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1 Capítulo I INTRODUÇÃO Génese do estudo O ensino da Geometria, em geral, tem sido encarado como algo difícil pelos professores das Escolas Secundárias do Ensino Geral (ESG) em Moçambique. Foi possível fazer-se esta constatação a partir de um inquérito dirigido a professores de Matemática do ESG, levado a cabo por um grupo de professores da Universidade Pedagógica de Moçambique, do qual faço parte, no âmbito de um projecto designado por Projecto UP-STTP 1 . Notou-se dos resultados do inquérito que foi consensual entre os professores que a Geometria é um tema difícil de leccionar. No ensino secundário, na 10ª classe, realiza-se um exame nacional no final do ano lectivo, por isso os professores têm sentido uma responsabilidade acrescida na preparação dos seus alunos ao longo desse ano. Em muitos exames de Matemática, da 10ª classe, aparecem problemas de Geometria no Espaço e isso tem criado um grande embaraço para os alunos – que não têm estado bem preparados – e para os próprios professores – que não têm conseguido preparar os alunos da melhor forma para o exame. Uma das consequências imediatas disso é que muitos professores têm evitado leccionar as turmas da 10ª classe. Até ao ano de 2007, a Geometria Espacial era ensinada na 10ª classe mas, actualmente como resultado da reforma curricular que está em curso no país, passou a ser ensinada na 9ª classe. Com a passagem deste tema da 10ª classe para 9ª classe, o problema detectado mantém-se porque o exame na 10ª classe, pode incluir qualquer dos temas da 8ª, 9ª e 10ª classes. 1 O Projecto UP-STTP (Support to Teacher Trainning Programme) foi um projecto desenvolvido na Universidade Pedagógica de Moçambique (UP) no período de 2004 a 2007 que tinha como um dos objectivos promover seminários e workshops com professores do ensino secundário para discutir questões de ensino da Matemática e de outras disciplinas. Neste projecto, também eram elaborados, alguns textos de apoio para os professores, que os ajudavam na preparação das suas aulas.

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Capítulo I

INTRODUÇÃO

Génese do estudo

O ensino da Geometria, em geral, tem sido encarado como algo difícil

pelos professores das Escolas Secundárias do Ensino Geral (ESG) em

Moçambique. Foi possível fazer-se esta constatação a partir de um inquérito

dirigido a professores de Matemática do ESG, levado a cabo por um grupo de

professores da Universidade Pedagógica de Moçambique, do qual faço parte, no

âmbito de um projecto designado por Projecto UP-STTP 1 . Notou-se dos

resultados do inquérito que foi consensual entre os professores que a Geometria é

um tema difícil de leccionar.

No ensino secundário, na 10ª classe, realiza-se um exame nacional no final

do ano lectivo, por isso os professores têm sentido uma responsabilidade acrescida

na preparação dos seus alunos ao longo desse ano. Em muitos exames de

Matemática, da 10ª classe, aparecem problemas de Geometria no Espaço e isso

tem criado um grande embaraço para os alunos – que não têm estado bem

preparados – e para os próprios professores – que não têm conseguido preparar os

alunos da melhor forma para o exame. Uma das consequências imediatas disso é

que muitos professores têm evitado leccionar as turmas da 10ª classe.

Até ao ano de 2007, a Geometria Espacial era ensinada na 10ª classe mas,

actualmente como resultado da reforma curricular que está em curso no país,

passou a ser ensinada na 9ª classe. Com a passagem deste tema da 10ª classe para

9ª classe, o problema detectado mantém-se porque o exame na 10ª classe, pode

incluir qualquer dos temas da 8ª, 9ª e 10ª classes.

1 O Projecto UP-STTP (Support to Teacher Trainning Programme) foi um projecto desenvolvido na Universidade Pedagógica de Moçambique (UP) no período de 2004 a 2007 que tinha como um dos objectivos promover seminários e workshops com professores do ensino secundário para discutir questões de ensino da Matemática e de outras disciplinas. Neste projecto, também eram elaborados, alguns textos de apoio para os professores, que os ajudavam na preparação das suas aulas.

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As dificuldades que os alunos transportam desde o ensino secundário

fazem-se sentir mesmo na universidade. Esta afirmação fundamenta-se na minha

própria experiência como docente da disciplina de Geometria Analítica e de

Geometria Euclidiana, na Universidade Pedagógica de Moçambique. Os meus

estudantes mostravam muitas dificuldades em lidar com questões que

envolvessem o raciocínio espacial. E a maior parte desses estudantes eram

professores de Matemática nas escolas secundárias.

Importância da temática

Começaria, aqui, por procurar responder a questão: porquê ensinar a

Geometria na escola? É comum que, para responder a esta questão, sejam

enumeradas razões que se apoiam em aspectos da utilidade da Geometria, pondo-

se em evidência as possibilidades que os recursos geométricos oferecem à

resolução de problemas da vida quotidiana, ao desempenho de determinadas

actividades profissionais ou à própria compreensão de outros conteúdos escolares.

Uma das razões para se estudar a Geometria seria a sua aplicação no mundo em

que vivemos. De várias formas usamos a Geometria na nossa vida: matemáticos,

engenheiros, arquitectos, geógrafos, físicos, …, artesãos, artistas plásticos, usam a

Geometria nos seus trabalhos. Portanto, trata-se, neste caso, de reconhecer a

utilidade da Geometria no âmbito da formação humana, mais geral.

Tal como afirmam Fonseca, Lopes, Barbosa, Gomes e Dayrell (2001) para

uma melhor compreensão e apreciação das obras do homem ou da natureza, o

estudo da Geometria também promove valores culturais e estéticos importantes.

Indo a um contexto mais restrito, o escolar, podemos considerar aspectos mais

formativos que evidenciam a importância do estudo da Geometria. Segundo estes

autores, através do ensino da Geometria, é possível concretizar-se o

desenvolvimento de habilidades e competências tais como a percepção espacial e

a resolução de problemas, uma vez que ela oferece aos alunos as oportunidades de

olhar, comparar, medir, adivinhar, generalizar e abstrair. Deste modo, abre-se uma

oportunidade para o desenvolvimento de um pensamento crítico e autónomo nos

alunos.

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Duval (1998), por sua vez, também refere-se à importância do ensino da

Geometria e, segundo ele, é útil para desenvolver nos alunos as habilidades de

representação visual e de raciocínio e favorecer as sinergias destes dois processos.

A Geometria em geral, e a Geometria no Espaço, em particular, pode ser

uma fonte de actividades significativas onde os alunos podem trabalhar em grupos,

usando diversos tipos de materiais. Neste campo da Matemática, é possível

desenvolver nos alunos, as capacidades de visualização espacial, o uso de

diferentes formas de representação, evidenciar conexões matemáticas e ilustrar

aspectos interessantes da história e da evolução da Matemática (Ponte, Brocardo

& Oliveira, 2006). Segundo estes autores, a exploração de diferentes tipos de

investigação geométrica pode dar uma boa contribuição para a concretização da

relação entre situações da realidade e da Matemática.

Portanto, as duas faces (a utilitária e a formativa) do papel da Geometria

justificam o suficiente que esta seja ensinada na escola. Ensinar a Geometria para

que sejam, de facto, alcançados os objectivos de aprendizagem preconizados (nos

programas de Matemática), pode ser um desejo legítimo de um professor de

Geometria. Neste caso, há que considerar vários aspectos que podem ser

determinantes para tal, desde questões associadas aos currículos de Matemática,

em geral, e de Geometria, em particular, a formação matemática e didáctica do

professor, aos recursos e materiais disponíveis na escola, etc.

O sistema educativo serve-se do currículo para garantir aos cidadãos a

educação e, sendo assim, revela-se importante a investigação na área do

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, procurando-se estudar, por

exemplo, as crenças e práticas de professores, inerentes ao processo de gestão

curricular. Tal como referem Stein, Remillard e Smith (2007), as decisões

curriculares dos professores são, de certo modo, influenciadas pelas suas crenças

sobre a Matemática e o seu ensino, bem como pelos seus conhecimentos sobre a

Matemática e as aprendizagens dos seus alunos.

Objectivos e questões de estudo

Dada a situação descrita anteriormente e procurando contribuir para o

avivamento da área de investigação no meu país, achei pertinente realizar este

estudo para tentar esclarecer certas questões subjacentes à temática atrás referida.

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Por outro lado, o meu desejo de aprofundar o conhecimento num campo ao qual

me encontro ligado por interesses profissionais e pessoais, nomeadamente a área

de Geometria e do seu ensino, esteve na origem da decisão de levar por diante esta

pesquisa.

Em linhas gerais, esta investigação tem como objectivo compreender a

situação do ensino da Geometria, no Ensino Secundário Geral em Moçambique,

em particular da Geometria Espacial na 9ª classe, e as práticas de gestão curricular

do professor que lhe estão associadas. Mais especificamente, pretende-se

compreender as dificuldades que os professores enfrentam na leccionação do tema

e a origem das mesmas. Para tal, procura-se responder às seguintes questões:

1. Quais as perspectivas dos professores acerca da Geometria e do seu

ensino?

2. Como se caracteriza o papel do professor na gestão do currículo de

Matemática, em geral, e da Geometria, em particular?

3. Que dificuldades enfrentam os professores no ensino da Geometria? E

qual a sua origem?

Estrutura do trabalho

Com o intuito de compreender aspectos importantes subjacentes às

questões de estudo propostas nesta investigação, foi realizada uma revisão de

literatura que aborda assuntos fundamentais para clarificar o problema colocado.

Esta investigação segue uma abordagem qualitativa, envolvendo estudo de casos.

Globalmente, este trabalho é constituído por oito capítulos:

Após este capítulo de introdução apresentam-se, no segundo capítulo,

aspectos relativos ao ensino e a aprendizagem da Geometria, em que se faz uma

breve introdução sobre a evolução da Geometria como Ciência e uma descrição

sobre o raciocínio geométrico e o espacial. Neste capítulo, faz-se, também, alusão

à importância do uso dos diagramas, desenhos e materiais manipulativos no

ensino da Geometria. Inclui-se, igualmente, uma pequena descrição dos conteúdos

de Geometria no actual programa de 9ª classe em Moçambique. Ainda neste

capítulo, aborda-se alguns aspectos relevantes sobre o professor e o ensino da

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Geometria, nomeadamente, sobre o conhecimento matemático e didáctico do

professor e o seu desenvolvimento profissional, no âmbito deste tema.

No terceiro capítulo faz-se uma abordagem teórica sobre aspectos

associados ao currículo e sobre a gestão curricular feita pelo professor.

Nomeadamente, faz-se referência ao papel do professor na gestão e no

desenvolvimento do currículo e a sua relação com os materiais curriculares. Ainda

neste capítulo, apresenta-se, também, uma pequena descrição de algumas

actividades dos professores em Moçambique, concretamente, no que se refere à

planificação colectiva e a individual.

O capítulo quatro é dedicado à apresentação das metodologias usadas para

a investigação. Neste capítulo são justificadas as opções metodológicas tomadas,

nomeadamente, a escolha de uma abordagem qualitativa e de estudo de caso e são

descritos os principais instrumentos de recolha de dados. Faz-se também uma

breve apresentação dos participantes e o que condicionou a escolha destes.

Os capítulos cinco, seis e sete foram dedicados à descrição dos casos

constituídos no estudo. No capítulo cinco apresenta-se o caso do professor Manuel,

no capítulo seis, o caso do professor José e no sétimo capítulo, apresenta-se o caso

do professor Bernardo. Para cada caso, dedica-se alguma atenção à motivação do

professor para ser professor de Matemática, o seu percurso académico e

profissional, à sua forma de participação na gestão e no desenvolvimento do

currículo de Matemática e às dificuldades que tem enfrentado no ensino da

Geometria.

Finalmente, nas conclusões do estudo, procura-se, com base nos dados

recolhidos, responder às questões do estudo, incidindo-se nas perspectivas dos

professores sobre a Geometria e o seu ensino, no seu papel na gestão do currículo

e nas dificuldades que têm enfrentado na leccionação deste tema.

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Capítulo II

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA

A Geometria está presente em vários contextos, desde os escolares aos

extra-escolares. Em contextos extra-escolares, pode notar-se que a Geometria é

usada em trabalhos artesanais e decorações de certos objectos, fazendo-se a

ornamentação destes a partir de simples formas geométricas ou de aspectos de

simetria para obter, por exemplo, formas geométricas regulares (Mammana &

Villani, 1998). Por razões histórico-culturais, ainda segundo estes dois autores, as

grandes realizações da civilização grega, influenciaram substancialmente o

desenvolvimento da Geometria. Como ciência, a Geometria, englobando uma

colecção de afirmações abstractas sobre formas ideais e as provas dessas

afirmações, foi fundada na cultura grega por Thales, cerca de 600 A.C., que de

acordo com Legend (citado por Hansen, 1998), produziu uma vasta gama de

teoremas em Geometria.

Quando se fala da Geometria, parece incontornável o nome de Euclides,

que há cerca de 300 anos A.C., escreveu os famosos 13 livros conhecidos como

Elementos de Euclides, que foram a base de sustentação da clássica Geometria

grega. Numa fase posterior, a Geometria é desenvolvida por outros geómetras

como Arquimedes, Apolónio e Ptolomeu e, nessa fase, são os aspectos

conceptuais da Geometria que merecem maior atenção (Mammana & Villani,

1998).

A perfeição do tratado de Euclides tornou-o um modelo e um protótipo

para a sistematização de todas as áreas do conhecimento e, por muitos séculos, a

Geometria foi considerada a disciplina mais relevante para a formação cultural,

em escolas de artes (Mammana & Villani, 1998). Estes autores afirmam que a

perfeição do tratado de Euclides inibiu de certa forma o progresso da Geometria,

resultando numa estagnação do conhecimento geométrico por cerca de 2000 anos.

Contudo, ainda segundo estes autores, não foi surpreendente que depois desta

longa estagnação, tenham aparecido ideias originais, em investigações no campo

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da Geometria, independentemente da Geometria Euclidiana: ao longo do século

XV, a partir de um estudo artístico sobre perspectiva (Piero della Francesca, Leon

Battista Alberti); no século XVII, da fusão entre a Geometria e a Álgebra

(Descartes) e no fim do século XVIII, do estudo sistemático dos métodos de

representação de objectos em sistemas tridimensionais, através de desenhos, isto é,

através da Geometria Descritiva (Monge). Todas estas facetas da Geometria (a

Geometria Projectiva, a Analítica e a Geometria Descritiva) eram consideradas

como aspectos alienados do espírito da Geometria Euclidiana. Foi necessário

esperar-se até ao século XIX, para que se alcançasse um progresso fora da

Geometria Euclidiana, graças à descoberta das Geometrias não-Euclidianas por

Gauss, Bolyai e Lobachevsky (Mammana & Villani, 1998).

Como se pode notar, a Geometria vem evoluindo desde há vários séculos

até atingir o estágio actual.

O raciocínio geométrico e o raciocínio sobre o espaço

A Geometria é uma rede complexa de interligações de conceitos, modos

de raciocinar e de sistemas de representação usados para conceptualizar e analisar

ambientes espaciais físicos e imaginários (Battista, 2007). Este autor diz que o

raciocínio geométrico consiste principalmente na invenção e no uso de sistemas

conceptuais formais para investigar espaços e formas. Segundo Battista, os

matemáticos, por exemplo, usam um sistema conceptual base característico para

analisar e definir vários tipos de quadriláteros e de triângulos e, esse sistema usa

conceitos como medida de um ângulo, comprimento, congruência e paralelismo,

para conceptualizar relações espaciais entre as formas. Assim, definindo um

quadrado como um quadrilátero com todos lados iguais e ângulos rectos, dá uma

ideia de um conceito base característico, com propriedades espaciais que podem

ajudar as pessoas a raciocinar com precisão sobre esta classe de formas espaciais.

O pensamento geométrico envolve predominantemente raciocínios espaciais que

exigem habilidades de ver, inspeccionar e reflectir sobre objectos espaciais,

imagens, relações e transformações (Battista, 2007). O raciocínio espacial envolve

produção e inspecção de imagens, para responder a questões sobre essas imagens,

fazendo transformações e operando sobre elas, mantendo-as ao serviço de outras

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operações mentais (Clements & Battista, 1992; Presmeg, 1997; Wheatley, 1997 in

Battista 2007).

Duval (1998) afirma que a geometria envolve três tipos de processos

cognitivos que preenchem funções epistemológicas específicas: a visualização, a

construção e o raciocínio. Define a visualização como sendo o processo de

representação do espaço para ilustrar uma afirmação, para uma exploração

heurística de uma situação complexa, para uma vista de olho sinóptica desta ou

para a sua verificação subjectiva. A construção é feita com ferramentas (como por

exemplo, a régua, o compasso, etc.), com o intuito de obter modelos nos quais a

acção sobre os resultados observados ou representativos diz respeito aos objectos

matemáticos representados. E, finalmente, considera o raciocínio como o processo

discursivo para a extensão do conhecimento, da prova e da explicação. Segundo

este autor, a visualização, a construção e o raciocínio são processos independentes

uns dos outros mas, para o desenvolvimento de proficiência em Geometria, as

suas sinergias são necessárias.

A palavra “raciocinar” é usada com vários significados (Duval, 1998):

uma modificação (mental), uma tentativa e erro ou até um procedimento para

resolver uma dificuldade. Diz, ainda, Duval, que mais especificamente, o processo

que nos possibilita obter ou construir novas informações a partir de informações

dadas, é raciocinar.

Do ponto de vista cognitivo, há diferentes tipos de processos que

dependem da forma como a informação é apresentada e, também, da forma como

ela pode ser organizada. Em Geometria, segundo Duval (1998), a informação

dada ou disponível, deverá ser processada a um nível representacional e simbólico,

mesmo que alguns modelos possam fisicamente ser construídos.

Ainda associado ao raciocínio ou pensamento geométrico, Griffths (1998)

acha que os professores deviam ter uma noção sobre os níveis de van Hiele. De

acordo com a teoria de van Hiele, os alunos progridem através de vários níveis

discretos, qualitativamente diferentes, de pensamento geométrico. Esses níveis

estão organizados segundo uma sequência e hierarquia, de tal modo que, para os

alunos trabalharem adequadamente num dos níveis avançados, deverão ter

passado pelos níveis mais baixos (Battista, 2007). Este autor considera os

seguintes níveis de van Hiele:

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Nível 0 – Pré-reconhecimento: Porque a imaturidade na actividade

perceptual causa nos alunos a tendência de levarem em conta somente um

subconjunto das características de uma forma, eles não são capazes de

identificar muitas formas vulgares.

Nível 1 – Visual: Os alunos identificam e operam com as formas

geométricas de acordo com as suas aparências. Eles dependem fortemente

de protótipos (vulgares).

Nível 2 – Descritivo/analítico: Os alunos reconhecem as figuras e podem

descreve-las com base nas suas propriedades.

Nível 3 – Abstracto/relacional: Porque uma característica pode anunciar

outras características, os alunos produzem definições, distinguem entre o

conjunto de condições necessárias do das suficientes, entendem e, as vezes

providenciam argumentos lógicos.

Nível 4 – Dedução formal: Os alunos estabelecem teoremas com base em

um conjunto de axiomas.

Nível 5 – Rigor/metamatemática: Os alunos raciocinam formalmente sobre

sistemas matemáticos.

Clements e Battista (1992, pp. 1-2) explicam um pouco mais as

características destes níveis:

- A aprendizagem é um processo descontínuo. Isto é, existem saltos na

curva de aprendizagem, a qual revela a presença de níveis de pensamento

discretos e qualitativamente diferentes.

- O progresso dos alunos de um nível para outro não depende da

maturação biológica dos mesmos. O progresso dos alunos depende da

instrução, sendo que a memorização não é uma característica importante

em nenhum dos níveis.

- Conceitos implicitamente compreendidos num certo nível tornar-se-ão

explicitamente compreendidos no nível seguinte. No nível básico (de van

Hiele), as figuras são também determinadas através das suas propriedades

mas alguns raciocínios, neste nível não dependem destas propriedades.

- Cada nível tem uma linguagem própria, tem seu simbolismo e um

sistema próprio que estabelece conexões entre os símbolos. Uma relação

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correcta num certo nível pode revelar-se incorrecta num outro nível. Por

exemplo, a relação entre um quadrado e um rectângulo pode ser

compreendida de formas diferentes por duas pessoas raciocinando em

diferentes níveis.

O ensino da Geometria

Já há muito tempo que os investigadores em educação se preocupam em

estudar os problemas relativos ao ensino (Ponte & Chapman, 2006). Segundo

estes autores, existem sete categorias de conhecimentos que o professor precisa ter

para poder ensinar: conhecimento pedagógico geral; conhecimento sobre o

currículo; conhecimento sobre os conteúdos; conhecimento sobre os contextos

educacionais; conhecimento sobre o conhecimento dos alunos e conhecimentos

sobre os propósitos e valores educacionais.

Para o professor ensinar Geometria precisa ter conhecimentos sobre a

Geometria e sobre o ensino da Geometria, principalmente. Podem estar

subjacentes a este assunto algumas questões pertinentes: Que conhecimentos

precisa ter o professor para ensinar a Geometria? O que, de facto, os alunos

precisam de aprender em Geometria? Porquê precisam de conhecimentos de

Geometria? De diferentes maneiras, vários investigadores têm procurado

responder a estas e outras questões, sobre o ensino da Geometria.

Segundo o NCTM (2007), com o estudo da Geometria, os alunos poderão

aprender as formas e estruturas geométricas e o modo de analisar as suas

características e relações. E, aqui, a ideia de visualização referida por Duval (1998)

é igualmente partilhada. Fala-se da visualização espacial, no que diz respeito à

construção e manipulação de representações mentais de objectos bi e

tridimensionais e a percepção de um objecto a partir de diferentes perspectivas, o

que constitui um aspecto essencial para o desenvolvimento das capacidades de

raciocínio de argumentação dos alunos. O NCTM (2007) considera que a

modelação geométrica e o raciocínio espacial proporcionam formas de interpretar

e descrever ambientes físicos, podendo ser ferramentas bastante importantes na

resolução de problemas. Igualmente, considera que o pensamento geométrico é

bastante útil na representação e resolução de problemas em outras áreas da

Matemática e em situações do dia-a-dia, daí que a Geometria deve ser integrada,

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sempre que possível, com outras áreas. Ainda, segundo o NCTM (2007) é muito

importante desenvolver-se, nos alunos, a capacidade de lidarem com

representações geométricas, pois, estas poderão ajudá-los a dar significado a área

e fracções; os histogramas e os diagramas de dispersão poderão ajudá-los a

clarificar a informação e os gráficos de coordenadas poderão estabelecer um elo

entre a Geometria e a Álgebra. Continuando, o NCTM realça que o raciocínio

espacial tem grande utilidade na utilização de mapas, no planeamento de trajectos,

na construção de plantas e na criação artística. Para além disso, recomenda-se que

os alunos aprendam a ver a estrutura e a simetria presentes no que os rodeia e,

através da utilização de modelos concretos, desenhos e programas informáticos de

geometria dinâmica, estes, poderão envolver-se activamente com conceitos

geométricos. Com ferramentas adequadas, actividades bem concebidas e contando

com o apoio do professor, os alunos poderão formular e explorar conjecturas e

aprender a raciocinar cuidadosamente sobre as noções geométricas, mesmo a

partir dos primeiros anos de escolaridade (NCTM, 2007).

Num estudo exploratório feito por Pérez e Guillén (2007) sobre crenças e

concepções de professores do ensino secundário em relação à Geometria e o seu

ensino, notou-se que não havia uniformidade de opiniões entre os professores que

participaram no estudo. Alguns professores consideram que o ensino da

Geometria se reduz principalmente a aplicação de fórmulas, conferindo-lhe um

carácter algébrico. Como mostraram os resultados do estudo, muitos professores

gostam da Geometria, têm consciência de que tem bastante aplicação na vida real

e acham que para os alunos gostarem desta disciplina, o seu ensino devia ser

realizado utilizando contextos do quotidiano para que se veja a sua aplicação. O

ensino da Geometria, segundo Pérez e Guillén (2007), devia assumir uma forma

prática, tangível e devia usar recursos para visualizar raciocínios espaciais.

Veloso (1999) sugere que uma nova abordagem da Geometria deve

integrar de modo permanente a história da Geometria. Segundo este autor, esta

abordagem não é para entreter os alunos a copiar das enciclopédias anedotas sobre

dois ou três geómetras ou sobre as suas vidas, mas para ajudar à compreensão:

- Da importância ou da contribuição da Geometria, ao longo dos tempos,

na construção da sociedade actual;

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- Do carácter convencional e evolutivo das definições matemáticas e da

forma como conceitos importantes levam longo tempo a ser construídos;

- Da universalidade da Matemática e, ao mesmo tempo, das contribuições

que diferentes povos e civilizações deram à sua construção.

Ainda segundo Veloso (1999) o papel que por tradição é reservado ao

ensino da Geometria, de ajudar os alunos a compreender o carácter axiomático das

teorias matemáticas, deve ser continuado mas em novos moldes. Em consonância

com a maturidade matemática dos alunos, devem ser a estes propostas actividades

de organização local, ao longo da escolaridade. Além disso, ainda segundo Veloso

(1999), os alunos devem ter oportunidade de realizar algumas actividades em

Geometria não euclidiana, e reflectir sobre essa experiência, dada a sua

importância na filosofia matemática e do ponto de vista da cultura científica.

Claudi Alsina, da Universidade Politécnica da Catalunha (Veloso, Fonseca,

Ponte & Abrantes, 1999), é de opinião de que a Geometria no ensino da

Matemática devia ser uma Geometria útil para todos: uma Geometria baseada na

intuição e na experimentação; uma Geometria rica em temas de representação e

interpretação, capaz de ordenar, classificar e mover figuras planas e espaciais;

uma Geometria capaz de combinar diversas formas de linguagens (gráficas,

analíticas, simbólicas, …), com rigor nas definições e deduções e com diversas

técnicas para medir, construir e transformar; uma Geometria conducente à

compreensão do diálogo plano-espaço; uma Geometria aberta a

interdisciplinaridade com outras ciências e artes, etc. Considera ainda que devia

ser uma Geometria moderna, actual, prática, divertida e emocionante, a estar

presente na sala de aula e que, para tal, o professor tem de estar bem preparado.

Sobre a intuição e a dedução no ensino da Geometria, Rita Bastos,

professora do ensino secundário, diz que a experimentação/observação/intuição

por um lado, e rigor/dedução, por outro, são bastante importantes (Veloso et al.

1999). Segundo esta professora, não há Geometria sem os dois aspectos, sendo

que experimentação/observação/intuição e rigor/dedução, complementam-se. Esta

professora afirma que é importante que não nos esqueçamos de que a Geometria

que aparece nos livros e revistas, considerada rigorosa, dedutiva e acabada, tem

por base a actividade matemática que passou pela manipulação de muitos modelos

menos rigorosos (físicos, virtuais ou imagens mentais) e pela intuição que levou

às conjecturas e que resultou da observação desses modelos. Para além disso, esta

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professora argumenta que é fácil experimentar, observar e intuir mas que, embora

as crianças sejam capazes de o fazer, dificilmente podem pensar dedutivamente e

com rigor lógico. Portanto, é isso que os professores precisam de ensinar aos seus

alunos.

Continuando, Rita Bastos acha que é difícil ensinar ao aluno a orientar

experiências, a ver, em vez de olhar, a registar o que observa, a organizar os

registos, etc., para poder compreender e intuir relações. Por isso, não basta dar-

lhes os modelos para a mão, é preciso orientá-los nas tarefas, solicitando-lhes

relatórios e argumentações, etc. Para terminar, esta professora enfatiza que é

preciso que estejam presentes e em interacção, desde sempre e ao longo de toda a

escolaridade, os aspectos intuitivo, informal, e experimental e o aspecto dedutivo

e rigoroso. O que é importante é que a Geometria seja interessante e as actividades

e problemas propostos sejam significativos para os alunos.

Griffths, ao referir-se ao Currículo Nacional Britânico (Galuzzi et al.,

1998), diz que este começa duma forma razoável, dando algumas sugestões

concretas, tais como, dar nomes às formas geométricas, perceber-se as suas

propriedades e o uso da intuição natural dos alunos sobre o espaço para a

exploração de aspectos da Geometria. Mas Griffths afirma que lhe parece que este

currículo reconhece apenas o raciocínio indutivo, enquanto que os alunos deviam

também ser conduzidos a um raciocínio dedutivo.

Por sua vez, Veloso (1999) também é concordante com as mesmas ideias,

ao afirmar que a intuição e a dedução deverão estar presentes ao longo de toda a

escolaridade. Segundo este autor, não se deve considerar que o papel da intuição

esteja reservado para os primeiros anos e o da dedução para os últimos. A

experiência matemática comporta uma componente experimental e, além disso,

comporta também a ciência matemática, tendo como característica fundamental, o

raciocínio dedutivo. Assim sendo, segundo Veloso (1999), estas duas

componentes deverão fazer parte da actividade dos alunos em todos os níveis de

ensino. Este autor, é de opinião de que a componente experimental, embora deva

apoiar-se na utilização de sofware, deve recorrer intensamente a outros materiais,

como os manipuláveis, e isto não só nos primeiros anos. Em particular, o treino da

visualização espacial não pode fazer-se de outra maneira, e deve ser permanente

ao longo de toda a escolaridade. Para terminar, Veloso (1999), refere-se também à

experiência matemática dos alunos, no que diz respeito à Geometria e diz que

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deve tomar como pontos de partida: (1) Os grandes temas da Geometria – como a

visualização, a representação, a simetria, a forma e a dimensão; (2) s conexões da

Geometria no interior da Matemática – nomeadamente com os números, a álgebra

e a análise; (3) As relações da Geometria com a realidade exterior à Matemática –

Geometria e arte, Geometria e natureza, Geometria e arquitectura, aplicações

modernas da Geometria, como a robótica e a Geometria do design gráfico.

Tal como afirma Laborde (Galuzzi et al., 1998), nos últimos anos, a

aprendizagem é assumida como sendo possível quando contextualizada. O ensino

da Matemática, segundo Laborde, tem como objectivo possibilitar ao aluno ser

capaz de transferir a mesma ferramenta matemática de um contexto para outro; ser

capaz de reconhecer algo invariante de uma situação para outra e ser capaz de

mudar o seu ponto de vista ou forma de pensar.

Os objectos da análise geométrica

Muitas vezes, os investigadores distinguem dois tipos de objectos

geométricos: desenhos, referindo-se a entidades materiais, e figuras, referindo-se a

objectos teóricos (Laborde, 1993, in Battista, 2007). Laborde argumenta que no

ensino, se confunde, frequentemente, desenhos e objectos geométricos teóricos

que representam a forma, argumentando ainda que, muitas dificuldades dos alunos

em Geometria, surgem quando eles fazem raciocínios sobre desenhos quando

deviam raciocinar sobre objectos geométricos teóricos.

Battista (2007) identifica cinco tipos básicos de objectos envolvidos no

pensamento geométrico e espacial:

- O objecto físico, que é uma entidade física (exemplo: porta, caixa, bola,

figura, desenho ou figuras arrastáveis num programa de computador);

- O objecto sensorial, que é o conjunto de activações sensoriais evocadas

quando um indivíduo visualiza um objecto físico;

- O objecto perceptual é a entidade mental percepcionada por um

indivíduo quando visualiza um objecto físico;

- O objecto conceptual ou conceptualização é o significado consciente ou a

maneira de pensar activada, por um indivíduo, (a) em resposta a um

objecto perceptual, memória de um objecto perceptual ou definição de um

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conceito; ou (b) como nova construção a partir de outros objectos

conceptuais;

- O objecto como a definição de um conceito que é a especificação

matemática, formal, que pode ser verbal ou simbólica, de um objecto

conceptual.

Segundo (Battista, 2007), como base no seu uso, um objecto, em

raciocínio geométrico, é a entidade mental que é processada (consciente ou

inconscientemente) durante o raciocínio. Em geral, segundo este autor, no

pensamento geométrico, ou raciocina-se sobre objecto, ou raciocina-se com

representações.

No raciocínio geométrico e espacial, torna-se importante procurar entender

a relação entre os diferentes tipos de objectos descritos anteriormente e estar-se

ciente de certas complicações inerentes ao seu uso. Em Geometria, a designação

das figuras geométricas por nomes, pode afectar a percepção/concepção destas

nos alunos (Battista, 2007). Por exemplo, segundo este autor, um quadrado com

lados verticais e horizontais quando rodado 45º, é normalmente percebido como

um losango devido a experiências anteriores dos alunos que fazem com que não

levem em conta a relação entre as partes da figura, mas levem em consideração

apenas a sua posição (Battista, 2007).

Um conceito que tem sido extensivamente aplicado na aprendizagem e no

pensamento geométrico é o conceito de imagem – a combinação de todas figuras

mentais e as propriedades associadas ao conceito (Clements, 2003). Segundo este

autor, muitas vezes, os alunos usam mais imagens do que definições nos seus

raciocínios e os conceitos de imagens estão adversamente afectados por uma

instrução não apropriada. Por exemplo, o conceito de imagem de um ângulo recto

requer nos alunos a existência de um lado horizontal. Para este autor, isso pode

acontecer devido à falta de uma diversidade de exemplos que se tem notado, por

exemplo, nos manuais escolares. De modo similar, quando se fala de um triângulo

rectângulo, os alunos imaginam um triângulo, no qual, o ângulo recto é formado

por um lado vertical e um horizontal. Poucas vezes conseguem imaginar um

triângulo rectângulo em que nenhum dos lados que formam o ângulo recto é

horizontal (Clements, 2003). O estudo destes conceitos (imagens) pode

providenciar informações muito úteis sobre os erros dos alunos. Por exemplo,

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alunos que conhecem muito bem uma correcta descrição verbal de um certo

conceito e que também têm uma imagem visual específica ou um protótipo,

fortemente associado a este conceito, poderão ter dificuldades de aplicar

correctamente a descrição verbal deste conceito (Clements & Battista, 1992).

Diagramas, desenhos e materiais manipulativos

A construção do conceito de imagem sugere que, embora os diagramas e

os desenhos possam suportar o raciocínio geométrico, eles trazem consigo um

conjunto de problemas (Clements & Battista, 1992). Por exemplo, segundo estes

autores, quando se usa o diagrama para a demonstração de um teorema, os alunos

estão supostos a focalizar-se naquilo que é essencial para a demonstração e

negligenciar o que não é essencial e isso tem sido muito difícil. Os alunos, muitas

vezes, atribuem características de um desenho ao objecto geométrico que o

representa, sem perceberem que os desenhos não representam necessariamente

toda a informação conhecida sobre o objecto representado (Clements, 2003).

Contudo, é natural e recomendável que os alunos tentem desenhar figuras para

poderem perceber a perspectiva visual e as propriedades do objecto a ser

desenhado.

Tradicionalmente, os desenhos e diagramas têm sido usados para dois

grandes propósitos (Battista, 2007): para representar classes de formas (exemplo,

um conjunto de rectângulos) e para representar relações geométricas (exemplo: os

bissectores dos ângulos de um triângulo interceptam-se no incentro do triângulo).

Contudo, tal como tem observado Battista, os alunos têm dificuldades no uso dos

dois casos, muitas vezes porque não entendem a natureza dos objectos a ser

considerados. Segundo este autor, em particular, os alunos atribuem, muitas vezes,

características irrelevantes de um diagrama ao conceito geométrico que se

pretende representar. Por exemplo, os alunos podem não identificar triângulos

rectangulares desenhados sem obedecer ao que é o protótipo deste tipo de

triângulos (o ângulo recto formado por um lado horizontal e outro vertical). Uma

outra dificuldade referida por este autor, surge quando os alunos usam os

diagramas em demonstrações. Por exemplo, os alunos podem assumir que lados

que parecem paralelos, num diagrama auxiliar, são paralelos (adicionando uma

condição não necessária à hipótese). Ou os alunos podem ligar um teorema ao

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diagrama auxiliar dado pelo enunciado do teorema. Por exemplo, se o teorema é

originalmente ilustrado por um diagrama de um triângulo agudo, os alunos podem

crer que o teorema não é aplicável ou podem não imaginar que se pode aplicar a

um triângulo obtusângulo. Ainda outro tipo de dificuldade pode ocorrer quando os

desenhos não captam as relações geométricas apropriadas. Os alunos focalizam-se,

exclusivamente, no que estão a ver sem ter em conta as relações geométricas

associadas ao desenho. Por exemplo, a tangente pode ser desenhada a mão

levantada e não ser perpendicular ao raio da circunferência que ela intercepta.

Finalmente, os alunos podem cometer erros em diagramas geométricos

como desenhos de objectos, mudando profundamente a sua interpretação

(Clements & Battista, 1992). Por exemplo, os alunos podem identificar um

paralelogramo não rectangular como um rectângulo por interpretarem-no como

desenho de um rectângulo visto obliquamente. Ainda segundo estes autores, o uso

de diagramas, tais como os múltiplos desenhos, para a demonstração de

problemas, revela-se bastante útil. Da mesma forma, usando os materiais

manipulativos facilita-se a construção de boas representações de conceitos

geométricos, mas devem ser usados de forma correcta.

Segundo Clements e Battista (1992), professores e encarregados de

educação, acreditam que a reforma em educação matemática indica que o

“concreto” é bom e o “abstracto” é mau. Mas em contraste, as normas

profissionais de ensino sugerem que os alunos compreendem mais e têm mais

ferramentas para a construção de conhecimentos concretos, com base no uso e

integração de ideias concretas e abstractas. Os desenhos, também podem ser úteis

no ensino da Geometria; eles podem criar uma compreensão intuitiva imediata de

certas ideias geométricas. Contudo, Clements e Battista, deixam um alerta: os

desenhos precisam de ser variados de modo a evitar que os alunos cometam erros

na formação de conceitos. A investigação, segundo Clements (2003), tem

mostrado que o uso de desenhos raras vezes é mais eficiente do que o uso dos

materiais manipulativos.

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A Geometria no Programa de Matemática da 9ª classe em Moçambique

Refiro-me aqui ao novo Programa de Matemática que entrou em vigor a

partir do ano 2008. As grandes linhas orientadoras deste currículo visam a

formação integral dos jovens, fornecendo-lhes instrumentos relevantes para que

continuem a aprender ao longo de toda a sua vida (Programa Intermédio de

Matemática da 9ª classe, 2006, p. 2). Nisto, o professor desempenha um papel

preponderante, na medida em que é chamado a ser o mediador do processo de

formação dos jovens acima referidos. O programa recomenda que o professor

deve colocar desafios aos seus alunos, envolvendo-os em actividades ou projectos,

propondo problemas concretos e complexos.

O programa de Matemática do primeiro ciclo do Ensino Secundário Geral

(8ª, 9ª e 10ª classes) apresenta os seguintes temas para cada classe:

1. Para a 8ª classe deve ensinar-se: Números racionais e Equações lineares

(1º trimestre); Proporcionalidade, Funções lineares e Sistemas de duas

equações lineares a duas incógnitas (2º trimestre); Circunferências e

círculos, Congruências de triângulos e Teorema de Pitágoras (3º trimestre).

2. Na 9ª classe ensina-se: Números reais e Radiciação, Inequações lineares

e Sistemas de inequações lineares com uma variável, Noção de monómios

e polinómios (1º trimestre); Equação quadrática, Quadriláteros e

Semelhança de triângulos (2º trimestre); Noções básicas de estatística,

Cálculo de áreas e volumes de sólidos geométricos (3º trimestre).

3. Na 10ª classe ensina-se: Teoria de conjuntos, Polinómios, Função

quadrática e Inequação quadrática (1º trimestre); Função exponencial,

Equação e inequação exponencial, Logaritmo e função logarítmica,

Equação e inequação logarítmica (2º trimestre); Trigonometria e

Estatística (3º trimestre).

Deste programa pode-se extrair os seguintes temas de Geometria, para

cada classe:

1. Na 8ª classe deve ensinar-se: Circunferências e círculos, Congruências

de triângulos e Teorema de Pitágoras (3º trimestre).

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2. Na 9ª classe ensina-se: Quadriláteros e Semelhança de triângulos (2º

trimestre); Cálculo de áreas e volumes de sólidos geométricos (3º

trimestre).

3. Na 10ª classe ensina-se: Trigonometria (3º trimestre).

Portanto, a Geometria no espaço referida neste trabalho é a que aparece a

ser ensinada na 9ª classe como último tema do terceiro trimestre (cálculo de áreas

e volumes de sólidos geométricos). Este tema, como já fiz referência, era

leccionado na 10ª classe, também no último trimestre mas como penúltimo tema

(antes de Estatística), até o ano de 2007. A leccionação deste tema tem por

objectivos específicos que os alunos sejam capazes de identificar e caracterizar

cilindros, cones e esferas, calcular áreas e volumes de cilindros, cones e esferas e

resolver problemas práticos da vida que envolvem o cálculo de áreas e volumes.

Os alunos devem ser capazes de identificar e classificar os poliedros. Devem ser

capazes de estabelecer relações entre faces, ângulos e vértices de um poliedro.

Devem saber definir e classificar poliedros regulares. Identificar prismas,

pirâmides, cilindros, cones e esferas e os seus elementos fundamentais. Devem

desenvolver habilidades para esboçar sólidos e estimar áreas e volumes.

O programa contém algumas sugestões metodológicas para a abordagem

destes conteúdos. Sugere que o professor, ao introduzir os poliedros deverá dar

oportunidade aos alunos para dizerem se alguma vez ouviram falar de poliedro,

dando exemplos. O professor deve levar os alunos a diferenciar os poliedros

côncavos dos convexos, com base em exemplos. Para introduzir os prismas e as

pirâmides, o programa sugere que se comece com o reconhecimento de polígonos

já estudados e o cálculo de áreas de triângulos e rectângulos. O professor deverá

orientar os alunos a construir alguns sólidos simples, tais como, tetraedros,

pentaedros e hexaedros, usando material disponível, como por exemplo, cartão,

madeira, barro, etc. Para introduzir os sólidos de revolução recomenda-se que o

professor explique aos alunos o significado destes, dando exemplos concretos

(como gerar um cilindro a partir de rectângulo, como gerar um cone a partir de um

triângulo e como gerar uma esfera a partir de um círculo).

Fazendo uma comparação do novo programa com o antigo nota-se que

houve uma redução considerável dos conteúdos referentes à Geometria. Para além

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dos conteúdos existentes no novo programa, o antigo abordava a axiomática da

Geometria no espaço.

Os autores do manual escolar de Matemática da 10ª classe, mostram, ao

introduzir a Geometria no Espaço, que têm consciência de que esta exige dos

professores e alunos, habilidades de raciocínio espacial e de desenhar “… Será

importante procurar enxergar as figuras no espaço e, algumas vezes, também

desenhá-las. O fundamental, no entanto, é usar a imaginação” (Nhêze & João,

2001, p. 193).

O professor e o ensino da Geometria

Nesta secção, faz-se uma pequena abordagem sobre aspectos relativos ao

desenvolvimento profissional do professor, bem como sobre aspectos inerentes ao

seu conhecimento matemático e didáctico, à luz de estudos realizados por vários

investigadores, nesta área.

O conhecimento matemático do professor e o ensino da Geometria

Desde o início dos anos de 1980, muitas investigações na área do

conhecimento matemático do professor, têm sido feitas, dada a importância de

que se reveste este conhecimento para o professor (Ponte & Chapman, 2006).

Várias investigações realizadas, envolvendo professores em formação e alguns em

início de carreira, dizem-nos que muitos destes, não têm os ricos e profundos

conhecimentos matemáticos requeridos no processo de ensino (Mewborn, 2003).

Esta autora, refere-se a uma pesquisa feita por Putnam et al (1992), com quatro

professores, da quinta classe, durante um projecto de instrução matemática e

identificaram aspectos do conhecimento matemático que afectavam a instrução

desses professores. Estes investigadores notaram que os professores apresentavam

muitas limitações em conhecimentos matemáticos e, por isso, pouco

providenciaram experiências ou conhecimentos matemáticos nos seus alunos. Por

exemplo, a falta de familiaridade de uma professora (do grupo) com a noção de

área e de perímetro levou-a a encorajar os seus alunos a multiplicar as dimensões

de um parque para determinar quanta rede seria necessária para cercá-lo,

conduzindo-os erroneamente ao cálculo da área do parque.

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Mewborn (2003) refere-se, também, a uma pesquisadora Fernández (1997)

que observou aulas dadas por nove professores do ensino secundário. Esta

pesquisadora focalizou-se nas reacções dos professores às respostas inesperadas

dos alunos para ver até que ponto o conhecimento matemático destes professores

afectava a sua prática de ensino. Notou, então, que o forte conhecimento

matemático destes professores ajudou-os a controlar as situações de sala de aula,

na medida em que providenciavam: contra-exemplos para pensamentos errados

dos alunos, um acompanhamento do raciocínio do aluno até chegar a uma

contradição e/ou chegar a uma solução certa, oportunidade para os alunos usarem

métodos próprios para resolver problemas e uma incorporação desses métodos no

processo de instrução.

Outros estudos com professores do nível médio, mostraram que o

profundo conhecimento matemático destes mudou positivamente as suas práticas

(Mewborn, 2003). Os professores procuravam sempre experimentar novas

matemáticas com os seus alunos e eram cada vez menos dependentes do currículo

prescritivo.

Num estudo feito por Swafford, Jones e Thornton (1997), referido por

Mewborn (2003), com oito professores do ensino médio que tinham completado

um curso de Geometria, notou-se que, como resultado do curso, estes tiveram

significativas melhorias, o que afectou as suas práticas na sala de aula. Os

professores do estudo, afirmaram que estavam muito confiantes nas suas

habilidades para mostrar e responder a um alto nível de pensamento geométrico e

que se sentiam capazes de promover, nos seus alunos, o conhecimento

matemático, como resultado da experiência que adquiriram no curso. Por isso, é

plausível afirmar que o conhecimento e a percepção profundos dos professores

sobre a matemática que vão ensinar é um dos factores determinantes para o

sucesso do ensino da Matemática (NCTM, 2000).

Ponte e Chapman (2006) referem-se ao facto de que a maior parte de

estudos apresentados nas conferências do International Group of Psychology of

Mathematics Education (PME), durante as últimas três décadas, teve como foco

as dificuldades ou deficiências mostradas por professores, em aspectos associados

a conceitos ou processos matemáticos. Estas dificuldades, segundo os estes

autores, foram identificadas em certas áreas da Matemática, tais como números e

operações, funções, bem como em Geometria.

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Ponte e Chapman (2006) referem-se, por exemplo, a um estudo feito por

Hershkowitz e Vinner (1984), envolvendo professores em formação, em que se

notou que estes professores tinham falta de conhecimentos básicos de Geometria e

de capacidades de pensamento analítico. Segundo Ponte e Chapman, muitos

estudos evidenciam que o conhecimento matemático dos professores, envolvidos

nesses estudos, se tem revelado problemático, no que diz respeito àquilo que eles

sabem sobre os conceitos e processos matemáticos e sobre os conceitos

fundamentais do currículo escolar de Matemática. Estes professores têm mostrado

não possuir uma percepção profunda e larga sobre os conteúdos que estão

supostos a ensinar. Finalmente, estes autores observam que muitos estudos sobre

o conhecimento matemático dos professores têm-se centrado em factos

matemáticos particulares, conceitos e procedimentos, não dando evidências da

relação destes com a prática.

O conhecimento didáctico do professor e o ensino da Geometria

Para ensinar a matemática os professores precisam, para além do

conhecimento matemático, o conhecimento sobre o ensino da matemática, em que

o foco está nos métodos de ensino (Ponte & Chapman, 2008). Huillet (2008)

afirma que para o professor ensinar um determinado tópico, precisa de determinar

o procedimento didáctico adequado, conhecer as características essenciais do

tópico, compreendê-lo e ter a noção dos pressupostos básicos necessários para

abordá-lo. Ponte (2005) refere-se, tal como Clements (2003), a duas estratégias no

ensino da Matemática: o ensino directo ou expositivo e o ensino-aprendizagem

exploratório ou de descoberta. Segundo Ponte, existem versões extremas de

ensino directo e de ensino-aprendizagem exploratório, tal como também existem

muitas versões intermédias. Neste contexto, cabe ao professor decidir, explícita ou

implicitamente, sobre a estratégia a usar. O professor pode, segundo este autor,

optar por uma abordagem, essencialmente, directa ou exploratória ou optar por

combinar em diferentes graus as duas modalidades.

O conhecimento sobre o ensino envolve, segundo Ponte e Chapman (2008),

vários elementos tais como os objectivos gerais do ensino da Matemática, a

natureza das questões ou tarefas a serem propostas na sala de aula, os materiais a

usar, os planos das aulas, a forma de organização dos alunos na sala de aula, a

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comunicação e a avaliação. Para estes autores, e tal como afirmam também

Douady e Parzysz (1998), o professor precisa de ter conhecimentos não só sobre

os conteúdos, como também sobre os seus alunos. Em outras palavras, o professor

deve possuir capacidades que lhe permitam conhecer e antecipar os erros mais

comuns dos alunos, assim como intuir sobre a provável fonte destes erros. O

professor deve ser capaz de interpretar os pensamentos incompletos dos alunos,

estar ciente das actividades que os alunos deverão realizar, dado um certo tipo de

tarefa e o que nela acharão interessante. Ainda segundo Ponte e Chapman (2008),

o professor precisa, igualmente, saber sequenciar bem os conteúdos que vai

ensinar, o que os alunos sabem, como encaram o ensino, o quanto estão dispostos

para aprender e, também, conhecer que habilidades matemáticas possuem para

aprender um determinado tópico.

No que concerne ao ensino da Geometria, o National Council of Teachers

of Mathematics (NCTM, 2007), avança uma proposta no sentido de incentivar o

uso das potencialidades da visualização, do raciocínio espacial e da modelação

geométrica para resolver problemas. Segundo o NCTM, é tarefa dos professores,

promover, nos alunos, desde o início dos primeiros anos de escolaridade, o

desenvolvimento de capacidades de visualização, através de experiências

concretas, com uma diversidade de objectos geométricos e através da utilização

das tecnologias. À medida que vão desenvolvendo os seus conhecimentos sobre

congruência, semelhança e transformação, os alunos necessitam de aprender a

alterar, quer física, quer mentalmente, a posição, a orientação e a dimensão dos

objectos de forma sistematizada. Como um passo no sentido de aprenderem a

prever se determinadas planificações correspondem a determinados sólidos, os

alunos dos primeiros anos de escolaridade, podem experimentar construir sólidos

a partir das planificações de figuras bidimensionais, geralmente feitas em papel,

que podem ser dobradas de modo a obter objectos tridimensionais. Nos anos

seguintes, os alunos deverão ser capazes de interpretar e criar vistas de topo ou

laterais dos objectos. Na mesma linha de pensamento que o NCTM, os

investigadores Jones, Brown, Taylor e Hirst (2004) afirmam que um dos

objectivos importantes ao ensinarmos a matemática na escola secundária é o

desenvolvimento de conhecimentos, compreensão e habilidades de usar

propriedades e teoremas geométricos e encorajar o uso de conjecturas,

pensamento dedutivo e a demonstração.

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Hershkowitz (1998) faz uma breve descrição dos resultados de uma

pesquisa desenvolvida por Orly, com alunos da 9ª e da 10ª classes, durante dois

anos. Orly escreveu o seguinte, no seu diário de pesquisa:

… Depois de dois anos pesquisando as dificuldades dos alunos em provar na Geometria, comecei a admirar as desvantagens da via clássica de ensinar a Geometria Euclidiana e tenho começado a experimentar outras estratégias. A minha intenção é criar situações em que o “convencer” seja necessário. Na aula enfatizo mais a necessidade de convencer do que a de provar. Neste caso, certos tipos de raciocínios que nunca tinham sido ouvidos nas aulas do passado passam a ser legítimos. … Criei situações nas quais os alunos eram capazes de avaliar os “níveis de convencer” das suas justificações. Isso é possível quando a turma está dividida em dois ou mais grupos que tenham feito conjecturas diferentes ou mesmo opostas. …Notei que as maneiras adequadas de convencer com sucesso são as baseadas no raciocínio dedutivo (incluindo a refutação e os contra-exemplos) (p. 29)

Hershkowitz supõe que os alunos usam o raciocínio, neste caso, para

compreender, explicar e convencer. Orly deu aos seus alunos a liberdade de

produzirem conjecturas. Quando surgem disparidades de ideias, os alunos

dividem-se em grupos, discutem as diferentes conjecturas e tomam a liberdade de

escolher de entre vários argumentos para convencerem-se uns aos outros. Neste

caso, os argumentos são avaliados pela sua força de convencer. Hershkowitz,

considera que esta abordagem é promotora do raciocínio matemático, em geral, e

do raciocínio geométrico, em particular.

Tal como verificaram Jones et al. (2004), para maximizar a oportunidade

de ocorrência do raciocínio geométrico, o tipo de actividades que o professor

prepara para os seus alunos é determinante.

O ensino japonês usou o método indutivo de abordagem, incluindo o uso

de problemas de representações geométricas em duas e três dimensões, tendo-se

verificado que quando pedidos para inferir sobre as relações existentes, os alunos

tinham sucesso (Hafner, 1993 in Clements, 2003).

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Problemas abertos (por exemplo, encontrar tantas relações possíveis num

diagramas), comparados com um grande número de problemas convencionais,

podem reduzir consideravelmente a carga cognitiva e promover a aprendizagem

nos alunos (Clements, 2003). Segundo este autor, a carga cognitiva, também pode

ser reduzida e emergir a aprendizagem, usando a integração de palavras e

diagramas, por exemplo, inserindo frases em locais apropriados do diagrama,

podendo-se, deste modo, incorporar vários elementos num só.

O desenvolvimento profissional do professor e o ensino da Geometria

O desenvolvimento profissional é um processo associado à experiência,

que se caracteriza pela acumulação de habilidades, conhecimentos profissionais,

valores e qualidades pessoais que possibilitam o professor adaptar-se,

continuamente, no sistema educativo (Mushayikwa & Lubben, 2009). Estes

autores identificaram sete factores que levam o professor a um desenvolvimento

profissional: a sua identidade profissional, o desejo de desenvolver na carreira, a

necessidade de aumentar os seus conhecimentos sobre os conteúdos a ensinar, a

vontade de trabalhar com os outros, o desejo de integrar e adaptar materiais para o

ensino, a necessidade de adquirir habilidades e conhecimentos práticos sobre as

disciplinas a ensinar e os benefícios que podem surgir como resultado da

satisfação destes desejos. De uma maneira mais sumária, Huillet (2008) diz que o

professor precisa, no mínimo, ter conhecimentos sobre os conteúdos matemáticos

que vai ensinar e sobre os procedimentos didácticos que vai usar para abordar

esses conteúdos, para desenvolver-se profissionalmente.

As investigações indicam que o desenvolvimento profissional pode ser

alcançado com sucesso (Clements, 2003). Por exemplo, segundo este autor, um

programa de intervenção de quatro semanas, desenhado para melhorar os

conhecimentos de professores sobre Geometria e pesquisa sobre os processos

cognitivos dos seus alunos em Geometria, resultou numa mudança positiva em

conteúdos e em níveis de van Hiele, para professores do nível médio e, também,

naquilo que ensinavam e como ensinavam. Este estudo evidenciou uma mudança

na sua maneira de ensinar: desde como davam respostas, até à maneira como

produziam perguntas e como facilitavam discussões na sala de aula. Estes

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professores passaram também a ter boas expectativas com relação aos níveis de

van Hiele para o pensamento dos seus alunos.

Uma forma de desenvolvimento profissional do professor, pode ser a

elaboração (em grupos) de tarefas e textos de apoio para os alunos (Mewborn,

2003). Deste modo, segundo esta autora, providencia-se uma oportunidade para o

professor lidar com assuntos matemáticos que lhe são menos familiares. Existem

várias outras formas de desenvolvimento profissional. Por exemplo, ainda

segundo Mewborn, na China os professores gastam parte substancial do seu

tempo lectivo colaborando uns com os outros. Eles gastam maior parte do seu

tempo estudando os programas escolares, manuais do aluno e do professor, para

perceber como é que os tópicos estão sequenciados, porquê um particular tipo de

exemplo é usado e de que maneira podiam usar os materiais disponíveis para

alcançarem os objectivos preconizados. Os professores encontram-se

semanalmente para discutir e reflectir sobre as suas práticas. Nos estudos e

análises de materiais de ensino, feitos pelos professores, surge sempre a

necessidade individual ou colectiva de aprofundar cada vez mais os seus

conhecimentos matemáticos. Mas há que considerar um detalhe muito importante!

Os professores chineses ensinam somente três ou quatro aulas de 45 minutos por

dia.

Para o desenvolvimento profissional, são requeridos contextos que

conduzam os professores a reflectir sobre as suas práticas e crenças, bem como

uma reforma curricular que os ajude a colmatar os seus constrangimentos

(Clements, 2003). Segundo este autor, o desenvolvimento profissional e a reforma

curricular influenciam-se mutuamente. Por exemplo, os constrangimentos e o

contexto em que os professores trabalham, determinam a consistência entre as

suas crenças e práticas. Enquanto os professores podem acreditar que a construção

de conhecimentos geométricos envolve o processo de socialização dos alunos nas

suas turmas, o desejo de cobrir a maior parte dos conteúdos impede-os de criar um

ambiente de sala de aula consistente com essas crenças (Berenson & Blanton,

1996, in Clements, 2003). Berenson e Blanton dizem, ainda, que os formadores de

professores também precisam de expandir os conhecimentos conceptuais dos

professores e dos tópicos que vão ensinar.

A American Council on Education (ACE), citada por Mewborn (2003, p.

45) afirma que o sucesso dos alunos depende muitas vezes da qualidade dos

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professores. Os professores devem ser capazes de analisar as ideias dos seus

alunos e ter, também, uma propensão para ouvir e acompanhar os seus raciocínios

matemáticos. Não é suficiente que os professores tenham conhecimentos

matemáticos robustos. Por exemplo, Ponte e Chapman (2008) defendem que o

facto de um professor ter conhecimentos matemáticos profundos, não é uma

garantia de que este seja um bom professor de Matemática.

A oportunidade de desenvolvimento profissional dos professores deve

ocorrer em contextos nos quais eles podem experimentar, na sua prática, o que

têm aprendido, por exemplo, em acções de formação. Segundo Mewborn (2003),

certos estudos reportam que embora os professores, em worshops, por exemplo,

possam lidar com leituras de transcrições de entrevistas e com vídeo gravações

sobre raciocínio matemático de alunos, eles precisam de ouvir e acompanhar o

raciocínio matemático dos seus próprios alunos. Esta autora, refere-se a um estudo

realizado por Kazemi e Franke, numa escola elementar urbana, onde os

professores tinham que trabalhar juntos, em grupos, compartilhando reflexões

sobre trabalhos de alunos, para mudar as suas práticas. Notou-se nesse estudo que

os professores que se engajaram com maior afinco no projecto conseguiram

aplicar, nas suas aulas, o que haviam aprendido com os seus colegas. Estes

professores viam as suas salas de aulas como uma continuidade das actividades

que desenvolviam ao longo do projecto, enquanto que os professores que se

dedicaram menos ao projecto de formação viam as actividades que desenvolviam,

no projecto, como algo separado das suas práticas lectivas. Estes professores eram

pouco capazes de adaptar os problemas matemáticos que discutiam nos grupos de

trabalho para as suas salas de aulas e também menos capazes de trazer exemplos

de problemas matemáticos das suas salas para os grupos de trabalho.

Segundo Mewborn (2003), um estudo realizado por Cohen e Hill (1998),

em Califórnia mostrou que o desenvolvimento profissional requer, também, ser

levado em conta com outros aspectos do trabalho do professor. Estes

pesquisadores notaram que o desenvolvimento profissional era bem sucedido, em

termos de mudanças nas práticas dos professores e na aquisição de conhecimentos

pelos alunos, quando este era planeado para desenvolver o conhecimento do

professor sobre os materiais curriculares para alunos.

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Capítulo III

O CURRÍCULO EM EDUCAÇÃO E O PROFESSOR

O currículo pode assumir diferentes significados, dependendo do contexto

cultural ou pedagógico no qual estiver sendo considerado. Entre os decisores

educacionais, usa-se o termo currículo para se referir às expectativas instrucionais

patentes nos documentos oficiais (Stein, Remillard & Smith, 2007), visão que

muitas vezes é reduzida à de programa (Canavarro & Ponte, 2005). Segundo Stein,

Remillard e Smith (l2007), muitos investigadores em educação matemática usam

o termo currículo para designar os recursos materiais construídos para serem

usados pelos professores na sala de aula.

De uma forma geral, o currículo é uma realidade pré-estabelecida através

de comportamentos didácticos, políticos, administrativos, económicos, etc., aos

quais estão subjacentes vários pressupostos que condicionam a construção de

diferentes perspectivas sobre o currículo (Gimeno, 2000). Este autor, baseado nas

definições, acepções e perspectivas de alguns autores sobre o currículo (por

exemplo, Grundy , 1987; Rule, 1973; Schubert, 1986), faz uma análise deste, a

partir de cinco âmbitos diferentes:

1) O currículo visto sob a perspectiva da sua função social, como um elo

de ligação entre a escola e a sociedade;

2) O currículo como um projecto ou plano educativo, composto de

diferentes aspectos, experiências, conteúdos, etc.;

3) O currículo como a expressão formal e material desse projecto que deve

apresentar, sob determinado formato, seus conteúdos, suas orientações e

suas sequências para abordá-lo, etc.;

4) O currículo entendido como um campo prático, remetendo à

possibilidade de: a) analisar os processos de instrução e a realidade da

prática, partindo de uma perspectiva que dote os processos instrutivos de

conteúdo; b) fazer-se o estudo do currículo, enquanto um campo de

intersecção de diversas práticas que se referem não apenas aos processos

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de tipo pedagógico, interacções e comunicações educativas; c) criar uma

base de sustentação do discurso entre a teoria e a prática em educação;

5) O currículo como resultado de um tipo de actividade discursiva

académica e pesquisadora sobre os processos pedagógicos, interacções e

comunicações educativas, etc.

Portanto, com base nestas ideias, o currículo constitui um processo que

começa pelo estabelecimento de planos de execução e termina com a própria

execução, que é concretizada por vários intervenientes (por exemplo, as escolas,

os professores, os alunos, etc.)

Para além destas ideias que muito já dizem sobre o significado que é

atribuído ao currículo em educação, Gimeno (2000) refere-se, ainda, a uma outra

ideia que traduz a acepção e perspectiva de Heubner sobre o currículo. Heubner

(citado em Gimeno, 2000) define o currículo como sendo a maneira de se alcançar

o conhecimento através das condições em que se realiza e se converte numa forma

particular de entrar em contacto com a cultura, sem, no entanto, esgotar o seu

significado em algo estático. O currículo não pode ser algo estático porque é um

processo que fluí entre o plano escrito e a sua implementação, podendo estes dois

extremos influenciar-se mutuamente.

Com base em oito subsistemas, nos quais considera que se expressam as

práticas do currículo e, nos quais se decide e se criam influências para o

significado do mesmo, Gimeno (2000, pp. 23-26) faz a análise de um sistema

educativo:

1. O subsistema da actividade politico-administrativa. Este subsistema tem a

função reguladora do currículo, sob diferentes esquemas de intervenção

política, dentro de um campo com uma certa margem de autonomia. Por

exemplo, a administração política que dá mais ou menos margens de

autonomia e prescreve o currículo escrito.

2. O subsistema de participação e controle, que tem a responsabilidade de

elaborar o currículo, dinamizar a concretização e controlo do mesmo.

Estas funções podem estar na responsabilidade de órgão de governo, das

escolas, associações e sindicatos de professores, pais de alunos, órgãos

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intermediários especializados, associações e agentes científicos e culturais,

etc.

3. O subsistema de ordenação do sistema educativo. Este subsistema, zela

pela estrutura de níveis, ciclos educativos, modalidades ou especialidades.

Aqui, ordena-se o sistema educativo, marcando, de forma mais precisa, as

mudanças de progressão dos alunos pelo mesmo. Outros exemplos da

ordenação do sistema educativo, podem ser a organização vertical e

horizontal, a progressão, os sistemas de avaliação, etc.

4. O subsistema de produção de meios. Tem a responsabilidade de produzir

meios didácticos. Por exemplo, os manuais escolares, materiais didácticos

para professores, etc. Pode considerar-se também materiais produzidos em

oficinas pedagógicas.

5. O subsistema de criação cultural, científico, etc. Operam neste

subsistema, por exemplo, grupos de especialistas em determinadas áreas

científicas ou culturais, procurando ajustar os conteúdos, por exemplo, aos

perfis culturais dos alunos.

6. Subsistema técnico-pedagógico. Este subsistema é constituído pelos

formadores, pesquisadores e especialistas em educação, associações de

professores, universidades, institutos de formação profissional, etc., os

quais criam linguagens, tradições, sistematizam informações e

conhecimentos sobre a realidade educativa.

7. O subsistema de inovação. Trata-se de um subsistema que se encarrega

pelas mudanças no currículo educacional, como resposta a certas

necessidades ou a sensibilidade sobre a qualidade dos currículos. A

inovação curricular pode ser efectivada através de iniciativas de

professores isolados ou por grupos de professores ou por associações, etc.

8. O subsistema prático-pedagógico. Neste subsistema são concretizadas as

propostas curriculares, através do processo de “ensino”. Este subsistema

sofre a influência dos subsistemas anteriores.

Estes subsistemas actuam numa interdependência, gerando, deste modo,

vários tipos de currículos, dependendo dos contextos educacionais a que

estiverem associados.

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Os fazedores das teorias sobre os currículos, por exemplo, distinguem

alguns tipos de currículos (Stein et al., 2007): formal ou planeado ou institucional,

referindo-se aos objectivos e actividades projectadas pelas escolas ou em manuais;

implementado ou experimentado, referindo-se ao que acontece, realmente, na sala

de aula.

De uma forma mais detalhada, Gimeno (citado por Canavarro & Ponte,

2005), explica através de um modelo de desenvolvimento curricular, como os

diferentes currículos podem surgir como resultado da acção dos diferentes agentes

ou intervenientes, actuando nos diferentes subsistemas referidos anteriormente.

Considera, neste caso, cinco tipos de currículos, nomeadamente, o currículo

prescrito, o apresentado, o moldado, o avaliado e o currículo em acção. O

currículo prescrito na acepção de Gimeno (Canavarro & Ponte, 2005)

corresponde ao que foi definido como currículo formal, por Stein et al. (2007).

Este currículo tem uma função prescritiva ou orientadora para os conteúdos

curriculares e é da responsabilidade dos órgãos politico-administrativos. Em

seguida, Gimeno considera o currículo apresentado, que também designa por

currículo desenhado, referindo-se, por exemplo, aos materiais curriculares como

os manuais, que chegam aos professores para o seu uso na preparação das

actividades lectivas. Os professores podem usar estes materiais, por exemplo, para

elaborar fichas de exercícios para os alunos, se se tratar de manuais, ou para a

planificação das aulas. O subsistema de produção de meios tem, neste tipo de

currículo, um papel fundamental. De seguida, Gimeno considera o currículo

moldado ou organizado, resultante da interpretação que o professor faz ao

currículo formal ou aos materiais curriculares. Remillard (2005) designou este

currículo por currículo entendido. O quarto tipo de currículo que Gimeno

considera é o currículo em acção, correspondendo ao que o professor põe em

prática junto dos seus alunos. Trata-se daquilo que acontece, realmente, na sala de

aula, concretizando-se, deste modo, aquilo que o professor preparou para ensinar.

E, finalmente, considera-se o currículo avaliado, que pode ser concretizado

através de testes internos (provas prestadas pelos alunos sob orientação do

professor) ou externos (provas nacionais, provas de aferição,…), com função

reguladora do processo de ensino-aprendizagem e que tem uma influência naquilo

que se considera fundamental ensinar e aprender.

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Tal como se referiu anteriormente sobre o carácter de interdependência

dos vários subsistemas do sistema educativo, os diferentes tipos de currículos,

aqui considerados, inter-relacionam-se e influenciam-se mutuamente, ao longo

das diferentes fases correspondentes ao desenvolvimento curricular. O esquema

seguinte ilustra esta interdependência (figura 1).

Figura 1: O currículo como um processo, adaptado de Gimeno, in Canavarro e

Ponte (2005)

Entre as fases escrita e entendida do currículo, os professores trazem as

suas percepções, crenças e objectivos a alcançar no currículo escrito e, neste

processo, eles transformam-no em algo exequível na sala de aula (Stein et al.,

2007). Na fase de implementação do currículo, professores e alunos, interagindo

uns com os outros, trazem o currículo à vida e, assim, algo diferente daquilo que

está escrito ou do que estava na mente do professor ou no seu plano, pode emergir.

Contudo, alguns investigadores têm reportado que nem sempre os

professores são capazes de se apropriar das lógicas por detrás da reorganização

curricular (Dácio, 2005). Por vezes, no decurso da reforma curricular os

professores revelam dificuldades de trabalhar de forma uniformizada com os

novos currículos (Reddy, 2006). Cada professor interpreta e usa o currículo da sua

maneira (Reddy, 2006; Canavarro, Santos & Ponte, 2000) facto que, por vezes,

dificulta a definição do currículo entendido (Reddy, 2006).

Currículo Como

processo

Currículo em

acção

Currículo apresentado

Currículo moldado

Currículo avaliado

Currículo prescrito

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O papel do professor na gestão curricular

Na gestão curricular, cabe ao professor tomar as devidas decisões e adaptar

o currículo de forma adequada aos objectivos do ensino da Matemática. Da mesma

maneira, cabe ao professor a responsabilidade de avaliar os resultados do processo de

ensino nos alunos, ou seja, avaliar as aprendizagens dos alunos e reflectir sobre suas

práticas (Nunes & Ponte, 2008).

O professor deve olhar para o currículo sob uma perspectiva global e

integrada, consciente dos objectivos de aprendizagem que pretende alcançar nos

alunos, em termos do que quer que consigam fazer, dos conteúdos matemáticos

que devem dominar, dos processos e procedimentos a desenvolver para

construírem a sua competência matemática (Serrazina & Oliveira, 2005).

Uma parte do trabalho do professor centra-se na planificação que pode ser

feita para uma unidade de tempo de longa duração ou então pode ser pensada para

uma aula (Ponte, 2005). Segundo este autor, ao planificar, o professor define, de

forma explícita ou implícita, a estratégia de ensino que vai usar para abordar os

conteúdos, sobressaindo, deste modo, a actividade do professor e a dos alunos,

estabelecendo-se um número de aulas ou, simplesmente, um certo período de

tempo para a sua concretização. Portanto, o trabalho do professor não se

circunscreve apenas à sala de aula, indo muito para além desse espaço (Remillard,

2005).

No que diz respeito ao papel do professor no desenvolvimento do currículo,

Gimeno (2000) refere-se a três níveis de participação, consoante o seu grau de

dependência profissional. Este autor designou o primeiro por nível de imitação-

manutenção. Neste nível, o professor faz uma reprodução das inovações impostas

a nível superior, fazendo o uso dos guias curriculares, por exemplo os manuais

escolares. O segundo nível é o nível de mediação. Aqui, o professor afigura-se

como um mediador do currículo que, tendo em conta as condições concretas da

escola em geral e da sala de aula em particular, terá de adaptar as inovações

propostas pelos superiores hierárquicos. Finalmente, Gimeno considera o nível

criativo-gerador, em que o professor trabalhando com os colegas, assume uma

certa autonomia no seu trabalho. Neste nível, o professor regula de forma contínua

a sua prática, identificando problemas, procurando as respectivas soluções,

avaliando o seu trabalho, etc.

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Os diferentes níveis de participação do professor no desenvolvimento

curricular, fazem com que o processo de ensino-aprendizagem tome um carácter

multidimensional. Através de um modelo que ilustra a relação entre o currículo e

o uso de materiais curriculares, Remillard (2005) mostra o carácter

multidimensional do processo de ensino-aprendizagem. O modelo que refere

(Figura 2) baseia-se num estudo que esta autora realizou com duas professoras

que usavam um certo manual escolar, pela primeira vez. Deste estudo, a autora

identificou três contextos nos quais ocorre o desenvolvimento curricular. O

primeiro contexto, que designou por arena de design, é aquele em que, com base

em manuais ou outros recursos, o professor faz a selecção e produção de tarefas

para os alunos. O segundo contexto, o que a autora chamou de arena de

construção, e que passo a designar por arena de implementação, corresponde à

fase em que as tarefas são trabalhadas ou implementadas na sala de aula. As

primeiras actividades do professor nesta fase, consistem em adaptar as tarefas e

ajustá-las à realidade dos alunos, de modo a facilitar o trabalho destes. A

adaptação das tarefas pode ocorrer mesmo no decurso da aula, em plena resolução

destas, dependendo das necessidades dos alunos. Isso faz com que as duas arenas

(a de design e a de implementação) estejam intimamente ligadas, uma vez que

depois da selecção e produção de tarefas e estando já a implementá-las na sala de

aula, o professor pode sentir a necessidade de voltar à fase de design, nem que

seja de forma improvisada.

O último contexto foi designado, por esta autora, por arena de

mapeamento. Esta fase de desenvolvimento curricular não está directamente

relacionada com o trabalho diário do professor. O mapeamento aqui referido,

envolve a escolha e organização dos conteúdos matemáticos para, por exemplo,

todo o ano lectivo. Esta arena é, por vezes, da responsabilidade de órgãos político-

administrativos, embora não deixe de se influenciar mutuamente com as duas

arenas anteriores. Uma forma típica de selecção e organização de conteúdos,

referida por Remillard (2005), aparece em forma de manuais, em que muitas

vezes, também aparecem orientações ou sugestões metodológicas para a

abordagem dos conteúdos. Com base nas suas experiências profissionais e naquilo

que acreditam que seja útil ou não, os professores optam por usar os conteúdos tal

como se apresentam no manual ou adaptam-nos.

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O esquema seguinte mostra os três contextos que caracterizam o

desenvolvimento curricular feito pelo professor.

Figura 2: Uma visão geral das três arenas de desenvolvimento curricular,

adaptado de Remillard (2005).

Portanto, na operacionalização dos vários elementos da gestão curricular,

dando-se lugar a (re)construção e (re)interpretação do mesmo, efectiva-se o

desenvolvimento curricular, um processo que, segundo Ponte (2005), exige as

sinergias de dois elementos importantes: a experiência profissional e as

capacidades analítica e reflexiva dos protagonistas. O desenvolvimento curricular

é o processo pelo qual os professores desenvolvem planos e ideais curriculares,

transportando-os para a sala de aula (Remillard, 1999). Tal como afirmam Stein et

al. (2007), Remillard (2005) e Canavarro e Ponte (2005), o professor desempenha

um papel crucial na interpretação e no uso dos materiais curriculares na sala de

aula. Na medida em que o professor conduz e implementa o currículo, ele

desenvolve-o (Remillard, 2005).

Cabe, também, ao professor reflectir sobre se o seu trabalho está, de facto,

a funcionar, como está a funcionar e para quem. Isto, de outro modo,

corresponderia a uma reflexão sobre vários aspectos, para além das aprendizagens

Organização dos conteúdos do currículo de Matemática

Selecção e produção de

tarefas

Trabalhando as tarefas na sala

Arena de design Arena de implementação

Improvisando como resposta

aos alunos

Mapeamento do currículo

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dos alunos, como o próprio processo instrucional em geral, os conteúdos, os

materiais, etc. Se o professor nunca questiona os objectivos e valores que guiam o

seu trabalho, o contexto em que trabalha ou ensina e nunca examina as suas

assumpções ou hipóteses, então, não está engajado num ensino reflexivo (Jay &

Johnson, 2002) e dificilmente pode desenvolver-se na sua carreira profissional

(Van Eekelen, Vermunt, & Boshuizen, 2006).

O professor pode, portanto, reflectir sobre o seu papel na gestão curricular,

tendo em consideração três áreas (Ponte, (2005). Na primeira, o professor pode

averiguar se o trabalho desenvolvido pelos alunos está, de facto, a contribuir para

as finalidades e para os objectivos propostos no processo de ensino-aprendizagem.

Na segunda, o professor pode analisar sobre a sua relação com os alunos. Neste

caso, o centro de atenção pode ser o ambiente e dinâmica da aula, a comunicação

e o envolvimento dos alunos nas actividades. Por fim, pode averiguar se as tarefas

se têm desenrolado de acordo com as previsões, se os recursos e materiais em uso

têm sido adequados para a aula e se há dificuldades de compreensão por parte dos

alunos.

Gestão curricular pelo professor

A maneira como o professor interpreta, constrói e reconstrói o currículo,

tendo em consideração as características dos seus alunos, os recursos materiais

disponíveis e as condições de trabalho, influencia a sua gestão curricular (Ponte,

2005; Canavarro & Ponte, 2005). Sobre as condições de trabalho, Mushayikwa e

Lubben (2009) consideram que o elevado número de alunos nas turmas, a falta de

condições financeiras das escolas e a escassez de recursos materiais para alunos e

professores (por exemplo, em países subdesenvolvidos), a instabilidade política,

etc., representam o que chamam de ambientes de trabalho carenciados, os quais

obrigam os professores a se esforçarem muito para alcançarem os objectivos de

aprendizagem pré-estabelecidos nos programas de ensino. Este é o caso de muitos

países em África.

As crenças dos professores sobre a Matemática e sobre o seu ensino, bem

como os seus conhecimentos sobre a Matemática e as aprendizagens dos seus

alunos, são outros factores que influenciam bastante as suas decisões pedagógicas

e curriculares (Stein et al., 2007). Para além destes factores, estes autores, também

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37

consideram que a identidade profissional do professor, os contextos culturais em

que a escola estiver inserida, o tempo disponível para os professores se dedicarem

às planificações e à preparação das aulas, o apoio pedagógico dado ao professor e

a natureza do próprio currículo, influenciam as decisões pedagógicas e

curriculares dos professores.

Têm sido reportados vários estudos que evidenciam a diversidade de

opções assumidas pelos professores, na gestão do currículo, em função dos vários

factores mencionados anteriormente. Por exemplo, Lourenço (2005), num estudo

que realizou em Portugal, com professores de um conselho de turma do oitavo ano

de escolaridade, em que procurava relacionar a profissão de professor e a gestão

curricular, notou que os preconceitos dos professores sobre os seus alunos,

influenciam bastante a eficácia de fazer aprender ou de ensinar. Segundo esta

autora, as informações que muitas vezes são partilhadas, no início do ano lectivo,

sobre o desempenho dos alunos, podem condicionar o sucesso das suas

aprendizagens. Neste contexto, o professor constrói representações mentais sobre

os seus alunos, baseando-se nas suas concepções, acabando por categorizá-los e

associando-lhes uma certa expectativa em relação ao seu desempenho.

Canavarro e Ponte (2005) estudaram as diversas formas de participação de

três professoras (Francisca, Margarida e Helena), no desenvolvimento curricular.

Neste estudo, estes autores notaram que as três professoras assumiam posições

relativamente diferentes, na gestão curricular, de acordo com os factores que

influenciaram as suas opções.

Assim, a professora Francisca fez a gestão do currículo, planificando e

moldando o currículo com os colegas, funcionando como mediadora. Os factores

que decidiram esta opção curricular foram as suas concepções sobre o papel

formativo da Matemática e sobre a aprendizagem desta. No contexto da realização,

o tipo de alunos que tinha pela frente, influenciou as opções desta professora. Ela

faz a planificação e molda o currículo individualmente, para adequá-lo aos seus

alunos, situando-se ao nível de protagonismo curricular de criação.

A professora Margarida, a um nível de protagonismo de imitação-

manutenção, moldou o currículo prescrito apresentado pelos órgãos político-

administrativos, em forma de programas e outros materiais (calculadora,

brochuras tiradas da Internet, manual de curso de estatística), guiada pelas suas

concepções sobre a Estatística e seu ensino. Ao nível da realização, a professora

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38

Margarida, por exiguidade de tempo, realiza as suas actividades (com os alunos)

na sala de aula, fazendo o uso dos materiais curriculares que lhe estavam

disponíveis, assumindo a posição de mediadora.

Por fim, a professora Helena fez a gestão curricular, planificando com

colegas, moldando o currículo individualmente, baseada nas suas concepções

sobre a Área de Projectos e o papel que esta desempenha na formação dos alunos.

Ao nível da realização, esta professora, planificou as actividades que depois

implementou com os alunos, evidenciando-se, neste contexto, o currículo posto

em acção. Durante todo o seu trabalho, esta professora esteve predominantemente

a um nível de protagonismo curricular de criação e foi, em parte, fortemente

influenciada pelas atitudes dos alunos.

Segundo constataram Canavarro, Santos e Ponte (2000), num estudo que

realizaram com duas professoras de Matemática, do ensino secundário, com o

objectivo de estudar as suas perspectivas e práticas e procurando compreender os

factores que influenciam a sua relação com o currículo, existem diferenças na

maneira como os professores concretizam as diferentes orientações curriculares

dos novos programas. Existem vários factores por detrás dessas diferenças. Nesta

investigação, por exemplo, os autores apontam para o facto de que, por vezes, há

incoerências internas nalguns documentos. Dão como exemplo os programas que,

por vezes, afirmam pretender promover certas práticas para, por outro lado,

inviabilizarem a concretização destas. Quando os professores tentam fazer o uso

das propostas metodológicas patentes nos programas, por vezes, acabam por não

conseguir abordar todos os conteúdos e, em outros momentos, para abordar estes

conteúdos, têm que abdicar de parte das metodologias sugeridas. Estes autores

também notaram que, enquanto as duas professoras estavam empenhadas em

converter as orientações dos novos programas nas suas práticas, sempre de acordo

com as suas perspectivas pedagógicas, não se desfaziam das suas práticas

anteriores.

Remillard (1999) evidencia, no seu estudo, que o ambiente e os contextos

em que as professoras trabalham influencia as suas opções curriculares. As

oportunidades de desenvolvimento profissional proporcionadas na escola onde

uma das professoras (Jackie) trabalhava, facilitavam a forma como ela abordava o

manual, enquanto que a outra professora (Catherine) tinha poucas oportunidades

de discutir, com os colegas da sua escola, sobre os objectivos da reforma

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curricular. Contudo, segundo Remillard, a participação desta professora neste

estudo, trouxe alguma mudança na sua maneira de pensar sobre a reforma

curricular e de encarar os manuais para as suas aulas.

A falta de oportunidades de professores partilharem decisões curriculares,

também foi evidente num estudo realizado em Portugal, por Dácio (2005), em que

pretendia verificar como professores do primeiro ciclo faziam a gestão curricular.

Segundo esta autora, poucas vezes os professores partilham decisões referentes ao

campo pedagógico ou curricular. Normalmente, os professores partilham decisões

respeitantes a actividades extracurriculares. Decisões do campo organizacional

são normalmente vistas como imposições dos órgãos superiores, partilhando-se,

por vezes, formas de actuar perante as imposições. Pais, alunos, funcionários ou

outros elementos da comunidade educativa não participam na tomada de decisões.

Ainda segundo esta autora, os professores participantes do estudo, afirmaram que

sentiam que devia ser dada oportunidade ao professor inserido no contexto real da

organização da escola, definirem as melhores opções quer para a constituição de

turmas, quer para a elaboração das estratégias de ensino, quer para a gestão dos

recursos e aquisição dos mesmos. Em suma, todas as decisões deveriam passar

também pelos professores da escola.

Os materiais curriculares

O termo material curricular pode ser visto sob duas vertentes (Stein et al.,

2007): como o material impresso (em suporte de papel) ou digital, publicado,

preparado para ser usado por professores e alunos, antes, durante e depois da

instrução matemática; ou referindo-se às orientações instrucionais, com maior

ênfase nas orientações pedagógicas (como deve ensinar-se) e nas orientações

matemáticas (o que deve ser ensinado).

Embora pouco esforço tenha sido feito para examinar e conceptualizar os

materiais curriculares (Remillard, 2005), estes desempenham um papel

fundamental no ensino e na aprendizagem da Matemática (Nunes & Ponte, 2008).

Isso justifica-se pelo facto de que muitos professores de Matemática têm os

materiais curriculares como o seu principal instrumento para o ensino da

Matemática. Contudo, o professor precisa de estar familiarizado com o uso destes

materiais. Por exemplo, na fase inicial da implementação de novos currículos,

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pode-se incorrer a vários problemas, ou seja, os novos currículos podem ter

efeitos negativos no processo de ensino e aprendizagem, por causa de prováveis

más interpretações ou pelo uso de materiais que não sejam familiares aos

professores (Reddy, 2006).

Podem considerar-se diversos tipos de materiais curriculares, tais como, as

normas ou directivas ministeriais, os programas de ensino, planos dos professores,

manuais, etc., que, num sinergismo, contribuem para uma boa gestão curricular.

Para além destes materiais, Ponte (2005) considera muitos outros, úteis para o

ensino da Matemática, tais como, fichas de trabalhos, textos retirados da Internet,

ferramentas computacionais (calculadoras, computadores), materiais de

Geometria (régua, compasso, esquadro, transferidor, modelos de sólidos

geométricos, geoplanos, etc.).

O manual é um recurso didáctico muito importante para o ensino da

Matemática, pelo que, a nível internacional, dois terços dos professores de

Matemática usam-no como a principal base para as suas aulas (Reddy, 2006). Os

manuais escolares oferecem, uma proposta de aprendizagem, para cada unidade, a

qual pode não ser adequada aos alunos, ou porque os exercícios e exemplos estão

em excesso, ou então porque a linguagem usada não está ao alcance dos alunos

(Ponte, 2005). Deste modo, cabe ao professor ajustar, fazendo uma omissão

selectiva (Stein et al., 2007), por vezes, de secções inteiras do manual, ou

complementando-o com conteúdos ou tarefas de outros manuais que sejam

adequados para a exploração de determinado tópico.

Vários investigadores têm estudado a forma como os professores têm

lidado com os materiais curriculares. Por exemplo, Nunes e Ponte (2008)

realizaram uma investigação, em que tinham como propósito analisar de que

forma o professor faz a gestão do currículo de Matemática, em especial como

utiliza o manual escolar no planeamento da sua prática lectiva e da avaliação, para

regular o processo de ensino-aprendizagem da Matemática. O professor observado

usa o manual escolar, como ponto de partida para a tomada de decisões. Com base

no manual escolar, o professor prepara tarefas para os seus alunos, procurando

diversificar as situações de aprendizagem. Para variar, conta também com tarefas

buscadas em outras fontes, como por exemplo, as construídas no âmbito de um

projecto de Matemática no grupo.

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Com o objectivo de verificar como professores recém-formados

interpretam e usam os materiais curriculares, Nicol e Crespo (2006)

desenvolveram um curso em que os participantes deviam lidar com os materiais

curriculares. Quando solicitados a fazer uma análise geral de um manual de

Matemática, notou-se que todos os professores foram mais descritivos do que

analíticos. Limitaram-se a descrever como os tópicos estão sequenciados, como

são introduzidos e que tipo de problemas existem. Segundo um dos professores,

apesar de o manual ser um bom ponto de partida para o trabalho do professor,

exige-lhe um grande profissionalismo e criatividade.

Stein et al. (2007) referem-se a um estudo de caso realizado por Freeman,

Belli, Porter, Floden, Schmidt e Schwille (1983) com o intuito de verificar como

professores do primeiro ciclo usavam manuais de Matemática. Nesta investigação

distinguiram-se quatro maneiras do uso dos manuais. Houve professores que

seguiam taxativamente as instruções do manual, de aula em aula, começando pelo

primeiro capítulo, não conseguindo terminar com os restantes capítulos antes do

fim do ano lectivo. Estes professores foram considerados como sendo da categoria

presos ao manual. Outro estilo de uso dos manuais foi chamado por omissão

selectiva, em que os professores seguiam taxativamente as instruções dos manuais

mas saltando alguns capítulos. Alguns professores ficaram na categoria

focalizados no básico. Nesta categoria, dão prioridade aos processos matemáticos

básicos (por exemplo, as quatro operações básicas) e usam os manuais

selectivamente para trabalhar nisso. O último tipo de abordagem aos manuais foi

classificado como gestão por objectivos, em que os professores seguem um

conjunto de objectivos pré-definidos pela direcção da escola, usando os manuais

como instrumentos que os auxiliam a cumprir com estes objectivos.

Remillard (1999) estudou a forma como duas professoras lidavam, pela

primeira vez, com um manual recomendado pelas suas escolas. O objectivo do

estudo era verificar como os materiais curriculares podem promover mudanças no

ensino da Matemática. A autora analisou a relação entre as professoras, os

manuais e o currículo posto em acção. Considerando os três contextos, por ela

definidos, que caracterizam o desenvolvimento curricular pelo professor,

nomeadamente a arena de design, a arena de implementação e a arena de

mapeamento (detalhado no início deste capítulo), estabeleceu as categorias de

análise para o seu estudo. Interessa-me, aqui, apresentar um resumo do que a

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autora descreve, sobre o uso do manual, pelas duas professoras, na primeira e

última arenas:

Na arena de design, segundo a autora, as professoras providenciaram duas

maneiras de fazer a selecção de tarefas: a apropriação e a invenção. Uma das

professoras (Catherine) apropriava-se das tarefas do manual, ou seja, usava as

tarefas nas suas aulas, tal como apareciam no manual. Ainda que ela duvidasse

das intenções ou objectivos de uma certa tarefa, não hesitava em apresentá-la aos

alunos. Enquanto isso, a outra professora (Jackie) usava o manual como uma base

para a orientação do seu trabalho e, quase sempre, adaptava as tarefas que

seleccionava (do manual) e, muitas vezes, inventava as suas próprias tarefas.

Todas as tarefas que requeriam vias rotineiras e de muito fácil solução eram

rejeitadas por esta professora que, assim, enveredava por aquelas que conduziam

os alunos a raciocínios matemáticos mais importantes. As diferenças entre as duas

professoras na selecção das tarefas, segundo Remillard, resultavam das diferenças,

evidentes, na forma como estas faziam a leitura e interpretação do manual e nas

decisões que tomavam sobre o que era importante para as suas aulas. Esta autora

constatou que a diferença entre as duas professoras na maneira como liam o

manual, devia-se, principalmente, ao que cada uma pensava sobre os conteúdos e

sobre a natureza da própria Matemática e as suas visões sobre o ensinar e o

aprender. A professora Catherine considerava a Matemática como uma simples

colecção de conteúdos. Para ela, a reforma curricular só acrescentava ou subtraía

tópicos mas não criava nenhuma mudança na sua maneira de ensinar. Na

perspectiva desta professora, os alunos aprendem ao lhes ser dito e mostrado o

que devem fazer na aula e a sua responsabilidade, como professora, é dar as

orientações que, para ela, deviam aparecer explicitamente nos manuais. Enquanto

isso, a professora Jackie via a Matemática não só como um conjunto de tópicos ou

lista de regras e procedimentos mas, também, como um corpo de ideias e relações

que requerem compreensão e não memorização. Por isso, quando esta professora

lia o manual focalizava-se mais na compreensão dos conceitos e das relações

matemáticas por parte dos alunos. Na perspectiva desta professora o ensinar e o

aprender ocorrem através da resolução de problemas, invenção de soluções,

explorando relações e articulando-as umas com outras.

Na arena de mapeamento, o professor decide sobre que conteúdos ou que

tarefas dá para incluir no seu plano de aula e quanto tempo deverá dedicar a estes

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conteúdos. A professora Catherine era mais ligada ao manual, seguindo

taxativamente as orientações nele patentes mas, às vezes, saltando partes de certos

tópicos para poder conjugar a quantidade de conteúdos com o tempo. Tinha

sempre o cuidado de não escolher tarefas que levassem muito tempo a ser

resolvidas. A professora Jackie, por sua vez, era mais guiada pelo perfil dos seus

alunos para fazer o seu plano. Ela não seguia, com rigor, as orientações do manual,

nem as sequências dos conteúdos, nem os tempos propostos. Para um assunto

previsto para uma aula, no manual, esta professora podia, levar três aulas, até que

tivesse a certeza de que os alunos tinham compreendido a matéria.

As opções das professoras Catherine e Jackie estão de acordo com o que

Stein et al. (2007) dizem: usando as suas experiências e rotinas anteriores no

ensino, alguns professores, seguem as orientações patentes nos materiais

curriculares de forma tangencial ou intermitente. Estes professores tendem a

escolher os conteúdos que lhes parecem familiares para ensinar. Outros

professores usam os materiais curriculares como uma fonte de orientações gerais,

onde encontram a estrutura geral e os conteúdos matemáticos que pretendem

ensinar. Estes adoptam tarefas dos manuais, por exemplo, e traçam uma estratégia

da sua autoria para a condução na sala de aula, adaptando, se necessário, as tarefas

para adequá-las a um contexto favorável.

Tarefas

Podem considerar-se diferentes momentos e aspectos que caracterizam a

gestão do currículo, por parte do professor. Pelo mais diversificado público

escolar, o professor está sujeito a vários desafios, na qualidade de gestor do

currículo (Nunes & Ponte, 2008). Um dos desafios, segundo estes autores, é o de

gestão e implementação de um currículo adequado às exigências deste público

escolar. Requer-se do professor a habilidade de saber seleccionar tarefas de

diferentes naturezas, desde exercícios, problemas, investigações, projectos até

tarefas de modelação (Ponte, 2005), que podem ter um enunciado com

terminologia, basicamente, matemática ou conducentes a diversos contextos

(Nunes & Ponte, 2008). O principal objectivo, segundo estes autores, é que estas

tarefas contribuam para que os alunos tenham uma visão mais abrangente sobre a

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actividade matemática e que promovam a compreensão dos processos

matemáticos, ajudando-os a desenvolver o raciocínio matemático.

O papel do professor na gestão do currículo é preponderante não só na

escolha de tarefas mas também no modo como as concretiza na sala de aula

(Serrazina & Oliveira, 2005). A habilidade que os professores devem ter na

selecção, adaptação e construção de tarefas, é referida por Remillard (1999), como

sendo uma componente crucial no desenvolvimento curricular pelos professores e

que é influenciada pelas suas concepções sobre a Matemática, pelo tipo de alunos,

pelas suas aprendizagens, pelos contextos de aprendizagens e recursos didácticos

existentes. Esta autora refere-se, por exemplo, ao facto de que os manuais podem

condicionar a maneira como o professor faz a selecção de tarefas. A forma como o

professor lê e entende o manual depende de como este se apresenta, em termos de

linguagem, de diversidade de tarefas, de presença ou não de orientações

metodológicas, etc.

Existem vários tipos de tarefas que se podem usar na gestão da aula de

Matemática. Ponte (2005) aponta para alguns exemplos: os problemas, os

exercícios, as investigações, os projectos e as tarefas de modelação. Estas tarefas,

podem ser abertas ou fechadas e de maior ou menor grau de exigência. Segundo

estas propriedades, Ponte (2005) considera quatro quadrantes resultantes do

cruzamento das duas dimensões.

Desafio reduzido

EXERCÍCIO EXPLORAÇÃO

Fechado Aberto

PROBLEMA INVESTIGAÇÃO

Desafio elevado

Figura 3: Relação entre diversos tipos de tarefas, em termos do seu grau de

desafio e de abertura, adaptado de Ponte (2005).

As tarefas abertas são aquelas em que o grau de indeterminação, no que é

dado, no que se pede ou em ambas as coisas, é significativo (Ponte 2005).

Enquanto isso, ainda segundo este autor, nas tarefas fechadas, o que está dado e o

que se pede, está claramente indicado. Sendo assim, o exercício, é uma tarefa

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fechada e com menor grau de desafio. O problema é uma tarefa fechada, com

maior grau de desafio. A exploração é uma tarefa aberta, com grau de desafio

menor e a investigação, por sua vez, é uma tarefa aberta, com maior grau de

desafio. O projecto é uma tarefa de longa duração, que partilha muitas das

características das tarefas de investigação. Deste modo, quanto à duração, os

exercícios são tarefas de curta duração, as investigações, os problemas e as

explorações, são tarefas com uma duração média. Ponte (2005) também considera

as tarefas de modelação, que podem ser problemas ou investigações, dependendo

do grau de estruturação sendo que, geralmente, se apresentam no contexto da

realidade. Este autor chama a atenção para o facto de que os projectos, apesar de

poderem ser ricos, permitindo aprendizagens profundas e interessantes, também

podem ter alguns inconvenientes para os alunos, quando perdem muito tempo por

coisas sem interesse ou encontram impasses frustrantes que os levam a desistir.

Há diferenças nas práticas dos professores no tipo de problemas

seleccionados, na maneira de os adaptar, na capacidade de criar seus próprios

problemas. Algumas investigações mostram que certos professores se esforçam

em seleccionar tarefas ligadas à realidade (Nicol & Crespo, 2006; Remillard,

1999). Nicol e Crespo (2006), por exemplo, notaram que os quatro professores,

participantes de um estudo que realizaram, quando solicitados a seleccionar dez

problemas, cada um, de vários manuais de Matemática, todos escolheram

problemas ligados à realidade. Contudo, alguns sugeriam mais alternativas de

solução e, outros, menos. Uns ostentavam um maior grau de complexidade e,

outros, menor. Surgiram alguns problemas que suscitavam discussão e análise de

raciocínios, tornando-os ricos para a aprendizagem da Matemática. Todavia, dos

quatro professores, apenas dois foram capazes de apresentar alguns problemas da

sua autoria, na lista dos dez. Um dos professores produziu três problemas e o

outro produziu apenas um. Nalguns desses problemas, os professores enfatizavam

mais a justificação das respostas do que as próprias respostas.

Por sua vez, Remillard (1999), no estudo já referido, que realizou com

duas professoras de Matemática (Ctherine e Jackie), constatou que estas estavam

preocupadas em analisar as tarefas que causavam mais problemas nos alunos. A

professora Catherine focalizava-se mais nas tarefas ligadas à realidade do dia-a-

dia, pensando na maneira ideal de os abordar, enquanto que a professora Jackie

estava mais interessada em ajudar os alunos a interpretar os seus erros. Esta

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professora apresentava maior tendência de improvisar formas de abordagem de

certos problemas ou mesmo de improvisar novas tarefas, do que a professora

Catherine. Para além de improvisarem, as duas professoras também adaptavam

tarefas do manual, ajustando-as às suas salas de aula.

A planificação feita pelo professor de Matemática em Moçambique

Nesta secção apresenta-se uma visão geral das fases de planificação do

professor de Matemática em Moçambique, para o exercício das actividades de

docência, como resultado do cumprimento das normas estabelecidas pelas

instâncias (político-administrativas) que gerem o sistema educativo no país.

Para o grupo de disciplina de Matemática, existe um professor-delegado,

indicado pela direcção da escola, para coordenar as actividades do grupo. No

início de cada ano lectivo, os professores de Matemática têm um encontro, onde

fazem a dosificação dos conteúdos para cada trimestre do ano lectivo. Alguns

grupos fazem a dosificação no início de cada trimestre e outros fazem no início do

ano lectivo todas as dosificações trimestrais. Chamam de dosificação ao processo

que consiste em dividir os conteúdos apresentados no programa em partes (doses)

para cada três meses lectivos.

Partindo-se do programa de Matemática, que é elaborado por entidades

competentes do Ministério de Educação, os professores fazem a dosificação, que

é não só uma extracção dos conteúdos do programa, como também, algo mais

detalhado (aula a aula), em que se apresentam inclusive as datas dos testes escritos.

Para além da dosificação, os professores elaboram um plano quinzenal, que vai

sendo actualizado de duas em duas semanas. O plano quinzenal é uma extracção

de partes da dosificação e é o documento mais usado pelos professores na

planificação das suas aulas. O plano de aula descreve aquilo que vai acontecer em

tempo real na sala, como por exemplo, os conteúdos que serão ensinados na aula,

as actividades do professor, as dos alunos, os materiais que vão ser usados na aula,

o tempo para cada fase da aula, os métodos a ser usados, etc.

A elaboração e apresentação do plano de aula é de carácter obrigatório,

sendo objecto de inspecção pelas autoridades educativas.

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É hábito de muitos professores de Matemática, em Moçambique, no fim de

cada tema, deixar uma “bateria” de tarefas2 para os alunos irem resolvendo, ou na

escola (nas aulas exclusivamente de exercícios), ou fora da escola. Em alguns

momentos, os professores indicam as páginas do manual do aluno que contêm as

tarefas e, noutros momentos, fazem uma selecção destas, do manual do aluno e

passam para folhas soltas que os alunos poderão copiar. A lista de tarefas que

aparece no manual do aluno, no fim de cada tema, habitualmente, chama-se ficha

de exercícios. Da mesma maneira, quando o professor elabora uma lista de tarefas

para os alunos, também chama de ficha de exercícios. Neste último caso, chamam

ficha de exercícios, não importando se é sobre uma aula ou sobre um tema dado.

2 Normalmente, os professores em Moçambique designam por exercício, a qualquer tarefa matemática. Por vezes, algumas tarefas expressas somente através de palavras são chamadas de problemas.

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Capítulo IV

METODOLOGIA DO ESTUDO

Neste capítulo apresenta-se a descrição da metodologia usada para o

desenvolvimento desta investigação e a fundamentação das opções assumidas.

A presente investigação enquadra-se no paradigma interpretativo,

abordagem qualitativa e modalidade de estudo de caso. O tipo de questões de

estudo que se levantam foi determinante na escolha desta metodologia. No

presente estudo optou-se pela modalidade de estudo de caso porque pretendia

obter-se explicações para as questões propostas, não se desejando exercer

qualquer tipo de controlo sobre a situação e, simultaneamente, procurava-se obter

um produto final de natureza descritiva e analítica.

Tal como foi referido anteriormente, este estudo visa compreender a

situação do ensino da Geometria, no Ensino Secundário Geral em Moçambique,

em particular da Geometria Espacial, na 9ª classe, e as práticas de gestão

curricular do professor que lhe estão associadas. Mais especificamente, pretende-

se compreender as dificuldades que os professores enfrentam na leccionação do

tema e a origem das mesmas. Para tal, as fronteiras da investigação foram

estabelecidas, procurando responder às seguintes questões: Quais as perspectivas

dos professores acerca da Geometria e do seu ensino? Como se caracteriza o

papel do professor na gestão do currículo de Matemática em geral e da

Geometria, em particular? Que dificuldades enfrentam os professores no ensino

da Geometria? E qual a sua origem? Portanto, a procura de respostas à

problemática enunciada remeteu a um campo de respostas para perguntas do tipo

“como” e “porquê” (Yin, 2003).

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A metodologia qualitativa-interpretativa

A investigação qualitativa ocorre num contexto de descoberta, pois, o foco

da investigação está na formulação de teorias ou de modelos, tendo por base um

conjunto de hipóteses emergentes quer no decurso ou no fim da investigação

(Lessard-Hérbet, Goyette & Boutin, 1990). Segundo Stake (2007), a investigação

qualitativa dá ênfase à interpretação pessoal e privilegia a compreensão das

complexas inter-relações entre vários contextos. Portanto, há aqui uma certa

preocupação em organizar a investigação de forma a maximizar a oportunidade

para a generalização naturalista (aprendizagem experiencial). Na investigação

qualitativa, o investigador privilegia mais os processos do que os resultados

(Bogdan & Biklen, 1994), rejeitando encarar as pessoas como uma soma de

medidas psicológicas e tem a pretensão de capturar as suas experiências, emoções,

ansiedades, crenças, comportamentos e irracionalidades.

O estudo de caso

Na investigação de tipo qualitativo-interpretativo são utilizados com

frequência os estudo de caso. Para Yin (2003) trata-se de uma estratégia preferida

quando se nos colocam questões como as do como ou do porquê, quando o

investigador tem pouco controlo sobre os acontecimentos e quando o foco do

estudo está num fenómeno contemporâneo dentro do contexto da vida real.

Lessard-Hérbet et al. (1990) apontam algumas características do estudo de caso,

como por exemplo, o facto de ser mais real (menos construído), mais aberto e

menos manipulável, ou seja, menos controlado. Dizem, ainda, que nesta

modalidade de investigação qualitativa, o investigador faz um estudo aprofundado

de casos particulares e aborda o seu campo de investigação a partir do interior.

Para Lüdke e André (1986), um estudo de caso é uma investigação de

natureza empírica, baseada no trabalho de campo. As principais características do

estudo de caso, segundo estes autores, são as seguintes:

1. Os estudos de caso procuram a descoberta, ou seja, ao longo do estudo o

investigador mantém-se atento a novos elementos que podem surgir, ainda

que parta de alguns pressupostos teóricos iniciais. Neste caso, pressupõe-

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se que o conhecimento é algo que se faz e refaz constantemente, não

podendo ser considerado uma construção acabada.

2. Os estudos de caso enfatizam a interpretação em contexto. Aqui, parte-se

do princípio de que para uma completa apreensão do objecto de estudo,

requer que se leve em consideração o contexto em que este se situa.

3. Procura retratar a realidade de forma completa e profunda, pretendendo

revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada

situação ou problema, focalizando-o como um todo.

4. Nos estudos de caso o investigador recorre a uma variedade de

informações recolhidas em diferentes momentos e situações e com uma

variedade de tipos de informantes para cruzar informações, confirmar ou

rejeitar hipóteses, descobrir novos dados, afastar suposições ou levantar

hipóteses alternativas.

5. Os estudos de caso permitem generalizações naturalísticas. O pesquisador

ao relatar as suas experiências durante o estudo permite que o leitor possa

fazer as suas generalizações naturalísticas.

6. Os estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes

conflituosos pontos de vistas sobre um determinado problema ou situação

social, principalmente quando este pode suscitar opiniões divergentes.

Neste caso, o pesquisador procura trazer para o seu estudo tais pontos de

vista, revelando o seu ponto de vista perante o problema ou a situação em

causa. Esta ideia fundamenta-se pelo facto de que a realidade pode ser

encarada sob diferentes perspectivas, não havendo uma única que seja

considerada a mais verdadeira.

No presente estudo, o grande foco é a descoberta de novos elementos

sobre o ensino da Geometria, sendo que e as características de estudo de caso

supracitadas foram tomadas em consideração durante o trabalho de campo.

Stake (2007) refere-se a estudos de caso intrínsecos e instrumentais,

decorrentes dos objectivos que o investigador tem presentes ao optar por este

design. Por exemplo, quando um professor decide estudar um aluno que revela

dificuldades ou quando alguém toma a decisão de avaliar um programa de ensino,

com o intuito de aprender sobre estes, está-se perante um estudo de caso

intrínseco. Isto é, quando existe um interesse particular em algo. Mas quando

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estudamos um caso particular com o objectivo de clarificar uma dada

problemática ou compreender uma situação global, estaremos a fazer um estudo

de caso instrumental. Deste modo, o caso em si tem um interesse de segundo nível,

facilitando a compreensão de outro fenómeno. No caso em que para

compreendermos uma certa problemática, geral, usamos mais de um caso

particular, estamos a fazer estudos de caso colectivos. Deste modo, crê-se que um

conjunto de casos, semelhantes ou distintos, permitem trazer maior compreensão

sobre algo.

Portanto, segundo a classificação de Stake, nesta investigação foram

realizados estudos de caso colectivos instrumentais, uma vez que participaram três

professores, do Ensino Secundário, pretendendo-se que os casos estudados

contribuíssem para esclarecer a problemática da investigação.

Os participantes

Para este estudo foram constituídos três casos. Uma vez que estava em

causa o estudo da situação do ensino da Geometria Espacial, em Moçambique,

concretamente, o estudo das dificuldades dos professores em leccionar este

conteúdo, foram escolhidos para esta investigação três professores de Matemática

que já leccionaram, pelo menos três vezes, este tema. Esta condição tem

subjacente o facto de que estes professores já deviam ter desenvolvido alguma

experiência neste campo, ao longo do tempo. Uma outra condição que tinha sido

projectada foi que, de preferência, os três professores deveriam ser da mesma

escola, para uma rentabilização de tempo por parte do investigador. Dadas as

condições encontradas da Escola Secundária da Manga 3 , a que tinha sido

escolhida para o trabalho de campo, foram seleccionados para participarem nesta

investigação, dois professores, Manuel e José (são nomes fictícios), que ainda

tinham a esperança de poder abranger a parte de Geometria que interessava ao

investigador para assistir a algumas aulas. Para completar o número de

participantes desejado, o investigador recorreu a uma outra escola, a Secundária

de Dondo4, e escolheu o professor Bernardo (nome fictício) para o estudo. A

3 A escola secundária da Manga é uma escola pública, lecciona da 8ª à 12ª classes e tem uma população estudantil, normal, típica da cidade da Beira. 4 A escola secundária de Dondo é pública, lecciona da 8ª à 12ª e localiza-se na cidade de Dondo, a 30 km da cidade da Beira. Alguns dos alunos que frequentam esta escola vivem na cidade da Beira.

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escolha destas escolas decorreu da facilidade de contactos do investigador com as

direcções e por terem características semelhantes. A escolha do professor

Bernardo foi por conveniência, pois era o único professor de Matemática da 9ª

classe que ainda ia dar pelo menos uma aula sobre a Geometria Espacial,

enquanto que os restantes estavam a dar os testes finais do ano.

Os três professores têm o mesmo tempo de serviço (11 anos) e, por

coincidência, foram formados na mesma instituição: o Instituto Médio Pedagógico.

A recolha de dados

Como já se fez referência, o presente estudo segue o paradigma

interpretativo, abordagem qualitativa e modalidade de estudo de caso. Para um

estudo com estas características, as entrevistas são um dos modos básicos para a

recolha de dados.

Em investigação qualitativa, usa-se a entrevista para “recolher dados

descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador

desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos

interpretam aspectos do mundo” (Bogdan & Biklen, 2004, p. 134). A entrevista

pode contribuir para contrariar determinados enviesamentos próprios da

observação participante (Lessard-Hérbet, et al., 1990) e é um método muito

utilizado para compreender a actividade humana. No presente estudo, foram

utilizadas entrevistas semi-estruturadas. Este tipo de entrevistas pressupõe a

elaboração prévia de um guião orientador e são caracterizadas por permitirem

flexibilidade na ordem das questões e o surgimento, durante a entrevista, de novas

questões. Tais características permitem manter um ambiente natural de conversa,

sem, contudo, se deixar de fazer uma recolha de dados sistemática.

Neste estudo o investigador realizou três entrevistas semi-estruturadas para

cada professor (anexo 1). A primeira foi realizada na primeira semana de Outubro

de 2008 e tinha como objectivo explorar questões gerais sobre o percurso

académico e profissional dos professores e as suas concepções e perspectivas

sobre a Matemática, em geral e, sobre a Geometria, em particular, bem como

sobre o ensino deste tema. Na segunda entrevista, realizada na terceira semana de

Novembro de 2008, pretendia-se analisar com os professores participantes

aspectos relacionados com a planificação do trabalho do professor, o uso dos

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programas e dos manuais escolares. A terceira entrevista foi realizada na terceira

semana de Dezembro de 2008 e tinha como objectivo, explorar as concepções dos

participantes sobre a importância do conhecimento matemático e do conhecimento

didáctico para o trabalho do professor e algumas questões emergentes da análise

preliminar dos dados das primeiras duas entrevistas (sobre o ensino da Geometria,

o ambiente de trabalho, sobre o envolvimento dos alunos nas actividades, etc.). As

três entrevistas tiveram uma duração média de uma hora, foram áudiogravadas e,

de seguida, transcritas na íntegra.

Os locais onde decorreram as entrevistas foram escolhidos pelos

participantes, conforme lhes era mais conveniente. Por exemplo, as duas primeiras

entrevistas realizadas com o professor Manuel decorreram em sua casa e a terceira

foi realizada na Escola Secundária da Manga. O professor José preferiu que as três

entrevistas fossem realizadas na escola porque nessa altura estava escalado para

proceder ao processo de inscrição de alunos da 9ª classe. Por sua vez, o professor

Bernardo preferiu que as duas primeiras entrevistas fossem realizadas na sua

escola mas a terceira entrevista decorreu na sala de uma cabine das

Telecomunicações de Moçambique, no Dondo, porque logo a seguir o

entrevistado ia fazer uma pesquisa na Internet. Todos esses locais revelaram-se

adequados aos propósitos da realização da entrevista.

Durante a análise de dados, numa altura em que o investigador já se

encontrava em Portugal, distante dos entrevistados (em Moçambique), houve a

necessidade de aprofundar certos aspectos. Por isso, o investigador foi realizando

algumas questões adicionais, via telefone celular, cujos excertos estão indicados

por BEcel, MEcel e JEcel, se a ligação foi feita para, respectivamente, o professor

Bernardo, o professor Manuel e o professor José.

Ainda para a recolha de dados, também tinha sido prevista a assistência a

algumas aulas, para complementar os dados recolhidos na base das entrevistas,

uma vez que, na investigação, a observação possibilita um contacto pessoal e

estreito do investigador com o fenómeno a estudar. A observação participante é

muitas vezes associada à técnica da entrevista, normalmente com o objectivo de

triangular os dados, em particular no que diz respeito às crenças ou opiniões que

os inquiridos têm sobre acontecimentos que os tocam (Lessard-Hérbet et al.,

1990).

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Os principais aspectos que se pretendiam observar eram o tipo de materiais

que os professores usam na aula, o tipo de actividades que privilegiam, até que

ponto dependem ou não do manual escolar e de que forma o usam com os alunos.

Mas contra todas as expectativas do investigador, só foi possível assistir a uma

aula (do professor Bernardo) sobre a Geometria Espacial, devido ao contacto

tardio com este professor, e porque os outros dois não abordaram este conteúdo

nesse ano lectivo, ao contrário do que estava previsto. Por isso, os dados obtidos

da única aula assistida, não foram usados na análise por dizerem respeito a um

único professor, não permitindo uma análise homóloga nos três casos.

A partir do momento em que se apercebeu de que não seria possível

assistir às aulas, planeou-se, em alternativa, a análise de planos de aulas dos

professores. Deste modo, propôs-se a cada um dos professores para elaborar um

plano de aula de introdução da Geometria Espacial (anexos 2, 3 e 4). Ainda junto

com os participantes, o investigador analisou certos aspectos em alguns materiais

curriculares como o manual escolar, concretamente, o tipo de abordagem dos

conteúdos, a linguagem usada e o tipo de tarefas propostas; o programa de

matemática, com mais incidência nos conteúdos de Geometria e a articulação do

manual com o programa. Por isso, considera-se que um outro instrumento usado

para a recolha de dados nesta investigação, foi a análise documental. Tal como

refere Stake “muito frequentemente, os documentos servem como substituto de

registos de actividades que o investigador não poderia observar directamente”

(2007, p. 84).

A análise de dados

Nesta investigação a análise da dados foi realizada de forma indutiva e

contínua durante e após a recolha de dados (Bogdan & Biklen, 1994). No

processo de análise mais formal dos dados, o investigador criou unidades de

análise, que o ajudaram a converter os dados brutos em subconjuntos

manipuláveis, tendo em consideração os objectivos da investigação.

A teoria ajudou o investigador a criar uma coerência nos dados e

permitiu-lhe ir para além de um acumulado pouco sistemático e arbitrário de

acontecimentos. Segundo Bogdan e Biklen (1994), o investigador tem que estar

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ciente dos seus fundamentos teóricos, servindo-se deles para recolher e analisar os

dados.

As principais dimensões consideradas na apresentação dos casos,

nomeadamente a motivação dos participantes para serem professores de

Matemática e os seus percursos académico e profissional, as suas perspectivas

sobre o ensino e a aprendizagem da Geometria, a sua forma de gestão curricular

ao nível do currículo moldado e as dificuldades e constrangimentos que sentem no

ensino da Geometria, foram determinantes na análise final e nas conclusões da

investigação. Nesta ordem de ideias, foram consideradas as seguintes dimensões

para a análise final dos dados obtidos:

1. Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e

profissional.

2. Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática e da

Geometria

3. O papel do professor na gestão do currículo de Matemática e de

Geometria

4. Dificuldades e constrangimentos que os professores sentem no ensino

da Geometria.

As primeiras duas dimensões permitem, respectivamente, dar a conhecer

os percursos académicos e profissionais dos participantes e as suas motivações

para serem professores Matemática e responder à primeira questão de estudo, que

se refere às perspectivas dos professores acerca da Geometria e do seu ensino. A

terceira categoria providencia a resposta à questão dois, em que se pretendia saber

como se caracteriza o papel do professor na gestão do currículo de Matemática,

em geral, e da Geometria, em particular. Finalmente, a quarta categoria dá

resposta à questão sobre as dificuldades que os professores enfrentam no ensino

da Geometria, bem como a origem destas.

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Capítulo V

O CASO DO PROFESSOR MANUEL

Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e

profissional

O professor Manuel frequentou o ensino geral até ao fim do nível

secundário (10ª classe). Fez o ensino primário na cidade da Beira, na escola

Mulheres Macombe. Fez a 5ª classe e a 6ª classe e depois foi frequentar a

formação de professores (6ª classe + 3 anos) que lhe conferiu o nível de 9ª classe.

Concluiu a 10ª classe na escola secundária Samora Moisés Machel, em 1993, e

ingressou no primeiro ano do Instituto Médio Pedagógico5, em 1994, para fazer a

sua formação profissional, de três anos, como professor de Matemática e Biologia.

Fez os três anos com sucesso e, em 1997, foi colocado na escola secundária da

Manga, onde começou a exercer as suas actividades de docência como professor

de Matemática, até ao presente ano.

Para além de estar a dar aulas na escola secundária da Manga, este

professor também lecciona Matemática na escola secundária Nossa Senhora da

Fátima, uma escola privada. Nesta escola, para além da 9ª classe, ele também

lecciona a 10ª classe.

No Instituto Médio Pedagógico, o professor Manuel escolheu o curso de

Matemática e Biologia porque, segundo ele, “… são as cadeiras que eu mais

percebia e, por isso, achei melhor ir para estas disciplinas” (ME1). Mas apesar de

ter optado pelo curso de Matemática e Biologia, o professor Manuel ainda não

leccionou a disciplina de Biologia desde o início da sua carreira profissional, por

preferência pessoal.

5 O Instituto Médio Pedagógico é uma escola de formação de professores de nível médio (não superior).

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Actualmente, para além de estar a dar aulas, o professor Manuel é

estudante na Universidade Católica de Moçambique, delegação da Beira, estando

a fazer o 3º ano do curso de Ensino de Matemática.

Este professor considera-se um bom profissional ou um bom professor de

Matemática. Desde logo, porque, segundo ele, “…os alunos costumam dizer que

preferem estar comigo do que com outros… talvez pela minha maneira de

explicar” (ME3). Para este professor, um bom professor tem que ter muita

paciência com os alunos e não despachá-los, ou seja, precisa evitar trabalhar

muito apressadamente, com os alunos, sem deixar de se assegurar que eles

percebam o conteúdo. Ele afirma que despachar o aluno é como se “…estivesse a

tirar uma parte de mim…” (ME3). Acrescenta dizendo que “…aquilo que eu sei,

explico até o aluno perceber” (ME3).

O professor Manuel reconhece que o conhecimento matemático é

determinante para que um professor de Matemática seja um bom profissional

porque “… se um professor não tiver conhecimentos não será capaz de explicar

nada, …por isso, às vezes, os alunos dizem que professor fulano não explica

nada…” (ME3). Este professor argumenta que o domínio dos tópicos matemáticos

que ensina é indispensável porque “…se o professor não domina os conteúdos,

acaba passando por cima…” (ME3), ou seja, acaba por evitar leccioná-los.

Este professor reconhece, igualmente, que para um professor de

Matemática ser um bom profissional, o conhecimento matemático não é suficiente.

“A maneira como a gente vai ensinar, conta muito!... se vou começar a minha aula

de uma maneira que vai criar transtornos nos alunos, não dá!” (ME3). Assim, acha

que os aspectos didácticos, associados ao conhecimento matemático, são

essenciais.

Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática

O professor Manuel considera que ultimamente o ensino da Matemática

está perdendo qualidade, ou seja, o ensino da Matemática está entrando em

decadência. Desde que começou a dar aulas em 1997, ele tem constatado uma

mudança: “…de lá para cá, estou a notar uma diferença muito grande. Na altura,

do jeito que trabalhávamos e do jeito que os alunos assimilavam a matéria e agora,

está uma diferença muito grande” (ME1). Este professor tem notado um certo

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desinteresse da parte dos alunos para com a aprendizagem da Matemática. Mas

qual será a tendência da situação? Está a melhorar ou não? Em resposta a esta

questão, o professor Manuel diz que:

…em vez de melhorar está a piorar. Os alunos já estão a ver a Matemática como uma coisa muito difícil e,… não sei nem,… vejo o ensino a decrescer e já não há aquela correspondência [por parte dos alunos] porque quando comecei a trabalhar, no primeiro ano comecei a trabalhar com as 6ª e 7ª classes e depois,… yah, foram três anos a trabalhar com as 6ª e 7ª classes e então a partir de 2000 comecei a dar aulas à 8ª classe. Mesmo quando comecei a trabalhar com as 8ª classes!... E então durante esse tempo, o aluno que tive em 2000 e o aluno que tive em 2006 há uma grande diferença. (ME1)

Segundo este professor, no início da sua carreira, os alunos eram mais

dedicados e preocupavam-se em aprender. Portanto, os alunos correspondiam ao

esforço do professor com a sua dedicação. O professor Manuel salienta que o

enfraquecimento do ensino não só se nota na disciplina de Matemática, como

também, em outras disciplinas. Esta afirmação do professor é fundamentada em

informações que tem obtido em conversas informais com os colegas que

leccionam as outras disciplinas. Contudo, o professor reconhece a importância da

Matemática na formação do aluno. Ele procura explicar, na sua óptica, a função

da Matemática na vida do aluno:

Para mim a Matemática tem a função de… prontos,… criar mais ou apoiar ao aluno nas suas capacidades ou no pensamento. Por exemplo, para resolver um problema, às vezes é preciso raciocinar ou procurar algo que nos relacione com a vida prática e então isto abre mais a visão do próprio aluno. (ME1)

O professor Manuel acha que, em parte, o problema do ensino da

Matemática tem origem na sua aprendizagem, concretamente, nos alunos. Ele

evoca a falta de motivação na parte dos alunos, facto que os leva ao desinteresse

pela aprendizagem da Matemática, comprometendo, desta forma, a qualidade de

ensino. Mas ele próprio também se sente desmotivado no ensino da Matemática e

justifica-se dizendo que:

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…posso dizer que um dos factores que pode desmotivar os professores pode ser o excesso de alunos com que trabalham. Na altura, como exemplo, eu tinha uma turma de 35 alunos e tendo 35 alunos eu era capaz de identificar o aluno mais fraco ou o que tivesse mais dificuldades na matéria x ou no capítulo y! Só que agora eu nem conheço os meus alunos pelos nomes e assim é difícil trabalhar mesmo que o indivíduo reconheça que a Matemática é importante…. (ME1)

Normalmente, o professor Manuel lecciona turmas com 70 alunos. Mas,

este professor afirma que em outras escolas, “por exemplo, na escola secundária

Sansão Muthemba, o número de alunos vai de 100 a 140 por turma,

principalmente no curso nocturno” (ME3), o que são condições claramente muito

adversas para o professor.

Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Geometria

Para o professor Manuel, a Geometria desempenha um papel muito

importante na formação do aluno, não só na escola, como também na sua vida

pessoal. Ele explica-se nos seguintes termos:

…para aqueles que querem seguir mais tarde a Arquitectura, por exemplo, é imprescindível conhecer a Geometria e, por isso, é mesmo necessária. Embora a Arquitectura esteja ligada a Desenho, também a Geometria está ligada a Desenho. A aplicação pode não ser imediata, podendo ver-se mais tarde. E mesmo na Matemática, o aluno tem que conhecer a Geometria porque, por exemplo, a parte sobre resolução de triângulos ele pode aplicar em casa, na vida real. Às vezes até faço de brincadeira com os alunos e tenho dito a eles que podem chegar a casa da avó e calcular a altura da sua palhota usando o teorema de Pitágoras. Isso é para o aluno ver que o que está a aprender na Matemática pode ser usado na prática, na vida real. (ME1)

Este professor pressupõe que as avós dos alunos, ainda na sua maioria,

vivem em cabanas (construções tipicamente rurais, feitas de caniço e palha) de

bases em forma de prisma e tecto em forma de cone ou de pirâmide, em que o

aluno pode visualizar um triângulo rectângulo e determinar a altura da cabana.

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Embora o professor Manuel não tenha desenvolvido mais a sua ideia sobre o

papel da Geometria na formação do aluno, leva a crer que tem a noção de que para

além desta ser útil na escola, também tem utilidade no quotidiano do aluno.

Contudo, avaliando por aquilo que está acontecendo actualmente, o

professor Manuel é pessimista quanto ao futuro da Geometria no ensino,

principalmente, no caso da Geometria Espacial: “A Geometria vai-se esquecer ou

já está sendo esquecida…” (ME3). Por vários motivos associados, os professores

vão deixar de leccionar certos conteúdos da Geometria e, naturalmente, os alunos

deixarão de ter contacto com esses conteúdos. Sendo assim, para o professor

Manuel, a Geometria Espacial, no futuro, ainda que figure no programa não será

possivelmente leccionada nas escolas.

Perguntado sobre o que gosta mais de ensinar, o professor Manuel diz que

“...gosto mais daquela parte dos triângulos, relações métricas, aqueles cálculos

todos e para além disso a parte das circunferências da 8ª classe também gosto”

(ME1). Por isso ele gasta mais tempo nisso para que os alunos compreendam

melhor. Questionado sobre o que gosta menos, ele procura não ser directo,

afirmando: “…gostar menos não é bem assim! Praticamente gosto de tudo só que

as partes que já mencionei são as que… tenho mais materiais, até porque tenho

levado mais tempo nisso” (ME1). Mas em outra ocasião, o professor Manuel

deixa-me entender que tem estado a perder motivação pela parte das

demonstrações por tratar-se de ser difícil de abordar e também porque os alunos

pouco se têm esforçado, embora reconheça que estas são importantes para

promover o raciocínio matemático nos alunos, mais do que as simples tarefas de

cálculo: “… a parte das demonstrações, importante é, porque o aluno vai ter uma

capacidade de raciocinar… e,… mas,… só que, hum… as aulas de

demonstração… são difíceis!” (ME1). Ainda assim, o professor Manuel tem feito

algumas demonstrações nas suas aulas mas os alunos mal conseguem lidar com

exercícios de demonstrações e quando se lhes pede para justificarem algum

raciocínio mostram-se incapazes:

…por exemplo, quando estou a dar critério de semelhança tenho demonstrado mas nas justificações, quando por exemplo na aula seguinte trocamos as posições das figuras os alunos já não são

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capazes de identificar triângulos semelhantes. Os alunos têm muitas dificuldades com as justificações! (ME1)

Sobre o lugar da Geometria no currículo de Matemática, em função da sua

importância, o professor Manuel acha que embora esta seja reconhecida, há

problemas sérios. Uma das razões, segundo este professor, é que alguns

professores, mesmo tendo a noção de que a Geometria é bastante importante na

formação do aluno, consideram-na um assunto muito complexo e difícil de

leccionar:

…a não ser que alguns professores vejam a Geometria como última coisa e talvez seja devido a sua complexidade. Yah, porque alguns, o que fazem? Dão a parte da Álgebra e saltam a Geometria. Assim que a Geometria Espacial, na 9ª classe está no fim muitos professores não chegam a dar e, assim, acaba perdendo peso. (ME1)

Para o professor Manuel, alguns professores põem a Geometria no fim das

suas prioridades, isto é, para este professor, a Geometria é relegada ao último

plano por muitos professores de Matemática. E, principalmente, para a Geometria

Espacial, o próprio programa parece estar a sugerir o mesmo, por apontar esta

como o último conteúdo a ser leccionado.

Neste contexto, o professor Manuel põe em causa, não só o currículo que é

implementado pelos professores, mas também o prescrito.

O professor gerindo o currículo

Planificação da prática lectiva

A gestão curricular feita pelo professor Manuel, compreende,

essencialmente, dois momentos principais: o primeiro diz respeito à planificação

das aulas e o segundo tem a ver com a própria leccionação das aulas. Ele tem feito

a dosificação dos conteúdos e as planificações quinzenais na companhia dos seus

colegas, mas a planificação de cada aula faz individualmente.

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O professor Manuel considera o plano de aula algo indispensável para um

professor. O plano é “importante para se guiar, embora possa ser escrito ou estar

na cabeça….é importante para o professor não improvisar… quem improvisa,

normalmente perde-se” (ME2). Segundo este professor, quando o professor vai

dar uma aula sem o plano, perde a sequência lógica dos conteúdos, ou seja, os

conteúdos acabam não ficando bem interligados. Neste caso, o professor Manuel

exemplifica:

Por exemplo, hoje, o professor fala de quadriláteros e aborda o quadrado, o rectângulo, trapézio, etc. e quer dar o esquema de classificação dos quadriláteros para a consolidação. Imaginemos que se esqueceu, ou por outras, ele tinha na mente mas que naquele momento já não se recorda. O que pode fazer? Acaba fazendo um esquema puxando pela cabeça com maior probabilidade de trocar a lógica das coisas! Vai dizer, por exemplo, que o rectângulo é um quadrado, ao invés de dizer que o quadrado é que é um rectângulo! (MEcel)

O professor Manuel, gosta de trocar ideias com os colegas, durante as

planificações e mesmo nos seus tempos livres, e afirma aceitar críticas. Este

professor acha ser vantajoso trabalhar com os colegas porque “ninguém sabe tudo

e todos precisamos da ajuda dos outros” (ME2). No seio do grupo de Matemática,

o professor Manuel e os colegas têm discutido alguns aspectos associados ao

programa da disciplina. Segundo ele,

Temos notado, às vezes, que esta sequência não está muito boa e mudamos ao darmos as aulas. Por exemplo, no novo programa preferimos dar a Estatística no fim do que intercalada com os assuntos de Geometria. (ME2)

Relativamente à importância e adequação dos conteúdos, o professor

Manuel acha que os pontos de vista são diversos, no seio dos colegas do grupo de

disciplina de Matemática. Alguns professores acham que certos conteúdos são

complexos para determinadas classes mas para ele, “…os conteúdos são

adequados, mesmo assim que alguns conteúdos da 10ª classe passaram para 9ª

classe…” (ME2). Este professor especula que a movimentação de conteúdos de

classes mais avançadas para as anteriores pode representar de alguma forma o

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recúo do novo sistema educativo para o antigo, em que mais cedo os alunos

aprendiam matérias mais complexas.

Em relação ao ambiente de trabalho no grupo de disciplina, o professor

Manuel acha que não há nada a lamentar. Portanto, “não há razões para queixas, o

ambiente está bom. Temo-nos assistido uns aos outros” (ME3). Normalmente, o

delegado de disciplina tem feito um plano de assistência às aulas dos professores

do grupo. Neste caso, ele indica quem deve ser assistido e por quem. Assim os

professores assistem-se uns aos outros e depois, juntos, fazem uma pequena

análise da aula leccionada. Nesta análise é discutida a questão da gestão do tempo

– se o professor conseguiu tratar o conteúdo programado dentro do tempo previsto

e se não conseguiu, o que teria concorrido para que assim fosse. É também

debatida a questão dos materiais didácticos – se foram adequados para a aula ou

não. O envolvimento e comportamento dos alunos são também aspectos

analisados. Contudo, o professor Manuel tem verificado que:

quando há assistência os alunos são um pouco camuflados… porque podem comportar-se bem só para agradar ao professor assistente, principalmente quando este não é da confiança deles e também podem não participar tanto na aula por receio de errar perante o professor assistente, etc. (MEcel)

Segundo este professor, é importante sensibilizar os alunos para sentirem-

se à vontade e explicar-lhes os objectivos das assistências. Já que as assistências

não acontecem em todas aulas “…podemos assumir as prováveis consequências.

É que os alunos podem ficar retraídos até não compreender a matéria ou podem

prestar muita atenção e compreender bem a matéria” (MEcel). Para este professor

as assistências têm suas vantagens e desvantagens.

Para preparar e leccionar as suas aulas de Geometria, o professor Manuel

usa, essencialmente, o manual escolar e outros livros e as planificações quinzenais.

Refere, por exemplo, que:

Uso muito o livro do aluno porque é o que está disponível para os alunos e mesmo para os professores. Uso exercícios do manual do aluno e de outros livros. Por exemplo, tenho um livro com o título Elementos da Geometria que tem muitos exercícios de Geometria e há mais outros livros que eu aproveito. (ME1)

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Este professor acha que o manual escolar o ajuda bastante, na preparação

das suas aulas, apesar de apresentar alguns erros científicos. O importante,

segundo ele, é que o professor tenha algum cuidado ao planificar. Afirma que

sempre que detecta um erro no manual alerta os alunos. Ele está, igualmente,

ciente de que é preciso articular bem o manual e o programa porque alguns

conteúdos que estão contemplados no programa podem não aparecer no manual e

vice-versa.

Não é correcto o professor usar apenas o livro para planificar as aulas… Por exemplo, no programa da 9ª classe, fala-se de racionalização de denominadores mas no manual escolar não aparece este tema! (ME2)

Contrariamente ao que sucedia no início da sua carreira, o professor

Manuel trabalha muito ligado ao programa e às planificações quinzenais,

principalmente ao planificar as suas aulas. Para ele, para além de fazer com que os

alunos entendam a matéria, também é importante procurar cumprir com o

programa de Matemática para satisfazer aos seus dirigentes. Por isso ao preparar

as suas aulas sempre leva em consideração este facto:

É sim,… é preciso levar em conta porque se não cumpre com o programa, tem que justificar por escrito e se não justificar é achado de rebelde na escola. E depois são as autoridades da escola que vem a questionar porquê não cumpriu, tem que justificar por escrito. Por exemplo, eu era daqueles que preferia dar pouca coisa mas bem compreendida pelos alunos; eu era assim no início dos meus trabalhos. Eu era assim e muitas das vezes não dependia do programa, o que eu queria era que o aluno percebesse alguma coisa mas com a pressão dos outros, do delegado como por exemplo, tive que mudar porque vinham e questionavam por que é que estava atrasado e eu tentava justificar, dizendo que era para dar um pouco mais de exercícios, para que os alunos entendam a matéria mas ele dizia-me que devia puxar um pouco para não estar atrasado e, nesse puxa pouco, tinha que deixar alguns alunos com dificuldades para puder cumprir com o programa. (ME1)

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Portanto, o professor Manuel acaba por sentir-se forçado a cumprir com o

programa em detrimento de fazer com que os alunos compreendam os conteúdos.

Este professor planifica e lecciona as aulas seguindo a sequência proposta

no programa: “… tenho seguido a sequência e aquilo que não consigo dar por

causa de tempo fica assim. Normalmente não escolho” (ME1). O professor

Manuel vai seguindo os conteúdos, tal como aparecem no programa ou na

planificação quinzenal mas sempre procurando estar em sincronia com o tempo,

tal como está discriminado no programa.

Na escola em que o professor Manuel trabalha, alguns dias antes do início

do ano lectivo, sob a orientação do delegado de disciplina, habitualmente, grupos

de professores reúnem-se para fazer a distribuição detalhada (dosificação) dos

conteúdos de cada classe. No entanto, o professor Manuel há três anos que não

participava nas dosificações porque, tal como refere, “…ultimamente era só a

questão de se transcrever as dosificações dos anos anteriores, acertando só as

datas” (MEcel). No ano de 2008, participou nesta actividade porque,

alegadamente, houve algumas alterações nos programas e isso implicava um

pouco mais de trabalho para o grupo. Com base nas suas experiências de trabalhar

com a 9ª classe, nos anos anteriores, os colegas lhe confiavam, quase sempre, a

distribuição dos conteúdos pelas aulas.

…o que notei nos anos anteriores, é que aparecia, por exemplo, uma proposta de duas ou três aulas para um certo sub-tópico, em que não se incluía a resolução de exercícios, enquanto na operacionalização dessas aulas viam que era preciso dedicar aulas de resolução de exercícios. (MEcel)

Nestes casos, o professor Manuel propunha que incluíssem uma ou duas

aulas de resolução de exercícios. Nas planificações quinzenais seguintes à

primeira (a do início do ano), o professor Manuel leva consigo toda a informação

sobre a forma como decorreram as suas aulas durante as primeiras duas semanas.

Constam nesta lista de informações, a reacção dos alunos aos conteúdos

leccionados (se acharam interessantes ou não, difíceis ou não), o comportamento

dos alunos, como se sentiu o professor ao transmitir os conteúdos (foi difícil ou

não e porquê), o tempo (se foi suficiente ou não e porquê; se houve imprevistos).

Posto isso, quando chegam à segunda planificação, no começo da reunião, o

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delegado da disciplina toma a palavra para a abertura da sessão de trabalhos,

procura saber se os professores têm questões gerais sobre a disciplina e sobre a

leccionação das aulas decorridas nas duas primeiras semanas. Nesta altura,

rapidamente, os professores apresentam as questões gerais, se existirem e, de

seguida, o delegado orienta os professores para estarem em grupos, consoante as

classes em que dão aulas. Por questões de tempo (são no máximo 45 minutos para

este trabalho), as discussões são limitadas e, muitas vezes, alguns professores

continuam a conversa fora da sala de planificação. Na altura da planificação, o

professor Manuel e os colegas passam os tópicos para as duas semanas seguintes,

a partir da dosificação.

Metodologias de trabalho para a sala de aula

O professor Manuel faz o plano de cada aula que vai dar. Verifica se o

manual escolar tem os conteúdos e se tem um número suficiente de tarefas. Se

conseguir um espaço de tempo, procura outras fontes para complementar a

informação disponível no manual escolar. Com o plano de aula já feito, segue-se a

leccionação da aula. O professor Manuel afirma que, nas suas aulas, privilegia o

método de elaboração conjunta para fazer a abordagem dos conteúdos, não

descurando o método expositivo, em certos momentos da aula, quando necessário.

O método de elaboração conjunta pressupõe que, o professor em conjunto com os

alunos, vão construindo os novos conhecimentos. Neste caso, o professor vai

fazendo perguntas orientando os alunos à descoberta dos conceitos ou

conhecimentos e os alunos, por sua vez, fazem as perguntas que lhes ocorrerem

no decurso da aula.

A gestão das aulas por este professor é feita, segundo ele, em função do

tema a abordar, do tempo disponível, do tipo de actividades que os alunos vão

realizar e, como já se referiu atrás, sempre tendo em conta o cumprimento do

programa:

Depende da aula. Às vezes formo grupos. Só que para formar os grupos perde-se muito tempo. Temos 45 minutos de aulas e perdemos cerca de 10 minutos na formação dos grupos. A maneira como os alunos têm estado normalmente, não facilita a formação de grupos porque é preciso mexer as carteiras. (ME1)

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Quando forma grupos, o professor Manuel, prefere grupos não numerosos

(de três ou quatro alunos). Para ele, grupos pequenos são vantajosos porque “há

mais interacção entre os alunos…e todos contribuem. Quando são muitos, alguns

ficam a assistir e acabam não aprendendo nada” (ME3). Este professor preocupa-

se em tratar todos os assuntos que planifica para a aula, dentro do tempo

predefinido, para cumprir com o programa, embora considere isso bastante difícil

para ele. Um dos motivos é que, às vezes, os alunos não compreendem

rapidamente os conteúdos, fazendo com que o professor saia dos limites do tempo

da aula. Contudo, o professor acha que para os alunos não terem muitas

dificuldades na resolução de tarefas de consolidação, é preciso investir na aula de

introdução, ou seja, é fundamental que o professor faça uma abordagem mais

exaustiva na introdução do novo conteúdo.

Preparação de tarefas para a sala de aula

A principal fonte de tarefas para o professor Manuel é o manual escolar,

embora em certos casos também use um outro livro (Elementos de Geometria).

Este professor prefere, quase sempre, tarefas de cálculo e de aplicação ligadas à

realidade às de demonstração e argumenta dizendo que as tarefas de demonstração

são difíceis de ensinar aos alunos e estes, por sua vez, pouco ou nada se

interessam com este tipo de tarefas: “Quando a gente pede ao aluno para resolver

um exercício de demonstração, o caderno está sempre em branco e diz que não

consegue” (ME1).

Embora as demonstrações sejam importantes para desenvolver o raciocínio

do aluno, o professor Manuel não consegue estabelecer a ligação destas com

questões práticas do quotidiano:

Normalmente tenho dado exercícios de cálculos, por exemplo, calcule a hipotenusa do triângulo. Cálculo de medidas de lados de triângulos e aplicação do teorema de Pitágoras porque os exercícios de demonstrações dificilmente se ligam a questões práticas da vida. (ME1)

Quando tem à sua disposição muitas tarefas no manual sobre algum

assunto matemático, o professor Manuel usa certos critérios para fazer a selecção:

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Tenho começado com os mais simples. Ou se, por exemplo, são 45 exercícios, posso escolher dois ou três de cada tipo. O resto os alunos podem resolver sozinhos com base naqueles que forem resolvidos na sala de aula. (ME2)

O manual escolar nem sempre satisfaz o professor Manuel, relativamente ao

número de tarefas disponíveis ou à adequação destas para certos conteúdos.

Quando assim acontece, este professor recorre a outros livros ou toma iniciativa e

produz suas próprias tarefas, bastando, para tal, levar em consideração os

objectivos do tema abordado. Contudo, o professor Manuel acha que inventar

tarefas representa um grande desafio porque exige do professor muita criatividade.

Recursos e materiais

Para além do manual escolar, as planificações quinzenais e as dosificações,

o professor Manuel também acha que, para as aulas de Geometria, há certos

instrumentos de construção ou de desenho que são importantes. Ele indica alguns,

nomeadamente a régua, o esquadro o transferidor e o compasso. Ele usa estes

instrumentos, quando existem, para fazer figuras, tais como, figuras geométricas

planas (triângulos, quadriláteros, círculos) e sólidos geométricos (cilindros,

prismas, cones, pirâmides, esferas) e, também faz desenhos, como por exemplo,

desenho de postes, árvores, piscinas, rotundas, casas, etc., durante as aulas e

quando é para resolver exercícios.

Contudo, o professor Manuel acha que estes instrumentos não existem em

quantidade suficiente para satisfazer a todos professores. Quem quiser usar estes

materiais terá que ser pontual ao chegar à escola porque, se não for, não os

encontrará: “…mesmo as réguas, quem chega tarde também já não apanha e vai

ter de traçar à sua maneira…” (ME1). Ou seja, quem chega tarde à escola vai

fazer os traçados à mão livre.

Segundo o professor Manuel, na medida em que o tempo passa, a escola

fica, cada vez mais, desprovida de materiais para Geometria: “…na Manga já não

temos nem um cubo e nem um cilindro…” (ME1) e continua dizendo que:

A escola tinha réguas, esquadros, … mas agora já não tem; réguas em condições ficaram quatro para toda escola, esquadros

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também já não existem e compassos já não digo, só ficaram dois. (ME1)

Ainda assim, o professor Manuel acha que, dependendo da iniciativa de

cada professor, é possível construir os modelos físicos, como por exemplo, o cubo,

a esfera, o cilindro, algumas pirâmides e prismas. Todavia, este professor põe

algumas condicionantes:

…o professor pode ter iniciativa para construir ou arranjar esse material mas não há tempo! Se o professor de manhã está aqui, a tarde está acolá e a noite está lá,…é difícil ter tempo. Por isso acabamos esboçando no quadro e isso de esboçar no quadro pode não ter um grande e bom impacto nos alunos. (ME1)

Para este professor, há momentos em que a figura tem que ser

rigorosamente desenhada para uma maior compreensão do conteúdo a transmitir.

Principalmente “quando a figura é a nossa base para, por exemplo, fazer uma

demonstração” (ME1). E continua:

…por exemplo, algumas demonstrações podiam ser feitas usando materiais construídos com base em cartolinas, cartazes e isso podia ajudar. Mas para tal eu tinha que tirar dinheiro do meu bolso. O bolso já é curto,…para ainda subtrair algo, não dá! (ME1)

Subjacente ao excerto imediatamente anterior está a ideia de que o

professor não tem dinheiro suficiente para enfrentar o custo de vida e investir na

construção dos modelos de sólidos geométricos. Para além disso, está também a

ideia de que os materiais construídos com base em cartolinas ou os modelos de

sólidos geométricos podem contribuir para a abordagem e compreensão de certos

conteúdos de Geometria. O professor Manuel sugere que algumas demonstrações

poderiam ser exemplificadas manipulando esses materiais, o que facilitaria a sua

compreensão por parte dos alunos, por um lado e, também poderia permitir o

desenvolvimento de habilidades de visualização, por outro.

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O plano de aula de Geometria Espacial

O professor Manuel elaborou um plano de aula (anexo 2) de introdução ao

tema Poliedros, que constitui a primeira parte da Geometria Espacial no programa

actual da 9ª classe. Para a elaboração do plano, ele usa um modelo disponível no

programa de Matemática da 9ª classe (anexo 5).

Conteúdo e estrutura do plano

No seu plano, o professor apresenta uma coluna onde faz a distribuição do

tempo pelas diferentes fases da aula, que aparecem descritas na coluna seguinte,

designada por função didáctica. A seguir faz uma descrição detalhada do

conteúdo da aula e uma outra coluna onde estão descritas as acções do professor e

as dos alunos, em cada momento da aula. Finalmente existe uma coluna para

observações que o professor não utilizou. Na função didáctica, ele disponibiliza os

primeiros oito minutos da aula para a garantia do nível inicial (G.N.I) e motivação

dos alunos. Na garantia do nível inicial o professor verifica se os alunos estão

preparados, isto é, se os alunos possuem os pré-requisitos necessários para

aprender o novo conteúdo. Depois deste momento, segue-se o de transmissão do

novo conteúdo que decorre durante trinta minutos. Nesta fase, o professor

introduz os conceitos e dá a definição de poliedro, a classificação e os principais

elementos dos poliedros. Finalmente, o professor disponibiliza algumas tarefas

para os alunos resolverem, durante sete minutos.

Para além dos aspectos do plano de aula já mencionados, este também faz

alusão, no topo e canto esquerdo, à Unidade Temática: Cálculo de áreas e de

volumes de sólidos geométricos; ao Tema: Conceito de poliedro; aos Objectivos

da aula: Os alunos deverão ser capazes de identificar e classificar os poliedros.

Ainda no topo mas no canto direito, o professor menciona o tipo de aula: Inicial; a

duração: 45 minutos; o método: Elaboração conjunta; e os recursos didácticos a

usar e modelos de sólidos geométricos. O professor indica como recursos

didácticos “os meios usuais” que, habitualmente, são a régua, o esquadro, o

transferidor, o quadro e o giz.

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Estratégia a usar na sala de aula

Esta aula, segundo o professor Manuel, tem que se desenrolar num

ambiente interactivo entre ele e os alunos, privilegiando o método de elaboração

conjunta.

Ao invés de ser eu a produzir a aula, oriento a eles para em conjunto chegarmos ao assunto que se pretende dar. Por exemplo, aqui nos sólidos faço algumas perguntas sobre diferentes sólidos e em conjunto vamos produzir a aula. Daí, já no fim é que posso dar um resumo final sobre o assunto. Eu posso perguntar as características de alguns poliedros para depois produzir as definições ou os conceitos. (ME2)

Durante os primeiros oito minutos, o professor faz algumas perguntas e

alguns comentários: pergunta se os alunos já aprenderam os sólidos geométricos

nas classes anteriores e se podem dar exemplos de alguns objectos semelhantes

aos sólidos geométricos. Os alunos vão respondendo e, de seguida, o professor

escreve o sumário: Noção de poliedros. Nos trinta minutos seguintes, o professor

apresenta vários objectos (caixa de fósforo, bola, latas cilíndricas de faces planas,

prismas e pirâmides) e orienta os alunos a descobrirem os que têm características

de poliedros. Daí, o professor dá a definição de poliedro e desenha alguns

exemplos no quadro. Distingue os poliedros côncavos dos convexos, fazendo

perguntas aos alunos. Finalmente, na última parte da aula, os alunos resolvem

questões de consolidação durante sete minutos.

Nota-se, aqui, a vontade de o professor usar uma diversidade de modelos

geométricos para enriquecer a sua aula. Mas, provavelmente, isso acaba sendo

teórico tendo em consideração o facto de que a escola não dispõe de muitos destes

modelos e o professor não tem tempo suficiente para produzir tais modelos. Na

impossibilidade de apresentar todos os modelos geométricos previstos, é

expectável que o professor venha a potenciar a ilustração por desenhos ou

simplesmente mencionando objectos conhecidos pelos alunos.

Tarefas propostas para a aula

Para esta aula, o professor Manuel diz que o manual não dispõe de

exercícios adequados mas que de acordo com os conteúdos da aula, “é possível

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produzir algumas tarefas por conta própria” (ME2). Segundo este professor, há

momentos em que tem que ter iniciativa de elaborar fichas de exercícios por conta

própria, nas situações em que não consegue encontrar o livro que o possa auxiliar.

Mas afirma que produzir tarefas por conta própria não é fácil.

Já que o manual não dispõe de exercícios adequados para a aula

planificada, o professor Manuel, elaborou, por sua iniciativa, três questões de

consolidação para o final da aula, nomeadamente: (1) Quais as características de

um poliedro? (2) Quais dos sólidos já estudados são poliedros? (3) Dos sólidos

seguintes indique os que são poliedros. Neste exercício, o professor apresenta um

paralelepípedo rectangular, um cone, um cilindro, um prisma hexagonal e um

tetraedro (anexo 2).

Portanto, trata-se de questões que levam o aluno a buscar as respostas nos

seus apontamentos, podendo também ser conduzido, no caso da segunda questão a

relembrar-se de alguns sólidos que estudou nas classes anteriores. Embora o

professor Manuel tenha confessado que sentia dificuldades em inventar tarefas,

nota-se que as três questões que propôs na fase de consolidação da aula bem como

a tarefa que acompanha o desenvolvimento da aula, em que apresenta vários

sólidos e conduz os alunos a agrupá-los em classes, vão de acordo com os

objectivos da aula previamente definidos e conforme as sugestões metodológicas

patentes no programa de Matemática da 9ª classe (p. 53).

Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria

O professor Manuel sente algumas dificuldades na leccionação da

Geometria. Uma das dificuldades, segundo este professor, tem a ver com a falta

de recursos, tais como manuais de Matemática, alternativos ao manual do aluno, e

materiais de desenho (régua, esquadro, compasso, etc.) e modelos de sólidos

geométricos.

Para além da falta destes materiais, o professor Manuel aponta o facto de

os professores trabalharem sob grande pressão de tempo para cumprir com os

programas e o excesso de alunos nas turmas, como sendo outros constrangimentos.

Segundo este professor, o excesso de alunos dificulta o seu acompanhamento

individualizado e a correcção dos testes e outros materiais necessários para as

aulas.

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Quanto aos programas, diz que são longos e não há compatibilidade com o

tempo disponível. O professor Manuel muitas vezes não tem conseguido abordar

os conteúdos de Geometria na sua íntegra. Embora no programa de Matemática

esteja apresentada a distribuição prévia do tempo pelos conteúdos, ele não tem

conseguido abordar, principalmente, a parte da Geometria Espacial. Para a

Geometria Espacial, por exemplo, estão previstas cinco semanas, que

correspondem a vinte aulas. Mesmo tentando seguir os tempos indicados, tem

sido difícil para o professor Manuel acertar. Para isso, segundo este professor, há

vários motivos:

Às vezes, é falta de domínio de certos conteúdos pelo professor. Há certos conteúdos que precisam de muita exercitação e podem levar mais tempo. Por exemplo, há certas aulas de 45 minutos que são dadas em 90 minutos! Para fazer compreender algumas matérias, aos alunos, às vezes, tem levado mais tempo. Algumas vezes, também, é por causa de atrasos ou mesmo por falta do professor. (ME2)

Por sua vez, os alunos oferecem certas dificuldades, ao professor Manuel.

Para além de se mostrarem cada vez menos interessados em aprender a

Matemática, muitos, tal como os professores, também não têm material escolar

(manual de matemática e instrumentos de desenho). Alguns alunos, mesmo tendo

os instrumentos de desenho, não os trazem para a escola. Isso dificulta o ensino da

Geometria, porque, segundo este professor, “…a Geometria é como o desenho,

precisa de material” (ME1).

Em termos de dificuldades relativas aos próprios conteúdos da Geometria,

o professor Manuel aponta para as demonstrações como sendo as mais

problemáticas. Ele acha que são difíceis de ensinar, embora reconheça que são

bastante importantes para os alunos.

Particularmente, sobre os planos de aulas, este professor tem sentido que o

manual escolar, nem sempre tem tarefas suficientes para certos conteúdos ou que

em determinados conteúdos nem sequer tem tarefa alguma. Nestes casos, o

professor é levado a inventar tarefas, o que para si, não é fácil.

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Capítulo VI

O CASO DO PROFESSOR JOSÉ

Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e

profissional

O professor José fez o nível primário e o nível secundário, no distrito de

Gorongosa6. Começou a estudar em 1980 e terminou o ensino primário do antigo

sistema7 em 1984. Passou a frequentar o ensino secundário, onde terminou a 6ª

classe em 1986. Depois foi continuar o ensino secundário em Missão Barada8,

onde estudou até à 10ª classe. Por afectação, foi ao curso de formação de

professores, no Instituto Médio Pedagógico da Beira. Terminou o curso de

professores de Matemática e Biologia em 1996. O professor José escolheu o curso

de Matemática, segundo ele, “…porque era minha inclinação. Eu gostava muito

de Matemática” (JE1). Depois de terminar o curso, o professor José foi trabalhar

para uma escola secundária, denominada Escola Secundária de Nhamatanda, cita

no distrito de Nhamatanda, província de Sofala, a cerca de 100 quilómetros da

cidade da Beira. Ele começou a leccionar em 1997 e foi director de duas escolas

primárias, completas9, nesse distrito. Há quatro anos que o professor José foi

transferido para a escola secundária da Manga, onde lecciona Matemática da 8ª

classe à 10ª classe, na cidade da Beira. Actualmente, é estudante do curso de

Ensino Básico na Universidade Pedagógica, delegação da Beira. Apesar de ser

professor da Matemática e de gostar de ensinar a Matemática, não está a

frequentar o curso de ensino de Matemática, na Universidade e justifica a sua

opção:

6 Gorongosa é um distrito que dista cerca de 200 quilómetros da cidade da Beira. 7 No antigo sistema, o nível primário terminava na 4ª classe e começava o secundário na 5ª classe. 8 A Missão Barada situa-se no distrito de Buzi, cerca de 200 quilómetros da cidade da Beira 9 Considera-se escola primária completa aquela em que se lecciona da 1ª à 7ª classe. As escolas em que se lecciona da 1ª à 5ª classe, são designadas primárias do 1º grau e as que leccionam apenas 6ª e 7ª classe são designadas primárias do 2º grau.

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…Tive que fazer teste de admissão e nisso, se fosse para o curso de ensino de Matemática, tinha que fazer exames de Matemática e Física. Uma vez que fiz o nível médio no Instituto Médio Pedagógico e não tive a Física do nível médio, não me convinha. Depois de entrar teria a possibilidade, mais tarde, de mudar para o curso de ensino de Matemática mas acabei ficando bem ambientado no curso de Ensino Básico e estava bem. (JE3)

O professor José já leccionou no ensino secundário, tanto a Matemática,

como a Biologia, e considera-se um bom professor porque acha que é um bom

mediador do processo de construção do conhecimento, por parte dos alunos.

Segundo este professor, ser um bom professor de Matemática,

…acaba sendo um acumulado de acções que o professor deve tomar em consideração. Não basta o professor ser muito inteligente e os alunos dizerem que esse professor entende bem a Matemática enquanto eles próprios [os alunos] não estão a entender nada. (JE3)

Para o professor José, é importante e indispensável que o professor tenha

conhecimentos matemáticos: “Afinal, se o professor não tem conhecimentos

matemáticos irá à escola fazer o quê?” (JE3). Considera que apesar de quase todos

os professores terem a consciência de que sem o conhecimento matemático, nada

se pode fazer, “…as lacunas neste ou naquele assunto matemático não faltam! É

difícil um professor saber tudo com perfeição” (JE3). Mas o professor José diz,

ainda, que o conhecimento é algo que se constrói, por isso, “quando alguém

consegue identificar as suas lacunas, pode aproximar-se a quem conhece o

conteúdo para aprender” (JE3). Para além disso, este professor acha que o

conhecimento matemático deve ser bem usado para o bem de todos (alunos,

colegas e a comunidade em geral) e não para fazer exibições para mostrar aos

outros que é muito inteligente, “enquanto nem tem boas metodologias para

transmitir esse conhecimento e fazer com que os outros também o tenham” (JE3).

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Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática

Sobre o ensino e aprendizagem da Matemática, o professor José assume

um certo optimismo, tendo em consideração o que acha que a Matemática

promove nos alunos. Para ele “…a Matemática cria ou aumenta as capacidades

mentais do aluno, a sua maneira de pensar e mais!…” (JE1). No entanto, para o

professor José, os alunos trazem certos preconceitos com relação a Matemática e o

seu ensino. Tal como refere:

…os alunos já trazem preconceitos…eles acham que a Matemática é difícil, talvez por ser considerada disciplina básica ou talvez porque a Matemática é uma ciência em que tudo é exacto. Os alunos muitas vezes não gostam da Matemática. Podem até gostar, mas acham que é muito difícil. (JE1)

Segundo o professor José, muitos alunos, por mais que notem que a

Matemática é importante para eles, acabam ficando vencidos pelo preconceito de

que esta é difícil, ganham preguiça pelos cálculos e “optam por outras disciplinas

em que acabam fazendo só leituras” (JE1).

O professor José é de opinião de que a Matemática é, de facto, muito útil

para as nossas vidas e não só na escola. Como refere:

É que sem precisar de se ensinar a Matemática na escola, ela se aplica no nosso dia-a-dia. A criança, mesmo estando em casa aplica a Matemática, mesmo assim duma maneira inconsciente! Por exemplo, as crianças que não estudam, nas suas casas quando são mandadas para fazer pequenos comércios, ao executarem os trocos, os dinheiros, por exemplo, já estão a aplicar a Matemática. Mesmo na divisão de bens, quando estão para comer alguma coisa, por exemplo, ao dividirem estão a usar a Matemática. (JE1)

Por outro lado, o professor José tem estado preocupado com certas

questões do ensino e aprendizagem da Matemática. Para ele o importante é que os

alunos entendam as matérias, para o bem deles próprios, em particular, e para o

bem da sociedade, em geral. E este professor aponta este facto como um dos

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objectivos do ensino da Matemática. Deste modo, o professor José tem notado que

os alunos pouco se envolvem em actividades matemáticas e aponta como um dos

motivos o facto de acharem que a Matemática é difícil. Isso leva-os a desenvolver

uma atitude negativa em relação a esta disciplina e aos próprios professores de

Matemática. Mas, também, este professor acredita que motivando um pouco mais

os alunos, alguns acabam por se envolver. Uma das maneiras de criar motivação

para os alunos aprenderem a Matemática pode ser procurando estabelecer, sempre

que possível, uma ligação desta com o quotidiano dos alunos. O professor José

refere-se a este aspecto da seguinte forma:

Quando numa aula de Matemática, os exemplos se podem relacionar com a vida prática, o aluno torna-se motivado porque há certas questões que ele tem feito mas não sabe que se relacionam com a Matemática que tem estudado e, então, quando é lhe mostrada essa relação, ele fica motivado e acaba interessando-se por saber como isso funciona… (JE1)

Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Geometria

Quanto ao ensino e aprendizagem da Geometria, o professor José é de

opinião de que, pelo facto desta englobar o estudo de muitos objectos reais que o

aluno usa na sua vida, o seu ensino e a sua aprendizagem ficam um pouco

facilitados e, isso, aumenta a probabilidade da sua compreensão. Mas, para tal, é

necessário que a Geometria seja ensinada tendo em consideração estes aspectos.

Por exemplo, o aluno “…tem que saber que quando tem uma lata de leite, esta

tem o formato de um cilindro!” (JE1).

De uma maneira geral, segundo o professor José, há muitos conteúdos de

Geometria que os professores ou dão de forma superficial ou não chegam mesmo

a leccionar. Um dos exemplos concretos de conteúdos que são menos ou

superficialmente tratados em Geometria são as demonstrações. Este professor

considera que os alunos não são capazes de justificar os raciocínios.

…poucas vezes os alunos conseguem justificar aquilo que respondem. De igual maneira quando erra, você procura

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saber porquê errou, ele nem sabe dizer! Mesmo perguntando donde vem esta ideia que usou para resolver, também não consegue responder. Poucos alunos conseguem justificar as suas ideias. (JE1)

O professor José acha que o futuro do ensino da Geometria não é

promissor, tendo por base aquilo que se vive actualmente. Uma vez que de forma

recorrente os professores não têm dado a Geometria Espacial, este professor infere

que este tópico poderá desaparecer do ensino, ainda que continue a existir no

programa de Matemática. O professor José refere-se a este facto afirmando o

seguinte:

…a realidade que eu vejo é que poucas vezes é dada esta parte da Geometria [a Geometria Espacial]. Se se dá, não existe muita ênfase! Mas se calhar, é a parte que os alunos precisariam mais porque muita coisa na vida real está ligada à Geometria. Mas da maneira que este tema é dado, estou a imaginar que daqui há uns dez ou quinze anos, se a Geometria não vai acabar é só porque existe no programa. Ela não esta sendo vista como uma coisa importante. (JE3)

Este professor é de opinião de que se devia seleccionar as partes

preponderantes, da Geometria, a serem ensinadas numa certa classe. Os conteúdos

de Geometria deviam estar distribuídos de forma equilibrada pelo menos dentro

do ensino secundário do primeiro ciclo (8ª classe à 10ª classe). Para além da

distribuição equilibrada dos conteúdos de Geometria nas classes referidas, o

professor José acha que a Geometria Espacial devia ser dada no segundo trimestre

e não no terceiro como está proposto no novo programa. A ideia deste professor é

que a probabilidade de não se conseguir tratar um certo conteúdo é maior quando

este está posicionado no fim do programa. Tal como afirma:

…Os assuntos de Geometria deviam estar bem distribuídos ao longo das classes…mas que a Geometria Espacial fosse dada no segundo trimestre do ano lectivo porque assim que é dada no terceiro trimestre os professores não chegam a dar quase nada e em todos os anos aparecem exercícios de Geometria nos exames da 10ª classe. (JE1)

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O professor José questiona, pois, a sequência dos temas dentro dos

programas e o congestionamento dos mesmos numa só classe. Para ele, os alunos

deviam conviver com conteúdos de Geometria ao longo de todas as classes, até ao

fim do nível secundário. Isso é para contrariar o facto de se dar muita coisa de

Geometria na mesma classe o que, segundo o professor, tem cansado tanto aos

professores como aos alunos.

Em Geometria, para o professor José, são muitos os conceitos que são

importantes, como refere:

…por exemplo, quando falamos de área, …primeiro tem que conhecer o plano! O que é um plano, uma recta, semi-recta, tem que conhecer alguns sólidos geométricos que o próprio aluno no seu dia-a-dia usa, tem que conhecer cilindros, esferas; por exemplo, a bola que ele usa em casa tem a forma de uma esfera; tem que conhecer os triângulos, quadrados e todos quadriláteros quase, são coisas que ele usa. (JE1)

Assim, na Geometria, este professor, gosta de ensinar sobre rectas, planos,

áreas de círculo, quadriláteros e também volumes de sólidos geométricos. Não

gosta de tratar o volume da esfera porque acha que é complicado para os alunos.

Para além disso, o professor José não tem trabalhado nas demonstrações com os

seus alunos. Segundo ele, a única demonstração que tem dado é a do teorema de

Pitágoras e “…para o resto de demonstrações temos passado por cima, às vezes

por factor tempo” (JE1). Ele argumenta que “…fazer uma demonstração leva

muito tempo e também os alunos não entendem nada disso” (JE1). Contudo, o

professor José afirma que fazer as demonstrações é importante porque

“…facilitaria perceber o surgimento de um certo conceito…” (JE1). Neste caso, o

professor refere-se à compreensão das fórmulas matemáticas e, por isso, acha que

seria bom que se fizesse a dedução destas para que os alunos as usassem sabendo

como é que aparecem.

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O professor gerindo o currículo

Planificação da prática lectiva

O professor José, nos dias de aulas, sai da escola directamente para

Universidade, onde tem aulas no curso pós-laboral. Na escola secundária, nos

intervalos entre as aulas, passa o tempo fazendo trabalhos da Universidade e

acertando alguns pormenores das aulas que vai dar nos momentos seguintes.

Gosta de trabalhar mais com os colegas do que individualmente. Mas muitas

vezes, sem querer, vê-se sem muito tempo para estar com os colegas devido aos

trabalhos da faculdade. Quando se trata de realizar a dosificação e plano quinzenal,

faz a questão de estar com os colegas para participar no trabalho: “…Já que as

dosificações só voltam a ser feitas depois de três meses e os planos quinzenais, só

depois de quinze dias, não dá para faltar…” (JE2). Quando se trata de conceber os

planos de aulas, este professor trabalha, quase sempre, sozinho, a não ser que

tenha uma dúvida que ache que os colegas podem ajudá-lo a resolver.

O professor José não descarta a necessidade de um plano para cada aula

que vai dar. Para ele, o plano de aula é importante porque “… facilita a orientação,

ou seja, orienta as actividades do professor … e é a previsão daquilo que vai dar”

(JE2). Um professor que vai dar aula sem o plano, segundo o professor José, corre

o risco de se desorientar e poderá desviar-se de certos assuntos e, também, poderá

não conseguir controlar o tempo.

Quanto ao ambiente, em geral, na escola, este professor acha que é normal.

Os colegas do grupo de Matemática trabalham juntos nas planificações, divididos

segundo as classes que estão a leccionar e todos juntos nas dosificações. Eles têm

discutido sobre os programas, principalmente agora que foram introduzidos os

programas intermédios (novos programas), em que houve a movimentação de

alguns conteúdos de uma classe para outra. Mas, o professor José confessa que,

embora consigam notar que um determinado conteúdo é difícil para uma certa

classe, não podem fazer nada a nível do grupo: “Em geral, podemos notar que este

tema é complicado para os alunos mas só olhamos porque não temos poder de

decisão para mudar…” (JE2). O professor José acha que pelo facto de não se

sentirem à vontade para decidir sobre a integração ou exclusão de alguns tópicos

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do programa, as discussões do grupo sobre este assunto, acabam sendo

superficiais.

Na sala de aula, segundo este professor, o ambiente depende de cada turma,

ou seja, varia de turma para turma:

…existem turmas com alunos que já reprovaram muitas vezes e outros …trazendo maus comportamentos. Às vezes, encontra-se um e outro aluno indisciplinado. Mesmo assim, procuramos sempre concertar o ambiente da sala para o bem deles. (JE3)

Para preparar as aulas e elaborar planos de aulas, muitas vezes, este

professor tem usado o manual escolar (já que a escola não dispõe de manual para

o professor), as planificações quinzenais e, em certos casos, a experiência de

alguns colegas e noutros casos usa, também, planos de aulas dos anos anteriores.

Quanto ao manual escolar do aluno, o professor José confessa que lhe tem

sido bastante útil, embora sinta a necessidade de ter outros manuais com

abordagens diferentes dos conteúdos. Este professor sente-se à vontade ao

trabalhar com o manual escolar, que o ajuda a reconstituir certos conhecimentos

matemáticos que se tenha esquecido. Assim, o professor José considera que:

O manual escolar é a informação escrita que nós temos, logo à priori. Como fiz referência atrás, usamos muitas vezes o manual do aluno, embora apresente, às vezes, alguns erros, são erros normais. O facto de, às vezes, apresentar exercícios resolvidos, ajuda-nos um pouco, principalmente quando nos esquecemos de alguma coisa. Mas claro, o manual do aluno não é suficiente! São as dificuldades de condições que nós temos. (JE1)

O professor José é de opinião de que o manual tem que ser usado em

articulação directa com o programa. Segundo ele:

Afinal de contas o programa é que nos guia para sabermos as sequências dos conteúdos. Se o professor for a usar só o manual é capaz de dar coisas que não estão programadas…há assuntos que aparecem no programa e não aparecem no

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manual. Há coisas que estão no manual e que no programa não aparecem! (JE2)

Neste contexto, o professor consulta no programa o tema que deve tratar e,

depois, vai buscar os conteúdos sobre o tema e as metodologias que deve usar. Por

isso, o professor José acha ser importante trabalhar com os colegas nas

planificações para trocarem experiências.

Nos dias de planificação colectiva, este professor prefere sacrificar

qualquer outra actividade porque acha que se trata de uma actividade muito

importante: “…são dias que não dá para faltar porque são as melhores

oportunidades que a gente tem para contactar e conversar com os colegas” (JEcel).

Este professor tem como preocupação, na primeira planificação colectiva,

conhecer os colegas com quem vai trabalhar na disciplina de Matemática, em

geral, e na 9ª classe, em particular. Ele procura ver quais dos colegas são mais

abertos aos outros, os que gostam de trabalhar em colaboração com os outros e

gostam de ajudar os que têm dúvidas. Para além disso, este professora aproveita

ainda na primeira planificação para pesquisar se há colegas que já leccionaram a

classe com que vai trabalhar e se algum colega tem mais livros para consulta (para

além do manual escolar).

Já que muitas vezes tem trabalhado com mais de uma classe, quando o

delegado orienta os professores a ficarem em grupos (por classes que leccionam),

o professor José prefere juntar-se aos colegas da classe que nunca leccionou ou na

que achar que, provavelmente, terá mais dificuldades. Esta decisão vai-se

ajustando, ao longo das planificações seguintes, dependendo da situação concreta

e das suas necessidades.

A primeira planificação é feita depois da dosificação dos conteúdos e esta

é da responsabilidade de um grupo de professores voluntários ou indicados pelo

delegado da disciplina. O professor José já teve a oportunidade de participar em

várias dosificações. Na dosificação, este professor e os colegas, com base no

programa, fazem a distribuição mais detalhada dos conteúdos, incluindo as provas

que serão realizadas ao longo do trimestre. Fazem a distribuição dos conteúdos,

determinando o número de aulas necessárias para tal. Na primeira planificação, o

professor José faz a extracção dos conteúdos para as duas primeiras semanas de

aulas, a partir da que figura na dosificação. Na primeira planificação do grupo da

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9ª classe, do ano de 2008, o professor José ofereceu-se a passar os conteúdos

extraídos, para as duas primeiras semanas, para uma folha solta que foi arquivada

na pasta do grupo de Matemática, da 9ª classe. Dependendo da disponibilidade

dos colegas, depois da planificação quinzenal, este professor gosta de conversar

sobre a disciplina e sobre as dificuldades vividas na leccionação nos anos

anteriores.

Daí, o professor José vai elaborar os planos de aulas, com base no plano

quinzenal. Já que a primeira planificação é realizada uma semana antes do início

das aulas, no fim desta semana este professor elabora os planos para as aulas da

primeira semana. Com base no que vai acontecer na primeira aula, os outros

planos poderão ser reajustados.

Nas planificações quinzenais seguintes, o professor José vai preparado

para passar os tópicos dos conteúdos que vai ensinar nas duas semanas seguintes e

discutir um pouco sobre questões das aulas. Ele apresenta dúvidas aos colegas, e

ouve dúvidas dos colegas, e diz que “…muitas vezes, essas conversas terminam

fora da sala de planificação por razões de tempo” (JEcel).

Para planificar as aulas, o professor José considera fundamental ter o

manual escolar. Tal como afirma, “…sem o manual nada posso fazer! Posso até

não ter mais nada mas o manual é indispensável…” (JEcel). Procura também

resolver, antes de levar à sala de aula, todas tarefas que achar um pouco

complicadas porque “…há exercícios que a gente vê logo como se resolve e há

outros que não se vê logo à primeira!” (JEcel).

Metodologias de trabalho para a sala de aula

O professor José considera que o seu papel na sala de aula é de mediar e

moderar o processo de aquisição do conhecimento e enfatiza que a construção do

conhecimento deve ser feita junto com os alunos:

Afinal de contas o aluno tem a sua contribuição! Ele não vem à escola sem nada na cabeça. Se calhar, o aluno tem um conhecimento que precisa de ser estimulado e neste caso o professor ajuda-o ao ser mediador. (JE3)

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Nas suas aulas, este professor destaca momentos de introdução da nova

matéria e de consolidação, em que os alunos resolvem alguns exercícios. Para

introduzir um novo conteúdo, o professor José prefere que, na medida do possível,

seja nas aulas de 90 minutos do que nas de 45 minutos para que os alunos tenham

tempo suficiente para digerir e consolidar a nova matéria. Para além disso,

“existem aulas que só são de resolução de exercícios, desde o primeiro ao último

minuto” (JE1). Ele privilegia o que chama por método dedutivo, começando pela

introdução das definições e exemplificando de seguida, considerando que os

alunos aprendem melhor:

Bom, eu tenho notado que normalmente quando dou uma aula de Matemática começando por definições e depois exemplos tem sido mais fácil para os alunos compreenderem do que quando começo com exemplos, para depois, ir às definições. Usando o método dedutivo é mais fácil porque dou a definição e depois dou o exemplo. (JE1)

Quando se trata de aula de resolução de exercícios, o professor José

prefere que os alunos trabalhem em pequenos grupos:

Normalmente quando são aulas de consolidação e de resolução de exercícios tenho preferido formar grupos, podendo ser grupos de dois ou três alunos. Neste caso tenho posto os mais inteligentes misturados com os menos inteligentes para criar um incentivo e ajudarem-se uns aos outros. Depois de dar um tempo para resolverem os exercícios faço a correcção. Normalmente mando os próprios alunos para fazerem a correcção. Primeiro mando os mais fracos para ver até onde não perceberam e, depois, mando os que entendem mais para fazerem a última correcção. (JE1)

Este professor argumenta que é vantajoso o facto de os alunos trabalharem

em grupos,

…para mostrar a eles que não é só o professor que pode dar solução dos exercícios! Que os colegas também podem dar solução e podem ajudá-los a encontrar as soluções e assim discutem as resoluções entre eles. (JE1)

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Preparação de tarefas para a sala de aula

Tal como muitos dos seus colegas, o professor José baseia-se no manual

escolar (do aluno) para preparar tarefas para as aulas. Em alguns casos, tem

contactado com os colegas que já leccionaram esta classe para enriquecer a sua

lista de tarefas. Quando tem que escolher tarefas do manual escolar ou de

qualquer outra fonte, este professor tem como base os objectivos da aula:

…uma vez que a ficha engloba muitos exercícios, muitas das vezes, é de acordo com a aula dada; vou ver na ficha, que exercícios são adequados para aquela aula. (JE2)

Este critério, para o professor José, tem em conta o facto de que o manual

escolar, no fim de cada capítulo, tem apresentado uma ficha geral de exercícios.

Desta ficha, este professor selecciona as tarefas que sejam adequadas para cada

aula, dentro do capítulo em causa.

Quanto ao tipo de tarefas, o professor José prefere as de cálculos, por

exemplo, sobre cálculo de área do rectângulo, “… em que é dada a medida da

diagonal e um dos lados, …para determinar a área do rectângulo” (JE1). Para este

professor, as tarefas de demonstrações são muito difíceis para os alunos e levam

muito tempo: “Os alunos dificilmente aprendem as demonstrações e nem

conseguem justificar os seus raciocínios” (JE1).

Recursos e materiais

Para as aulas de Matemática em geral e para as de Geometria, em

particular, o professor José acha que há certos materiais didácticos que não

deviam faltar. Como exemplo, diz que seria desejável que a escola tivesse

manuais, não só para os alunos como também para os professores. Segundo este

professor, também era bom que houvesse instrumentos de desenho (réguas,

esquadros, compassos, transferidores etc.) e modelos geométricos (cubos,

cilindros, pirâmides, prismas, etc.) para as aulas de Geometria. Para o professor

José, embora o professor possa conseguir reunir exercícios ou mesmo

apontamentos de outras fontes, a escola devia ter o básico. Tal como afirma:

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A gente tem muita força de vontade… pelo menos, eu tenho muita força de vontade. Tenho pensado em passar pelas bibliotecas para pesquisar livros de Geometria mas com aulas na faculdade, trabalhos da faculdade, as próprias aulas na escola e quando é altura de provas,… a coisa fica pior, o tempo não é suficiente! Não dá para ficar muito tempo na biblioteca… (JE1)

Segundo este professor, há ocasiões em que o aluno tem material para

desenhar na aula mas nem sempre adianta alguma coisa porque este tende a fazer

as coisas assim como o professor as faz. A tendência é de, se o professor traçar as

rectas à mão livre, o aluno também assim o fazer.

Para os poucos instrumentos ainda existentes na escola, há uma certa

disputa no seio dos professores porque:

…há muitos professores de Matemática, tomando em consideração que a escola é muito grande. Se você não chega cedo naquele dia ou se não tem o primeiro tempo não vai encontrar o material e alguns até escondem o material, principalmente os docentes da disciplina de Desenho, porque sem material, eles não podem fazer nada. (JE1)

O professor José poucas vezes tem usado modelos físicos nas suas aulas de

Geometria porque a escola não dispõe destes. Das poucas vezes que usa, apresenta

uma bola, como exemplo de uma esfera, uma lata cilíndrica, como exemplo de um

cilindro e caixa de giz, como exemplo de um prisma ou de um cubo. Ele acha que

é difícil arranjar um objecto para exemplificar uma pirâmide. Nestes casos

“tentamos falar de certos edifícios com os tectos em forma de pirâmides, falamos

de igrejas…”. (JE1).

Contudo, o professor José acha que a utilização de modelos geométricos

nas aulas é muito importante, justificando que:

…há certos conceitos de Geometria que alguns alunos nunca ouviram, por exemplo, podemos estar a falar de algo que os alunos nunca viram, principalmente aqueles das zonas suburbanas, mas quando desenhados ou trazidos na sala para ilustração facilitam um pouco a sua compreensão por parte do aluno. Por isso são importantes para a sala de aulas. (JE1)

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Ele considera que os professores podiam ser criativos para construir,

por iniciativa própria, os modelos físicos para as aulas de Geometria. Mas

ele defende que isso não acontece por falta de incentivos, ou seja, “as

condições de serviço não são adequadas” (JE1). Uma saída, para esta

situação, segundo este professor, seria a criação de oficinas pedagógicas e,

talvez assim, a escola pudesse produzir estes materiais.

Plano de aula de Geometria Espacial

Na sequência do pedido que lhe fiz, para uma aula de introdução do tema

sobre os Poliedros, o professor José elaborou um plano (anexo 3) e, não sendo

uma excepção, usa para tal um modelo disponível no programa de Matemática da

9ª classe (anexo 5).

Conteúdo e estrutura do plano

No topo do plano, canto esquerdo, o professor José menciona a sua escola;

indica a disciplina, a duração da aula (45 minutos), a classe (9ª classe), a data (25

de Novembro de 2008), a unidade didáctica (Geometria no Espaço) e também a

descrição dos objectivos da aula. Tal como refere no plano, os alunos devem ter

conhecimentos sobre os poliedros e devem ser capazes de definir, identificar e

classificar os poliedros.

O plano realça quatro fases principais: (1) a fase de garantia do nível

inicial dos alunos (GNI), em que o professor procura explorar o nível de partida

dos alunos, em termos de pré-requisitos básicos que devem possuir para a

aprendizagem do novo conteúdo. Esta parte da aula decorre durante os primeiros

quatro minutos; (2) na fase seguinte, durante três minutos o professor procura

motivar os alunos para o estudo dos poliedros e orienta-os aos objectivos; (3)

depois segue-se a parte da aula em que o professor faz a transmissão do novo

conteúdo (TNC) durante trinta e cinco minutos; (4) finalmente, durante os últimos

três minutos da aula, o professor deixa um TPC.

Ainda no plano, aparecem descritas as actividades do professor e as dos

alunos, o método de abordagem (elaboração conjunta) e os meios ou recursos

(quadro, giz, régua e esquadro).

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Para além desta parte da aula, o professor José inclui uma aula de 45

minutos em que os alunos vão resolver exercícios, como forma de consolidar a

matéria tratada.

Estratégia a usar na sala de aula

Na fase de garantia do nível inicial, pede aos alunos para identificarem os

sólidos geométricos que conhecem. Na motivação e orientação para os objectivos,

pergunta aos alunos quem sabe dizer o nome do sólido geométrico com a forma

de uma barra de sabão. Nestas fases da aula, numa elaboração conjunta, o

professor vai fazendo as perguntas e os alunos procuram dar as respectivas

respostas. Daí, o professor passa o sumário: Poliedros. Depois passa-se para a

transmissão do novo conteúdo. Aqui o professor desenha uma pirâmide como

exemplo de um poliedro e, com base em perguntas, orienta os alunos aos

principais elementos do poliedro (face, aresta e vértice) e define-os. Os alunos

passam a figura nos cadernos, tentam identificar os elementos do poliedro e

passam apontamentos. Ainda nesta fase da aula, fazem a classificação dos

poliedros (côncavos e convexos), desenham os respectivos exemplos e introduzem

a relação de Euler e nos últimos três minutos o professor dá o T.P.C. Para

responder em casa, pede-se aos alunos para indicarem os poliedros convexos que

conhecem.

A resolução da ficha de exercícios é da responsabilidade dos alunos, em

pequenos grupos (dois ou três alunos).

Tarefas propostas para a aula

Para a primeira parte da aula, o professor não apresenta tarefas específicas,

para além das perguntas que vai fazendo aos alunos e de um exemplo que

apresenta, sobre a aplicação da relação de Euler. Contudo, para a parte seguinte,

este professor, preparou quatro tarefas.

Três das quatro tarefas, referem-se à aplicação da relação de Euler. Na

quarta tarefa, o professor pede aos alunos para distinguirem poliedros convexos de

côncavos, dando alguns exemplos.

As três tarefas, sobre a aplicação da relação de Euler, apresentadas pelo

professor José, não sofreram nenhuma adaptação, ou seja, foram extraídas e

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apresentadas tal como aparecem no manual do aluno. A última tarefa foi da

autoria do professor e tem como objectivo levar os alunos a reverem a definição

de poliedros convexos e côncavos e a pensarem em mais exemplos.

Aparentemente, o professor concede bastante tempo aos alunos para

resolverem as tarefas propostas. A ser assim, espera-se que o professor seja capaz

de improvisar alguma actividade para completar o tempo.

Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria

O professor José aponta para a falta de recursos ou materiais didácticos

para a preparação e leccionação das aulas, como sendo a principal dificuldade que

tem sentido no âmbito do ensino da Geometria. Segundo este professor, a

dificuldade em adquirir materiais, como manuais e instrumentos de desenho para

as aulas de Geometria, verificam-se também nos alunos. O manual do aluno existe

mas são poucos os alunos que o têm, talvez porque “não têm dinheiro para o

comprar ou talvez porque não se preocupam com isso” (JE1). Para o professor

José, já que os professores usam o mesmo manual (o do aluno) e porque os alunos

sabem disso, não se preocupam em usá-lo nas aulas: “Os alunos sabem que o

professor vai elaborar os apontamentos e vai dar os mesmos exercícios que estão

no manual, por isso ficam descansados” (JE1).

Para além da questão de recursos, o professor José também refere a sua

dificuldade com certos conteúdos de Geometria. Ele acha que tem feito muito

esforço para compreender alguns assuntos da Geometria, nomeadamente,

procurando esclarecer-se com alguns colegas.

Alguns temas também precisam de muita atenção. Se você não procura saber, por exemplo quando se fala de volume de esfera ou quando se fala de projecções, nas relações métricas no triângulo,…. Tem sido difícil, pelo menos por aquilo que eu tenho percebido. Escapo-me, às vezes, com alguns colegas que me têm ajudado. (JE1)

O professor José associa esta dificuldade a certas lacunas na sua formação

inicial:

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Há muita matéria que a gente lecciona nas classes em que está a trabalhar, que o próprio professor, na altura não aprendeu mas acaba encarando o novo assunto naquela altura,…e tem que perceber para dar a aula! (JE1)

Mas o professor José também reconhece que na formação não é fácil

ensinar-se tudo o que o professor terá que ensinar ao longo da sua carreira e acha

que, para minimizar as dificuldades, é preciso abrir-se para pedir ou aceitar a

ajuda dos colegas. Tal como refere: “…se a pessoa não gosta de se abrir e de

consultar aos outros, acaba deixando de lado, ou seja, acaba não leccionando

aquilo que lhe dificulta (JE1).

Assim como muitos outros professores, o professor José tem sentido a

dificuldade em cumprir com o programa de Matemática. Para tal, segundo ele,

para além de os programas terem excesso de conteúdos ou o tempo previsto para a

leccionação de certos assuntos não ser suficiente, existem outros motivos

concorrentes:

Às vezes, tem sido por causa de algumas interrupções em que se fica um tempo sem dar aulas ou porque pode calhar com um professor que está doente ou porque a escola perdeu um professor por morte…ou por causa de alguns programas não previstos, que podem ser do governo ou da escola… (JE2)

Este professor acha, também, que não se tem dado oportunidades aos

professores para decidirem sobre que conteúdos são adequados ou não para

determinadas classes. E, para terminar, segundo o professor José devia dar-se

oportunidade aos professores de participar na revisão dos programas porque são

os mais sensíveis a todas as dificuldades vividas no processo de ensino e

aprendizagem.

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Capítulo VII

O CASO DO PROFESSOR BERNARDO

Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e

profissional

O professor Bernardo fez os níveis primário e secundário e a sua formação

profissional, na cidade da Beira. Terminou o nível secundário (10ª classe) em

1993 e depois ingressou para o Instituto Médio Pedagógico da Beira, em 1994.

Fez o curso de formação de professores com a duração de três anos e, segundo ele,

“…foi tão bom, visto que não reprovei em nenhum ano” (BE1).

É professor de Matemática e Biologia, na escola secundária de Dondo,

desde que terminou o curso de formação de professores. Fez o estágio pedagógico

em 1996, trabalha no Dondo há 11 anos e já leccionou as disciplinas de Português,

Matemática e Biologia. Ele conta um pouco mais:

…quando eu trabalhava na escola Eduardo Mondlane, cá no Dondo, dava Biologia. Quando entrei na Escola Secundária, comecei por ensinar Português por falta de vaga na Matemática e depois ensinei a Biologia e só depois é que peguei a Matemática. Por exemplo, há três anos atrás dei Biologia à 10ª classe mas tenho relação mais íntima com a Matemática, ou seja, gosto mais de ensinar a Matemática. (BE1)

A escola Eduardo Mondlane é uma escola cita na cidade de Dondo,

lecciona até a 7ª classe e também é pública. O professor Bernardo acabou sendo

professor de Matemática e Biologia porque acha que:

…a Matemática é universal e é diferente das Letras, para ter que memorizar as coisas. Achei que tinha mais inclinação pelas Ciências do que pelas Letras. Por exemplo, para conhecer a História do mundo é um problema a sério, assim como para a

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Geografia. Enquanto isso, para Matemática 3+3 em Moçambique é igual a mesma coisa em qualquer outro país do mundo. O que se muda é apenas a linguagem. Por coincidência, na altura quando entrei para o Instituto Médio Pedagógico não escolhi o curso, mas porque foi do meu gosto, não optei por trocar. Lá fiz o curso de Matemática e Biologia. (BE1)

O professor Bernardo já esteve a frequentar o curso de ensino da Física, na

Universidade Pedagógica, no ano de 2007. Entrou para o curso de Física, não

como sua primeira opção. Ele gostava de ter entrado para a Matemática mas

porque o seu ingresso foi feito por concurso documental, pela Direcção Provincial

de Educação de Sofala, foi seleccionado para o Curso de Ensino de Física. Assim,

começou a frequentar o referido curso, esperando que a curto prazo mudasse para

o Curso de Ensino de Matemática. Uma vez que a Universidade Pedagógica

encontra-se 30 quilómetros distante da cidade de Dondo, o professor Bernardo

começou a enfrentar certas dificuldades e viu-se obrigado a anular a matrícula.

Tornava-lhe difícil assistir as aulas no pós-laboral e depois voltar para casa, no

Dondo. Contudo, ele tenciona voltar a estudar e tal como afirma:

De princípio seria para este ano de 2009 mas ainda tenho que criar condições de habitação porque prefiro continuar no pós-laboral para me facilitar o trabalho. Por causa de dificuldades de transporte, acho muito arriscado sair da Beira para Dondo às zero horas. Foi por isso que desisti e assim quero ver se arranjo uma pequena dependência [casa] na Beira. Fico cá de dia e à noite estou lá a estudar. Se eu tiver essas condições, prefiro mesmo este 2009 entrar mas para fazer [o curso de ensino de] Matemática. (BE3)

O professor Bernardo afirma que cresceu muito na carreira docente porque

aprendeu muito com os mais experientes, ganhou o hábito de trabalhar com os

colegas e sente-se muito à vontade quando está a dar aulas. Ele considera-se um

professor exigente para com os alunos, mas o suficiente, ou seja, sem exagero.

Exige que os alunos se mantenham em silêncio quando têm que prestar atenção ao

que estiver a explicar, exige que eles apresentem todos trabalhos feitos no tempo

determinado, etc. mas, os alunos, às vezes, não gostam. Mesmo assim, os alunos

já estão habituados a ele, já sabem o que ele gosta e o que não gosta e, assim,

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conseguem proporcionar um ambiente em que, embora, às vezes, um pouco

agitado e barulhento ainda permite trabalhar. Este professor acha que um

professor não exigente é, por isso, algumas vezes, considerado um bom professor

pelos alunos e, “…esta é uma ideia errada porque quando o professor exige tem

um certo objectivo!” (BE3). Ele afirma que quando o professor exige é para ver se

os alunos se dedicam e compreendem alguma coisa.

Para desempenhar as suas funções de docência, este professor acha que

são necessários dois atributos importantes: o conhecimento matemático e o

didáctico. Para ele, o conhecimento matemático é “uma chave sem a qual o

professor não é capaz de aceder ao campo onde se desenrola o processo de ensino

e aprendizagem [da Matemática]” (BE3). Segundo este professor, o resto de

condições que se possa exigir do professor deve acontecer depois deste estar

dotado do conhecimento matemático: “A seguir ao conhecimento matemático está

a capacidade de transmissão destes! Esta é a segunda chave…” (BE3).

Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática

Para o professor Bernardo a Matemática é muito importante na formação

do aluno. Este professor também tem a noção da importância da Matemática ao

serviço de outras disciplinas, bem como na vida diária das pessoas:

…se formos a ver, duma forma não pessimista, não há nenhuma disciplina que está a trabalhar sem a Matemática. É a História, que quer saber de séculos, datas históricas, coisas assim…. Mesmo na disciplina de Português, quer contar parágrafos, na Biologia também usam gráficos, calculam percentagens, etc., e mesmo o próprio aluno em casa usa a Matemática, os seus avós ao vender tabaco, rapé, usam a Matemática para saber os trocos, por mais que não a usem cientificamente. Se o aluno domina a Matemática, na escola, facilmente pode perceber as outras disciplinas porque todas as disciplinas utilizam a Matemática. (BE1)

Mas, em contrapartida, o professor Bernardo acha que os alunos encaram a

Matemática como sendo uma disciplina muito complicada, facto que tem

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influenciado negativamente a qualidade de ensino e aprendizagem desta disciplina.

Portanto, ele explica-se dizendo que:

…eles encaram ou têm a consciência de que a Matemática é algo um pouco complicado. Porquê? Porque a Matemática só vive de propriedades e regras. Então, as propriedades, como são tantas, é diferente de Física, é diferente de Química… uma pessoa pode dominar a tabela periódica, por exemplo, no caso de Química e sentir que já conhece a Química. Já conhece os alogénios, conhece os metais, ametais e por aí fora. É diferente de Matemática porque o aluno tem que lidar com as propriedades e regras, deve considerar isso tudo e como ele vem com a concepção de que a Matemática é complicada, acaba sendo mesmo difícil.

Neste contexto, o professor Bernardo procura salientar o facto de que o

aluno precisa de ser encorajado a conviver com propriedades ou teoremas

matemáticos. Como as regras e as propriedades são “coisas” abstractas e porque

são a principal base da Matemática, esta acaba assumindo um carácter abstracto,

facto que, segundo o professor Bernardo, requer que se mostre ao aluno que esta

disciplina é muito importante e com muita aplicação na vida. Para este professor,

não é difícil memorizar as propriedades matemáticas. Basta ter um contacto

permanente com estas propriedades ao aplicá-las na resolução de problemas, ou

seja, é necessário exercitar muitas vezes a resolução de problemas procurando,

sempre que necessário, trabalhar em colaboração com os outros:

Mas se o aluno percebesse que a Matemática requer um trabalho constante, muita exercitação e apresentação de dificuldades durante a aprendizagem dos conteúdos, poderia entender que a final de contas a Matemática não é tão complicada assim! Porque cada capítulo tem suas propriedades e suas regras. Enquanto o aluno continuar a não aproximar-se do colega que entende melhor ou do professor da disciplina para esclarecimento das suas dúvidas, continuará a dizer que a Matemática é um bicho de sete cabeças, como têm dito. (BE1)

O professor Bernardo gosta de ajudar os alunos e é da opinião de que os

professores deviam respeitar as dificuldades dos alunos, não se importando se esta

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é pertinente ou não. Aliás, para este professor qualquer dificuldade do aluno é

importante para a aula. Tal como afirma:

O professor deve compartilhar as dificuldades dos alunos, transformar a dificuldade do aluno numa brincadeira cuja solução parte de um consenso. É que o aluno pode apresentar uma dificuldade que pode parecer mesquinha, ou assim desinteressante ou mesmo parecer fora do contexto, sem saber que é fruto da sua percepção….O professor deve ter muita paciência e motivação para fazer entender que qualquer dificuldade pode ser comum. O professor tem que entender que a dificuldade do aluno nunca é pequena e nunca é grande. É bom sempre tentar discutir com eles até chegarem a um consenso. (BE3)

Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Geometria

O professor Bernardo considera que a Geometria, de forma geral, é

bastante útil na escola e também na vida do aluno. Para ele, os alunos precisam de

ter muitas noções ou muitos conhecimentos da Geometria para o seu quotidiano:

Tendo os alunos estas noções todas, terão de as relacionar com a vida prática,… por exemplo, por causa das construções. O aluno pode pensar, por exemplo, se temos uma casa de área da base x e altura y que chega a ser superior em relação a altura normal de uma casa com essa área da base, essa casa não vai resistir muito. Isso porquê? Porque o que suporta uma casa é a base! A base é que suporta o peso da casa. Então, antes de construirmos temos que reflectir sobre estes aspectos, a relação entre a base, a altura e o próprio material usado para a construção. Assim o aluno começa a compreender a importância da Geometria e começa a relacionar certos processos e transformações. Aqui é preciso também relacionar com a Física mas a Geometria está muito mais ligada à vida prática. Muita coisa requer o conhecimento da Geometria. Por exemplo, se vais fazer uma porta e aro. Se não tens uma boa Geometria não vais fazer coincidir porque precisa de relacionar ângulos, por isso é preciso um bom domínio e pressupostos sobre os ângulos. Na semelhança de triângulos os alunos precisam de um bom domínio de ângulos e dos critérios de semelhança. Em resumo, se o aluno consegue

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relacionar o que vê na sua vida prática com o que lhe é ensinado na Geometria, na escola, nota facilmente a importância desta. (BE1)

O professor Bernardo sugere que se mostre ao aluno a relação entre o lado

utilitário e o formativo da Geometria para que possam compreender a sua

importância. Por exemplo, na construção de casas, mesmo por indivíduos não

escolarizados, os construtores, usando princípios matemáticos rotineiros

conseguem lidar com ângulos, medidas, relações etc. Portanto, o aluno aprende a

fazer as mesmas coisas usando métodos seguros, cada vez menos manuais e com

consciência teórica, ou seja, conhecendo a teoria subjacente a sua prática.

No entanto, o professor Bernardo considera, ainda, que os alunos encaram

a Geometria como algo muito difícil de aprender, “…principalmente quando têm

que relacionar partes de figuras ou de sólidos, quando têm que fazer certas

demonstrações de teoremas, corolários, etc…” (BE1).

Para este professor, devia dar-se mais tempo de leccionação para os temas

mais complexos, como por exemplo, para a Geometria. A continuar assim, a

situação com relação a Geometria, ele acha que os alunos sairão em desvantagem.

Diz isso porque a tendência do professor será de condensar cada vez mais os

conteúdos, de forma a cumprir com o programa e, nisso, “…alguns alunos

atrasados [os que são lentos em apreender os conteúdos] ficarão sem apanhar o

essencial” (BE3).

O professor Bernardo é de opinião que os que fazem os programas de

Matemática, provavelmente não devem estar a levar em consideração o quão

importante é a Geometria na formação do aluno. Ele sugeria, por exemplo, que:

…a Geometria do modo que é vasta devia ser tratada em três fases, uma em cada classe. Porquê? Porque devia fazer-se uma análise profunda sobre que pressupostos os alunos deviam ter para aprender uma determinada parte da Geometria. Que se falasse de ângulos de forma exaustiva, que se falasse de sólidos geométricos ou figuras geométricas de forma mais completa. (BE1)

Para este professor, seria melhor que os conteúdos de Geometria fossem

distribuídos de forma equitativa nas três classes (8ª, 9ª e 10ª classe) para permitir

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que o professor tivesse tempo suficiente para tratá-los. Deste modo, os alunos

teriam a oportunidade de estudar a Geometria ao longo destas classes, sem muita

pressão e o professor teria tempo suficiente para examinar com cuidado o que os

alunos já sabem para aprenderem a matéria actual.

O professor Bernardo também faz uma observação à sequência dos

conteúdos de Geometria no Novo Programa da 9ª classe, questionando porque

motivo não se fez a ligação dos quadriláteros e triângulos aos poliedros. Aqui, a

questão do fundo é que neste Novo Programa os conteúdos relativos a Estatística

aparecem entre dois temas de Geometria. Assim, considera que:

…pela lógica ficava muito bem se houvesse essa interligação com os prismas, pirâmides….isso é para não intercalar uma questão que não tem nada a ver com outra! (BE1)

Na Geometria, o professor gosta mais de ensinar sobre os quadriláteros,

triângulos, círculos e circunferências, cubos, esferas, cilindros, paralelepípedos,

pirâmides e prismas. O professor Bernardo gosta de definir conceitos e dá mais

importância aos conceitos geométricos mais familiares aos alunos. Por exemplo,

nas figuras planas, ele prefere falar de quadrados, rectângulos e triângulos porque

acha que são as mais comuns no nosso dia-a-dia e sobre os sólidos prefere falar de

cilindros, esferas, prismas, cones e pirâmides porque muitas coisas na vida são de

forma cilíndrica, esférica, de forma tetraédrica, etc. Para além destes conteúdos

também gosta de tratar da parte da axiomática da Geometria Espacial e considera

que é bastante importante para desenvolver a capacidade de visualização e de

raciocínio espacial dos alunos. Tal como refere:

…Indo mais além, podemos analisar a questão de exercícios em

que os alunos têm que ver com ou sem nenhum objecto concreto,

a posição relativa da face da base de um cubo e a recta que fura,

na posição obliqua, a sua face de cima. Essa ginástica mental faz

com que o aluno cresça na maneira de raciocinar…. Isso tem a

ver com as posições relativas no plano ou no espaço. (BE2)

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O professor Bernardo tem explicado aos seus alunos, por exemplo, como

se pode obter um sólido de revolução a partir das figuras planas:

Podemos explicar ao aluno que o sólido de revolução é obtido à partir das figuras básicas que ele conhece. Por exemplo, quando fazemos a rotação de um rectângulo em torno de um eixo fixo, obtemos um cilindro. Da mesma maneira, fazendo a rotação de um triângulo rectangular em torno de um eixo (fazendo coincidir um dos catetos com o eixo), podemos obter um cone, etc. (BE1)

Quanto às demonstrações, este professor acha que são úteis tanto para os

alunos, bem como para os professores, na medida em que “…exigem muito

raciocínio lógico…” (BE1). Ele argumenta que as demonstrações suscitam

discussões, argumentações e até ideias contrárias, no seio dos alunos. Contudo, os

alunos dificilmente conseguem lidar com tarefas envolvendo demonstrações.

Para facilitar a compreensão, este professor acha que, para além da

vantagem do uso de modelos concretos, é necessário incutir nos alunos a

importância da Matemática para as suas vidas:

…muitas vezes eu recorro a exemplos práticos da vida porque quando pensamos na motivação, o aluno quer saber porque aprender isso e qual é a vantagem. Assim, quando se opta por exemplos práticos da vida o aluno começa a relacionar a vida científica e o quotidiano. (BE1)

Contudo, este professor reconhece que nem sempre é possível relacionar

todos os conteúdos de Matemática ou da Geometria com questões reais do

quotidiano.

O professor gerindo o currículo

Planificação da prática lectiva

O professor Bernardo denota uma forte ligação aos colegas, tanto em

trabalhos de planificação geral (dosificação e planificação quinzenal), como em

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planificação de aulas. Por mais que esteja a fazer a planificação de aula em que

não precise do apoio dos colegas, sente-se muito bem quando a faz na presença

destes. Talvez isso se deva ao facto de ser delegado de disciplina. No ano de 2008,

o professor Bernardo foi delegado de 9ª classe e de disciplina de Matemática da 9ª

classe. Começou a exercer funções de delegado de disciplina no segundo trimestre,

substituindo um colega que deixou de leccionar a 9ª classe.

Este professor tem assistido as aulas de alguns dos seus colegas, na

qualidade de delegado de disciplina e também como delegado de classe. Ou seja,

para além de assistir a aulas de Matemática, tem assistido também a aulas de

outras disciplinas da 9ª classe.

Como delegado de classe, este professor coordenava as actividades de

docência ao nível da 9ª classe. Cabia-lhe a missão de reunir os delegados de

disciplina, pelo menos uma vez por trimestre, para discutirem sobre o seu trabalho.

O professor Bernardo verificava se os professores participavam nas planificações

quinzenais, consultando as pastas de cada disciplina ou conversando com os

delegados de disciplinas.

Este professor, em coordenação com os delegados de disciplinas,

preparava um calendário de assistências às aulas, onde os professores se assistiam

uns aos outros.

Nas planificações quinzenais, o professor Bernardo coordenava os grupos

de disciplina: “Dependendo da classe, os dias de planificação são diferentes”

(BEcel), por isso, não era tão difícil lidar com todos. Para além disso, “não preciso

de estar sempre nas salas de planificações…” (BEcel). Mas quando se trata de

planificação do grupo de Matemática, não falta, dependendo dele, porque acha

que aprende muito sobre a disciplina.

Quando vai a uma sessão de planificação, o professor Bernardo gosta de

conversar com os colegas sobre o comportamento dos alunos, os conteúdos em

que teve dificuldades e a maneira como ultrapassá-las:

Para falarmos sobre os problemas e sucessos das nossas aulas, não precisamos esperar pelo dia de planificação. Quase sempre estou com os colegas de Matemática, tanto nos dias de aulas, como em muitos fim-de-semana. (BEcel)

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No grupo de disciplina, privilegiam mais o trabalho em grupo do que o

individual: “…até posso dizer que o grupo de Matemática, na escola secundária

do Dondo, é o que mais interage. Pode perguntar a qualquer um,… há-de ouvir

que os professores de Matemática são os mais unidos” (BE3). Esse ambiente no

grupo favorece que esclareçam dúvidas e discutam dificuldades com os colegas

sem qualquer receio: “…Somos muito abertos” (BE3).

No grupo, os professores também discutem questões que dizem respeito ao

programa. Segundo o professor Bernardo, eles têm discutido sobre a cronologia e

as sequências:

Por exemplo, temos discutido se começamos por dar funções antes das equações quadráticas ou o contrário? E se o tempo previsto no programa é, de facto, suficiente ou não para abordar um certo conteúdo. (BE2)

Para além da dosificação e dos planos quinzenais, que têm sido feitos em

grupos, o professor Bernardo tem-se dedicado também à elaboração de planos de

aula. Segundo este professor, para uma aula ser bem sucedida, o plano de aula é

muito importante e explica-se nos seguintes termos:

O plano de aula é muito importante porque serve de um guião e, também, de material de consulta para certificar algumas transmissões. O plano ajuda a sequenciar a própria transmissão do conteúdo. Aí apresenta-se cada fase: por exemplo, a primeira que chamamos de garantia do nível inicial, que serve para preparar o aluno para aquilo que se vai dar e também fazer uma retrospectiva daquilo que já se deu. Daí, vai-se na motivação onde se cria pressupostos para o aluno entender o que se pretende transmitir. Daí, vamos na transmissão dos conteúdos, onde vamos ver que métodos usar, porque os métodos podem variar de acordo com as condições concretas, dependendo também da capacidade de assimilação dos alunos. (BE2)

Para este professor, quando um professor vai dar aula sem plano, corre

certos riscos: primeiro, aponta para o facto de que a falta de plano de aula perturba

a concentração do professor e, depois, foca a questão de uniformidade nos

apontamentos que o professor vai dando pelas diferentes turmas:

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Ponto um, é que a concentração não vai ser total. Dois, se você tem que dar um apontamento, não tem um documento escrito e tem três ou quatro turmas, não vai conseguir dar o mesmo apontamento! Há-de haver algumas alterações e é difícil controlar no dia seguinte o que se tratou. É como aquele caso em que alguém deu uma aula, dia seguinte volta e diz rectifiquem aqui ou ali….isso acontece porque a pessoa não tinha plano! (BE2)

Na elaboração do plano de aula, o professor Bernardo tem usado como

material básico o programa, o manual do aluno, os planos quinzenais e a

dosificação. Estabelece uma certa relação entre o manual e o programa, onde a

dosificação e o plano quinzenal também ajudam na elaboração do plano de aula.

Segundo este professor:

O programa não foca tudo o que vem no manual e com base na dosificação, o professor vai ao manual procurar o que lhe interessa. Se o professor for a usar só o manual, não é capaz de saber os limites! Ele não vai saber em quantas aulas deve tratar o tema tal e não será capaz de definir os objectivos daquela aula. Como conclusão, o correcto é usar o programa, o manual, o plano quinzenal e a dosificação porque as avaliações, por exemplo, não aparecem no manual e nem no programa. O professor tem que ver isso na dosificação. Os que usam somente o manual acabam dando coisas a mais e muitas vezes não cumprem com o programa. (BE2)

O professor Bernardo considera que uma aula de Geometria é bem

sucedida quando nela são usados materiais concretos, sem os quais tudo é

abstracto. Tratando-se de uma realidade, a falta de materiais concretos para as

aulas de Geometria, o professor prepara as suas aulas procurando sempre que

possível garantir que os alunos percebam os conteúdos, “…mesmo com base em

exemplos ou modelos abstractos” (BE1).

No que diz respeito aos conteúdos leccionados na 9ª classe, o professor

Bernardo não tem nenhuma objecção. Ele é de opinião que estes são adequados

para este nível, embora os alunos, às vezes, façam transparecer o contrário: “É que

o aluno de hoje é muito preguiçoso…” (BE2).

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No manual escolar, a linguagem e a sequência dos conteúdos, segundo este

professor, são adequados mas as figuras ou os desenhos, às vezes, não são muito

bem compreensíveis: “Afinal, os desenhos têm que transmitir a verdadeira ideia!

Quando se pretende mostrar planos paralelos, o desenho tem que estar feito de

modo a mostrar uma imagem clara de planos paralelos…” (BE1).

Contudo, para preparar as suas aulas, como já foi referido, o professor

Bernardo usa o manual do aluno como a sua principal base mas deixa um alerta:

…o manual ajuda só que é preciso ter muita concentração ao usá-lo porque apresenta certos erros. As vezes as soluções de exercícios aparecem trocadas ou os dados de um exercício estão trocados. Para certas demonstrações, por exemplo, algumas letras que aparecem na figura não aparecem na própria demonstração. Portanto, nisso tudo é preciso ter muito cuidado ao trabalhar com o manual porque se o professor não estiver atento poderá transportar erros e incuti-los nos alunos. (BE1)

O ambiente de trabalho, na escola, é normal, tal como considera o

professor Bernardo. Contudo, ele deixa uma observação ao facto de a escola ser já

antiga:

Já sabe, uma escola quando é antiga ajuda num lado e noutro também prejudica, nem? Ajuda porque está lá muita gente de experiência e por outro lado é prejudicial porque não renovam os meios didácticos. (BE3)

Para este professor, as escolas recém-construídas têm tido a vantagem de

receber muito material didáctico nos primeiros anos de funcionamento mas, com o

passar dos anos, estas vantagens vão diminuindo. Na medida em que o tempo

passa, as condições de trabalho vão se deteriorando e pouco ou nada se faz para

contrariar.

Faz também uma observação sobre o ambiente na sala de aula. Este

professor acha que na sala o ambiente é um pouco desastroso, ou seja, é um pouco

agitado e, explica-se:

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É um pouco desastroso porque é aquela coisa que eu disse, nem? O professor tem que dominar a turma, manter o silêncio quase absoluto e dominar a turma. Momento de aula é de aula, momento de piada é de piada, momento de diversão é de diversão. Então, com o número de alunos que temos tido nas turmas, se você não consegue dominar a turma, com alunos agitados e indisciplinados é chato. Você pode manter um silêncio mas se na sala ao lado estiver um professor que não tenha nada a ver com o silêncio, você está lixado! (BE3)

Tal como se referiu anteriormente, o professor Bernardo gosta de trabalhar

com os seus colegas, não só nas planificações quinzenais mas, também, nas

planificações de aulas. Ele acha que o professor tem que estar disponível para

aprender dos outros e também para ensinar aos outros. Para este professor, os

encontros que os professores têm tido para planificar são boas oportunidades para

conversarem sobre vários aspectos relativos ao processo de ensino de Matemática.

Tal como afirma:

O professor precisa de se mostrar curioso para saber como os colegas conseguem, muito bem, transmitir um certo conteúdo matemático! Isso pode ser possível nas planificações quinzenais com os colegas ou mesmo combinando com um dos colegas para assistir a sua aula…”. (BE3)

Metodologias de trabalho para a sala de aula

Ao planificar as suas aulas, o professor Bernardo leva sempre em

consideração que os alunos devem ter apontamentos e uma quantidade suficiente

de tarefas para consolidarem a matéria.

Quanto à gestão de aula, este professor diz que “…isso depende do

ambiente de trabalho” (BE3). O ambiente de trabalho inclui, de entre muitas

outras coisas, os materiais que o professor vai usar nas suas aulas. Para além

destes aspectos, o tempo, o tema e os objectivos propostos no programa,

determinam a forma como ele gere as aulas.

Quando vai introduzir uma aula procura assegurar que os alunos tenham os

pré-requisitos necessários para compreenderem aquilo que se vai ensinar. Por

exemplo:

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…quando estou para falar de poliedros, tenho que verificar se os alunos sabem o que é face, o que é aresta e o que é um vértice porque são elementos fundamentais de uma figura. Ele conhecendo os elementos da figura pode facilmente, se for pedido, determinar qualquer um dos elementos em falta. Mesmo não conhecendo a fórmula ele pode usar uma fórmula por sua iniciativa própria e obter um resultado certo! Para o caso dos poliedros existe, por exemplo, uma fórmula que é constante e que nos permite determinar os seus elementos. Trata-se daquela fórmula que relaciona vértices, arrestas e faces, que diz V + F – A = 2. Com esta fórmula os alunos podem determinar aquilo que está em falta, ou os vértices ou as arrestas ou as faces. (BE1)

O professor Bernardo assume um certo optimismo em relação a

possibilidade dos alunos descobrirem seus próprios caminhos para resolverem

problemas na aula. Parece, com isso, estar a apelar ao uso de tarefas de exploração

em que se sintam livres de conjecturar, de descobrir propriedades ou mesmo

fórmulas. Isso acontece, principalmente, nas aulas em que os alunos passam os 45

minutos resolvendo tarefas. Por vezes até, quando se tratar de uma aula dupla,

ficam 90 minutos a resolver exercícios. Para este professor, as aulas de resolução

de tarefas merecem maior peso no tempo do que as de exposição da nova matéria.

Por exemplo, tal como refere, se o tema não for complicado para os alunos, pode-

se, em 45 minutos, fazer a introdução e a consolidação, para na aula seguinte os

alunos dedicarem-se à resolução de exercícios. Nas aulas de resolução de

exercícios os alunos assumem um papel activo, trocam ideias entre si, fazem

perguntas ao professor e apresentam as suas resoluções no quadro. Quando se

trata deste tipo de aulas, normalmente, o professor Bernardo, tem posto os alunos

a trabalhar em grupos e às vezes procura incentivá-los a trabalhar afincadamente,

atribuindo-lhes notas pelos trabalhos que vão fazendo:

A aula tem sido assim em comum mas tem havido certas actividades que têm requerido a formação de grupos, assim pequenos grupos de 4 ou 5 alunos dependendo do número de alunos por turma. Às vezes distribui-se tarefas diferentes por cada grupo e pode dar-se um estímulo aos alunos, atribuindo notas pelos pequenos trabalhos que vão fazendo. (BE1)

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Preparação de tarefas para a sala de aula

Quanto ao tipo de tarefas para as suas aulas, o professor Bernardo

privilegia mais as de cálculos, em que os alunos são pedidos para determinar

comprimentos de lados de figuras, áreas e volumes, procurando, na medida do

possível, enfatizar a ligação da Geometria com situações da vida real. Ele gosta de

tarefas de cálculo “…porque aqui é muito mais para o aluno aplicar fórmulas”.

Para este professor, este tipo de tarefas é relativamente mais fácil porque embora

possam levar algum tempo, basta o aluno saber a fórmula que tem que usar,

saberá o caminho a percorrer, ou seja, saberá o que fazer.

Este professor não prefere tarefas envolvendo demonstrações porque os

alunos têm muitas dificuldades neste assunto. Mesmo quando ele faz

demonstração de um teorema, acha que os alunos não o conseguem acompanhar e,

“…facilmente, eles podem ficar desfocados da aula” (BE1).

Para o professor Bernardo, a principal fonte para a extracção de tarefas

para as suas aulas, é o manual escolar. Para complementar, também tem usado

fichas de exercícios dos anos passados (elaboradas por ele ou pelos seus colegas)

e também, escolhe tarefas dos exames anteriores, no caso de classe de exame (por

exemplo, a 10ª classe).

Se tiver que escolher tarefas das fichas disponíveis no manual do aluno, o

professor Bernardo observa certos critérios, nomeadamente, tem tido em conta o

grau de complexidade e o facto de serem semelhantes ou não:

Como são muitos exercícios, temos que ver aqueles que são parecidos, os que são simples e os que são complexos. O aluno tem que ver diferentes caminhos de resolução dos exercícios. Do grupo de exercícios parecidos escolhe-se alguns (simples e outros, complexos). (BE2)

Recursos e materiais

Para o professor Bernardo, para além dos materiais básicos, que o ajudam

a planificar as aulas como os manuais, os planos, as planificações quinzenais, a

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aula de Geometria, particularmente, requer o uso de certos materiais, tais como

alguns modelos físicos de sólidos geométricos e materiais para desenhar figuras,

diagramas, etc. Estes materiais são muito importantes, por isso, lamenta o facto de

que os modelos físicos ou não existem ou, se existe algum, é arcaico e os outros

materiais (para desenhar) existem em quantidades ínfimas. Uma das razões que

este professor aponta para esta situação é a falta de conservação:

Acho que estes materiais são importantes na medida em que quando dou a aula consigo mostrar ao aluno que quando se fala do objecto tal, refere-se a isto no concreto. Isso ajuda muito ao aluno na compreensão das matérias. Mas quanto a isso temos dificuldades sérias, como já havia feito referência. Há o problema de conservação dos materiais. É que quando existem não levam muito tempo ao serviço do professor. (BE1)

O professor explica porquê os materiais de Geometria não levam muito

tempo ao serviço dos professores:

…como fazem na UP, cada curso no seu departamento, então aí se houvesse a possibilidade de pelos menos as ciências e as letras terem um sector de apoio ou uma sala onde a secção de letras pusesse lá os mapas, etc., para geografia, e também de outro lado, houvesse a possibilidade de um local para a conservação do material da parte das disciplinas de ciências. Mas na falta disso o material é conservado na secção pedagógica e, esta, fica distante da sala dos professores e muitos depois não têm a paciência de o levar de volta e, por isso, a possibilidade de conservação é muito menor. (BE3)

O professor Bernardo acha que tendo os modelos concretos escusaria de

fazer os desenhos (de cilindros, esferas, cubos, etc.) no quadro que, por sinal,

levam algum tempo e exigem muita habilidade por parte do professor. A

existência destes materiais “…poderia facilitar muito porque ao em vez de o

professor desenhar no quadro podia simplesmente mostrar ao aluno o objecto no

concreto…” (BE1).

Segundo este professor:

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O professor podia até tentar construir algum material só que isso acarreta alguns custos. E mesmo assim o material feito pelo professor é de curta duração. Devia ser a própria escola a contratar uma carpintaria para fabricar esse material para ser mais confiável. (BE1)

O plano de aula de Geometria Espacial

Com base num modelo patente no programa intermédio da 9ª classe

(anexo 5), o professor Bernardo elaborou um plano de aula (anexo 4) de

introdução aos poliedros.

Conteúdo e estrutura do plano

No plano, o professor Bernardo apresenta a distribuição dos tempos por

cada função didáctica: para a garantia do nível inicial (G.N.I), cinco minutos; para

a motivação e orientação aos objectivos, cinco minutos; para a transmissão do

novo conteúdo (T.C.N), setenta e cinco minutos e, finalmente, disponibiliza cinco

minutos para a consolidação e indicar o trabalho para casa (T.P.C). Como se pode

ver, trata-se de um plano de um aula dupla, ou seja, de noventa minutos.

Ainda neste plano, o professor descreve os conteúdos a serem

desenvolvidos, os objectivos, as acções do professor e as dos alunos, os métodos

que vai usar para a abordagem dos conteúdos e os meios didácticos a usar na aula.

É de salientar que a introdução do tema Poliedros, por este professor, é feita na

mesma aula em que termina o tema sobre Trigonometria. Por isso, na parte inicial

da aula faz-se a correcção de trabalho de casa relacionado com o uso de tabelas

trigonométricas e a seguir o professor esclarece possíveis dúvidas sobre a

determinação de razões trigonométricas de ângulos dados. Ainda nesta fase, o

professor começa a orientar os alunos para a noção de poliedros, com base em

questionamentos. Daí, começa a transmissão do novo conteúdo, escrevendo o

sumário: Correcção do T.P.C e Estudo dos Sólidos Geométricos e, de seguida, faz

o desenvolvimento do tema. Dá a definição de poliedros e distingue os regulares

dos irregulares, os convexos dos côncavos, dá os elementos de um poliedro, dá

alguns exemplos de poliedros e suas definições.

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Para além disso, também introduz a noção de prisma e dá alguns exemplos

e apresenta a relação de Euler (V+F-A = 2). Na G.N.I., os métodos privilegiados

são o interrogativo e o de trabalho independente; na motivação e orientação para

os objectivos, usa-se o método expositivo e o de elaboração conjunta. Quanto aos

meios didácticos a ser usados nesta aula, destacam-se o quadro, giz, régua e tabela

trigonométrica. E, para o T.P.C., deixa-se uma questão: Defina Pirâmide.

No topo esquerdo do plano, aparece a identificação da sua escola; a

disciplina e a indicação de que se trata de um plano de aula para uma unidade

didáctica. Ainda no topo do plano, na zona central, aparece a data; a indicação das

turmas e também é mencionada a classe e o nome do professor.

Para esta aula, são definidos dois objectivos: os alunos devem saber

consultar a tabela trigonométrica e devem reconhecer os seus erros, conhecer os

poliedros, sólidos geométricos e de revolução.

Pelos vistos, os objectivos definidos para esta aula foram demais

ambiciosos ou gerais. Olhando para os limites do plano, o professor não chega a

abordar os sólidos de revolução. Aliás, o sumário que o professor propõe, sugere

menos conteúdos do que os seus objectivos.

Estratégia a usar na sala de aula

Na primeira parte da aula, o professor orienta a correcção do T.P.C.

Verifica o que os alunos fizeram e indica alguns para apresentarem as suas

soluções no quadro. A seguir, o professor esclarece dúvidas e faz perguntas

relacionadas com o tema: sólidos geométricos.

Para o desenvolvimento deste assunto, o professor Bernardo explica sobre

a estratégia que vai usar, em função dos objectivos da aula:

Tratando-se de sólidos geométricos, a principal questão é que o professor tem que saber fazer com que os alunos consigam distinguir os sólidos geométricos das figuras geométricas. O professor pode apresentar várias figuras, pode ser com material concreto ou não (no quadro) e procurar saber dos alunos qual a diferença de uma figura da outra. Descobrindo as diferenças, eles poderão dizer qual é que se trata de sólido e qual é que se trata de figura geométrica. Os alunos vão começar a identificar

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os elementos dos sólidos (comprimento, largura, altura, vértice, hapótema, etc), em coordenação com o professor. (BE2)

Nesta descrição feita pelo professor sobre a estratégia para abordar esta

aula, está implícito o método de elaboração conjunta, procurando incentivar a

descoberta de características ou propriedades dos Poliedros por parte dos alunos.

Tarefas propostas para a aula

Quanto ao tipo de tarefas para esta aula, o professor Bernardo baseou-se

no manual do aluno para apontar alguns exercícios (dos que aparecem na ficha 8).

Não tendo muitas alternativas, o professor Bernardo acabou indicando os

exercícios 6 e 7, associados à relação de Euler (V+F-A = 2) e o exercício 8 que

leva à aplicação do teorema de Pitágoras (ver a ficha nº 8 de exercícios no anexo

6).

Neste caso, o professor não apresenta as tarefas no plano e não preparou

uma ficha para os alunos. Já que tem levado consigo o manual do aluno às aulas,

optou por ditar directamente do manual aos alunos.

Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria

O professor Bernardo acha que nos programas a distribuição do tempo

pelos conteúdos não tem tido em consideração a situação real vivida pelo

professor no terreno. Assim, afirma, para justificar a dificuldade que, às vezes,

enfrenta para, dentro do período de um ano lectivo, leccionar todos os conteúdos

previstos no programa:

Um conteúdo que é programado para duas aulas pode não ser possível, na realidade, ser tratado em duas aulas! Outra coisa é que tem havido certos imprevistos, como reuniões, visitas e, às vezes, etc. (BE2)

Com todos os imprevistos, o professor Bernardo tem sido obrigado a

redobrar esforços e trabalhar em tempos extras para o bem dos alunos, mesmo que

a escola não lhe pague por este tempo. Tal como refere:

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…muitas das vezes, para classes com exames, temos sido obrigados a leccionar ao fim de semana para recuperar. Mas a escola não paga estas horas…e a gente faz isso por boa fé. (BE2)

Uma vez que o tempo não tem sido suficiente para abordar todos os

conteúdos programados, o professor Bernardo diz que tem sido obrigado a

imprimir uma certa velocidade na leccionação das aulas. Contudo, ele reconhece

que isso pode prejudicar alguns alunos, por exemplo os que não conseguem

acompanhar a sua velocidade. Mas porque cumprir com o programa é um dos

objectivos do professor Bernardo e tem sido exigido pela direcção da escola,

sente-se sem alternativas.

Para além da dificuldade de cumprir com o programa, sem o recurso à

pressa na leccionação das aulas, o professor Bernardo também se refere à carência

de recursos didácticos para as aulas de Geometria: instrumentos para desenho e

modelos de sólidos geométricos.

O professor Bernardo acha que as demonstrações na Geometria são

difíceis de ensinar aos alunos, porque estes não têm correspondido a qualquer

esforço do professor.

Finalmente, o professor Bernardo considera que a sua escola não tem sido

aberta a propostas de excursões e visitas de estudo. Este professor sugere que

levando os alunos a visitar algumas empresas ou instituições cujas actividades

tenham a ver com a aplicação de conhecimentos geométricos, seria bom:

…seria uma grande ajuda para nós professores que transmitimos os conteúdos e para os alunos seria bom porque estariam mais uma vez a testemunhar a importância da Geometria nas suas vidas. Podíamos, por exemplo, visitar uma pastelaria onde fazem bolos com diferentes formas e tentar entender que Geometria está associada a isso. Mas esta questão nunca foi tomada a peito e o impasse é, sempre, a falta de dinheiro! (BE1)

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112

Capítulo VIII

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES

Neste capítulo apresenta-se a discussão dos resultados bem como as

principais conclusões da investigação. Tal como foi referido anteriormente, este

estudo tem como objectivo compreender a situação do ensino da Geometria, no

Ensino Secundário Geral em Moçambique, em particular da Geometria Espacial

na 9ª classe, e as práticas de gestão curricular do professor que lhe estão

associadas. Mais especificamente, pretende-se compreender as dificuldades que os

professores enfrentam na leccionação do tema e a origem das mesmas. Para tal, o

investigador procurou estudar quais as perspectivas dos professores acerca da

Geometria e do seu ensino, como se caracteriza o papel do professor na gestão do

currículo de Matemática, em geral, e da Geometria, em particular e que

dificuldades enfrentam os professores no ensino da Geometria, bem como a

origem destas. Neste contexto, a discussão dos resultados e as conclusões são

orientadas para a resposta às questões de estudo. No entanto, inicia-se este

capítulo com uma secção em que se faz a apresentação dos casos constituídos no

estudo, realçando as suas motivações para serem professores de Matemática e a

história dos seus percursos académico e profissional. Inclui-se, também, nesta

primeira parte algumas ideias dos participantes nesta investigação sobre a

importância do conhecimento matemático e didáctico para um professor de

Matemática, uma vez que são elementos que contribuem para discutir os

resultados obtidos.

Motivação para ser professor de Matemática e percursos académico e

profissional

Os três professores participantes deste estudo ostentam características

semelhantes, no que concerne à sua formação profissional. Ambos foram

formados, profissionalmente, num Instituto Médio Pedagógico e, por coincidência,

no mesmo período (de 1994 à 1996). Os três professores começaram a trabalhar

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em 1997, em distritos diferentes. O professor José começou a trabalhar no distrito

de Nhamatanda, o professor Bernardo, no distrito (cidade) de Dondo e o professor

Manuel no distrito (cidade) da Beira. Os professores Bernardo e José

frequentaram o ensino geral até a 10ª classe, enquanto que o professor Manuel

frequentou um curso de formação de professores (6ª + 3) que lhe conferiu o nível

de 9ª classe e, depois, fez a 10ª classe. O professor José teve a sua formação

académica em dois distritos diferentes, Gorongosa e Buzi (num ambiente rural),

enquanto que os outros dois, os professores Manuel e Bernardo, tiveram a

formação académica na cidade da Beira (num ambiente urbano). Estes professores,

escolheram o curso de Matemática e Biologia porque gostam destas disciplinas. O

facto de um ter tido a formação académica em distrito rural e os outros terem tido

em cidades não determinou na escolha do curso de Matemática e Biologia, nem

no seu tempo de curso, pois ambos entraram em 1994 e terminaram em 1996.

Os professores participantes deste estudo reconhecem a importância do

conhecimento matemático para o professor de Matemática. O conhecimento

matemático influencia para o professor de Matemática ser considerado um bom

profissional, diz o professor Manuel. O professor José acha que um professor sem

conhecimentos matemáticos não devia ir para a escola, porque não tem nada para

ensinar. Enquanto que o professor Bernardo considera que o conhecimento

matemático é “uma chave sem a qual o professor não é capaz de aceder ao campo

onde se desenrola o processo de ensino e aprendizagem”. Portanto, nota-se aqui

uma clara intenção dos três professores dizerem a mesma coisa mas de maneiras

diferentes: o conhecimento matemático constitui um atributo crítico dos

professores de Matemática (Ponte & Chapman, 2006).

Contudo, apesar de um professor ter conhecimentos matemáticos

profundos não é uma garantia de que este seja um bom professor (Ponte &

Chapman, 2008). Para o professor ensinar, precisa determinar o procedimento

didáctico adequado, conhecer as características essenciais do tópico, compreender

e ter noção dos pressupostos básicos necessários para abordá-lo (Huillet, 2008).

Os participantes deste estudo também reconhecem a importância do conhecimento

didáctico para o professor de Matemática. Para o professor Bernardo, o professor

de Matemática, para além de estar dotado de conhecimentos matemáticos, precisa

ter habilidades para transmitir esse conhecimento aos alunos, de modo que estes

os apreendam com facilidade.

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Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Matemática e da Geometria

Neste estudo verifica-se que os professores têm noção da importância da

Matemática, em geral, e da Geometria, em particular, na vida e na formação do

aluno. Isso é concordante com a sugestão de Claudi Alsina, segundo a qual, a

Geometria no ensino da Matemática devia ser uma Geometria útil para todos

(Veloso et al., 1999). Os professores Manuel e José dizem que a Matemática tem

a função de apoiar o aluno nas suas capacidades de raciocinar. Eles acham que o

ensino da Matemática permite o desenvolvimento da capacidade de raciocinar dos

alunos em Matemática, permitindo também a transferência destas faculdades para

operar em outras áreas do conhecimento. O professor Manuel, por exemplo,

refere-se à ligação e aplicação da Geometria em outras disciplinas. Segundo este

professor, os alunos que mais tarde vão estudar Arquitectura, dentre muitos outros

conhecimentos, precisam também conhecer a Geometria. O professor Manuel,

também faz alusão à aplicação do teorema de Pitágoras na resolução de problemas

dentro e fora da disciplina de Matemática. Tal como explica, no tema sobre a

resolução de triângulos, o teorema de Pitágoras é fundamental. Mas também,

segundo este professor, os alunos podem aplicar este teorema para calcular a

altura de uma casa (real). Enquanto isso, para o professor Bernardo, o domínio da

Matemática facilita a compreensão das outras disciplinas, principalmente as das

Ciências Naturais e Exactas. No caso particular de Geometria, o professor

Bernardo reconhece a sua importância para a vida do aluno, tanto na escola como

na sua vida fora.

Em suma, na perspectiva dos três professores o ensino da Geometria deve

ser efectivado tendo em conta o seu papel dentro da disciplina de Matemática e

também tendo em consideração a sua relação com a realidade exterior à

Matemática (Veloso, 1999). O mesmo princípio é também defendido por Labord

(citada em Galuzzi et. al., 1998) quando afirma que o objectivo do ensino é

possibilitar ao aluno ser capaz de transferir a mesma ferramenta matemática de

um contexto para outro.

Embora atribuam grande importância à Matemática e, em particular, à

Geometria na formação dos alunos, os três professores acham que o seu ensino

tem vindo a assumir um lugar cada vez mais reduzido nas práticas dos professores.

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115

Eles assumem esta perspectiva devido a certos motivos, um dos quais é o

desinteresse e a falta de motivação para a disciplina, mostrado por muitos alunos.

Para além disso, apontam para certos problemas no currículo de Geometria: o

currículo prescrito traz consigo alguns inconvenientes, que fazem com que o

implementado pelos professores, tenha também certos problemas. Os professores

Bernardo e Manuel fazem uma crítica à opção tomada, no novo programa da 9ª

classe, nomeadamente em relação à sequência dos conteúdos. Por exemplo, os

conteúdos de Geometria aparecem entre os de Estatística, ficando, deste modo, os

temas de Geometria no plano separados dos da Geometria no Espaço, facto que os

dois professores consideram inadequado. Um outro problema do currículo é a

vastidão e congestionamento dos conteúdos de Geometria na mesma classe. Este

facto, tal como observava Brian Griffths, ao descrever o currículo britânico,

assume que uma vez ensinada, a Geometria, numa determinada classe, nunca

precisa de ser mencionada mais e deste modo quebra-se a sua interligação com

outras áreas da Matemática ou das ciências (Galuzzi et al., 1998). Seria bom que

se descongestionassem os conteúdos fazendo-se, como sugerem os professores

José e Bernardo, uma distribuição equilibrada ao longo das classes. Isso permitiria

que os alunos tivessem mais tempo de contacto com um tema muito importante da

Matemática (a Geometria), ao longo da sua escolaridade (Veloso, 1999).

Quanto ao futuro da Geometria Espacial, os três professores mostram-se

apreensivos mas de maneiras diferentes. Avaliando por aquilo que se vive

actualmente, o professor Manuel acha que a Geometria vai ser esquecida. Já que

no programa é o último assunto a ser tratado, por falta de tempo, os professores

vão deixando de o leccionar e a acontecer por vários anos, acabará por ficar no

esquecimento, mesmo que figure no programa. Assim, também o afirma o

professor José, que considera que a Geometria Espacial deixará de ser leccionada.

Para o professor Bernardo, nem por isso! A Geometria continuará a ser leccionada

mas cada vez mais de forma superficial. Uma vez que uma das grandes

realizações deste professor, para além de garantir que os alunos compreendam as

matérias, é cumprir com o programa. E nesta batalha de cumprir com o programa,

o professor Bernardo acha que os alunos, principalmente os mais fracos, são os

mais propensos a ficar em desvantagem por causa da velocidade que o professor é

levado a imprimir.

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Tal como notaram Pérez e Guillén (2007), num estudo que fizeram sobre

crenças e concepções de professores do ensino secundário em relação à Geometria,

os três professores que participaram nesta investigação também afirmam que

gostam da Matemática e da Geometria. Contudo, existem conteúdos específicos

da Geometria que afirmaram gostar mais ou gostar menos ou, mesmo, não gostar.

Por exemplo, o professor José não gosta de tratar de tarefas que envolvam o

cálculo da área da esfera porque acha que é complicado para os alunos. Este

professor gosta de ensinar sobre a axiomática da Geometria Espacial e sobre o

cálculo de áreas e de volumes dos restantes sólidos geométricos. Tal como os

outros dois professores, o professor José pouco aborda tarefas sobre

demonstrações porque os alunos não se mostram interessados. O professor

Manuel gosta mais de tratar de semelhança de triângulos, relações métricas no

triângulo e sobre a circunferência. O professor Bernardo gosta de ensinar sobre os

quadriláteros, triângulos, círculos e circunferências, e sobre o cálculo de áreas e de

volumes de sólidos geométricos. De uma maneira geral, a prática dos professores

em Geometria tem-se centrado, principalmente, sobre o estudo de quadriláteros, a

semelhança de triângulos, a aplicação do teorema de Pitágoras e sobre o cálculo

de áreas e de volumes de sólidos geométricos.

Portanto, estes professores privilegiam mais exercícios de cálculos e,

quase nunca, exercícios em que os alunos devem fazer construções e fazer

conjecturas sobre relações entre elementos de figuras. Esta postura leva a que o

ensino da Geometria se reduza, quase em exclusivo, à aplicação de fórmulas,

sendo-lhe atribuído, principalmente, um carácter algébrico (Pérez & Guillén,

2007).

O papel do professor na gestão do currículo de Matemática

Cabe-me aqui estabelecer os posicionamentos dos três professores, com

relação aos diversos aspectos curriculares (os que mereceram destaque),

procurando na medida do possível, estabelecer as devidas distinções entre eles. Os

principais aspectos a considerar nesta secção dizem respeito à dinâmica do

trabalho dos professores na planificação da prática lectiva no âmbito do tema da

Geometria, as metodologias de trabalho para a sala de aula, tendo em

consideração o tipo de materiais e recursos disponíveis para tal.

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117

A gestão do currículo no colectivo: do currículo apresentado ao

moldado

Habitualmente, os professores têm encontros quinzenais para fazerem a

planificação dos conteúdos para cada duas semanas lectivas. Mas antes, no

princípio de cada trimestre, eles elaboram uma planificação (dosificação) dos

conteúdos para cada três meses lectivos. Para além destas duas planificações, os

professores também fazem planos de cada aula que vão dar e, estes devem ser

levados para a aula, obrigatoriamente, sob pena de serem repreendidos ou mesmo

serem sujeitos a um processo disciplinar pelos inspectores distritais ou provinciais

da educação. Mas isso não se tem revelado preocupante por parte dos professores

porque, ainda que não fosse obrigatório, para eles o plano de aula é indispensável.

Contudo, os três professores deste estudo assumem este trabalho de formas

ligeiramente diferentes. Embora os três professores participem nas planificações

quinzenais e nas dosificações, com os colegas, os professores Manuel e José, ao

nível de planificação das aulas, preferem trabalhar individualmente do que com os

colegas. Pelo contrário, o professor Bernardo gosta e tem trabalhado com os

colegas mesmo na planificação das aulas. Este facto, já pode marcar muita

diferença na qualidade dos próprios planos e, havendo uma consistência entre a

preparação e a leccionação, também pode marcar diferenças na qualidade das

aulas. Claramente, uma partilha de ideias na forma como os professores

tencionam abordar os conteúdos nas aulas, pode revelar-se de extrema

importância e favorecer um aprofundamento dos conhecimentos matemáticos e

didácticos por parte destes (Newborn, 2003).

Os três professores encaram o ambiente ou a sua relação com os colegas e

com as direcções das suas escolas, com um certo entusiasmo, embora o professor

Manuel reclame uma certa intransigência por parte do delegado de disciplina

quanto ao cumprimento do programa em detrimento daquilo que ele acha ideal:

fazer com que os alunos compreendam as matérias. O professor Bernardo, por sua

vez, sente que o facto de a sua escola ser antiga e com professores muito

experientes, é uma mais valia para os professores mais novos na carreira, desde

que estes (os últimos) mostrem interesse de aprender com os outros. Nos

encontros de planificação do grupo de disciplina, os professores procuram discutir

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questões relativas a adequação dos conteúdos para os alunos, as sequências dos

conteúdos e também, se cada um conseguiu cumprir com o que estava planificado

para as duas semanas lectivas. Mas, não tendo muita margem de manobra para

exercerem a sua autonomia, mesmo que os professores notem, por exemplo, que

um certo conteúdo é demasiado difícil para o nível de desenvolvimento dos alunos,

segundo o professor José, nada podem fazer. O professor Manuel, por sua vez,

afirma que, quanto muito, os professores podem fazer uma alteração das

sequências e nunca, deliberadamente, cortar conteúdos!

Uma outra ocasião de trabalho cooperativo surge quando os professores

tomam a iniciativa de se assistirem, nas aulas, uns aos outros para o

aperfeiçoamento de formas de abordar certos conteúdos. Tal como o professor

Manuel afirma, essas assistências têm um papel importante para ele porque depois

de, com o colega assistido ou que assistiu, discutirem sobre certos aspectos da

aula, só se sente a ganhar. Contudo, este professor considera que as assistências

têm suas desvantagens quando os alunos ficam retraídos, prejudicando-os na

compreensão dos conteúdos. Mas, seja como for, é preciso assumir que as

assistências também têm uma função reguladora do trabalho do professor, daí que

sejam importantes. O professor Bernardo, no âmbito dos planos da escola, tem

assistido a aulas de seus colegas da disciplina de Matemática (como delegado de

disciplina) e de colegas de outras disciplinas (como delegado de classe). Em

ambos os casos de assistências, no fim da aula, os professores discutem sobre o

comportamento e envolvimento dos alunos, o cumprimento com o que estava

planificado, as dificuldades que o professor sentiu, etc.

A gestão do currículo pelo professor: do currículo apresentado ao

moldado

Os principais materiais curriculares que são apresentados a estes

professores são os programas de ensino, que são elaborados por especialistas do

Ministério da Educação. Para além do programa de Matemática, um outro

material fundamental na preparação das aulas destes professores, é o manual

escolar. Este manual, na verdade, é destinado aos alunos mas não havendo outra

alternativa, os professores acabam por usá-lo como se para eles tivesse sido

concebido.

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O professor e o programa de Matemática

Como já se fez referência anteriormente, o programa de Matemática é um

dos principais instrumentos que os professores usam para planificarem as suas

aulas. Os três professores abordados neste estudo trabalham presos ao programa

(Stein et al., 2007). Isto deve ser fruto de uma certa cultura de trabalho no seio do

grupo de disciplina, na tentativa de satisfazer os seus superiores hierárquicos.

Contudo, devido a vários factores exercendo influências no trabalho individual

dos professores, no fim do ano lectivo, cada um fica posicionado da sua maneira.

Isto é, uns abrangem todos os conteúdos do programa e outros não. Por exemplo,

o professor Bernardo conseguiu abordar o tema sobre Geometria no Espaço, ainda

que de forma incompleta, mas os professores José e Manuel não conseguiram

leccionar este conteúdo.

Portanto, avaliando pelo grau de dependência dos três professores ao

programa, ou seja, pelo facto de estarem presos ao programa, posso afirmar que

eles tendem a trabalhar quase ao nível de participação de imitação-manutenção

(Gimeno, 2000), uma vez que procuram reproduzir e pôr em prática todas as

orientações emanadas nos documentos prescritivos. Neste caso concreto, do

programa, os professores procuram seguir taxativamente as orientações

metodologias e também tratar todos os conteúdos propostos. Mas, por razões

intrínsecas a este nível de participação, nenhum dos três professores conseguiu

concretizar este propósito. Aliás, tal como refere Gimeno (2000), é praticamente

impossível conseguir-se, na íntegra, este nível de participação. Pode considerar-se,

também, que os três professores deste estudo trabalham ao nível da mediação e da

criação, ao dosificarem os conteúdos, transformando o documento inicial (o

programa) num novo documento (a dosificação) e ao optarem por novas

sequências dos conteúdos.

Um dos resultados da reformulação dos programas de Matemática é a

separação da parte da Axiomática da Geometria Espacial e a de Cálculo de áreas e

de volumes de sólidos geométricos. A primeira parte já não consta em nenhum

dos novos programas da 8ª classe à 10ª classe e os professores afirmam que

passou para a 8ª classe. Os professores deste estudo consideram esta parte da

Geometria, bastante importante para desenvolver o raciocínio espacial. A parte de

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cálculo de áreas e volumes de sólidos geométricos é mais indicada para

desenvolver habilidades de cálculo, segundo o professor Bernardo. Este professor

argumenta que, para resolverem algumas das tarefas da parte da axiomática, os

alunos são levados a operações mentais com objectos que podem ser físicos ou

mentais. Portanto, isso pode favorecer as capacidades de visualização e de

raciocínio espacial nos alunos.

O professor e o manual escolar

A dependência dos professores com o programa nota-se também com o

manual escolar. De forma unânime, os três professores afirmaram que dependem

muito do manual escolar para a preparação e leccionação das suas aulas. Isto não é

surpreendente, uma vez que dois terços de professores de Matemática, a nível

internacional, usam o manual escolar como um dos principais meios didácticos

(Reddy, 2006). No entanto, os professores deste estudo sentem-se mais

autónomos no uso do manual do que no uso do programa. Isto é, sentem-se mais

comprometidos com a direcção da escola a cumprir com o programa do que a

orientarem-se pelo manual escolar. Na verdade, o manual escolar que aqui me

refiro, foi concebido para os alunos, daí que é simplesmente descritivo e não tem

orientações metodológicas. Portanto, os professores usam o manual do aluno de

forma articulada com o programa, buscando neste (no programa) as sugestões

metodológicas para a abordagem dos conteúdos.

Embora os três professores encarem este manual quase sob a mesma

perspectiva (como uma fonte de onde buscam os conteúdos), o professor José vai

mais longe. Este professor acha que o manual do aluno é também uma fonte de

aprendizagens para ele mesmo. Segundo ele, o facto do manual apresentar tarefas

resolvidas, ajuda-o a perspectivar diferentes caminhos para a resolução de

diferentes outras tarefas, para além de que também o ajuda a se recordar de certos

conteúdos que já se tinha esquecido.

Os três professores olham para o manual com uma certa apreensão devido

a certos erros, nomeadamente, científicos, que nele aparecem. Mas por já fazer

parte da sua rotina, não têm sentido muitos problemas em relação a isso.

A autonomia exercida pelos professores ao nível do currículo moldado ao

usar o manual exprime-se, principalmente, na selecção de tarefas, no planeamento

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dos métodos para a abordagem dos conteúdos e, na mudança, quando se justifique,

da linguagem, tendo em conta o tipo de alunos que têm pela frente (Ponte, 2005;

Stein et al., 2007; Remillard, 2005).

A gestão do currículo pelos professores: as estratégias de ensino

A preparação do trabalho dos professores, deste estudo, para a sala de aula

começa pela elaboração do plano de aula, que inclui os apontamentos para os

alunos, as tarefas, os métodos a usar para a transmissão dos conteúdos e termina

com a leccionação. A determinação das estratégias de ensino depende do tipo de

aula – se é de introdução de um novo conteúdo ou se é de consolidação da matéria.

Os métodos predominantes nas aulas destes professores, são o de exposição e o de

elaboração conjunta. O professor Bernardo usa mais o método de exposição

quando se trata de aulas de introdução de um certo tema, em que os alunos

assumem um papel menos activo, escutam e passam apontamentos. Enquanto isso,

os professores Manuel e José preferem mais o método de elaboração conjunta,

não importando se se trata de uma aula de introdução ou não. A exposição dos

conteúdos pode acontecer em qualquer instante da aula. Portanto, estes

professores usam uma combinação do método de elaboração conjunta (de

descoberta guiada) com o método expositivo ( Ponte, 2005).

Para introduzir um novo conteúdo, o professor José prefere que, na medida

do possível, seja nas aulas duplas (de 90 minutos) para permitir que os alunos

tenham tempo suficiente para digerir e consolidar a matéria. Para o professor

Bernardo, se o tema não for complicado para os alunos, dá para fazer a introdução

e consolidação, mesmo em 45 minutos. O professor Manuel acha que o

importante é que a introdução seja bem feita porque o sucesso dos alunos na

resolução das tarefas depende de como se faz a introdução. Portanto, o tempo, o

tipo de alunos (se aprendem facilmente ou não) e o tipo de conteúdos, são

apontados como os principais factores que influenciam a gestão das aulas destes

professores.

Dependendo do tipo de aula, os três professores defendem que é vantajoso

trabalhar com os alunos em pequenos grupos para promover ambientes de

discussão entre eles. Isso acontece mais nas aulas inteiramente dedicadas à

resolução de tarefas.

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A gestão do currículo pelos professores: as tarefas a propor

Para a selecção de tarefas para os alunos, os professores usam alguns

critérios, uma vez que o manual, para certos temas, tem apresentado muitas. Por

exemplo, habitualmente, começam das tarefas mais simples para as mais

complexas, diversificando-as ou tendo em conta se são ou não parecidas

(professores Manuel e Bernardo) ou, de acordo com os objectivos da aula

(professor José).

Os três professores optam mais por tarefas envolvendo cálculos (de

comprimentos, áreas, volumes, etc.), abdicando de trabalhar com tarefas

envolvendo demonstrações. Para estes professores, as demonstrações são difíceis

de tratar, principalmente, porque os alunos têm tido muitas dificuldades neste

assunto. Os exercícios de cálculo são mais fáceis porque, segundo o professor

Bernardo, o aluno só precisa de aplicar as fórmulas. Apesar disso, os professores

José e Manuel são de opinião de que as tarefas de demonstração são melhores

para desenvolver o raciocínio geométrico dos alunos. O professor José vai mais

além, dizendo que é importante fazer-se a demonstração de como aparecem certas

fórmulas para o aluno entender e usar essas fórmulas com segurança. A

demonstração referida pelo professor José aponta mais no sentido de dedução de

fórmula. De facto, na escola secundária é frequente o uso de fórmulas que são

apresentadas sem explicação.

Analisando as tarefas propostas no manual, para a parte da Geometria

Espacial e com base nas categorias estabelecidas por Ponte (2005), estão presentes

apenas dois tipos: exercícios e problemas. As tarefas propostas no manual são

todas fechadas, variando nos seus graus de desafio. Portanto, tendo em

consideração que os professores têm como principal fonte de tarefas o manual, é

pouco provável que usem outros tipos tarefas.

O professor e o plano de aula: uma concretização

Quando solicitados, os três professores, elaboraram um plano de aula de

introdução aos Poliedros, que corresponde à aula de introdução à Geometria

Espacial e notou-se que todos seguem um modelo de plano de aula disponível no

programa de Matemática, tendo feito, cada um, pequenas adaptações na sua

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estrutura. Para estes professores, o plano de aula é muito importante porque se

trata de um documento orientador da aula. Sem o plano, os participantes

consideram que o professor corre o risco: de perder a concentração na aula e ter

dificuldades de uniformizar os apontamentos pelas diferentes turmas (professor

Bernardo); de se desviar dos assuntos e não conseguir controlar o tempo

(professor José); e de perder a sequência lógica dos conteúdos e improvisar

(professor Manuel). Segundo Remillard (2005), na arena de design o professor

selecciona e constrói tarefas para os seus alunos mas na área de implementação

existe sempre uma margem para a adaptação das tarefas e também para o

improviso, dependendo das necessidades emergentes. Sendo assim, é normal que

o professor improvise ou que os apontamentos dados aos alunos de turmas

diferentes tenham algumas diferenças. O facto de os professores estarem muito

presos aos seus planos, de certa forma, pode reduzir o seu grau de liberdade na

sala e, consequentemente, ser redutor do ambiente natural da sala de aula e do

envolvimento dos alunos, dando-se lugar a uma aula fechada. Deste modo, não

haverá, por exemplo, tolerância para o esclarecimento das dúvidas dos alunos,

para a resolução de tarefas não planificadas e que se mostrem mais adequadas às

necessidades dos alunos, etc.

Embora tenham usado o mesmo modelo de plano de aula, com a

disponibilidade do mesmo manual e programa, e para o mesmo pedido os

professores revelam diversidade em certos aspectos relativos à estrutura e

conteúdos dos seus planos. Os professores José e Bernardo elaboraram um plano

para uma aula dupla, ou seja, uma aula de 90 minutos. O professor Manuel

elaborou um plano de aula de 45 minutos. Todos privilegiam o método de

elaboração conjunta, sendo que o professor José considera também o método que

chamou por “trabalho independente” que os alunos usam quando resolvem tarefas

sozinhos, na sala de aula ou em casa. O professor Bernardo usa, para além da

elaboração conjunta, o método interrogativo (o professor faz perguntas orientadas

para determinadas respostas e o aluno responde) e o método expositivo. Tal como

referiram, as suas opções metodológicas estão dependentes do tempo disponível,

do tema a abordar e também do tipo de alunos que têm pela frente. Quanto ao tipo

de tarefas, notou-se que os três professores trabalharam de formas diferentes. O

professor Manuel, por exemplo, elaborou três tarefas da sua autoria porque para a

parte introdutória, segundo o seu plano, o manual não tinha tarefas propostas. Os

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professores José e Bernardo, basearam-se no manual porque nas suas aulas de

introdução incluíram a aplicação da relação de Euler (V+F - A = 2), tendo sido

feita a consolidação, em torno desta relação, durante uma pequena parte da aula.

Outra diferença entre estes professores, nota-se na quantidade de

conteúdos que incluem nos seus planos, em função do tempo. O professor Manuel

introduz os poliedros e termina com a sua classificação (em côncavos e convexos).

O professor José introduz e termina na relação de Euler (depois da classificação

dos poliedros). O professor Bernardo vai até a introdução de pirâmides (depois da

classificação dos poliedros). É de salientar que o plano de aula do professor

Bernardo foi implementado na sala de aula! Os outros dois professores não

concretizaram os seus planos na sala. Como se pode constatar, para um mesmo

espaço de tempo, o professor Bernardo apresenta um maior número de conteúdos

do que o professor José. Isso pode ser um dos factores explicativos para no fim do

ano lectivo, alguns professores abordarem todo o programa e outros, não. Mas há

também que pensar-se na profundidade com que os conteúdos são tratados e se

são alcançados os objectivos de aprendizagem pretendidos!

Com base nos vários aspectos descritos, anteriormente, sobre o

envolvimento dos três professores na gestão e desenvolvimento do currículo de

Matemática, e com base em Gimeno (2000), pode resumir-se a informação no

seguinte: todos fazem a gestão do currículo, planificando colectiva e

individualmente, sendo predominante o currículo moldado pelos professores e

também o apresentado (o programa e o manual escolar), com níveis de

protagonismo curricular ligeiramente diferentes. O de imitação – manutenção

nota-se nos três professores, na medida em que tentam reproduzir o modelo de

plano e as sugestões metodológicas patentes no programa. Ao introduzirem

algumas adaptações no modelo de plano, nas sugestões metodológicas e ao

criarem tarefas da sua autoria (no caso de uma das tarefas do professor José e as

três do professor Manuel), assumem-se como estando a participar na gestão

currículo aos níveis de criação e mediação. O principal factor que levou estes

professores a assumir os níveis de protagonismo de criação e de mediação na

produção de tarefas, foi a limitação do manual escolar no tipo de tarefas propostas

para, no caso concreto, o tópico de Geometria Espacial, na parte introdutória e a

necessidade de adaptar o modelo de plano proposto (no programa) à sua realidade

de trabalho.

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Dificuldades e constrangimentos no ensino da Geometria

Os professores participantes nesta investigação apontaram para

dificuldades relacionadas com a falta de recursos ou materiais didácticos,

dificuldades na leccionação de certos conteúdos e dificuldades decorrentes da sua

relação com o currículo ou com os materiais curriculares.

Os três professores ressentem-se da insuficiência de tempo para cumprir

com o programa de Matemática e para discutirem assuntos relacionados com as

suas práticas. Para tal, os professores evocam certos motivos: o excesso de

conteúdos no programa e alguns imprevistos por parte dos professores ou da

escola.

Os professores deste estudo nunca tiveram a oportunidade de participar na

reformulação dos programas. Eles acham que se tivessem esta oportunidade,

contribuiriam para uma melhor distribuição do tempo pelos conteúdos e para

equilibrar a quantidade destes pelas várias classes do ensino secundário ou

propondo a eliminação de certos conteúdos, minimizando-se, assim, o problema

de incumprimento dos programas. Estes professores mostram-se, pois, algo

apreensivos em relação ao programa, no que diz respeito ao tema da Geometria.

Reclamam a inadequação das sequências e o facto de os conteúdos contemplados

serem bastante vastos. Aliás, não é por serem muitos os conteúdos que se

desenvolve a capacidade matemática, nos alunos! Tal como sugeria, um gestor da

educação em Moçambique, não é preciso leccionar muitos conteúdos mas é

necessário abordar os conteúdos adequados e necessários que sejam importantes

para os alunos (Matavele, 2002).

Quanto aos conteúdos, os três professores acham que as demonstrações

são as mais difíceis de tratar com os alunos. Isso deve-se, segundo os professores,

à falta de motivação por parte dos alunos com relação a este assunto. Para além

das demonstrações, o professor José aponta o cálculo do volume da esfera, como

sendo difícel para abordar com os alunos.

Uma outra questão que constitui dificuldade para os professores é o

excesso de alunos nas turmas. De facto, nas escolas moçambicanas, os professores

confrontam-se com esta realidade que acho que vai levar mais alguns anos para se

inverter, tendo em conta que o país ainda se ressente dos efeitos destruidores da

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126

guerra civil que terminou há quase 16 anos. Os professores, actualmente, têm

trabalhado com turmas de, em média, 70 alunos!

Quanto aos recursos ou materiais didácticos, uma das preocupações dos

professores prende-se com a falta de manuais que os apoiem na preparação das

suas aulas. O único manual disponível na escola é o que foi concebido para o

aluno. Mesmo o aluno dificilmente tem este manual porque, nos níveis da 8ª à 12ª

classe, a compra dos manuais é da responsabilidade dos próprios alunos. Tal como

afirmam os professores, o manual escolar do aluno, embora às vezes apresente

alguns erros científicos, ajuda-os bastante. O manual do aluno constitui, para estes

professores, a fonte principal para extracção de exercícios para as aulas.

Para além da questão dos manuais, os professores acham que deviam ter

instrumentos para desenhar (réguas, esquadros, compassos, transferidores). Tanto

a escola secundária de Dondo, como a escola secundária da Manga, não dispõem

destes instrumentos, em quantidades suficientes. A aula de Geometria, de facto,

exige que o professor, em alguns momentos, faça desenhos, diagramas, figuras,

etc., para ilustrações. Mas havendo insuficiência dos materiais de desenho, os

professores acabam fazendo os desenhos à mão livre, facto que faz com que

muitas vezes os desenhos apareçam destorcidos, podendo dificultar a

compreensão daquilo que se pretende ensinar. Para além disso, os instrumentos de

desenho poderiam ajudar na conceptualização de alguns conceitos matemáticos e

auxiliar os alunos nas construções que eles próprios têm de fazer.

Todavia, os professores acreditam que a falta de materiais pode ser

ultrapassada, dependendo da boa vontade da direcção da escola ou da iniciativa

dos próprios professores. A escola podia criar uma oficina pedagógica que

pudesse produzir os materiais de desenho e alguns modelos físicos (cilindros,

cubos, esferas, prismas e pirâmides) para serem usados nas aulas de Geometria,

sugeria o professor José. Mas, tal como os professores afirmam, a falta de tempo e

de recursos financeiros são um impasse para concretizarem a iniciativa de eles

próprios produzirem os seus materiais (por exemplo, alguns modelos de sólidos

geométricos). O professor está, cada vez mais, preocupado em ter um pouco mais

de dinheiro para sobreviver ao alto custo de vida, passando, deste modo, a maior

parte do dia a trabalhar, por vezes, em mais de uma escola e, voltando a casa à

noite, muito fatigado, tendo por isso pouca disponibilidade para se envolver em

novas iniciativas na escola.

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Finalmente, coloca-se a questão associada ao apoio ou acompanhamento

didáctico aos professores, principalmente, na preparação destes para a leccionação

dos conteúdos mais problemáticos. Tal como fez referência o professor José, há

muitos conteúdos matemáticos que o professor não aprendeu durante a formação

mas que deve ensinar na escola. Isso sugere que o professor esteja envolvido

numa formação contínua ao longo da sua carreira docente.

Limitações e implicações do estudo

Tendo em consideração os objectivos desta investigação, o trabalho

empírico foi realizado com professores do ensino secundário e a escolha destes

devia obedecer a um conjunto de critérios definidos à priori. Constatou-se, a

determinado momento, a não possibilidade de aplicação destes critérios devido às

condições reais, imprevistas, encontradas no terreno. A intenção do investigador

era que, dos três professores que seriam escolhidos para participar no trabalho de

campo, houvesse um professor com pouca experiência (até seis anos), um com

experiência média (até 15 anos) e outro com muita experiência (mais de 20 anos).

Este critério seria útil para a compreensão da influência do tempo de serviço nas

perspectivas e práticas dos professores no ensino da Geometria. Estava,

igualmente, planeado para participarem nesta investigação, três professores da

mesma escola, para facilitar as deslocações do investigador ao terreno para a

recolha de dados, principalmente, a observação de aulas. Mas contra esta condição,

durante os contactos estabelecidos com os professores de Matemática desta escola,

notou-se que todos estavam atrasados nas suas aulas, excepto dois, Manuel e José,

que ainda tinham a esperança de poder abranger a parte de Geometria que

interessava ao investigador para assistir a algumas aulas. Portanto, por

conveniência foram escolhidos estes dois professores e foi necessário escolher um

terceiro professor de uma outra escola secundária.

No fim do período lectivo, notou-se que mesmo os dois professores da

Escola Secundária da Manga, escolhidos para o estudo, não conseguiram abranger

o conteúdo da Geometria Espacial, no qual, o investigador pretendia assistir a

algumas aulas. Sendo assim, a intenção de recolher dados por observação às aulas

ficou sem efeito. Esta teria sido importante para analisar a articulação entre o

currículo moldado pelo professor e o que é posto em acção. Deste modo, teria sido

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possível compreender como as perspectivas dos professores sobre o ensino da

Geometria se expressam nas suas práticas.

Uma outra limitação com que se deparou esta investigação, diz respeito ao

tempo de contacto do investigador com os participantes. O investigador apenas

teve oportunidade de recolher os dados no período limitado, de três meses, em que

esteve em Moçambique, tendo voltado a Portugal onde continuou a fazer a análise

de dados. Pela natureza da investigação qualitativa e do estudo de caso, durante a

análise de dados, o investigador sentiu a necessidade de esclarecer ou

compreender melhor algumas ideias junto dos participantes. Neste caso, o

investigador socorreu-se do telefone mas com um tempo de conversa muito

limitado devido aos custos que isso acarretava.

Este estudo tem implicações directas para (re)pensar-se sobre o processo

de ensino-aprendizagem da Geometria, particularmente, em Moçambique. Ao

mesmo tempo, tem implicações para o currículo de Matemática do ensino

secundário, em geral, e da 9ª classe, em particular. Os resultados do estudo

sugerem a necessidade de repensar-se no futuro do ensino da Geometria,

principalmente, ao nível do 1º ciclo do ensino secundário, tendo como principais

focos: a adequação dos conteúdos para os alunos em cada uma das classes, a

redistribuição dos conteúdos matemáticos ao longo das três classes deste nível de

ensino, a compatibilidade da quantidade de conteúdos e o tempo proposto nos

programas, a falta de condições materiais para os professores abordarem este tema

e a natureza das tarefas propostas aos alunos.

A concluir

O estudo realizado permite reflectir sobre a situação carenciada de escolas

em Moçambique. Estas não dispõem de recursos didácticos para o ensino da

Geometria, tais como, manuais de Geometria para professores, modelos

geométricos e instrumentos para desenhar, facto que dificulta o seu ensino. Tal

como se referem Mushayikwa e Lubben (2009), o elevado número de alunos nas

turmas associado a um conjunto de outros factores, como a falta de condições

financeiras das escolas, a escassez de recursos materiais para alunos e professores,

etc., representam o que chamam de ambientes de trabalho carenciados. De facto,

sem condições financeiras, as escolas ficam limitadas na concretização de várias

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129

iniciativas tais como a compra de materiais didácticos, a redução do número de

alunos por turma, etc. Para os professores participantes na presente investigação, o

o excessivo número de alunos nas turmas, dificulta o seu trabalho porque não tem

sido fácil fazer-se um acompanhamento individualizado aos alunos durante as

aulas e também a preparação de tarefas e a correcção de trabalhos ou testes. Em

alguns casos, por exemplo na escola secundária de Dondo, as próprias salas de

aula são relativamente pequenas para acolher o elevado número de alunos. Torna-

se assim necessário aumentar o número de professores e de salas de aula para que

seja possível leccionar em turmas mais reduzidas, embora isso acarrete acrescidos

encargos financeiros e um esforço adicional na formação de professores.

Os professores acham que alguns dos conteúdos de Geometria são

complexos para os alunos e que o tempo não é suficiente para abordá-los a todos.

Os programas são longos e há congestionamento de conteúdos na mesma classe.

Este facto, poderá contribuir para o efectivo desaparecimento da Geometria

Espacial do currículo moldado, por mais que continue a figurar no currículo

prescrito.

Os professores têm oportunidades e gostam de trabalhar juntos para a

planificação dos conteúdos, desde o nível mais geral (dosificação) ao nível mais

particular (planificação da aula), embora não se sintam livres para decidir sobre a

adequação dos conteúdos para os alunos. Contudo, têm tido pouco tempo para

discutirem sobre as suas práticas. Este estudo permite perceber também que

alguns professores exigem e necessitam de que as suas escolas lhes dêem uma

margem de manobra para a flexibilidade curricular a seu cargo. Nomeadamente,

que lhes fosse dada a autonomia de decidir sobre que conteúdos são adequados e

importantes para os alunos. As escolas poderiam também resolver uma parte do

problema de recursos didácticos, criando oficinas pedagógicas, onde o professor

seria incentivado a participar na construção destes materiais.

Os professores, participantes neste estudo, acreditam que a Geometria é

bastante útil na vida e na formação do aluno, facto que os leva a concordar que

esta deve ser ensinada na escola. Contudo, os constrangimentos com que estes

professores trabalham, desde a pressão para cumprir com os programas até a

insuficiência de tempo e de materiais didácticos, serão, com certeza,

determinantes na forma como encaram e implementam as suas aulas. Daí que seja

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plausível pensar que as práticas dos professores nem sempre poderão ir ao

encontro das suas perspectivas sobre o ensino (Clements, 2003).

Os professores precisam de dar uma atenção permanente ao uso dos

materiais curriculares para o ensino. Eles precisam de estudar os conteúdos, os

objectivos, as formas de abordagem e o que estará supostamente subjacente ao

currículo que lhes é pedido para implementar. Para tal devem ter oportunidade de

examinar os conteúdos curriculares, com os colegas, fazendo as suas próprias

interpretações e decisões explícitas para eles mesmos e para os outros (Remillard,

2005).

Tal como dizia um gestor moçambicano, os professores precisam de ser

capacitados para o uso de novas metodologias de ensino porque muitos têm a

tendência de ensinar os conteúdos de acordo com a forma como aprenderam, sem

levar em conta as metas indicadas nos objectivos do programa (Matavele, 2002).

Para o caso dos professores deste estudo, embora têm procurado trabalhar levando

em consideração os objectivos patentes no programa, seria conveniente que

tivessem acções de capacitação (formação), por exemplo, com base em seminários

ou workshops que lhes permitissem desenvolver-se profissionalmente no domínio

da didáctica específica.

Adicionalmente, seria desejável que os professores tivessem um bom

domínio dos conteúdos matemáticos que vão ensinar para uma boa interpretação

do currículo. Uma vez que os Institutos de Formação de Professores têm

potenciado mais a componente pedagógica e metodológica, os cursos de

capacitação poderiam também complementar a formação dos professores,

dotando-os de conhecimentos sólidos sobre os conteúdos, principalmente os que

consideram de difícil leccionação.

No ensino da Geometria, o uso das potencialidades da visualização, do

raciocínio espacial e da modelação geométrica para resolver problemas (NCTM,

20007) não é, habitualmente, incentivado por estes professores, desperdiçando-se

uma boa oportunidade de encorajar os alunos a usar conjecturas, pensamento

dedutivo e a demonstração. Deste modo, existe ainda um longo caminho a

percorrer no ensino da Geometria, em Moçambique.

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ANEXOS

Anexo 1: Guiões de entrevista

Entrevista 1

Grupo I (questões gerais)

1. Porque razão escolheu o curso de formação de professores de Matemática?

Foi a sua primeira escolha?

2. Pode contar um pouco como foi o seu percurso académico?

3. Que razões aponta para que a Matemática seja uma disciplina pouco

apreciada pela maioria dos alunos?

4. Qual a importância que atribui à Matemática na formação do aluno?

5. Quais são as suas principais preocupações enquanto professor de

Matemática?

6. O que tem feito para envolver matematicamente os alunos nas actividades?

7. Quais as suas principais preocupações quando está a preparar uma aula?

E após a aula, sobre que aspectos tem reflectido?

8. Como organiza os seus alunos na sala? Quando estão resolver tarefas?

Privilegia trabalho individual ou de grupo? Porquê?

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Grupo II (sobre a Geometria)

9. Qual a importância da Geometria na formação do aluno? Em função disso,

que lugar acha que tem merecido no currículo?

10. Acha que a Geometria tem aparecido ligada à outras áreas das ciências? A

que áreas e de que forma?

11. Que papel deve ser reservado aos modelos geométricos físicos, desenhos,

diagramas e outros materiais manipuláveis, etc., no ensino da Geometria?

12. Qual o lugar das demonstrações nas suas aulas? E das justificações ou

argumentações dos alunos? Acha que as demonstrações e justificações ou

argumentações são importantes nas suas aulas? Porquê?

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13. Que tipo de tarefas ou problemas tem proposto aos seus alunos nas aulas

de Geometria (pode dar alguns exemplo)? E ao introduzir um novo

assunto?

14. Que tipo de actividades acha que podem promover o pensamento ou

raciocínio geométrico? Considera um desafio pô-las em prática?

15. Que recursos materiais acha que são necessários para o ensino da

Geometria? A escola tem esses recursos? E os alunos?

16. O que gosta mais ao ensinar a geometria? E o que gosta menos? Porquê?

17. De que forma o manual escolar facilita as suas aulas de Geometria, na

preparação e na leccionação?

18. Que dificuldades tem encarado no ensino da Geometria? Que razões acha

que estarão por detrás destas dificuldades?

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Entrevista 2

1. Os professores são pedidos para elaborar um plano de aula para a

introdução da Geometria Espacial (Poliedros).

**Qual a importância do plano de aula para si?

**O que é importante incluir no plano de aula?

**Que materiais usa na elaboração do seu plano de aula?

**Para o caso desta aula de Geometria, quais as actividades do professor e

quais as dos alunos?

**Que exercícios (do manual ou não) acha serem adequados para esta aula de

introdução?

Análise do programa,

1. No grupo de disciplina de Matemática, têm discutido sobre questões

associadas ao programa de Matemática? Sobre que aspectos têm discutido?

*A sequência

*Adequação dos conteúdos ao nível (9ª classe)

**Será que os alunos possuem os pré-requisitos para estudarem esses

conteúdos?

*Até que ponto as sugestões metodológicas ajudam? (pp. 51-59, programa da

9ª classe).

2. O que tem falhado no cumprimento do programa? Porque é que não

consegue cumprir com o programa?

3. A parte da axiomática da Geometria espacial, já não está directamente

ligada aos sólidos geométricos! Acha que isso é indiferente?

4. Até que ponto esta parte é importante para o ensino da parte dos sólidos?

5. Em que classe é ensinada a parte da axiomática?

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Análise do manual escolar

1. A linguagem é acessível? A sequência é adequada? As figuras ou os

desenhos ajudam a compreender os conteúdos? Estão bem feitos?

2. Há erros científicos? Qual é o impacto destes no processo de ensino e

aprendizagem?

3. Que tarefas do manual (da 10ª classe, pp. 193-241) tem usado para as

aulas de Geometria Espacial? Com que base tem escolhido as tarefas?

4. De que forma o manual corresponde à expectativa do programa? E a sua

expectativa?

5. Como articula o manual com o programa?

6. O que é correcto, usar o programa ou o manual, na preparação e

leccionação das suas aulas?

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Entrevista 3 Perguntas para todos

1. Como deve ser o professor de Matemática para ser considerado um bom

profissional?

2. Acha que os conhecimentos matemáticos são determinantes, para tal?

Como?

3. Que aspectos didácticos acha que são determinantes para que uma aula

seja bem percebida pelos alunos?

4. Qual é o seu papel na sala como professor e qual é o papel dos alunos

durante as aulas?

5. O que espera que será do ensino e aprendizagem da Geometria para os

próximos anos?

6. Sabe por que razão a Geometria que era dada na 10ª classe passou para 9ª

classe?

7. Quantos alunos têm, as turmas, normalmente?

8. O que pensa fazer para preparar matematicamente os seus alunos para o

mundo do trabalho e para a plena participação na vida social?

9. Como avalia o ambiente de trabalho na escola? E na sala de aula?

10. Considera importante reflectir sobre a sua prática? Porquê?

Perguntas específicas para cada professor

11. Professor Manuel, porque é que ainda não ensinou a Biologia? Nunca teve

oportunidades? Ou não gosta de ensinar a Biologia? Porquê?

12. Professor Manuel, onde fez o nível primário? E o secundário?

13. Professor Manuel, que curso está a fazer na Universidade Católica? Escolheu?

14. Professor Manuel, tem formado grupos de quantos alunos?

15. Professor Manuel, tem trabalhado com os alunos a fórmula V+F-A = 2?

De que forma? 16. Professor José, porquê não escolheu fazer matemática na UP?

17. Professor José, em que escolas foi director, em Nhamatanda?

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18. Professor José, onde se localiza a Missão Barada? Ainda existe?

19. Professor José, tem trabalhado com os alunos a fórmula V+F-A = 2? De que maneira?

20. Professor Bernardo, tenciona voltar a UP? Fazer Física ou Matemática?

21. Professor Bernardo, até que classe lecciona a escola Eduardo Mondlane?

22. Professor Bernardo, porquê os materiais de desenho e modelos concretos

de Geometria estragam-se facilmente?

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Anexo 2: Plano de aula de introdução aos poliedros elaborado pelo

professor Manuel

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Anexo 3: Plano de aula de introdução aos poliedros elaborado professor

José

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Anexo 4: Plano de aula de introdução aos poliedros elaborado pelo

professor Bernardo

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Anexo 5: Modelo de plano de aula proposto pelo Ministério de Educação

de Moçambique, patente no programa de Matemática da 9ª classe

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Anexo 6: Tarefas da ficha 8 do manual escolar da 10ª classe

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