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Capítulo 6 Desnacionalização Bancária: Reserva e Abertura de Mercado A diferença entre o tempo e o espaço é que, neste, você pode ir e vir. Na história, não; ela é irreversível. Mas a história dos bancos estrangeiros no Brasil, aparentemente, reverteu-se entre o início, o meio e o fim do século passado. Parece que acabou como começou: com a desnacionalização bancária. Propagou-se, recentemente, o mito da globalização. Segundo esse mito, ela constituía processo irreversível de destruição das fronteiras (e Estados) nacionais. A dedução lógica sugerida, implicitamente, era que não havia espaço para autonomia (relativa) da política econômica nacional. O fenômeno da globalização era real: mas era mito de que se tratava de algo homogêneo, linear, eqüitativo, simétrico, contínuo e inexorável. Isto porque, na verdade, o fenômeno não era inédito: representava retomada do grau de abertura à integração internacional, existente até 1914, que tinha sido interrompida por duas guerras mundiais, nacionalismos e protecionismos. A lição da história mostra que não há determinismo econômico, pois há espaço para a luta política, isto é, para a ação coletiva que reconduz, inclusive, a tendência histórica. 6.1. Oportunidade de investimento estrangeiro Constata-se, na história bancária brasileira, que, nos momentos em que foi posta em questão a soberania nacional, durante as crises cambiais, entre as duas Grandes Guerras, as posições nacionalistas obtiveram maior sucesso. Foi assim na Primeira Guerra, conforme mostra TOPIK (1979), quando estancou o fluxo de entrada de capital estrangeiro, aumentou o repatriamento de investimentos anteriores, e a queda de exportação trouxe a escassez de divisas estrangeiras e levou ao funding loan (renegociação da dívida externa). Para evitar a contínua saída de ouro, sob o argumento “que ajuda a Alemanha”, o Estado brasileiro abandonou suas convicções liberais de então e resolveu inspecionar as transações internacionais de todos os bancos, antes que fossem completadas. Até 1914, havia ausência marcante de leis diretamente aplicáveis aos negócios bancários e de controle governamental. Na verdade, a maioria da classe dominante considerava os bancos estrangeiros uma dádiva, pois seriam “a vanguarda do investimento externo” e facilitariam as exportações. Porém, a predominância de bancos estrangeiros, no Brasil, desde que a política deflacionista de Murtinho precipitou a crise bancária, no final do século XIX, despertava a ira de muitos nacionalistas brasileiros, que lhes acusavam de provocar efeitos deletérios na economia. Principalmente, eles aumentavam o déficit do balanço de pagamentos ao repatriarem seus lucros, facilitarem as importações e servirem de meio dos imigrantes enviarem seus ganhos para fora do país. Os bancos estrangeiros, formados em sua maioria por banqueiros e comerciantes dos países de origem, relutando em colocar brasileiros nos cargos administrativos, para

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Capítulo 6

Desnacionalização Bancária: Reserva e Abertura de Mercado

A diferença entre o tempo e o espaço é que, neste, você pode ir e vir. Na história, não; ela é irreversível. Mas a história dos bancos estrangeiros no Brasil, aparentemente, reverteu-se entre o início, o meio e o fim do século passado. Parece que acabou como começou: com a desnacionalização bancária.

Propagou-se, recentemente, o mito da globalização. Segundo esse mito, ela constituía processo irreversível de destruição das fronteiras (e Estados) nacionais. A dedução lógica sugerida, implicitamente, era que não havia espaço para autonomia (relativa) da política econômica nacional.

O fenômeno da globalização era real: mas era mito de que se tratava de algo homogêneo, linear, eqüitativo, simétrico, contínuo e inexorável. Isto porque, na verdade, o fenômeno não era inédito: representava retomada do grau de abertura à integração internacional, existente até 1914, que tinha sido interrompida por duas guerras mundiais, nacionalismos e protecionismos. A lição da história mostra que não há determinismo econômico, pois há espaço para a luta política, isto é, para a ação coletiva que reconduz, inclusive, a tendência histórica.

6.1. Oportunidade de investimento estrangeiro

Constata-se, na história bancária brasileira, que, nos momentos em que foi posta em questão a soberania nacional, durante as crises cambiais, entre as duas Grandes Guerras, as posições nacionalistas obtiveram maior sucesso. Foi assim na Primeira Guerra, conforme mostra TOPIK (1979), quando estancou o fluxo de entrada de capital estrangeiro, aumentou o repatriamento de investimentos anteriores, e a queda de exportação trouxe a escassez de divisas estrangeiras e levou ao funding loan (renegociação da dívida externa). Para evitar a contínua saída de ouro, sob o argumento “que ajuda a Alemanha”, o Estado brasileiro abandonou suas convicções liberais de então e resolveu inspecionar as transações internacionais de todos os bancos, antes que fossem completadas.

Até 1914, havia ausência marcante de leis diretamente aplicáveis aos negócios bancários e de controle governamental. Na verdade, a maioria da classe dominante considerava os bancos estrangeiros uma dádiva, pois seriam “a vanguarda do investimento externo” e facilitariam as exportações. Porém, a predominância de bancos estrangeiros, no Brasil, desde que a política deflacionista de Murtinho precipitou a crise bancária, no final do século XIX, despertava a ira de muitos nacionalistas brasileiros, que lhes acusavam de provocar efeitos deletérios na economia. Principalmente, eles aumentavam o déficit do balanço de pagamentos ao repatriarem seus lucros, facilitarem as importações e servirem de meio dos imigrantes enviarem seus ganhos para fora do país.

Os bancos estrangeiros, formados em sua maioria por banqueiros e comerciantes dos países de origem, relutando em colocar brasileiros nos cargos administrativos, para

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não transmitir-lhes experiência e informações especiais de mercado, ocupavam-se, predominantemente, das operações cambiais. Deixavam para os bancos nacionais as transações bancárias domésticas.

Objetivavam facilitar as relações comerciais internacionais com o Brasil, principalmente as importações de produtos de seus países de origem. Pelo acesso de suas matrizes a muitas divisas estrangeiras, eram os agentes de empréstimos externos, pelos quais os mutuários brasileiros utilizavam de seus serviços, para saldá-los. Possuíam, então, não só vantagens de capital, do câmbio e das informações fornecidas por suas matrizes, que transmitiam somente a seus compatriotas, como também a clientela garantida nas grandes comunidades envolvidas com comércio externo, no Brasil, que utilizavam serviços de seus respectivos países.

Assim, alocavam pouco capital no comércio doméstico e quase nada na agricultura ou indústria, preferindo manter empréstimos de curto prazo ao comércio internacional e altas reservas de caixa. Nas raras ocasiões que investiam na atividade produtiva, transacionavam com companhias de propriedade estrangeira, geralmente da mesma nacionalidade que o banco. Portanto, os bancos estrangeiros reforçavam a posição de controle da propriedade por estrangeiros na economia, numa complementaridade de interesses.

Com o precedente aberto na Primeira Guerra, em que o principal objetivo não era a proteção dos bancos brasileiros, mas sim a proteção do orçamento e do balanço de pagamentos, mais as pressões nacionalistas, a União, apesar da relutância, foi forçada a regular o sistema bancário mais efetivamente. A reforma bancária, entre outras medidas, continuou a política de tempo de guerra com a exigência de aprovação prévia de exportação de metais preciosos. Criou a Inspetoria Geral dos Bancos, para supervisionar as transações cambiais. Forçou os bancos estrangeiros a trazer capital para o país em vez de utilizar de depósitos de estrangeiros, pois passou a só dar autorização para funcionamento com montante mínimo de capital depositado no Banco do Brasil ou no Tesouro Nacional, além de dar prazo para a realização de seu capital total. Tomou medidas para proteger depositantes e/ou credores brasileiros, em caso de falência das filiais estrangeiras. Proibiu a discriminação de brasileiros em cargos administrativos. Exigiu o mínimo de 50% dos funcionários serem cidadãos brasileiros.

Houve reação hostil à legislação brasileira. A reforma bancária de 1921 de fato perturbou o capital bancário estrangeiro, haja vista que, desde então, até o final da Primeira República, nenhum banco estrangeiro estabeleceu-se no país, enquanto que nos quatro anos anteriores (1917-1921) tinham entrado 9 novos bancos estrangeiros. Pelo contrário, houve fuga de capital estrangeiro, após a crise de 1929.

O fato histórico foi que, segundo TOPIK (1979: 404), “em São Paulo – o estado brasileiro mais próspero e dinâmico – tinha apenas 9 bancos nacionais em contraste com 13 bancos estrangeiros. Os bancos nacionais existentes demonstravam relutância em expandir empréstimos a longo prazo, preferindo empréstimos comerciais a curto prazo que podiam ser movimentados mais rapidamente. A inflação, as flutuações do câmbio, e o rápido esgotamento da produtividade de terras pelos fazendeiros – especialmente nas plantações de café – tornavam as hipotecas pouco atrativas à iniciativa privada. Em 1912, indivíduos, e não instituições de crédito, garantiam 82,5% de todas as hipotecas em termos de valor. Essas iniciativas partiam, provavelmente, de comerciantes e comissários que ofereciam adiantamentos de curto prazo muito mais que empréstimos

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de longo prazo. Os emprestadores manifestavam sua hesitação em financiar a expansão da agricultura, nesse ano, empregando mais da metade em imóveis urbanos e suburbanos. O sistema bancário da República, especialmente no início, não estava adequado para estimular a industrialização nem para financiar um setor agrícola sofisticado e próspero”.

Durante o Império e os primeiros anos da República, o mercado de câmbio permaneceu sob o domínio dos banqueiros privados estrangeiros. O governo federal envolveu-se no mercado de câmbio muito mais diretamente somente após a política deflacionista de Murtinho precipitar a crise bancária, no final do século XIX, através da retirada de circulação de grandes quantidades de moeda, que acabou levando o Banco da República à derrocada. O governo operava através desse Banco, para permanecer fiel às suas convicções liberais, com fundos federais, buscando a sustentação da taxa de câmbio. Ele assumiu seu controle em 1905. Com o nome de Banco do Brasil, tornou-se o agente governamental no mercado de câmbio. Assim, “em vez de utilizar um banco privado para operações cambiais como anteriormente, o Estado empregava um banco privado por ele controlado e do qual tinha parte da propriedade (a maioria era de acionistas privados, muitos dos quais franceses). Porém, os políticos ainda optaram por submeter-se ao mecanismo de mercado para controlar o câmbio em vez de regulá-lo através da legislação” (TOPIK, 1979: 406-407).

O “desvio” seguinte, por parte dos dirigentes brasileiros, de sua pureza ideológica liberal, em reação à longa pressão exercida pelos cafeicultores (com forte resistência do parlamento), foi a criação, em 1906, de instituição federal para manter o valor do mil-réis: a Caixa da Conversão, que empregava fundos federais para comprar e vender moeda estrangeira de maneira anti-cíclica, além de emitir notas com lastro-ouro a fim de substituir as notas não conversíveis do Tesouro Nacional. A política de sustentação de preços do café, a partir do Convênio Taubaté, em 1906, levou os governadores dos estados produtores, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a recorrerem a banqueiros internacionais, a fim de que lhes fornecessem os recursos com os quais pudessem estocar parte do produto, deixando-o fora do mercado, para elevação do preço.

TOPIK (1979: 407) explica o mecanismo de valorização do café e relaciona-o com a criação da Caixa de Conversão. “Os estados emprestaram aos fazendeiros 80% do valor de suas colheitas – montante que deveria ser amortizado quando os estados vendessem o café estocado. O empréstimo foi feito mil-réis, mas o café seria vendido no exterior em moeda estrangeira. Caso a taxa de câmbio do mil-réis subisse, repentinamente, os fazendeiros receberiam menos mil-réis por libra de café vendido no exterior e, consequentemente, teriam dificuldade para amortizar os empréstimos estaduais. Portanto, os fazendeiros exigiram que o governo federal assegurasse que a taxa de câmbio permaneceria estável. A União criou a Caixa de Conversão exatamente com este propósito”. Importante destacar que “além de ajudar os fazendeiros, a estabilização da taxa de câmbio incentivou o investimento estrangeiro porque a repatriação dos dividendos seria mais previsível”.

Além das atividades principais dos bancos estrangeiros no Brasil, financiamento do comércio exterior e especulação cambial, outra atuação com relativa importância estava relacionada com a dívida externa pública, tanto em nível federal, quanto em nível estadual. “De modo geral, os empréstimos aos governos eram feitos por emissão de apólices colocadas principalmente no mercado europeu por meio de agentes financeiros

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estrangeiros. Esses agentes eram também os responsáveis pelo pagamento dos juros e das amortizações aos detentores de apólices. Desse modo, passavam a manter contato permanente com o governo emissor das apólices” (SAES, 1986a: 115).

Portanto, o financiamento externo sustentou a valorização do café, propiciando a possibilidade de participação de empresas estrangeiras. O vulto dos empréstimos e a obrigatoriedade de intermediação de banqueiros garantiam ampla e segura margem de comissões à instituição bancária ligada àquelas empresas estrangeiras.

Podemos concluir, como SAES (1986a: 137-138), que “a primeira década deste século [XX] foi particularmente favorável à entrada de capital estrangeiro. Mais do que o próprio funding loan de 1898, o Convênio de Taubaté e a Caixa de Conversão criaram tais condições para o capital estrangeiro: o Convênio de Taubaté ao impor os empréstimos externos como fontes de recursos para a compra de estoques excedentes de café; a Caixa de Conversão, ao fixar uma taxa que favorecia a entrada de divisas estrangeiras”.

Vistas as circunstâncias institucionais internas extremamente favoráveis à entrada de investimento estrangeiro, tentaremos agora observar sob o ponto de vista externo, ou seja, sob a ótica do investidor “de ultramar” (ou “de fora”), o que significava a oportunidade de investimento aqui, em país subdesenvolvido, ex-colônia portuguesa, no início do século XX.

6.2. Contexto internacional

SAES (1986b: 26) nos fornece pista para seguirmos o rastro do caminho percorrido pelo capital externo aplicado nas fundações de bancos no país. Ele anota que houve, em certos momentos, “verdadeira orgia de constituição de companhias, no exterior, para operarem empresas já existentes no Brasil, até então dominadas pelo capital nacional. É provável que (...) tais companhias tivessem como fim específico o ‘ganho do fundador’ e não tanto o lucro da operação das empresas internamente”.

O “ganho do fundador” foi conceituado por HILFERDING (1910) ao analisar a relação das sociedades por ações com as bolsas de valores, no início do século XX. Ele surge dessa forma de organizar empresas. “Se o acionista aparecer como simples ‘capitalista financeiro’ (ou ‘rentier’), é possível que surja uma defasagem entre a taxa de lucro da empresa e a taxa de dividendo a ser paga. Como o dividendo pode ser regulado pela taxa de juros do mercado, havendo um diferencial entre a taxa de juros e a taxa de lucro, há também uma parcela do capital que não estará sendo remunerada de acordo com o lucro obtido. Daí surgir o que Hilferding chama do ‘ganho do fundador’ da empresa: com a taxa de lucro usualmente é maior do que a de juros, o volume de capital efetivamente empregado para pagar os dividendos é menor do que o capital nominal (subscrito em ações). O diferencial entre esses dois ‘capitais’ seria absorvido pelo fundador da empresa”.

Outro grande estímulo para o estabelecimento de empresas no Brasil por parte do capital estrangeiro, com emissão primária de ações em bolsa de valores européias, parece ter sido a concessão de “garantia de juros” pelo governo, baseado em uma lei de 1852. Isso preenchia o item “segurança”, na avaliação da seleção do investimento na carteira de ativos do investidor europeu.

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Nos casos dos bancos criados aqui com capital francês, somente quando os governos dos Estados (São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo) aumentaram a margem de “garantia de juros” (ouro), referente ao capital aplicado no estabelecimento bancário, que os capitalistas franceses resolveram arcar com os empreendimentos. Provavelmente, muitas empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil, nesse período, tiveram como principal fator de atração (senão o único) a “garantia dos juros-ouro” por parte do governo, quando este queria incentivar o investimento. Nesse sentido, a estes capitais estrangeiros instalados sob a proteção da “garantia de juros-ouro”, a empresa interessaria menos que por sua finalidade própria do que como aplicação financeira. Não nos parece que especuladores da bolsa de valores francesa pretendessem imobilizar capital no crédito agrícola e hipotecário, em uma ex-colônia portuguesa, se não houvesse um retorno financeiro imediato garantido, ou então oportunidade de especular com o papel no mercado secundário. Isso por mais que fosse atraente o aroma do café ao olfato europeu...

Diante da crise cafeeira de 1897-1910, os lavradores não aceitavam a hipótese de superprodução, na medida em que a solução podia implicar na eliminação dos “produtores marginais” (com produtividade menor), que não eram poucos. Realizavam seu diagnóstico em cima do problema que os afetava diretamente: “o crédito, cuja escassez os obrigava a enfrentar condições pouco favoráveis na obtenção de empréstimos e que, pela hipoteca de suas terras, podia levá-los à insolvência e à falência. Articulava-se a necessidade de crédito com o problema da especulação: dotado de recursos para enfrentar as despesas da produção, o lavrador poderia reter sua safra até que esta atingisse melhores preços” (SAES, 1986b: 134).

Quando se negociou o funding loan (consolidação da dívida externa com prazo de pagamento mais extenso) de 1898 assumiu-se o compromisso de valorizar a moeda nacional, por meio de política monetária fortemente restritiva. Com a Caixa de Conversão de 1906, adotou-se o compromisso de manutenção da paridade cambial, por meio de emissão monetária lastreada em ouro. Essas maneiras de tratar os problemas emergentes desde o final do século anterior (o da crise no mercado internacional de café e o do câmbio) acabaram por levar a maior “internalização” do capital estrangeiro ou, vice-versa, à “internacionalização” da economia brasileira. Por um lado, o capital estrangeiro tinha interesse econômico envolvido na proposta de funding loan, pois “estava em jogo a possibilidade de retorno de empréstimos realizados”. Por outro, “embora a defesa (do café) proposta exigisse, em princípio, apenas recursos em mil-réis para compra de estoques excedentes de café, é claro que dentro dos pressupostos então vigentes de política monetária e cambial, a solução de defesa implicava obtenção de recursos por empréstimos no exterior: esta seria a única forma de realizar a defesa sem emitir moeda inconversível e sem pressionar o câmbio para baixo” (SAES, 1986b: 164).

Tratava-se da relação financeira internacional que permitia a extração de parte do excedente gerado na produção cafeeira por meio de juros do financiamento. A necessidade de recursos do exterior para manter o câmbio estável não era só suprida sob a forma de empréstimos em moeda, mas também sob a forma de empresas que realizavam investimentos diretos no país. Atraíram também o capital estrangeiro, na virada do século XIX para o XX, o Encilhamento, o ciclo da borracha, as obras públicas, os investimentos industriais, as estradas de ferro, etc.

Como os empréstimos em moeda estrangeira forneciam as condições para o esquema de valorização do café, o próprio sistema bancário não ficou imune ao maior

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avanço do capital estrangeiro com abertura de novas agências e até fundação de novos bancos com maioria acionista estrangeira. Portanto, “parece certo que o aumento de bancos podia ser, em parte, sustentado por condições favoráveis no mercado de café, até o início da Primeira Guerra, e pela política de valorização, à qual se associava a entrada de capitais do exterior” (SAES, 1896b: 182).

Além de entender as condições internas da produção e comercialização das mercadorias brasileiras que favoreciam o avanço do capital estrangeiro, devemos avançar no entendimento da razão pela qual a economia mundial liberava capitais para investimento no Brasil, nesse período, especialmente entre 1906 e 1914. Necessitamos, então, verificar as condições externas através da consulta à bibliografia clássica sobre o tema “imperialismo” (e exportação de capitais).

SAES (1986b: 285) afirma que “no caso brasileiro, o Imperialismo encontrou apoio dentro do próprio país (até de grupos não imediatamente beneficiários da presença do capital estrangeiro). Acredito que esta observação permite compreender melhor o Imperialismo como um estágio do desenvolvimento do capitalismo, não apenas no sentido de que os países capitalistas avançados necessitam exportar seus capitais, mas especialmente no sentido de que a forma de desenvolvimento dos países periféricos praticamente exige a entrada de capitais estrangeiros a fim de manter as condições de sua reprodução, resultado claro de sua forma de integração – subordinada – à economia mundial capitalista”. A subordinação, em última instância, estava em relação à capacidade de importar.

A entrada de capitais estrangeiros no Brasil dependia, obviamente, da ação combinada de fatores associados ao nível interno de atividade econômica e à oferta de capitais nos mercados financeiros dos países centrais. Muitas vezes os empreendimentos possuíam caráter especulativo, sob o ponto de vista dos mercados bursáteis do “Velho Mundo”, no sentido que visavam atrair, para o Brasil, aqueles capitais excedentes que buscavam novas formas de acumulação no “Novo Mundo”.

A maior entrada de capital estrangeiro se verificava em momentos em que já se encontravam asseguradas elevadas taxas de retorno sobre o capital. Dessa forma, a entrada de empresas estrangeiras no Brasil pode ser estudada a partir da fase do ciclo das economias maduras e das oportunidades cambiantes de investimento no país. A entrada contínua de empréstimos estrangeiros para os governos federal e estaduais, a partir de 1907, devia ser atribuída tanto ao bom crédito externo do país quanto aos incentivos que os europeus passaram a ter para investir em títulos financeiros estrangeiros, devido aos aumentos da taxação sobre os títulos domésticos na França, Alemanha e Inglaterra.

Segundo ABREU (1985: 173), “a ‘velha’ dívida pública brasileira foi acumulada através do lançamento de bonds via merchant bankers operando nas principais praças financeiras internacionais. Estes títulos rendiam taxas de juros nominais fixas, sendo detidos basicamente por pessoas físicas ou por trust funds. As variações da taxa de juros no mercado internacional não tinham, portanto, qualquer impacto sobre o montante de juros a ser pago pelos devedores. A operação deste sistema era possível em um mundo em que a taxa de juros nominal oscilava dentro de intervalo bastante limitado: entre 1824 e 1914, a taxa de rentabilidade de consols em Londres oscilou entre 2,5% e 3,8% ao ano; entre 1914 e 1930, alcançou um valor máximo de 4,6%”. Portanto, sem taxas de

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juros flutuantes, os países devedores eram menos vulneráveis à elevação da taxa de juros nos mercados internacionais.

Esse pesquisador dá ênfase especial à determinação externa. Salienta que, no período de sua pesquisa (1824-1931), “grosso modo, a entrada de recursos no Brasil acompanha a tendência de exportação total de capitais por parte da Grã-Bretanha, isto é, em geral a redução ou o crescimento da entrada média de recursos acompanha a contração ou a expansão das exportações britânicas de capital” (ABREU, 1985: 175).

O historiador inglês BARRAT BROWN (1976: 165) afirma que “todo o mercado de capitais da City de Londres estava dirigido para as inversões estrangeiras. Os empréstimos outorgados a governos estrangeiros foram muito rentáveis para os estabelecimentos mercantis londrinos já que para os investidores entravam altas taxas de juros com um bom grau de segurança. As inversões para o desenvolvimento interno simplesmente pareciam não oferecer a mesma segurança que os bônus internos e externos para entesouramento. Segurança era o que a crescente classe de rentistas queria. De tempo em tempo os fracassos afugentavam os investidores do campo externo, porém isto não os levava, necessariamente, a investir no país, e se o faziam, não era na indústria, mas sim na construção, nas ferrovias ou no governo local. Isso porque os fracassos eram ainda mais freqüentes internamente, em particular até fins da década de 1970”.

Porém, essa orientação para os “mercados de ultramar” não era privativa do mercado financeiro de Londres. Também o Estado inglês prestou a maior proteção aos investidores no exterior. Na verdade, “os bancos comerciais de Londres que estavam dedicados a financiamentos no exterior não só dominavam a economia; seguramente, dominavam inclusive os círculos governamentais” (BARRAT BROWN, 1976: 186).

A City de Londres dominava a economia britânica. A riqueza desta já não derivava, preponderantemente, da indústria manufatureira, na primeira década do século XX, mas sim da emissão, promoção e administração de empréstimos externos, da corretagem e do seguro, da emissão de letras para financiar o comércio através de todo o mundo. “As finanças britânicas não tinham então a necessidade de cultivar o campo restrito do império, quando o mundo inteiro estava ainda aberto a elas, quando o mercado de capitais de Londres era preponderante e quando a libra era equivalente ao ouro” (BARRAT BROWN, 1976: 187).

Um estudo de caso interessante, para a história dos bancos estrangeiros no Brasil, refere-se ao acesso ao capital francês, para fundar os bancos de crédito hipotecário e agrícola dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Pesquisa em arquivos franceses (SAES & SZMRECSÁNYI, 1985: 210) revelou que “os capitais franceses no Brasil não assumiram, em momento algum, proeminência comparável à dos capitais ingleses ou norte-americanos. No entanto, entre 1900 e 1914, o mercado de capitais de Paris foi palco de repetidos lançamentos de títulos brasileiros (emitidos pelo Governo Federal e por governos estaduais e municipais, bem como debêntures de empresas brasileiras ou de empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil)”.

Essa pesquisa mostrou, por exemplo, que os negociantes franceses de café foram os primeiros a se manifestar contra a Valorização do Café a partir do Convênio de Taubaté. Esta postura crítica à intervenção brasileira no mercado de café fez a maior

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pressão quando, em 1908, o governo do Estado de São Paulo estava na iminência de obter “pacote” de empréstimos, principalmente em Londres, mas a ser também parcialmente levantado no mercado financeiro de Paris. Discutiu-se a admissão (ou não) dos títulos do empréstimo à negociação na Bolsa de Paris, condição essencial para viabilizar, sob o ponto de vista financeiro, a realização do empréstimo. “Essas resistências, entretanto, tenderiam a ceder diante da força dos interesses financeiros franceses. O próprio presidente da Câmara do Comércio do Havre reconhecia que ´... é inegável que, se a garantia federal for dada ao empréstimo do Estado de São Paulo, eventualidade que não parece duvidosa, um consórcio de bancos estrangeiros, representando as firmas em que está depositada a maior parte do estoque da valorização, estará disposto a subscrever firmemente a totalidade do empréstimo. Esta operação financeira se realizaria, portanto, fora do controle do mercado e dos interesses franceses, se o banco francês que se propôs a fazer parte do consórcio não puder dele fazer parte na prática. Parece, portanto, que a presença de elementos franceses na comissão de controle da operação é desejável, necessária até” (apud SAES & SZMRECSÁNYI, 1985: 211).

Esses pesquisadores prosseguem: “admitida, portanto, em diversos níveis, a participação financeira francesa na Valorização do Café, restava a questão de saber se a admissão de títulos de empréstimos à negociação na Bolsa de Paris seria dada sem qualquer contrapartida. A tendência que vinha sendo definida – e que prevaleceria ao final – era a de utilizar o processo de admissão dos títulos brasileiros à Bolsa de Paris como um instrumento de pressão para obter melhores condições para as exportações francesas ao Brasil” (SAES & SZMRECSÁNYI, 1985: 212).

Os franceses tinham posição dividida a respeito. Os ligados aos interesses financeiros possuíam a convicção que “neste tipo de negócios, acaba prevalecendo o lado financeiro: se tais empréstimos são bons para os emprestadores, eles entendem que, à falta da praça de Paris, os brasileiros encontrarão outros mercados”. Já os representantes dos interesses industriais e comerciais franceses tinham “a proposta de não admissão para os empréstimos estrangeiros em geral, a não ser em troca de compensações para a França, tais como encomendas à sua indústria ou concessão de favores alfandegários (por exemplo, redução das tarifas brasileiras), para seus produtos de exportação”.

Por volta de 1908 ainda prevaleciam os interesses comerciais. Mas, a partir de então, os interesses de ordem financeira também começaram a aparecer nas decisões das autoridades francesas. SAES & SZMRECSÁNYI, (1985: 214) citam o caso da fundação do Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola do Estado de São Paulo (precursor do Banespa): “o Ministro da República Francesa no Brasil também tentava negociar vantagens para sociedades francesas (em particular a concessão de um banco hipotecário no Estado de São Paulo), em troca da emissão em Paris de parte de um empréstimo ao governo brasileiro”.

Nos numerosos processos pendentes de julgamento da admissão de títulos brasileiros à Bolsa de Paris (submetidos ao Ministério das Finanças que dava o parecer final) adotou-se o procedimento de apenas admitir sob certas condições: “antes de mais nada, a regularização de casos pendentes (tais como dívidas não pagas a empresas ou indivíduos franceses); depois, principalmente no caso de empresas concessionárias de serviços públicos, o compromisso de encomendas à indústria francesa e de introdução

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de administradores de nacionalidade francesa nos conselhos de empresas contempladas”.

No entanto, esses autores chamam a atenção que, “por volta de 1914, a progressiva insolvência de empresas que operavam no Brasil, bem como dos municípios e estados brasileiros, e até do próprio Governo Federal multiplicavam os casos pendentes. Naquele ano, os ministérios franceses das Finanças e dos Negócios Exteriores chegaram a um acordo no sentido de fechar o mercado financeiro de Paris aos empréstimos brasileiros (públicos e privados), enquanto deixassem de ser regularizadas nada menos que 13 dívidas e/ou reclamações pendentes”.

A situação brasileira ficou calamitosa, segundo VILLELA & SUZIGAN (1975: 321), “quando, em 1913-14, em virtude da queda nos preços internacionais dos produtos brasileiros de exportação, e da crise européia que degeneraria na I Guerra Mundial, reduziram-se, drasticamente, os saldos do balanço comercial, chegando a haver déficit no ano de 1913. Com a deflagração da guerra, em julho de 1914, paralisaram-se também as entradas de capitais, e o país viu-se impossibilitado de realizar os pagamentos da dívida externa. A solução encontrada foi a característica desse período: a realização de um novo acordo para a consolidação da dívida”. O segundo funding loan foi contratado a 19 de outubro de 1914. Ficavam suspensas as amortizações de todos os empréstimos, à exceção do próprio funding loan, pelo período de 13 anos. Durante os 6 anos subseqüentes ao acordo, não se registraria entrada de novos empréstimos.

Os banqueiros franceses participaram da negociação do funding loan brasileiro de 1914. No entanto, “o predomínio, na reunião, dos banqueiros ingleses fez com que, apesar disso, o funding fosse concluído sem atender às exigências dos banqueiros franceses, e sequer chegando a regularizar de imediato os vários empréstimos tomados em Paris” (SAES & SZMRECSÁNYI, 1985: 215). Eles buscaram acordo com o governo brasileiro e chegaram a propor novos financiamentos a fim de regularizar a dívida com o mercado francês. Entretanto, as condições do mercado de capitais francês depois de 1914 reduziram as possibilidades de cessão de novos empréstimos ao Brasil.

Essas evidências empíricas confirmam, sem dúvida, a hipótese do predomínio do capital financeiro na economia mundial do início do século XX. Pela ótica dos investidores franceses, acabou prevalecendo o interesse financeiro na operação de criação do Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola do Estado de São Paulo, em 1909. Isso porque, no limite, “as oportunidades de ganho elevado e imediato pela intermediação no lançamento de títulos em Paris se revelam tão grandes que algumas casas bancárias não hesitam em negociar empréstimos sem qualquer garantia de solvência dos devedores. A longa lista das dívidas de estados, municípios e empresas situadas no Brasil percorre o após-guerra, a década de 1920, e penetra pelos anos 30, sem que os portadores das obrigações tivessem recebido os juros ou os principal de seu capital” (SAES & SZMRECSÁNYI, 1985: 216).

Em conclusão, os efeitos da penetração do capital francês no Brasil foram também de caráter eminentemente financeiro. No caso do capital da fundação do Banque de Crédit Hypothécaire et Agricole de l´Etat de São Paulo foi aplicação tipicamente de portfólio de investidor francês. Envolvia tanto o empréstimo a governo estrangeiro como a participação acionária de capitais em empresas privadas com sede em outros países.

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Façamos, para confronto de experiências diversas, estudo de mais dois casos de bancos estrangeiros que se instalaram no país, no início do século XX. Um estudo será de caso “vencedor”, o do Citibank, banco com origem norte-americana. Outro estudo de caso, o do Banco Francês e Italiano para a América do Sul, será a respeito da origem histórica de um “perdedor”, no sentido que seu sucessor, o Sudameris, acabou sendo vendido, no início do século XXI.

6.3. Estudo de caso: Citibank

A comemoração dos 85 anos de história do Citibank no Brasil propiciou a publicação de um livro com pesquisa que se valeu dos arquivos do próprio Banco, de jornais, da bibliografia existente sobre o banco e a indústria financeira nos Estados Unidos e na Europa, além da literatura sobre economia, bancos e política no Brasil, no período em questão. Vamos nos valer dessa obra (FERREIRA, 2000) para o estudo de caso do banco internacional que foi o maior credor da dívida externa do país: o Citibank.

Um grupo de comerciantes fundou o Citi, em 1812, com sede em Nova York. Esses fundadores fizeram gestão temerária ao obrigarem-no a fazer empréstimos para companhias controladas pelos seus sócios. Chegaram ao risco de bancarrota, quando houve um pânico financeiro na cidade, em 1837, decorrente da elevação da taxa de juros na Grã-Bretanha e conseqüentes recessões lá e nos Estados Unidos.

John Jacob Astor, então detentor de uma das maiores fortunas dos Estados Unidos, foi essencial para evitar a quebra. Ele indicou executivo, Moses Taylor, para a direção do Citibank. Era muito rico, pois quando morreu, em 1882, tinha uma fortuna de US$ 33 milhões, cerca de 3 vezes os ativos do Banco. Era também bem relacionado. Taylor reforçou os laços do Citi com seus clientes corporativos. As empresas não-financeiras deixavam seus caixas aplicados no Banco e tomavam emprestado dele, quando necessitavam.

A preferência pela liquidez característica de sua gestão, mantendo grande parte de suas reservas bancárias em dinheiro vivo, propiciou-lhe a passar praticamente incólume por três outras crises financeiras nos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, em 1857, 1873 e 1884. Outro presidente do Banco, James Stillman, mais ligado às finanças, antes de assumir o cargo já tinha participado de operações de subscrição de ações de ferrovias e indústrias. No comando do Citibank, deu início a sua atuação na área de banco de investimentos, uma das atividades mais lucrativas, no final do século XIX.

Trouxe para o Banco contas como a da Standard Oil of New York, do empresário John D. Rockefeller, companhia cuja origem datava de 1863. Ela já configurava tendência à monopolização, barrada pela Justiça.

Segundo FERREIRA (2000: 24), “a ligação estreita com esses clientes e com o comércio traria o Citibank ao Brasil. Para atender à clientela, já na ocasião com interesses em vários outros lugares do mundo, além dos EUA, o banco criou uma área de comércio exterior no final do século 19. O financiamento às exportações de trigo promoveu essa atividade de comércio exterior nos bancos norte-americanos já em 1873”.

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A legislação bancária vigente no Brasil era o Decreto nº 2.711 de 1860. Para se estabelecer no país, qualquer banco necessitava apenas comprovar que estava constituído oficialmente no local de origem e ter a autorização do Imperador. Logo após o decreto, em 1863, instalou-se no Brasil o primeiro banco estrangeiro, o London & Brazilian Bank, sinalizando a predominância do capital inglês nas finanças locais. Antes disso, os bancos ingleses operavam no país por meio de agências, inclusive associando-se com o pioneiro do capitalismo aqui, Irineu Evangelista de Souza, no Banco Mauá, McGregor & Cia. Esse banco acabou fundindo-se com o London & Brazilian Bank.

No final do século XIX, o Brasil iniciou lento movimento de troca de centro de influência da diplomacia inglesa para a norte-americana. A crise cambial, provocada pelas grandes safras de café de 1896 e 1897 e decorrente queda de preços, culminou no funding loan junto à casa bancária Rothschild, de Londres. A adoção em contrapartida de política ortodoxa deflacionária provocou retração comercial e corridas bancárias. Os bancos estrangeiros, com menor exposição aos créditos que tiveram problemas na época, e detentores de parcela substancial do mercado, foram menos afetados.

Havia no país, até 1907, com porte maior, 27 bancos nacionais e 5 estrangeiros, sendo 3 britânicos, um alemão e um belga. Entretanto, havia grande número de instituições financeiras com atuações apenas locais. Por exemplo, atuavam cerca de 20 bancos na cidade de São Paulo.

Os resultados do Convênio de Taubaté, financiado por empréstimos externos, começaram a fazer efeito sobre o mercado do café em 1909, ano que James Stillman foi substituído na direção do Citibank, já o maior banco dos Estados Unidos, por Frank Vanderlip. Nesse mesmo ano, embalado pelo primeiro empréstimo ao Brasil, ele enviou assistente à América do Sul, para avaliar se filiais na região poderiam ser lucrativas.

Em 23 de dezembro de 1913, o presidente Wilson dos Estados Unidos assinou a lei que criava o Federal Reserve. Nela, 12 bancos da reserva federal seriam supervisionados e controlados por um board de 7 membros do Fed: 5 seriam indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado e 2 outros ex-officio, o Secretário do Tesouro e o Comptroller of the Currency. A sua criação ajudou a expandir as operações do Citibank, ampliando sua oportunidade de negócio e reduzindo sua responsabilidade em relação a fazer às vezes de emprestador em última instância. Tendo assegurada estabilidade do sistema bancário do país, evitando as corridas bancárias, os bancos podiam reduzir a preferência pela liquidez e ampliar seus empréstimos e negócios.

Além disso, a lei do Federal Reserve permitiu aos bancos norte-americanos com mais de US$ 1 milhão em capital competir em escala global, rompendo antiga proibição de abrir filiais no exterior. Visava a promover o comércio exterior dos Estados Unidos.

Cerca de 6 meses após a promulgação da nova legislação bancária, iniciou-se a Primeira Guerra. Os Estados Unidos de devedores passaram a ser grandes exportadores e credores da Europa. Por ser praticamente a única fonte de crédito no mundo, Nova York acabou tomando o lugar de Londres como capital financeira mundial. Os controles cambiais impostos pelo governo da Grã-Bretanha travaram os bancos ingleses. Outras praças financeiras européias também foram sufocadas pela Guerra.

O Citibank tinha razão para acreditar no sucesso da estratégia internacional. Visava com essa atender às empresas norte-americanas, inclusive fora dos Estados

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Unidos, o que havia sido permitido pela nova lei bancária do país. Inclusive o presidente da U.S. Steel, empresa formada pelo banqueiro J. P. Morgan, prometeu depósitos substanciais e informações sobre sua atuação externa, caso o Citibank abrisse filiais internacionais.

O Brasil era o terceiro maior produtor mundial de manganês durante a Primeira Guerra. Praticamente toda a produção brasileira era controlada pela U.S. Steel por meio da Companhia Meridional de Mineração. Em 1913, organizou empresa transportadora do manganês de Minas Gerais para os Estados Unidos.

A Standard Oil of New York, com negócios em várias partes do mundo, também queira a expansão do Banco para fora das fronteiras norte-americanas. Outras empresas de porte, por exemplo, a Du Pont, a W. R. Grace and Company, do setor têxtil, o frigorífico Armour, solicitavam o mesmo, inclusive com maior ênfase na América do Sul. Também a diplomacia norte-americana solicitava, explicitamente, a abertura de agência de banco de Nova York no Rio de Janeiro, de maneira a ampliar a influência no Brasil.

O empresário norte-americano e ex-corretor de Wall Street, Percival Farquhar, tinha uma miríade de negócios no Brasil e em outros países da América Latina. Estava atrás de mais recursos e tentou influenciar também Stillman, em encontro entre os dois, em Paris. Ele apenas retrucou que temia que seus executivos norte-americanos sucumbissem às “tentações tropicais”...

A indústria bancária na América Latina apresentava, até então, a predominância dos bancos ingleses e alemães. Durante a I Guerra Mundial, tratou o Citibank tirar vantagem daquela situação competitiva vantajosa. Em 10 de novembro de 1914, abriu agência em Buenos Aires, a primeira filial de um banco norte-americano fora dos Estados Unidos. A Argentina era, no início da Primeira Guerra, o país mais próspero da América Latina, um dos maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo.

Conforme prometido, as subsidiárias de multinacionais norte-americanas abriram contas no Citibank, assim como companhias locais. Sem a competição dos bancos ingleses e alemães, paralisados pela Guerra, o Citibank cresceu junto com o aumento do comércio exterior argentino.

A segunda filial internacional do Banco foi aberta em 5 de abril de 1915, no Rio de Janeiro, capital do Brasil desde 1763. No mesmo dia, a agência criou subfilial em Santos, o porto central do comércio internacional do café brasileiro. Em agosto do mesmo ano, o Citibank passou a atuar em Montevidéu, no Uruguai, e abriu a filial de São Paulo, capital. Em seguida, foi a vez de Havana, em Cuba. Nos anos seguintes, foi a vez de abertura de agências no Chile, em Salvador (Bahia), em Gênova (Itália). Em janeiro de 1917, às vésperas da Revolução Russa, o Citi abriu agência em Petrogrado, que teria seus bens confiscados logo em outubro pelos bolcheviques.

Quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra, em 6 de abril de 1917, o Citibank suspendeu o plano de instalação na Europa. No final daquela década, já tinha também filiais em Porto Alegre e Recife, no Brasil, e outras na Argentina, Chile, Cuba, Venezuela e Porto Rico, possessão norte-americana, desde 1899. Todas as agências bancárias, no Brasil, situavam-se em regiões portuárias, com mercado de câmbio ativo.

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Nas indústrias de São Paulo, estimava-se que cerca de 70% dos funcionários eram estrangeiros. A imigração trouxe atividade básica para os bancos estrangeiros: a remessa de recursos para o exterior. Entre seus clientes, o Citibank tinha imigrante norte-americano que importava, a princípio, farinha de trigo, madeira para construção, fosfatos, cimento, lubrificantes e utensílios de cozinha. Depois, passou a importar automóveis, tratores, motores e máquinas agrícolas. Entre outros clientes, estava a Singer Sewing Company, fundada nos Estados Unidos em meados do século XIX, a Light, que seria por muitas décadas o maior grupo estrangeiro instalado no Brasil. No rol dos clientes estavam multinacionais, bancos e empresas ligadas ao comércio exterior. Entre as primeiras, a firma de auditoria Price Waterhouse, a Universal Films, a General Electric, a Goodyear e a Elevadores Otis.

Entre as empresas brasileiras de porte, a seguradora Sul América e a rede vestuário Sloper destacavam-se entre os clientes. Assim como, a ACM, a trader de café e importadora Theodor Wille, os importadores e industriais, casos das famílias Jafet, Crespi, Klabin e Matarazzo.

No movimento financeiro da época da instalação do Citibank no país, ocorreram intensas relações interfinanceiras com outras instituições financeiras, como a casa Rothschild, o London & River Plate Bank, o Banco Alemão Transatlântico, o Brasilianische Bank für Deutschland, o London & Brazilian Bank, o Deutsch-Sudamerikanische, o Bristish Bank of South América, o Crédit Suisse, o Crédit Lyonnais. Além desses, relacionava-se com o Banco do Brasil e outros bancos nacionais de maior porte, como o Banco Comércio e Indústria de São Paulo. As agências transacionavam também com os bancos regionais do interior. O Banco descontava títulos, chamados de “letras”, espécie de duplicata, contra despachos de café e gado de vários pontos do país.

O relacionamento comercial brasileiro com os Estados Unidos pautava-se, principalmente, por que eles eram os maiores consumidores do café produzido no Brasil. Mas o valor das importações feitas nos EUA cresceu, na década de 20, a ponto de superar o montante das compras feitas na Inglaterra.

Por outro lado, os empréstimos externos serviram ao financiamento da infra-estrutura, portos, ferrovias, a política de valorização do café ou mesmo para cobrir o serviço da própria dívida externa brasileira. Em 1928, o Brasil já apresentava a maior dívida externa da América Latina, com 44,2% do total. O serviço da dívida consumia boa parte da receita com exportações.

Havia enorme dificuldade de comunicação entre as filiais. Para mandar as informações para a capital do país, havia como alternativas o telégrafo ou o malote, despachado por navio ou trem. No Rio de Janeiro, um executivo recebia os números enviados pelas agências com atraso e os remetia para Nova York até o dia 25 de cada mês. A matriz fechava o balanço mensal das operações internacionais com defasagem.

O Citibank oferecia ampla gama de produtos e serviços: contas correntes, depósitos a prazo, desconto de adiantamentos contra títulos e mercadorias, empréstimos, emissão de cartas de crédito, guarda de títulos e valores mobiliários, cobrança de títulos financeiros, transferência de fundos por telegramas ou cartas, etc. Dispunha também de banco de dados, onde reunia informações de empresas que quisessem importar e exportar nos vários pontos onde o Banco já estava instalado. A isso se juntava a

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possibilidade de cobrança e pagamento em vários países. Possuía ativa seção de cobrança, complementada pelo trabalho da área de ordem de pagamento, contando com bancos correspondentes. Essa era a principal vantagem competitiva do Citibank: o fato de contar com bancos correspondentes em vários lugares do mundo, além de estar nas principais cidades brasileiras, na época.

Antes dos anos 20, vários bancos estrangeiros se instalaram no país: além dos já citados, o Banco Holandês América do Sul, o The Royal Bank of Canadá, o Yokohama Species Bank e o Banco Italiano de Descontos. Somente a partir da década de 20 que o governo começou a exigir capital mínimo para a abertura de bancos. Em 1920, as instituições financeiras estrangeiras tinham depósitos equivalentes à metade do total do país. Essa participação foi caindo, em função do início de atividades de instituições financeiras brasileiras e da saída de vários bancos estrangeiros, até atingir em torno de 27% do total no final da década.

Em junho de 1929, em depósitos, o Citibank no Brasil, com US$ 25,6 milhões, perdia apenas para Cuba (US$ 54,1 milhões), China (US$ 53,1 milhões), Inglaterra (51,9 milhões) e Argentina (US$ 31,8 milhões). Mas ficava à frente de outros 13 países entre os 18 em que o Banco já atuava. A América Latina era a primeira região internacional do Banco, com US$ 151,4 milhões de depósitos, seguida da Ásia, com US$ 87,1 milhões, e da Europa, com US$ 68,6 milhões.

Ao final de 1929, 61% do total de depósitos (US$ 551,1 milhões) do Citibank estavam fora dos Estados Unidos. Dos empréstimos de US$ 354,5 milhões, apenas US$ 24,1 milhões (7%) tinham sido gerados em Nova York. Quanto ao lucro do Banco, as filiais no exterior proporcionaram ganho de US$ 6,5 milhões, enquanto a atividade de comércio exterior na praça de Nova York gerou lucro de apenas US$ 800 mil.

A atuação no varejo bancário, pensada antes da grave crise que se seguiu nos anos 30, serviu para o Banco compensar a dramática queda na atividade econômica e no comércio exterior, devido ao crash da Bolsa de Nova York. A grande prosperidade norte-americana, no período entre guerras, levou o Citibank a buscar o cliente pessoa física. A ênfase anterior estava no negócio de atacado, com o banco de investimentos e os serviços para as grandes corporações, além da implantação de rede internacional.

O Citi queria fazer pelos serviços financeiros algo equivalente à popularização que a General Motors tinha promovido com os automóveis. Tinha o objetivo de abertura de contas “econômicas” ou os “depósitos populares”, nos Estados Unidos. No Brasil, confiar dinheiro à guarda de terceiros era algo restrito à pequena elite do país, onde o processo de urbanização mal começara. Em 1930, o Citibank possuía apenas 9.500 contas limitadas (com juros maiores e sem direito a “livro de cheques”, podendo apenas sacar na “boca do caixa”) e 2.900 contas correntes (destinadas mais às empresas, com juros menores, valores mínimos, e movimentadas com cheques), mas tinha depósitos estimados em cerca de US$ 6 milhões apenas nesses tipos de contas.

A atividade relacionada ao comércio exterior, o forte do Citibank no Brasil, havia sido afetada pelo crash. O Banco do Brasil passou a ter o monopólio do câmbio. A venda de moeda internacional a ele era obrigatória. A moeda nacional se depreciou em 55%, entre 1930 e 1931, aumentando a carga do serviço da dívida externa. Após setembro de 1931, os pagamentos da dívida externa foram suspensos.

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Os efeitos da crise, no Brasil, foram menos dramáticos do que nos países desenvolvidos, inclusive entre os bancos. Nestes países, a recuperação econômica da Grande Depressão foi mais lenta do que no Brasil. Houve várias corridas aos bancos, nos Estados Unidos, necessitando a decretação de feriados bancários às pressas. Quando os bancos ficavam abertos, o público tentava sacar o que podia. O Citibank, em março de 1933, chegou a perder quase 33% dos seus depósitos em relação ao mês anterior, em apenas alguns dias.

Foi necessária profunda reforma bancária, nos Estados Unidos, consubstanciada na Lei aprovada em junho de 1933. Tentava limitar a exposição dos bancos ao risco, restringindo também a competição a que cada instituição estaria sujeita. Cada banco teria um mercado regional protegido. Houve também a separação de atividades entre bancos comerciais e bancos de investimento. O Citibank teve que vender seu segmento de investimentos, concentrando-se na sua carteira comercial. Seus acionistas perderem 68% de seu patrimônio, a partir da crise de 1929. No segmento internacional, as perdas, desde 1929 até 1933, chegaram a US$ 77 milhões, quase a metade do total de seus prejuízos: US$ 167 milhões. A maior parte do prejuízo ocorreu na Alemanha. Com a ascensão de Hitler, tratou de tentar tirar o mais rápido possível todo o dinheiro daquele país.

Getúlio Vargas teve comportamento pendular quanto ao capital estrangeiro. Projeto de lei previa a nacionalização de bancos e empresas de seguro, até 1946. Vargas não acatou a proposta da lei in totum.

Os Estados Unidos, que entraram na guerra em dezembro de 1941, buscaram ampliar círculo de segurança para o país, através de uma aliança com os países da América do Sul. Vargas aproveitou a oportunidade para a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional. Reforçou os temores norte-americanos quanto à possível participação alemã no projeto siderúrgico, antes que a II Guerra estourasse, o que sensibilizou o governo norte-americano. Obteve acordo de cooperação que garantia a construção da siderúrgica. Assegurou pacote de financiamentos que marcou a fase em que os empréstimos oficiais tomaram o lugar dos créditos de bancos privados.

A Segunda Guerra interrompeu a expansão mundial do Citibank. A maioria das filiais da Europa e na Ásia foi fechada. O Banco, em conjunto com o restante do sistema bancário nos Estados Unidos, atuou basicamente como agente do Tesouro para a colocação de títulos federais, destinados a financiar as despesas militares. Inclusive, o alistamento militar reduziu o corpo de funcionários do Banco para 8.650, no final de 1943. Passou a contratar mais mulheres – de menos de 25%, antes da guerra, para 43%, no final.

No Brasil, os serviços ligados à importação, no Citibank, despencaram. Momentaneamente, o Banco se voltou mais para atividades locais. Somente o movimento cambial na filial de Recife cresceu, com a base aérea norte-americana em Natal, Rio Grande do Norte.

Com o restabelecimento da paz na Europa, o Citibank buscou reconstruir sua rede internacional de agências, desmontada pelo conflito. A estratégia era oferecer aos acionistas possibilidade de diversificação e lucros, em relação ao mercado norte-americano, além de oferecer serviço aos clientes que os concorrentes não possuíam.

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Apesar dos percalços, o Citibank permaneceu com a maior rede internacional de banco norte-americano.

O Citibank voltou a investir aqui, reabrindo filiais em Porto Alegre (1948) e Salvador (1950). Reorganizou suas divisões por setores da economia, não mais por segmentação geográfica. O novo organograma se destinava aos clientes corporativos do Banco, apenas nos negócios domésticos. Três segmentos foram criados: petróleo, serviços públicos e transportes. Com apenas 151 contas, o setor de petróleo surgiu como o maior destaque, com seu crédito subindo de US$ 62 milhões para US$ 324 milhões.

Em 31 de março de 1955, o Citibank realizou fusão com o First National Bank. O nome da instituição resultante foi First National City Bank of New York. No momento da fusão, o First National era bem menor do que o Citibank. Seus ativos somavam apenas US$ 700 milhões, ante US$ 6,5 bilhões do Citi. Mas o First National desfrutava de excelente carteira de clientes, como a Ford Motor Company, que o tinha como seu principal banco, assim como a U.S. Steel, que era cliente do Citi apenas fora dos Estados Unidos.

No Brasil, seu novo investimento foi inauguração de uma nova sede, construindo prédio na Av. Ipiranga com a Av. São João. Era destinada sobretudo aos clientes corporativos. A atividade de atendimento a pessoas físicas continuava tímida. Basicamente, o Citibank tinha entre seus clientes diretores de empresas e executivos das multinacionais, que possuíam contas corporativas na instituição. A abertura de conta de pessoa física era quase favor, exceção nas suas atividades. O Banco permanecia concentrado no comércio exterior, dado seu relacionamento com grandes multinacionais instaladas no país. No câmbio, operava em várias moedas.

Ainda na década de 50, o Citibank realizou a primeira iniciativa de empréstimo em moeda estrangeira (US$ 1 milhão) diretamente para companhia brasileira: a Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Operações semelhantes de empréstimos externos voltariam a ser realizadas pelo Citi, entre elas, para o Grupo Gerdau, alguns anos depois. No futuro, esse tipo de negócio ganharia enorme espaço nas atividades bancárias no país.

O câmbio continuava o grande negócio do Banco, aqui. Na filial de Santos, ocupava 50% do seu movimento. Ele comprava as cambiais dos exportadores, com vencimentos de 90 a 180 dias, negociava os dólares no mercado e gerava moeda nacional para suas operações de crédito.

No final de 1955, o Citibank tinha 61 filiais internacionais, abaixo das 83 que alcançara em 1930 e das 63 que tinha em 1940. Havia apenas 3 agências na Europa. Na Ásia, a rede era de 12 agências, em cinco países, comparada com 17, em seis países, antes da Segunda Guerra Mundial. Apesar disso, mantinha sua posição como maior instituição financeira norte-americana no exterior. Outra mudança foi a contratação de executivos locais para tocar sua rede internacional. Em 1947, por exemplo, havia apenas 165 norte-americanos, pra uma equipe de 4.200 funcionários, fora dos Estados Unidos.

Essa redução também reduziu o percentual de lucros internacionais no balanço do Citibank. Caiu de 30%, em 1930, para 16%, em 1955. A parcela internacional de depósitos e empréstimos caiu de 25% e 29%, em 1930, para 11% e 4%, em 1955.

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Entretanto, iniciou expansão de filiais, no final dos anos 50, que perduraria durante os anos 60, como resposta à rápida internacionalização da economia norte-americana, no mesmo período. Entre 1960 e 1970, o valor patrimonial do investimento direto norte-americano no exterior pulou de US$ 21 bilhões para US$ 55 bilhões. O Citibank foi junto com seus clientes para fora dos Estados Unidos. Dentre 187 companhias que perfaziam ¾ de todo o investimento direto industrial dos Estados Unidos fora de suas fronteiras, 165 eram clientes do Citibank. Suas contas estavam entre as maiores do Banco. Reforçar os laços com essas empresas no exterior era o modo de consolidar o relacionamento com esses clientes, os mais disputados em todo o mundo.

Com os repasses externos do Citi construíram-se obras de infra-estrutura importantes para o Brasil, como a ponte Rio-Niterói, as hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, os pólos petroquímicos da Bahia e do Rio Grande do Sul. A indústria automobilística consolidou-se e a rede telefônica também foi expandida com canalização de recursos estrangeiros efetuada pelo Banco.

O Citibank, braço comercial do Citigroup, era, no final do século XX, de longe, o líder dos bancos comerciais internacionais. Estava estabelecido em 100 países, tendo então como objetivo atingir um bilhão de clientes em todo o mundo por volta de 2010. Entretanto, no Brasil, permanecia atuando como “banco de atacado”, não tendo adquirido nenhum banco de rede de varejo nem investido fortemente em crescimento orgânico. Aqui, operavam as empresas Citibank, com atendimento bancário a pessoas físicas e jurídicas, restritas a 110 agências. Havia a Credicard Citi, que oferecia cartões de crédito e planejava uma expansão, tinha 4,7 milhões de cartões emitidos; a Corretora de Seguros; e a CitiFinancial, que estava em ritmo de crescimento, buscando prover crédito pessoal às classes C e D, com 134 lojas abertas em 22 Estados brasileiros e 75 cidades, com 246 mil contas de clientes.

Empresas de grande e médio porte contavam com o segmento corporativo, que oferecia desde soluções financeiras para o dia-a-dia de cerca de 2 mil empresas até operações estruturadas e know-how internacional em produtos de banco de investimento. Já o CitiBusiness era o segmento especializado em pequenas e médias empresas, com faturamento médio mensal de R$ 30 mil a R$ 2,5 milhões. Com estrutura internacional de atendimento, o segmento Citi Private Bank dedicava-se à administração de grandes fortunas individuais e familiares. Foi o primeiro private bank a ser estruturado no Brasil, em 1988.

O resultado de mais de nove décadas de atuação do Citi no Brasil traduzia-se em portfólio de mais de 300 mil correntistas, R$ 30,8 bilhões em ativos totais, R$ 3,2 bilhões de patrimônio líquido e mais de 6 mil funcionários.

Em 2006, o Citigroup era apenas o 12º maior banco do Brasil em ativos, com US$ 10,7 bilhões sob sua administração. Essa quantia era bem inferior se comparada, por exemplo, aos US$ 31,9 bilhões em ativos que o ABN Amro tinha no Brasil. As 64 agências brasileiras do Citigroup correspondiam a apenas 5% das 1.100 agências do ABN, segundo dados do Banco Central. Outro grupo estrangeiro, o HSBC tinha 932 agências espalhadas pelo Brasil e US$ 20,3 bilhões em ativos sob sua administração.

Com rede de agências diminuta, o Citibank tinha desempenho inferior ao dos demais bancos. Como a matriz exigia que fosse feito hedge cambial do patrimônio, com

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a apreciação da moeda nacional, o banco teve prejuízo no Brasil em 2004, de R$ 308 milhões. No ano seguinte, reduziu o prejuízo para R$ 51,6 milhões. Nos anos em que deu lucro, sua rentabilidade sobre o patrimônio ficou entre as menores do setor, com 6,7%.

Na opinião de analistas de mercado brasileiros, o Citi vivia dilema. Ele estava vendo o mercado de crédito pessoal crescer e os bancos locais ganhando espaço nesse segmento, enquanto ele estava patinando. Enquanto os grandes bancos locais como Bradesco, Itaú e Unibanco compraram financeiras e fizeram acordos operacionais com redes de varejo para conceder crédito ao consumidor, o Citi tinha a Citi Financial, apenas, sem grande penetração no mercado popular de crédito. O retorno dos bancos estava sendo obtido nos empréstimos pessoais que não eram o foco da atividade do Citibank.

Nesse sentido, o Citibank desembolsou R$ 280 milhões para se tornar o único dono da marca de cartões Credicard, que compartilhava com Itaú desde maio de 2006. A decisão fazia parte do projeto estratégico do Citibank de crescer no Brasil. Avaliava que o mercado nacional de cartões continuaria a se expandir ao ritmo anual de 20% registrado nos cinco anos anteriores, tendo o número de cartões de crédito no Brasil já atingido 68 milhões, e o valor das transações, R$ 123 bilhões, em 2005. A expansão, certamente, continuaria nos anos seguintes, porque o uso de cheques no Brasil ainda era muito alto, quando comparado ao de outros países. Esse fato sustentava a previsão de expansão desse mercado acima do ritmo de crescimento da economia. O Brasil era um dos poucos países que ainda tinha o cheque como um dos principais meios de pagamento. O Citibank era o maior emissor de cartões de crédito do mundo e ocupava o terceiro lugar no ranking brasileiro entre as instituições financeiras privadas, atrás do Itaú e do Bradesco.

A Credicard foi criada, em 1971, por uma sociedade entre Citibank, Itaú e Unibanco, que decidiu sair do grupo no fim de 2004, com a venda de sua participação aos outros dois sócios. Em maio de 2006, Citibank e Itaú decidiram colocar fim à associação e dividiram entre eles os ativos da Credicard; surgiu então a Credicard Citi e a Credicard Itaú. O acordo previu que o Citibank teria a opção de compra da parcela de seu ex-sócio.

O Citi, na opinião de Márcio Cypriano, presidente do Bradesco e, na época, da FEBRABAN (FSP: 11/05/06), “perdeu o ‘timing’ do processo de fusões e aquisições que nos últimos 30 anos varreu o setor. Dos 200 grandes bancos que existia, sobraram Bradesco, Itaú, Unibanco e Safra. O Citi está há 90 anos no país, e nesse período perdeu algumas oportunidades de negócio como o Mercantil de São Paulo e o BCN”.

Gustavo Marin, presidente da subsidiária brasileira do Citigroup, sediado em Nova York (EUA), declarou que o banco não tinha planos para realizar aquisições com a intenção de promover seu crescimento no Brasil. “Nossa estratégia não pode depender de aquisições. Estamos nos concentrando no crescimento orgânico de todas as áreas”. (FSP: 11/05/06).

6.4. Estudo de Caso: Sudameris

Na última década do século XIX, só o Estado de São Paulo recebeu cerca de 700.000 colonos vindos da Itália, Portugal, Espanha, além de outros em menor número

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originários de diversos países. Enquanto nas fazendas de café eles substituíam o trabalho escravo, na região Sul do país iam colonizar terras até então não aproveitadas. Os portugueses, assim como os sírios e os libaneses, que vieram ao Brasil, dedicaram-se mais ao comércio do que à agricultura. Quando os outros imigrantes conseguiram deixar sua condição de colonos, foram trabalhar nos centros urbanos como assalariados ou como donos de seus próprios negócios.

A partir de 1895, imigrantes italianos que já haviam conquistado posição de certo relevo, em suas atividades comerciais e industriais, tiveram a idéia de fundar banco que viesse atender às necessidades de financiamento de novas iniciativas e facilitasse as transações mercantis. Nessa época, vivia o Brasil uma de suas piores crises financeiras. Mas, segundo o autor da obra de referência para estudo deste caso, MARIANNO (1991: 19), na edição comemorativa dos 80 anos de fundação do Banco Sudameris Brasil, antigo Banco Francês e Italiano para a América do Sul, “a crise bancária brasileira de 1900 não intimidou o comendador Giuseppe Puglisi Carbone, siciliano, nascido em Riposto, que muito jovem veio ao Brasil, radicando-se em São Paulo. Assim, no dia 14 de julho daquele ano de 1900, surgia o Banco Commerciale Italiano de São Paulo, tendo como seu presidente o comendador Puglisi, que acreditou no apoio da colônia italiana e na certeza de que o Brasil teria grande futuro pela frente”.

Firmada a posição do Banco na capital paulista, lançou-se ao interior do Estado, abrindo agências nas cidades que possuíam reconhecido potencial econômico. Em pouco tempo, estruturou rede de agências. Para esse rápido crescimento, recorreu à Banca Commerciale Italiana de Milano, obtendo empréstimo de £ 1.000.000, em 1905. Era o início de um intenso relacionamento.

Um ano após, a diretoria da Banca Commerciale concluiu que era chegado o momento de estender suas atividades à América do Sul. Em princípio, o terreno mais propício a esse fim seria o Brasil, onde já havia ótimo relacionamento com o Banco de Puglisi. Assumiu, então, o compromisso de mais do que dobrar o capital desse último. Para evitar a confusão de nomes, a razão social do Banco Commerciale Italiano de São Paulo foi mudada para Banco Commerciale Ítalo-Brasiliano. Sua diretoria foi reforçada por executivos vindos de Milão.

O Banco de Milão dava forte apoio ao Ítalo-Brasiliano, inclusive prestando garantias para abertura de créditos em Paris, Londres, Hamburgo, etc. Assim, além de crescer no Brasil, o Banco estendia sempre mais suas atividades no exterior. Somava às operações comuns como contas correntes, descontos, cobranças, a emissão de cheques e ordens de pagamentos sobre a Itália, Portugal, Espanha e outras principais praças da Europa. Emitia vales postais para todas as cidades italianas, comprava e vendia moedas estrangeiras, abria contas correntes em liras italianas com juros de 2% ao ano, além de vender passagens marítimas a bordo das companhias de navegação de origem italiana.

Dado seu potencial de negócios, em 1910, o Banco Commerciale Ítalo-Brasiliano foi absorvido pela Banque Française et Italienne pour l´Amerique du Sud, que acabava de ser fundada em Paris. Seu fundador e principal diretor, o comendador Puglisi, passou a integrar seu Conselho de Administração. Uniam-se interesses franceses e italianos, ligados por tratado comercial, que permitia maior intercâmbio entre empresas italianas e francesas, para se expandir além das fronteiras de seus próprios países.

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Dentro desse espírito, a Banque Française et Italienne pour l´Amerique du Sud, com sede em Paris, foi autorizada a funcionar no Brasil pelo Decreto nº 8.169, de 25 de agosto de 1910. Como seu nome expressava, a sociedade tinha por principal objetivo favorecer as relações de negócios entre a França, Itália e a América do Sul. No mesmo ano de sua fundação, instalou-se no Brasil.

Sua rede de agências se expandiu, inicialmente, pela capital e pelo interior do Estado de São Paulo, obedecendo à política orientada em direção ao café. Cidades como Ribeirão Preto, Jaú, Botucatu, São Manoel, São Carlos do Pinhal. Espírito Santo do Pinhal eram tradicionais regiões cafeeiras que dispunham de base efetiva propícia ao crescimento do comércio bancário. Mas ele abriu agências também em cidades como São José do Rio Preto, Ourinhos, Presidente Prudente, que na época eram vistos como o sertão paulista. Ao lado da agricultura, crescia também a pecuária, com gado de corte e leiteiro, levando o Banco a se instalar nas cidades de Barreto e Mococa.

Com a ampliação das exportações e maior intercâmbio com o exterior, a seção Comércio Internacional - Câmbio teve destacado papel, facilitando, inclusive, a entrada de recursos externos que foram aplicados em diferentes ramos de atividades. A solidez de sua posição apoiava-se na fidelidade de sua clientela, baseada principalmente na comunidade de italianos no país.

O Banco lançou empréstimos em contas correntes a descoberto, mediante contrato de crédito assinado somente pelo tomador, constituindo-se em “crédito em branco”, garantido pela figura do “fio do bigode” (confiança na palavra da pessoa), cuja maioria era pontualmente resgatada. Esse sistema de saques a descoberto foi de grande valia aos comerciantes de café, algodão, cacau, sisal, etc., que podiam financiar os produtores. No caso do café, eles podiam comprar a produção em “coco”, beneficiá-lo, para depois vendê-lo aos exportadores. Parte desse dinheiro financiado voltava ao Banco sob a forma de depósitos a prazo fixo, feitos pelos fazendeiros ou, mais especialmente, pelos sitiantes, após a venda de suas safras.

A evolução da economia, o crescimento da clientela bancária e a própria mudança nos costumes levaram ao sistema bancário a passar exigir, nas operações de crédito com nota promissória sem garantia, além da assinatura do emitente, a co-obrigação de avalista. A medida trouxe, de início, problemas aos gerentes e aos clientes, acostumados a obter crédito com sua simples assinatura e responsabilidade pessoal. Eles passaram a ter de arranjar avalista de suas notas promissórias. Foi o início do processo de massificação bancária e do atendimento mais impessoal.

O antecessor do Sudameris inovou muito também no setor contábil-administrativo. Centralizou toda a contabilidade, diminuindo os custos e tornando mais ágil o atendimento à clientela. Esse sistema serviu, posteriormente, como modelo para a contabilidade de vários bancos brasileiros.

O Banco Francês e Italiano acompanhava a evolução do país, estendendo sua rede de agências não só no interior de São Paulo, mas em outros Estados. Inaugurou uma Sucursal em Recife, em Pernambuco, e uma agência em Paranaguá, no Estado do Paraná, ambas as cidades portuárias. Posicionava-se, na prática, como um banco de dimensão nacional, no que diferia da política geralmente adotada pelas instituições bancárias estrangeiras, que se fixavam na capital do país e em uma ou outra capital de Estado mais importante. O Banco Sudameris, antigo Banco Francês e Italiano para a

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América do Sul, manteve a maior rede de agências de banco estrangeiro no Brasil, em toda sua história.

O país teve grande crescimento populacional: eram 17 milhões de habitantes em 1900, 30 milhões em 1920, e aproximadamente 44 milhões, em meados da década de 30. Permaneciam, entretanto, traços originais da colonização costeira. No interior do país, estimava-se que eram 7 milhões de habitantes sobre 7 milhões de quilômetros quadrados. A região com maior potencial econômico se estendia do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul, com seu centro em São Paulo. Possuía nela uma população de 24 milhões de habitantes sobre 1 milhão de quilômetros quadrados. Os diferentes Estados do Brasil eram unidades econômicas fracamente ligadas entre si, não configurando ainda um mercado nacional integrado.

O Banco Francês e Italiano constituiu-se em empresa de prestação de serviços desde sua fundação, trazendo a experiência de seus principais acionistas, bancos de tradição na Europa. Interessou-se também pelos serviços públicos, concorrendo para que obras de infra-estrutura fossem realizadas. Garantiu e intermediou negociações, por exemplo, do serviço de tração elétrica de Recife, fez adiantamentos diversos, entre outros, à Cia. Paulista de Estradas de Ferro, à Rio de Janeiro Tranways Light & Power Co., à Municipalidade de São Paulo e ao Governo do Estado de São Paulo. Grande empréstimo a este se destinou ao pagamento da dívida flutuante proveniente dos serviços de canalização de água, aumento da rede de esgotos da capital de São Paulo e prolongamento de trecho da Estrada de Ferro Sorocabana. Esse relacionamento com o setor público garantiu-lhe prestígio, inclusive serviu como instrumento de estímulo à volta paulatina da clientela perdida em “corrida bancária”.

Nessa época, o sistema bancário privado nacional era formado por bancos regionais, com atuação limitada ao Estado em que tinham suas sedes ou a pequenas regiões dependentes do município principal. Os bancos maiores, um ou outro, mantinham, além de agências no seu Estado, filial no Rio de Janeiro, então capital da República. As casas bancárias, sediadas nas capitais e cidades do interior dos Estados, tinham reduzida área de jurisdição. O capital necessário ao funcionamento de uma casa bancária era muito menor do que o exigido para se fundar um banco.

Com esse porte, durante muitos anos, os bancos brasileiros não se arriscaram pelas operações no mercado internacional. Isso favoreceu a expansão das carteiras de câmbio dos bancos estrangeiros, como foi o caso do Banco Francês e Italiano para a América do Sul. Além de contar com apoio no exterior, mantinha, em seus quadros de funcionários, especialistas com o conhecimento técnico necessário para dar-lhe condições de oferecer os mais variados tipos de transações internacionais a seus clientes.

Os bancos estrangeiros dividiam com o Banco do Brasil o mercado de câmbio. Suas sucursais, com a exceção do Banco Francês e Italiano, encontravam-se localizadas no litoral ou eram limitadas ao “triângulo” Rio-São Paulo-Santos. As operações ativas, de maneira geral, eram de natureza comercial e com alta liquidez. Cerca de 70% dos recursos dos bancos estrangeiros provinham de depósitos de firmas e pessoas estabelecidas e residentes no país, dos quais grande parte era aplicada em operações de interesse local. Segundo MARIANNO (1991: 54), desconsiderando as transações comerciais do Banco do Brasil, a quota-parte dos bancos estrangeiros no total das aplicações chegava a quase 30%, em 1935.

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Os bancos brasileiros formavam bloco com certa quantidade de pequenos estabelecimentos e casas bancárias, havendo não mais do que uma dúzia de bancos maiores, divididos em quatro grupos regionais sem nenhuma relação entre si. O pouco de circulação de capital que fluía entre os Estados era confiado ao Banco do Brasil e aos bancos estrangeiros. Os maiores bancos brasileiros tinham, até então, o caráter de estabelecimentos locais, ligados a interesses regionais ou a interesses de grupos de famílias. Daí, havia tendência a imobilizar, o que provocava uma concorrência atroz por depósitos e uma baixa proporção entre o encaixe e a exigibilidade. Esse ponto fraco, liquidez relativamente baixa, se referia à ausência de banco central.

O Banco do Brasil substituía o banco central, em algumas funções, por exemplo, mantendo uma carteira de redesconto. Mas não possuía o direito de emissão. Grande parte de seus recursos era absorvida por adiantamentos às autoridades públicas e às instituições a elas ligadas. Entretanto, dominava amplamente o sistema bancário.

Da mesma forma, a maior parte dos depósitos nas Caixas Econômicas era colocada a serviço das necessidades do Estado. Usava a carteira hipotecária ou adiantamentos garantidos por instituições públicas.

Dentro desse quadro, elaborado pelo Diretor Geral do Banco Francês e Italiano, em visita de observação ao Brasil, no ano de 1935, era traçada a estratégia do Banco. Ele avaliava que a fórmula corrente, nos anos anteriores, “pas d´emprunts; peu d´affaires directes”, poderia vir a ser “peu d´emprunts; plutot des affaires directes”. Entretanto, ele colocava como condição de “uma colaboração de importância real” a eliminação ou, ao menos, a atenuação daquilo que constatava: “hoje há ambigüidade na atitude brasileira para com o capital estrangeiro” (MARIANNO, 1991: 55).

Não foi o que ocorreu. A Constituição de 1937, promulgada pela ditadura do Estado Novo, agravou a ameaça aos bancos estrangeiros. Como a anterior de 1934, previa a transformação progressiva dos bancos estrangeiros em bancos nacionais, deixando claro que tal transformação deveria ser futuramente regulamentada. Pairava sempre como um possível vir-a-ser.

No dia 9 de abril de 1941, o Governo assinou decreto estabelecendo a data de 30 de junho de 1946 como o prazo máximo para a nacionalização dos bancos estrangeiros que atuavam no Brasil. Em novembro do mesmo ano, foram eximidos dessa obrigação os bancos dos paises americanos.

A guerra na Europa paralisara, praticamente, as operações do Banco Francês e Italiano, na França, que se viu obrigado a tomar severas medidas visando aliviar a carga das despesas, dispensando parte do pessoal. Em todas as sucursais, as operações bancárias se achavam reduzidas: não apenas as relativas ao comércio internacional, mas também aquelas locais, dificultadas pela inclusão do Banco entre as instituições financeiras constantes da “lista negra”, organizada pelos governos aliados.

O aumento das perdas em homens e navios, torpedeados por submarinos alemães, para não alcançarem os portos norte-americanos, fez com que o Brasil passasse a exigir indenizações pelos atos de agressão. Nesse sentido, o Governo brasileiro baixou decreto-lei, em 1942, bloqueando os bens e direitos dos súditos alemães, italianos e japoneses, para servir de garantia ao pagamento de indenizações pelos atos de agressão.

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Em quatro dias, 5 navios foram afundados. Esses fatos repercutiram por todo o território nacional, provocando reação popular, exigindo medidas de represália. Em decorrência, os funcionários do Banco Francês e Italiano sofreram pressões de várias ordens, inclusive vários sendo incluídos na “lista negra”. Durante o período áureo do fascismo, as autoridades do governo italiano desejavam que todos os funcionários fossem fascistas. Aqui, passaram a ser chamados de “quinta-coluna”, nome dado na Europa aos seguidores do nazismo fora da Alemanha.

Durante a guerra, jovens revoltados com os afundamentos dos navios brasileiros decidiram fazer manifestação pública e apedrejar agência do Banco. As represálias foram de vários tipos. Os caixeiros-viajantes, em grande número na época, deixaram de fazer suas remessas de cheques por ele, no qual antes concentravam suas operações. Importantes firmas brasileiras fecharam suas contas. O Banco era tido como essencialmente italiano, devido à presença de muitos funcionários pertencentes aos quadros da Banca Commerciale Italiana, com sede em Milão.

Houve velhos italianos presos em cidades brasileiras por estarem falando em público a língua de seu país. Na verdade, tratava-se de linguajar “italiano aportuguesado” de quem, por viver a tantos anos fora da pátria, esquecera a própria língua. Nos Estados do Sul, só se ouvia o dialeto veneto.

A liquidação do Banco Francês e Italiano para a América do Sul, no Brasil, durou de 1942 até 1944. Depois de 32 anos de atividades, via fecharem-se suas portas no país.

Enquanto a liquidação não era concluída, os funcionários permaneceram sem emprego e em dificuldade financeira. A Santa Sé, em meados de 1943, através do Núncio Apostólico, no Rio de Janeiro, providenciou a remessa de certa quantia de dinheiro para atender às necessidades mais urgentes do pessoal desempregado.

Somente quando o Governo francês encampou o protesto feito pela direção do Banco Francês e Italiano contra a liquidação havida, defendendo a tese de que estavam sendo prejudicados os interesses de uma instituição francesa, sediada em Paris, portanto, de um país aliado, que a situação começou a ser reconsiderada. Terminada a guerra, dirigentes de firmas francesas vieram da França ao Brasil, a fim de ver de perto a situação de suas organizações, entre elas, o Banco Francês e Italiano. O embaixador francês defendia seus interesses junto ao governo brasileiro.

Em dezembro de 1946, por decisão do Presidente da República, o Governo restituía ao Banco o produto da liquidação e das sucursais aqui instaladas, bem como os imóveis ainda pertencentes ao Banco. Desde logo, ficou claro que ele não mais voltaria como 1910, partindo para aquisição de um banco nacional, o Banco Federal Brasileiro, alterando sua denominação, ou seja, novo banco seria fundado, como sociedade aparentemente brasileira.

Em 1949, o Banco transferiu sua sede do Rio de Janeiro para São Paulo. Em 1978, com a entrada do Dresdner Bank e da União de Bancos Suíços no Banque Française et Italienne pour l´Amerique du Sud, a razão social do Banco foi alterada para Banque Sudameris e, assim, nasceu o Banco Sudameris do Brasil. Vinte anos depois, em 1998, obteve o controle acionário do Banco América do Sul, instituição fundada em 1940 por imigrantes japoneses, que mantinha clientela fiel nessa colônia. Além disso,

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passou a estar presente em todos os estados brasileiros, com exceção do Acre e do Amapá.

Voltando o foco de sua atuação para a região Sudeste, o Sudameris se destacou no atendimento de clientes de alta renda e adquiriu ampla experiência na administração de recursos e na prestação de serviços de qualidade. Era o maior banco estrangeiro no país até a aquisição do Banco Real pelo ABN AMRO em 1998. Por ironia do destino, em 2003, acabou sendo adquirido por este mesmo, ou seja, pelo ABN AMRO Real. Ao ser adquirido, o Sudameris era o 9º maior banco do Brasil com 500 mil clientes e mais de 6.000 funcionários.

Com 92 anos decorridos desde a criação do seu primeiro antecedente, no Brasil, o comitê executivo da italiana Intesabci SpA tinha aprovado, no dia 12 de março de 2002, a oferta do Banco Itaú pelas operações brasileiras do seu controlado, o Banque Sudameris. A Intesabci teve perdas pesadas, na Argentina e no Peru. Liderado pelo banqueiro Giovanni Bazoli, a Intesabci queria se concentrar nas operações no Leste Europeu. Junto com a Banca Nazionale del Lavoro SpA, os dois eram os bancos italianos que tinham maior exposição na América Latina. A Intesabci queria se livrar dela. Entretanto, depois de realizada a “due dilligence” da equipe do Itaú sobre as contas do Sudameris, ele se desinteressou do negócio. Isto abriu as portas para sua aquisição pelo ABN AMRO Bank. Manteve-se como banco estrangeiro.

O ABN AMRO Bank, então um dos maiores bancos do mundo, presente em 72 países com uma rede de 1.900 agências e escritórios, foi formado pela união de dois importantes bancos holandeses, o Algemene Bank Nederland (ABN Bank) e o Amsterdam Rotterdam Bank (AMRO Bank), em 1991. A trajetória destas instituições, porém, começou no início do século passado, quando foram fundadas as companhias que deram origem a elas.

Em 29 de março de 1824, o rei holandês Willem I fundou companhia comercial de navegação para promover o comércio de seu país com a região hoje conhecida como Indonésia. Mais de um século depois, em 1964, essa companhia uniu-se ao De Twentsche Bank, empresa que atuava no mercado financeiro holandês, desde 1861, formando o ABN Bank. Por coincidência histórica, foi também em 1964 que nasceu o AMRO Bank, através da fusão de outras duas importantes e tradicionais instituições financeiras holandesas: o Amsterdamsche Bank, fundado em 1871, e o Rotterdamsche Bank, fundado em 1863. A presença mais marcante do ABN Bank na América Latina foi consolidada com a aquisição do Hollandsche Bank-Unie (HBU), em 1868.

No Brasil, a história do ABN AMRO Bank começou em 1917, com a chegada do Banco Holandês da América do Sul às cidades do Rio de Janeiro e de Santos e, em 1919, de São Paulo. Os comerciantes holandeses que, de forma geral, mantinham freqüentes relações comerciais com os países sul-americanos, sempre tiveram interesse em contar com um banco na região para dinamizar seus negócios. Em 1933, passou a operar como Banco Holandês Unido (BHU), resultante de uma fusão empresarial ocorrida na Holanda, destacando-se como um especialista em estruturar operações de câmbio, ou seja, troca de moedas.

Em 1963, a instituição adquiriu 50% do controle da Companhia Aymoré de Crédito, Financiamento e Investimento, financeira atuante desde 1957, para operar com

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empréstimos de médio prazo, particularmente destacando-se no setor de financiamento de veículos usados. O restante da participação foi adquirido em 1970. Somente nos anos 80 que as restrições ao crescimento dos bancos estrangeiros no país começaram a ser amenizadas e o banco pode abrir filiais e escritórios em cidades importantes. Em 1988, com base na nova legislação, permitindo bancos múltiplos, foi possível integrar as estruturas e atividades do BHU e da Aymoré, formando o Banco Holandês S.A., com administração única e forte base de capital.

Em 1993, o Banco Holandês adotou a marca internacional da Organização, passando a denominar-se ABN AMRO Bank. Mudou sua matriz do Rio de Janeiro para São Paulo. No ano seguinte, a operação brasileira do ABN AMRO Bank passou a apresentar o 3º melhor lucro líquido do grupo internacional, só sendo ultrapassado pelos resultados obtidos na Holanda e nos Estados Unidos. Em julho de 1998, o ABN AMRO anunciou a compra do Banco Real, concluída em novembro, quando comprou também o Banco do Estado de Pernambuco (BANDEPE). O Banco da Lavoura de Minas Gerais tinha mudado de nome, para Banco Real, dois anos depois de se estabelecer em São Paulo, em 1971. A integração das duas instituições foi concluída em 2000. Em 2003, o grupo holandês adquiriu o Banco Sudameris e o integrou em 2007. Neste mesmo ano, o grupo foi comprado por um consórcio internacional e esquartejado. Ao Santander coube a operação brasileira do ABN AMRO Bank.

6. 5. Reserva do mercado bancário

A força política da fração bancária da burguesia, evidentemente, força relativa às outras frações, inclusive pela disposição de rede de “gerentes” que eram verdadeiros cabos eleitorais dos banqueiros, tinha como base econômica a “nacionalização” do seu setor e os “lucros bancários” acima da inflação. A nacionalização do sistema bancário brasileiro advém, em grande medida, da legislação restritiva outorgada durante o Estado Novo, além do crescimento dos próprios bancos nacionais.

A Constituição de 1934 já preceituava, no seu artigo 117º: “a lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósitos. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguro em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedade brasileira as estrangeiras que atualmente operam no Brasil”.

No entanto, era muito mais incisivo o artigo 145º da Carta de 1937: “só poderão funcionar no Brasil os bancos de depósito e as empresas de seguros, quando brasileiros os seus acionistas. Aos bancos de depósito e empresas atualmente autorizados a operar no país, a lei dará um prazo razoável para que se transformem de acordo com as exigências deste artigo”.

Em 9 de abril de 1941, foi expedido o decreto-lei nº 3182, estabelecendo prazo para a transformação dos bancos de depósito e dispondo sobre a propriedade, transferências, penhor ou caução das ações ou quotas desses estabelecimentos. Segundo esse decreto, a partir de 1º de julho de 1946 somente poderiam funcionar no país os bancos de depósito cujo capital pertencesse, inteiramente, a pessoas físicas de nacionalidade brasileira.

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Entretanto, sete meses após, em 1º de novembro de 1941, Getúlio Vargas, “considerando os princípios de solidariedade manifestados pelas Repúblicas Panamericanas em que têm tomado parte, com o objetivo de serem encontradas, sobretudo para seus problemas econômicos e financeiros, soluções inspirados no mais franco espírito de cooperação internacional”, autorizou os bancos americanos de depósito a operar no país além do prazo a que se referia o decreto-lei nº 3182. Em 1942, estendeu o mesmo direito aos bancos canadenses, e, posteriormente, aos seguintes: Bank of London & South América Ltda., Banco Ítalo-Belga, Banco Holandês Unido S.A., e o Banco Nacional Ultramarino.

O passo mais decisivo para o decréscimo da participação dos bancos estrangeiros nas atividades bancárias nacionais decorreu do estado de guerra entre o Brasil e os “países do eixo”. Cancelou-se, no ano de 1942, a autorização do funcionamento em todo o território nacional das agências dos seguintes estabelecimentos de crédito: Banco Alemão Transatlântico, Banco Germânico da América do Sul, e Banco Francês e Italiano para a América do Sul. Posteriormente, idêntica providência foi tomada com relação ao Yokohama Specie Bank Ltd..

Em Minas Gerais, ocorreu o expressivo caso da encampação, pelo Governo do Estado, do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais, em 1943, alegando, entre outras coisas, que a maioria dos acionistas vivia em território francês então ocupado pela Alemanha nazista... Assim, o governo estadual assinou o decreto-lei nº 6020, autorizando o Estado a assumir sua administração. A 12 de outubro de 1944, outro decreto-lei considerava o Banco e suas ações de utilidade pública. O Governo do Estado ficava autorizado a desapropriar todas as ações, o que foi feito poucos dias depois. Começou então batalha jurídica dos acionistas majoritários franceses (com apoio do Governo da França) e brasileiros (inclusive herdeiros) por uma indenização, que se prolongou até os anos 70. Efetuou-se, dessa maneira, a desapropriação e a nacionalização de banco que sempre figurou nas estatísticas como “banco nacional”, por causa do local de sua sede, apesar de ter sido, organizado com capital francês.

O argumento oficial, em nível federal, para a onda de nacionalizações dos bancos de depósitos, durante o Estado Novo, tinha outro caráter. Segundo fonte do Ministério da Fazenda, a sucursal de banco estrangeiro que se estabelecia no país, com capital diminuto, e conseguia obter, em seguida, depósitos muitas vezes superiores ao seu capital realizado, não podia ser considerado como órgão de canalização de recursos externos necessários ao desenvolvimento da economia brasileira. Na verdade, a atuação dessa sucursal se dava de maneira diversa, isto é, ela drenava para fora do país todo o lucro conseguido em suas operações realizadas pelo emprego de capital nacional (depósito do público) que era, calculava, trinta vezes superior aos recursos próprios.

Portanto, o que o Governo Federal almejava era limitar o aumento extraordinário de depósitos em contas correntes, conseguido pelas sucursais dos bancos estrangeiros, com o reduzido capital que dispunham no país. Eles não reinvestiam seus lucros aqui, aumentando o capital e ampliando os empréstimos no país. Havia verdadeira evasão para o exterior de recursos nacionais.

O resultado é que houve, de fato, queda no número de bancos estrangeiros no Brasil, durante a II Guerra Mundial, principalmente a partir de 1942. Na situação de incerteza em que se encontravam os bancos estrangeiros, sendo previsto, por força de lei, progressiva extinção de suas operações, era óbvio que os depósitos refluiriam de

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suas caixas. Naturalmente, acentuou-se a queda na participação percentual dos depósitos à vista dos bancos estrangeiros sobre o total dos principais sistemas bancários estaduais. Aliás, as atividades desses bancos só se faziam sentir, em escala apreciável, em São Paulo, no Distrito Federal, e em Pernambuco. Em 1939, a capital de São Paulo possuía 9 agências deles e o interior, 23. O Distrito Federal possuía 12, Recife, 5, Porto Alegre, 3, e o interior gaúcho, 5. Em Minas Gerais, aqueles bancos quase não operavam, Belo Horizonte só possuía uma agência do Bank of London & South América Ltd.. No interior do Estado, atuavam mais duas agências de bancos estrangeiros.

Os bancos estrangeiros tenderam, desde então (até a abertura dos anos 90), a desaparecer do ranking dos 20 maiores bancos que funcionavam no país. Eles que, em 1940, chegaram a deter oito das vinte primeiras colocações, já em 1944 só detinham três.

Sobre o controle nacional do sistema bancário, segundo HASENBALG & BRIGAGÃO (1970: 43-46), “a explicação desse processo prende-se, primeiramente, ao fácil acesso nacional ao setor: o volume relativamente reduzido do investimento requerido para o estabelecimento de novos bancos antes que o setor começasse a se concentrar, bem como as mínimas exigências tecnológicas da atividade, são condições que, ao contrário da indústria, por exemplo, permitem ao longo do período analisado, definir um grau significativo de controle nacional do setor”. Também “a partir do momento em que outros setores da economia nacional abrem-se à participação de capital estrangeiro, a atividade bancária não se incorpora a esse padrão de internacionalização, devido à existência de um controle estatal que se traduz em diretrizes definidas no sentido de não facilitar o acesso aos bancos estrangeiros”. Por outro lado, “parte dos estabelecimentos bancários estrangeiros existentes no Brasil estabeleceram-se antes de 1930, durante a fase de crescimento agro-exportador. Ao se acelerar o processo de industrialização e expansão do mercado interno, base para o crescimento do sistema bancário nacional, os estabelecimentos estrangeiros, sediados fundamentalmente em praças marítimas, não se vinculam a este movimento. Com efeito, eles continuam a operar nas faixas tradicionais de atividades, basicamente comércio exterior e câmbio”.

Com a legislação restritiva ao funcionamento dos bancos estrangeiros, imposta pelas Constituições de 1934 e 1937 e pelo Decreto-lei de 9 de abril de 1941, quando se impôs prazo para a nacionalização do sistema bancário brasileiro, os bancos estrangeiros foram perdendo posição, sendo alguns bancos dos “países do Eixo”, durante a II Guerra Mundial, inclusive, nacionalizados. Simultaneamente, houve crescimento extraordinário no número de bancos nacionais. Eram baixas as barreiras à entrada de brasileiros, nos negócios bancários: a legislação era permissiva; exigia-se nível reduzido de recursos de capital; e eram poucos os requisitos organizacionais e tecnológicos necessários à instalação de novos bancos. A operação especulativa dos bancos não encontrava nenhum entrave: era fácil fundar banco para especular. Com a inflação, só o lucro especulativo dava retorno real aos negócios. Foi período de financiamento ao boom imobiliário, na urbanização das capitais brasileiras, à “febre do zebu”, ao comércio de algodão, etc.

Após 1945 e, principalmente, 1964, com controle governamental cada vez mais rígido sobre a criação de bancos, fiscalização do funcionamento e da expansão, só permitida com a capitalização, foi colocado fim na etapa “competitiva” do sistema bancário brasileiro. Isto até a Constituinte e a reforma bancária de 1988, quando,

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novamente, houve excesso liberalizante, que desaguou na multiplicação improdutiva de “bancos múltiplos”. Nos anos 90, após mais uma política deflacionista, assistiu-se, novamente, o ponto de partida: crise bancária e o recurso à desnacionalização.

Além da tendência à concentração, verificou-se, na “era neoliberal”, relativa desnacionalização do setor bancário brasileiro, que tinha usufruído, desde os anos 30, de “reserva de mercado”. O Governo Vargas considerava que os bancos estrangeiros operariam, aqui, com “matéria-prima” nacional, ou seja, captariam e emprestariam com moeda local, para remeter os lucros para o exterior. Tinha visão nacionalista. Cerca de 60 anos após, na década final do século XX, a reserva de mercado passou a ser considerada supérflua.

6.6. Abertura financeira externa

Em capitulo especial de relatório trimestral de 2005 do Banco de Compensações Internacionais (BIS), o economista Dietrich Domanski analisou a evolução dos investimentos externos em bancos, nas nações emergentes. Eles saltaram de US$ 2,5 bilhões, entre 1991 e 1995, para US$ 67,5 bilhões, entre 2001 e 2005.

Segundo dados do BIS, os bancos estrangeiros controlavam 27% dos ativos bancários no Brasil, com US$ 107 bilhões, enquanto no México atingiam 82%, refletindo a disparada de aquisições externas nos sistemas financeiros da América Latina. No total, os ativos bancários em poder de bancos externos no Brasil aumentaram quatro vezes em relação aos 6% de 1990, antes da abertura financeira ao exterior, e representavam 18% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Para Domanski, a situação do Brasil ficou bem melhor em relação à desnacionalização ocorrida nos vizinhos em razão “da diversificação e [de ter] importantes bancos nacionais, além da crise bancária não ter sido tão severa” (VALOR: 05/12/05). A participação dos estrangeiros chegou a superar os 30%, mas diminuiu depois de 2001, com a saída do BBVA, Caixa Geral de Depósitos, BNL, Mizuho e Commerzbank do Brasil. Depois, estabilizou-se.

Nada menos de 48% das compras de bancos que ocorreram na América Latina, foram em seguida às crises bancárias. Os governos de nações emergentes, impulsionados por instituições financeiras multilaterais, responderam tipicamente a essas crises, acelerando a liberalização do setor para facilitar a capitalização e a consolidação do capital estrangeiro no setor bancário.

O exemplo maior dessa desnacionalização bancária ocorreu no México, após a crise de dezembro de 1994. O país chegou a receber 40% de todos os investimentos diretos externos para a região. Do total, 80% foram capital de bancos estrangeiros em busca de instituições locais para comprar. Os ativos bancários controlados pelos estrangeiros no México pularam de 2% em 1990 para 82% em 2004, maior percentual na região. Foram controlados US$ 342 bilhões de ativos, volume só inferior aos US$ 570 bilhões controlados em Hong Kong, centro da Ásia. Em terceiro lugar, estavam os US$ 159 bilhões controlados em Cingapura. O Brasil, com US$ 107 bilhões, ficou em quarto lugar. Os ativos bancários em poder dos estrangeiros representavam 51% do PIB no México, o maior percentual na América Latina, bem acima dos 20% na Argentina. Esta tinha US$ 31 bilhões sob controle de estrangeiros, abaixo dos US$ 35 bilhões que tinham no Chile. Enquanto isso, eles possuíam apenas 4% na China e 6% na Índia. Mas os bancos estrangeiros passaram a fazer mais aquisições na Ásia a partir de 2003, atingindo quase US$ 18 bilhões na China (VALOR: 05/12/05).

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O relatório do BIS destacava três grupos principais em direção dos emergentes: primeiro, os bancos ativos globalmente, que construíram forte presença na América Latina, e mais tarde na Ásia, concentrando-se em produtos específicos como cartões de crédito e financiamento ao consumidor. O segundo grupo era formado por bancos com enfoque regional. Era o caso dos espanhóis que tinham quase metade de todos os investimentos no setor financeiro da América Latina. O terceiro grupo era formado por empresas financeiras e equity funds.

Nessa onda de desnacionalização, na era neoliberal dos anos 90, os bancos estrangeiros se concentraram mais em disputar o mercado de empréstimos internos de varejo, caso de 60% na América Latina. Isso era inédito em sua história na região, indicando que, daquela vez, esses bancos não se voltaram apenas para clientes muito ricos, como era tradicional. Mas, o BIS notava também que pequenas e médias empresas tinham freqüentemente dificuldades para obter créditos nessas instituições, pois eram barradas em suas avaliações de risco.

Entretanto, impressionados pela crise argentina e, no Brasil, pelo racionamento de energia, em 2001, e pela turbulência pré-eleitoral, em 2002, os bancos estrangeiros passaram a adotar postura mais conservadora em relação aos mercados emergentes latino-americanos. Alguns optaram por sair do país. A fuga de capital, em 2002, levou à forte depreciação da moeda nacional. Mas sua posterior apreciação, depois do fim da vulnerabilidade externa, no governo Lula, justificou também a retração dos ativos, quando cotados em dólares.

Talvez pela apreciação do euro em relação ao dólar, houve diferença nas posturas de bancos com origem européia e dos com origem norte-americana. Os bancos europeus reduziram sua participação nos ativos totais do sistema financeiro nacional, de 18,6%, em 2001, para 15,1%, em 2003. No mesmo período, a participação relativa dos bancos norte-americanos caiu de 6,4% para 4,3%. Em 2001, o lucro líquido das instituições financeiras européias representava 32,1% dos ganhos somados dos 50 maiores bancos, segundo dados do Banco Central do Brasil, caindo para 11,7% dois anos após. Os norte-americanos, que detinham 12%, ficaram apenas com 5,8%, em 2003.

Na verdade, os bancos estrangeiros fugiram de medo do governo de origem trabalhista, efetuando forte resgate de títulos de dívida pública, no período eleitoral de 2002. Esse receio permaneceu até que eles observaram os bons resultados de seus concorrentes, principalmente dos que depositaram confiança no novo governo. Estes bancos aproveitaram a oportunidade, adquiram títulos de dívida pública “baratos”, precificados pela “marcação a mercado”, e os carregaram com operações compromissadas realizadas também com “dinheiro barato”, dado o excesso de liquidez provocado pelo citado resgate. Em contexto macroeconômico com a maior taxa de juros real do mundo, ganharam muito em tesouraria.

Entre os 18 bancos de capital estrangeiro que integravam o bloco das 50 maiores instituições bancárias que atuavam no Brasil, apenas 4, todos europeus, elevaram suas posições no país, em 2003: o ABN AMRO Real, que comprou o italiano Sudameris; o HSBC, que incorporou ativos do Lloyds TSB; o Credit Suisse; e o Deutsche. Entre os bancos norte-americanos, que estavam entre os 20 maiores do país, todos tiveram perda em ativos: o Citibank diminuiu 26%, passando a R$ 20,2 bilhões; o BankBoston, 23,6%, a R$ 18,3 bilhões; e o JP Morgan-Chase reduziu em 28% a R$ 6,1 bilhões.

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Reduziu-se a quantidade de bancos estrangeiros com presença individual no Brasil, mas houve aumento da participação de alguns deles no varejo. Quem decidiu ficar, verificou que teria de avançar pelo crédito massificado. Foi o que justificou a compra da Losango/Lloyds pelo HSBC ou a criação da Citifinancial pelo Citibank. Quem resolveu sair, deu oportunidade de compra para o Bradesco. Só em 2003, ele comprou o espanhol Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Brasil, a área de gestão de recursos do JP Morgan-Chase e o Banco Zogbi.

Em 2006, a decisão do Bank of América de vender os ativos do BankBoston no Brasil, Chile e no Uruguai para o Banco Itaú e receber como pagamento até 10% das ações da instituição brasileira foi também um claro sinal da mudança de estratégia dos bancos estrangeiros para atuar no país. Em vez de concorrerem com os gigantes varejistas locais, eles passaram a se associar aos próprios bancos brasileiros.

Depois da década de abertura externa e de fortes incentivos para que os bancos estrangeiros participassem como figuras-chave do sistema financeiro nacional, concluiu-se que não era tão fácil como se pensava encarar os grandes bancos brasileiros. Eles, durante décadas, ganharam muito com correção monetária em regime de alta inflação, investiram largamente em tecnologia de automação bancária e continuaram ampliando os lucros com crédito, em cenário de estabilização e crescimento econômico.

Vários bancos estrangeiros perderam capital no Brasil, porque não tinham a devida dimensão da concorrência que encontrariam. Os grandes bancos brasileiros estavam entre os mais sofisticados do mundo em termos de tecnologia e tinham amplo domínio do mercado de varejo doméstico.

O próprio Bank of América é um exemplo disso. No final dos anos 90, quando a euforia dos bancos estrangeiros pelo governo neoliberal brasileiro era intensa, a instituição norte-americana associou-se ao Banco Liberal. A parceria acabou na Justiça, com o Bank of América acusando os sócios brasileiros de lhe terem aplicado um golpe milionário (CB: 25/04/06). Em 2002, ainda se aventurando pelo país, o banco americano foi “pego no contrapé” com a “marcação a mercado”: ao ter que registrar contabilmente pelo valor de mercado os títulos de dívida pública que tinha em carteira de seus fundos mútuos de investimento, ele abriu rombo superior a R$ 1 bilhão na conta dos clientes. Teve de arcar com o grave ônus de perda da clientela. Resolveu deixar o Brasil, rapidamente. Em 2004, quando incorporou o Fleet Group, nos Estados Unidos, então controlador do BankBoston, acabou retornando, indiretamente, para o país. Na negociação de venda desse banco, então o 13º maior banco do Brasil, o Bank of América optou por se tornar acionista do que se tornou o maior banco privado do país, já que, ao incorporar os ativos do Boston, a instituição controlada pela família Vilela e Setúbal ultrapassou no ranking de ativos o Bradesco.

Em 2001, haviam 72 instituições controladas por capitais vindos do exterior. Três anos depois, eram 58, dando a dimensão do processo de retirada dos bancos estrangeiros. A partir de então, com a retomada do crescimento do crédito, passou a ter instituições estrangeiras interessadas em ampliar os negócios no Brasil. Eram os casos dos que conseguiram penetrar no mercado de varejo, adquirindo grandes bancos brasileiros de rede: o espanhol Santander, o holandês ABN Amro, o inglês HSBC.

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6.7. Estudo de caso: Santander

O grupo Santander foi formado por fusão que movimentou 10 bilhões de euros, em 1999, e envolveu o Banco Santander e o Central Hispano. Em 2007, considerando a origem de seu Banco, comemorou seus 150 anos.

Com sede mundial na Espanha, o Grupo Santander era a maior instituição financeira da zona do euro por capitalização em bolsa. Em 2006, era o sétimo maior em lucro e líder em financiamento ao consumo na Espanha, em Portugal, na Alemanha e na Itália. Em 30 de junho de 2007, o Grupo Santander contava com rede de 11.092 agências, 136 mil funcionários, distribuídos em mais de 40 países, possuía 886 bilhões de euros em ativos totais, administrava um volume de fundos superior a 1 trilhão de euros e registrou lucro líquido de 4,5 bilhões de euros. O Grupo atuava principalmente em três grandes áreas: Banco Comercial (Varejo), Banco de Atacado Global (para grandes clientes) e Gestão de Ativos e Seguros. O Santander concentrava seus negócios na Europa Continental, que respondeu por 56% do lucro líquido do Banco, e 13% no Reino Unido, por meio do Abbey National.

Franquia bancária líder na América Latina com 4.481 agências, o Grupo Santander, no 1º semestre de 2007, registrou lucro líquido na região de US$ 1,8 bilhões. Esse desempenho representou 31% do ganho líquido do Grupo, com destaque para o Brasil, que respondeu por 10% desse resultado global, seguido pelo México, com 7%, e Chile, com 6%.

Em 1982, foi instalado o primeiro escritório de representação do Santander no Brasil e, nove anos depois, começaram as operações do Santander Investment. O processo de forte crescimento dos negócios no Brasil foi iniciado em 1997 com a aquisição do Banco Geral do Comércio. Nos anos seguintes, foram mais três aquisições, que fizeram o Grupo Santander ganhar posição entre os maiores grupos financeiros do setor no país.

Em 1998, foi comprado o Banco Noroeste. Em janeiro de 2000, foi anunciada a aquisição do Conglomerado Financeiro Meridional, formado pelos bancos Meridional e Bozzano Simonsen. Em novembro do mesmo ano, o Santander comprou o controle do Banco do Estado de São Paulo (BANESPA).

O Santander pagou R$ 7,05 bilhões pelo controle do Banespa, valor mais de duas vezes superior ao lance de R$ 2,1 bilhão feito no leilão de privatização pelo Unibanco, o segundo colocado. O valor do desembolso chocou os analistas de mercado brasileiros, mas os maiores custos vieram bem depois na incorporação do banco paulista. Após a aquisição, “os espanhóis descobriram que o Banespa era ‘um elefante branco’ ainda maior do que o imaginado” (FSP: 08/10/07). Eles tinham em mãos banco enorme, porém ineficiente, burocrático e corporativista, que demandava forte investimento em tecnologia e em treinamento de pessoal. Para o Santander, porém, era oportunidade única de penetrar em São Paulo, o maior mercado do país. “A incorporação do Banespa foi muito custosa. Levou anos. Era como uma cobra engolindo um boi. Levou muito tempo para digerir” (FSP: 08/10/07).

A incorporação total do Banespa demorou mais de cinco anos e custou 20 mil empregos, o número total de demissões feitas pelo grupo desde que chegou ao Brasil, segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo. Só o PDV (Programa de Demissão

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Voluntária), aberto quatro meses depois da privatização, teve adesão de 8.200 dos 22.300 bancários que tinha à época. A maioria era composta de funcionários antigos e com salários altos. Para incentivar o desligamento, o Santander ofereceu bônus de até oito salários, de acordo com o tempo de casa, além dos direitos rescisórios. Na média, as indenizações ficaram em torno de R$ 70 mil. A diretoria do Sindicato dos Bancários de São Paulo afirmava que: “A experiência de negociação com o Santander é ruim. As negociações do Banespa foram sempre muito tensas, se arrastaram por meses, até que mais de 8.000 aceitaram o PDV. Depois houve toda uma negociação exaustiva, em que os bancários aceitaram abrir mão do reajuste para garantir a manutenção do emprego”.

Para financiar esses difíceis anos de transição, o banco concentrou seu foco na Tesouraria, herdeira de grande estoque de títulos de dívida pública, relacionado à renegociação da dívida pública paulista em conjunto com a federalização do Banco. Ela era conhecida como uma das mais ousadas, no início da década, por lucrar alto com os juros brasileiros e fazer apostas arriscadas com ações. Para isso, o banco contou com profissionais experientes, vindos do antigo Bozzano,Simonsen, um dos bancos de investimento de maior destaque nos anos 90.

Como na Espanha, o Santander adotou política comercial agressiva para ganhar mercado. Foi um dos primeiros a instituir juros de pouco mais de 1,5% ao mês no financiamento de veículos, quando nem existia o crédito consignado com taxa de 2% ao mês. A completa integração dos sistemas só terminou em meados de 2006, quando foi extinta a marca Banespa. Nos anos anteriores, investiu pesado na compra de folhas de pagamento de servidores públicos e privados, e conseguiu aumentar sua participação de mercado em praticamente todos os produtos, especialmente em fundos e cartões de crédito.

Em agosto de 2006, as diretorias executivas do Banco Santander Meridional (BSM), do Banco Santander Brasil (BSB), do Banco Santander (BSSA) e do Banco do Estado de São Paulo (Banespa) e o Conselho de Administração do Banespa aprovaram a proposta de reestruturação societária constituída pelas incorporações do BSB, do BSSA e do Banespa pelo BSM, que passou a denominar-se Banco Santander Banespa. Continuou a ser vinculado societariamente, em nível mundial, ao Banco Santander Central Hispano e tornou-se a instituição-líder dos conglomerados financeiro e econômico-financeiro perante o Banco Central do Brasil.

Em dezembro de 2006, foi concluído o processo de incorporação jurídica com a homologação dos atos societários pelo Banco Central do Brasil e o arquivamento na Junta Comercial do Estado de São Paulo. Em março de 2007, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou a abertura de capital do Banco Santander Banespa S.A..

O Santander era um dos maiores conglomerados financeiros do Brasil, com presença ativa em todos os segmentos do mercado financeiro, com completa gama de produtos e serviços em diferentes segmentos de clientes: pessoas físicas, pequenas e médias empresas, corporações, governos e instituições. Em junho de 2007, o Santander possuía base de 7,8 milhões clientes, 2.042 pontos de venda e 7.464 caixas eletrônicos, 23.355 funcionários.

A sua presença estava estrategicamente concentrada nas principais cidades das Regiões Sul e Sudeste, responsáveis pela maior fatia do PIB nacional. Essas regiões tinham renda per capita 40% superior à média nacional. O PIB per capita (considerando

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paridade do poder de compra) era de US$ 8,3 mil no Brasil. No Estado de São Paulo, era de US$ 11,7 mil. Por causa do Banespa, nesse Estado o Santander era um dos bancos líderes com 1.427 agências, participação de 11% na infra-estrutura da rede de varejo, ou seja, de cada 100 agências, 11 pertenciam a ele. Nos outros estados dessas regiões, seu número de agências era muito menor: Rio Grande do Sul (156 agências), Estado do Rio (125), Minas Gerais (73), Santa Catarina (67), Paraná (65) e Espírito Santo (9).

O Banco Santander queria dobrar o volume de negócios na América Latina. As oportunidades de aquisição de outros bancos que surgissem, no Brasil, seriam examinadas, mas o banco estava mais concentrado em intensificar os negócios com os 7,8 milhões de clientes, dos quais 4 milhões eram correntistas, e em atrair não correntistas e público das classes C e D com a financeira lançada em dezembro de 2006, a Olé, e os cartões. A financeira era focada no financiamento de veículos e fazia também crédito consignado e crédito pessoal. Passaria a financiar também a venda de veículos pesados. A Olé tinha 3,8 mil lojas e 606 operadoras. O grupo era o principal no financiamento ao consumo da Europa e grande na área de cartões no México e daí achava ser possível repetir essas experiências no Brasil.

Sempre que podia, em entrevistas, o principal executivo do Santander para a América Latina, o espanhol vice-presidente do Grupo Santander, Francisco Luzón, lamentava que alguns segmentos de mercado no Brasil, como o da folha de pagamento de servidores e o do crédito rural, por exemplo, ainda fossem quase-monopólios dos bancos estatais. Dizia que a competição só iria crescer no sistema bancário brasileiro quando as instituições públicas trabalhassem em igualdade de condições com o sistema privado e o governo reduzisse restrições operacionais como o crédito obrigatório na área imobiliária e rural e os compulsórios. “É muito complicado competir com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal” (VALOR: 13/07/06). Isso era devido às condições especiais das operações e de acesso a fundos baratos como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). “Quando fui presidente da banca pública espanhola, em 1988, recebi seis bancos públicos e privatizei todos”, lembrava ele. Ditando regras tal como colonizador, e acirrando ânimos com os servidores dos bancos públicos, ele contemporizava, porém: “hoje não seria bom privatizar os bancos públicos, eles ainda exercem funções importantes, mas no longo prazo poderia se pensar em ir por esse caminho”, referindo-se ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal (VALOR: 06/07/07).

Embora com toda essa postura de “conquistador espanhol”, ele apenas mostrava que o Santander tinha investido cerca de US$ 18 bilhões na América Latina, dos quais cerca de US$ 7,5 bilhões tinham vindo para o Brasil, a maior parte utilizada na privatização do banco estadual situado no maior mercado do país. O país respondia por cerca de 10% do resultado do Grupo, no mundo, e seu ideal seria elevar esse percentual para 14%. O volume e a escala teriam que ser as armas para aumentar os resultados no país em meio ao processo de queda de juro.

6.8. Estudo de caso: ABN Amro

Um dos problemas surgidos a partir do fim da reserva de mercado para os bancos brasileiros foi a perda de domínio sobre sua situação funcional por parte dos empregados de bancos que tiveram seu controle acionário transferido para o exterior. Embora as filiais dos bancos estrangeiros pudessem estar sendo muito bem

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administradas por executivos brasileiros, como eram os casos do BankBoston e do ABN Amro Real, qualquer fusão ou aquisição realizada no exterior, motivada por fatores exógenos ao país, podia desempregar muitos profissionais nas filiais dos bancos vendidos, inclusive executivos de alto escalão.

Em 2005, o presidente mundial do ABN AMRO, Rijkman Groenink, considerava extremamente "remota" a chance de que o maior banco holandês fosse alvo de aquisição hostil, alertando que custaria caro demais para o banco estrangeiro que tomasse esse caminho. Em meio a rumores de fusão ou aquisição, o principal executivo do ABN AMRO dizia que a expansão do banco priorizava o crescimento orgânico e que esperava forte crescimento dos negócios no Brasil (VALOR:19/01/05). A expansão dos lucros passaria pelos mercados emergentes, onde estava presente. Significava, sobretudo, pelo Brasil, que representava 11% do faturamento total do grupo holandês. Era o primeiro mercado fora do mundo industrializado para o banco holandês. “O Brasil está contribuindo muito na diversificação dos nossos negócios e, junto com a Ásia (Índia e China), os mercados emergentes poderão representar mais de 25% do total”.

A agitação provocada no setor bancário pela batalha para aquisição do ABN AMRO podia sinalizar a aceleração de fusões transfronteiras na Europa. Primeiro, os mercados domésticos europeus pareciam saturados. Era a expansão fora de suas fronteiras que podia dar possibilidades de crescimento. Segundo, os bancos tinham recursos, graças a lucros recordes que permitiram acumular liquidez. Em média, os lucros dos bancos europeus subiram 10% em 2006. Além disso, a Comissão Européia impulsionava maior integração econômica e monetária para derrubar as divisões nacionais, e criar um mercado realmente unificado. Acenou com nova diretiva européia, limitando a possibilidade de reguladores nacionais frearem a entrada de banco estrangeiro por razões puramente protecionistas. Inicialmente, a Europa registrou onda de fusões domésticas nos anos 90, com a consolidação de mercados nacionais, incluindo a união histórica da Société de Banque Suisse com a União de Banque Suisse. Depois, em 2004, o Santander iniciou o movimento transfronteira, ao adquirir o controle do britânico Abbey National por US$ 17,9 bilhões.

As fusões transfronteiras marcavam também menor interesse dos bancos da Europa pelos Estados Unidos. Até o ano 2000, o mercado norte-americano era o mais cobiçado. Mas o xenofobismo de novas leis americanas diminuiu o ânimo de alguns estrangeiros entrarem.

A intensa disputa travada no mercado financeiro internacional pelo controle do banco holandês ABN AMRO revelou que a “cereja do bolo” era as operações no Brasil. Contribuiu com 13% do lucro líquido do grupo. Com exceção da Ásia, em que o ABN AMRO era muito pequeno em 2006, só os Estados Unidos superaram o Brasil em crescimento do lucro, com fatia de 26% do resultado global. A todo o momento surgiam notícias de interessados no Banco Real, que o grupo holandês tinha comprado do banqueiro Aloísio Faria, em 1998.

Em 1998, a operação brasileira do banco holandês ABN Amro estava em dilema. Vinha acumulando resultados muito bons no país, mas estava restrita à financeira e ao corporate e investiment banking, atividades focadas em grandes empresas e na busca de rentabilidade para ativos. Para o ABN Amro, era importante ter posição mais forte em país emergente. O dilema que se colocava era ou ocupar o espaço

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de varejo, que ainda não tinha, ou ficar para sempre como banco de segundo pelotão no Brasil.

Fábio Barbosa, o presidente do Banco no país, então com 42 anos, levou duas possibilidades para Amsterdan: a compra de uma financeira ou a compra de grande banco. O Bamerindus estava sendo comprado pelo HSBC e o Nacional tinha sido adquirido pelo Unibanco. Com esses argumentos persuasivos, os controladores na Holanda deram “sinal verde” para a aquisição de banco grande.

Mas não poderia ser qualquer um, pois se tinha a consciência de que a capacidade gerencial instalada no Brasil não era suficiente para comprar operação com problemas, ou seja, banco em dificuldades, e depois transformá-la em proposta vencedora. Pretendia, portanto, comprar logo instituição vencedora e aos poucos fazer as transformações estratégicas necessárias na direção que acreditava correta.

O banco que se encaixava perfeitamente na estratégia desenhada era o Banco Real. Porém, embora existissem rumores no mercado, o Real não estava à venda. Por ser instituição bem posicionada, com grande número de clientes, era banco bem cotado e tinha, assim, preço mais elevado do que o da concorrência. O Real também despertou a atenção do Itaú e do Unibanco, além dos espanhóis BBVA e Santander. Todos chegaram a conversar com o banqueiro Aloysio Faria.

Em vez de delegar a transação para intermediário, Fábio Barbosa procurou o dono do Real para negociar diretamente. Bateu à porta do Banco, na Avenida Paulista, centro financeiro de São Paulo, e explicou a visão de longo prazo que tinha para o Real. Disse também que preservaria os principais executivos. “Foram fatores importantes, que levaram o Real a escolher o ABN Amro para intensificar as negociações”, disse Fábio. O processo foi, relativamente, rápido. Ao final de 5 meses de negociações sigilosas, em novembro de 1998, ano de mais uma crise internacional se refletindo no país, o negócio saiu.

O nome Banco Real era uma das marcas mais bem trabalhadas da propaganda brasileira, associada à imagem de sustentabilidade ambiental e da responsabilidade social. Desde 1998, quando o ABN comprou o Real, o banco investia pesado em marketing para se associar à imagem de empresa ecologicamente correta, preocupada com o social e que apostava nos estudantes. O banco foi o primeiro a desenvolver no Brasil a negociação de créditos de carbono, além de financiamento para a adoção de fontes alternativas de energia, como a solar e a conversão de automóveis para gás natural, entre outros. No final da década passada, criou contas bancárias para universitários e financiamento para cursos de pós-graduação, embora não desenvolvesse crédito universitário, produto pouco explorado no país. Foi o primeiro banco no Brasil a assinar o Princípio do Equador, onde se comprometia a conceder empréstimos apenas para empresas consideradas ecologicamente responsáveis.

O ABN AMRO Real tornou-se, então, o maior banco estrangeiro do mercado brasileiro e o terceiro maior de capital privado. Tinha 1,9 mil agências e postos bancários; 3,9 milhões de contas correntes e um total de 13,1 milhões de clientes, incluindo os da financeira Aymoré, uma das maiores do mercado, especializada no cobiçado financiamento de veículos.

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Entretanto, lá fora, na Holanda, em 2007, o conselho supervisor do ABN Amro recomendaria aos acionistas a proposta de venda para o consórcio que se formou pelo belga-holandês Fortis, o inglês Royal Bank of Scotland e o espanhol Santander. No consórcio, o Grupo seria fatiado, pois o Santander queria as operações no Brasil e na Itália; o Fortis na Holanda; e o Royal, nos EUA e Ásia.

Às vésperas do anúncio do maior negócio bancário do país, o clima era de apreensão entre os funcionários do ABN Real, que, além do risco de perder o emprego, temiam, caso ficassem empregados, ter diminuídos benefícios, como bolsas de estudo, reembolsos de remédios e dentista, entre outros. Já no Santander, gerentes de agências e de unidades de negócios faziam planos para incorporar novas equipes e darem as diretrizes do negócio que imaginavam liderar. A verdade, porém, era que o Real estava mais adiantado em vários segmentos, como financiamento de veículos e no atendimento a clientes de alta renda. Eram esses os profissionais que deviam liderar áreas que levou o Santander a se interessar pelo Real.

Por trás das diferenças, havia choque de culturas. De um lado, o espanhol Santander, visto como banco agressivo nos negócios, que expandiu suas operações a partir da compra do Banespa e que carregava um saldo de 20 mil demissões e um programa de demissão voluntária que atraiu quase 9.000 pessoas. De outro, o "politicamente correto" ABN Real, que apostou suas fichas na imagem da sustentabilidade e de respeito ao meio ambiente.

As lições da história econômica e empresarial, entretanto, apontavam que, em 70% dos casos das fusões e aquisições, não se realizavam os benefícios esperados. Os motivos eram: a dificuldade do alinhamento do pessoal entre empresas de culturas distintas, o pouco comprometimento dos empregados insatisfeitos e a baixa velocidade na condução, já que tudo seguia em compasso de espera por longo tempo. Em linguagem metafórica, as experiências de aquisição e integração de banco de porte semelhante, isto é, entre dois grandes bancos, exigiam o tempo equivalente ao necessário para “jibóia deglutir elefante”.

6.9. Estudo de caso: HSBC

Fundada em 1865, e sediada em Londres, a HSBC Holdings era uma das maiores organizações de serviços financeiros e bancários do mundo. A rede internacional do Grupo HSBC era composta por dez mil escritórios em 83 países e territórios na Europa, Ásia-Pacífico, Américas, Oriente Médio e África.

O Grupo HSBC empregava 312 mil colaboradores e atendia mais de 125 milhões de clientes. Com ações cotadas nas Bolsas de Londres, Hong Kong, Nova Iorque, Paris e Bermuda, a HSBC Holdings tinha mais de 200 mil acionistas em cerca de cem países e territórios. Por meio de uma rede global, interligada por tecnologia de ponta, o HSBC oferecia aos seus clientes uma ampla gama de serviços financeiros: banco de varejo, commercial, corporate, investment e private banking; trade services; cash management; serviços de tesouraria e mercados de capital; seguros e previdência; empréstimos e financiamentos; fundos de pensão e investimento, etc.

O HSBC Bank Brasil dizia ser uma empresa consciente de seu papel na sociedade e ter foco no cliente. Possuía, aproximadamente, 5,2 milhões de clientes Pessoa Física e 308.155 mil clientes Pessoa Jurídica. Estava presente em 564

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municípios brasileiros, com 932 agências, 459 postos de atendimento bancários, 904 postos de atendimento eletrônicos e 2.000 ambientes de auto-atendimento, com 5.926 caixas automáticos. Os clientes contavam ainda com 26 mil caixas automáticos na rede compartilhada com outros bancos no Brasil.

Sua área mais forte era a de asset management, chamada HSBC Investments em todo o mundo. No Brasil, o setor possuía R$ 34 bilhões sob gestão, figurando entre as cinco maiores do país e a maior ligada a um banco estrangeiro.

O banco inglês tinha também fundo no exterior que aplicava somente em papéis brasileiros, o Brazil Equity Fund, com um patrimônio de US$ 70 milhões. Tinha também carteira que investia somente em emergentes, aplicando em Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC), de US$ 370 milhões, dos quais 25% (ou US$ 92 milhões) estavam em papéis brasileiros. Além da gestão, seus executivos faziam apresentações periódicas no exterior para investidores institucionais e private banks, para falar das perspectivas do país e atrair mais aplicadores.

A tendência da HSBC Investments era a de que a gestão de fundos diferenciados como multimercados e outros fundos de maior risco fosse segregada no futuro. A idéia já estava sendo colocada em prática pelo HSBC na Europa, Estados Unidos e Ásia, com a criação de um departamento específico. No Brasil, porém, pelo tamanho do mercado, isso ainda podia demorar. Esse era apenas um exemplo da dificuldade do Banco inglês em adequar-se ao mercado brasileiro.

Outro exemplo foi a demora do HSBC Bank Brasil conseguir, apenas em março de 2005, autorização do INSS para fazer crédito consignado para aposentados. Foi o primeiro banco estrangeiro a entrar na área, quase um ano após a Caixa Econômica Federal ter começado a atuar nesse mercado. De início, ele prometia uma oferta generosa ao 1 milhão de aposentados correntistas do banco, tentando tirar o atraso na entrada no mercado. Isso ocorreu porque tinha muita desconfiança em lidar com o Ministério de Previdência Social, no Brasil, pois este lhe devia quantia significativa, assim como para todos os grandes bancos, referentes aos serviços prestados em arrecadação e pagamento de benefícios. Conjuntamente com o Tesouro Nacional, colocava dificuldades em saldar essa dívida. Como explicar essa situação para seu acionista estrangeiro?

Entretanto, os bancos especializados no financiamento das pessoas físicas, seja para o consumo ou o crédito pessoal, estavam tendo o melhor retorno do mercado. O crescimento do crédito com desconto em folha e do financiamento ao consumo impulsionou os resultados dos bancos especializados no segmento.

O ex-presidente do HSBC no país, Michael Geoghegan, que presidiu as operações brasileiras de 1997 a 2003, sendo o responsável pela aquisição do Bamerindus, foi nomeado principal executivo da holding do Grupo HSBC. Seu sucessor como presidente do HSBC no Brasil, desde outubro de 2003, Emilson Alonso reafirmou a aposta do Banco no varejo que, para ele, iria se beneficiar do crescimento do crédito.

Segundo ele, a maior abertura do mercado brasileiro aos bancos internacionais não contribuiu para reduzir os juros domésticos por causa de fatores estruturais. Entre os quais, citou a dificuldade de recuperação de garantias, a cunha fiscal, os compulsórios e a ausência do cadastro positivo. Em todo o mundo, o crédito imobiliário sempre foi um

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dos principais ativos dos bancos. Isso não ocorreu aqui por causa da dificuldade do banco recuperar o imóvel por falta de pagamento do crédito. Para compensar o risco, o juro se tornou muito elevado. “Quando se junta tudo isso se percebe que não dá para praticar os mesmos juros que se cobra na Inglaterra. Nessas circunstâncias, não adianta trazer banco estrangeiro, privado ou estatal.” (VALOR: 13/01/06).

Isso, dito por presidente de banco estrangeiro, justificava bem porque a tentativa de atrair mais (e maiores) competidores estrangeiros para o mercado interno fracassou em termos de estratégia para abaixar a taxa de juros do crédito no Brasil. Primeiro, ocorreu “tropicalização”, isto é, os estrangeiros que tiveram que se adaptar ao clima de negócios no país. Segundo, obviamente, essa estratégia se mostrava equivocada, desde sua concepção nos anos 90, porque era certo que os bancos ingressantes não trariam consigo o ambiente institucional externo...

6.10. Nova onda de entrada de investimentos estrangeiros no setor bancário

O mercado bancário brasileiro ficava cada vez mais concentrado: as quatro maiores instituições (BB, Bradesco, CEF, Itaú), em 2006, já detinham 54,5% dos depósitos totais e 46% dos ativos totais do sistema bancário nacional. Foi essa concentração, inclusive, que frustrou a expectativa daqueles que esperavam maior concorrência em juros e tarifas de serviços bancários, quando o governo neoliberal abriu o mercado brasileiro ao capital externo.

Segundo relatório elaborado pela agência de avaliação de risco de crédito Standard & Poor's, o Bradesco e o Itaú estavam melhor posicionados do que seus concorrentes privados: os dois estiveram muito ativos na consolidação do sistema financeiro, inclusive no processo de privatização, conseguindo, junto com o crescimento orgânico, posição forte em rede de agências e no mercado de varejo (VALOR: 07/08/06). No final de 2005, o Bradesco tinha 9,9% dos ativos totais do sistema financeiro e o Itaú, 8,7%. Em depósitos à vista e de poupança, a posição do Bradesco era de 15,9% e 15,5%, respectivamente; e a do Itaú, de 12,7% e 11,7%.Em depósitos a prazo, alguns dos três maiores concorrentes privados dos dois bancos chegaram mais perto: se o Bradesco tinha 9,8% do mercado e o Itaú, 5,4%, o Unibanco chegava a 8,1% e o HSBC, a 7%, com 6,2% para o Santander. Na área de crédito, os dois grandes também dominavam, com 13,4% do Bradesco e 10% do Itaú.

Fatias do mercado bancário em 2005 market-share em %

Bradesco Itaú Unibanco Santander HSBC

Ativos totais 9,9 8,7 5 5,1 2,8

Recursos administrados 14 13,7 5 4,5 5,1

Depósitos a prazo 9,8 5,5 8,1 6,2 7

Poupança 15,5 11,7 3,3 2,8 1

Depósitos à vista 15,9 12,7 3,9 4,2 4

Crédito 13,4 10 6,6 4,8 3,3

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Agências 16,5 13,3 5,1 5,8 5,2

Financiamento de veículos 22,9 19 n.d. 6,6 n.d.

Crédito de varejo 17,6 16,1 8 4,9 6,2

Crédito para empresas 11,5 7,2 5,9 4,7 2

Prêmios de seguro 26,1 10,8 7,2 n.d. n.d.

Previdência 37,4 17,7 7,3 5,1 4

Fonte: Standard & Poor´s

O Brasil, depois de ter sido confirmado, eleitoralmente, o segundo mandato do governo Lula, passou a viver nova onda de entrada de investimentos estrangeiros no setor bancário (VALOR: 15/03/07). Mas, desta vez, o que atraíam americanos e europeus não eram os preços baixos e a fraqueza do sistema financeiro, como ocorreu na segunda metade da década 90. O interesse passou a ser pela força do mercado, provocada pelo crescimento do crédito bancário e pela forte expansão do mercado de capitais. Havia também a antecipação à alteração da classificação de risco do país para “grau de investimento”, isto é, “investimento não-especulativo”.

Na primeira grande onda, ocorrida em meados da década de 90, havia grande interesse no varejo bancário, que sofria para se adaptar ao fim da alta inflação. Naquele período, houve forte estímulo do governo de FHC, que também precisava da entrada de dólares para manter sua política de bandas cambiais. Depois, vieram os compradores estrangeiros dos bancos de investimento locais. Durante o governo Lula, dois fatores levaram as instituições do exterior a passar longe do grande varejo bancário. O primeiro, e talvez mais importante, era que os preços estavam altos. A relação entre o valor da ação na bolsa e o valor patrimonial do papel, que chegou a ser inferior a uma vez, no fim da década dos 90, alcançou cinco vezes em 2006, por exemplo, no caso do Itaú.

A forte concorrência também afastava os estrangeiros do grande varejo. Muitos, que no passado acreditaram que seria fácil ganhar participação dos brasileiros, descobriram que, no Brasil, era preciso não só entender de banco, como também, entre outras particularidades nacionais, por exemplo, de sindicalista e de arrecadação de impostos. Apesar de o crescimento econômico ser ainda modesto, as oportunidades de negócio, em país de cultura ocidental, eram boas. Aqui, porém, a expectativa era de que a nova onda de investimento externo iria se restringir aos nichos de mercado.

Havia acionistas de bancos médios que nem pensavam em vender suas instituições, mas, diante das ofertas que recebiam, mudavam de idéia. O crédito consignado, por reunir escala, padronização de procedimentos, bom nível de risco e razoável rentabilidade, a despeito da crescente concorrência, passou também a despertar o interesse dos americanos Citi e GE Capital, da francesa Cetelem, do grupo BNP Paribas, e do HSBC. Os bancos pequenos e médios se dedicavam quase que exclusivamente a esse tipo de crédito, via rede de “correspondentes não-bancários”.

Outro foco de interesse das instituições internacionais era o das operações financeiras lastreadas em imóveis, segmento que crescia como efeito da queda da taxa

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de juro e do aumento real da massa salarial. Na área de crédito para pequenas e médias empresas, havia ainda o interesse em montar operações com garantia de ativos dessas companhias. Esse, porém, era um segmento os estrangeiros prospectavam com cautela. No Brasil, os bancos que atuavam nesse nicho muitas vezes emprestavam para empresas que não tinham sequer balanço contábil. Pela força da concorrência, faziam desconto de duplicata até para empresas em concordata.

Muitos bancos estrangeiros descobriram que não era preciso ter banco para fazer crédito no Brasil. Bastava operar via aquisição de cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e compra e venda de carteiras de crédito. O crescimento do crédito era, sem dúvida, um grande atrativo para o estrangeiro. Mas outro segmento que floresceu no país, o mercado de capitais, em especial as aberturas de capital, estava atraindo, fortemente, os bancos de investimento estrangeiros. Além de operações de emissão de ações, esses bancos tinham interesse em administrar as fortunas de acionistas que vendiam parte ou todas as suas ações, para se desfazer logo de negócios então bem sucedidos.

Conclusão que se podia tirar da análise do comportamento histórico dos bancos estrangeiros era que eles eram ciclotímicos. Quando o país estava em situação boa de liquidez, eles vinham e, depois, no primeiro susto, iam embora. Quando, em 2004, novamente, a economia brasileira entrou em fase de crescimento, em vários mercados, como os de capitais, crédito, imobiliário, isso os atraiu. Até bancos que tiveram ampla oportunidade de atuação de varejo no país, como o espanhol BBVA e o português Caixa Geral de Depósitos, e depois venderam seus bancos, queriam, novamente, investir no país. Mas, dessa vez, o foco passou a ser banco de atacado e de investimento e não banco de varejo.