o currículo, dinamizar a concretização e controlo do mesmo.
Estas funções podem estar na responsabilidade de órgão de governo, das
escolas, associações e sindicatos de professores, pais de alunos, órgãos
30
intermediários especializados, associações e agentes científicos e culturais,
etc.
3. O subsistema de ordenação do sistema educativo. Este subsistema, zela
pela estrutura de níveis, ciclos educativos, modalidades ou especialidades.
Aqui, ordena-se o sistema educativo, marcando, de forma mais precisa, as
mudanças de progressão dos alunos pelo mesmo. Outros exemplos da
ordenação do sistema educativo, podem ser a organização vertical e
horizontal, a progressão, os sistemas de avaliação, etc.
4. O subsistema de produção de meios. Tem a responsabilidade de produzir
meios didácticos. Por exemplo, os manuais escolares, materiais didácticos
para professores, etc. Pode considerar-se também materiais produzidos em
oficinas pedagógicas.
5. O subsistema de criação cultural, científico, etc. Operam neste
subsistema, por exemplo, grupos de especialistas em determinadas áreas
científicas ou culturais, procurando ajustar os conteúdos, por exemplo, aos
perfis culturais dos alunos.
6. Subsistema técnico-pedagógico. Este subsistema é constituído pelos
formadores, pesquisadores e especialistas em educação, associações de
professores, universidades, institutos de formação profissional, etc., os
quais criam linguagens, tradições, sistematizam informações e
conhecimentos sobre a realidade educativa.
7. O subsistema de inovação. Trata-se de um subsistema que se encarrega
pelas mudanças no currículo educacional, como resposta a certas
necessidades ou a sensibilidade sobre a qualidade dos currículos. A
inovação curricular pode ser efectivada através de iniciativas de
professores isolados ou por grupos de professores ou por associações, etc.
8. O subsistema prático-pedagógico. Neste subsistema são concretizadas as
propostas curriculares, através do processo de “ensino”. Este subsistema
sofre a influência dos subsistemas anteriores.
Estes subsistemas actuam numa interdependência, gerando, deste modo,
vários tipos de currículos, dependendo dos contextos educacionais a que
estiverem associados.
31
Os fazedores das teorias sobre os currículos, por exemplo, distinguem
alguns tipos de currículos (Stein et al., 2007): formal ou planeado ou institucional,
referindo-se aos objectivos e actividades projectadas pelas escolas ou em manuais;
implementado ou experimentado, referindo-se ao que acontece, realmente, na sala
de aula.
De uma forma mais detalhada, Gimeno (citado por Canavarro & Ponte,
2005), explica através de um modelo de desenvolvimento curricular, como os
diferentes currículos podem surgir como resultado da acção dos diferentes agentes
ou intervenientes, actuando nos diferentes subsistemas referidos anteriormente.
Considera, neste caso, cinco tipos de currículos, nomeadamente, o currículo
prescrito, o apresentado, o moldado, o avaliado e o currículo em acção. O
currículo prescrito na acepção de Gimeno (Canavarro & Ponte, 2005)
corresponde ao que foi definido como currículo formal, por Stein et al. (2007).
Este currículo tem uma função prescritiva ou orientadora para os conteúdos
curriculares e é da responsabilidade dos órgãos politico-administrativos. Em
seguida, Gimeno considera o currículo apresentado, que também designa por
currículo desenhado, referindo-se, por exemplo, aos materiais curriculares como
os manuais, que chegam aos professores para o seu uso na preparação das
actividades lectivas. Os professores podem usar estes materiais, por exemplo, para
elaborar fichas de exercícios para os alunos, se se tratar de manuais, ou para a
planificação das aulas. O subsistema de produção de meios tem, neste tipo de
currículo, um papel fundamental. De seguida, Gimeno considera o currículo
moldado ou organizado, resultante da interpretação que o professor faz ao
currículo formal ou aos materiais curriculares. Remillard (2005) designou este
currículo por currículo entendido. O quarto tipo de currículo que Gimeno
considera é o currículo em acção, correspondendo ao que o professor põe em
prática junto dos seus alunos. Trata-se daquilo que acontece, realmente, na sala de
aula, concretizando-se, deste modo, aquilo que o professor preparou para ensinar.
E, finalmente, considera-se o currículo avaliado, que pode ser concretizado
através de testes internos (provas prestadas pelos alunos sob orientação do
professor) ou externos (provas nacionais, provas de aferição,…), com função
reguladora do processo de ensino-aprendizagem e que tem uma influência naquilo
que se considera fundamental ensinar e aprender.
32
Tal como se referiu anteriormente sobre o carácter de interdependência
dos vários subsistemas do sistema educativo, os diferentes tipos de currículos,
aqui considerados, inter-relacionam-se e influenciam-se mutuamente, ao longo
das diferentes fases correspondentes ao desenvolvimento curricular. O esquema
seguinte ilustra esta interdependência (figura 1).
Figura 1: O currículo como um processo, adaptado de Gimeno, in Canavarro e
Ponte (2005)
Entre as fases escrita e entendida do currículo, os professores trazem as
suas percepções, crenças e objectivos a alcançar no currículo escrito e, neste
processo, eles transformam-no em algo exequível na sala de aula (Stein et al.,
2007). Na fase de implementação do currículo, professores e alunos, interagindo
uns com os outros, trazem o currículo à vida e, assim, algo diferente daquilo que
está escrito ou do que estava na mente do professor ou no seu plano, pode emergir.
Contudo, alguns investigadores têm reportado que nem sempre os
professores são capazes de se apropriar das lógicas por detrás da reorganização
curricular (Dácio, 2005). Por vezes, no decurso da reforma curricular os
professores revelam dificuldades de trabalhar de forma uniformizada com os
novos currículos (Reddy, 2006). Cada professor interpreta e usa o currículo da sua
maneira (Reddy, 2006; Canavarro, Santos & Ponte, 2000) facto que, por vezes,
dificulta a definição do currículo entendido (Reddy, 2006).
Currículo Como
processo
Currículo em
acção
Currículo apresentado
Currículo moldado
Currículo avaliado
Currículo prescrito
33
O papel do professor na gestão curricular
Na gestão curricular, cabe ao professor tomar as devidas decisões e adaptar
o currículo de forma adequada aos objectivos do ensino da Matemática. Da mesma
maneira, cabe ao professor a responsabilidade de avaliar os resultados do processo de
ensino nos alunos, ou seja, avaliar as aprendizagens dos alunos e reflectir sobre suas
práticas (Nunes & Ponte, 2008).
O professor deve olhar para o currículo sob uma perspectiva global e
integrada, consciente dos objectivos de aprendizagem que pretende alcançar nos
alunos, em termos do que quer que consigam fazer, dos conteúdos matemáticos
que devem dominar, dos processos e procedimentos a desenvolver para
construírem a sua competência matemática (Serrazina & Oliveira, 2005).
Uma parte do trabalho do professor centra-se na planificação que pode ser
feita para uma unidade de tempo de longa duração ou então pode ser pensada para
uma aula (Ponte, 2005). Segundo este autor, ao planificar, o professor define, de
forma explícita ou implícita, a estratégia de ensino que vai usar para abordar os
conteúdos, sobressaindo, deste modo, a actividade do professor e a dos alunos,
estabelecendo-se um número de aulas ou, simplesmente, um certo período de
tempo para a sua concretização. Portanto, o trabalho do professor não se
circunscreve apenas à sala de aula, indo muito para além desse espaço (Remillard,
2005).
No que diz respeito ao papel do professor no desenvolvimento do currículo,
Gimeno (2000) refere-se a três níveis de participação, consoante o seu grau de
dependência profissional. Este autor designou o primeiro por nível de imitação-
manutenção. Neste nível, o professor faz uma reprodução das inovações impostas
a nível superior, fazendo o uso dos guias curriculares, por exemplo os manuais
escolares. O segundo nível é o nível de mediação. Aqui, o professor afigura-se
como um mediador do currículo que, tendo em conta as condições concretas da
escola em geral e da sala de aula em particular, terá de adaptar as inovações
propostas pelos superiores hierárquicos. Finalmente, Gimeno considera o nível
criativo-gerador, em que o professor trabalhando com os colegas, assume uma
certa autonomia no seu trabalho. Neste nível, o professor regula de forma contínua
a sua prática, identificando problemas, procurando as respectivas soluções,
avaliando o seu trabalho, etc.
34
Os diferentes níveis de participação do professor no desenvolvimento
curricular, fazem com que o processo de ensino-aprendizagem tome um carácter
multidimensional. Através de um modelo que ilustra a relação entre o currículo e
o uso de materiais curriculares, Remillard (2005) mostra o carácter
multidimensional do processo de ensino-aprendizagem. O modelo que refere
(Figura 2) baseia-se num estudo que esta autora realizou com duas professoras
que usavam um certo manual escolar, pela primeira vez. Deste estudo, a autora
identificou três contextos nos quais ocorre o desenvolvimento curricular. O
primeiro contexto, que designou por arena de design, é aquele em que, com base
em manuais ou outros recursos, o professor faz a selecção e produção de tarefas
para os alunos. O segundo contexto, o que a autora chamou de arena de
construção, e que passo a designar por arena de implementação, corresponde à
fase em que as tarefas são trabalhadas ou implementadas na sala de aula. As
primeiras actividades do professor nesta fase, consistem em adaptar as tarefas e
ajustá-las à realidade dos alunos, de modo a facilitar o trabalho destes. A
adaptação das tarefas pode ocorrer mesmo no decurso da aula, em plena resolução
destas, dependendo das necessidades dos alunos. Isso faz com que as duas arenas
(a de design e a de implementação) estejam intimamente ligadas, uma vez que
depois da selecção e produção de tarefas e estando já a implementá-las na sala de
aula, o professor pode sentir a necessidade de voltar à fase de design, nem que
seja de forma improvisada.
O último contexto foi designado, por esta autora, por arena de
mapeamento. Esta fase de desenvolvimento curricular não está directamente
relacionada com o trabalho diário do professor. O mapeamento aqui referido,
envolve a escolha e organização dos conteúdos matemáticos para, por exemplo,
todo o ano lectivo. Esta arena é, por vezes, da responsabilidade de órgãos político-
administrativos, embora não deixe de se influenciar mutuamente com as duas
arenas anteriores. Uma forma típica de selecção e organização de conteúdos,
referida por Remillard (2005), aparece em forma de manuais, em que muitas
vezes, também aparecem orientações ou sugestões metodológicas para a
abordagem dos conteúdos. Com base nas suas experiências profissionais e naquilo
que acreditam que seja útil ou não, os professores optam por usar os conteúdos tal
como se apresentam no manual ou adaptam-nos.
35
O esquema seguinte mostra os três contextos que caracterizam o
desenvolvimento curricular feito pelo professor.
Figura 2: Uma visão geral das três arenas de desenvolvimento curricular,
adaptado de Remillard (2005).
Portanto, na operacionalização dos vários elementos da gestão curricular,
dando-se lugar a (re)construção e (re)interpretação do mesmo, efectiva-se o
desenvolvimento curricular, um processo que, segundo Ponte (2005), exige as
sinergias de dois elementos importantes: a experiência profissional e as
capacidades analítica e reflexiva dos protagonistas. O desenvolvimento curricular
é o processo pelo qual os professores desenvolvem planos e ideais curriculares,
transportando-os para a sala de aula (Remillard, 1999). Tal como afirmam Stein et
al. (2007), Remillard (2005) e Canavarro e Ponte (2005), o professor desempenha
um papel crucial na interpretação e no uso dos materiais curriculares na sala de
aula. Na medida em que o professor conduz e implementa o currículo, ele
desenvolve-o (Remillard, 2005).
Cabe, também, ao professor reflectir sobre se o seu trabalho está, de facto,
a funcionar, como está a funcionar e para quem. Isto, de outro modo,
corresponderia a uma reflexão sobre vários aspectos, para além das aprendizagens
Organização dos conteúdos do currículo de Matemática
Selecção e produção de
tarefas
Trabalhando as tarefas na sala
Arena de design Arena de implementação
Improvisando como resposta
aos alunos
Mapeamento do currículo
36
dos alunos, como o próprio processo instrucional em geral, os conteúdos, os
materiais, etc. Se o professor nunca questiona os objectivos e valores que guiam o
seu trabalho, o contexto em que trabalha ou ensina e nunca examina as suas
assumpções ou hipóteses, então, não está engajado num ensino reflexivo (Jay &
Johnson, 2002) e dificilmente pode desenvolver-se na sua carreira profissional
(Van Eekelen, Vermunt, & Boshuizen, 2006).
O professor pode, portanto, reflectir sobre o seu papel na gestão curricular,
tendo em consideração três áreas (Ponte, (2005). Na primeira, o professor pode
averiguar se o trabalho desenvolvido pelos alunos está, de facto, a contribuir para
as finalidades e para os objectivos propostos no processo de ensino-aprendizagem.
Na segunda, o professor pode analisar sobre a sua relação com os alunos. Neste
caso, o centro de atenção pode ser o ambiente e dinâmica da aula, a comunicação
e o envolvimento dos alunos nas actividades. Por fim, pode averiguar se as tarefas
se têm desenrolado de acordo com as previsões, se os recursos e materiais em uso
têm sido adequados para a aula e se há dificuldades de compreensão por parte dos
alunos.
Gestão curricular pelo professor
A maneira como o professor interpreta, constrói e reconstrói o currículo,
tendo em consideração as características dos seus alunos, os recursos materiais
disponíveis e as condições de trabalho, influencia a sua gestão curricular (Ponte,
2005; Canavarro & Ponte, 2005). Sobre as condições de trabalho, Mushayikwa e
Lubben (2009) consideram que o elevado número de alunos nas turmas, a falta de
condições financeiras das escolas e a escassez de recursos materiais para alunos e
professores (por exemplo, em países subdesenvolvidos), a instabilidade política,
etc., representam o que chamam de ambientes de trabalho carenciados, os quais
obrigam os professores a se esforçarem muito para alcançarem os objectivos de
aprendizagem pré-estabelecidos nos programas de ensino. Este é o caso de muitos
países em África.
As crenças dos professores sobre a Matemática e sobre o seu ensino, bem
como os seus conhecimentos sobre a Matemática e as aprendizagens dos seus
alunos, são outros factores que influenciam bastante as suas decisões pedagógicas
e curriculares (Stein et al., 2007). Para além destes factores, estes autores, também
37
consideram que a identidade profissional do professor, os contextos culturais em
que a escola estiver inserida, o tempo disponível para os professores se dedicarem
às planificações e à preparação das aulas, o apoio pedagógico dado ao professor e
a natureza do próprio currículo, influenciam as decisões pedagógicas e
curriculares dos professores.
Têm sido reportados vários estudos que evidenciam a diversidade de
opções assumidas pelos professores, na gestão do currículo, em função dos vários
factores mencionados anteriormente. Por exemplo, Lourenço (2005), num estudo
que realizou em Portugal, com professores de um conselho de turma do oitavo ano
de escolaridade, em que procurava relacionar a profissão de professor e a gestão
curricular, notou que os preconceitos dos professores sobre os seus alunos,
influenciam bastante a eficácia de fazer aprender ou de ensinar. Segundo esta
autora, as informações que muitas vezes são partilhadas, no início do ano lectivo,
sobre o desempenho dos alunos, podem condicionar o sucesso das suas
aprendizagens. Neste contexto, o professor constrói representações mentais sobre
os seus alunos, baseando-se nas suas concepções, acabando por categorizá-los e
associando-lhes uma certa expectativa em relação ao seu desempenho.
Canavarro e Ponte (2005) estudaram as diversas formas de participação de
três professoras (Francisca, Margarida e Helena), no desenvolvimento curricular.
Neste estudo, estes autores notaram que as três professoras assumiam posições
relativamente diferentes, na gestão curricular, de acordo com os factores que
influenciaram as suas opções.
Assim, a professora Francisca fez a gestão do currículo, planificando e
moldando o currículo com os colegas, funcionando como mediadora. Os factores
que decidiram esta opção curricular foram as suas concepções sobre o papel
formativo da Matemática e sobre a aprendizagem desta. No contexto da realização,
o tipo de alunos que tinha pela frente, influenciou as opções desta professora. Ela
faz a planificação e molda o currículo individualmente, para adequá-lo aos seus
alunos, situando-se ao nível de protagonismo curricular de criação.
A professora Margarida, a um nível de protagonismo de imitação-
manutenção, moldou o currículo prescrito apresentado pelos órgãos político-
administrativos, em forma de programas e outros materiais (calculadora,
brochuras tiradas da Internet, manual de curso de estatística), guiada pelas suas
concepções sobre a Estatística e seu ensino. Ao nível da realização, a professora
38
Margarida, por exiguidade de tempo, realiza as suas actividades (com os alunos)
na sala de aula, fazendo o uso dos materiais curriculares que lhe estavam
disponíveis, assumindo a posição de mediadora.
Por fim, a professora Helena fez a gestão curricular, planificando com
colegas, moldando o currículo individualmente, baseada nas suas concepções
sobre a Área de Projectos e o papel que esta desempenha na formação dos alunos.
Ao nível da realização, esta professora, planificou as actividades que depois
implementou com os alunos, evidenciando-se, neste contexto, o currículo posto
em acção. Durante todo o seu trabalho, esta professora esteve predominantemente
a um nível de protagonismo curricular de criação e foi, em parte, fortemente
influenciada pelas atitudes dos alunos.
Segundo constataram Canavarro, Santos e Ponte (2000), num estudo que
realizaram com duas professoras de Matemática, do ensino secundário, com o
objectivo de estudar as suas perspectivas e práticas e procurando compreender os
factores que influenciam a sua relação com o currículo, existem diferenças na
maneira como os professores concretizam as diferentes orientações curriculares
dos novos programas. Existem vários factores por detrás dessas diferenças. Nesta
investigação, por exemplo, os autores apontam para o facto de que, por vezes, há
incoerências internas nalguns documentos. Dão como exemplo os programas que,
por vezes, afirmam pretender promover certas práticas para, por outro lado,
inviabilizarem a concretização destas. Quando os professores tentam fazer o uso
das propostas metodológicas patentes nos programas, por vezes, acabam por não
conseguir abordar todos os conteúdos e, em outros momentos, para abordar estes
conteúdos, têm que abdicar de parte das metodologias sugeridas. Estes autores
também notaram que, enquanto as duas professoras estavam empenhadas em
converter as orientações dos novos programas nas suas práticas, sempre de acordo
com as suas perspectivas pedagógicas, não se desfaziam das suas práticas
anteriores.
Remillard (1999) evidencia, no seu estudo, que o ambiente e os contextos
em que as professoras trabalham influencia as suas opções curriculares. As
oportunidades de desenvolvimento profissional proporcionadas na escola onde
uma das professoras (Jackie) trabalhava, facilitavam a forma como ela abordava o
manual, enquanto que a outra professora (Catherine) tinha poucas oportunidades
de discutir, com os colegas da sua escola, sobre os objectivos da reforma
39
curricular. Contudo, segundo Remillard, a participação desta professora neste
estudo, trouxe alguma mudança na sua maneira de pensar sobre a reforma
curricular e de encarar os manuais para as suas aulas.
A falta de oportunidades de professores partilharem decisões curriculares,
também foi evidente num estudo realizado em Portugal, por Dácio (2005), em que
pretendia verificar como professores do primeiro ciclo faziam a gestão curricular.
Segundo esta autora, poucas vezes os professores partilham decisões referentes ao
campo pedagógico ou curricular. Normalmente, os professores partilham decisões
respeitantes a actividades extracurriculares. Decisões do campo organizacional
são normalmente vistas como imposições dos órgãos superiores, partilhando-se,
por vezes, formas de actuar perante as imposições. Pais, alunos, funcionários ou
outros elementos da comunidade educativa não participam na tomada de decisões.
Ainda segundo esta autora, os professores participantes do estudo, afirmaram que
sentiam que devia ser dada oportunidade ao professor inserido no contexto real da
organização da escola, definirem as melhores opções quer para a constituição de
turmas, quer para a elaboração das estratégias de ensino, quer para a gestão dos
recursos e aquisição dos mesmos. Em suma, todas as decisões deveriam passar
também pelos professores da escola.
Os materiais curriculares
O termo material curricular pode ser visto sob duas vertentes (Stein et al.,
2007): como o material impresso (em suporte de papel) ou digital, publicado,
preparado para ser usado por professores e alunos, antes, durante e depois da
instrução matemática; ou referindo-se às orientações instrucionais, com maior
ênfase nas orientações pedagógicas (como deve ensinar-se) e nas orientações
matemáticas (o que deve ser ensinado).
Embora pouco esforço tenha sido feito para examinar e conceptualizar os
materiais curriculares (Remillard, 2005), estes desempenham um papel
fundamental no ensino e na aprendizagem da Matemática (Nunes & Ponte, 2008).
Isso justifica-se pelo facto de que muitos professores de Matemática têm os
materiais curriculares como o seu principal instrumento para o ensino da
Matemática. Contudo, o professor precisa de estar familiarizado com o uso destes
materiais. Por exemplo, na fase inicial da implementação de novos currículos,
40
pode-se incorrer a vários problemas, ou seja, os novos currículos podem ter
efeitos negativos no processo de ensino e aprendizagem, por causa de prováveis
más interpretações ou pelo uso de materiais que não sejam familiares aos
professores (Reddy, 2006).
Podem considerar-se diversos tipos de materiais curriculares, tais como, as
normas ou directivas ministeriais, os programas de ensino, planos dos professores,
manuais, etc., que, num sinergismo, contribuem para uma boa gestão curricular.
Para além destes materiais, Ponte (2005) considera muitos outros, úteis para o
ensino da Matemática, tais como, fichas de trabalhos, textos retirados da Internet,
ferramentas computacionais (calculadoras, computadores), materiais de
Geometria (régua, compasso, esquadro, transferidor, modelos de sólidos
geométricos, geoplanos, etc.).
O manual é um recurso didáctico muito importante para o ensino da
Matemática, pelo que, a nível internacional, dois terços dos professores de
Matemática usam-no como a principal base para as suas aulas (Reddy, 2006). Os
manuais escolares oferecem, uma proposta de aprendizagem, para cada unidade, a
qual pode não ser adequada aos alunos, ou porque os exercícios e exemplos estão
em excesso, ou então porque a linguagem usada não está ao alcance dos alunos
(Ponte, 2005). Deste modo, cabe ao professor ajustar, fazendo uma omissão
selectiva (Stein et al., 2007), por vezes, de secções inteiras do manual, ou
complementando-o com conteúdos ou tarefas de outros manuais que sejam
adequados para a exploração de determinado tópico.
Vários investigadores têm estudado a forma como os professores têm
lidado com os materiais curriculares. Por exemplo, Nunes e Ponte (2008)
realizaram uma investigação, em que tinham como propósito analisar de que
forma o professor faz a gestão do currículo de Matemática, em especial como
utiliza o manual escolar no planeamento da sua prática lectiva e da avaliação, para
regular o processo de ensino-aprendizagem da Matemática. O professor observado
usa o manual escolar, como ponto de partida para a tomada de decisões. Com base
no manual escolar, o professor prepara tarefas para os seus alunos, procurando
diversificar as situações de aprendizagem. Para variar, conta também com tarefas
buscadas em outras fontes, como por exemplo, as construídas no âmbito de um
projecto de Matemática no grupo.
41
Com o objectivo de verificar como professores recém-formados
interpretam e usam os materiais curriculares, Nicol e Crespo (2006)
desenvolveram um curso em que os participantes deviam lidar com os materiais
curriculares. Quando solicitados a fazer uma análise geral de um manual de
Matemática, notou-se que todos os professores foram mais descritivos do que
analíticos. Limitaram-se a descrever como os tópicos estão sequenciados, como
são introduzidos e que tipo de problemas existem. Segundo um dos professores,
apesar de o manual ser um bom ponto de partida para o trabalho do professor,
exige-lhe um grande profissionalismo e criatividade.
Stein et al. (2007) referem-se a um estudo de caso realizado por Freeman,
Belli, Porter, Floden, Schmidt e Schwille (1983) com o intuito de verificar como
professores do primeiro ciclo usavam manuais de Matemática. Nesta investigação
distinguiram-se quatro maneiras do uso dos manuais. Houve professores que
seguiam taxativamente as instruções do manual, de aula em aula, começando pelo
primeiro capítulo, não conseguindo terminar com os restantes capítulos antes do
fim do ano lectivo. Estes professores foram considerados como sendo da categoria
presos ao manual. Outro estilo de uso dos manuais foi chamado por omissão
selectiva, em que os professores seguiam taxativamente as instruções dos manuais
mas saltando alguns capítulos. Alguns professores ficaram na categoria
focalizados no básico. Nesta categoria, dão prioridade aos processos matemáticos
básicos (por exemplo, as quatro operações básicas) e usam os manuais
selectivamente para trabalhar nisso. O último tipo de abordagem aos manuais foi
classificado como gestão por objectivos, em que os professores seguem um
conjunto de objectivos pré-definidos pela direcção da escola, usando os manuais
como instrumentos que os auxiliam a cumprir com estes objectivos.
Remillard (1999) estudou a forma como duas professoras lidavam, pela
primeira vez, com um manual recomendado pelas suas escolas. O objectivo do
estudo era verificar como os materiais curriculares podem promover mudanças no
ensino da Matemática. A autora analisou a relação entre as professoras, os
manuais e o currículo posto em acção. Considerando os três contextos, por ela
definidos, que caracterizam o desenvolvimento curricular pelo professor,
nomeadamente a arena de design, a arena de implementação e a arena de
mapeamento (detalhado no início deste capítulo), estabeleceu as categorias de
análise para o seu estudo. Interessa-me, aqui, apresentar um resumo do que a
42
autora descreve, sobre o uso do manual, pelas duas professoras, na primeira e
última arenas:
Na arena de design, segundo a autora, as professoras providenciaram duas
maneiras de fazer a selecção de tarefas: a apropriação e a invenção. Uma das
professoras (Catherine) apropriava-se das tarefas do manual, ou seja, usava as
tarefas nas suas aulas, tal como apareciam no manual. Ainda que ela duvidasse
das intenções ou objectivos de uma certa tarefa, não hesitava em apresentá-la aos
alunos. Enquanto isso, a outra professora (Jackie) usava o manual como uma base
para a orientação do seu trabalho e, quase sempre, adaptava as tarefas que
seleccionava (do manual) e, muitas vezes, inventava as suas próprias tarefas.
Todas as tarefas que requeriam vias rotineiras e de muito fácil solução eram
rejeitadas por esta professora que, assim, enveredava por aquelas que conduziam
os alunos a raciocínios matemáticos mais importantes. As diferenças entre as duas
professoras na selecção das tarefas, segundo Remillard, resultavam das diferenças,
evidentes, na forma como estas faziam a leitura e interpretação do manual e nas
decisões que tomavam sobre o que era importante para as suas aulas. Esta autora
constatou que a diferença entre as duas professoras na maneira como liam o
manual, devia-se, principalmente, ao que cada uma pensava sobre os conteúdos e
sobre a natureza da própria Matemática e as suas visões sobre o ensinar e o
aprender. A professora Catherine considerava a Matemática como uma simples
colecção de conteúdos. Para ela, a reforma curricular só acrescentava ou subtraía
tópicos mas não criava nenhuma mudança na sua maneira de ensinar. Na
perspectiva desta professora, os alunos aprendem ao lhes ser dito e mostrado o
que devem fazer na aula e a sua responsabilidade, como professora, é dar as
orientações que, para ela, deviam aparecer explicitamente nos manuais. Enquanto
isso, a professora Jackie via a Matemática não só como um conjunto de tópicos ou
lista de regras e procedimentos mas, também, como um corpo de ideias e relações
que requerem compreensão e não memorização. Por isso, quando esta professora
lia o manual focalizava-se mais na compreensão dos conceitos e das relações
matemáticas por parte dos alunos. Na perspectiva desta professora o ensinar e o
aprender ocorrem através da resolução de problemas, invenção de soluções,
explorando relações e articulando-as umas com outras.
Na arena de mapeamento, o professor decide sobre que conteúdos ou que
tarefas dá para incluir no seu plano de aula e quanto tempo deverá dedicar a estes
43
conteúdos. A professora Catherine era mais ligada ao manual, seguindo
taxativamente as orientações nele patentes mas, às vezes, saltando partes de certos
tópicos para poder conjugar a quantidade de conteúdos com o tempo. Tinha
sempre o cuidado de não escolher tarefas que levassem muito tempo a ser
resolvidas. A professora Jackie, por sua vez, era mais guiada pelo perfil dos seus
alunos para fazer o seu plano. Ela não seguia, com rigor, as orientações do manual,
nem as sequências dos conteúdos, nem os tempos propostos. Para um assunto
previsto para uma aula, no manual, esta professora podia, levar três aulas, até que
tivesse a certeza de que os alunos tinham compreendido a matéria.
As opções das professoras Catherine e Jackie estão de acordo com o que
Stein et al. (2007) dizem: usando as suas experiências e rotinas anteriores no
ensino, alguns professores, seguem as orientações patentes nos materiais
curriculares de forma tangencial ou intermitente. Estes professores tendem a
escolher os conteúdos que lhes parecem familiares para ensinar. Outros
professores usam os materiais curriculares como uma fonte de orientações gerais,
onde encontram a estrutura geral e os conteúdos matemáticos que pretendem
ensinar. Estes adoptam tarefas dos manuais, por exemplo, e traçam uma estratégia
da sua autoria para a condução na sala de aula, adaptando, se necessário, as tarefas
para adequá-las a um contexto favorável.
Tarefas
Podem considerar-se diferentes momentos e aspectos que caracterizam a
gestão do currículo, por parte do professor. Pelo mais diversificado público
escolar, o professor está sujeito a vários desafios, na qualidade de gestor do
currículo (Nunes & Ponte, 2008). Um dos desafios, segundo estes autores, é o de
gestão e implementação de um currículo adequado às exigências deste público
escolar. Requer-se do professor a habilidade de saber seleccionar tarefas de
diferentes naturezas, desde exercícios, problemas, investigações, projectos até
tarefas de modelação (Ponte, 2005), que podem ter um enunciado com
terminologia, basicamente, matemática ou conducentes a diversos contextos
(Nunes & Ponte, 2008). O principal objectivo, segundo estes autores, é que estas
tarefas contribuam para que os alunos tenham uma visão mais abrangente sobre a
44
actividade matemática e que promovam a compreensão dos processos
matemáticos, ajudando-os a desenvolver o raciocínio matemático.
O papel do professor na gestão do currículo é preponderante não só na
escolha de tarefas mas também no modo como as concretiza na sala de aula
(Serrazina & Oliveira, 2005). A habilidade que os professores devem ter na
selecção, adaptação e construção de tarefas, é referida por Remillard (1999), como
sendo uma componente crucial no desenvolvimento curricular pelos professores e
que é influenciada pelas suas concepções sobre a Matemática, pelo tipo de alunos,
pelas suas aprendizagens, pelos contextos de aprendizagens e recursos didácticos
existentes. Esta autora refere-se, por exemplo, ao facto de que os manuais podem
condicionar a maneira como o professor faz a selecção de tarefas. A forma como o
professor lê e entende o manual depende de como este se apresenta, em termos de
linguagem, de diversidade de tarefas, de presença ou não de orientações
metodológicas, etc.
Existem vários tipos de tarefas que se podem usar na gestão da aula de
Matemática. Ponte (2005) aponta para alguns exemplos: os problemas, os
exercícios, as investigações, os projectos e as tarefas de modelação. Estas tarefas,
podem ser abertas ou fechadas e de maior ou menor grau de exigência. Segundo
estas propriedades, Ponte (2005) considera quatro quadrantes resultantes do
cruzamento das duas dimensões.
Desafio reduzido
EXERCÍCIO EXPLORAÇÃO
Fechado Aberto
PROBLEMA INVESTIGAÇÃO
Desafio elevado
Figura 3: Relação entre diversos tipos de tarefas, em termos do seu grau de
desafio e de abertura, adaptado de Ponte (2005).
As tarefas abertas são aquelas em que o grau de indeterminação, no que é
dado, no que se pede ou em ambas as coisas, é significativo (Ponte 2005).
Enquanto isso, ainda segundo este autor, nas tarefas fechadas, o que está dado e o
que se pede, está claramente indicado. Sendo assim, o exercício, é uma tarefa
45
fechada e com menor grau de desafio. O problema é uma tarefa fechada, com
maior grau de desafio. A exploração é uma tarefa aberta, com grau de desafio
menor e a investigação, por sua vez, é uma tarefa aberta, com maior grau de
desafio. O projecto é uma tarefa de longa duração, que partilha muitas das
características das tarefas de investigação. Deste modo, quanto à duração, os
exercícios são tarefas de curta duração, as investigações, os problemas e as
explorações, são tarefas com uma duração média. Ponte (2005) também considera
as tarefas de modelação, que podem ser problemas ou investigações, dependendo
do grau de estruturação sendo que, geralmente, se apresentam no contexto da
realidade. Este autor chama a atenção para o facto de que os projectos, apesar de
poderem ser ricos, permitindo aprendizagens profundas e interessantes, também
podem ter alguns inconvenientes para os alunos, quando perdem muito tempo por
coisas sem interesse ou encontram impasses frustrantes que os levam a desistir.
Há diferenças nas práticas dos professores no tipo de problemas
seleccionados, na maneira de os adaptar, na capacidade de criar seus próprios
problemas. Algumas investigações mostram que certos professores se esforçam
em seleccionar tarefas ligadas à realidade (Nicol & Crespo, 2006; Remillard,
1999). Nicol e Crespo (2006), por exemplo, notaram que os quatro professores,
participantes de um estudo que realizaram, quando solicitados a seleccionar dez
problemas, cada um, de vários manuais de Matemática, todos escolheram
problemas ligados à realidade. Contudo, alguns sugeriam mais alternativas de
solução e, outros, menos. Uns ostentavam um maior grau de complexidade e,
outros, menor. Surgiram alguns problemas que suscitavam discussão e análise de
raciocínios, tornando-os ricos para a aprendizagem da Matemática. Todavia, dos
quatro professores, apenas dois foram capazes de apresentar alguns problemas da
sua autoria, na lista dos dez. Um dos professores produziu três problemas e o
outro produziu apenas um. Nalguns desses problemas, os professores enfatizavam
mais a justificação das respostas do que as próprias respostas.
Por sua vez, Remillard (1999), no estudo já referido, que realizou com
duas professoras de Matemática (Ctherine e Jackie), constatou que estas estavam
preocupadas em analisar as tarefas que causavam mais problemas nos alunos. A
professora Catherine focalizava-se mais nas tarefas ligadas à realidade do dia-a-
dia, pensando na maneira ideal de os abordar, enquanto que a professora Jackie
estava mais interessada em ajudar os alunos a interpretar os seus erros. Esta
46
professora apresentava maior tendência de improvisar formas de abordagem de
certos problemas ou mesmo de improvisar novas tarefas, do que a professora
Catherine. Para além de improvisarem, as duas professoras também adaptavam
tarefas do manual, ajustando-as às suas salas de aula.
A planificação feita pelo professor de Matemática em Moçambique
Nesta secção apresenta-se uma visão geral das fases de planificação do
professor de Matemática em Moçambique, para o exercício das actividades de
docência, como resultado do cumprimento das normas estabelecidas pelas
instâncias (político-administrativas) que gerem o sistema educativo no país.
Para o grupo de disciplina de Matemática, existe um professor-delegado,
indicado pela direcção da escola, para coordenar as actividades do grupo. No
início de cada ano lectivo, os professores de Matemática têm um encontro, onde
fazem a dosificação dos conteúdos para cada trimestre do ano lectivo. Alguns
grupos fazem a dosificação no início de cada trimestre e outros fazem no início do
ano lectivo todas as dosificações trimestrais. Chamam de dosificação ao processo
que consiste em dividir os conteúdos apresentados no programa em partes (doses)
para cada três meses lectivos.
Partindo-se do programa de Matemática, que é elaborado por entidades
competentes do Ministério de Educação, os professores fazem a dosificação, que
é não só uma extracção dos conteúdos do programa, como também, algo mais
detalhado (aula a aula), em que se apresentam inclusive as datas dos testes escritos.
Para além da dosificação, os professores elaboram um plano quinzenal, que vai
sendo actualizado de duas em duas semanas. O plano quinzenal é uma extracção
de partes da dosificação e é o documento mais usado pelos professores na
planificação das suas aulas. O plano de aula descreve aquilo que vai acontecer em
tempo real na sala, como por exemplo, os conteúdos que serão ensinados na aula,
as actividades do professor, as dos alunos, os materiais que vão ser usados na aula,
o tempo para cada fase da aula, os métodos a ser usados, etc.
A elaboração e apresentação do plano de aula é de carácter obrigatório,
sendo objecto de inspecção pelas autoridades educativas.
47
É hábito de muitos professores de Matemática, em Moçambique, no fim de
cada tema, deixar uma “bateria” de tarefas2 para os alunos irem resolvendo, ou na
escola (nas aulas exclusivamente de exercícios), ou fora da escola. Em alguns
momentos, os professores indicam as páginas do manual do aluno que contêm as
tarefas e, noutros momentos, fazem uma selecção destas, do manual do aluno e
passam para folhas soltas que os alunos poderão copiar. A lista de tarefas que
aparece no manual do aluno, no fim de cada tema, habitualmente, chama-se ficha
de exercícios. Da mesma maneira, quando o professor elabora uma lista de tarefas
para os alunos, também chama de ficha de exercícios. Neste último caso, chamam
ficha de exercícios, não importando se é sobre uma aula ou sobre um tema dado.
2 Normalmente, os professores em Moçambique designam por exercício, a qualquer tarefa matemática. Por vezes, algumas tarefas expressas somente através de palavras são chamadas de problemas.
48
Capítulo IV
METODOLOGIA DO ESTUDO
Neste capítulo apresenta-se a descrição da metodologia usada para o
desenvolvimento desta investigação e a fundamentação das opções assumidas.
A presente investigação enquadra-se no paradigma interpretativo,
abordagem qualitativa e modalidade de estudo de caso. O tipo de questões de
estudo que se levantam foi determinante na escolha desta metodologia. No
presente estudo optou-se pela modalidade de estudo de caso porque pretendia
obter-se explicações para as questões propostas, não se desejando exercer
qualquer tipo de controlo sobre a situação e, simultaneamente, procurava-se obter
um produto final de natureza descritiva e analítica.
Tal como foi referido anteriormente, este estudo visa compreender a
situação do ensino da Geometria, no Ensino Secundário Geral em Moçambique,
em particular da Geometria Espacial, na 9ª classe, e as práticas de gestão
curricular do professor que lhe estão associadas. Mais especificamente, pretende-
se compreender as dificuldades que os professores enfrentam na leccionação do
tema e a origem das mesmas. Para tal, as fronteiras da investigação foram
estabelecidas, procurando responder às seguintes questões: Quais as perspectivas
dos professores acerca da Geometria e do seu ensino? Como se caracteriza o
papel do professor na gestão do currículo de Matemática em geral e da
Geometria, em particular? Que dificuldades enfrentam os professores no ensino
da Geometria? E qual a sua origem? Portanto, a procura de respostas à
problemática enunciada remeteu a um campo de respostas para perguntas do tipo
“como” e “porquê” (Yin, 2003).
49
A metodologia qualitativa-interpretativa
A investigação qualitativa ocorre num contexto de descoberta, pois, o foco
da investigação está na formulação de teorias ou de modelos, tendo por base um
conjunto de hipóteses emergentes quer no decurso ou no fim da investigação
(Lessard-Hérbet, Goyette & Boutin, 1990). Segundo Stake (2007), a investigação
qualitativa dá ênfase à interpretação pessoal e privilegia a compreensão das
complexas inter-relações entre vários contextos. Portanto, há aqui uma certa
preocupação em organizar a investigação de forma a maximizar a oportunidade
para a generalização naturalista (aprendizagem experiencial). Na investigação
qualitativa, o investigador privilegia mais os processos do que os resultados
(Bogdan & Biklen, 1994), rejeitando encarar as pessoas como uma soma de
medidas psicológicas e tem a pretensão de capturar as suas experiências, emoções,
ansiedades, crenças, comportamentos e irracionalidades.
O estudo de caso
Na investigação de tipo qualitativo-interpretativo são utilizados com
frequência os estudo de caso. Para Yin (2003) trata-se de uma estratégia preferida
quando se nos colocam questões como as do como ou do porquê, quando o
investigador tem pouco controlo sobre os acontecimentos e quando o foco do
estudo está num fenómeno contemporâneo dentro do contexto da vida real.
Lessard-Hérbet et al. (1990) apontam algumas características do estudo de caso,
como por exemplo, o facto de ser mais real (menos construído), mais aberto e
menos manipulável, ou seja, menos controlado. Dizem, ainda, que nesta
modalidade de investigação qualitativa, o investigador faz um estudo aprofundado
de casos particulares e aborda o seu campo de investigação a partir do interior.
Para Lüdke e André (1986), um estudo de caso é uma investigação de
natureza empírica, baseada no trabalho de campo. As principais características do
estudo de caso, segundo estes autores, são as seguintes:
1. Os estudos de caso procuram a descoberta, ou seja, ao longo do estudo o
investigador mantém-se atento a novos elementos que podem surgir, ainda
que parta de alguns pressupostos teóricos iniciais. Neste caso, pressupõe-
50
se que o conhecimento é algo que se faz e refaz constantemente, não
podendo ser considerado uma construção acabada.
2. Os estudos de caso enfatizam a interpretação em contexto. Aqui, parte-se
do princípio de que para uma completa apreensão do objecto de estudo,
requer que se leve em consideração o contexto em que este se situa.
3. Procura retratar a realidade de forma completa e profunda, pretendendo
revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada
situação ou problema, focalizando-o como um todo.
4. Nos estudos de caso o investigador recorre a uma variedade de
informações recolhidas em diferentes momentos e situações e com uma
variedade de tipos de informantes para cruzar informações, confirmar ou
rejeitar hipóteses, descobrir novos dados, afastar suposições ou levantar
hipóteses alternativas.
5. Os estudos de caso permitem generalizações naturalísticas. O pesquisador
ao relatar as suas experiências durante o estudo permite que o leitor possa
fazer as suas generalizações naturalísticas.
6. Os estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes
conflituosos pontos de vistas sobre um determinado problema ou situação
social, principalmente quando este pode suscitar opiniões divergentes.
Neste caso, o pesquisador procura trazer para o seu estudo tais pontos de
vista, revelando o seu ponto de vista perante o problema ou a situação em
causa. Esta ideia fundamenta-se pelo facto de que a realidade pode ser
encarada sob diferentes perspectivas, não havendo uma única que seja
considerada a mais verdadeira.
No presente estudo, o grande foco é a descoberta de novos elementos
sobre o ensino da Geometria, sendo que e as características de estudo de caso
supracitadas foram tomadas em consideração durante o trabalho de campo.
Stake (2007) refere-se a estudos de caso intrínsecos e instrumentais,
decorrentes dos objectivos que o investigador tem presentes ao optar por este
design. Por exemplo, quando um professor decide estudar um aluno que revela
dificuldades ou quando alguém toma a decisão de avaliar um programa de ensino,
com o intuito de aprender sobre estes, está-se perante um estudo de caso
intrínseco. Isto é, quando existe um interesse particular em algo. Mas quando
51
estudamos um caso particular com o objectivo de clarificar uma dada
problemática ou compreender uma situação global, estaremos a fazer um estudo
de caso instrumental. Deste modo, o caso em si tem um interesse de segundo nível,
facilitando a compreensão de outro fenómeno. No caso em que para
compreendermos uma certa problemática, geral, usamos mais de um caso
particular, estamos a fazer estudos de caso colectivos. Deste modo, crê-se que um
conjunto de casos, semelhantes ou distintos, permitem trazer maior compreensão
sobre algo.
Portanto, segundo a classificação de Stake, nesta investigação foram
realizados estudos de caso colectivos instrumentais, uma vez que participaram três
professores, do Ensino Secundário, pretendendo-se que os casos estudados
contribuíssem para esclarecer a problemática da investigação.
Os participantes
Para este estudo foram constituídos três casos. Uma vez que estava em
causa o estudo da situação do ensino da Geometria Espacial, em Moçambique,
concretamente, o estudo das dificuldades dos professores em leccionar este
conteúdo, foram escolhidos para esta investigação três professores de Matemática
que já leccionaram, pelo menos três vezes, este tema. Esta condição tem
subjacente o facto de que estes professores já deviam ter desenvolvido alguma
experiência neste campo, ao longo do tempo. Uma outra condição que tinha sido
projectada foi que, de preferência, os três professores deveriam ser da mesma
escola, para uma rentabilização de tempo por parte do investigador. Dadas as
condições encontradas da Escola Secundária da Manga 3 , a que tinha sido
escolhida para o trabalho de campo, foram seleccionados para participarem nesta
investigação, dois professores, Manuel e José (são nomes fictícios), que ainda
tinham a esperança de poder abranger a parte de Geometria que interessava ao
investigador para assistir a algumas aulas. Para completar o número de
participantes desejado, o investigador recorreu a uma outra escola, a Secundária
de Dondo4, e escolheu o professor Bernardo (nome fictício) para o estudo. A
3 A escola secundária da Manga é uma escola pública, lecciona da 8ª à 12ª classes e tem uma população estudantil, normal, típica da cidade da Beira. 4 A escola secundária de Dondo é pública, lecciona da 8ª à 12ª e localiza-se na cidade de Dondo, a 30 km da cidade da Beira. Alguns dos alunos que frequentam esta escola vivem na cidade da Beira.
52
escolha destas escolas decorreu da facilidade de contactos do investigador com as
direcções e por terem características semelhantes. A escolha do professor
Bernardo foi por conveniência, pois era o único professor de Matemática da 9ª
classe que ainda ia dar pelo menos uma aula sobre a Geometria Espacial,
enquanto que os restantes estavam a dar os testes finais do ano.
Os três professores têm o mesmo tempo de serviço (11 anos) e, por
coincidência, foram formados na mesma instituição: o Instituto Médio Pedagógico.
A recolha de dados
Como já se fez referência, o presente estudo segue o paradigma
interpretativo, abordagem qualitativa e modalidade de estudo de caso. Para um
estudo com estas características, as entrevistas são um dos modos básicos para a
recolha de dados.
Em investigação qualitativa, usa-se a entrevista para “recolher dados
descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador
desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos
interpretam aspectos do mundo” (Bogdan & Biklen, 2004, p. 134). A entrevista
pode contribuir para contrariar determinados enviesamentos próprios da
observação participante (Lessard-Hérbet, et al., 1990) e é um método muito
utilizado para compreender a actividade humana. No presente estudo, foram
utilizadas entrevistas semi-estruturadas. Este tipo de entrevistas pressupõe a
elaboração prévia de um guião orientador e são caracterizadas por permitirem
flexibilidade na ordem das questões e o surgimento, durante a entrevista, de novas
questões. Tais características permitem manter um ambiente natural de conversa,
sem, contudo, se deixar de fazer uma recolha de dados sistemática.
Neste estudo o investigador realizou três entrevistas semi-estruturadas para
cada professor (anexo 1). A primeira foi realizada na primeira semana de Outubro
de 2008 e tinha como objectivo explorar questões gerais sobre o percurso
académico e profissional dos professores e as suas concepções e perspectivas
sobre a Matemática, em geral e, sobre a Geometria, em particular, bem como
sobre o ensino deste tema. Na segunda entrevista, realizada na terceira semana de
Novembro de 2008, pretendia-se analisar com os professores participantes
aspectos relacionados com a planificação do trabalho do professor, o uso dos
53
programas e dos manuais escolares. A terceira entrevista foi realizada na terceira
semana de Dezembro de 2008 e tinha como objectivo, explorar as concepções dos
participantes sobre a importância do conhecimento matemático e do conhecimento
didáctico para o trabalho do professor e algumas questões emergentes da análise
preliminar dos dados das primeiras duas entrevistas (sobre o ensino da Geometria,
o ambiente de trabalho, sobre o envolvimento dos alunos nas actividades, etc.). As
três entrevistas tiveram uma duração média de uma hora, foram áudiogravadas e,
de seguida, transcritas na íntegra.
Os locais onde decorreram as entrevistas foram escolhidos pelos
participantes, conforme lhes era mais conveniente. Por exemplo, as duas primeiras
entrevistas realizadas com o professor Manuel decorreram em sua casa e a terceira
foi realizada na Escola Secundária da Manga. O professor José preferiu que as três
entrevistas fossem realizadas na escola porque nessa altura estava escalado para
proceder ao processo de inscrição de alunos da 9ª classe. Por sua vez, o professor
Bernardo preferiu que as duas primeiras entrevistas fossem realizadas na sua
escola mas a terceira entrevista decorreu na sala de uma cabine das
Telecomunicações de Moçambique, no Dondo, porque logo a seguir o
entrevistado ia fazer uma pesquisa na Internet. Todos esses locais revelaram-se
adequados aos propósitos da realização da entrevista.
Durante a análise de dados, numa altura em que o investigador já se
encontrava em Portugal, distante dos entrevistados (em Moçambique), houve a
necessidade de aprofundar certos aspectos. Por isso, o investigador foi realizando
algumas questões adicionais, via telefone celular, cujos excertos estão indicados
por BEcel, MEcel e JEcel, se a ligação foi feita para, respectivamente, o professor
Bernardo, o professor Manuel e o professor José.
Ainda para a recolha de dados, também tinha sido prevista a assistência a
algumas aulas, para complementar os dados recolhidos na base das entrevistas,
uma vez que, na investigação, a observação possibilita um contacto pessoal e
estreito do investigador com o fenómeno a estudar. A observação participante é
muitas vezes associada à técnica da entrevista, normalmente com o objectivo de
triangular os dados, em particular no que diz respeito às crenças ou opiniões que
os inquiridos têm sobre acontecimentos que os tocam (Lessard-Hérbet et al.,
1990).
54
Os principais aspectos que se pretendiam observar eram o tipo de materiais
que os professores usam na aula, o tipo de actividades que privilegiam, até que
ponto dependem ou não do manual escolar e de que forma o usam com os alunos.
Mas contra todas as expectativas do investigador, só foi possível assistir a uma
aula (do professor Bernardo) sobre a Geometria Espacial, devido ao contacto
tardio com este professor, e porque os outros dois não abordaram este conteúdo
nesse ano lectivo, ao contrário do que estava previsto. Por isso, os dados obtidos
da única aula assistida, não foram usados na análise por dizerem respeito a um
único professor, não permitindo uma análise homóloga nos três casos.
A partir do momento em que se apercebeu de que não seria possível
assistir às aulas, planeou-se, em alternativa, a análise de planos de aulas dos
professores. Deste modo, propôs-se a cada um dos professores para elaborar um
plano de aula de introdução da Geometria Espacial (anexos 2, 3 e 4). Ainda junto
com os participantes, o investigador analisou certos aspectos em alguns materiais
curriculares como o manual escolar, concretamente, o tipo de abordagem dos
conteúdos, a linguagem usada e o tipo de tarefas propostas; o programa de
matemática, com mais incidência nos conteúdos de Geometria e a articulação do
manual com o programa. Por isso, considera-se que um outro instrumento usado
para a recolha de dados nesta investigação, foi a análise documental. Tal como
refere Stake “muito frequentemente, os documentos servem como substituto de
registos de actividades que o investigador não poderia observar directamente”
(2007, p. 84).
A análise de dados
Nesta investigação a análise da dados foi realizada de forma indutiva e
contínua durante e após a recolha de dados (Bogdan & Biklen, 1994). No
processo de análise mais formal dos dados, o investigador criou unidades de
análise, que o ajudaram a converter os dados brutos em subconjuntos
manipuláveis, tendo em consideração os objectivos da investigação.
A teoria ajudou o investigador a criar uma coerência nos dados e
permitiu-lhe ir para além de um acumulado pouco sistemático e arbitrário de
acontecimentos. Segundo Bogdan e Biklen (1994), o investigador tem que estar
55
ciente dos seus fundamentos teóricos, servindo-se deles para recolher e analisar os
dados.
As principais dimensões consideradas na apresentação dos casos,
nomeadamente a motivação dos participantes para serem professores de
Matemática e os seus percursos académico e profissional, as suas perspectivas
sobre o ensino e a aprendizagem da Geometria, a sua forma de gestão curricular
ao nível do currículo moldado e as dificuldades e constrangimentos que sentem no
ensino da Geometria, foram determinantes na análise final e nas conclusões da
investigação. Nesta ordem de ideias, foram consideradas as seguintes dimensões
para a análise final dos dados obtidos:
1. Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e
profissional.
2. Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática e da
Geometria
3. O papel do professor na gestão do currículo de Matemática e de
Geometria
4. Dificuldades e constrangimentos que os professores sentem no ensino
da Geometria.
As primeiras duas dimensões permitem, respectivamente, dar a conhecer
os percursos académicos e profissionais dos participantes e as suas motivações
para serem professores Matemática e responder à primeira questão de estudo, que
se refere às perspectivas dos professores acerca da Geometria e do seu ensino. A
terceira categoria providencia a resposta à questão dois, em que se pretendia saber
como se caracteriza o papel do professor na gestão do currículo de Matemática,
em geral, e da Geometria, em particular. Finalmente, a quarta categoria dá
resposta à questão sobre as dificuldades que os professores enfrentam no ensino
da Geometria, bem como a origem destas.
56
Capítulo V
O CASO DO PROFESSOR MANUEL
Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e
profissional
O professor Manuel frequentou o ensino geral até ao fim do nível
secundário (10ª classe). Fez o ensino primário na cidade da Beira, na escola
Mulheres Macombe. Fez a 5ª classe e a 6ª classe e depois foi frequentar a
formação de professores (6ª classe + 3 anos) que lhe conferiu o nível de 9ª classe.
Concluiu a 10ª classe na escola secundária Samora Moisés Machel, em 1993, e
ingressou no primeiro ano do Instituto Médio Pedagógico5, em 1994, para fazer a
sua formação profissional, de três anos, como professor de Matemática e Biologia.
Fez os três anos com sucesso e, em 1997, foi colocado na escola secundária da
Manga, onde começou a exercer as suas actividades de docência como professor
de Matemática, até ao presente ano.
Para além de estar a dar aulas na escola secundária da Manga, este
professor também lecciona Matemática na escola secundária Nossa Senhora da
Fátima, uma escola privada. Nesta escola, para além da 9ª classe, ele também
lecciona a 10ª classe.
No Instituto Médio Pedagógico, o professor Manuel escolheu o curso de
Matemática e Biologia porque, segundo ele, “… são as cadeiras que eu mais
percebia e, por isso, achei melhor ir para estas disciplinas” (ME1). Mas apesar de
ter optado pelo curso de Matemática e Biologia, o professor Manuel ainda não
leccionou a disciplina de Biologia desde o início da sua carreira profissional, por
preferência pessoal.
5 O Instituto Médio Pedagógico é uma escola de formação de professores de nível médio (não superior).
57
Actualmente, para além de estar a dar aulas, o professor Manuel é
estudante na Universidade Católica de Moçambique, delegação da Beira, estando
a fazer o 3º ano do curso de Ensino de Matemática.
Este professor considera-se um bom profissional ou um bom professor de
Matemática. Desde logo, porque, segundo ele, “…os alunos costumam dizer que
preferem estar comigo do que com outros… talvez pela minha maneira de
explicar” (ME3). Para este professor, um bom professor tem que ter muita
paciência com os alunos e não despachá-los, ou seja, precisa evitar trabalhar
muito apressadamente, com os alunos, sem deixar de se assegurar que eles
percebam o conteúdo. Ele afirma que despachar o aluno é como se “…estivesse a
tirar uma parte de mim…” (ME3). Acrescenta dizendo que “…aquilo que eu sei,
explico até o aluno perceber” (ME3).
O professor Manuel reconhece que o conhecimento matemático é
determinante para que um professor de Matemática seja um bom profissional
porque “… se um professor não tiver conhecimentos não será capaz de explicar
nada, …por isso, às vezes, os alunos dizem que professor fulano não explica
nada…” (ME3). Este professor argumenta que o domínio dos tópicos matemáticos
que ensina é indispensável porque “…se o professor não domina os conteúdos,
acaba passando por cima…” (ME3), ou seja, acaba por evitar leccioná-los.
Este professor reconhece, igualmente, que para um professor de
Matemática ser um bom profissional, o conhecimento matemático não é suficiente.
“A maneira como a gente vai ensinar, conta muito!... se vou começar a minha aula
de uma maneira que vai criar transtornos nos alunos, não dá!” (ME3). Assim, acha
que os aspectos didácticos, associados ao conhecimento matemático, são
essenciais.
Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática
O professor Manuel considera que ultimamente o ensino da Matemática
está perdendo qualidade, ou seja, o ensino da Matemática está entrando em
decadência. Desde que começou a dar aulas em 1997, ele tem constatado uma
mudança: “…de lá para cá, estou a notar uma diferença muito grande. Na altura,
do jeito que trabalhávamos e do jeito que os alunos assimilavam a matéria e agora,
está uma diferença muito grande” (ME1). Este professor tem notado um certo
58
desinteresse da parte dos alunos para com a aprendizagem da Matemática. Mas
qual será a tendência da situação? Está a melhorar ou não? Em resposta a esta
questão, o professor Manuel diz que:
…em vez de melhorar está a piorar. Os alunos já estão a ver a Matemática como uma coisa muito difícil e,… não sei nem,… vejo o ensino a decrescer e já não há aquela correspondência [por parte dos alunos] porque quando comecei a trabalhar, no primeiro ano comecei a trabalhar com as 6ª e 7ª classes e depois,… yah, foram três anos a trabalhar com as 6ª e 7ª classes e então a partir de 2000 comecei a dar aulas à 8ª classe. Mesmo quando comecei a trabalhar com as 8ª classes!... E então durante esse tempo, o aluno que tive em 2000 e o aluno que tive em 2006 há uma grande diferença. (ME1)
Segundo este professor, no início da sua carreira, os alunos eram mais
dedicados e preocupavam-se em aprender. Portanto, os alunos correspondiam ao
esforço do professor com a sua dedicação. O professor Manuel salienta que o
enfraquecimento do ensino não só se nota na disciplina de Matemática, como
também, em outras disciplinas. Esta afirmação do professor é fundamentada em
informações que tem obtido em conversas informais com os colegas que
leccionam as outras disciplinas. Contudo, o professor reconhece a importância da
Matemática na formação do aluno. Ele procura explicar, na sua óptica, a função
da Matemática na vida do aluno:
Para mim a Matemática tem a função de… prontos,… criar mais ou apoiar ao aluno nas suas capacidades ou no pensamento. Por exemplo, para resolver um problema, às vezes é preciso raciocinar ou procurar algo que nos relacione com a vida prática e então isto abre mais a visão do próprio aluno. (ME1)
O professor Manuel acha que, em parte, o problema do ensino da
Matemática tem origem na sua aprendizagem, concretamente, nos alunos. Ele
evoca a falta de motivação na parte dos alunos, facto que os leva ao desinteresse
pela aprendizagem da Matemática, comprometendo, desta forma, a qualidade de
ensino. Mas ele próprio também se sente desmotivado no ensino da Matemática e
justifica-se dizendo que:
59
…posso dizer que um dos factores que pode desmotivar os professores pode ser o excesso de alunos com que trabalham. Na altura, como exemplo, eu tinha uma turma de 35 alunos e tendo 35 alunos eu era capaz de identificar o aluno mais fraco ou o que tivesse mais dificuldades na matéria x ou no capítulo y! Só que agora eu nem conheço os meus alunos pelos nomes e assim é difícil trabalhar mesmo que o indivíduo reconheça que a Matemática é importante…. (ME1)
Normalmente, o professor Manuel lecciona turmas com 70 alunos. Mas,
este professor afirma que em outras escolas, “por exemplo, na escola secundária
Sansão Muthemba, o número de alunos vai de 100 a 140 por turma,
principalmente no curso nocturno” (ME3), o que são condições claramente muito
adversas para o professor.
Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Geometria
Para o professor Manuel, a Geometria desempenha um papel muito
importante na formação do aluno, não só na escola, como também na sua vida
pessoal. Ele explica-se nos seguintes termos:
…para aqueles que querem seguir mais tarde a Arquitectura, por exemplo, é imprescindível conhecer a Geometria e, por isso, é mesmo necessária. Embora a Arquitectura esteja ligada a Desenho, também a Geometria está ligada a Desenho. A aplicação pode não ser imediata, podendo ver-se mais tarde. E mesmo na Matemática, o aluno tem que conhecer a Geometria porque, por exemplo, a parte sobre resolução de triângulos ele pode aplicar em casa, na vida real. Às vezes até faço de brincadeira com os alunos e tenho dito a eles que podem chegar a casa da avó e calcular a altura da sua palhota usando o teorema de Pitágoras. Isso é para o aluno ver que o que está a aprender na Matemática pode ser usado na prática, na vida real. (ME1)
Este professor pressupõe que as avós dos alunos, ainda na sua maioria,
vivem em cabanas (construções tipicamente rurais, feitas de caniço e palha) de
bases em forma de prisma e tecto em forma de cone ou de pirâmide, em que o
aluno pode visualizar um triângulo rectângulo e determinar a altura da cabana.
60
Embora o professor Manuel não tenha desenvolvido mais a sua ideia sobre o
papel da Geometria na formação do aluno, leva a crer que tem a noção de que para
além desta ser útil na escola, também tem utilidade no quotidiano do aluno.
Contudo, avaliando por aquilo que está acontecendo actualmente, o
professor Manuel é pessimista quanto ao futuro da Geometria no ensino,
principalmente, no caso da Geometria Espacial: “A Geometria vai-se esquecer ou
já está sendo esquecida…” (ME3). Por vários motivos associados, os professores
vão deixar de leccionar certos conteúdos da Geometria e, naturalmente, os alunos
deixarão de ter contacto com esses conteúdos. Sendo assim, para o professor
Manuel, a Geometria Espacial, no futuro, ainda que figure no programa não será
possivelmente leccionada nas escolas.
Perguntado sobre o que gosta mais de ensinar, o professor Manuel diz que
“...gosto mais daquela parte dos triângulos, relações métricas, aqueles cálculos
todos e para além disso a parte das circunferências da 8ª classe também gosto”
(ME1). Por isso ele gasta mais tempo nisso para que os alunos compreendam
melhor. Questionado sobre o que gosta menos, ele procura não ser directo,
afirmando: “…gostar menos não é bem assim! Praticamente gosto de tudo só que
as partes que já mencionei são as que… tenho mais materiais, até porque tenho
levado mais tempo nisso” (ME1). Mas em outra ocasião, o professor Manuel
deixa-me entender que tem estado a perder motivação pela parte das
demonstrações por tratar-se de ser difícil de abordar e também porque os alunos
pouco se têm esforçado, embora reconheça que estas são importantes para
promover o raciocínio matemático nos alunos, mais do que as simples tarefas de
cálculo: “… a parte das demonstrações, importante é, porque o aluno vai ter uma
capacidade de raciocinar… e,… mas,… só que, hum… as aulas de
demonstração… são difíceis!” (ME1). Ainda assim, o professor Manuel tem feito
algumas demonstrações nas suas aulas mas os alunos mal conseguem lidar com
exercícios de demonstrações e quando se lhes pede para justificarem algum
raciocínio mostram-se incapazes:
…por exemplo, quando estou a dar critério de semelhança tenho demonstrado mas nas justificações, quando por exemplo na aula seguinte trocamos as posições das figuras os alunos já não são
61
capazes de identificar triângulos semelhantes. Os alunos têm muitas dificuldades com as justificações! (ME1)
Sobre o lugar da Geometria no currículo de Matemática, em função da sua
importância, o professor Manuel acha que embora esta seja reconhecida, há
problemas sérios. Uma das razões, segundo este professor, é que alguns
professores, mesmo tendo a noção de que a Geometria é bastante importante na
formação do aluno, consideram-na um assunto muito complexo e difícil de
leccionar:
…a não ser que alguns professores vejam a Geometria como última coisa e talvez seja devido a sua complexidade. Yah, porque alguns, o que fazem? Dão a parte da Álgebra e saltam a Geometria. Assim que a Geometria Espacial, na 9ª classe está no fim muitos professores não chegam a dar e, assim, acaba perdendo peso. (ME1)
Para o professor Manuel, alguns professores põem a Geometria no fim das
suas prioridades, isto é, para este professor, a Geometria é relegada ao último
plano por muitos professores de Matemática. E, principalmente, para a Geometria
Espacial, o próprio programa parece estar a sugerir o mesmo, por apontar esta
como o último conteúdo a ser leccionado.
Neste contexto, o professor Manuel põe em causa, não só o currículo que é
implementado pelos professores, mas também o prescrito.
O professor gerindo o currículo
Planificação da prática lectiva
A gestão curricular feita pelo professor Manuel, compreende,
essencialmente, dois momentos principais: o primeiro diz respeito à planificação
das aulas e o segundo tem a ver com a própria leccionação das aulas. Ele tem feito
a dosificação dos conteúdos e as planificações quinzenais na companhia dos seus
colegas, mas a planificação de cada aula faz individualmente.
62
O professor Manuel considera o plano de aula algo indispensável para um
professor. O plano é “importante para se guiar, embora possa ser escrito ou estar
na cabeça….é importante para o professor não improvisar… quem improvisa,
normalmente perde-se” (ME2). Segundo este professor, quando o professor vai
dar uma aula sem o plano, perde a sequência lógica dos conteúdos, ou seja, os
conteúdos acabam não ficando bem interligados. Neste caso, o professor Manuel
exemplifica:
Por exemplo, hoje, o professor fala de quadriláteros e aborda o quadrado, o rectângulo, trapézio, etc. e quer dar o esquema de classificação dos quadriláteros para a consolidação. Imaginemos que se esqueceu, ou por outras, ele tinha na mente mas que naquele momento já não se recorda. O que pode fazer? Acaba fazendo um esquema puxando pela cabeça com maior probabilidade de trocar a lógica das coisas! Vai dizer, por exemplo, que o rectângulo é um quadrado, ao invés de dizer que o quadrado é que é um rectângulo! (MEcel)
O professor Manuel, gosta de trocar ideias com os colegas, durante as
planificações e mesmo nos seus tempos livres, e afirma aceitar críticas. Este
professor acha ser vantajoso trabalhar com os colegas porque “ninguém sabe tudo
e todos precisamos da ajuda dos outros” (ME2). No seio do grupo de Matemática,
o professor Manuel e os colegas têm discutido alguns aspectos associados ao
programa da disciplina. Segundo ele,
Temos notado, às vezes, que esta sequência não está muito boa e mudamos ao darmos as aulas. Por exemplo, no novo programa preferimos dar a Estatística no fim do que intercalada com os assuntos de Geometria. (ME2)
Relativamente à importância e adequação dos conteúdos, o professor
Manuel acha que os pontos de vista são diversos, no seio dos colegas do grupo de
disciplina de Matemática. Alguns professores acham que certos conteúdos são
complexos para determinadas classes mas para ele, “…os conteúdos são
adequados, mesmo assim que alguns conteúdos da 10ª classe passaram para 9ª
classe…” (ME2). Este professor especula que a movimentação de conteúdos de
classes mais avançadas para as anteriores pode representar de alguma forma o
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recúo do novo sistema educativo para o antigo, em que mais cedo os alunos
aprendiam matérias mais complexas.
Em relação ao ambiente de trabalho no grupo de disciplina, o professor
Manuel acha que não há nada a lamentar. Portanto, “não há razões para queixas, o
ambiente está bom. Temo-nos assistido uns aos outros” (ME3). Normalmente, o
delegado de disciplina tem feito um plano de assistência às aulas dos professores
do grupo. Neste caso, ele indica quem deve ser assistido e por quem. Assim os
professores assistem-se uns aos outros e depois, juntos, fazem uma pequena
análise da aula leccionada. Nesta análise é discutida a questão da gestão do tempo
– se o professor conseguiu tratar o conteúdo programado dentro do tempo previsto
e se não conseguiu, o que teria concorrido para que assim fosse. É também
debatida a questão dos materiais didácticos – se foram adequados para a aula ou
não. O envolvimento e comportamento dos alunos são também aspectos
analisados. Contudo, o professor Manuel tem verificado que:
quando há assistência os alunos são um pouco camuflados… porque podem comportar-se bem só para agradar ao professor assistente, principalmente quando este não é da confiança deles e também podem não participar tanto na aula por receio de errar perante o professor assistente, etc. (MEcel)
Segundo este professor, é importante sensibilizar os alunos para sentirem-
se à vontade e explicar-lhes os objectivos das assistências. Já que as assistências
não acontecem em todas aulas “…podemos assumir as prováveis consequências.
É que os alunos podem ficar retraídos até não compreender a matéria ou podem
prestar muita atenção e compreender bem a matéria” (MEcel). Para este professor
as assistências têm suas vantagens e desvantagens.
Para preparar e leccionar as suas aulas de Geometria, o professor Manuel
usa, essencialmente, o manual escolar e outros livros e as planificações quinzenais.
Refere, por exemplo, que:
Uso muito o livro do aluno porque é o que está disponível para os alunos e mesmo para os professores. Uso exercícios do manual do aluno e de outros livros. Por exemplo, tenho um livro com o título Elementos da Geometria que tem muitos exercícios de Geometria e há mais outros livros que eu aproveito. (ME1)
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Este professor acha que o manual escolar o ajuda bastante, na preparação
das suas aulas, apesar de apresentar alguns erros científicos. O importante,
segundo ele, é que o professor tenha algum cuidado ao planificar. Afirma que
sempre que detecta um erro no manual alerta os alunos. Ele está, igualmente,
ciente de que é preciso articular bem o manual e o programa porque alguns
conteúdos que estão contemplados no programa podem não aparecer no manual e
vice-versa.
Não é correcto o professor usar apenas o livro para planificar as aulas… Por exemplo, no programa da 9ª classe, fala-se de racionalização de denominadores mas no manual escolar não aparece este tema! (ME2)
Contrariamente ao que sucedia no início da sua carreira, o professor
Manuel trabalha muito ligado ao programa e às planificações quinzenais,
principalmente ao planificar as suas aulas. Para ele, para além de fazer com que os
alunos entendam a matéria, também é importante procurar cumprir com o
programa de Matemática para satisfazer aos seus dirigentes. Por isso ao preparar
as suas aulas sempre leva em consideração este facto:
É sim,… é preciso levar em conta porque se não cumpre com o programa, tem que justificar por escrito e se não justificar é achado de rebelde na escola. E depois são as autoridades da escola que vem a questionar porquê não cumpriu, tem que justificar por escrito. Por exemplo, eu era daqueles que preferia dar pouca coisa mas bem compreendida pelos alunos; eu era assim no início dos meus trabalhos. Eu era assim e muitas das vezes não dependia do programa, o que eu queria era que o aluno percebesse alguma coisa mas com a pressão dos outros, do delegado como por exemplo, tive que mudar porque vinham e questionavam por que é que estava atrasado e eu tentava justificar, dizendo que era para dar um pouco mais de exercícios, para que os alunos entendam a matéria mas ele dizia-me que devia puxar um pouco para não estar atrasado e, nesse puxa pouco, tinha que deixar alguns alunos com dificuldades para puder cumprir com o programa. (ME1)
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Portanto, o professor Manuel acaba por sentir-se forçado a cumprir com o
programa em detrimento de fazer com que os alunos compreendam os conteúdos.
Este professor planifica e lecciona as aulas seguindo a sequência proposta
no programa: “… tenho seguido a sequência e aquilo que não consigo dar por
causa de tempo fica assim. Normalmente não escolho” (ME1). O professor
Manuel vai seguindo os conteúdos, tal como aparecem no programa ou na
planificação quinzenal mas sempre procurando estar em sincronia com o tempo,
tal como está discriminado no programa.
Na escola em que o professor Manuel trabalha, alguns dias antes do início
do ano lectivo, sob a orientação do delegado de disciplina, habitualmente, grupos
de professores reúnem-se para fazer a distribuição detalhada (dosificação) dos
conteúdos de cada classe. No entanto, o professor Manuel há três anos que não
participava nas dosificações porque, tal como refere, “…ultimamente era só a
questão de se transcrever as dosificações dos anos anteriores, acertando só as
datas” (MEcel). No ano de 2008, participou nesta actividade porque,
alegadamente, houve algumas alterações nos programas e isso implicava um
pouco mais de trabalho para o grupo. Com base nas suas experiências de trabalhar
com a 9ª classe, nos anos anteriores, os colegas lhe confiavam, quase sempre, a
distribuição dos conteúdos pelas aulas.
…o que notei nos anos anteriores, é que aparecia, por exemplo, uma proposta de duas ou três aulas para um certo sub-tópico, em que não se incluía a resolução de exercícios, enquanto na operacionalização dessas aulas viam que era preciso dedicar aulas de resolução de exercícios. (MEcel)
Nestes casos, o professor Manuel propunha que incluíssem uma ou duas
aulas de resolução de exercícios. Nas planificações quinzenais seguintes à
primeira (a do início do ano), o professor Manuel leva consigo toda a informação
sobre a forma como decorreram as suas aulas durante as primeiras duas semanas.
Constam nesta lista de informações, a reacção dos alunos aos conteúdos
leccionados (se acharam interessantes ou não, difíceis ou não), o comportamento
dos alunos, como se sentiu o professor ao transmitir os conteúdos (foi difícil ou
não e porquê), o tempo (se foi suficiente ou não e porquê; se houve imprevistos).
Posto isso, quando chegam à segunda planificação, no começo da reunião, o
66
delegado da disciplina toma a palavra para a abertura da sessão de trabalhos,
procura saber se os professores têm questões gerais sobre a disciplina e sobre a
leccionação das aulas decorridas nas duas primeiras semanas. Nesta altura,
rapidamente, os professores apresentam as questões gerais, se existirem e, de
seguida, o delegado orienta os professores para estarem em grupos, consoante as
classes em que dão aulas. Por questões de tempo (são no máximo 45 minutos para
este trabalho), as discussões são limitadas e, muitas vezes, alguns professores
continuam a conversa fora da sala de planificação. Na altura da planificação, o
professor Manuel e os colegas passam os tópicos para as duas semanas seguintes,
a partir da dosificação.
Metodologias de trabalho para a sala de aula
O professor Manuel faz o plano de cada aula que vai dar. Verifica se o
manual escolar tem os conteúdos e se tem um número suficiente de tarefas. Se
conseguir um espaço de tempo, procura outras fontes para complementar a
informação disponível no manual escolar. Com o plano de aula já feito, segue-se a
leccionação da aula. O professor Manuel afirma que, nas suas aulas, privilegia o
método de elaboração conjunta para fazer a abordagem dos conteúdos, não
descurando o método expositivo, em certos momentos da aula, quando necessário.
O método de elaboração conjunta pressupõe que, o professor em conjunto com os
alunos, vão construindo os novos conhecimentos. Neste caso, o professor vai
fazendo perguntas orientando os alunos à descoberta dos conceitos ou
conhecimentos e os alunos, por sua vez, fazem as perguntas que lhes ocorrerem
no decurso da aula.
A gestão das aulas por este professor é feita, segundo ele, em função do
tema a abordar, do tempo disponível, do tipo de actividades que os alunos vão
realizar e, como já se referiu atrás, sempre tendo em conta o cumprimento do
programa:
Depende da aula. Às vezes formo grupos. Só que para formar os grupos perde-se muito tempo. Temos 45 minutos de aulas e perdemos cerca de 10 minutos na formação dos grupos. A maneira como os alunos têm estado normalmente, não facilita a formação de grupos porque é preciso mexer as carteiras. (ME1)
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Quando forma grupos, o professor Manuel, prefere grupos não numerosos
(de três ou quatro alunos). Para ele, grupos pequenos são vantajosos porque “há
mais interacção entre os alunos…e todos contribuem. Quando são muitos, alguns
ficam a assistir e acabam não aprendendo nada” (ME3). Este professor preocupa-
se em tratar todos os assuntos que planifica para a aula, dentro do tempo
predefinido, para cumprir com o programa, embora considere isso bastante difícil
para ele. Um dos motivos é que, às vezes, os alunos não compreendem
rapidamente os conteúdos, fazendo com que o professor saia dos limites do tempo
da aula. Contudo, o professor acha que para os alunos não terem muitas
dificuldades na resolução de tarefas de consolidação, é preciso investir na aula de
introdução, ou seja, é fundamental que o professor faça uma abordagem mais
exaustiva na introdução do novo conteúdo.
Preparação de tarefas para a sala de aula
A principal fonte de tarefas para o professor Manuel é o manual escolar,
embora em certos casos também use um outro livro (Elementos de Geometria).
Este professor prefere, quase sempre, tarefas de cálculo e de aplicação ligadas à
realidade às de demonstração e argumenta dizendo que as tarefas de demonstração
são difíceis de ensinar aos alunos e estes, por sua vez, pouco ou nada se
interessam com este tipo de tarefas: “Quando a gente pede ao aluno para resolver
um exercício de demonstração, o caderno está sempre em branco e diz que não
consegue” (ME1).
Embora as demonstrações sejam importantes para desenvolver o raciocínio
do aluno, o professor Manuel não consegue estabelecer a ligação destas com
questões práticas do quotidiano:
Normalmente tenho dado exercícios de cálculos, por exemplo, calcule a hipotenusa do triângulo. Cálculo de medidas de lados de triângulos e aplicação do teorema de Pitágoras porque os exercícios de demonstrações dificilmente se ligam a questões práticas da vida. (ME1)
Quando tem à sua disposição muitas tarefas no manual sobre algum
assunto matemático, o professor Manuel usa certos critérios para fazer a selecção:
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Tenho começado com os mais simples. Ou se, por exemplo, são 45 exercícios, posso escolher dois ou três de cada tipo. O resto os alunos podem resolver sozinhos com base naqueles que forem resolvidos na sala de aula. (ME2)
O manual escolar nem sempre satisfaz o professor Manuel, relativamente ao
número de tarefas disponíveis ou à adequação destas para certos conteúdos.
Quando assim acontece, este professor recorre a outros livros ou toma iniciativa e
produz suas próprias tarefas, bastando, para tal, levar em consideração os
objectivos do tema abordado. Contudo, o professor Manuel acha que inventar
tarefas representa um grande desafio porque exige do professor muita criatividade.
Recursos e materiais
Para além do manual escolar, as planificações quinzenais e as dosificações,
o professor Manuel também acha que, para as aulas de Geometria, há certos
instrumentos de construção ou de desenho que são importantes. Ele indica alguns,
nomeadamente a régua, o esquadro o transferidor e o compasso. Ele usa estes
instrumentos, quando existem, para fazer figuras, tais como, figuras geométricas
planas (triângulos, quadriláteros, círculos) e sólidos geométricos (cilindros,
prismas, cones, pirâmides, esferas) e, também faz desenhos, como por exemplo,
desenho de postes, árvores, piscinas, rotundas, casas, etc., durante as aulas e
quando é para resolver exercícios.
Contudo, o professor Manuel acha que estes instrumentos não existem em
quantidade suficiente para satisfazer a todos professores. Quem quiser usar estes
materiais terá que ser pontual ao chegar à escola porque, se não for, não os
encontrará: “…mesmo as réguas, quem chega tarde também já não apanha e vai
ter de traçar à sua maneira…” (ME1). Ou seja, quem chega tarde à escola vai
fazer os traçados à mão livre.
Segundo o professor Manuel, na medida em que o tempo passa, a escola
fica, cada vez mais, desprovida de materiais para Geometria: “…na Manga já não
temos nem um cubo e nem um cilindro…” (ME1) e continua dizendo que:
A escola tinha réguas, esquadros, … mas agora já não tem; réguas em condições ficaram quatro para toda escola, esquadros
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também já não existem e compassos já não digo, só ficaram dois. (ME1)
Ainda assim, o professor Manuel acha que, dependendo da iniciativa de
cada professor, é possível construir os modelos físicos, como por exemplo, o cubo,
a esfera, o cilindro, algumas pirâmides e prismas. Todavia, este professor põe
algumas condicionantes:
…o professor pode ter iniciativa para construir ou arranjar esse material mas não há tempo! Se o professor de manhã está aqui, a tarde está acolá e a noite está lá,…é difícil ter tempo. Por isso acabamos esboçando no quadro e isso de esboçar no quadro pode não ter um grande e bom impacto nos alunos. (ME1)
Para este professor, há momentos em que a figura tem que ser
rigorosamente desenhada para uma maior compreensão do conteúdo a transmitir.
Principalmente “quando a figura é a nossa base para, por exemplo, fazer uma
demonstração” (ME1). E continua:
…por exemplo, algumas demonstrações podiam ser feitas usando materiais construídos com base em cartolinas, cartazes e isso podia ajudar. Mas para tal eu tinha que tirar dinheiro do meu bolso. O bolso já é curto,…para ainda subtrair algo, não dá! (ME1)
Subjacente ao excerto imediatamente anterior está a ideia de que o
professor não tem dinheiro suficiente para enfrentar o custo de vida e investir na
construção dos modelos de sólidos geométricos. Para além disso, está também a
ideia de que os materiais construídos com base em cartolinas ou os modelos de
sólidos geométricos podem contribuir para a abordagem e compreensão de certos
conteúdos de Geometria. O professor Manuel sugere que algumas demonstrações
poderiam ser exemplificadas manipulando esses materiais, o que facilitaria a sua
compreensão por parte dos alunos, por um lado e, também poderia permitir o
desenvolvimento de habilidades de visualização, por outro.
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O plano de aula de Geometria Espacial
O professor Manuel elaborou um plano de aula (anexo 2) de introdução ao
tema Poliedros, que constitui a primeira parte da Geometria Espacial no programa
actual da 9ª classe. Para a elaboração do plano, ele usa um modelo disponível no
programa de Matemática da 9ª classe (anexo 5).
Conteúdo e estrutura do plano
No seu plano, o professor apresenta uma coluna onde faz a distribuição do
tempo pelas diferentes fases da aula, que aparecem descritas na coluna seguinte,
designada por função didáctica. A seguir faz uma descrição detalhada do
conteúdo da aula e uma outra coluna onde estão descritas as acções do professor e
as dos alunos, em cada momento da aula. Finalmente existe uma coluna para
observações que o professor não utilizou. Na função didáctica, ele disponibiliza os
primeiros oito minutos da aula para a garantia do nível inicial (G.N.I) e motivação
dos alunos. Na garantia do nível inicial o professor verifica se os alunos estão
preparados, isto é, se os alunos possuem os pré-requisitos necessários para
aprender o novo conteúdo. Depois deste momento, segue-se o de transmissão do
novo conteúdo que decorre durante trinta minutos. Nesta fase, o professor
introduz os conceitos e dá a definição de poliedro, a classificação e os principais
elementos dos poliedros. Finalmente, o professor disponibiliza algumas tarefas
para os alunos resolverem, durante sete minutos.
Para além dos aspectos do plano de aula já mencionados, este também faz
alusão, no topo e canto esquerdo, à Unidade Temática: Cálculo de áreas e de
volumes de sólidos geométricos; ao Tema: Conceito de poliedro; aos Objectivos
da aula: Os alunos deverão ser capazes de identificar e classificar os poliedros.
Ainda no topo mas no canto direito, o professor menciona o tipo de aula: Inicial; a
duração: 45 minutos; o método: Elaboração conjunta; e os recursos didácticos a
usar e modelos de sólidos geométricos. O professor indica como recursos
didácticos “os meios usuais” que, habitualmente, são a régua, o esquadro, o
transferidor, o quadro e o giz.
71
Estratégia a usar na sala de aula
Esta aula, segundo o professor Manuel, tem que se desenrolar num
ambiente interactivo entre ele e os alunos, privilegiando o método de elaboração
conjunta.
Ao invés de ser eu a produzir a aula, oriento a eles para em conjunto chegarmos ao assunto que se pretende dar. Por exemplo, aqui nos sólidos faço algumas perguntas sobre diferentes sólidos e em conjunto vamos produzir a aula. Daí, já no fim é que posso dar um resumo final sobre o assunto. Eu posso perguntar as características de alguns poliedros para depois produzir as definições ou os conceitos. (ME2)
Durante os primeiros oito minutos, o professor faz algumas perguntas e
alguns comentários: pergunta se os alunos já aprenderam os sólidos geométricos
nas classes anteriores e se podem dar exemplos de alguns objectos semelhantes
aos sólidos geométricos. Os alunos vão respondendo e, de seguida, o professor
escreve o sumário: Noção de poliedros. Nos trinta minutos seguintes, o professor
apresenta vários objectos (caixa de fósforo, bola, latas cilíndricas de faces planas,
prismas e pirâmides) e orienta os alunos a descobrirem os que têm características
de poliedros. Daí, o professor dá a definição de poliedro e desenha alguns
exemplos no quadro. Distingue os poliedros côncavos dos convexos, fazendo
perguntas aos alunos. Finalmente, na última parte da aula, os alunos resolvem
questões de consolidação durante sete minutos.
Nota-se, aqui, a vontade de o professor usar uma diversidade de modelos
geométricos para enriquecer a sua aula. Mas, provavelmente, isso acaba sendo
teórico tendo em consideração o facto de que a escola não dispõe de muitos destes
modelos e o professor não tem tempo suficiente para produzir tais modelos. Na
impossibilidade de apresentar todos os modelos geométricos previstos, é
expectável que o professor venha a potenciar a ilustração por desenhos ou
simplesmente mencionando objectos conhecidos pelos alunos.
Tarefas propostas para a aula
Para esta aula, o professor Manuel diz que o manual não dispõe de
exercícios adequados mas que de acordo com os conteúdos da aula, “é possível
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produzir algumas tarefas por conta própria” (ME2). Segundo este professor, há
momentos em que tem que ter iniciativa de elaborar fichas de exercícios por conta
própria, nas situações em que não consegue encontrar o livro que o possa auxiliar.
Mas afirma que produzir tarefas por conta própria não é fácil.
Já que o manual não dispõe de exercícios adequados para a aula
planificada, o professor Manuel, elaborou, por sua iniciativa, três questões de
consolidação para o final da aula, nomeadamente: (1) Quais as características de
um poliedro? (2) Quais dos sólidos já estudados são poliedros? (3) Dos sólidos
seguintes indique os que são poliedros. Neste exercício, o professor apresenta um
paralelepípedo rectangular, um cone, um cilindro, um prisma hexagonal e um
tetraedro (anexo 2).
Portanto, trata-se de questões que levam o aluno a buscar as respostas nos
seus apontamentos, podendo também ser conduzido, no caso da segunda questão a
relembrar-se de alguns sólidos que estudou nas classes anteriores. Embora o
professor Manuel tenha confessado que sentia dificuldades em inventar tarefas,
nota-se que as três questões que propôs na fase de consolidação da aula bem como
a tarefa que acompanha o desenvolvimento da aula, em que apresenta vários
sólidos e conduz os alunos a agrupá-los em classes, vão de acordo com os
objectivos da aula previamente definidos e conforme as sugestões metodológicas
patentes no programa de Matemática da 9ª classe (p. 53).
Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria
O professor Manuel sente algumas dificuldades na leccionação da
Geometria. Uma das dificuldades, segundo este professor, tem a ver com a falta
de recursos, tais como manuais de Matemática, alternativos ao manual do aluno, e
materiais de desenho (régua, esquadro, compasso, etc.) e modelos de sólidos
geométricos.
Para além da falta destes materiais, o professor Manuel aponta o facto de
os professores trabalharem sob grande pressão de tempo para cumprir com os
programas e o excesso de alunos nas turmas, como sendo outros constrangimentos.
Segundo este professor, o excesso de alunos dificulta o seu acompanhamento
individualizado e a correcção dos testes e outros materiais necessários para as
aulas.
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Quanto aos programas, diz que são longos e não há compatibilidade com o
tempo disponível. O professor Manuel muitas vezes não tem conseguido abordar
os conteúdos de Geometria na sua íntegra. Embora no programa de Matemática
esteja apresentada a distribuição prévia do tempo pelos conteúdos, ele não tem
conseguido abordar, principalmente, a parte da Geometria Espacial. Para a
Geometria Espacial, por exemplo, estão previstas cinco semanas, que
correspondem a vinte aulas. Mesmo tentando seguir os tempos indicados, tem
sido difícil para o professor Manuel acertar. Para isso, segundo este professor, há
vários motivos:
Às vezes, é falta de domínio de certos conteúdos pelo professor. Há certos conteúdos que precisam de muita exercitação e podem levar mais tempo. Por exemplo, há certas aulas de 45 minutos que são dadas em 90 minutos! Para fazer compreender algumas matérias, aos alunos, às vezes, tem levado mais tempo. Algumas vezes, também, é por causa de atrasos ou mesmo por falta do professor. (ME2)
Por sua vez, os alunos oferecem certas dificuldades, ao professor Manuel.
Para além de se mostrarem cada vez menos interessados em aprender a
Matemática, muitos, tal como os professores, também não têm material escolar
(manual de matemática e instrumentos de desenho). Alguns alunos, mesmo tendo
os instrumentos de desenho, não os trazem para a escola. Isso dificulta o ensino da
Geometria, porque, segundo este professor, “…a Geometria é como o desenho,
precisa de material” (ME1).
Em termos de dificuldades relativas aos próprios conteúdos da Geometria,
o professor Manuel aponta para as demonstrações como sendo as mais
problemáticas. Ele acha que são difíceis de ensinar, embora reconheça que são
bastante importantes para os alunos.
Particularmente, sobre os planos de aulas, este professor tem sentido que o
manual escolar, nem sempre tem tarefas suficientes para certos conteúdos ou que
em determinados conteúdos nem sequer tem tarefa alguma. Nestes casos, o
professor é levado a inventar tarefas, o que para si, não é fácil.
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75
Capítulo VI
O CASO DO PROFESSOR JOSÉ
Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e
profissional
O professor José fez o nível primário e o nível secundário, no distrito de
Gorongosa6. Começou a estudar em 1980 e terminou o ensino primário do antigo
sistema7 em 1984. Passou a frequentar o ensino secundário, onde terminou a 6ª
classe em 1986. Depois foi continuar o ensino secundário em Missão Barada8,
onde estudou até à 10ª classe. Por afectação, foi ao curso de formação de
professores, no Instituto Médio Pedagógico da Beira. Terminou o curso de
professores de Matemática e Biologia em 1996. O professor José escolheu o curso
de Matemática, segundo ele, “…porque era minha inclinação. Eu gostava muito
de Matemática” (JE1). Depois de terminar o curso, o professor José foi trabalhar
para uma escola secundária, denominada Escola Secundária de Nhamatanda, cita
no distrito de Nhamatanda, província de Sofala, a cerca de 100 quilómetros da
cidade da Beira. Ele começou a leccionar em 1997 e foi director de duas escolas
primárias, completas9, nesse distrito. Há quatro anos que o professor José foi
transferido para a escola secundária da Manga, onde lecciona Matemática da 8ª
classe à 10ª classe, na cidade da Beira. Actualmente, é estudante do curso de
Ensino Básico na Universidade Pedagógica, delegação da Beira. Apesar de ser
professor da Matemática e de gostar de ensinar a Matemática, não está a
frequentar o curso de ensino de Matemática, na Universidade e justifica a sua
opção:
6 Gorongosa é um distrito que dista cerca de 200 quilómetros da cidade da Beira. 7 No antigo sistema, o nível primário terminava na 4ª classe e começava o secundário na 5ª classe. 8 A Missão Barada situa-se no distrito de Buzi, cerca de 200 quilómetros da cidade da Beira 9 Considera-se escola primária completa aquela em que se lecciona da 1ª à 7ª classe. As escolas em que se lecciona da 1ª à 5ª classe, são designadas primárias do 1º grau e as que leccionam apenas 6ª e 7ª classe são designadas primárias do 2º grau.
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…Tive que fazer teste de admissão e nisso, se fosse para o curso de ensino de Matemática, tinha que fazer exames de Matemática e Física. Uma vez que fiz o nível médio no Instituto Médio Pedagógico e não tive a Física do nível médio, não me convinha. Depois de entrar teria a possibilidade, mais tarde, de mudar para o curso de ensino de Matemática mas acabei ficando bem ambientado no curso de Ensino Básico e estava bem. (JE3)
O professor José já leccionou no ensino secundário, tanto a Matemática,
como a Biologia, e considera-se um bom professor porque acha que é um bom
mediador do processo de construção do conhecimento, por parte dos alunos.
Segundo este professor, ser um bom professor de Matemática,
…acaba sendo um acumulado de acções que o professor deve tomar em consideração. Não basta o professor ser muito inteligente e os alunos dizerem que esse professor entende bem a Matemática enquanto eles próprios [os alunos] não estão a entender nada. (JE3)
Para o professor José, é importante e indispensável que o professor tenha
conhecimentos matemáticos: “Afinal, se o professor não tem conhecimentos
matemáticos irá à escola fazer o quê?” (JE3). Considera que apesar de quase todos
os professores terem a consciência de que sem o conhecimento matemático, nada
se pode fazer, “…as lacunas neste ou naquele assunto matemático não faltam! É
difícil um professor saber tudo com perfeição” (JE3). Mas o professor José diz,
ainda, que o conhecimento é algo que se constrói, por isso, “quando alguém
consegue identificar as suas lacunas, pode aproximar-se a quem conhece o
conteúdo para aprender” (JE3). Para além disso, este professor acha que o
conhecimento matemático deve ser bem usado para o bem de todos (alunos,
colegas e a comunidade em geral) e não para fazer exibições para mostrar aos
outros que é muito inteligente, “enquanto nem tem boas metodologias para
transmitir esse conhecimento e fazer com que os outros também o tenham” (JE3).
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Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática
Sobre o ensino e aprendizagem da Matemática, o professor José assume
um certo optimismo, tendo em consideração o que acha que a Matemática
promove nos alunos. Para ele “…a Matemática cria ou aumenta as capacidades
mentais do aluno, a sua maneira de pensar e mais!…” (JE1). No entanto, para o
professor José, os alunos trazem certos preconceitos com relação a Matemática e o
seu ensino. Tal como refere:
…os alunos já trazem preconceitos…eles acham que a Matemática é difícil, talvez por ser considerada disciplina básica ou talvez porque a Matemática é uma ciência em que tudo é exacto. Os alunos muitas vezes não gostam da Matemática. Podem até gostar, mas acham que é muito difícil. (JE1)
Segundo o professor José, muitos alunos, por mais que notem que a
Matemática é importante para eles, acabam ficando vencidos pelo preconceito de
que esta é difícil, ganham preguiça pelos cálculos e “optam por outras disciplinas
em que acabam fazendo só leituras” (JE1).
O professor José é de opinião de que a Matemática é, de facto, muito útil
para as nossas vidas e não só na escola. Como refere:
É que sem precisar de se ensinar a Matemática na escola, ela se aplica no nosso dia-a-dia. A criança, mesmo estando em casa aplica a Matemática, mesmo assim duma maneira inconsciente! Por exemplo, as crianças que não estudam, nas suas casas quando são mandadas para fazer pequenos comércios, ao executarem os trocos, os dinheiros, por exemplo, já estão a aplicar a Matemática. Mesmo na divisão de bens, quando estão para comer alguma coisa, por exemplo, ao dividirem estão a usar a Matemática. (JE1)
Por outro lado, o professor José tem estado preocupado com certas
questões do ensino e aprendizagem da Matemática. Para ele o importante é que os
alunos entendam as matérias, para o bem deles próprios, em particular, e para o
bem da sociedade, em geral. E este professor aponta este facto como um dos
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objectivos do ensino da Matemática. Deste modo, o professor José tem notado que
os alunos pouco se envolvem em actividades matemáticas e aponta como um dos
motivos o facto de acharem que a Matemática é difícil. Isso leva-os a desenvolver
uma atitude negativa em relação a esta disciplina e aos próprios professores de
Matemática. Mas, também, este professor acredita que motivando um pouco mais
os alunos, alguns acabam por se envolver. Uma das maneiras de criar motivação
para os alunos aprenderem a Matemática pode ser procurando estabelecer, sempre
que possível, uma ligação desta com o quotidiano dos alunos. O professor José
refere-se a este aspecto da seguinte forma:
Quando numa aula de Matemática, os exemplos se podem relacionar com a vida prática, o aluno torna-se motivado porque há certas questões que ele tem feito mas não sabe que se relacionam com a Matemática que tem estudado e, então, quando é lhe mostrada essa relação, ele fica motivado e acaba interessando-se por saber como isso funciona… (JE1)
Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Geometria
Quanto ao ensino e aprendizagem da Geometria, o professor José é de
opinião de que, pelo facto desta englobar o estudo de muitos objectos reais que o
aluno usa na sua vida, o seu ensino e a sua aprendizagem ficam um pouco
facilitados e, isso, aumenta a probabilidade da sua compreensão. Mas, para tal, é
necessário que a Geometria seja ensinada tendo em consideração estes aspectos.
Por exemplo, o aluno “…tem que saber que quando tem uma lata de leite, esta
tem o formato de um cilindro!” (JE1).
De uma maneira geral, segundo o professor José, há muitos conteúdos de
Geometria que os professores ou dão de forma superficial ou não chegam mesmo
a leccionar. Um dos exemplos concretos de conteúdos que são menos ou
superficialmente tratados em Geometria são as demonstrações. Este professor
considera que os alunos não são capazes de justificar os raciocínios.
…poucas vezes os alunos conseguem justificar aquilo que respondem. De igual maneira quando erra, você procura
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saber porquê errou, ele nem sabe dizer! Mesmo perguntando donde vem esta ideia que usou para resolver, também não consegue responder. Poucos alunos conseguem justificar as suas ideias. (JE1)
O professor José acha que o futuro do ensino da Geometria não é
promissor, tendo por base aquilo que se vive actualmente. Uma vez que de forma
recorrente os professores não têm dado a Geometria Espacial, este professor infere
que este tópico poderá desaparecer do ensino, ainda que continue a existir no
programa de Matemática. O professor José refere-se a este facto afirmando o
seguinte:
…a realidade que eu vejo é que poucas vezes é dada esta parte da Geometria [a Geometria Espacial]. Se se dá, não existe muita ênfase! Mas se calhar, é a parte que os alunos precisariam mais porque muita coisa na vida real está ligada à Geometria. Mas da maneira que este tema é dado, estou a imaginar que daqui há uns dez ou quinze anos, se a Geometria não vai acabar é só porque existe no programa. Ela não esta sendo vista como uma coisa importante. (JE3)
Este professor é de opinião de que se devia seleccionar as partes
preponderantes, da Geometria, a serem ensinadas numa certa classe. Os conteúdos
de Geometria deviam estar distribuídos de forma equilibrada pelo menos dentro
do ensino secundário do primeiro ciclo (8ª classe à 10ª classe). Para além da
distribuição equilibrada dos conteúdos de Geometria nas classes referidas, o
professor José acha que a Geometria Espacial devia ser dada no segundo trimestre
e não no terceiro como está proposto no novo programa. A ideia deste professor é
que a probabilidade de não se conseguir tratar um certo conteúdo é maior quando
este está posicionado no fim do programa. Tal como afirma:
…Os assuntos de Geometria deviam estar bem distribuídos ao longo das classes…mas que a Geometria Espacial fosse dada no segundo trimestre do ano lectivo porque assim que é dada no terceiro trimestre os professores não chegam a dar quase nada e em todos os anos aparecem exercícios de Geometria nos exames da 10ª classe. (JE1)
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O professor José questiona, pois, a sequência dos temas dentro dos
programas e o congestionamento dos mesmos numa só classe. Para ele, os alunos
deviam conviver com conteúdos de Geometria ao longo de todas as classes, até ao
fim do nível secundário. Isso é para contrariar o facto de se dar muita coisa de
Geometria na mesma classe o que, segundo o professor, tem cansado tanto aos
professores como aos alunos.
Em Geometria, para o professor José, são muitos os conceitos que são
importantes, como refere:
…por exemplo, quando falamos de área, …primeiro tem que conhecer o plano! O que é um plano, uma recta, semi-recta, tem que conhecer alguns sólidos geométricos que o próprio aluno no seu dia-a-dia usa, tem que conhecer cilindros, esferas; por exemplo, a bola que ele usa em casa tem a forma de uma esfera; tem que conhecer os triângulos, quadrados e todos quadriláteros quase, são coisas que ele usa. (JE1)
Assim, na Geometria, este professor, gosta de ensinar sobre rectas, planos,
áreas de círculo, quadriláteros e também volumes de sólidos geométricos. Não
gosta de tratar o volume da esfera porque acha que é complicado para os alunos.
Para além disso, o professor José não tem trabalhado nas demonstrações com os
seus alunos. Segundo ele, a única demonstração que tem dado é a do teorema de
Pitágoras e “…para o resto de demonstrações temos passado por cima, às vezes
por factor tempo” (JE1). Ele argumenta que “…fazer uma demonstração leva
muito tempo e também os alunos não entendem nada disso” (JE1). Contudo, o
professor José afirma que fazer as demonstrações é importante porque
“…facilitaria perceber o surgimento de um certo conceito…” (JE1). Neste caso, o
professor refere-se à compreensão das fórmulas matemáticas e, por isso, acha que
seria bom que se fizesse a dedução destas para que os alunos as usassem sabendo
como é que aparecem.
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O professor gerindo o currículo
Planificação da prática lectiva
O professor José, nos dias de aulas, sai da escola directamente para
Universidade, onde tem aulas no curso pós-laboral. Na escola secundária, nos
intervalos entre as aulas, passa o tempo fazendo trabalhos da Universidade e
acertando alguns pormenores das aulas que vai dar nos momentos seguintes.
Gosta de trabalhar mais com os colegas do que individualmente. Mas muitas
vezes, sem querer, vê-se sem muito tempo para estar com os colegas devido aos
trabalhos da faculdade. Quando se trata de realizar a dosificação e plano quinzenal,
faz a questão de estar com os colegas para participar no trabalho: “…Já que as
dosificações só voltam a ser feitas depois de três meses e os planos quinzenais, só
depois de quinze dias, não dá para faltar…” (JE2). Quando se trata de conceber os
planos de aulas, este professor trabalha, quase sempre, sozinho, a não ser que
tenha uma dúvida que ache que os colegas podem ajudá-lo a resolver.
O professor José não descarta a necessidade de um plano para cada aula
que vai dar. Para ele, o plano de aula é importante porque “… facilita a orientação,
ou seja, orienta as actividades do professor … e é a previsão daquilo que vai dar”
(JE2). Um professor que vai dar aula sem o plano, segundo o professor José, corre
o risco de se desorientar e poderá desviar-se de certos assuntos e, também, poderá
não conseguir controlar o tempo.
Quanto ao ambiente, em geral, na escola, este professor acha que é normal.
Os colegas do grupo de Matemática trabalham juntos nas planificações, divididos
segundo as classes que estão a leccionar e todos juntos nas dosificações. Eles têm
discutido sobre os programas, principalmente agora que foram introduzidos os
programas intermédios (novos programas), em que houve a movimentação de
alguns conteúdos de uma classe para outra. Mas, o professor José confessa que,
embora consigam notar que um determinado conteúdo é difícil para uma certa
classe, não podem fazer nada a nível do grupo: “Em geral, podemos notar que este
tema é complicado para os alunos mas só olhamos porque não temos poder de
decisão para mudar…” (JE2). O professor José acha que pelo facto de não se
sentirem à vontade para decidir sobre a integração ou exclusão de alguns tópicos
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do programa, as discussões do grupo sobre este assunto, acabam sendo
superficiais.
Na sala de aula, segundo este professor, o ambiente depende de cada turma,
ou seja, varia de turma para turma:
…existem turmas com alunos que já reprovaram muitas vezes e outros …trazendo maus comportamentos. Às vezes, encontra-se um e outro aluno indisciplinado. Mesmo assim, procuramos sempre concertar o ambiente da sala para o bem deles. (JE3)
Para preparar as aulas e elaborar planos de aulas, muitas vezes, este
professor tem usado o manual escolar (já que a escola não dispõe de manual para
o professor), as planificações quinzenais e, em certos casos, a experiência de
alguns colegas e noutros casos usa, também, planos de aulas dos anos anteriores.
Quanto ao manual escolar do aluno, o professor José confessa que lhe tem
sido bastante útil, embora sinta a necessidade de ter outros manuais com
abordagens diferentes dos conteúdos. Este professor sente-se à vontade ao
trabalhar com o manual escolar, que o ajuda a reconstituir certos conhecimentos
matemáticos que se tenha esquecido. Assim, o professor José considera que:
O manual escolar é a informação escrita que nós temos, logo à priori. Como fiz referência atrás, usamos muitas vezes o manual do aluno, embora apresente, às vezes, alguns erros, são erros normais. O facto de, às vezes, apresentar exercícios resolvidos, ajuda-nos um pouco, principalmente quando nos esquecemos de alguma coisa. Mas claro, o manual do aluno não é suficiente! São as dificuldades de condições que nós temos. (JE1)
O professor José é de opinião de que o manual tem que ser usado em
articulação directa com o programa. Segundo ele:
Afinal de contas o programa é que nos guia para sabermos as sequências dos conteúdos. Se o professor for a usar só o manual é capaz de dar coisas que não estão programadas…há assuntos que aparecem no programa e não aparecem no
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manual. Há coisas que estão no manual e que no programa não aparecem! (JE2)
Neste contexto, o professor consulta no programa o tema que deve tratar e,
depois, vai buscar os conteúdos sobre o tema e as metodologias que deve usar. Por
isso, o professor José acha ser importante trabalhar com os colegas nas
planificações para trocarem experiências.
Nos dias de planificação colectiva, este professor prefere sacrificar
qualquer outra actividade porque acha que se trata de uma actividade muito
importante: “…são dias que não dá para faltar porque são as melhores
oportunidades que a gente tem para contactar e conversar com os colegas” (JEcel).
Este professor tem como preocupação, na primeira planificação colectiva,
conhecer os colegas com quem vai trabalhar na disciplina de Matemática, em
geral, e na 9ª classe, em particular. Ele procura ver quais dos colegas são mais
abertos aos outros, os que gostam de trabalhar em colaboração com os outros e
gostam de ajudar os que têm dúvidas. Para além disso, este professora aproveita
ainda na primeira planificação para pesquisar se há colegas que já leccionaram a
classe com que vai trabalhar e se algum colega tem mais livros para consulta (para
além do manual escolar).
Já que muitas vezes tem trabalhado com mais de uma classe, quando o
delegado orienta os professores a ficarem em grupos (por classes que leccionam),
o professor José prefere juntar-se aos colegas da classe que nunca leccionou ou na
que achar que, provavelmente, terá mais dificuldades. Esta decisão vai-se
ajustando, ao longo das planificações seguintes, dependendo da situação concreta
e das suas necessidades.
A primeira planificação é feita depois da dosificação dos conteúdos e esta
é da responsabilidade de um grupo de professores voluntários ou indicados pelo
delegado da disciplina. O professor José já teve a oportunidade de participar em
várias dosificações. Na dosificação, este professor e os colegas, com base no
programa, fazem a distribuição mais detalhada dos conteúdos, incluindo as provas
que serão realizadas ao longo do trimestre. Fazem a distribuição dos conteúdos,
determinando o número de aulas necessárias para tal. Na primeira planificação, o
professor José faz a extracção dos conteúdos para as duas primeiras semanas de
aulas, a partir da que figura na dosificação. Na primeira planificação do grupo da
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9ª classe, do ano de 2008, o professor José ofereceu-se a passar os conteúdos
extraídos, para as duas primeiras semanas, para uma folha solta que foi arquivada
na pasta do grupo de Matemática, da 9ª classe. Dependendo da disponibilidade
dos colegas, depois da planificação quinzenal, este professor gosta de conversar
sobre a disciplina e sobre as dificuldades vividas na leccionação nos anos
anteriores.
Daí, o professor José vai elaborar os planos de aulas, com base no plano
quinzenal. Já que a primeira planificação é realizada uma semana antes do início
das aulas, no fim desta semana este professor elabora os planos para as aulas da
primeira semana. Com base no que vai acontecer na primeira aula, os outros
planos poderão ser reajustados.
Nas planificações quinzenais seguintes, o professor José vai preparado
para passar os tópicos dos conteúdos que vai ensinar nas duas semanas seguintes e
discutir um pouco sobre questões das aulas. Ele apresenta dúvidas aos colegas, e
ouve dúvidas dos colegas, e diz que “…muitas vezes, essas conversas terminam
fora da sala de planificação por razões de tempo” (JEcel).
Para planificar as aulas, o professor José considera fundamental ter o
manual escolar. Tal como afirma, “…sem o manual nada posso fazer! Posso até
não ter mais nada mas o manual é indispensável…” (JEcel). Procura também
resolver, antes de levar à sala de aula, todas tarefas que achar um pouco
complicadas porque “…há exercícios que a gente vê logo como se resolve e há
outros que não se vê logo à primeira!” (JEcel).
Metodologias de trabalho para a sala de aula
O professor José considera que o seu papel na sala de aula é de mediar e
moderar o processo de aquisição do conhecimento e enfatiza que a construção do
conhecimento deve ser feita junto com os alunos:
Afinal de contas o aluno tem a sua contribuição! Ele não vem à escola sem nada na cabeça. Se calhar, o aluno tem um conhecimento que precisa de ser estimulado e neste caso o professor ajuda-o ao ser mediador. (JE3)
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Nas suas aulas, este professor destaca momentos de introdução da nova
matéria e de consolidação, em que os alunos resolvem alguns exercícios. Para
introduzir um novo conteúdo, o professor José prefere que, na medida do possível,
seja nas aulas de 90 minutos do que nas de 45 minutos para que os alunos tenham
tempo suficiente para digerir e consolidar a nova matéria. Para além disso,
“existem aulas que só são de resolução de exercícios, desde o primeiro ao último
minuto” (JE1). Ele privilegia o que chama por método dedutivo, começando pela
introdução das definições e exemplificando de seguida, considerando que os
alunos aprendem melhor:
Bom, eu tenho notado que normalmente quando dou uma aula de Matemática começando por definições e depois exemplos tem sido mais fácil para os alunos compreenderem do que quando começo com exemplos, para depois, ir às definições. Usando o método dedutivo é mais fácil porque dou a definição e depois dou o exemplo. (JE1)
Quando se trata de aula de resolução de exercícios, o professor José
prefere que os alunos trabalhem em pequenos grupos:
Normalmente quando são aulas de consolidação e de resolução de exercícios tenho preferido formar grupos, podendo ser grupos de dois ou três alunos. Neste caso tenho posto os mais inteligentes misturados com os menos inteligentes para criar um incentivo e ajudarem-se uns aos outros. Depois de dar um tempo para resolverem os exercícios faço a correcção. Normalmente mando os próprios alunos para fazerem a correcção. Primeiro mando os mais fracos para ver até onde não perceberam e, depois, mando os que entendem mais para fazerem a última correcção. (JE1)
Este professor argumenta que é vantajoso o facto de os alunos trabalharem
em grupos,
…para mostrar a eles que não é só o professor que pode dar solução dos exercícios! Que os colegas também podem dar solução e podem ajudá-los a encontrar as soluções e assim discutem as resoluções entre eles. (JE1)
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Preparação de tarefas para a sala de aula
Tal como muitos dos seus colegas, o professor José baseia-se no manual
escolar (do aluno) para preparar tarefas para as aulas. Em alguns casos, tem
contactado com os colegas que já leccionaram esta classe para enriquecer a sua
lista de tarefas. Quando tem que escolher tarefas do manual escolar ou de
qualquer outra fonte, este professor tem como base os objectivos da aula:
…uma vez que a ficha engloba muitos exercícios, muitas das vezes, é de acordo com a aula dada; vou ver na ficha, que exercícios são adequados para aquela aula. (JE2)
Este critério, para o professor José, tem em conta o facto de que o manual
escolar, no fim de cada capítulo, tem apresentado uma ficha geral de exercícios.
Desta ficha, este professor selecciona as tarefas que sejam adequadas para cada
aula, dentro do capítulo em causa.
Quanto ao tipo de tarefas, o professor José prefere as de cálculos, por
exemplo, sobre cálculo de área do rectângulo, “… em que é dada a medida da
diagonal e um dos lados, …para determinar a área do rectângulo” (JE1). Para este
professor, as tarefas de demonstrações são muito difíceis para os alunos e levam
muito tempo: “Os alunos dificilmente aprendem as demonstrações e nem
conseguem justificar os seus raciocínios” (JE1).
Recursos e materiais
Para as aulas de Matemática em geral e para as de Geometria, em
particular, o professor José acha que há certos materiais didácticos que não
deviam faltar. Como exemplo, diz que seria desejável que a escola tivesse
manuais, não só para os alunos como também para os professores. Segundo este
professor, também era bom que houvesse instrumentos de desenho (réguas,
esquadros, compassos, transferidores etc.) e modelos geométricos (cubos,
cilindros, pirâmides, prismas, etc.) para as aulas de Geometria. Para o professor
José, embora o professor possa conseguir reunir exercícios ou mesmo
apontamentos de outras fontes, a escola devia ter o básico. Tal como afirma:
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A gente tem muita força de vontade… pelo menos, eu tenho muita força de vontade. Tenho pensado em passar pelas bibliotecas para pesquisar livros de Geometria mas com aulas na faculdade, trabalhos da faculdade, as próprias aulas na escola e quando é altura de provas,… a coisa fica pior, o tempo não é suficiente! Não dá para ficar muito tempo na biblioteca… (JE1)
Segundo este professor, há ocasiões em que o aluno tem material para
desenhar na aula mas nem sempre adianta alguma coisa porque este tende a fazer
as coisas assim como o professor as faz. A tendência é de, se o professor traçar as
rectas à mão livre, o aluno também assim o fazer.
Para os poucos instrumentos ainda existentes na escola, há uma certa
disputa no seio dos professores porque:
…há muitos professores de Matemática, tomando em consideração que a escola é muito grande. Se você não chega cedo naquele dia ou se não tem o primeiro tempo não vai encontrar o material e alguns até escondem o material, principalmente os docentes da disciplina de Desenho, porque sem material, eles não podem fazer nada. (JE1)
O professor José poucas vezes tem usado modelos físicos nas suas aulas de
Geometria porque a escola não dispõe destes. Das poucas vezes que usa, apresenta
uma bola, como exemplo de uma esfera, uma lata cilíndrica, como exemplo de um
cilindro e caixa de giz, como exemplo de um prisma ou de um cubo. Ele acha que
é difícil arranjar um objecto para exemplificar uma pirâmide. Nestes casos
“tentamos falar de certos edifícios com os tectos em forma de pirâmides, falamos
de igrejas…”. (JE1).
Contudo, o professor José acha que a utilização de modelos geométricos
nas aulas é muito importante, justificando que:
…há certos conceitos de Geometria que alguns alunos nunca ouviram, por exemplo, podemos estar a falar de algo que os alunos nunca viram, principalmente aqueles das zonas suburbanas, mas quando desenhados ou trazidos na sala para ilustração facilitam um pouco a sua compreensão por parte do aluno. Por isso são importantes para a sala de aulas. (JE1)
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Ele considera que os professores podiam ser criativos para construir,
por iniciativa própria, os modelos físicos para as aulas de Geometria. Mas
ele defende que isso não acontece por falta de incentivos, ou seja, “as
condições de serviço não são adequadas” (JE1). Uma saída, para esta
situação, segundo este professor, seria a criação de oficinas pedagógicas e,
talvez assim, a escola pudesse produzir estes materiais.
Plano de aula de Geometria Espacial
Na sequência do pedido que lhe fiz, para uma aula de introdução do tema
sobre os Poliedros, o professor José elaborou um plano (anexo 3) e, não sendo
uma excepção, usa para tal um modelo disponível no programa de Matemática da
9ª classe (anexo 5).
Conteúdo e estrutura do plano
No topo do plano, canto esquerdo, o professor José menciona a sua escola;
indica a disciplina, a duração da aula (45 minutos), a classe (9ª classe), a data (25
de Novembro de 2008), a unidade didáctica (Geometria no Espaço) e também a
descrição dos objectivos da aula. Tal como refere no plano, os alunos devem ter
conhecimentos sobre os poliedros e devem ser capazes de definir, identificar e
classificar os poliedros.
O plano realça quatro fases principais: (1) a fase de garantia do nível
inicial dos alunos (GNI), em que o professor procura explorar o nível de partida
dos alunos, em termos de pré-requisitos básicos que devem possuir para a
aprendizagem do novo conteúdo. Esta parte da aula decorre durante os primeiros
quatro minutos; (2) na fase seguinte, durante três minutos o professor procura
motivar os alunos para o estudo dos poliedros e orienta-os aos objectivos; (3)
depois segue-se a parte da aula em que o professor faz a transmissão do novo
conteúdo (TNC) durante trinta e cinco minutos; (4) finalmente, durante os últimos
três minutos da aula, o professor deixa um TPC.
Ainda no plano, aparecem descritas as actividades do professor e as dos
alunos, o método de abordagem (elaboração conjunta) e os meios ou recursos
(quadro, giz, régua e esquadro).
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Para além desta parte da aula, o professor José inclui uma aula de 45
minutos em que os alunos vão resolver exercícios, como forma de consolidar a
matéria tratada.
Estratégia a usar na sala de aula
Na fase de garantia do nível inicial, pede aos alunos para identificarem os
sólidos geométricos que conhecem. Na motivação e orientação para os objectivos,
pergunta aos alunos quem sabe dizer o nome do sólido geométrico com a forma
de uma barra de sabão. Nestas fases da aula, numa elaboração conjunta, o
professor vai fazendo as perguntas e os alunos procuram dar as respectivas
respostas. Daí, o professor passa o sumário: Poliedros. Depois passa-se para a
transmissão do novo conteúdo. Aqui o professor desenha uma pirâmide como
exemplo de um poliedro e, com base em perguntas, orienta os alunos aos
principais elementos do poliedro (face, aresta e vértice) e define-os. Os alunos
passam a figura nos cadernos, tentam identificar os elementos do poliedro e
passam apontamentos. Ainda nesta fase da aula, fazem a classificação dos
poliedros (côncavos e convexos), desenham os respectivos exemplos e introduzem
a relação de Euler e nos últimos três minutos o professor dá o T.P.C. Para
responder em casa, pede-se aos alunos para indicarem os poliedros convexos que
conhecem.
A resolução da ficha de exercícios é da responsabilidade dos alunos, em
pequenos grupos (dois ou três alunos).
Tarefas propostas para a aula
Para a primeira parte da aula, o professor não apresenta tarefas específicas,
para além das perguntas que vai fazendo aos alunos e de um exemplo que
apresenta, sobre a aplicação da relação de Euler. Contudo, para a parte seguinte,
este professor, preparou quatro tarefas.
Três das quatro tarefas, referem-se à aplicação da relação de Euler. Na
quarta tarefa, o professor pede aos alunos para distinguirem poliedros convexos de
côncavos, dando alguns exemplos.
As três tarefas, sobre a aplicação da relação de Euler, apresentadas pelo
professor José, não sofreram nenhuma adaptação, ou seja, foram extraídas e
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apresentadas tal como aparecem no manual do aluno. A última tarefa foi da
autoria do professor e tem como objectivo levar os alunos a reverem a definição
de poliedros convexos e côncavos e a pensarem em mais exemplos.
Aparentemente, o professor concede bastante tempo aos alunos para
resolverem as tarefas propostas. A ser assim, espera-se que o professor seja capaz
de improvisar alguma actividade para completar o tempo.
Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria
O professor José aponta para a falta de recursos ou materiais didácticos
para a preparação e leccionação das aulas, como sendo a principal dificuldade que
tem sentido no âmbito do ensino da Geometria. Segundo este professor, a
dificuldade em adquirir materiais, como manuais e instrumentos de desenho para
as aulas de Geometria, verificam-se também nos alunos. O manual do aluno existe
mas são poucos os alunos que o têm, talvez porque “não têm dinheiro para o
comprar ou talvez porque não se preocupam com isso” (JE1). Para o professor
José, já que os professores usam o mesmo manual (o do aluno) e porque os alunos
sabem disso, não se preocupam em usá-lo nas aulas: “Os alunos sabem que o
professor vai elaborar os apontamentos e vai dar os mesmos exercícios que estão
no manual, por isso ficam descansados” (JE1).
Para além da questão de recursos, o professor José também refere a sua
dificuldade com certos conteúdos de Geometria. Ele acha que tem feito muito
esforço para compreender alguns assuntos da Geometria, nomeadamente,
procurando esclarecer-se com alguns colegas.
Alguns temas também precisam de muita atenção. Se você não procura saber, por exemplo quando se fala de volume de esfera ou quando se fala de projecções, nas relações métricas no triângulo,…. Tem sido difícil, pelo menos por aquilo que eu tenho percebido. Escapo-me, às vezes, com alguns colegas que me têm ajudado. (JE1)
O professor José associa esta dificuldade a certas lacunas na sua formação
inicial:
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Há muita matéria que a gente lecciona nas classes em que está a trabalhar, que o próprio professor, na altura não aprendeu mas acaba encarando o novo assunto naquela altura,…e tem que perceber para dar a aula! (JE1)
Mas o professor José também reconhece que na formação não é fácil
ensinar-se tudo o que o professor terá que ensinar ao longo da sua carreira e acha
que, para minimizar as dificuldades, é preciso abrir-se para pedir ou aceitar a
ajuda dos colegas. Tal como refere: “…se a pessoa não gosta de se abrir e de
consultar aos outros, acaba deixando de lado, ou seja, acaba não leccionando
aquilo que lhe dificulta (JE1).
Assim como muitos outros professores, o professor José tem sentido a
dificuldade em cumprir com o programa de Matemática. Para tal, segundo ele,
para além de os programas terem excesso de conteúdos ou o tempo previsto para a
leccionação de certos assuntos não ser suficiente, existem outros motivos
concorrentes:
Às vezes, tem sido por causa de algumas interrupções em que se fica um tempo sem dar aulas ou porque pode calhar com um professor que está doente ou porque a escola perdeu um professor por morte…ou por causa de alguns programas não previstos, que podem ser do governo ou da escola… (JE2)
Este professor acha, também, que não se tem dado oportunidades aos
professores para decidirem sobre que conteúdos são adequados ou não para
determinadas classes. E, para terminar, segundo o professor José devia dar-se
oportunidade aos professores de participar na revisão dos programas porque são
os mais sensíveis a todas as dificuldades vividas no processo de ensino e
aprendizagem.
92
Capítulo VII
O CASO DO PROFESSOR BERNARDO
Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e
profissional
O professor Bernardo fez os níveis primário e secundário e a sua formação
profissional, na cidade da Beira. Terminou o nível secundário (10ª classe) em
1993 e depois ingressou para o Instituto Médio Pedagógico da Beira, em 1994.
Fez o curso de formação de professores com a duração de três anos e, segundo ele,
“…foi tão bom, visto que não reprovei em nenhum ano” (BE1).
É professor de Matemática e Biologia, na escola secundária de Dondo,
desde que terminou o curso de formação de professores. Fez o estágio pedagógico
em 1996, trabalha no Dondo há 11 anos e já leccionou as disciplinas de Português,
Matemática e Biologia. Ele conta um pouco mais:
…quando eu trabalhava na escola Eduardo Mondlane, cá no Dondo, dava Biologia. Quando entrei na Escola Secundária, comecei por ensinar Português por falta de vaga na Matemática e depois ensinei a Biologia e só depois é que peguei a Matemática. Por exemplo, há três anos atrás dei Biologia à 10ª classe mas tenho relação mais íntima com a Matemática, ou seja, gosto mais de ensinar a Matemática. (BE1)
A escola Eduardo Mondlane é uma escola cita na cidade de Dondo,
lecciona até a 7ª classe e também é pública. O professor Bernardo acabou sendo
professor de Matemática e Biologia porque acha que:
…a Matemática é universal e é diferente das Letras, para ter que memorizar as coisas. Achei que tinha mais inclinação pelas Ciências do que pelas Letras. Por exemplo, para conhecer a História do mundo é um problema a sério, assim como para a
93
Geografia. Enquanto isso, para Matemática 3+3 em Moçambique é igual a mesma coisa em qualquer outro país do mundo. O que se muda é apenas a linguagem. Por coincidência, na altura quando entrei para o Instituto Médio Pedagógico não escolhi o curso, mas porque foi do meu gosto, não optei por trocar. Lá fiz o curso de Matemática e Biologia. (BE1)
O professor Bernardo já esteve a frequentar o curso de ensino da Física, na
Universidade Pedagógica, no ano de 2007. Entrou para o curso de Física, não
como sua primeira opção. Ele gostava de ter entrado para a Matemática mas
porque o seu ingresso foi feito por concurso documental, pela Direcção Provincial
de Educação de Sofala, foi seleccionado para o Curso de Ensino de Física. Assim,
começou a frequentar o referido curso, esperando que a curto prazo mudasse para
o Curso de Ensino de Matemática. Uma vez que a Universidade Pedagógica
encontra-se 30 quilómetros distante da cidade de Dondo, o professor Bernardo
começou a enfrentar certas dificuldades e viu-se obrigado a anular a matrícula.
Tornava-lhe difícil assistir as aulas no pós-laboral e depois voltar para casa, no
Dondo. Contudo, ele tenciona voltar a estudar e tal como afirma:
De princípio seria para este ano de 2009 mas ainda tenho que criar condições de habitação porque prefiro continuar no pós-laboral para me facilitar o trabalho. Por causa de dificuldades de transporte, acho muito arriscado sair da Beira para Dondo às zero horas. Foi por isso que desisti e assim quero ver se arranjo uma pequena dependência [casa] na Beira. Fico cá de dia e à noite estou lá a estudar. Se eu tiver essas condições, prefiro mesmo este 2009 entrar mas para fazer [o curso de ensino de] Matemática. (BE3)
O professor Bernardo afirma que cresceu muito na carreira docente porque
aprendeu muito com os mais experientes, ganhou o hábito de trabalhar com os
colegas e sente-se muito à vontade quando está a dar aulas. Ele considera-se um
professor exigente para com os alunos, mas o suficiente, ou seja, sem exagero.
Exige que os alunos se mantenham em silêncio quando têm que prestar atenção ao
que estiver a explicar, exige que eles apresentem todos trabalhos feitos no tempo
determinado, etc. mas, os alunos, às vezes, não gostam. Mesmo assim, os alunos
já estão habituados a ele, já sabem o que ele gosta e o que não gosta e, assim,
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conseguem proporcionar um ambiente em que, embora, às vezes, um pouco
agitado e barulhento ainda permite trabalhar. Este professor acha que um
professor não exigente é, por isso, algumas vezes, considerado um bom professor
pelos alunos e, “…esta é uma ideia errada porque quando o professor exige tem
um certo objectivo!” (BE3). Ele afirma que quando o professor exige é para ver se
os alunos se dedicam e compreendem alguma coisa.
Para desempenhar as suas funções de docência, este professor acha que
são necessários dois atributos importantes: o conhecimento matemático e o
didáctico. Para ele, o conhecimento matemático é “uma chave sem a qual o
professor não é capaz de aceder ao campo onde se desenrola o processo de ensino
e aprendizagem [da Matemática]” (BE3). Segundo este professor, o resto de
condições que se possa exigir do professor deve acontecer depois deste estar
dotado do conhecimento matemático: “A seguir ao conhecimento matemático está
a capacidade de transmissão destes! Esta é a segunda chave…” (BE3).
Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática
Para o professor Bernardo a Matemática é muito importante na formação
do aluno. Este professor também tem a noção da importância da Matemática ao
serviço de outras disciplinas, bem como na vida diária das pessoas:
…se formos a ver, duma forma não pessimista, não há nenhuma disciplina que está a trabalhar sem a Matemática. É a História, que quer saber de séculos, datas históricas, coisas assim…. Mesmo na disciplina de Português, quer contar parágrafos, na Biologia também usam gráficos, calculam percentagens, etc., e mesmo o próprio aluno em casa usa a Matemática, os seus avós ao vender tabaco, rapé, usam a Matemática para saber os trocos, por mais que não a usem cientificamente. Se o aluno domina a Matemática, na escola, facilmente pode perceber as outras disciplinas porque todas as disciplinas utilizam a Matemática. (BE1)
Mas, em contrapartida, o professor Bernardo acha que os alunos encaram a
Matemática como sendo uma disciplina muito complicada, facto que tem
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influenciado negativamente a qualidade de ensino e aprendizagem desta disciplina.
Portanto, ele explica-se dizendo que:
…eles encaram ou têm a consciência de que a Matemática é algo um pouco complicado. Porquê? Porque a Matemática só vive de propriedades e regras. Então, as propriedades, como são tantas, é diferente de Física, é diferente de Química… uma pessoa pode dominar a tabela periódica, por exemplo, no caso de Química e sentir que já conhece a Química. Já conhece os alogénios, conhece os metais, ametais e por aí fora. É diferente de Matemática porque o aluno tem que lidar com as propriedades e regras, deve considerar isso tudo e como ele vem com a concepção de que a Matemática é complicada, acaba sendo mesmo difícil.
Neste contexto, o professor Bernardo procura salientar o facto de que o
aluno precisa de ser encorajado a conviver com propriedades ou teoremas
matemáticos. Como as regras e as propriedades são “coisas” abstractas e porque
são a principal base da Matemática, esta acaba assumindo um carácter abstracto,
facto que, segundo o professor Bernardo, requer que se mostre ao aluno que esta
disciplina é muito importante e com muita aplicação na vida. Para este professor,
não é difícil memorizar as propriedades matemáticas. Basta ter um contacto
permanente com estas propriedades ao aplicá-las na resolução de problemas, ou
seja, é necessário exercitar muitas vezes a resolução de problemas procurando,
sempre que necessário, trabalhar em colaboração com os outros:
Mas se o aluno percebesse que a Matemática requer um trabalho constante, muita exercitação e apresentação de dificuldades durante a aprendizagem dos conteúdos, poderia entender que a final de contas a Matemática não é tão complicada assim! Porque cada capítulo tem suas propriedades e suas regras. Enquanto o aluno continuar a não aproximar-se do colega que entende melhor ou do professor da disciplina para esclarecimento das suas dúvidas, continuará a dizer que a Matemática é um bicho de sete cabeças, como têm dito. (BE1)
O professor Bernardo gosta de ajudar os alunos e é da opinião de que os
professores deviam respeitar as dificuldades dos alunos, não se importando se esta
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é pertinente ou não. Aliás, para este professor qualquer dificuldade do aluno é
importante para a aula. Tal como afirma:
O professor deve compartilhar as dificuldades dos alunos, transformar a dificuldade do aluno numa brincadeira cuja solução parte de um consenso. É que o aluno pode apresentar uma dificuldade que pode parecer mesquinha, ou assim desinteressante ou mesmo parecer fora do contexto, sem saber que é fruto da sua percepção….O professor deve ter muita paciência e motivação para fazer entender que qualquer dificuldade pode ser comum. O professor tem que entender que a dificuldade do aluno nunca é pequena e nunca é grande. É bom sempre tentar discutir com eles até chegarem a um consenso. (BE3)
Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Geometria
O professor Bernardo considera que a Geometria, de forma geral, é
bastante útil na escola e também na vida do aluno. Para ele, os alunos precisam de
ter muitas noções ou muitos conhecimentos da Geometria para o seu quotidiano:
Tendo os alunos estas noções todas, terão de as relacionar com a vida prática,… por exemplo, por causa das construções. O aluno pode pensar, por exemplo, se temos uma casa de área da base x e altura y que chega a ser superior em relação a altura normal de uma casa com essa área da base, essa casa não vai resistir muito. Isso porquê? Porque o que suporta uma casa é a base! A base é que suporta o peso da casa. Então, antes de construirmos temos que reflectir sobre estes aspectos, a relação entre a base, a altura e o próprio material usado para a construção. Assim o aluno começa a compreender a importância da Geometria e começa a relacionar certos processos e transformações. Aqui é preciso também relacionar com a Física mas a Geometria está muito mais ligada à vida prática. Muita coisa requer o conhecimento da Geometria. Por exemplo, se vais fazer uma porta e aro. Se não tens uma boa Geometria não vais fazer coincidir porque precisa de relacionar ângulos, por isso é preciso um bom domínio e pressupostos sobre os ângulos. Na semelhança de triângulos os alunos precisam de um bom domínio de ângulos e dos critérios de semelhança. Em resumo, se o aluno consegue
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relacionar o que vê na sua vida prática com o que lhe é ensinado na Geometria, na escola, nota facilmente a importância desta. (BE1)
O professor Bernardo sugere que se mostre ao aluno a relação entre o lado
utilitário e o formativo da Geometria para que possam compreender a sua
importância. Por exemplo, na construção de casas, mesmo por indivíduos não
escolarizados, os construtores, usando princípios matemáticos rotineiros
conseguem lidar com ângulos, medidas, relações etc. Portanto, o aluno aprende a
fazer as mesmas coisas usando métodos seguros, cada vez menos manuais e com
consciência teórica, ou seja, conhecendo a teoria subjacente a sua prática.
No entanto, o professor Bernardo considera, ainda, que os alunos encaram
a Geometria como algo muito difícil de aprender, “…principalmente quando têm
que relacionar partes de figuras ou de sólidos, quando têm que fazer certas
demonstrações de teoremas, corolários, etc…” (BE1).
Para este professor, devia dar-se mais tempo de leccionação para os temas
mais complexos, como por exemplo, para a Geometria. A continuar assim, a
situação com relação a Geometria, ele acha que os alunos sairão em desvantagem.
Diz isso porque a tendência do professor será de condensar cada vez mais os
conteúdos, de forma a cumprir com o programa e, nisso, “…alguns alunos
atrasados [os que são lentos em apreender os conteúdos] ficarão sem apanhar o
essencial” (BE3).
O professor Bernardo é de opinião que os que fazem os programas de
Matemática, provavelmente não devem estar a levar em consideração o quão
importante é a Geometria na formação do aluno. Ele sugeria, por exemplo, que:
…a Geometria do modo que é vasta devia ser tratada em três fases, uma em cada classe. Porquê? Porque devia fazer-se uma análise profunda sobre que pressupostos os alunos deviam ter para aprender uma determinada parte da Geometria. Que se falasse de ângulos de forma exaustiva, que se falasse de sólidos geométricos ou figuras geométricas de forma mais completa. (BE1)
Para este professor, seria melhor que os conteúdos de Geometria fossem
distribuídos de forma equitativa nas três classes (8ª, 9ª e 10ª classe) para permitir
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que o professor tivesse tempo suficiente para tratá-los. Deste modo, os alunos
teriam a oportunidade de estudar a Geometria ao longo destas classes, sem muita
pressão e o professor teria tempo suficiente para examinar com cuidado o que os
alunos já sabem para aprenderem a matéria actual.
O professor Bernardo também faz uma observação à sequência dos
conteúdos de Geometria no Novo Programa da 9ª classe, questionando porque
motivo não se fez a ligação dos quadriláteros e triângulos aos poliedros. Aqui, a
questão do fundo é que neste Novo Programa os conteúdos relativos a Estatística
aparecem entre dois temas de Geometria. Assim, considera que:
…pela lógica ficava muito bem se houvesse essa interligação com os prismas, pirâmides….isso é para não intercalar uma questão que não tem nada a ver com outra! (BE1)
Na Geometria, o professor gosta mais de ensinar sobre os quadriláteros,
triângulos, círculos e circunferências, cubos, esferas, cilindros, paralelepípedos,
pirâmides e prismas. O professor Bernardo gosta de definir conceitos e dá mais
importância aos conceitos geométricos mais familiares aos alunos. Por exemplo,
nas figuras planas, ele prefere falar de quadrados, rectângulos e triângulos porque
acha que são as mais comuns no nosso dia-a-dia e sobre os sólidos prefere falar de
cilindros, esferas, prismas, cones e pirâmides porque muitas coisas na vida são de
forma cilíndrica, esférica, de forma tetraédrica, etc. Para além destes conteúdos
também gosta de tratar da parte da axiomática da Geometria Espacial e considera
que é bastante importante para desenvolver a capacidade de visualização e de
raciocínio espacial dos alunos. Tal como refere:
…Indo mais além, podemos analisar a questão de exercícios em
que os alunos têm que ver com ou sem nenhum objecto concreto,
a posição relativa da face da base de um cubo e a recta que fura,
na posição obliqua, a sua face de cima. Essa ginástica mental faz
com que o aluno cresça na maneira de raciocinar…. Isso tem a
ver com as posições relativas no plano ou no espaço. (BE2)
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O professor Bernardo tem explicado aos seus alunos, por exemplo, como
se pode obter um sólido de revolução a partir das figuras planas:
Podemos explicar ao aluno que o sólido de revolução é obtido à partir das figuras básicas que ele conhece. Por exemplo, quando fazemos a rotação de um rectângulo em torno de um eixo fixo, obtemos um cilindro. Da mesma maneira, fazendo a rotação de um triângulo rectangular em torno de um eixo (fazendo coincidir um dos catetos com o eixo), podemos obter um cone, etc. (BE1)
Quanto às demonstrações, este professor acha que são úteis tanto para os
alunos, bem como para os professores, na medida em que “…exigem muito
raciocínio lógico…” (BE1). Ele argumenta que as demonstrações suscitam
discussões, argumentações e até ideias contrárias, no seio dos alunos. Contudo, os
alunos dificilmente conseguem lidar com tarefas envolvendo demonstrações.
Para facilitar a compreensão, este professor acha que, para além da
vantagem do uso de modelos concretos, é necessário incutir nos alunos a
importância da Matemática para as suas vidas:
…muitas vezes eu recorro a exemplos práticos da vida porque quando pensamos na motivação, o aluno quer saber porque aprender isso e qual é a vantagem. Assim, quando se opta por exemplos práticos da vida o aluno começa a relacionar a vida científica e o quotidiano. (BE1)
Contudo, este professor reconhece que nem sempre é possível relacionar
todos os conteúdos de Matemática ou da Geometria com questões reais do
quotidiano.
O professor gerindo o currículo
Planificação da prática lectiva
O professor Bernardo denota uma forte ligação aos colegas, tanto em
trabalhos de planificação geral (dosificação e planificação quinzenal), como em
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planificação de aulas. Por mais que esteja a fazer a planificação de aula em que
não precise do apoio dos colegas, sente-se muito bem quando a faz na presença
destes. Talvez isso se deva ao facto de ser delegado de disciplina. No ano de 2008,
o professor Bernardo foi delegado de 9ª classe e de disciplina de Matemática da 9ª
classe. Começou a exercer funções de delegado de disciplina no segundo trimestre,
substituindo um colega que deixou de leccionar a 9ª classe.
Este professor tem assistido as aulas de alguns dos seus colegas, na
qualidade de delegado de disciplina e também como delegado de classe. Ou seja,
para além de assistir a aulas de Matemática, tem assistido também a aulas de
outras disciplinas da 9ª classe.
Como delegado de classe, este professor coordenava as actividades de
docência ao nível da 9ª classe. Cabia-lhe a missão de reunir os delegados de
disciplina, pelo menos uma vez por trimestre, para discutirem sobre o seu trabalho.
O professor Bernardo verificava se os professores participavam nas planificações
quinzenais, consultando as pastas de cada disciplina ou conversando com os
delegados de disciplinas.
Este professor, em coordenação com os delegados de disciplinas,
preparava um calendário de assistências às aulas, onde os professores se assistiam
uns aos outros.
Nas planificações quinzenais, o professor Bernardo coordenava os grupos
de disciplina: “Dependendo da classe, os dias de planificação são diferentes”
(BEcel), por isso, não era tão difícil lidar com todos. Para além disso, “não preciso
de estar sempre nas salas de planificações…” (BEcel). Mas quando se trata de
planificação do grupo de Matemática, não falta, dependendo dele, porque acha
que aprende muito sobre a disciplina.
Quando vai a uma sessão de planificação, o professor Bernardo gosta de
conversar com os colegas sobre o comportamento dos alunos, os conteúdos em
que teve dificuldades e a maneira como ultrapassá-las:
Para falarmos sobre os problemas e sucessos das nossas aulas, não precisamos esperar pelo dia de planificação. Quase sempre estou com os colegas de Matemática, tanto nos dias de aulas, como em muitos fim-de-semana. (BEcel)
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No grupo de disciplina, privilegiam mais o trabalho em grupo do que o
individual: “…até posso dizer que o grupo de Matemática, na escola secundária
do Dondo, é o que mais interage. Pode perguntar a qualquer um,… há-de ouvir
que os professores de Matemática são os mais unidos” (BE3). Esse ambiente no
grupo favorece que esclareçam dúvidas e discutam dificuldades com os colegas
sem qualquer receio: “…Somos muito abertos” (BE3).
No grupo, os professores também discutem questões que dizem respeito ao
programa. Segundo o professor Bernardo, eles têm discutido sobre a cronologia e
as sequências:
Por exemplo, temos discutido se começamos por dar funções antes das equações quadráticas ou o contrário? E se o tempo previsto no programa é, de facto, suficiente ou não para abordar um certo conteúdo. (BE2)
Para além da dosificação e dos planos quinzenais, que têm sido feitos em
grupos, o professor Bernardo tem-se dedicado também à elaboração de planos de
aula. Segundo este professor, para uma aula ser bem sucedida, o plano de aula é
muito importante e explica-se nos seguintes termos:
O plano de aula é muito importante porque serve de um guião e, também, de material de consulta para certificar algumas transmissões. O plano ajuda a sequenciar a própria transmissão do conteúdo. Aí apresenta-se cada fase: por exemplo, a primeira que chamamos de garantia do nível inicial, que serve para preparar o aluno para aquilo que se vai dar e também fazer uma retrospectiva daquilo que já se deu. Daí, vai-se na motivação onde se cria pressupostos para o aluno entender o que se pretende transmitir. Daí, vamos na transmissão dos conteúdos, onde vamos ver que métodos usar, porque os métodos podem variar de acordo com as condições concretas, dependendo também da capacidade de assimilação dos alunos. (BE2)
Para este professor, quando um professor vai dar aula sem plano, corre
certos riscos: primeiro, aponta para o facto de que a falta de plano de aula perturba
a concentração do professor e, depois, foca a questão de uniformidade nos
apontamentos que o professor vai dando pelas diferentes turmas:
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Ponto um, é que a concentração não vai ser total. Dois, se você tem que dar um apontamento, não tem um documento escrito e tem três ou quatro turmas, não vai conseguir dar o mesmo apontamento! Há-de haver algumas alterações e é difícil controlar no dia seguinte o que se tratou. É como aquele caso em que alguém deu uma aula, dia seguinte volta e diz rectifiquem aqui ou ali….isso acontece porque a pessoa não tinha plano! (BE2)
Na elaboração do plano de aula, o professor Bernardo tem usado como
material básico o programa, o manual do aluno, os planos quinzenais e a
dosificação. Estabelece uma certa relação entre o manual e o programa, onde a
dosificação e o plano quinzenal também ajudam na elaboração do plano de aula.
Segundo este professor:
O programa não foca tudo o que vem no manual e com base na dosificação, o professor vai ao manual procurar o que lhe interessa. Se o professor for a usar só o manual, não é capaz de saber os limites! Ele não vai saber em quantas aulas deve tratar o tema tal e não será capaz de definir os objectivos daquela aula. Como conclusão, o correcto é usar o programa, o manual, o plano quinzenal e a dosificação porque as avaliações, por exemplo, não aparecem no manual e nem no programa. O professor tem que ver isso na dosificação. Os que usam somente o manual acabam dando coisas a mais e muitas vezes não cumprem com o programa. (BE2)
O professor Bernardo considera que uma aula de Geometria é bem
sucedida quando nela são usados materiais concretos, sem os quais tudo é
abstracto. Tratando-se de uma realidade, a falta de materiais concretos para as
aulas de Geometria, o professor prepara as suas aulas procurando sempre que
possível garantir que os alunos percebam os conteúdos, “…mesmo com base em
exemplos ou modelos abstractos” (BE1).
No que diz respeito aos conteúdos leccionados na 9ª classe, o professor
Bernardo não tem nenhuma objecção. Ele é de opinião que estes são adequados
para este nível, embora os alunos, às vezes, façam transparecer o contrário: “É que
o aluno de hoje é muito preguiçoso…” (BE2).
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No manual escolar, a linguagem e a sequência dos conteúdos, segundo este
professor, são adequados mas as figuras ou os desenhos, às vezes, não são muito
bem compreensíveis: “Afinal, os desenhos têm que transmitir a verdadeira ideia!
Quando se pretende mostrar planos paralelos, o desenho tem que estar feito de
modo a mostrar uma imagem clara de planos paralelos…” (BE1).
Contudo, para preparar as suas aulas, como já foi referido, o professor
Bernardo usa o manual do aluno como a sua principal base mas deixa um alerta:
…o manual ajuda só que é preciso ter muita concentração ao usá-lo porque apresenta certos erros. As vezes as soluções de exercícios aparecem trocadas ou os dados de um exercício estão trocados. Para certas demonstrações, por exemplo, algumas letras que aparecem na figura não aparecem na própria demonstração. Portanto, nisso tudo é preciso ter muito cuidado ao trabalhar com o manual porque se o professor não estiver atento poderá transportar erros e incuti-los nos alunos. (BE1)
O ambiente de trabalho, na escola, é normal, tal como considera o
professor Bernardo. Contudo, ele deixa uma observação ao facto de a escola ser já
antiga:
Já sabe, uma escola quando é antiga ajuda num lado e noutro também prejudica, nem? Ajuda porque está lá muita gente de experiência e por outro lado é prejudicial porque não renovam os meios didácticos. (BE3)
Para este professor, as escolas recém-construídas têm tido a vantagem de
receber muito material didáctico nos primeiros anos de funcionamento mas, com o
passar dos anos, estas vantagens vão diminuindo. Na medida em que o tempo
passa, as condições de trabalho vão se deteriorando e pouco ou nada se faz para
contrariar.
Faz também uma observação sobre o ambiente na sala de aula. Este
professor acha que na sala o ambiente é um pouco desastroso, ou seja, é um pouco
agitado e, explica-se:
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É um pouco desastroso porque é aquela coisa que eu disse, nem? O professor tem que dominar a turma, manter o silêncio quase absoluto e dominar a turma. Momento de aula é de aula, momento de piada é de piada, momento de diversão é de diversão. Então, com o número de alunos que temos tido nas turmas, se você não consegue dominar a turma, com alunos agitados e indisciplinados é chato. Você pode manter um silêncio mas se na sala ao lado estiver um professor que não tenha nada a ver com o silêncio, você está lixado! (BE3)
Tal como se referiu anteriormente, o professor Bernardo gosta de trabalhar
com os seus colegas, não só nas planificações quinzenais mas, também, nas
planificações de aulas. Ele acha que o professor tem que estar disponível para
aprender dos outros e também para ensinar aos outros. Para este professor, os
encontros que os professores têm tido para planificar são boas oportunidades para
conversarem sobre vários aspectos relativos ao processo de ensino de Matemática.
Tal como afirma:
O professor precisa de se mostrar curioso para saber como os colegas conseguem, muito bem, transmitir um certo conteúdo matemático! Isso pode ser possível nas planificações quinzenais com os colegas ou mesmo combinando com um dos colegas para assistir a sua aula…”. (BE3)
Metodologias de trabalho para a sala de aula
Ao planificar as suas aulas, o professor Bernardo leva sempre em
consideração que os alunos devem ter apontamentos e uma quantidade suficiente
de tarefas para consolidarem a matéria.
Quanto à gestão de aula, este professor diz que “…isso depende do
ambiente de trabalho” (BE3). O ambiente de trabalho inclui, de entre muitas
outras coisas, os materiais que o professor vai usar nas suas aulas. Para além
destes aspectos, o tempo, o tema e os objectivos propostos no programa,
determinam a forma como ele gere as aulas.
Quando vai introduzir uma aula procura assegurar que os alunos tenham os
pré-requisitos necessários para compreenderem aquilo que se vai ensinar. Por
exemplo:
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…quando estou para falar de poliedros, tenho que verificar se os alunos sabem o que é face, o que é aresta e o que é um vértice porque são elementos fundamentais de uma figura. Ele conhecendo os elementos da figura pode facilmente, se for pedido, determinar qualquer um dos elementos em falta. Mesmo não conhecendo a fórmula ele pode usar uma fórmula por sua iniciativa própria e obter um resultado certo! Para o caso dos poliedros existe, por exemplo, uma fórmula que é constante e que nos permite determinar os seus elementos. Trata-se daquela fórmula que relaciona vértices, arrestas e faces, que diz V + F – A = 2. Com esta fórmula os alunos podem determinar aquilo que está em falta, ou os vértices ou as arrestas ou as faces. (BE1)
O professor Bernardo assume um certo optimismo em relação a
possibilidade dos alunos descobrirem seus próprios caminhos para resolverem
problemas na aula. Parece, com isso, estar a apelar ao uso de tarefas de exploração
em que se sintam livres de conjecturar, de descobrir propriedades ou mesmo
fórmulas. Isso acontece, principalmente, nas aulas em que os alunos passam os 45
minutos resolvendo tarefas. Por vezes até, quando se tratar de uma aula dupla,
ficam 90 minutos a resolver exercícios. Para este professor, as aulas de resolução
de tarefas merecem maior peso no tempo do que as de exposição da nova matéria.
Por exemplo, tal como refere, se o tema não for complicado para os alunos, pode-
se, em 45 minutos, fazer a introdução e a consolidação, para na aula seguinte os
alunos dedicarem-se à resolução de exercícios. Nas aulas de resolução de
exercícios os alunos assumem um papel activo, trocam ideias entre si, fazem
perguntas ao professor e apresentam as suas resoluções no quadro. Quando se
trata deste tipo de aulas, normalmente, o professor Bernardo, tem posto os alunos
a trabalhar em grupos e às vezes procura incentivá-los a trabalhar afincadamente,
atribuindo-lhes notas pelos trabalhos que vão fazendo:
A aula tem sido assim em comum mas tem havido certas actividades que têm requerido a formação de grupos, assim pequenos grupos de 4 ou 5 alunos dependendo do número de alunos por turma. Às vezes distribui-se tarefas diferentes por cada grupo e pode dar-se um estímulo aos alunos, atribuindo notas pelos pequenos trabalhos que vão fazendo. (BE1)
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Preparação de tarefas para a sala de aula
Quanto ao tipo de tarefas para as suas aulas, o professor Bernardo
privilegia mais as de cálculos, em que os alunos são pedidos para determinar
comprimentos de lados de figuras, áreas e volumes, procurando, na medida do
possível, enfatizar a ligação da Geometria com situações da vida real. Ele gosta de
tarefas de cálculo “…porque aqui é muito mais para o aluno aplicar fórmulas”.
Para este professor, este tipo de tarefas é relativamente mais fácil porque embora
possam levar algum tempo, basta o aluno saber a fórmula que tem que usar,
saberá o caminho a percorrer, ou seja, saberá o que fazer.
Este professor não prefere tarefas envolvendo demonstrações porque os
alunos têm muitas dificuldades neste assunto. Mesmo quando ele faz
demonstração de um teorema, acha que os alunos não o conseguem acompanhar e,
“…facilmente, eles podem ficar desfocados da aula” (BE1).
Para o professor Bernardo, a principal fonte para a extracção de tarefas
para as suas aulas, é o manual escolar. Para complementar, também tem usado
fichas de exercícios dos anos passados (elaboradas por ele ou pelos seus colegas)
e também, escolhe tarefas dos exames anteriores, no caso de classe de exame (por
exemplo, a 10ª classe).
Se tiver que escolher tarefas das fichas disponíveis no manual do aluno, o
professor Bernardo observa certos critérios, nomeadamente, tem tido em conta o
grau de complexidade e o facto de serem semelhantes ou não:
Como são muitos exercícios, temos que ver aqueles que são parecidos, os que são simples e os que são complexos. O aluno tem que ver diferentes caminhos de resolução dos exercícios. Do grupo de exercícios parecidos escolhe-se alguns (simples e outros, complexos). (BE2)
Recursos e materiais
Para o professor Bernardo, para além dos materiais básicos, que o ajudam
a planificar as aulas como os manuais, os planos, as planificações quinzenais, a
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aula de Geometria, particularmente, requer o uso de certos materiais, tais como
alguns modelos físicos de sólidos geométricos e materiais para desenhar figuras,
diagramas, etc. Estes materiais são muito importantes, por isso, lamenta o facto de
que os modelos físicos ou não existem ou, se existe algum, é arcaico e os outros
materiais (para desenhar) existem em quantidades ínfimas. Uma das razões que
este professor aponta para esta situação é a falta de conservação:
Acho que estes materiais são importantes na medida em que quando dou a aula consigo mostrar ao aluno que quando se fala do objecto tal, refere-se a isto no concreto. Isso ajuda muito ao aluno na compreensão das matérias. Mas quanto a isso temos dificuldades sérias, como já havia feito referência. Há o problema de conservação dos materiais. É que quando existem não levam muito tempo ao serviço do professor. (BE1)
O professor explica porquê os materiais de Geometria não levam muito
tempo ao serviço dos professores:
…como fazem na UP, cada curso no seu departamento, então aí se houvesse a possibilidade de pelos menos as ciências e as letras terem um sector de apoio ou uma sala onde a secção de letras pusesse lá os mapas, etc., para geografia, e também de outro lado, houvesse a possibilidade de um local para a conservação do material da parte das disciplinas de ciências. Mas na falta disso o material é conservado na secção pedagógica e, esta, fica distante da sala dos professores e muitos depois não têm a paciência de o levar de volta e, por isso, a possibilidade de conservação é muito menor. (BE3)
O professor Bernardo acha que tendo os modelos concretos escusaria de
fazer os desenhos (de cilindros, esferas, cubos, etc.) no quadro que, por sinal,
levam algum tempo e exigem muita habilidade por parte do professor. A
existência destes materiais “…poderia facilitar muito porque ao em vez de o
professor desenhar no quadro podia simplesmente mostrar ao aluno o objecto no
concreto…” (BE1).
Segundo este professor:
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O professor podia até tentar construir algum material só que isso acarreta alguns custos. E mesmo assim o material feito pelo professor é de curta duração. Devia ser a própria escola a contratar uma carpintaria para fabricar esse material para ser mais confiável. (BE1)
O plano de aula de Geometria Espacial
Com base num modelo patente no programa intermédio da 9ª classe
(anexo 5), o professor Bernardo elaborou um plano de aula (anexo 4) de
introdução aos poliedros.
Conteúdo e estrutura do plano
No plano, o professor Bernardo apresenta a distribuição dos tempos por
cada função didáctica: para a garantia do nível inicial (G.N.I), cinco minutos; para
a motivação e orientação aos objectivos, cinco minutos; para a transmissão do
novo conteúdo (T.C.N), setenta e cinco minutos e, finalmente, disponibiliza cinco
minutos para a consolidação e indicar o trabalho para casa (T.P.C). Como se pode
ver, trata-se de um plano de um aula dupla, ou seja, de noventa minutos.
Ainda neste plano, o professor descreve os conteúdos a serem
desenvolvidos, os objectivos, as acções do professor e as dos alunos, os métodos
que vai usar para a abordagem dos conteúdos e os meios didácticos a usar na aula.
É de salientar que a introdução do tema Poliedros, por este professor, é feita na
mesma aula em que termina o tema sobre Trigonometria. Por isso, na parte inicial
da aula faz-se a correcção de trabalho de casa relacionado com o uso de tabelas
trigonométricas e a seguir o professor esclarece possíveis dúvidas sobre a
determinação de razões trigonométricas de ângulos dados. Ainda nesta fase, o
professor começa a orientar os alunos para a noção de poliedros, com base em
questionamentos. Daí, começa a transmissão do novo conteúdo, escrevendo o
sumário: Correcção do T.P.C e Estudo dos Sólidos Geométricos e, de seguida, faz
o desenvolvimento do tema. Dá a definição de poliedros e distingue os regulares
dos irregulares, os convexos dos côncavos, dá os elementos de um poliedro, dá
alguns exemplos de poliedros e suas definições.
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Para além disso, também introduz a noção de prisma e dá alguns exemplos
e apresenta a relação de Euler (V+F-A = 2). Na G.N.I., os métodos privilegiados
são o interrogativo e o de trabalho independente; na motivação e orientação para
os objectivos, usa-se o método expositivo e o de elaboração conjunta. Quanto aos
meios didácticos a ser usados nesta aula, destacam-se o quadro, giz, régua e tabela
trigonométrica. E, para o T.P.C., deixa-se uma questão: Defina Pirâmide.
No topo esquerdo do plano, aparece a identificação da sua escola; a
disciplina e a indicação de que se trata de um plano de aula para uma unidade
didáctica. Ainda no topo do plano, na zona central, aparece a data; a indicação das
turmas e também é mencionada a classe e o nome do professor.
Para esta aula, são definidos dois objectivos: os alunos devem saber
consultar a tabela trigonométrica e devem reconhecer os seus erros, conhecer os
poliedros, sólidos geométricos e de revolução.
Pelos vistos, os objectivos definidos para esta aula foram demais
ambiciosos ou gerais. Olhando para os limites do plano, o professor não chega a
abordar os sólidos de revolução. Aliás, o sumário que o professor propõe, sugere
menos conteúdos do que os seus objectivos.
Estratégia a usar na sala de aula
Na primeira parte da aula, o professor orienta a correcção do T.P.C.
Verifica o que os alunos fizeram e indica alguns para apresentarem as suas
soluções no quadro. A seguir, o professor esclarece dúvidas e faz perguntas
relacionadas com o tema: sólidos geométricos.
Para o desenvolvimento deste assunto, o professor Bernardo explica sobre
a estratégia que vai usar, em função dos objectivos da aula:
Tratando-se de sólidos geométricos, a principal questão é que o professor tem que saber fazer com que os alunos consigam distinguir os sólidos geométricos das figuras geométricas. O professor pode apresentar várias figuras, pode ser com material concreto ou não (no quadro) e procurar saber dos alunos qual a diferença de uma figura da outra. Descobrindo as diferenças, eles poderão dizer qual é que se trata de sólido e qual é que se trata de figura geométrica. Os alunos vão começar a identificar
110
os elementos dos sólidos (comprimento, largura, altura, vértice, hapótema, etc), em coordenação com o professor. (BE2)
Nesta descrição feita pelo professor sobre a estratégia para abordar esta
aula, está implícito o método de elaboração conjunta, procurando incentivar a
descoberta de características ou propriedades dos Poliedros por parte dos alunos.
Tarefas propostas para a aula
Quanto ao tipo de tarefas para esta aula, o professor Bernardo baseou-se
no manual do aluno para apontar alguns exercícios (dos que aparecem na ficha 8).
Não tendo muitas alternativas, o professor Bernardo acabou indicando os
exercícios 6 e 7, associados à relação de Euler (V+F-A = 2) e o exercício 8 que
leva à aplicação do teorema de Pitágoras (ver a ficha nº 8 de exercícios no anexo
6).
Neste caso, o professor não apresenta as tarefas no plano e não preparou
uma ficha para os alunos. Já que tem levado consigo o manual do aluno às aulas,
optou por ditar directamente do manual aos alunos.
Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria
O professor Bernardo acha que nos programas a distribuição do tempo
pelos conteúdos não tem tido em consideração a situação real vivida pelo
professor no terreno. Assim, afirma, para justificar a dificuldade que, às vezes,
enfrenta para, dentro do período de um ano lectivo, leccionar todos os conteúdos
previstos no programa:
Um conteúdo que é programado para duas aulas pode não ser possível, na realidade, ser tratado em duas aulas! Outra coisa é que tem havido certos imprevistos, como reuniões, visitas e, às vezes, etc. (BE2)
Com todos os imprevistos, o professor Bernardo tem sido obrigado a
redobrar esforços e trabalhar em tempos extras para o bem dos alunos, mesmo que
a escola não lhe pague por este tempo. Tal como refere:
111
…muitas das vezes, para classes com exames, temos sido obrigados a leccionar ao fim de semana para recuperar. Mas a escola não paga estas horas…e a gente faz isso por boa fé. (BE2)
Uma vez que o tempo não tem sido suficiente para abordar todos os
conteúdos programados, o professor Bernardo diz que tem sido obrigado a
imprimir uma certa velocidade na leccionação das aulas. Contudo, ele reconhece
que isso pode prejudicar alguns alunos, por exemplo os que não conseguem
acompanhar a sua velocidade. Mas porque cumprir com o programa é um dos
objectivos do professor Bernardo e tem sido exigido pela direcção da escola,
sente-se sem alternativas.
Para além da dificuldade de cumprir com o programa, sem o recurso à
pressa na leccionação das aulas, o professor Bernardo também se refere à carência
de recursos didácticos para as aulas de Geometria: instrumentos para desenho e
modelos de sólidos geométricos.
O professor Bernardo acha que as demonstrações na Geometria são
difíceis de ensinar aos alunos, porque estes não têm correspondido a qualquer
esforço do professor.
Finalmente, o professor Bernardo considera que a sua escola não tem sido
aberta a propostas de excursões e visitas de estudo. Este professor sugere que
levando os alunos a visitar algumas empresas ou instituições cujas actividades
tenham a ver com a aplicação de conhecimentos geométricos, seria bom:
…seria uma grande ajuda para nós professores que transmitimos os conteúdos e para os alunos seria bom porque estariam mais uma vez a testemunhar a importância da Geometria nas suas vidas. Podíamos, por exemplo, visitar uma pastelaria onde fazem bolos com diferentes formas e tentar entender que Geometria está associada a isso. Mas esta questão nunca foi tomada a peito e o impasse é, sempre, a falta de dinheiro! (BE1)
112
Capítulo VIII
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES
Neste capítulo apresenta-se a discussão dos resultados bem como as
principais conclusões da investigação. Tal como foi referido anteriormente, este
estudo tem como objectivo compreender a situação do ensino da Geometria, no
Ensino Secundário Geral em Moçambique, em particular da Geometria Espacial
na 9ª classe, e as práticas de gestão curricular do professor que lhe estão
associadas. Mais especificamente, pretende-se compreender as dificuldades que os
professores enfrentam na leccionação do tema e a origem das mesmas. Para tal, o
investigador procurou estudar quais as perspectivas dos professores acerca da
Geometria e do seu ensino, como se caracteriza o papel do professor na gestão do
currículo de Matemática, em geral, e da Geometria, em particular e que
dificuldades enfrentam os professores no ensino da Geometria, bem como a
origem destas. Neste contexto, a discussão dos resultados e as conclusões são
orientadas para a resposta às questões de estudo. No entanto, inicia-se este
capítulo com uma secção em que se faz a apresentação dos casos constituídos no
estudo, realçando as suas motivações para serem professores de Matemática e a
história dos seus percursos académico e profissional. Inclui-se, também, nesta
primeira parte algumas ideias dos participantes nesta investigação sobre a
importância do conhecimento matemático e didáctico para um professor de
Matemática, uma vez que são elementos que contribuem para discutir os
resultados obtidos.
Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e
profissional
Os três professores participantes deste estudo ostentam características
semelhantes, no que concerne à sua formação profissional. Ambos foram
formados, profissionalmente, num Instituto Médio Pedagógico e, por coincidência,
no mesmo período (de 1994 à 1996). Os três professores começaram a trabalhar
113
em 1997, em distritos diferentes. O professor José começou a trabalhar no distrito
de Nhamatanda, o professor Bernardo, no distrito (cidade) de Dondo e o professor
Manuel no distrito (cidade) da Beira. Os professores Bernardo e José
frequentaram o ensino geral até a 10ª classe, enquanto que o professor Manuel
frequentou um curso de formação de professores (6ª + 3) que lhe conferiu o nível
de 9ª classe e, depois, fez a 10ª classe. O professor José teve a sua formação
académica em dois distritos diferentes, Gorongosa e Buzi (num ambiente rural),
enquanto que os outros dois, os professores Manuel e Bernardo, tiveram a
formação académica na cidade da Beira (num ambiente urbano). Estes professores,
escolheram o curso de Matemática e Biologia porque gostam destas disciplinas. O
facto de um ter tido a formação académica em distrito rural e os outros terem tido
em cidades não determinou na escolha do curso de Matemática e Biologia, nem
no seu tempo de curso, pois ambos entraram em 1994 e terminaram em 1996.
Os professores participantes deste estudo reconhecem a importância do
conhecimento matemático para o professor de Matemática. O conhecimento
matemático influencia para o professor de Matemática ser considerado um bom
profissional, diz o professor Manuel. O professor José acha que um professor sem
conhecimentos matemáticos não devia ir para a escola, porque não tem nada para
ensinar. Enquanto que o professor Bernardo considera que o conhecimento
matemático é “uma chave sem a qual o professor não é capaz de aceder ao campo
onde se desenrola o processo de ensino e aprendizagem”. Portanto, nota-se aqui
uma clara intenção dos três professores dizerem a mesma coisa mas de maneiras
diferentes: o conhecimento matemático constitui um atributo crítico dos
professores de Matemática (Ponte & Chapman, 2006).
Contudo, apesar de um professor ter conhecimentos matemáticos
profundos não é uma garantia de que este seja um bom professor (Ponte &
Chapman, 2008). Para o professor ensinar, precisa determinar o procedimento
didáctico adequado, conhecer as características essenciais do tópico, compreender
e ter noção dos pressupostos básicos necessários para abordá-lo (Huillet, 2008).
Os participantes deste estudo também reconhecem a importância do conhecimento
didáctico para o professor de Matemática. Para o professor Bernardo, o professor
de Matemática, para além de estar dotado de conhecimentos matemáticos, precisa
ter habilidades para transmitir esse conhecimento aos alunos, de modo que estes
os apreendam com facilidade.
114
Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática e da Geometria
Neste estudo verifica-se que os professores têm noção da importância da
Matemática, em geral, e da Geometria, em particular, na vida e na formação do
aluno. Isso é concordante com a sugestão de Claudi Alsina, segundo a qual, a
Geometria no ensino da Matemática devia ser uma Geometria útil para todos
(Veloso et al., 1999). Os professores Manuel e José dizem que a Matemática tem
a função de apoiar o aluno nas suas capacidades de raciocinar. Eles acham que o
ensino da Matemática permite o desenvolvimento da capacidade de raciocinar dos
alunos em Matemática, permitindo também a transferência destas faculdades para
operar em outras áreas do conhecimento. O professor Manuel, por exemplo,
refere-se à ligação e aplicação da Geometria em outras disciplinas. Segundo este
professor, os alunos que mais tarde vão estudar Arquitectura, dentre muitos outros
conhecimentos, precisam também conhecer a Geometria. O professor Manuel,
também faz alusão à aplicação do teorema de Pitágoras na resolução de problemas
dentro e fora da disciplina de Matemática. Tal como explica, no tema sobre a
resolução de triângulos, o teorema de Pitágoras é fundamental. Mas também,
segundo este professor, os alunos podem aplicar este teorema para calcular a
altura de uma casa (real). Enquanto isso, para o professor Bernardo, o domínio da
Matemática facilita a compreensão das outras disciplinas, principalmente as das
Ciências Naturais e Exactas. No caso particular de Geometria, o professor
Bernardo reconhece a sua importância para a vida do aluno, tanto na escola como
na sua vida fora.
Em suma, na perspectiva dos três professores o ensino da Geometria deve
ser efectivado tendo em conta o seu papel dentro da disciplina de Matemática e
também tendo em consideração a sua relação com a realidade exterior à
Matemática (Veloso, 1999). O mesmo princípio é também defendido por Labord
(citada em Galuzzi et. al., 1998) quando afirma que o objectivo do ensino é
possibilitar ao aluno ser capaz de transferir a mesma ferramenta matemática de
um contexto para outro.
Embora atribuam grande importância à Matemática e, em particular, à
Geometria na formação dos alunos, os três professores acham que o seu ensino
tem vindo a assumir um lugar cada vez mais reduzido nas práticas dos professores.
115
Eles assumem esta perspectiva devido a certos motivos, um dos quais é o
desinteresse e a falta de motivação para a disciplina, mostrado por muitos alunos.
Para além disso, apontam para certos problemas no currículo de Geometria: o
currículo prescrito traz consigo alguns inconvenientes, que fazem com que o
implementado pelos professores, tenha também certos problemas. Os professores
Bernardo e Manuel fazem uma crítica à opção tomada, no novo programa da 9ª
classe, nomeadamente em relação à sequência dos conteúdos. Por exemplo, os
conteúdos de Geometria aparecem entre os de Estatística, ficando, deste modo, os
temas de Geometria no plano separados dos da Geometria no Espaço, facto que os
dois professores consideram inadequado. Um outro problema do currículo é a
vastidão e congestionamento dos conteúdos de Geometria na mesma classe. Este
facto, tal como observava Brian Griffths, ao descrever o currículo britânico,
assume que uma vez ensinada, a Geometria, numa determinada classe, nunca
precisa de ser mencionada mais e deste modo quebra-se a sua interligação com
outras áreas da Matemática ou das ciências (Galuzzi et al., 1998). Seria bom que
se descongestionassem os conteúdos fazendo-se, como sugerem os professores
José e Bernardo, uma distribuição equilibrada ao longo das classes. Isso permitiria
que os alunos tivessem mais tempo de contacto com um tema muito importante da
Matemática (a Geometria), ao longo da sua escolaridade (Veloso, 1999).
Quanto ao futuro da Geometria Espacial, os três professores mostram-se
apreensivos mas de maneiras diferentes. Avaliando por aquilo que se vive
actualmente, o professor Manuel acha que a Geometria vai ser esquecida. Já que
no programa é o último assunto a ser tratado, por falta de tempo, os professores
vão deixando de o leccionar e a acontecer por vários anos, acabará por ficar no
esquecimento, mesmo que figure no programa. Assim, também o afirma o
professor José, que considera que a Geometria Espacial deixará de ser leccionada.
Para o professor Bernardo, nem por isso! A Geometria continuará a ser leccionada
mas cada vez mais de forma superficial. Uma vez que uma das grandes
realizações deste professor, para além de garantir que os alunos compreendam as
matérias, é cumprir com o programa. E nesta batalha de cumprir com o programa,
o professor Bernardo acha que os alunos, principalmente os mais fracos, são os
mais propensos a ficar em desvantagem por causa da velocidade que o professor é
levado a imprimir.
116
Tal como notaram Pérez e Guillén (2007), num estudo que fizeram sobre
crenças e concepções de professores do ensino secundário em relação à Geometria,
os três professores que participaram nesta investigação também afirmam que
gostam da Matemática e da Geometria. Contudo, existem conteúdos específicos
da Geometria que afirmaram gostar mais ou gostar menos ou, mesmo, não gostar.
Por exemplo, o professor José não gosta de tratar de tarefas que envolvam o
cálculo da área da esfera porque acha que é complicado para os alunos. Este
professor gosta de ensinar sobre a axiomática da Geometria Espacial e sobre o
cálculo de áreas e de volumes dos restantes sólidos geométricos. Tal como os
outros dois professores, o professor José pouco aborda tarefas sobre
demonstrações porque os alunos não se mostram interessados. O professor
Manuel gosta mais de tratar de semelhança de triângulos, relações métricas no
triângulo e sobre a circunferência. O professor Bernardo gosta de ensinar sobre os
quadriláteros, triângulos, círculos e circunferências, e sobre o cálculo de áreas e de
volumes de sólidos geométricos. De uma maneira geral, a prática dos professores
em Geometria tem-se centrado, principalmente, sobre o estudo de quadriláteros, a
semelhança de triângulos, a aplicação do teorema de Pitágoras e sobre o cálculo
de áreas e de volumes de sólidos geométricos.
Portanto, estes professores privilegiam mais exercícios de cálculos e,
quase nunca, exercícios em que os alunos devem fazer construções e fazer
conjecturas sobre relações entre elementos de figuras. Esta postura leva a que o
ensino da Geometria se reduza, quase em exclusivo, à aplicação de fórmulas,
sendo-lhe atribuído, principalmente, um carácter algébrico (Pérez & Guillén,
2007).
O papel do professor na gestão do currículo de Matemática
Cabe-me aqui estabelecer os posicionamentos dos três professores, com
relação aos diversos aspectos curriculares (os que mereceram destaque),
procurando na medida do possível, estabelecer as devidas distinções entre eles. Os
principais aspectos a considerar nesta secção dizem respeito à dinâmica do
trabalho dos professores na planificação da prática lectiva no âmbito do tema da
Geometria, as metodologias de trabalho para a sala de aula, tendo em
consideração o tipo de materiais e recursos disponíveis para tal.
117
A gestão do currículo no colectivo: do currículo apresentado ao
moldado
Habitualmente, os professores têm encontros quinzenais para fazerem a
planificação dos conteúdos para cada duas semanas lectivas. Mas antes, no
princípio de cada trimestre, eles elaboram uma planificação (dosificação) dos
conteúdos para cada três meses lectivos. Para além destas duas planificações, os
professores também fazem planos de cada aula que vão dar e, estes devem ser
levados para a aula, obrigatoriamente, sob pena de serem repreendidos ou mesmo
serem sujeitos a um processo disciplinar pelos inspectores distritais ou provinciais
da educação. Mas isso não se tem revelado preocupante por parte dos professores
porque, ainda que não fosse obrigatório, para eles o plano de aula é indispensável.
Contudo, os três professores deste estudo assumem este trabalho de formas
ligeiramente diferentes. Embora os três professores participem nas planificações
quinzenais e nas dosificações, com os colegas, os professores Manuel e José, ao
nível de planificação das aulas, preferem trabalhar individualmente do que com os
colegas. Pelo contrário, o professor Bernardo gosta e tem trabalhado com os
colegas mesmo na planificação das aulas. Este facto, já pode marcar muita
diferença na qualidade dos próprios planos e, havendo uma consistência entre a
preparação e a leccionação, também pode marcar diferenças na qualidade das
aulas. Claramente, uma partilha de ideias na forma como os professores
tencionam abordar os conteúdos nas aulas, pode revelar-se de extrema
importância e favorecer um aprofundamento dos conhecimentos matemáticos e
didácticos por parte destes (Newborn, 2003).
Os três professores encaram o ambiente ou a sua relação com os colegas e
com as direcções das suas escolas, com um certo entusiasmo, embora o professor
Manuel reclame uma certa intransigência por parte do delegado de disciplina
quanto ao cumprimento do programa em detrimento daquilo que ele acha ideal:
fazer com que os alunos compreendam as matérias. O professor Bernardo, por sua
vez, sente que o facto de a sua escola ser antiga e com professores muito
experientes, é uma mais valia para os professores mais novos na carreira, desde
que estes (os últimos) mostrem interesse de aprender com os outros. Nos
encontros de planificação do grupo de disciplina, os professores procuram discutir
118
questões relativas a adequação dos conteúdos para os alunos, as sequências dos
conteúdos e também, se cada um conseguiu cumprir com o que estava planificado
para as duas semanas lectivas. Mas, não tendo muita margem de manobra para
exercerem a sua autonomia, mesmo que os professores notem, por exemplo, que
um certo conteúdo é demasiado difícil para o nível de desenvolvimento dos alunos,
segundo o professor José, nada podem fazer. O professor Manuel, por sua vez,
afirma que, quanto muito, os professores podem fazer uma alteração das
sequências e nunca, deliberadamente, cortar conteúdos!
Uma outra ocasião de trabalho cooperativo surge quando os professores
tomam a iniciativa de se assistirem, nas aulas, uns aos outros para o
aperfeiçoamento de formas de abordar certos conteúdos. Tal como o professor
Manuel afirma, essas assistências têm um papel importante para ele porque depois
de, com o colega assistido ou que assistiu, discutirem sobre certos aspectos da
aula, só se sente a ganhar. Contudo, este professor considera que as assistências
têm suas desvantagens quando os alunos ficam retraídos, prejudicando-os na
compreensão dos conteúdos. Mas, seja como for, é preciso assumir que as
assistências também têm uma função reguladora do trabalho do professor, daí que
sejam importantes. O professor Bernardo, no âmbito dos planos da escola, tem
assistido a aulas de seus colegas da disciplina de Matemática (como delegado de
disciplina) e de colegas de outras disciplinas (como delegado de classe). Em
ambos os casos de assistências, no fim da aula, os professores discutem sobre o
comportamento e envolvimento dos alunos, o cumprimento com o que estava
planificado, as dificuldades que o professor sentiu, etc.
A gestão do currículo pelo professor: do currículo apresentado ao
moldado
Os principais materiais curriculares que são apresentados a estes
professores são os programas de ensino, que são elaborados por especialistas do
Ministério da Educação. Para além do programa de Matemática, um outro
material fundamental na preparação das aulas destes professores, é o manual
escolar. Este manual, na verdade, é destinado aos alunos mas não havendo outra
alternativa, os professores acabam por usá-lo como se para eles tivesse sido
concebido.
119
O professor e o programa de Matemática
Como já se fez referência anteriormente, o programa de Matemática é um
dos principais instrumentos que os professores usam para planificarem as suas
aulas. Os três professores abordados neste estudo trabalham presos ao programa
(Stein et al., 2007). Isto deve ser fruto de uma certa cultura de trabalho no seio do
grupo de disciplina, na tentativa de satisfazer os seus superiores hierárquicos.
Contudo, devido a vários factores exercendo influências no trabalho individual
dos professores, no fim do ano lectivo, cada um fica posicionado da sua maneira.
Isto é, uns abrangem todos os conteúdos do programa e outros não. Por exemplo,
o professor Bernardo conseguiu abordar o tema sobre Geometria no Espaço, ainda
que de forma incompleta, mas os professores José e Manuel não conseguiram
leccionar este conteúdo.
Portanto, avaliando pelo grau de dependência dos três professores ao
programa, ou seja, pelo facto de estarem presos ao programa, posso afirmar que
eles tendem a trabalhar quase ao nível de participação de imitação-manutenção
(Gimeno, 2000), uma vez que procuram reproduzir e pôr em prática todas as
orientações emanadas nos documentos prescritivos. Neste caso concreto, do
programa, os professores procuram seguir taxativamente as orientações
metodologias e também tratar todos os conteúdos propostos. Mas, por razões
intrínsecas a este nível de participação, nenhum dos três professores conseguiu
concretizar este propósito. Aliás, tal como refere Gimeno (2000), é praticamente
impossível conseguir-se, na íntegra, este nível de participação. Pode considerar-se,
também, que os três professores deste estudo trabalham ao nível da mediação e da
criação, ao dosificarem os conteúdos, transformando o documento inicial (o
programa) num novo documento (a dosificação) e ao optarem por novas
sequências dos conteúdos.
Um dos resultados da reformulação dos programas de Matemática é a
separação da parte da Axiomática da Geometria Espacial e a de Cálculo de áreas e
de volumes de sólidos geométricos. A primeira parte já não consta em nenhum
dos novos programas da 8ª classe à 10ª classe e os professores afirmam que
passou para a 8ª classe. Os professores deste estudo consideram esta parte da
Geometria, bastante importante para desenvolver o raciocínio espacial. A parte de
120
cálculo de áreas e volumes de sólidos geométricos é mais indicada para
desenvolver habilidades de cálculo, segundo o professor Bernardo. Este professor
argumenta que, para resolverem algumas das tarefas da parte da axiomática, os
alunos são levados a operações mentais com objectos que podem ser físicos ou
mentais. Portanto, isso pode favorecer as capacidades de visualização e de
raciocínio espacial nos alunos.
O professor e o manual escolar
A dependência dos professores com o programa nota-se também com o
manual escolar. De forma unânime, os três professores afirmaram que dependem
muito do manual escolar para a preparação e leccionação das suas aulas. Isto não é
surpreendente, uma vez que dois terços de professores de Matemática, a nível
internacional, usam o manual escolar como um dos principais meios didácticos
(Reddy, 2006). No entanto, os professores deste estudo sentem-se mais
autónomos no uso do manual do que no uso do programa. Isto é, sentem-se mais
comprometidos com a direcção da escola a cumprir com o programa do que a
orientarem-se pelo manual escolar. Na verdade, o manual escolar que aqui me
refiro, foi concebido para os alunos, daí que é simplesmente descritivo e não tem
orientações metodológicas. Portanto, os professores usam o manual do aluno de
forma articulada com o programa, buscando neste (no programa) as sugestões
metodológicas para a abordagem dos conteúdos.
Embora os três professores encarem este manual quase sob a mesma
perspectiva (como uma fonte de onde buscam os conteúdos), o professor José vai
mais longe. Este professor acha que o manual do aluno é também uma fonte de
aprendizagens para ele mesmo. Segundo ele, o facto do manual apresentar tarefas
resolvidas, ajuda-o a perspectivar diferentes caminhos para a resolução de
diferentes outras tarefas, para além de que também o ajuda a se recordar de certos
conteúdos que já se tinha esquecido.
Os três professores olham para o manual com uma certa apreensão devido
a certos erros, nomeadamente, científicos, que nele aparecem. Mas por já fazer
parte da sua rotina, não têm sentido muitos problemas em relação a isso.
A autonomia exercida pelos professores ao nível do currículo moldado ao
usar o manual exprime-se, principalmente, na selecção de tarefas, no planeamento
121
dos métodos para a abordagem dos conteúdos e, na mudança, quando se justifique,
da linguagem, tendo em conta o tipo de alunos que têm pela frente (Ponte, 2005;
Stein et al., 2007; Remillard, 2005).
A gestão do currículo pelos professores: as estratégias de ensino
A preparação do trabalho dos professores, deste estudo, para a sala de aula
começa pela elaboração do plano de aula, que inclui os apontamentos para os
alunos, as tarefas, os métodos a usar para a transmissão dos conteúdos e termina
com a leccionação. A determinação das estratégias de ensino depende do tipo de
aula – se é de introdução de um novo conteúdo ou se é de consolidação da matéria.
Os métodos predominantes nas aulas destes professores, são o de exposição e o de
elaboração conjunta. O professor Bernardo usa mais o método de exposição
quando se trata de aulas de introdução de um certo tema, em que os alunos
assumem um papel menos activo, escutam e passam apontamentos. Enquanto isso,
os professores Manuel e José preferem mais o método de elaboração conjunta,
não importando se se trata de uma aula de introdução ou não. A exposição dos
conteúdos pode acontecer em qualquer instante da aula. Portanto, estes
professores usam uma combinação do método de elaboração conjunta (de
descoberta guiada) com o método expositivo ( Ponte, 2005).
Para introduzir um novo conteúdo, o professor José prefere que, na medida
do possível, seja nas aulas duplas (de 90 minutos) para permitir que os alunos
tenham tempo suficiente para digerir e consolidar a matéria. Para o professor
Bernardo, se o tema não for complicado para os alunos, dá para fazer a introdução
e consolidação, mesmo em 45 minutos. O professor Manuel acha que o
importante é que a introdução seja bem feita porque o sucesso dos alunos na
resolução das tarefas depende de como se faz a introdução. Portanto, o tempo, o
tipo de alunos (se aprendem facilmente ou não) e o tipo de conteúdos, são
apontados como os principais factores que influenciam a gestão das aulas destes
professores.
Dependendo do tipo de aula, os três professores defendem que é vantajoso
trabalhar com os alunos em pequenos grupos para promover ambientes de
discussão entre eles. Isso acontece mais nas aulas inteiramente dedicadas à
resolução de tarefas.
122
A gestão do currículo pelos professores: as tarefas a propor
Para a selecção de tarefas para os alunos, os professores usam alguns
critérios, uma vez que o manual, para certos temas, tem apresentado muitas. Por
exemplo, habitualmente, começam das tarefas mais simples para as mais
complexas, diversificando-as ou tendo em conta se são ou não parecidas
(professores Manuel e Bernardo) ou, de acordo com os objectivos da aula
(professor José).
Os três professores optam mais por tarefas envolvendo cálculos (de
comprimentos, áreas, volumes, etc.), abdicando de trabalhar com tarefas
envolvendo demonstrações. Para estes professores, as demonstrações são difíceis
de tratar, principalmente, porque os alunos têm tido muitas dificuldades neste
assunto. Os exercícios de cálculo são mais fáceis porque, segundo o professor
Bernardo, o aluno só precisa de aplicar as fórmulas. Apesar disso, os professores
José e Manuel são de opinião de que as tarefas de demonstração são melhores
para desenvolver o raciocínio geométrico dos alunos. O professor José vai mais
além, dizendo que é importante fazer-se a demonstração de como aparecem certas
fórmulas para o aluno entender e usar essas fórmulas com segurança. A
demonstração referida pelo professor José aponta mais no sentido de dedução de
fórmula. De facto, na escola secundária é frequente o uso de fórmulas que são
apresentadas sem explicação.
Analisando as tarefas propostas no manual, para a parte da Geometria
Espacial e com base nas categorias estabelecidas por Ponte (2005), estão presentes
apenas dois tipos: exercícios e problemas. As tarefas propostas no manual são
todas fechadas, variando nos seus graus de desafio. Portanto, tendo em
consideração que os professores têm como principal fonte de tarefas o manual, é
pouco provável que usem outros tipos tarefas.
O professor e o plano de aula: uma concretização
Quando solicitados, os três professores, elaboraram um plano de aula de
introdução aos Poliedros, que corresponde à aula de introdução à Geometria
Espacial e notou-se que todos seguem um modelo de plano de aula disponível no
programa de Matemática, tendo feito, cada um, pequenas adaptações na sua
123
estrutura. Para estes professores, o plano de aula é muito importante porque se
trata de um documento orientador da aula. Sem o plano, os participantes
consideram que o professor corre o risco: de perder a concentração na aula e ter
dificuldades de uniformizar os apontamentos pelas diferentes turmas (professor
Bernardo); de se desviar dos assuntos e não conseguir controlar o tempo
(professor José); e de perder a sequência lógica dos conteúdos e improvisar
(professor Manuel). Segundo Remillard (2005), na arena de design o professor
selecciona e constrói tarefas para os seus alunos mas na área de implementação
existe sempre uma margem para a adaptação das tarefas e também para o
improviso, dependendo das necessidades emergentes. Sendo assim, é normal que
o professor improvise ou que os apontamentos dados aos alunos de turmas
diferentes tenham algumas diferenças. O facto de os professores estarem muito
presos aos seus planos, de certa forma, pode reduzir o seu grau de liberdade na
sala e, consequentemente, ser redutor do ambiente natural da sala de aula e do
envolvimento dos alunos, dando-se lugar a uma aula fechada. Deste modo, não
haverá, por exemplo, tolerância para o esclarecimento das dúvidas dos alunos,
para a resolução de tarefas não planificadas e que se mostrem mais adequadas às
necessidades dos alunos, etc.
Embora tenham usado o mesmo modelo de plano de aula, com a
disponibilidade do mesmo manual e programa, e para o mesmo pedido os
professores revelam diversidade em certos aspectos relativos à estrutura e
conteúdos dos seus planos. Os professores José e Bernardo elaboraram um plano
para uma aula dupla, ou seja, uma aula de 90 minutos. O professor Manuel
elaborou um plano de aula de 45 minutos. Todos privilegiam o método de
elaboração conjunta, sendo que o professor José considera também o método que
chamou por “trabalho independente” que os alunos usam quando resolvem tarefas
sozinhos, na sala de aula ou em casa. O professor Bernardo usa, para além da
elaboração conjunta, o método interrogativo (o professor faz perguntas orientadas
para determinadas respostas e o aluno responde) e o método expositivo. Tal como
referiram, as suas opções metodológicas estão dependentes do tempo disponível,
do tema a abordar e também do tipo de alunos que têm pela frente. Quanto ao tipo
de tarefas, notou-se que os três professores trabalharam de formas diferentes. O
professor Manuel, por exemplo, elaborou três tarefas da sua autoria porque para a
parte introdutória, segundo o seu plano, o manual não tinha tarefas propostas. Os
124
professores José e Bernardo, basearam-se no manual porque nas suas aulas de
introdução incluíram a aplicação da relação de Euler (V+F - A = 2), tendo sido
feita a consolidação, em torno desta relação, durante uma pequena parte da aula.
Outra diferença entre estes professores, nota-se na quantidade de
conteúdos que incluem nos seus planos, em função do tempo. O professor Manuel
introduz os poliedros e termina com a sua classificação (em côncavos e convexos).
O professor José introduz e termina na relação de Euler (depois da classificação
dos poliedros). O professor Bernardo vai até a introdução de pirâmides (depois da
classificação dos poliedros). É de salientar que o plano de aula do professor
Bernardo foi implementado na sala de aula! Os outros dois professores não
concretizaram os seus planos na sala. Como se pode constatar, para um mesmo
espaço de tempo, o professor Bernardo apresenta um maior número de conteúdos
do que o professor José. Isso pode ser um dos factores explicativos para no fim do
ano lectivo, alguns professores abordarem todo o programa e outros, não. Mas há
também que pensar-se na profundidade com que os conteúdos são tratados e se
são alcançados os objectivos de aprendizagem pretendidos!
Com base nos vários aspectos descritos, anteriormente, sobre o
envolvimento dos três professores na gestão e desenvolvimento do currículo de
Matemática, e com base em Gimeno (2000), pode resumir-se a informação no
seguinte: todos fazem a gestão do currículo, planificando colectiva e
individualmente, sendo predominante o currículo moldado pelos professores e
também o apresentado (o programa e o manual escolar), com níveis de
protagonismo curricular ligeiramente diferentes. O de imitação – manutenção
nota-se nos três professores, na medida em que tentam reproduzir o modelo de
plano e as sugestões metodológicas patentes no programa. Ao introduzirem
algumas adaptações no modelo de plano, nas sugestões metodológicas e ao
criarem tarefas da sua autoria (no caso de uma das tarefas do professor José e as
três do professor Manuel), assumem-se como estando a participar na gestão
currículo aos níveis de criação e mediação. O principal factor que levou estes
professores a assumir os níveis de protagonismo de criação e de mediação na
produção de tarefas, foi a limitação do manual escolar no tipo de tarefas propostas
para, no caso concreto, o tópico de Geometria Espacial, na parte introdutória e a
necessidade de adaptar o modelo de plano proposto (no programa) à sua realidade
de trabalho.
125
Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria
Os professores participantes nesta investigação apontaram para
dificuldades relacionadas com a falta de recursos ou materiais didácticos,
dificuldades na leccionação de certos conteúdos e dificuldades decorrentes da sua
relação com o currículo ou com os materiais curriculares.
Os três professores ressentem-se da insuficiência de tempo para cumprir
com o programa de Matemática e para discutirem assuntos relacionados com as
suas práticas. Para tal, os professores evocam certos motivos: o excesso de
conteúdos no programa e alguns imprevistos por parte dos professores ou da
escola.
Os professores deste estudo nunca tiveram a oportunidade de participar na
reformulação dos programas. Eles acham que se tivessem esta oportunidade,
contribuiriam para uma melhor distribuição do tempo pelos conteúdos e para
equilibrar a quantidade destes pelas várias classes do ensino secundário ou
propondo a eliminação de certos conteúdos, minimizando-se, assim, o problema
de incumprimento dos programas. Estes professores mostram-se, pois, algo
apreensivos em relação ao programa, no que diz respeito ao tema da Geometria.
Reclamam a inadequação das sequências e o facto de os conteúdos contemplados
serem bastante vastos. Aliás, não é por serem muitos os conteúdos que se
desenvolve a capacidade matemática, nos alunos! Tal como sugeria, um gestor da
educação em Moçambique, não é preciso leccionar muitos conteúdos mas é
necessário abordar os conteúdos adequados e necessários que sejam importantes
para os alunos (Matavele, 2002).
Quanto aos conteúdos, os três professores acham que as demonstrações
são as mais difíceis de tratar com os alunos. Isso deve-se, segundo os professores,
à falta de motivação por parte dos alunos com relação a este assunto. Para além
das demonstrações, o professor José aponta o cálculo do volume da esfera, como
sendo difícel para abordar com os alunos.
Uma outra questão que constitui dificuldade para os professores é o
excesso de alunos nas turmas. De facto, nas escolas moçambicanas, os professores
confrontam-se com esta realidade que acho que vai levar mais alguns anos para se
inverter, tendo em conta que o país ainda se ressente dos efeitos destruidores da
126
guerra civil que terminou há quase 16 anos. Os professores, actualmente, têm
trabalhado com turmas de, em média, 70 alunos!
Quanto aos recursos ou materiais didácticos, uma das preocupações dos
professores prende-se com a falta de manuais que os apoiem na preparação das
suas aulas. O único manual disponível na escola é o que foi concebido para o
aluno. Mesmo o aluno dificilmente tem este manual porque, nos níveis da 8ª à 12ª
classe, a compra dos manuais é da responsabilidade dos próprios alunos. Tal como
afirmam os professores, o manual escolar do aluno, embora às vezes apresente
alguns erros científicos, ajuda-os bastante. O manual do aluno constitui, para estes
professores, a fonte principal para extracção de exercícios para as aulas.
Para além da questão dos manuais, os professores acham que deviam ter
instrumentos para desenhar (réguas, esquadros, compassos, transferidores). Tanto
a escola secundária de Dondo, como a escola secundária da Manga, não dispõem
destes instrumentos, em quantidades suficientes. A aula de Geometria, de facto,
exige que o professor, em alguns momentos, faça desenhos, diagramas, figuras,
etc., para ilustrações. Mas havendo insuficiência dos materiais de desenho, os
professores acabam fazendo os desenhos à mão livre, facto que faz com que
muitas vezes os desenhos apareçam destorcidos, podendo dificultar a
compreensão daquilo que se pretende ensinar. Para além disso, os instrumentos de
desenho poderiam ajudar na conceptualização de alguns conceitos matemáticos e
auxiliar os alunos nas construções que eles próprios têm de fazer.
Todavia, os professores acreditam que a falta de materiais pode ser
ultrapassada, dependendo da boa vontade da direcção da escola ou da iniciativa
dos próprios professores. A escola podia criar uma oficina pedagógica que
pudesse produzir os materiais de desenho e alguns modelos físicos (cilindros,
cubos, esferas, prismas e pirâmides) para serem usados nas aulas de Geometria,
sugeria o professor José. Mas, tal como os professores afirmam, a falta de tempo e
de recursos financeiros são um impasse para concretizarem a iniciativa de eles
próprios produzirem os seus materiais (por exemplo, alguns modelos de sólidos
geométricos). O professor está, cada vez mais, preocupado em ter um pouco mais
de dinheiro para sobreviver ao alto custo de vida, passando, deste modo, a maior
parte do dia a trabalhar, por vezes, em mais de uma escola e, voltando a casa à
noite, muito fatigado, tendo por isso pouca disponibilidade para se envolver em
novas iniciativas na escola.
127
Finalmente, coloca-se a questão associada ao apoio ou acompanhamento
didáctico aos professores, principalmente, na preparação destes para a leccionação
dos conteúdos mais problemáticos. Tal como fez referência o professor José, há
muitos conteúdos matemáticos que o professor não aprendeu durante a formação
mas que deve ensinar na escola. Isso sugere que o professor esteja envolvido
numa formação contínua ao longo da sua carreira docente.
Limitações e implicações do estudo
Tendo em consideração os objectivos desta investigação, o trabalho
empírico foi realizado com professores do ensino secundário e a escolha destes
devia obedecer a um conjunto de critérios definidos à priori. Constatou-se, a
determinado momento, a não possibilidade de aplicação destes critérios devido às
condições reais, imprevistas, encontradas no terreno. A intenção do investigador
era que, dos três professores que seriam escolhidos para participar no trabalho de
campo, houvesse um professor com pouca experiência (até seis anos), um com
experiência média (até 15 anos) e outro com muita experiência (mais de 20 anos).
Este critério seria útil para a compreensão da influência do tempo de serviço nas
perspectivas e práticas dos professores no ensino da Geometria. Estava,
igualmente, planeado para participarem nesta investigação, três professores da
mesma escola, para facilitar as deslocações do investigador ao terreno para a
recolha de dados, principalmente, a observação de aulas. Mas contra esta condição,
durante os contactos estabelecidos com os professores de Matemática desta escola,
notou-se que todos estavam atrasados nas suas aulas, excepto dois, Manuel e José,
que ainda tinham a esperança de poder abranger a parte de Geometria que
interessava ao investigador para assistir a algumas aulas. Portanto, por
conveniência foram escolhidos estes dois professores e foi necessário escolher um
terceiro professor de uma outra escola secundária.
No fim do período lectivo, notou-se que mesmo os dois professores da
Escola Secundária da Manga, escolhidos para o estudo, não conseguiram abranger
o conteúdo da Geometria Espacial, no qual, o investigador pretendia assistir a
algumas aulas. Sendo assim, a intenção de recolher dados por observação às aulas
ficou sem efeito. Esta teria sido importante para analisar a articulação entre o
currículo moldado pelo professor e o que é posto em acção. Deste modo, teria sido
128
possível compreender como as perspectivas dos professores sobre o ensino da
Geometria se expressam nas suas práticas.
Uma outra limitação com que se deparou esta investigação, diz respeito ao
tempo de contacto do investigador com os participantes. O investigador apenas
teve oportunidade de recolher os dados no período limitado, de três meses, em que
esteve em Moçambique, tendo voltado a Portugal onde continuou a fazer a análise
de dados. Pela natureza da investigação qualitativa e do estudo de caso, durante a
análise de dados, o investigador sentiu a necessidade de esclarecer ou
compreender melhor algumas ideias junto dos participantes. Neste caso, o
investigador socorreu-se do telefone mas com um tempo de conversa muito
limitado devido aos custos que isso acarretava.
Este estudo tem implicações directas para (re)pensar-se sobre o processo
de ensino-aprendizagem da Geometria, particularmente, em Moçambique. Ao
mesmo tempo, tem implicações para o currículo de Matemática do ensino
secundário, em geral, e da 9ª classe, em particular. Os resultados do estudo
sugerem a necessidade de repensar-se no futuro do ensino da Geometria,
principalmente, ao nível do 1º ciclo do ensino secundário, tendo como principais
focos: a adequação dos conteúdos para os alunos em cada uma das classes, a
redistribuição dos conteúdos matemáticos ao longo das três classes deste nível de
ensino, a compatibilidade da quantidade de conteúdos e o tempo proposto nos
programas, a falta de condições materiais para os professores abordarem este tema
e a natureza das tarefas propostas aos alunos.
A concluir
O estudo realizado permite reflectir sobre a situação carenciada de escolas
em Moçambique. Estas não dispõem de recursos didácticos para o ensino da
Geometria, tais como, manuais de Geometria para professores, modelos
geométricos e instrumentos para desenhar, facto que dificulta o seu ensino. Tal
como se referem Mushayikwa e Lubben (2009), o elevado número de alunos nas
turmas associado a um conjunto de outros factores, como a falta de condições
financeiras das escolas, a escassez de recursos materiais para alunos e professores,
etc., representam o que chamam de ambientes de trabalho carenciados. De facto,
sem condições financeiras, as escolas ficam limitadas na concretização de várias
129
iniciativas tais como a compra de materiais didácticos, a redução do número de
alunos por turma, etc. Para os professores participantes na presente investigação, o
o excessivo número de alunos nas turmas, dificulta o seu trabalho porque não tem
sido fácil fazer-se um acompanhamento individualizado aos alunos durante as
aulas e também a preparação de tarefas e a correcção de trabalhos ou testes. Em
alguns casos, por exemplo na escola secundária de Dondo, as próprias salas de
aula são relativamente pequenas para acolher o elevado número de alunos. Torna-
se assim necessário aumentar o número de professores e de salas de aula para que
seja possível leccionar em turmas mais reduzidas, embora isso acarrete acrescidos
encargos financeiros e um esforço adicional na formação de professores.
Os professores acham que alguns dos conteúdos de Geometria são
complexos para os alunos e que o tempo não é suficiente para abordá-los a todos.
Os programas são longos e há congestionamento de conteúdos na mesma classe.
Este facto, poderá contribuir para o efectivo desaparecimento da Geometria
Espacial do currículo moldado, por mais que continue a figurar no currículo
prescrito.
Os professores têm oportunidades e gostam de trabalhar juntos para a
planificação dos conteúdos, desde o nível mais geral (dosificação) ao nível mais
particular (planificação da aula), embora não se sintam livres para decidir sobre a
adequação dos conteúdos para os alunos. Contudo, têm tido pouco tempo para
discutirem sobre as suas práticas. Este estudo permite perceber também que
alguns professores exigem e necessitam de que as suas escolas lhes dêem uma
margem de manobra para a flexibilidade curricular a seu cargo. Nomeadamente,
que lhes fosse dada a autonomia de decidir sobre que conteúdos são adequados e
importantes para os alunos. As escolas poderiam também resolver uma parte do
problema de recursos didácticos, criando oficinas pedagógicas, onde o professor
seria incentivado a participar na construção destes materiais.
Os professores, participantes neste estudo, acreditam que a Geometria é
bastante útil na vida e na formação do aluno, facto que os leva a concordar que
esta deve ser ensinada na escola. Contudo, os constrangimentos com que estes
professores trabalham, desde a pressão para cumprir com os programas até a
insuficiência de tempo e de materiais didácticos, serão, com certeza,
determinantes na forma como encaram e implementam as suas aulas. Daí que seja
130
plausível pensar que as práticas dos professores nem sempre poderão ir ao
encontro das suas perspectivas sobre o ensino (Clements, 2003).
Os professores precisam de dar uma atenção permanente ao uso dos
materiais curriculares para o ensino. Eles precisam de estudar os conteúdos, os
objectivos, as formas de abordagem e o que estará supostamente subjacente ao
currículo que lhes é pedido para implementar. Para tal devem ter oportunidade de
examinar os conteúdos curriculares, com os colegas, fazendo as suas próprias
interpretações e decisões explícitas para eles mesmos e para os outros (Remillard,
2005).
Tal como dizia um gestor moçambicano, os professores precisam de ser
capacitados para o uso de novas metodologias de ensino porque muitos têm a
tendência de ensinar os conteúdos de acordo com a forma como aprenderam, sem
levar em conta as metas indicadas nos objectivos do programa (Matavele, 2002).
Para o caso dos professores deste estudo, embora têm procurado trabalhar levando
em consideração os objectivos patentes no programa, seria conveniente que
tivessem acções de capacitação (formação), por exemplo, com base em seminários
ou workshops que lhes permitissem desenvolver-se profissionalmente no domínio
da didáctica específica.
Adicionalmente, seria desejável que os professores tivessem um bom
domínio dos conteúdos matemáticos que vão ensinar para uma boa interpretação
do currículo. Uma vez que os Institutos de Formação de Professores têm
potenciado mais a componente pedagógica e metodológica, os cursos de
capacitação poderiam também complementar a formação dos professores,
dotando-os de conhecimentos sólidos sobre os conteúdos, principalmente os que
consideram de difícil leccionação.
No ensino da Geometria, o uso das potencialidades da visualização, do
raciocínio espacial e da modelação geométrica para resolver problemas (NCTM,
20007) não é, habitualmente, incentivado por estes professores, desperdiçando-se
uma boa oportunidade de encorajar os alunos a usar conjecturas, pensamento
dedutivo e a demonstração. Deste modo, existe ainda um longo caminho a
percorrer no ensino da Geometria, em Moçambique.
131
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136
ANEXOS
Anexo 1: Guiões de entrevista
Entrevista 1
Grupo I (questões gerais)
1. Porque razão escolheu o curso de formação de professores de Matemática?
Foi a sua primeira escolha?
2. Pode contar um pouco como foi o seu percurso académico?
3. Que razões aponta para que a Matemática seja uma disciplina pouco
apreciada pela maioria dos alunos?
4. Qual a importância que atribui à Matemática na formação do aluno?
5. Quais são as suas principais preocupações enquanto professor de
Matemática?
6. O que tem feito para envolver matematicamente os alunos nas actividades?
7. Quais as suas principais preocupações quando está a preparar uma aula?
E após a aula, sobre que aspectos tem reflectido?
8. Como organiza os seus alunos na sala? Quando estão resolver tarefas?
Privilegia trabalho individual ou de grupo? Porquê?
----------------------------------------------------------------------------------------------
Grupo II (sobre a Geometria)
9. Qual a importância da Geometria na formação do aluno? Em função disso,
que lugar acha que tem merecido no currículo?
10. Acha que a Geometria tem aparecido ligada à outras áreas das ciências? A
que áreas e de que forma?
11. Que papel deve ser reservado aos modelos geométricos físicos, desenhos,
diagramas e outros materiais manipuláveis, etc., no ensino da Geometria?
12. Qual o lugar das demonstrações nas suas aulas? E das justificações ou
argumentações dos alunos? Acha que as demonstrações e justificações ou
argumentações são importantes nas suas aulas? Porquê?
137
13. Que tipo de tarefas ou problemas tem proposto aos seus alunos nas aulas
de Geometria (pode dar alguns exemplo)? E ao introduzir um novo
assunto?
14. Que tipo de actividades acha que podem promover o pensamento ou
raciocínio geométrico? Considera um desafio pô-las em prática?
15. Que recursos materiais acha que são necessários para o ensino da
Geometria? A escola tem esses recursos? E os alunos?
16. O que gosta mais ao ensinar a geometria? E o que gosta menos? Porquê?
17. De que forma o manual escolar facilita as suas aulas de Geometria, na
preparação e na leccionação?
18. Que dificuldades tem encarado no ensino da Geometria? Que razões acha
que estarão por detrás destas dificuldades?
138
Entrevista 2
1. Os professores são pedidos para elaborar um plano de aula para a
introdução da Geometria Espacial (Poliedros).
**Qual a importância do plano de aula para si?
**O que é importante incluir no plano de aula?
**Que materiais usa na elaboração do seu plano de aula?
**Para o caso desta aula de Geometria, quais as actividades do professor e
quais as dos alunos?
**Que exercícios (do manual ou não) acha serem adequados para esta aula de
introdução?
Análise do programa,
1. No grupo de disciplina de Matemática, têm discutido sobre questões
associadas ao programa de Matemática? Sobre que aspectos têm discutido?
*A sequência
*Adequação dos conteúdos ao nível (9ª classe)
**Será que os alunos possuem os pré-requisitos para estudarem esses
conteúdos?
*Até que ponto as sugestões metodológicas ajudam? (pp. 51-59, programa da
9ª classe).
2. O que tem falhado no cumprimento do programa? Porque é que não
consegue cumprir com o programa?
3. A parte da axiomática da Geometria espacial, já não está directamente
ligada aos sólidos geométricos! Acha que isso é indiferente?
4. Até que ponto esta parte é importante para o ensino da parte dos sólidos?
5. Em que classe é ensinada a parte da axiomática?
---------------------------------------------------------------------------------------------
139
Análise do manual escolar
1. A linguagem é acessível? A sequência é adequada? As figuras ou os
desenhos ajudam a compreender os conteúdos? Estão bem feitos?
2. Há erros científicos? Qual é o impacto destes no processo de ensino e
aprendizagem?
3. Que tarefas do manual (da 10ª classe, pp. 193-241) tem usado para as
aulas de Geometria Espacial? Com que base tem escolhido as tarefas?
4. De que forma o manual corresponde à expectativa do programa? E a sua
expectativa?
5. Como articula o manual com o programa?
6. O que é correcto, usar o programa ou o manual, na preparação e
leccionação das suas aulas?
140
Entrevista 3 Perguntas para todos
1. Como deve ser o professor de Matemática para ser considerado um bom
profissional?
2. Acha que os conhecimentos matemáticos são determinantes, para tal?
Como?
3. Que aspectos didácticos acha que são determinantes para que uma aula
seja bem percebida pelos alunos?
4. Qual é o seu papel na sala como professor e qual é o papel dos alunos
durante as aulas?
5. O que espera que será do ensino e aprendizagem da Geometria para os
próximos anos?
6. Sabe por que razão a Geometria que era dada na 10ª classe passou para 9ª
classe?
7. Quantos alunos têm, as turmas, normalmente?
8. O que pensa fazer para preparar matematicamente os seus alunos para o
mundo do trabalho e para a plena participação na vida social?
9. Como avalia o ambiente de trabalho na escola? E na sala de aula?
10. Considera importante reflectir sobre a sua prática? Porquê?
Perguntas específicas para cada professor
11. Professor Manuel, porque é que ainda não ensinou a Biologia? Nunca teve
oportunidades? Ou não gosta de ensinar a Biologia? Porquê?
12. Professor Manuel, onde fez o nível primário? E o secundário?
13. Professor Manuel, que curso está a fazer na Universidade Católica? Escolheu?
14. Professor Manuel, tem formado grupos de quantos alunos?
15. Professor Manuel, tem trabalhado com os alunos a fórmula V+F-A = 2?
De que forma? 16. Professor José, porquê não escolheu fazer matemática na UP?
17. Professor José, em que escolas foi director, em Nhamatanda?
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18. Professor José, onde se localiza a Missão Barada? Ainda existe?
19. Professor José, tem trabalhado com os alunos a fórmula V+F-A = 2? De que maneira?
20. Professor Bernardo, tenciona voltar a UP? Fazer Física ou Matemática?
21. Professor Bernardo, até que classe lecciona a escola Eduardo Mondlane?
22. Professor Bernardo, porquê os materiais de desenho e modelos concretos
de Geometria estragam-se facilmente?
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Anexo 2: Plano de aula de introdução aos poliedros elaborado pelo
professor Manuel
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Anexo 3: Plano de aula de introdução aos poliedros elaborado professor
José
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Anexo 4: Plano de aula de introdução aos poliedros elaborado pelo
professor Bernardo
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Anexo 5: Modelo de plano de aula proposto pelo Ministério de Educação
de Moçambique, patente no programa de Matemática da 9ª classe
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Anexo 6: Tarefas da ficha 8 do manual escolar da 10ª classe
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