Desigualdades de cor/raça e sexo entre pessoas que frequentam e ...
CAPÍTULO 3 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E RENDIMENTO … -ASPECTOS... · estigmas parecem ser as...
-
Upload
nguyenphuc -
Category
Documents
-
view
215 -
download
0
Transcript of CAPÍTULO 3 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E RENDIMENTO … -ASPECTOS... · estigmas parecem ser as...
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 158 -
CAPTULO 3 ASPECTOS PSICOLGICOS E RENDIMENTO ESCOLAR EM
ADOLESCENTES OBESOS
Campos () identificou as seguintes caractersticas psicolgicas em
adultos obesos por hiperfagia: passividade e submisso, preocupao excessiva
com comida, ingesto compulsiva de alimentos e drogas, dependncia e
infantilizao, primitivismo, no aceitao do esquema corporal, temor de no
ser aceito ou amado, indicadores de dificuldades de adaptao social, bloqueio
da agressividade, dificuldade para absorver frustrao, desamparo, insegurana,
intolerncia e culpa (1993, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005, 39).
Se num indivduo obeso as alteraes fsicas so mltiplas e importantes, as
alteraes psicossociais tambm no devem ser descuradas. Guerreiro (2000b) afirma
que a gravidade da obesidade no est apenas relacionada com as doenas directamente
associadas, mas tambm com as consequncias psicolgicas concomitantes, uma vez
que so muitos os obesos com problemas de auto-estima. Lemos (2002) refere como
alteraes psicossociais a dificuldade ou incapacidade na actividade sexual e afectiva, a
insatisfao com o prprio corpo, a frustrao em relao ao vesturio, a perda de
emprego ou a dificuldade em ingressar no mercado de trabalho. Cerqueira (1999)
acrescenta que, regra geral, os obesos so mais ansiosos e menos optimistas,
exteriorizando um total desinteresse pelo seu peso devido, em parte, s atitudes
discriminatrias a que so sujeitos. Esta autora acrescenta ainda que as complicaes
psicolgicas ou psicossomticas traduzem-se por uma auto-imagem negativa,
isolamento social e limitao da vida social (Lemos, 2002).
Uma pesquisa realizada por Matos, Aranha, Faria, Ferreira, Bacaltchuck e
Zanella (2002) procurou avaliar, entre outros, a ansiedade, depresso e distrbios na
imagem corporal em pacientes com obesidade grau III em tratamento. Para tal, foram
avaliados 50 pacientes dos 18 aos 56 anos com obesidade mrbida, verificando-se que
todos os indivduos manifestavam sintomas depressivos, 84% destes com
sintomatologia grave. Quanto frequncia de ansiedade-trao foi de 70% e de
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 159 -
ansiedade-estado 54%. A preocupao com a imagem corporal esteve presente em 76%
dos pacientes.
Uma reflexo importante veiculada por Ballone (2002b) que a sociedade tende
a exprimir duas opinies sobre as pessoas com excesso de peso: uma delas diz respeito
discriminao esttica e outra culpabilizao do obeso pelo seu estado. Estes
preconceitos fazem com que os indivduos sintam maior dificuldade no relacionamento
social, afectivo e na aquisio de emprego. Em consequncia, esta marginalizao
aumenta o risco do obeso apresentar quadros de distrbios psiquitricos. Esta
marginalizao to frequente que existem estudos clssicos (pediu-se para colocar por
ordem decrescente de desvalorizao fsica crianas normais, sem braos, cegas e
obesas) que encontraram uma percentagem significativamente elevada de casos em que
as crianas obesas eram preteridas e colocadas em ltimo lugar (Allon, 1979, in Carmo
et al., 1989). Alguns investigadores tm-se tambm dedicado ao estudo das atitudes dos
profissionais de sade face aos obesos, concluindo que muitos apresentam uma atitude
de desprezo para com eles. Esta atitude pode ser favorecedora do agravamento dos
factores psquicos patolgicos associados obesidade. Os mais afectados por estes
estigmas parecem ser as mulheres, motivo pelo qual estas frequentam mais as consultas
de obesidade (Carmo et al., 1989).
De facto, os prejuzos a nvel psicossocial so os que maior nfase possuem na
vida do indivduo, podendo marcar de forma negativa o desenvolvimento do
adolescente (Carvalho, 2001). Estas alteraes so exacerbadas pelos adolescentes, pois
estes esto muito direccionados para a observao do corpo (o seu e o dos outros), dado
que este est em transformao, contribuindo para a formao da sua identidade e para a
preparao da sexualidade (Carmo, 1999). Tambm Thompson e Ashwill (1996)
afirmam que a obesidade manifestada de um modo peculiar na adolescncia, visto que
nesta etapa do ciclo da vida os sentimentos de inadequao so pronunciados e tende-se
a sobrevalorizar a aparncia. Tal ir convergir numa maior susceptibilidade dos
adolescentes obesos, uma vez que estes possuem uma aparncia diferente (por exemplo,
os rapazes obesos parecem ter desenvolvido mamas, estrias no abdmen e o pnis
parece pequeno) dos restantes membros do seu grupo, sendo submetidos muitas vezes
ao ridculo. Tudo isto se reflecte na vida social do adolescente que poder-se- sentir
rejeitado e feio, incapacitando-o de participar em determinadas actividades sociais, a
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 160 -
uma maior propenso para sofrer acidentes, limitao da vida afectiva (tm menos
namoradas) e a uma maior restrio na escolha profissional.
A estigmatizao da obesidade inicia-se sobretudo na adolescncia, perodo de
alto risco para o desenvolvimento de uma imagem corporal desequilibrada. Assim
sendo, o adolescente com excesso de peso apercebe-se, por si s, da sua diferena, o que
no impede que entre os adultos e colegas existam frases indelicadas e at ofensivas.
Isso far com que limitem as suas actividades desportivas, porque no se querem despir
em frente dos colegas, face ao risco de serem gozados e porque tm maior dificuldade
na execuo dos exerccios que os seus colegas. Tudo isto contribui para que grande
parte dos adolescentes obesos revelem um grande desgosto e desconforto com a sua
obesidade, apresentando dificuldade no relacionamento com os seus pares. Assim, so
muitas vezes excludos e gozados pelos companheiros (Carvalho, 2001). Tambm a
UEC (1997) acrescenta que a obesidade persistente durante a idade escolar leva o jovem
a desenvolver problemas psicolgicos em funo de comentrios e piadas a que
sujeito por parte de colegas. Esta situao leva a um crculo vicioso: a pouca aceitao
grupal fortalece a baixa de auto-estima e a desvalorizao pessoal implica um
afastamento das actividades desportivas. A obesidade est, tambm, associada a uma
limitao do desempenho individual e social, problemas estticos, impossibilidade de
usar roupas da moda e problemas de locomoo. J Cruz (1983) afirma que algumas
das consequncias sociais so a discriminao, a dificuldade de integrao cultural e a
deteriorao da imagem de si prprio.
Andrade (1995, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005), num estudo com 134
crianas obesas, constatou que 76.8% apresentavam uma forte componente emocional
associada ao desenvolvimento da obesidade. Quanto a Zeller, Saelens, Roehrig, Kirk e
Daniels (2004) conseguiram comprovar numa amostra de 121 crianas e jovens obesos
que a obesidade estaria relacionada de modo significativo com um desajustamento
psicolgico. De facto, os indivduos obesos parecem apresentar evidncias de
depresso, imagem corporal distorcida, problemas familiares e com os pares, bem como
um menor rendimento escolar. No que concerne s crianas obesas, Campos (1993, in
Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005) considera que estas so mais regredidas e
infantilizadas, apresentando dificuldade em lidar com as experincias de forma
simblica, no relacionamento social e na sexualidade, alm de manifestarem uma auto-
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&term=%22Roehrig+H%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&term=%22Roehrig+H%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&term=%22Daniels+SR%22%5BAuthor%5D
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 161 -
-estima diminuda e dependncia materna. Por sua vez, Stotland e Zuroff (1990, in
Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005) encontraram uma relao significativa entre locus
de controle e perda de peso. J anteriormente, num estudo de Aldersberg e Mayer
(1949, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005) constatou-se que indivduos com
excesso de peso possuam crenas que caracterizavam a denominada atribuio de
causalidade externa.
No entanto, os dados da literatura no so conclusivos quanto aos aspectos
emocionais relacionados com a obesidade. De facto, existe uma fraco que defende
que nem todos os obesos tm sentimentos negativos sobre o seu corpo. Esses
sentimentos seriam mais comuns em pessoas com o incio da obesidade na infncia,
cujos pais e amigos depreciem o seu corpo (Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005). O
distrbio da imagem corporal desenvolvido na adolescncia representaria, ento, uma
internalizao da censura dos pais e dos pares, persistindo com a contnua
desvalorizao. Venturini (2000, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005), utilizando o
Desenho da Figura Humana com 15 crianas obesas verificou que suas produes
evidenciaram perturbaes no esquema corporal, ansiedade, insegurana, insatisfao
consigo mesmas, sinais de agressividade, entre outros. Quanto a Ackard, Neumark-
-Sztainer, Story e Perry (2003), numa pesquisa com 4746 adolescentes dos EUA
verificaram que os indivduos com sndrome de hiperfagia apresentavam ndices
elevados de compromissos psicolgicos. Constaram ainda que entre estes adolescentes
seria mais prevalente o humor depressivo, a auto-estima reduzida, as tentativas e
ideao suicida.
Assim, parecem haver evidncias de que os indivduos obesos apresentam um
maior risco de depresso, ansiedade, auto-estima reduzida, relacionamento social pobre,
menor sade mental e uma qualidade de vida e funcionamento psicossocial mais pobres.
Todavia, tais resultados so ainda inconsistentes surgindo estudos contraditrios (Ball,
Crawford, & Kenardy, 2004). Por outro lado, estudos realizados em pases
desenvolvidos sugerem que os adolescentes obesos apresentam tambm desvantagens
socioeconmicas na vida adulta (Monteiro et al., 2000), destacando o absentismo, as
reformas precoces e o aumento do consumo mdico. Tambm Maham e Escott-Stump
(1998) referem que as consequncias sociais e econmicas parecem ser maiores que as
consequncias fsicas ou aquelas experimentadas por adolescentes com doenas
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 162 -
crnicas (asma, diabetes, anomalias msculo-esquelticas, epilepsia). J um estudo
realizado nos EUA com 10.000 indivduos acompanhados durante 7 anos concluiu que
as raparigas obesas apresentavam uma taxa de casamento, nmero de anos de estudo e
rendimento menores. Nos rapazes observou-se uma tendncia similar, embora menos
acentuada (Jouret, 2002).
Por sua vez, Travado et al. (2004) realizaram um estudo com 212 indivduos
candidatos a cirurgia baritrica por obesidade mrbida, avaliados de Fevereiro de 2002
a Maio de 2004 em consulta no Hospital S. Jos. Da anlise dos dados constatou-se que,
apesar de no apresentarem perturbao psicopatolgica e de personalidade com
significado clnico, em termos estatsticos possuam algumas alteraes de
personalidade sugestivas de instabilidade psicolgica, entre as quais se salienta a
personalidade compulsiva. Acresce a presena de alteraes emocionais ligeiras de
ansiedade como precipitantes do comportamento compulsivo de comer. No se
verificou a existncia de psicoticismo como esperado, mas a ideao suicida estava
presente em cerca de 25% dos casos associada a uma elevao significativa da
morbilidade psicolgica. Verificou-se ainda que o IMC se correlacionava de modo
negativo com a escolaridade e de modo positivo com as alteraes emocionais de
ansiedade (HADS) e com a maior parte das subescalas de personalidade e
psicopatologia (MCMI-II) (Travado et al., 2004).
Em suma, a obesidade, alm das inmeras repercusses a nvel fsico, envolve
tambm alguns aspectos psicolgicos e at de ndole pedaggica. De facto, a obesidade
uma patologia complexa e de difcil entendimento, pelo que necessrio uma
abordagem multidisciplinar do problema. Maybe even more importantly, obesity also
affects childrens psychosocial outcomes, such as low self-esteem and depression,
resulting from overweight concerns.3 (Datar, Sturm, & Magnabosco, 2004, 58).
Todavia, preciso cautela no encaminhamento psicolgico, pois a necessidade no
generalizada: ser gordo no significa ter problemas psicolgicos. preciso desmistificar
esta crena, sobretudo junto dos pais que, talvez por dificuldade em administrar uma
alimentao mais equilibrada aos seus filhos, procuram encontrar problemas de ordem
3 Talvez at mais importante, a obesidade tambm afecta os aspectos psicossociais da criana, tais como
a baixa auto-estima e a depresso, resultantes do excesso de peso.
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 163 -
emocional como factores de explicao para a ocorrncia do excesso de peso (Cataneo,
Carvalho, & Galindo, 2005).
Desta forma, parece ser pertinente o estudo pormenorizado desta problemtica,
direccionando a investigao na rea da obesidade para a especificidade das relaes
que se estabelecem com o domnio psicolgico do indivduo (nomeadamente com o
autoconceito, a ansiedade e a depresso) e o seu rendimento escolar.
1. Obesidade e autoconceito
Como foi referido, a obesidade envolve um conjunto de aspectos que
ultrapassam a esfera do domnio biolgico do indivduo. De facto, hoje parece
incontornvel que o autoconceito tem um papel preponderante na obesidade. Todavia, a
dvida persiste se o seu papel ser o de catalisador da obesidade ou se ser apenas uma
consequncia desta. Neste sentido, analisemos com maior pormenor o constructo do
autoconceito.
1.1. Caracterizao do autoconceito
A compreenso do self tem sido um dos objectivos mais antigos e persistentes da
Psicologia. O interesse pela anlise do autoconceito desenvolveu-se no contexto da
fenomenologia existencial e depressa surgiram inmeras pesquisas e publicaes. O
primeiro a analisar de modo sistemtico a noo de autoconceito foi William James,
constituindo uma ruptura com a abordagem filosfica da poca ao introduzir a dimenso
social no autoconceito. nos princpios do sc. XX, com o advento do segundo
momento da cientificao da Psicologia dominado por concepes monolticas, que a
perspectiva de William James sobre o Eu vem ganhar pertinncia (Simes, 1997). No
entanto, o seu desenvolvimento pleno s viria a ocorrer no 3 momento de cientificao
(revoluo cognitivista) baseado nas insuficincias do comportamentalismo, nas
contribuies de Chomsky, Piaget e do Modelo de Processamento da Informao
(Costa, 2001). Assim, em 1890 James apresenta na sua obra emblemtica "The
Principles of Psychology" um modelo que assenta em quatro componentes (self
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 164 -
espiritual, material, social e corporal) de importncia decrescente para a auto-estima do
indivduo. Ao atribuir-lhes categorias descritivas e avaliativas, James antecipa
concepes futuras, prope uma estrutura multidimensional e hierrquica para o
conceito de self e teve o mrito de realar a sua natureza social (Albuquerque &
Oliveira, 2002). Vaz Serra (1986a) refere mesmo que o autoconceito passa a ser
associado a aspectos cognitivos, afectivos e motores.
William James, considerado o precursor dos estudos empricos na rea de
autoconceito (Albuquerque & Oliveira, 2002; Costa, 2001; 2002; Giavoni & Tamayo,
2003) definiu o autoconceito como o conjunto de tudo o que o sujeito pode chamar de
seu ou fazer parte de si (corpo, capacidades fsicas, os seus pertences, amigos,
parentes e trabalho), possuindo uma propriedade reflexiva, uma dualidade entre o I-self
(o que o indivduo) e o Me-self (o que pertence ao indivduo). O primeiro
considerado como o sujeito, o conhecedor, enquanto que o segundo o objecto, o
conhecido, um integrador de coisas e conceitos que so considerados como pertinentes
ao self. O I-self refere-se conscincia daquilo que se est a pensar ou a perceber
quanto aos processos fsicos, enquanto que o Me-self mais subjectivo, visto ser um
fenmeno mais psicolgico e referente s ideias que as pessoas tm sobre como elas so
e o que elas gostariam de ser (Albuquerque & Oliveira, 2002; Costa, 2002). Se o Me
uma teoria do self criada pelo I, facilmente se deduz que as caractersticas
desenvolvimentais da capacidade de pensar do ltimo influenciam a viso do primeiro.
(Costa, 2001, 106).
Desta forma, a definio de autoconceito foi sofrendo algumas transformaes
em virtude das correntes ideolgicas vigentes na poca. Epstein defendia que o
autoconceito seria uma auto-teoria que o indivduo elaborava a respeito de si mesmo.
Assim, a sua finalidade seria optimizar o equilbrio entre o prazer e o sofrimento
durante o curso da vida; proteger e conservar a auto-estima e organizar as experincias
(Epstein, 1973, in Giavoni & Tamayo, 2003). Epstein afirma mesmo que "(...) para os
fenomenologistas, o autoconceito o constructo central da Psicologia, proporcionando a
nica perspectiva atravs da qual o comportamento humano pode ser compreendido."
(1973, 404, in Albuquerque & Oliveira, 2002, 80).
Devido sua importncia, o autoconceito tem sido estudado nas diversas reas
da Psicologia, podendo destacar-se a Psicologia da Educao (Veiga, 1989), a
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 165 -
Psicologia Clnica (Vaz Serra, 1986a; Vaz Serra, Matos, & Gonalves, 1986) e
Psicologia Social (Gecas, 1982, Neto, 1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002).
Todavia, possvel encontrar alguns pontos de consenso entre os vrios autores ou pelo
menos referir algumas das posies que maior destaque alcanaram entre a comunidade
cientfica.
Segundo Burns (1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002), o autoconceito
constitudo por imagens daquilo que pensamos que somos, que conseguimos realizar,
que os outros pensam de ns e tambm de como gostaramos de ser. Segundo este
prisma, o autoconceito baseia-se no modo como o indivduo se v nos seus julgamentos,
nas suas avaliaes e tendncias de comportamento. Isto leva a que o autoconceito seja
analisado como um conjunto de vrias atitudes do Eu e nicas de cada indivduo. Para
Wells e Marwell (1976, in Vaz Serra, 1986a), o autoconceito seria um constructo
hipottico, inferido ou elaborado com base em acontecimentos pessoais. Tal constructo
seria til para descrever, explicar e prever o comportamento humano, conhecendo como
o ser humano se percebe e considera a si prprio. Este conceito permite a noo de que
o comportamento humano goza de uma continuidade que lhe confere a identidade
pessoal, com coerncia e consistncia. J Markus (1977, in Vaz Serra, 1986a) refere-se
ao autoconceito como sendo um conjunto de generalizaes cognitivas que organizam o
processamento das informaes relevantes para o sujeito. Existiria uma espcie de
conservadorismo cognitivo, organizador de percepes, recordaes e esquemas
pessoais que seria muito importante na afirmao da identidade pessoal. J Vaz Serra
(1986a) define autoconceito como a percepo que o indivduo tem de si prprio nas
suas mltiplas facetas, sejam elas de ndole social, emocional, fsica ou acadmica.
Deste modo, o autoconceito concebido como uma construo terica que o
indivduo realiza sobre si, partindo da sua interaco com o meio social. Esta
autoconstruo reflectir as percepes, conjecturas e imaginaes que o indivduo
realiza sobre a influncia que a sua imagem exerce nos outros e no julgamento que estes
realizam sobre si. Acresce ainda o facto de subsistir uma espcie de sentimento pessoal
(orgulho ou vergonha) resultante desta interaco social (Giavoni & Tamayo, 2003;
Simes & Vaz Serra, 1987). Transversalmente a estas interaces sociais, o indivduo
vai construindo de forma gradual a sua identidade. Todavia, esta identidade prpria e
singular que o distingue dos demais, no se desliga do social.
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 166 -
Embora o autoconceito seja um constructo j muito explorado por diversas
pesquisas psicolgicas, alguns aspectos carecem ainda de melhor esclarecimento. De
facto, parece haver uma certa confuso terminolgica entre os termos autoconceito,
auto-imagem e auto-estima (Costa, 2001, 2002). Se considerarmos que a
conceptualizao do autoconceito tem variado em funo do quadro de referncia dos
autores, fcil concluir que a investigao terica, nesta rea se caracteriza por uma
grande impreciso da terminologia e discordncia das definies. (Albuquerque &
Oliveira, 2002, 81). Ainda no prembulo da definio do autoconceito geral, Burns
(1982, in Albuquerque & Oliveira, 2002) refere uma vasta gama de designaes (auto-
-imagem, auto-descrio e auto-estima) que tm vindo a ser utilizadas para referenciar a
imagem que o indivduo tem de si, contudo estes termos seriam designaes demasiado
estticas para uma estrutura dinmica e avaliativa como o autoconceito. Este, deveria
englobar uma descrio individual de si prprio (enquanto auto-imagem) e uma
dimenso avaliativa (auto-estima). Tambm Shavelson, Hubner e Stanton referem que
as pesquisas sobre autoconceito carecem de () concordncia na sua definio devido
falta de validao adequada das mensuraes do mesmo e tambm por falta de dados
empricos equivalentes entre elas. (1976, in Costa, 2002, 76). Assim, estes autores
propuseram um modelo estrutural para o autoconceito, concluindo que o autoconceito
geral deveria ser dividido em diferentes dimenses, como por exemplo, habilidades
fsicas, habilidades sociais e relaes emocionais.
Segundo Byrne (1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002), apesar da literatura
cientfica no apresentar uma definio operacional clara, concisa e universalmente
aceite existe uma certa concordncia em redor da definio geral do autoconceito como
sendo a percepo que o indivduo tem de si. A testemunhar isto mesmo, Vaz Serra
(1986a) refere que o autoconceito um constructo psicolgico que permite ter a noo
da identidade da pessoa, da sua coerncia e consistncia. Partindo destas deficincias
terminolgicas e da multiplicidade de conceitos, Shavelson e Bolus (1982, in Simes,
1997) apresentam uma definio operacional onde defendem que o autoconceito se
poder definir como um constructo hipottico, cujo contedo seria a percepo que um
indivduo tem do seu Eu. Essa percepo formar-se-ia tanto por intermdio de
interaces estabelecidas com os outros significativos, como atravs das atribuies do
seu prprio comportamento. A carncia de consensos no que se refere ao universo
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 167 -
conceptual do autoconceito no , contudo, recente, pois j em 1967 Shavelson e
colaboradores identificaram 17 dimenses conceptuais para este constructo, enquanto
que em 1971, Zirkel referia a existncia de 15 (Costa, 2001). Alm da diversidade
conceptual, Costa refere que () os problemas no estudo do autoconceito incluem
ainda: (1) a importncia da distino entre o I e o Me; (2) a discrepncia entre o self
ideal e o real; (3) as origens sociais da auto-avaliao; (4) a existncia de um ou de
mltiplos selfs; (5) os verdadeiros e falsos selfs; e (6) a uni ou multidimensionalidade
das descries e avaliaes do self. (2001, 105).
Em 1984, Piers direcciona a sua investigao para as crianas e adolescentes,
definindo o autoconceito como o conjunto das percepes conscientes que estes
indivduos possuem de si, dos seus comportamentos e dos seus atributos. Tais
percepes desempenhariam um papel fulcral na organizao e motivao do
comportamento, originando atitudes auto-avaliativas (cognies) e sentimentos (afectos)
que so essenciais para a compreenso da personalidade e para a previso de
comportamentos futuros. Outro aspecto importante a salientar que o desenvolvimento
normal na adolescncia parece incluir falsos comportamentos relativos ao self, que
fazem parte integrante da experimentao normativa de papis percursora da
consolidao da identidade. J Selman (1980, in Costa, 2001) destaca a distino que os
adolescentes fazem entre o verdadeiro self (sentimentos e pensamentos mais profundos)
e o self perifrico (sentimentos e pensamentos expressos). Segundo Costa (2001), esta
problemtica importante, uma vez que provoca a discusso sobre a desiderabilidade
social e os efeitos distorcedores das respostas dos sujeitos nas diversas situaes de
auto-anlise.
Quanto s componentes do autoconceito, Vaz Serra (1986a) salienta a auto-
-estima, as auto-imagens, a auto-eficcia, as identidades, o autoconceito real e o
autoconceito ideal. A auto-estima um dos constituintes do autoconceito mais
importantes e com grande impacto na prtica clnica, sendo entendido como o processo
avaliativo que o indivduo faz das suas qualidades ou dos seus desempenhos. Desta
feita, o constituinte afectivo do autoconceito em que o indivduo faz julgamentos de si
prprio, associando sua identidade sentimentos valorativos do "bom" e do "mau". A
auto-estima parece, ento, reportar-se a uma atitude valorativa do indivduo em relao
a si mesmo (Costa, 2002). J a auto-imagem surge como um sinnimo de autoconceito,
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 168 -
no entanto a sua nfase recai sobretudo no aspecto social. Vaz Serra defende que A
auto-imagem corresponde ao conjunto de percepes, quando a pessoa se constitui, ela
prpria, o objecto percebido. As vrias auto-imagens que o indivduo percebe, ajudam a
constituir o autoconceito. (1986a, 60). Estas auto-imagens resultariam das observaes
em que o indivduo ele mesmo objecto da sua prpria observao. Outro constituinte
do autoconceito a auto-eficcia, cuja origem remonta teoria da aprendizagem social
de Bandura. A auto-eficcia refere-se s auto-percepes em que o indivduo acredita,
confiando na sua capacidade e eficcia para enfrentar o meio com xito (Albuquerque &
Oliveira, 2002). Por usa vez, Mischel (1977, in Albuquerque & Oliveira, 2002) encara-a
como um constructo motivacional cognitivo em que o indivduo se auto-avalia como
eficaz, para enfrentar o meio ambiente. Sobre a quarta componente do autoconceito
(identidades), Vaz Serra (1986a) apenas refere que qualquer pessoa pode ter dentro de si
vrias identidades, estando na posio hierrquica mais elevada aquela a que dedicar
mais tempo e ateno.
Alm desta diferenciao entre autoconceito, auto-imagem, auto-percepo e
auto-estima ainda possvel distinguir o autoconceito real do ideal. Enquanto que o
primeiro reporta-se ao modo como o indivduo se percebe e se avalia, o autoconceito
ideal refere-se forma como ele sente que deveria ou gostaria de ser. Este parece
relacionar-se sobretudo com as normas culturais e os valores pessoais que determinado
meio tenta impor. Assim, esta discrepncia entre o autoconceito real e o ideal traduzir-
-se- no ndice de aceitao, de satisfao pessoal e de ajustamento pessoal (Vaz Serra,
1986a), discrepncia esta que estaria aumentada no incio da adolescncia (Costa, 2001)
e que com a idade iria diminuindo. Este autor defende que, enquanto a discrepncia
entre o self real e o self ideal est na origem de sentimentos depressivos, as diferenas
entre o self real e o self desejado provocam sentimentos relacionados com a aco
(preocupao, ameaa ou sentir-se no limite).
Comummente, consideram-se trs componentes no autoconceito: o avaliativo, o
cognitivo e o comportamental. O primeiro designado de auto-estima e consiste na
avaliao global que a pessoa faz do seu prprio valor, manifestando-se pela aceitao
de si mesmo como pessoa e por sentimentos de valor pessoal e de autoconfiana. Ela
constitui um dos determinantes mais importantes do bem-estar psicolgico e do
funcionamento social (Tamayo et al., 2001). J o componente cognitivo consiste nas
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 169 -
percepes que o indivduo tem dos traos, caractersticas e capacidades que possui ou
que pretende possuir. Quanto ao componente comportamental compe-se das estratgias
de auto-apresentao utilizadas pelo indivduo, com a finalidade de transmitir aos outros
uma imagem positiva de si mesmo. Estes trs componentes (avaliativo, cognitivo e
comportamental), apesar de diferentes relacionam-se entre si. Assim, um indivduo que
se percebe como tendo caractersticas indesejveis, avaliar-se- de forma desfavorvel,
mas tentar-se- apresentar de forma positiva. Recentemente, Nezlek e Plesko (2001, in
Tamayo et al., 2001) demonstraram que o contedo do autoconceito determinado tanto
pela situao social em que se encontra o sujeito, como pelos seus interesses, metas e
motivaes do momento.
Desta feita, pode afirmar-se que o autoconceito possui mltiplas facetas:
estvel (diminuindo essa estabilidade medida que vai descendo na hierarquia),
avaliativo, diferencivel e tem capacidade para se desenvolver e organizar numa
hierarquia. O aspecto avaliativo do autoconceito permite que o indivduo auto-avalie de
forma retrospectiva os seus comportamentos face a uma determinada situao,
averiguando quais os mais adequados para da retirar informao que lhe seja til em
novas situaes.
Para alm dos aspectos j assinalados, o autoconceito possui determinadas
caractersticas que so fundamentais para uma definio mais precisa (Simes, 1997). O
autoconceito actua como impulsionador da motivao, tendo Gecas (1982, in
Albuquerque & Oliveira, 2002) indicado trs motivos que lhe esto associados: o
motivo de auto-estima ou auto-salincia, o motivo de autoconsistncia e motivo de auto-
-eficcia. O motivo de auto-estima universal, na medida em que os aspectos positivos
de cada indivduo so, em geral, realados (Vaz Serra, 1986a). Este motivo apresenta-se
sob uma perspectiva de "auto-salincia", tendo como objectivo o melhoramento da auto-
-estima e a perspectiva de "auto-manuteno", virado para a preservao da pessoa
(estas duas perspectivas determinam as seguintes estratgias comportamentais: disputa
pelo xito e medo do fracasso). No que se refere ao motivo de consistncia, Markus e
Wurf (1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002) apresentam o autoconceito como um
conjunto de "generalizaes cognitivas" que estruturam a forma como se elabora a
informao para o indivduo. Tais esquemas tornam-se progressivamente resistentes
informao que lhes inconsistente, havendo uma espcie de conservadorismo
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 170 -
cognitivo, organizador de percepes, memrias e esquemas pessoais (Vaz Serra,
1986a).
Outra das funes do autoconceito a de auto-regulao, que consiste sobretudo
nas crenas relativas ao controle do comportamento (Thompson, 1981, in Tamayo et al.,
2001). Vrias pesquisas tm analisado esta funo do autoconceito sendo apontada uma
distino entre o controlo primrio e o secundrio. O controlo primrio baseia-se nas
tentativas de adaptao do ambiente externo aos prprios desejos e interesses. Engloba
o controlo do comportamento, o controlo cognitivo, o controlo da informao e o
controlo da deciso. J o controlo secundrio visa a adaptao do self ao meio ambiente
e recorre a mecanismos de controlo preditivo, ilusrio e interpretativo.
Outro aspecto importante que a natureza do autoconceito dinmica, uma vez
que o autoconceito estrutura-se atravs dos vrios perodos do desenvolvimento do
indivduo e muda em funo das modificaes no ambiente externo, social e
profissional. Por outro lado, a construo do autoconceito parece ser influenciada pela
cultura, tendo j sido estudado o impacto do individualismo e do colectivismo, visto que
h indcios de que o indivduo tende a manter e promover a sua imagem social atravs
da auto-afirmao (Tamayo et al., 2001). O autoconceito modifica-se e reestrutura-se de
acordo com o desenvolvimento do indivduo, pelo que podem ocorrer certas
incoerncias e variaes consoante a situao e o tempo. Contudo, apesar de ser um
aspecto essencial importante destacar que o autoconceito no apenas uma simples
reproduo da forma como o indivduo percepcionado pelos outros, pelo contrrio,
uma varivel dinmica que se modifica em funo das experincias do indivduo e que
as influencia (Costa, 2002). De facto, enquanto que os psiclogos clnicos apontam para
a unicidade do self, os psiclogos sociais defendem a multiplicidade de papis que o
sujeito desempenha (Costa, 2001). A adolescncia parece ser acompanhada de uma
proliferao de selfs relacionados com os novos papis que so solicitados ao indivduo,
incluindo a expresso do self para com os pais, amigos prximos, pares, parceiro
amoroso, para consigo enquanto estudante, profissional, ou atleta. Deste modo podem
surgir conflitos no incio da adolescncia devido conscincia de diferenas
comportamentais apesar das semelhanas contextuais (pode sair com os amigos mas ser
tmido num encontro a dois). A questo da multiplicidade do self pode ser considerada
como uma caracterstica no patolgica, solidria do desenvolvimento e que suportada
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 171 -
por esforos de diferenciao, no incio da adolescncia, seguidos por momentos de
integrao, no seu final, que suportam uma viso enriquecida e complexa do self.
(Costa, 2001).
Quanto multidimensionalidade, originalmente distinguiam-se trs dimenses
no self: o self-material, o self-social e o self-espiritual, modelo este que foi seguido por
muitos investigadores (Costa, 2001; 2002). Hoje, so consideradas como dimenses e
subdimenses fundamentais do autoconceito, o self-material (self-somtico e self-
-possessivo), o self-social (preocupaes e atitudes sociais e referncia ao gnero), o
self-pessoal (imagem e identidade do self), o self-adaptativo (valor e actividade do self)
e self e no self (referncia aos outros e opinio dos outros sobre si) (Novaes, 1985, in
Costa, 2002). Uma abordagem fulcral neste mbito e que convm referir o Modelo
Integrado de L'cuyer (1978, in Costa, 2002). Este modelo considerado integrado por
derivar de uma anlise detalhada de diversos modelos de autoconceito com o objectivo
de identificar alguns elementos fundamentais e organiz-los, integrando-os num nico
modelo. Este modelo apresenta as suas estruturas e categorias com pormenor, o que
proporciona uma anlise evolutiva do autoconceito do indivduo.
No se pode deixar de referir ainda o modelo do autoconceito de Marsh e
Shavelson (1976, in Lobo, 2003) que define o autoconceito em sete tpicos principais:
organizado e estruturado, multifacetado, hierrquico, estvel, desenvolvimental,
avaliativo e diferencivel. No que concerne ao aspecto desenvolvimentista do
autoconceito, Marsh e Shavelson (1985, in Albuquerque & Oliveira, 2002) consideram
que este se torna cada vez mais especfico e diferenciado medida que a idade avana.
Por ltimo, os autores referem que o autoconceito diferencivel de outras variveis
(por exemplo, estado de sade), permitindo a comparao entre si, de forma a averiguar
possveis relaes.
Uma outra vertente que importa analisar reporta-se ao autoconceito acadmico,
uma vez que tem sido apontado como uma das variveis que influencia o rendimento
escolar na motivao para o estudo e no comportamento na sala de aula. Sendo um
constructo complexo, o autoconceito composto por vrias dimenses, pelo que
Shavelson et al. (1976, in Simes & Vaz Serra, 1997) defende que existe um
autoconceito escolar (subdividido em reas especficas como matemtica, leitura e
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 172 -
histria) subordinado ao autoconceito geral e um autoconceito no escolar (que
compreende aspectos fsicos, emocionais e sociais). Tambm Shavelson, Hubner e
Stanton (1976, in Costa, 2001) defendem a bidimensionalidade do autoconceito que se
divide em acadmico e no acadmico. Por sua vez, o autoconceito acadmico
subdividir-se-ia em facetas mais especficas como o autoconceito para a histria ou a
matemtica.
O autoconceito acadmico descrito () como o universo de representaes
que o aluno tem das suas capacidades, das suas realizaes escolares, bem como a
avaliao que faz dessas mesmas capacidades e realizaes. (Simes, 1997, 202). Uma
das definies possveis do autoconceito acadmico aponta para a existncia de uma
dimenso descritiva e avaliativa, tendendo a centrar-se na competncia acadmica.
Quanto s suas dimenses, surgem algumas diferenas entre autores. Em 1985, Marsh e
Shavelson apontavam para um autoconceito para a lngua materna e outro direccionado
para a matemtica, enquanto que em 1988, Marsh defendeu que a existncia de uma
autoconceito acadmico para a matemtica (fsica e biologia) e um autoconceito
acadmico verbal (geografia, histria e lnguas). O autoconceito escolar refere-se assim
s percepes e avaliaes das capacidades que o aluno julga possuir para realizar as
tarefas escolares, em comparao com outros alunos da mesma classe. (Simes & Vaz
Serra, 1997, 236)
Burns (1982, in Simes & Vaz Serra, 1997) defende que o autoconceito escolar
est quase definido no final da escolaridade primria, sendo um factor importante no
envolvimento voluntrio em actividades escolares e um bom ndice de prognstico em
actividades no intelectuais. Por seu turno, Stevanato, Loureiro, Linhares e Marturano
(2003) defendem que o autoconceito positivo no est necessariamente associado com
um ajustamento adequado, bem como o autoconceito negativo no implica um
ajustamento pobre. Carneiro, Martinelli e Sisto (2003) defendem que o xito ou fracasso
escolar reforaro um determinado autoconceito acadmico que por sua vez determina,
em grande parte, as prprias possibilidades do aluno, os riscos que enfrenta e os
resultados que obtm. Assim, as crianas com juzos positivos sobre as suas
capacidades referentes s tarefas escolares obtm resultados melhores que aquelas cujos
julgamentos sobre suas prprias habilidades so duvidosos ou negativos.
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 173 -
Desta forma, a repetio de experincias negativas por um longo perodo
diminui o autoconceito escolar das crianas, as suas expectativas de auto-eficcia, a sua
motivao e o seu esforo, provocando um retraimento ou um comportamento no
adaptativo e inadequado. Assim, o autoconceito integra e organiza a experincia do
indivduo, regula os seus estados afectivos e actua como motivador e guia do
comportamento (Carneiro, Martinelli & Sisto, 2003). de salientar que a insero na
escola contribui para a formao do autoconceito escolar, referente s caractersticas
que o aluno acredita possuir relativamente ao seu desempenho acadmico e que se
desenvolve com base nas avaliaes que recebe dos seus professores, colegas e pais
sobre o seu desempenho escolar.
No entanto, a presena de uma correlao entre autoconceito e rendimento
escolar no define por si s a existncia de uma relao causal e, muito menos, a sua
direco ou natureza. O que possvel afirmar que () alguns estudos revelam que
possvel aumentar o autoconceito dos alunos e, no menos importante, que os nveis de
rendimento escolar dos alunos com insucesso aumentam depois do uso de programas
orientados para a melhoria do seu autoconceito. (Simes & Vaz Serra, 1987, 239).
Por sua vez, Oerter (1989, in Simes, 1997) defendeu a existncia de 4 nveis no
desenvolvimento do autoconceito escolar: 1) o Eu capaz de integrar os padres do
rendimento escolar no autoconceito (idade pr-escolar); 2) o autoconceito integra os
conceitos de esforo e capacidade, reforando a sua autonomia e confiana; 3) recorre-
-se comparao social com o seu grupo de referncia, sendo importante o papel do
sistema escolar; 4) o indivduo apercebe-se que as funes da escola se assemelham s
da sociedade em geral, existindo uma relao dialctica entre o indivduo e a sociedade,
cujo sistema social seria integrado pelos diferentes indivduos.
Uma dimenso desta problemtica que merece ser analisada refere-se aos efeitos
adversos do fracasso escolar sobre o autoconceito do indivduo. So vrios os estudos
que salientam o facto das causas do insucesso escolar se deverem no s ausncia de
capacidades intelectuais, mas a outros factores como um autoconceito pobre ou mesmo
negativo. De forma idntica, um autoconceito pobre e fraco pode intervir na progresso
ou xito de uma carreira profissional, dificultar as relaes interpessoais ou mesmo
intervir na prtica de determinados comportamentos de sade e de risco (Albuquerque
& Oliveira, 2002).
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 174 -
J Simes e Vaz Serra ressalvam que Os resultados de vrias investigaes
relativas s associaes entre o autoconceito geral e o rendimento escolar so,
aparentemente, ambguos e contraditrios. (1997, 234). Assim, importa dissecar o que
est subjacente discrepncia de valores encontrados para a correlao entre
autoconceito e desempenho acadmico, pelo que Byrne (1996b, in Costa, 2001) aponta
quatro motivos principais: a) diferenas na operacionalizao do autoconceito e
desempenho acadmico; b) diversidade na forma, pontuao, nmero e especificidade
dos itens dos instrumentos de anlise do autoconceito; c) validade de constructo desses
instrumentos varivel; d) as amostras tm sido muito diversas em tamanho, gnero,
idade, nvel de ensino, capacidade acadmica, etnia e estatuto socioeconmico.
Assim, de um modo geral o autoconceito pode definir-se como uma estrutura
cognitiva que organiza as experincias passadas do indivduo, reais ou imaginrias,
controla o processo informativo relacionado consigo prprio e exerce uma funo de
auto-regulao (Tamayo et al., 2001). Ou seja, o autoconceito um constructo
complexo e multidimensional que engloba holisticamente todo o indivduo, reflectindo
o seu passado, o presente e o futuro. Outro aspecto a destacar a existncia de um
autoconceito acadmico e um autoconceito no acadmico. Observou-se, assim, a
importncia de um desempenho acadmico satisfatrio para as crianas no que se refere
ao autoconceito e tambm no que concerne aceitao por parte dos colegas,
professores, familiares e de si prpria.
1.2. Gnese do autoconceito
O desenvolvimento do autoconceito como constructo fundamental da
personalidade influenciado por vrios factores, como o aspecto fsico, nvel de
inteligncia, emoes, padres culturais, escola, famlia e status social. No mbito da
gnese do autoconceito, importa compreender o modo como o sujeito se vai conhecendo
ao longo de etapas fundamentais da sua vida como a infncia e, em particular, a
adolescncia. Assim, o desenvolvimento social da criana marcado pela integrao
(fundamental para que o indivduo se integre na sociedade e se desenvolva) e pela
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 175 -
diferenciao (essencial para que a criana se diferencie progressivamente dos outros e
se distinga entre si e os restantes elementos da sociedade).
Para Simes, Tanto o sentido de separao, como a identidade estvel, que a
criana vai construindo desde a infncia, representam os dois aspectos bsicos do
autoconceito nos quais o Eu-Como-Sujeito se apoia para dar um sentido sua
experincia pessoal. (1997, 201). Neste sentido, de acordo com o modelo de
desenvolvimento da autocompreenso da infncia at adolescncia (Damon, 1983, in
Simes, 1997) o sujeito desenvolve o seu autoconceito devido interaco entre o Eu-
-Como-Sujeito e o Eu-Como-Objecto. Este modelo defende tambm que os
constituintes do Eu e as dimenses mais caractersticas da infncia so o conhecimento
corporal, pertencente componente fsica do Eu-Como-Objecto enquanto que na
adolescncia os aspectos mais predominantes so a filosofia pessoal e um sistema de
crenas.
A formao do autoconceito um processo lento que se desenvolve com base
nas experincias pessoais e na reaco dos outros ao seu comportamento. Desse modo, a
maneira como os outros reagem ao seu comportamento, aprovando-o ou desaprovando-
-o, influencia as caractersticas do autoconceito que a criana desenvolver. As pessoas
que interferem nesse processo so, em geral, os adultos importantes na vida da criana
(como os pais e professores) que, na maioria, exercem algum controle sobre a criana e
cujas opinies tm influncia sobre ela. Se a criana sofrer experincias de fracasso,
provavelmente incorporar esse insucesso no seu autoconceito, mesmo que no seja
condizente com o real. Por outro lado, se as suas qualidades positivas forem ressaltadas
tender a ter uma auto-estima elevada (Carneiro, Martinelli & Sisto, 2003).
As percepes criadas pelo indivduo sobre si prprio resultam da sua
experincia, das avaliaes que lhe so feitas, dos reforos, das atribuies que faz do
seu comportamento, da comparao que estabelece com os seus pares, dos resultados do
seu comportamento, das normas e grupos de referncia, bem como de outras influncias
socioculturais (Vaz Serra, 1986a). Assim, o autoconceito o produto final de juzos de
valor relativos, importantes no ajustamento do indivduo ao seu meio. Segundo Tamayo
et al. (2001), o autoconceito forma-se e desenvolve-se pela internalizao do modo
como os membros do grupo o percebem e avaliam. Estas pessoas formam um espelho
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 176 -
no qual, a partir das imagens sociais que reflecte, o indivduo descobre-se, estrutura-se e
reconhece-se.
Mota Cardoso et al. (1986, in Lobo, 2003) defendem que este constructo ser o
fruto do processo de atribuio que o sujeito faz de si, com caractersticas de
estabilidade e unidade no espao e no tempo. Fica assim patente que a gnese do
autoconceito interpessoal, incluindo tanto os pensamentos, sentimentos e aces do
indivduo, como os de interaco social (Vaz Serra, 1986a). Uma vez que a auto-
-avaliao do indivduo depende das avaliaes dos outros, depreende-se o seu
significado na educao em geral, no rendimento escolar e na interaco social. Isto
porque um autoconceito pobre uma estrutura psicolgica vulnervel que pode
conduzir o sujeito a auto-depreciar-se e a culpabilizar-se. Consequentemente, assistir-
-se- diminuio da auto-estima, podendo instalar-se algum tipo de morbilidade. De
facto, () somos levados a concluir que a maneira como uma pessoa se percebe e
avalia pode ditar a forma como se relaciona com os outros, as tarefas que tenta, as
tenses emocionais que experimenta e o modo como subsequentemente se percebe.
(Wells & Marwell, 1976, in Vaz Serra, 1986a, 58).
O autoconceito influenciado por inmeras outras variveis de natureza diversa,
predominando as de base relacional e social, algumas destas com efeito negativo sobre o
autoconceito, como o neuroticismo, a psicopatia e o alcoolismo. Alm disso, vrias
caractersticas pessoais influenciam de modo significativo o autoconceito como a idade,
o estado civil e a ordem ocupada na famlia em funo do nascimento. Por seu turno, as
variveis que apresentam uma dimenso social mais evidente tm sido bastante
estudadas, verificando-se uma associao quase sempre positiva com o autoconceito,
como a popularidade com os colegas e amigos, a opinio e feedback do outro
significativo, a beleza e aparncia fsica, a frequncia de actividade sexual pr-marital, a
aceitao social e a atitude positiva dos outros. O autoconceito tambm influenciado
por variveis situacionais como a situao socio-econmica, posse de carro e ndice de
acidentes de viao, raa e etnia, regio e cidade de origem, e religiosidade (Tamayo et
al., 2001).
Um estudo desenvolvido por Vaz Serra, Matos e Gonalves (1986) demonstrou
a existncia de uma correlao negativa e significativa entre os sintomas depressivos e o
autoconceito. Assim sendo, quanto melhor for o autoconceito do sujeito, menor ser a
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 177 -
sua tendncia para apresentar sintomas depressivos. Por outro lado, numa outra
pesquisa, verificou-se que existir uma correlao negativa, altamente significativa,
entre o autoconceito e a ansiedade social (Vaz Serra, Gonalves & Firmino, 1986).
Desta forma, parece ser patente que o autoconceito de um indivduo influenciado pelo
seu comportamento social, pelo que um autoconceito reduzido e uma auto-avaliao
social desfavorvel podem desencadear a ansiedade sentida nas situaes sociais.
No que se refere relao do gnero e da identidade sexual com o autoconceito,
os resultados ainda no so conclusivos, subsistindo investigaes contraditrias
(Tamayo et al., 2001). Todavia, de destacar alguns estudos importantes como o de
Tamayo (1986, in Tamayo et al., 2001) que, com uma amostra de estudantes
universitrios, verificou que os homens apresentaram ndices superiores em
autoconfiana e autocontrolo, enquanto que as mulheres manifestaram ndices
superiores no self tico-moral. J Josephs, Markus e Tafarodi (1992, in Tamayo et al.,
2001) concluram que existir uma diferena importante na natureza do contedo do
autoconceito de homens e mulheres. O autoconceito masculino estaria mais associado
com a prpria autonomia e unicidade, enquanto o feminino incluiria, como elemento
bsico, a referncia aos outros significativos.
No mbito da associao entre a actividade fsica e o autoconceito, tambm se
tm realizado diversas pesquisas. A sua influncia parece depender no s da aco
benfica sobre o funcionamento fisiolgico do organismo, mas tambm da dimenso
social presente na actividade fsica. De facto, vrias pesquisas tm demonstrado o efeito
positivo da actividade fsica regular sobre a sade fsica e mental. Todavia, no que se
refere s crianas, os resultados tm sido contraditrios (Tamayo et al., 2001).
Zaharopoulos e Hodge (1992, in Tamayo et al., 2001) realizaram um estudo onde
utilizaram uma amostra de homens e mulheres entre 13 e 27 anos, sendo parte deles
praticante de actividades desportivas. Os resultados revelaram que a prtica desportiva
no tem impacto sobre o autoconceito global mas sobre componentes especficos do
mesmo, particularmente o self somtico. Tambm Delaney e Lee (1996, in Tamayo et
al., 2001) confirmaram o efeito benfico do exerccio fsico sobre o autoconceito dos
participantes. Por sua vez, Kirshton e Dixon (1995, in Tamayo et al., 2001) encontraram
resultados favorveis para os sujeitos de gnero masculino em dois dos seis factores
avaliados. J o gnero feminino apresentou um certo declnio dos ndices de
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 178 -
autoconceito, algo que os autores interpretaram como consequncia do stress provocado
pelas competies. Ford et al. (1989, in Tamayo et al., 2001) analisaram a influncia das
actividades desportivas sobre o autoconceito de estudantes universitrios, no
observando diferenas estatsticas significativas.
No final da adolescncia o adolescente ser capaz de integrar os diversos
aspectos de si prprio num autoconceito bem organizado, resolver muitas das
contradies e irregularidades das representaes que tem de si, consolidando a
estrutura da sua identidade no momento em que consegue antecipar qualquer deciso
importante para o seu autoconceito (Simes, 1997). Em suma, tal como Fitts
considerava () quanto melhor o autoconceito, melhor o desempenho de um
indivduo, desde que esteja em p de igualdade, em termos de aptides, com outros que
lhe sirvam de comparao. (1972, in Vaz Serra, 1986a, 58).
1.3. Instrumentos de avaliao do autoconceito
Actualmente existem j inmeros instrumentos de avaliao do autoconceito,
utilizando processos de medida padronizada, objectiva e quantificada.
Padronizada, no sentido de que os processos de avaliao so equivalentes
para todas as pessoas cujo autoconceito se quer medir, em quaisquer condies em que
seja efectuada. Objectiva, porque os resultados obtidos so independentes da pessoa que
administra a escala. E quantificada, porque tais escalas costumam subordinar-se a
regras que atribuem valores quantitativamente diferentes apreciao de cada atributo.
(Vaz Serra, 1986b, 67).
Tais escalas so de auto-avaliao e no de avaliao por observador externo,
uma vez que o autoconceito um fenmeno ntimo e pessoal (Marsh, Smith & Barnes,
1983, in Vaz Serra, 1986b). Podem ser escalas de descries verbais, onde o indivduo
se classifica de acordo com um determinado valor em cada atributo definido pelo item
da escala, ou podem ser no verbais, recorrendo a respostas geomtricas, simblicas ou
pictricas. Todavia, mesmo estas escalas designadas no verbais, comportam na sua
essncia algo de verbal, nem que seja pelas instrues necessrias resposta. Quanto
pontuao, Vaz Serra (1986b) refere que o mais comum que o indivduo se classifique
em cada item de 0 a 4, ou de 1 a 5, chegando a haver casos de um mximo de 11 pontos.
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 179 -
Um aspecto a reter que o nmero de questes deve estar equilibrado com a pontuao
atribuda.
De entre as escalas mais comuns, pode referir-se a Tennesse Self-Concept Scale,
elaborada em 1965 por Fitts e colaboradores. Esta escala permite a obteno de diversos
ndices de avaliao do sujeito, que vo da autocrtica autoconsiderao positiva. Fitts
ter verificado empiricamente a existncia de agrupamentos de itens sensveis ao mau
ajustamento geral do indivduo, s situaes de neurose, psicose e distrbios de
personalidade. No entanto, por ser uma escala extensa (cem itens) e face exigncia do
tempo de preenchimento, a sua aplicabilidade no muito prtica (Vaz Serra, 1986b).
J o Self Descriptive Questionnaire construdo por Marsh e colaboradores em
1983, constitudo por 66 questes direccionadas para a avaliao do autoconceito de
acordo com as suas multi-facetas, em particular o autoconceito acadmico, emocional,
social e fsico. Segundo a sua anlise factorial existiro 8 factores explicativos de 51%
da varincia, correspondentes s dimenses definidas por Shavelson e mais tarde por
Fleming e Courtney. Segundo Vaz Serra (1986b), esta escala tem sido utilizada,
sobretudo, em populaes escolares.
Datada de 1978, existe uma outra escala construda por Williams e Workman
aps observao prvia de comportamentos de crianas na escola. Esta escala
comportamental do autoconceito foi projectada para a populao escolar infantil, sendo
composta por 36 pares de actividades colocadas de forma verbal ou pictrica (Vaz
Serra, 1986b).
Alm destas escalas de tipo Likert existem diferenciais semnticos
desenvolvidos por diversos autores, escalas de estmulos mltiplos, extraco de cartes
ou respostas a Who am I?. Os diferenciais semnticos tm dois aspectos negativos
principais: impedimentos na comparibilidade (dificuldade de equivalncia entre as
diferentes medidas utilizadas na investigao) e na correspondncia dos termos quando
se trata de idiomas diferentes do original (Vaz Serra, 1986b). Quanto extraco de
cartes, os indivduos iro colocar os cartes por ordem segundo a forma como o
definem, devendo realizar um nmero especfico de agrupamentos. Todavia a sua
capacidade de seleco restrita e pode no traduzir resultados reais, ao seleccionar
aquele que da o relato mais aproximado e no aquele que verdadeiramente o descreve.
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 180 -
Por ltimo, importa descrever a escala de Autoconceito de Piers-Harris EAPH
(de 1984), direccionada para a populao infanto-juvenil. Esta escala foi desenvolvida
pelo psiclogo Piers e adaptado para a populao portuguesa por Veiga (1989), sendo
um dos instrumentos de medida do autoconceito mais utilizados na literatura cientfica
sobre este constructo. A escala original era constituda por 80 itens, cada um com duas
respostas possveis: Sim e No, podendo ser aplicada em indivduos dos 8 aos 18 anos.
A verso reduzida validada por Veiga (1989) composta apenas por 58 itens e
atribudo um ponto a cada resposta indicadora de um autoconceito positivo. A obteno
de um resultado elevado pode sugerir uma auto-avaliao positiva, a necessidade de
transmitir uma imagem positiva de si, ou uma incapacidade de auto-avaliao crtica.
Por outro lado, resultados reduzidos indiciam um autoconceito negativo, ou um elevado
nvel de exigncia de si prprio auto-avaliao excessivamente crtica (Paiva, 2003).
A estrutura factorial da escala sugere ainda que o autoconceito no uma dimenso
unitria, comprovando-se a estrutura dos seis factores da verso original: Aspecto
comportamental, Ansiedade, Estatuto Intelectual e Escolar, Popularidade, Aparncia e
Atributos Fsicos, Satisfao-Felicidade.
Ou seja, existem j diversos instrumentos de avaliao do autoconceito
disposio dos investigadores, cabe a cada um seleccionar aquele que melhor se adequa,
atendendo populao, variveis e objectivos do estudo. Devem ainda ser tidos em
considerao os dados psicomtricos das escalas e a existncia de estudos prvios de
validao/aferio cultural.
1.4. Obesidade e autoconceito: estudos realizados
Quanto ao papel do autoconceito na obesidade, existem j alguns estudos
realizados a nvel internacional. Todavia, verifica-se uma grande diversidade de
instrumentos, nomenclaturas e critrios, pelo torna difcil a comparao de resultados.
Falkner, Neumark-Sztainer, Story, Jeffery, Beuhring e Resnick (2001) referem
que os resultados dos estudos da associao entre auto-estima global e obesidade so
inconsistentes, talvez devido a limitaes metodolgicas. Todavia, a auto-estima
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 181 -
especfica para a aparncia fsica mais consistentemente referida como estando
associada de forma negativa com a obesidade. J Bruch 1975 (in Strauss, 2000, 1) tinha
referido que There is no doubt that obesity is an undesirable state of existence for a
child. It is even more undesirable for an adolescent, for whom even mild degrees of
overweight may act as a damaging barrier in a society obsessed with slimness.4
Todavia, a prevalncia e a magnitude desta problemtica tm sido alvo de controvrsia.
Se, por um lado, so vrios os estudos que encontraram ndices inferiores de auto-
-estima em crianas obesas, por outro lado existem tambm pesquisas que apresentam
ndices de auto-estima normais (Strauss, 2000). Tais discrepncias podero dever-se a
diferenas de idade, regio, nvel socioeconmico e de etnia.
De facto, um estudo realizado por Gortmaker et al. (1993, in Strauss, 2000), no
encontrou diferenas significativas na auto-estima durante um perodo de 7 anos em
indivduos obesos de 16 a 24 anos. Anos depois, French, Story e Perry (1995)
realizaram uma reviso dos resultados obtidos por 35 estudos que analisaram a relao
entre a auto-estima e a obesidade, em crianas e adolescentes. Destes estudos, 13
mostraram claramente uma diminuio da auto-estima em crianas e adolescentes
obesos, sendo de salientar que 5 estudos mais especficos apontavam uma menor auto-
-estima corporal nestes indivduos. Por outro lado, os resultados de 6 dos 8 estudos de
tratamento revelaram que os programas teraputicos de perda de peso parecem melhorar
a auto-estima.
J Strauss (2000) realizou um estudo onde correlacionou auto-estima e
obesidade, numa amostra de 1520 crianas. Da anlise dos dados sobressaiu que os
hispnicos obesos e as mulheres de etnia caucasiana apresentavam nveis inferiores de
auto-estima na adolescncia, resultados que poder-se-o dever percepo negativa do
seu peso. Alm disso, as crianas obesas com nveis de auto-estima reduzidos
manifestavam ndices superiores significativos de tristeza, solido, nervosismo e uma
maior propenso para comportamentos de risco como o tabagismo e o alcoolismo.
Todavia, neste estudo verificou-se que a auto-estima na pr-adolescncia (9-10 anos)
no estaria relacionada com a obesidade, contrariamente ao que se constatou aos 13-14
anos.
4 No h dvida que a obesidade um estado de existncia indesejvel para uma criana. Para um
adolescente at mais indesejvel, para mesmo os nveis mdios de excesso de peso podem ser uma
barreira nefasta numa sociedade obcecada com a magreza.
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 182 -
Enquanto isso, Falkner et al. (2001) realizaram uma pesquisa com o intuito de
correlacionar os aspectos social, educacional e psicolgico com o IMC de uma amostra
adolescente de 4742 rapazes e 5201 raparigas estudantes numa escola pblica (do 7, 9
e 11 anos). O IMC foi calculado com base nas medidas antropomtricas auto-referidas
e categorizado em quatro grupos: falta de peso, peso mdio, excesso de peso e
obesidade. Aps se proceder ao ajustamento para o nvel de escolaridade, raa e nvel
socioeconmico, verificou-se que:
as raparigas obesas tinham 1.63 vezes menos probabilidade de sair com
amigos na ltima semana, 1.49 vezes mais probabilidade de referir srios
problemas emocionais no ltimo ano, 1.79 vezes mais probabilidade de
referir falta de esperana, 1.73 vezes mais probabilidade de referir tentativas
suicidas no ltimo ano e 2.09 vezes mais probabilidade de se considerarem
piores alunos;
os rapazes obesos apresentavam 1.91 vezes menos probabilidade de sair com
amigos na ltima semana, 1.34 vezes mais probabilidade de sentir que os
seus amigos no se importam com eles, 2.18 vezes mais probabilidade de
esperarem desistir da escola e 1.46 vezes mais probabilidade de se
considerarem piores alunos.
Atravs da avaliao do autoconceito e da avaliao comportamental da criana,
Braet, Mervielde e Vandereycken (1997, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005)
compararam trs grupos de crianas de 9 a 12 anos: 92 crianas obesas em tratamento,
47 obesas que no estavam em tratamento e 150 no obesas. Observaram-se diferenas
significativas entre os trs grupos, constatando-se que as crianas em tratamento
apresentavam um autoconceito mais negativo e as suas mes relatavam mais problemas
comportamentais.
Um estudo realizado por Barton, Walker, Lambert, Gately e Hill (2004) em 61
adolescentes obesos com uma mdia de idades de 14.1 anos, procurou-se analisar as
alteraes cognitivas ocorridas aps perda de peso. Assim, verificou-se que estes
adolescentes no s diminuram o seu peso, como melhoraram a sua auto-representao,
especialmente em termos de pensamentos automticos sobre exerccio e aparncia.
Apesar de serem transformaes cognitivas a curto prazo, denotaram-se reflexos
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 183 -
positivos no mbito da experincia, bem como o valor das melhorias psicolgicas na
aferio dos resultados do tratamento da obesidade.
Por sua vez, Galindo et al. (2002, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005)
investigaram um grupo de 23 crianas obesas, com idades entre os 10 e os 13 anos,
analisando-as quanto ao factor Aparncia Fsica e Atributos (da escala de
Autoconceito de Piers Harris) e sub-escala Imagem Corporal (do Eating Behavior
and Body Image Test). Verificou-se que nem sempre predominou uma imagem negativa
dos corpos e nem todos se consideravam gordos, embora a maioria expressasse sinais de
descontentamento com a prpria aparncia fsica.
J Cataneo, Carvalho e Galindo (2005), no seu estudo, no encontraram
diferenas significativas entre crianas obesas e no obesas quanto varivel Locus de
Controle, parecendo no haver uma tendncia externalidade ou internalidade
associada a ser ou no obeso. Tambm no que se reporta avaliao do autoconceito
no foram identificadas diferenas significativas entre os grupos. Tal verificou-se em
todos os sub-componentes da escala de Piers-Harris, especialmente para Aparncia
Fsica e Atributos.
Em Portugal foi realizada uma pesquisa correlacional por Gomes, Ferreira,
Rocha, Almeida e Sousa (2004) onde se avaliou a relao existente entre o IMC de 1198
adolescentes do ensino secundrio do distrito de Viseu e o ndice de autoconceito
avaliado atravs do Inventrio Clnico de Autoconceito de Vaz Serra. Constatou-se que
os adolescentes obesos tm um maior ndice de autoconceito (64,44) que os no obesos
(63,83). Todavia, a relao entre o autoconceito e a obesidade no estatisticamente
significativa. O mesmo tambm se verifica nas dimenses F1, F2 e F3 do inventrio
constatando-se que os obesos apresentam maiores ndices de autoconceito (relao
estatisticamente no significativa). J na dimenso F4 os resultados foram opostos, pois
os adolescentes no obesos possuam um autoconceito superior (relao estatisticamente
no significativa).
Em suma, o autoconceito de um indivduo, embora seja influenciado pela
comunidade na qual o sujeito vive sobretudo uma "deciso pessoal, o que faz com
que no seja previsvel. A nvel internacional existem j contributos vlidos, embora
controversos, que procuram analisar a associao existente entre a obesidade e o
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 184 -
autoconceito. Todavia, a nvel nacional, no foi possvel encontrar nenhum estudo
publicado que analisasse a especificidade deste constructo em adolescentes obesos ou
com excesso de peso.
2. Obesidade e ansiedade
Um factor muito referido como estando presente na dinmica da personalidade
do indivduo obeso a ansiedade. Segundo Cataneo, Carvalho e Galindo (2005), nveis
elevados de ansiedade podem conduzir obesidade e encobrir dificuldades internas,
afectivas e relacionais, requerendo um tratamento psicolgico urgente. Por outro lado,
um diagnstico de obesidade pode ser um factor desencadeante de uma perturbao da
ansiedade. Para que se compreenda melhor esta relao complexa, analisemos
sucintamente este constructo.
2.1. Caracterizao da ansiedade
O termo ansiedade s comeou a surgir na literatura internacional aps a 2
metade do sculo XIX. Remontando ao sculo XIII, existem indcios de termos
sinnimos como afan, coyta e coytado, enquanto que no sculo XV possvel encontrar
os termos angustura e pressa e no sculo seguinte surge estreita como conceito
sinnimo (Lobo, 2003; Vaz Serra, 1980). Mesmo no sculo XIX, a ansiedade no era
ainda um termo muito utilizado, sendo designadas as situaes ansiosas de fobias ou
medos. Neste contexto, Lalane (1902, in Vaz Serra, 1980) ter sido pioneiro na
valorizao da ansiedade enquanto manifestao frequente das neuroses e psicoses.
As definies actuais de ansiedade variam muito consoante o modelo terico
considerado. No entanto, de um modo geral, todas se referem de forma implcita ou
explcita a um sentimento de inquietao que se traduz no plano fisiolgico (taquicardia,
nuseas, sudorese), motor (hiperactividade, fuga, evitamento), cognitivo (ateno,
antecipaes), afectivo (medo, pnico, fobias) e motivacional (querer afastar-se da
situao traumtica). Desta forma, a ansiedade constitui um estado incomodativo em
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 185 -
que todo o sistema afectado (Vaz Serra, 1980). A ansiedade pode ser definida como
uma resposta psicolgica e fsica face ameaa do autoconceito, caracterizada por um
sentimento subjectivo de apreenso que interpretado pela conscincia e por uma
hiperactividade do sistema nervoso autnomo. Assim, nveis elevados de ansiedade
podem afectar a aprendizagem e o rendimento escolar, pois perante uma situao
desconhecida de realizar um procedimento novo, o estudante torna-se inseguro,
assustado e ansioso (Carvalho, Farah & Galdeano, 2004).
Na literatura, observam-se diversas maneiras de conceituar a ansiedade. Em
1962, Neylan definiu-a como um sentimento de antecipao, geralmente desagradvel,
psicologicamente manifesto por mecanismo de luta e fuga e expresso fisiologicamente
com a liberao de adrenalina na corrente sangunea. Suas manifestaes dependem de
factores como: idade, temperamento, experincias passadas e estado fsico. (Lobo,
2003, 135).
Outra definio de ansiedade apontada encara-a como uma sensao de perigo
iminente, associada a uma atitude de expectativa que provoca uma perturbao mais ou
menos profunda (Costa & Boruchovitch, 2004). Ser, ento, um estado de estmulo
caracterizado por um medo vago cujo propsito ou funo de facilitar a deteco do
perigo ou ameaa em potencial. Segundo Andrade e Gorenstein, A ansiedade um
estado emocional com componentes psicolgicos e fisiolgicos, que faz parte do
espectro normal das experincias humanas, sendo propulsora do desempenho. Ela passa
a ser patolgica quando desproporcional situao que a desencadeia, ou quando no
existe um objecto especfico ao qual se direccione (1998, 285). J May (1980, in
Peniche & Chaves, 2000) definiu ansiedade como uma relao existente entre o
indivduo, o ambiente ameaador e os processos neurofisiolgicos resultantes desta
relao. Por seu turno, Dratcu e Lader (1993, in Peniche & Chaves, 2000) consideram a
ansiedade como um fenmeno adaptativo com durao e intensidade adequadas e
necessrias ao homem na superao das situaes que lhes so impostas pela vida. Tal
durao e intensidade podem ser expressas num grfico por uma curva de Gaus obtida
atravs de pesquisas realizadas por Yerkes-Dodson em 1908, cuja forma varia de
indivduo para indivduo.
Convm referir que Freud contribuiu de forma significativa para o
desenvolvimento das pesquisas sobre a ansiedade, pois antes dele este constructo apenas
tinha sido estudado no campo da Filosofia (Costa & Boruchovitch, 2004). Baseado em
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 186 -
fenmenos clnicos observveis, Freud considerou que a ansiedade integra o instinto de
conservao do indivduo e herdada filogeneticamente, estando a sua origem
associada ao trauma do nascimento e ao medo da castrao. ento que classifica a
ansiedade em normal e neurtica, estando a primeira relacionada com a conscincia de
um perigo externo e real como a morte, enquanto que a ansiedade neurtica ocorreria
em situaes de ausncia de ameaa de perigo real. No entanto, ela no seria percebida
de modo consciente, mas sim reprimida. Ao definir a ansiedade como patolgica, Freud
centrou o seu interesse nos efeitos neurticos da ansiedade, repercutindo-se nos estudos
desenvolvidos posteriori.
Aps uma extensa reviso sobre a origem e o significado da palavra ansiedade,
Aubrey Lewis enumera as seguintes caractersticas:
1. um estado emocional, com a experincia subjectiva de medo ou outra emoo
relacionada, como terror, horror, alarme, pnico;
2. a emoo desagradvel, podendo ser uma sensao de morte ou colapso iminente;
3. direccionada em relao ao futuro. Est implcita a sensao de um perigo iminente.
No h um risco real, ou se houver, a emoo desproporcionalmente mais intensa;
4. h desconforto corporal subjectivo durante o estado de ansiedade. Sensao de aperto
no peito, na garganta, dificuldade para respirar, fraqueza nas pernas e outras sensaes
subjectivas. (1979, in Andrade & Gorenstein, 1998, 285).
Lewis (1979, in Andrade & Gorenstein, 1998) apresenta alguns outros atributos
que podem ser includos na descrio da ansiedade. Este autor defende que a ansiedade
um fenmeno complexo que pode ser normal ou patolgica, leve ou grave, prejudicial
ou benfica, episdica ou persistente, ter uma causa fsica ou psicolgica, ocorrer
isolada ou associada a outra perturbao, bem como afectar ou no a percepo e a
memria.
Um passo decisivo no desenvolvimento do estudo da ansiedade foi a distino
entre ansiedade e medo. Este encarado como um processo cognitivo referente
avaliao do estmulo ameaador, enquanto que a ansiedade seria a reaco emocional
face a essa avaliao. Ou seja, ao passo que o medo latente, a ansiedade reporta-se
vivncia de um estado emocional de desconforto, () caracterizado por sentimentos
subjectivos de mal-estar, como tenso e nervosismo e por sintomas fisiolgicos, como
palpitaes, tremor, nuseas e tonturas. Esta variedade de sintomas est relacionada com
a reaco do sistema autonmico. (Beck, 1985, in Lobo, 2003,139).
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 187 -
Outro aspecto importante que no nosso quotidiano sentimos nveis normais de
ansiedade teis para nos estimular e impelir para a aco. A ansiedade , assim, uma
constante universal indispensvel a um determinado grau de empenho e inibe
comportamentos inadequados (Lobo, 2003). Fonseca (1998b, in Lobo, 2003) refere
mesmo que nveis moderados de ansiedade surgem em todos os indivduos, sendo uma
caracterstica fulcral do seu processo de desenvolvimento normal, ao fornecer meios ao
sujeito para se adaptar a situaes novas, perigosas ou inesperadas. Este estado de alerta
caracteriza-se pelo aumento do metabolismo, disperso da ateno e hipervigilncia.
Contudo a ansiedade pode ser benfica: () pode melhorar a nossa capacidade em
vrias actividades, desde a realizao de exames, at mesmo excitao sexual. (Lobo,
2003, 140). A grande dificuldade consiste em discernir quando a ansiedade deixa de ser
normal e passa a ser patolgica. Segundo Lobo (2003) a diferena no reside em
aspectos qualitativos, mas sim na gravidade e no modo como os comportamentos
ansiosos afectam e limitam a vida do sujeito, quer pelo desconforto, quer pelos
prejuzos causados na escola, famlia e relacionamentos sociais. Deste modo a
ansiedade ser patolgica caso o perigo seja desproporcional reaco desencadeada,
ou se persistir alm do esperado.
A ansiedade tem, assim, uma funo adaptativa, uma vez que mobiliza os
recursos individuais para fazer face s demandas do quotidiano de modo mais
adequado. Desta forma, a ansiedade esperada nas interaces humanas e funciona
como um alerta, proporcionando maior esforo, ateno, prontido e um investimento
maior em situaes que ameacem o indivduo. Todavia, tambm pode ser um sintoma
patolgico como no hipertiroidismo, sintoma de quadros psiquitricos (depresso) ou
pode ser uma doena nos diferentes tipos de ansiedade patolgica, como pnico e fobia
(Chaves & Cade, 2004). A percepo de que a ansiedade tem uma funo adaptativa
remonta j a 1872, altura em que evolucionistas como Darwin se apercebem de que a
ansiedade preparava o indivduo para atacar e defender, quer dos predadores, quer do
prprio ambiente.
Como, actualmente, j no temos contacto com estes perigos, somos, nas
palavras de Beck (1985), como animais enjaulados pelas limitaes sociais e do
ambiente, que nos inibem de usar as tendncias para a aco geneticamente preparadas
(luta/fuga). Esta condio torna-nos predispostos a experienciar nveis maladaptativos
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 188 -
de ansiedade que podem interferir na nossa capacidade de funcionar adequadamente.
(Lobo, 2003, 141-2).
As manifestaes de ansiedade podem surgir associadas a acontecimentos
especficos ou constituir uma forma estvel e permanente de reagir. Todavia, os nveis
de intensidade podem ser variveis, oscilando desde quase imperceptveis at
profundamente perturbadores do funcionamento do indivduo. Deste modo, existem
formas muito diversas de ansiedade quanto natureza, frequncia e gravidade dos
sintomas, bem como s reaces ao tratamento e evoluo a mdio e longo prazo.
Todavia, de uma forma geral o fenmeno da ansiedade pode ser decomposto em trs
componentes principais (Vaz Serra, 1980):
Componente cognitiva, caracterizada pela subjectividade referente aos
pensamentos e sentimentos desenvolvidos por um indivduo ansioso, como:
problemas de concentrao, dificuldades de memria, distores cognitivas,
hipersensibilidade face ao perigo, etc.
Componente vegetativa ou fisiolgica, que reflecte a activao fisiolgica
varivel experimentada pelo indivduo ansioso, como taquicardia,
hipertenso, transpirao, secura da boca, nuseas, tremores, palidez, dor de
barriga, tiques, etc.
Componente motora, referente s respostas de fuga e evitamento. Nas
crianas pode surgir irrequietude, choro, dependncia excessiva de adultos,
ou imobilidade.
No entanto, a diferenciao dos componentes da ansiedade bastante ampla,
divergindo de autor para autor. Eysenck (1992, in Costa & Boruchovitch, 2004)
identificou trs sistemas de respostas: comportamental, fisiolgica e verbal. J Buss
(1966, in Costa & Boruchovitch, 2004) distinguiu quatro sistemas compondo a
ansiedade: sistema somtico (suor, palpitao cardaca, ruborizao), sistema afectivo
(agitao, pnico, irritabilidade), sistema cognitivo (inquietude, distraco,
esquecimento) e sistema motor (tenso muscular, tremores, calafrios). Contudo, de uma
forma geral tais diferenciaes parecem poder sintetizar-se em dois componentes
principais: cognitivo e somtico. Perante uma ameaa, o componente cognitivo faz
uma avaliao selectiva do meio e das aptides do sujeito para lidar com a situao,
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 189 -
para determinar se est, efectivamente, na presena de um perigo, activando os restantes
subsistemas afectivo, comportamental e fisiolgico. (Lobo, 2003, 145).
Por sua vez, o contributo de Spielberger foi fulcral na diferenciao da ansiedade
como estado e da ansiedade como trao de personalidade. Segundo Spielberger (1979,
in Peniche & Chaves, 2000), se um estmulo interno ou externo ao sujeito for
percepcionado como perigoso ou ameaador, desencadear uma reaco emocional
descrita como um estado de ansiedade. Deste modo, estado de ansiedade seria uma
reaco emocional transitria interpretada pela conscincia e caracterizada por
sentimentos subjectivos de tenso, apreenso, nervosismo e preocupao, intensificando
a actividade do sistema nervoso autnomo (Andrade & Gorenstein, 1998). Desta forma,
a maneira como o indivduo percepciona a ameaa ser mais importante do que a
prpria ameaa. de relevar que as diferenas individuais na percepo dos estmulos e
na reaco s situaes so influenciados pelas experincias prvias dos indivduos.
Para Spielberger (1972, in La Rosa, 1998), encarar a ansiedade como trao
refere-se s diferenas relativamente estveis entre os indivduos no que concerne
ansiedade, gerando um aumento maior ou menor do estado de ansiedade consoante a
exposio a situaes percebidas como ameaadoras, quer do ponto de vista fsico quer
psicolgico. Spielberger et al. (1979, in Peniche & Chaves, 2000) compararam o trao
de ansiedade a uma energia potencial que lhe confere a qualidade de energia latente
existente em cada indivduo e que pode ou no ser libertada em determinadas situaes.
Alm disso, esperado que pessoas com trao de ansiedade elevado apresentem um
aumento do estado de ansiedade, uma vez que tendem a considerar as situaes como
ameaadoras. Estes indivduos concebem o mundo como mais perigoso que as pessoas
com trao de ansiedade inferior, reagindo de forma mais intensa ao estmulo. Ao
responder s percepes de ameaa, o homem recorre a mecanismos inconscientes e
conscientes de defesa. Este processo est ilustrado na figura 1 que aponta como ponto
crtico o acto de avaliao.
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 190 -
Figura 1 - Esquema modificado a partir do proposto por Spielberger
(Peniche & Chaves, 2000, 48)
Por sua vez, as crianas com perturbaes de ansiedade so afectadas de modo
particular, uma vez que revelam ter menos amigos e apresentam
comprometimento/atraso no desenvolvimento das aptides sociais, face escassez de
experincias de interaco e falta de apoio dos seus pares. Assim sendo, estas crianas
possuem um risco acrescido de depresso, solido e afastamento, tornando-se pouco
assertivas e frustradas. importante, ainda, referir que estas perturbaes na infncia
passam, muitas vezes, despercebidas, pois as crianas sofrem em silncio. Os pais nem
colocam a hiptese de tratamento, porque o seu comportamento no considerado um
problema , somente a sua maneira de ser. (Rappe et al., 2000, in Lobo, 2003, 143).
Asbahr (2004), no seu artigo, reviu as caractersticas clnicas e epidemiolgicas
das diversas perturbaes ansiosas em adolescentes, bem como as estratgias actuais
utilizadas nos tratamentos medicamentosos e psicolgicos. referido que as
perturbaes ansiosas se encontram entre as condies psiquitricas mais comuns na
populao peditrica, estimando-se que cerca de 10% da populao possa apresentar
algum quadro patolgico de ansiedade durante a infncia ou adolescncia. A
identificao e o tratamento precoces destas perturbaes podem evitar repercusses
negativas na vida da criana (como absentismo elevado na escola, evaso escolar, a
utilizao demasiada de servios de pediatria por queixas somticas associadas
ansiedade e, possivelmente, a ocorrncia de problemas psiquitricos na vida adulta).
-
Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos
_________________________________________________________
- 191 -
Como ficou patente, tambm a ansiedade um constructo complexo e que muito
tem sido analisado e debatido pelos mais diversos autores e correntes tericas. De um
forma geral, pode considerar-se que a ansiedade algo de inerente ao ser humano que se
manifesta em todos os domnios do indivduo: quer no plano fsico, quer psicolgico.
Desta forma, parece verosmil que a ansiedade se expresse de um modo peculiar nos
adolescentes, sobretudo quando surge assoc