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Capítulo 9 Verificação da segurança de estruturas de suporte 9.1 Introdução Considera-se, no presente texto, dois tipos de estruturas de suporte: as estruturas de suporte “rígidas”; as estruturas de suporte “flexíveis”. Os muros de suporte rígidos são, nos casos mais comuns, muros de alvenaria, muros de betão não armado, muros de betão armado e muros de gabiões (Figura 9.1). Poderá estranhar- se a inclusão dos muros de gabiões na categoria de “estrutura de suporte rígida”, sobretudo se se tiver em atenção que aqueles muros sofrem, em serviço, deformações muito significativas. No entanto, como se verá, a expressão “estrutura de suporte flexível” está associada a um outro tipo de estruturas, verificando-se adicionalmente que os mesmos princípios aplicáveis a estruturas de suporte como as de alvenaria, as de betão não armado ou as de betão armado, são-no também aos muros de gabiões. É igualmente comum a designação de “muros gravidade” para os casos dos muros de alve- naria, de betão não armado e de gabiões, não se incluindo nesta designação, habitualmente, os muros de betão armado. Faz-se notar que em todos os casos, no entanto, as forças graví- ticas assumem um importante papel na estabilidade das estruturas. Verifica-se, contudo, que no caso das estruturas de betão armado o próprio terreno é, de alguma forma, envolvido na estabilidade da estrutura, ao passo que nas restantes (“muros gravidade”) as forças gravíticas envolvidas são sobretudo as do próprio muro. Os muros de betão armado são frequentemente designados por “muros em L” ou “em T invertido”, dada a sua forma. Uma variante destes muros é a dos muros de contrafortes ou de gigantes, usados para muros bastante altos (habitualmente a partir dos 8 a 10 m de altura), por razões económicas. 125

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Capítulo 9

Verificação da segurança de estruturas

de suporte

9.1 Introdução

Considera-se, no presente texto, dois tipos de estruturas de suporte:

• as estruturas de suporte “rígidas”;

• as estruturas de suporte “flexíveis”.

Os muros de suporte rígidos são, nos casos mais comuns, muros de alvenaria, muros de

betão não armado, muros de betão armado e muros de gabiões (Figura 9.1). Poderá estranhar-

se a inclusão dos muros de gabiões na categoria de “estrutura de suporte rígida”, sobretudo se

se tiver em atenção que aqueles muros sofrem, em serviço, deformações muito significativas.

No entanto, como se verá, a expressão “estrutura de suporte flexível” está associada a um

outro tipo de estruturas, verificando-se adicionalmente que os mesmos princípios aplicáveis a

estruturas de suporte como as de alvenaria, as de betão não armado ou as de betão armado,

são-no também aos muros de gabiões.

É igualmente comum a designação de “muros gravidade” para os casos dos muros de alve-

naria, de betão não armado e de gabiões, não se incluindo nesta designação, habitualmente,

os muros de betão armado. Faz-se notar que em todos os casos, no entanto, as forças graví-

ticas assumem um importante papel na estabilidade das estruturas. Verifica-se, contudo, que

no caso das estruturas de betão armado o próprio terreno é, de alguma forma, envolvido na

estabilidade da estrutura, ao passo que nas restantes (“muros gravidade”) as forças gravíticas

envolvidas são sobretudo as do próprio muro.

Os muros de betão armado são frequentemente designados por “muros em L” ou “em T

invertido”, dada a sua forma. Uma variante destes muros é a dos muros de contrafortes ou de

gigantes, usados para muros bastante altos (habitualmente a partir dos 8 a 10 m de altura),

por razões económicas.

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126 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

���������������������������������������������

���������������������������������������������

(a) Muro de alvenaria������������������������������������

������������������������������������

(b) Muro de betão não armado

���������������������������������������������������������������

���������������������������������������������������������������

(c) Muro de betão armado (d) Muro de gabiões

Figura 9.1: Muros de suporte “rígidos”.

No caso de estruturas de suporte “rígidas”, os movimentos mais importantes a que es-

tão sujeitas são, sobretudo, movimentos de corpo rígido e as pressões de terras que neles se

desenvolvem puderam ser determinadas por diversas teorias de cálculos de impulsos.

As “estruturas de suporte flexíveis”, são aquelas que experimentam em serviço deformações

por flexão susceptíveis de condicionar a grandeza e a distribuição das pressões de terras que

actuam sobre elas e, logo, dos esforços para que são dimensionadas (Terzaghi, 1943). Assim,

a deformabilidade da estrutura de suporte altera o diagrama de pressões, o que modifica os

esforços e novamente as deformações da estrutura. Nestes casos, o problema em causa é de

interacção solo-estrutura.

Refere-se ainda que a grandeza e distribuição das pressões de terras dependem, para além

da deformabilidade da cortina, das suas condições de apoio (posição e rigidez de escoras e

ancoragens) e, como se verá, do estado de tensão inicial do terreno.

No que respeita ao procedimento construtivo, as cortinas de contenção flexíveis podem

ser de diversos tipos: estacas-pranchas, paredes moldadas, paredes de estacas, paredes tipo

Berlim, etc. No que respeita à forma como é assegurada a estabilidade (e, portanto, no que

respeita também ao tipo de dimensionamento realizado) podem ser:

• simplesmente encastradas, ou auto-portantes (Figura 9.2(a));

• mono-apoiadas – mono-ancoradas ou mono-escoradas (Figura 9.2(b));

• multi-apoiadas – multi-ancoradas ou multi-escoradas (Figura 9.2(c)).

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Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 127

(a) Auto-portante (b) Mono-apoiada (c) Multi-apoiada

Figura 9.2: Tipos de estruturas de suporte flexíveis.

Em qualquer caso, uma cortina flexível é normalmente uma estrutura esbelta e, por isso,

funcionando sobretudo à flexão.

As verificações de segurança fundamentais são, nas estruturas de suporte, às verificações:

• à rotura global;

• a movimentos excessivos;

• nos muros “gravidade” e em “L”:

– ao deslizamento;

– ao carregamento vertical;

– ao derrubamento

• nas paredes de contenção (estruturas flexíveis):

– à rotação e (ou) translação da estrutura

– por perda de equilíbrio vertical.

9.2 Verificação da segurança de estruturas de suporte rígidas

9.2.1 Introdução

O processo de dimensionamento de uma estrutura de suporte rígida traduz-se, na maioria

dos casos, numa série de verificações de segurança em que a sua geometria é sucessivamente

alterada até ser obtido o nível de segurança desejado.

Os impulsos de terras são normalmente determinados com base nas teorias que se apre-

sentaram no Capítulo 3.

Conforme se viu, a estabilidade de muros de suporte deve ser verificada atendendo aos

seguintes estados limites:

• rotura global;

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128 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

• deslizamento;

• carregamento vertical.

• derrubamento;

Nos três primeiros o muro de suporte é analisado como uma fundação pelo que, como se

verá, a sua análise é análoga à apresentada no capítulo anterior. O caso do derrubamento é

específico das estruturas de suporte.

Tratando-se de verificações da segurança em que os aspectos geotécnicos são os relevantes,

o dimensionamento destas estruturas deverá ser condicionado pela combinação 2, se se adoptar

a abordagem de cálculo 1.

9.2.2 Verificação da segurança em relação à rotura global

A verificação da segurança em relação à rotura global (Figura 9.3) faz-se da mesma forma

anteriormente apresentada para a rotura global de fundações e para os taludes. Não se fará,

portanto, qualquer referência adicional.

Figura 9.3: Verificação da segurança em relação à rotura global

9.2.3 Verificação da segurança em relação ao deslizamento

A verificação da segurança em relação ao deslizamento faz-se da forma anteriormente

apresentada na secção 8.5. Apresenta-se neste ponto a adaptação do que então se viu ao caso

de uma estrutura de suporte.

Considere-se, assim, a estrutura de suporte que se representa esquematicamente na Figura

9.4.

Para a verificação da segurança ao deslizamento de uma estrutura de suporte como a

da Figura, há que determinar os parâmetros de resistência de cálculo do terreno. De forma

análoga, há que determinar o valor de cálculo do ângulo de atrito entre o solo e a estrutura,

δd.

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Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 129

δ

Fa

Ia

Ip

Figura 9.4: Verificação da segurança ao deslizamento de uma estrutura de suporte rígida.

Com base nestes parâmetros de resistência, são avaliados os impulsos activos de cálculo,

determinados com os parâmetros de resistência minorados e considerando os coeficientes de

majoração de acções, γG e γQ, respectivamente para as acções permanentes e variáveis. Os

impulsos passivos são considerados resistências, na verificação da segurança ao deslizamento.

Deve, assim, verificar-se que a acção de cálculo na direcção da base da estrutura de suporte

(horizontal, na Figura) seja inferior à resistência de cálculo no contacto solo estrutura acrescida

do impulso passivo, ou seja, que:

Hd ≤ Rd + Rpd (9.1)

em que Hd é a resultante dos impulsos activos na direcção da base da estrutura de suporte,

Rd é a resistência ao deslizamento de cálculo que se desenvolve na base da estrutura e Rpd

a resistência passiva de cálculo. No caso da Figura 9.4 Hd toma o valor Hd = IaHd (sendo

IaHd a componente horizontal de cálculo do impulso activo) e Rd é a força de corte na base

da estrutura. Em condições drenadas, esta força toma o valor:

Rd = Vdtgδd/γR;h (9.2)

em que Vd é o valor de cálculo da carga efectiva normal à base da fundação. Em condições

não drenadas Rd é o resultado da adesão na superfície efectiva da base da estrutura:

Rd = A′cad/γR;h (9.3)

em que A′ é o produto A′ = B′ × L′.

9.2.4 Verificação da segurança em relação ao carregamento vertical

O assunto da verificação da segurança em relação ao carregamento vertical foi já abordado

na secção 8.4. O que se apresenta neste ponto é, apenas a adaptação do que se referiu para o

caso das estruturas de suporte rígidas.

Para a verificação da segurança em relação à rotura da fundação usando a metodologia

dos coeficientes de segurança parciais, há que determinar as acções de cálculo, ou seja, Vd,

Hd e Md, respectivamente as cargas vertical, horizontal e momento de cálculo (calculado no

centro da fundação).

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130 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

No caso da Figura 9.5 estas cargas podem ser determinadas a partir de:

Vd = Wd + IaV d (9.4)

Hd = IaHd − Ipd (9.5)

(note-se que o impulso passivo é, para este efeito, uma acção).

Md = IaHd ×H

3− IaV d ×

B

2− Ipd ×

h

3− W × b (9.6)

δ

Ia

Ip

hh/3

H

B

B′

H/3

b

2e

Wb

Figura 9.5: Verificação da segurança ao carregamento vertical de uma estrutura de suporterígida.

A partir dos parâmetros de resistência de cálculo e da utilização de uma formulação de

capacidade de carga de fundações (ver secção 4.8) estima-se a tensão resistente de cálculo, q′rd.

Sendo B′ a largura efectiva da fundação (igual a B−2ed), a verificação da segurança exige

o respeito pela inequação:

Vd ≤ Rd = B′qrd (9.7)

9.2.5 Verificação da segurança em relação ao derrubamento

Considere-se a estrutura de suporte representada na Figura 9.6. Admitindo a possibilidade

de rotação da estrutura em torno do ponto O, há que garantir que os momentos instabilizadores

de cálculo em relação a este ponto são inferiores ou iguais aos momentos estabilizadores de

cálculo, ou seja, que se verifica a inequação:

Mdst,d ≤ Mstb,d (9.8)

Trata-se de um caso de equilíbrio, EQU, que foi abordado na secção 6.4.

No exemplo da Figura, o momento instabilizador de cálculo é dado por:

Mdst,d = IaHd ×H

3− IaV d × B (9.9)

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Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 131

δ

Fa

Ia

Ip

hh/3

O

H

B

H/3

aWb

Figura 9.6: Verificação da segurança ao derrubamento de uma estrutura de suporte rígida.

e o momento estabilizador de cálculo é:

Mstb,d = Wb × a + Ipd ×h

3(9.10)

Os parâmetros resistentes devem ser minorados de acordo com o coeficientes de segurança

indicados no Quadro 6.5. As acções estabilizantes devem considerar os coeficientes indicados

no Quadro 6.4.

Faz-se notar que não há, aqui, resistência; apenas acções favoráveis e desfavoráveis.

9.2.6 Estabilidade interna

As estruturas de suporte devem ainda ser dimensionadas internamente, isto é, para os

esforços estruturais a que ficam sujeitos. Como exemplo, apresenta-se o caso de um muro em

“L” (Figura 9.7), em que haverá, por exemplo, que determinar o momento actuante na base

da parede, conforme representado na Figura.

Figura 9.7: Dimensionamento estrutural.

Naturalmente que, neste caso, os impulsos que são relevantes são os que actuam directa-

mente no paramento da parede de betão armado, independentemente de se ter adoptado o

procedimento de dimensionamento externo (o abordado nas secções anteriores) sugerido pela

Figura 9.8.

Refere-se ainda que será natural que seja, para esta verificação, a combinação 1 a condici-

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132 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

Figura 9.8: Muro de betão em “L” ou “T” invertido

onante, se se adoptar a abordagem de cálculo 1.

9.2.7 Drenagem

A existência de uma toalha freática no maciço suportado é altamente desfavorável, uma vez

que agrava substancialmente o impulso total. Muitos acidentes envolvendo muros de suporte

estão, aliás, relacionados com a acumulação de água no solo contido.

A construção de sistemas de drenagem eficientes é um aspecto de fundamental importância

para o comportamento adequado de estruturas de suporte. A escolha do sistema mais ade-

quado depende sobretudo da permeabilidade do terreno suportado pela estrutura de suporte.

Em solos muito permeáveis, é suficiente a construção de boeiros, se não houver inconveni-

ente em que a água seja drenada para a frente do muro, e um dreno longitudinal (Figuras 9.9(a)

e (b)). A escolha do diâmetro e do afastamento dos boeiros deve ter em atenção a necessidade

de escoar o caudal que aflui à estrutura. O dreno longitudinal é constituído por tubo furado

na zona superior e funciona como caleira na zona inferior, conduzindo a água por gravidade.

Deverão ser envolvidos por material de filtro constituído por material granular ou geotêxtil,

para impedir a colmatação e o arraste de partículas.

No caso de solos menos permeáveis, para além dos dispositivos já indicados, devem ser

colocadas faixas drenantes verticais (Figuras 9.9(c) e (d)), havendo, nos solos finos que instalar

tapete drenante subvertical ou inclinado (Figuras 9.9(e) e (f)).

9.3 Verificação da segurança de estruturas de suporte flexíveis

9.3.1 Introdução

As estruturas de suporte analisadas nas secções anteriores são estruturas rígidas. Com

efeito, os movimentos a que estão sujeitos são, sobretudo, movimentos de corpo rígido e as

pressões de terras que neles se desenvolvem puderam ser determinadas por diversas teorias de

cálculos de impulsos.

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Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 133

Figura 9.9: Dispositivos de drenagem (adaptado de Brito (1988)).

Isto significa que os impulsos de terras foram calculados independentemente da estrutura de

suporte, uma vez que o aspecto que condiciona a determinação desses impulsos é a ocorrência

do referido deslocamento de corpo rígido.

Há, no entanto, estruturas de suporte que não podem ser consideradas rígidas. Estas

estruturas, habitualmente designadas genericamente por “estruturas de suporte flexíveis” têm

tratamento diferente sob dois pontos de vista:

• em primeiro lugar porque os diagramas de pressões a que estão sujeitos, devido à flexi-

bilidade da cortina, não são, em alguns casos, os provenientes das teorias de cálculo de

impulsos estudadas;

• em segundo lugar porque, como se viu na secção 9.1, as verificações da segurança são

diferentes.

Em relação ao primeiro destes aspectos, faz-se notar que para as estruturas que serão ana-

lisadas neste texto (cortinas auto-portantes e mono-apoiadas) e para as metodologias simples

que serão abordadas, ele não será considerado. Isto é, as pressões de terras são determinadas

usando as teorias de cálculo de impulso estudadas. Quanto ao segundo, haverá, naturalmente,

que o ter em atenção e será a verificação em relação à rotação e (ou) translação da estrutura

que ditará a verificação da segurança (não se aborda neste texto a questão da verificação em

relação ao equilíbrio vertical).

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134 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

Faz-se ainda uma outra observação em relação à abordagem que tem sido seguida. Colocou-

se, até aqui, os diferentes problemas de verificação da segurança na perspectiva de definição de

uma geometria e de, posteriormente, verificação da segurança nos seus vários aspectos. Será

fácil de compreender, no entanto, que na maioria das situações o trabalho que é exigido aos

engenheiros é o de definição dessa geometria, procurando a economia da solução.

Naturalmente que, em determinadas situações, há que proceder a um pré-dimensionamento

e, posteriormente, à verificação da segurança, seguindo-se a eventual correcção da geometria.

Noutros casos, no entanto, é possível proceder-se à determinação das dimensões que fazem

com que a segurança fique verificada. Por ser o caso das cortinas flexíveis que se apresentam

neste texto e por ser útil o leitor ficar com essa perspectiva do problema, será assim que estas

estruturas serão abordadas.

9.3.2 Dimensionamento de cortinas simplesmente encastradas ou auto-por-

tantes

Considere-se a estrutura de suporte simplesmente encastrada esquematicamente represen-

tada na Figura 9.10. Para o dimensionamento deste tipo de estrutura, admite-se que do

lado do terreno suportado se desenvolvem impulsos activos e, do lado da escavação, impulsos

passivos (ver Figura 9.10 à esquerda).

f0

f = 1.2f0

R

O

Figura 9.10: Dimensionamento de cortinas simplesmente encastradas (ou auto-portantes).

Para o cálculo de impulsos é habitualmente usada a teoria de Rankine. A determinação

destes impulsos e o respeito pelas condições de equilíbrio permite escrever a equação:

MO = 0 (9.11)

que tem f0 como incógnita. O coeficiente de segurança pode ser considerado, tradicionalmente,

aplicado ao impulso passivo ou, de acordo com o Eurocódigo 7, o cálculo pode ser realizado

através de coeficientes de segurança parciais. O valor de f0 assim obtido é, portanto, o valor

de cálculo.

Uma vez conhecido f0, a equação de equilíbrio de forças horizontais conduz a um valor de

R com a direcção indicada na Figura 9.10 à direita e que é designada como “contra-impulso

passivo”.

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Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 135

A materialização da possibilidade de mobilização desta força implica, necessariamente, o

prolongamento da altura enterrada f0 para um valor f que, do lado da segurança, se considera

habitualmente igual a 1.2f0. Note-se que este coeficiente de 1.2 não é um coeficiente de

segurança. A sua aplicação tem implícita a necessidade de mobilização no pé da cortina

do referido “contra-impulso passivo”, pelo que não está relacionado com qualquer noção de

segurança (a não ser, naturalmente, pelo facto de ser superior ao estritamente necessário).

O diagrama de momentos flectores tem a configuração também esquematicamente repre-

sentada na Figura 9.10. Com base neste diagrama pode, assim, proceder-se ao dimensiona-

mento da cortina.

Apesar de, na maior parte das situações, se recorrer à teoria de Rankine para o cálculo

de impulsos, pode, naturalmente, querer considerar-se, na avaliação dos impulsos de terras, o

atrito solo–estrutura, pelo que outras teorias de cálculo de impulsos, como a de Coulomb ou

a de Caquot–Kérisel poderão ser usadas.

Tratando-se de uma estrutura de suporte cuja segurança está muito dependente do impulso

passivo e, portanto, da altura enterrada, o Eurocódigo 7 prevê que a profundidade de escavação

de cálculo hd seja igual a

hd = h + ∆h (9.12)

em que ∆h é dado por

∆h = min(0.5 m; 0.1h) (9.13)

Exemplo de cálculo

Considere-se a estrutura de suporte simplesmente encastrada esquematicamente represen-

tada na Figura 9.11. O solo é uma areia com φ′ = 30o, γh = 18kN/m3 e γsat = 20kN/m3.

f0f

O

x

H1 = 4m

H2 = 2m

Ia1d

Ia2d

Ia3dIpd

Figura 9.11: Exemplo de cálculo de uma cortina de contenção auto-portante.

Usando a abordagem de cálculo 1 do Eurocódigo 7 (combinação 2) e a teoria de Rankine

para o cálculo de impulsos, tem-se que:

φ′

d = 24.79o; Kad = 0.409; Kpd = 2.445 (9.14)

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136 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

sendo os impulsos (admitindo que são tomadas medidas especialmente cuidadosas para con-

trolo da profundidade de escavação e, portanto, não considerando o acréscimo de profundidade

∆h dado pela equação 9.13):

Ia1d = γG1

2KadγhH2

1 = 1.0 ×1

2× 0.409 × 18 × 42 = 58.9kN/m (9.15)

Ia2d = γGKadγhH1 (H2 + f0) = 1.0 × 0.409 × 18 × 4 × (2 + f0) = 29.448 (2 + f0)(9.16)

Ia3d = γG1

2Kadγ

′ (H2 + f0)2 = 1.0 ×

1

2× 0.409 × 10 × (2 + f0)

2 = 2.045 (2 + f0)2(9.17)

Ipd =1

2Kpdγ

′f20 /γR;e =

1

2× 2.445 × 10 × f2

0 /1.0 = 12.225f20 (9.18)

A equação de equilíbrio de momentos em relação ao ponto O conduz a:

M0 = 0 ⇒ 58.9 ×

(

2 +4

3+ f0

)

+ 29.448 (2 + f0)2 + f0

2+ 2.045 (2 + f0)

2 2 + f0

3

− 12.225f20

f0

3= 0 ⇒ f0 = 10.02m (9.19)

o que resulta em:

f = 1.2f0 = 1.2 × 10.02 = 12.02m (9.20)

Sento frequentemente este tipo de estrutura associada à utilização de estacas-pranchas

metálicas, é habitual pretender-se, simplesmente, determinar o momento máximo, em lugar

do diagrama de momentos que seria preferível obter se se tratasse de uma estrutura de betão

armado. A determinação do ponto em que o momento flector é máximo pode ser feita através

da procura do ponto em que o esforço transverso é nulo. Este ponto localiza-se à distância

x da superfície do terreno do lado passivo, conforme se poderá concluir da observação da

Figura 9.11.

A equação de esforço transverso nulo conduz a:

VSd = 0 ⇒ 58.9 + 29.448(2 + x) + 2.045(2 + x)2 − 12.225x2 = 0 ⇒ x = 5.82m (9.21)

e o momento máximo é:

MmaxSd = 58.9

(

4

3+ 2 + x

)

+29.448(2+x)2 + x

2+2.045(2+x)2

2 + x

3−12.225x2 x

3= 962kNm/m

(9.22)

Convida-se o leitor a fazer os mesmos cálculos usando a combinação 1 da mesma abordagem

de cálculo.

A verificação da segurança obriga a que MRd ≥ MSd pelo que haverá que escolher uma

cortina (perfil metálico) que verifique esta condição.

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Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 137

9.3.3 Dimensionamento de cortinas mono-apoiadas através do método do

apoio simples

O dimensionamento de cortinas mono-apoiadas é tradicionalmente feito recorrendo a dois

tipos de métodos: métodos de apoio simples, que consideram a existência, no pé da cortina,

de um apoio simples (ou móvel) e métodos de apoio fixo, que consideram a existência, no pé

da cortina, de um apoio fixo. Neste texto apenas se aborda o primeiro.

Conforme referido, o método do apoio simples considera que, no pé da cortina, existe

um apoio simples (ver Figura 9.12), o que significa que não existe a mobilização de uma

força horizontal do tipo “contra-impulso passivo” que se descreveu a propósito das cortinas

simplesmente encastradas ou auto-portantes.

AF

f0

Figura 9.12: Dimensionamento de cortinas mono-apoiadas através do método do apoio móvel.

Tal como para o cálculo das cortinas simplesmente encastradas, admite-se que, no caso da

Figura, se mobilizam impulsos activos do lado direito da cortina e impulsos passivos do lado

esquerdo.

Também como no cálculo de cortinas simplesmente encastradas, considera-se habitual-

mente a teoria de Rankine para o cálculo de impulsos. A equação de equilíbrio de momentos

relativamente ao ponto A permite conhecer a altura enterrada f = f0.

Tal como para as cortinas auto-portantes, o Eurocódigo 7 considera um valor de cálculo

da profundidade dado também pela equação (9.12), sendo ∆h dado por:

∆h = min(0.5 m; 0.1h′) (9.23)

em que h′ é a distância entre o nível de escoras ou ancoragens e o fundo da escavação.

A equação de equilíbrio de forças horizontais permite determinar a força no apoio (escora

ou ancoragem) que, habitualmente, para efeitos de dimensionamento, deverá ser multiplicada

por 1.2 a 1.3.

O diagrama de momentos flectores tem o andamento aproximado apresentado na Figura

9.12, podendo, com base neste diagrama, proceder-se ao dimensionamento da cortina.

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138 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

Exemplo de cálculo

Considere-se a estrutura de suporte mono-apoiada esquematicamente representada na Fi-

gura 9.13. O solo é uma areia com φ′ = 30o, γh = 18kN/m3 e γsat = 20kN/m3.

f0

x

H1 = 4m

H2 = 2m

H3 = 2mAF

Ia1d

Ia2d

Ia3dIpd

Figura 9.13: Exemplo de cálculo de uma cortina de contenção mono-apoiada.

Usando a AC1 (comb, 2) do Eurocódigo 7 e a teoria de Rankine para o cálculo de impulsos,

tem-se que:

φ′

d = 24.79o; Kad = 0.409; Kpd = 2.445 (9.24)

sendo os impulsos (admitindo que são tomadas medidas especialmente cuidadosas para con-

trolo da profundidade de escavação e, portanto, não considerando o acréscimo de profundidade

∆h dado pela equação 9.23):

Ia1d = 58.9kN/m (9.25)

Ia2d = 29.448 (2 + f0) (9.26)

Ia3d = 2.045 (2 + f0)2 (9.27)

Ipd = 12.225f20 (9.28)

A equação de equilíbrio de momentos em relação ao ponto A:

Ma = 0 ⇒

0 = 58.9 ×2

3+ 29.448 (2 + f0)

(

3 +f0

2

)

+ 2.045 (2 + f0)2

(

10

3+

2

3f0

)

−(9.29)

− 12.225f20

(

4 +2

3f0

)

conduz a:

f0 = 4.16m (9.30)

A equação de equilíbrio de forças horizontais:

H = 0 ⇒ Fd + 12.225f20 − 58.9 − 29.448 (2 + f0) − 2.045 (2 + f0)

2 = 0 (9.31)

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Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 139

que conduz a a:

Fd = 106.3kN/m (9.32)

Pretendendo-se conhecer o momento máximo, há que conhecer a localização do ponto da

cortina em que o esforço transverso é nulo. Considerando este ponto à distância x do nível de

água, tem-se que:

V = 0 ⇒ 58.9 + 29.448x + 2.045x2− 106.3 = 0 (9.33)

que resulta em:

x = 1.46m (9.34)

O momento máximo é, assim:

MmaxSd = 58.9

(

x +4

3

)

+ 29.448xx

2+ 2.045x2 x

3− 106.3(x + 2) = −169.8kNm/m (9.35)

Com base neste momento (ou no que se obteria da combinação 1, cujos cálculos se convida

o leitor a realizar), poderá proceder-se ao dimensionamento estrutural da estrutura de suporte.

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140 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

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