CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1.1 Contexto da...

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A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 1 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1.1 Contexto da Pesquisa O interesse pessoal neste estudo deve-se ao facto de durante os anos de existência do serviço educativo (SE) do Museu Nogueira da Silva (MNS) num trabalho de experimentação e introdução de actividades relacionadas com os objectos das colecções, nos termos apercebido de algumas dificuldades em adequar estratégias e actividades que envolvam e motivem as crianças para as obras de arte como a escultura ou a pintura. Algumas tentativas têm sido feitas mas sentimos que têm ficado aquém das potencialidades das próprias obras que têm muito mais a dizer para além da simples descrição. Esse facto desperta-nos para uma série de dúvidas e questões para as quais gostaríamos de encontrar algumas respostas nesta investigação: sobre o que tem sido feito no Museu na área da apreciação artística; o que poderemos fazer; o que dizem os especialistas e que modelos e estratégias nos apresentam; que formação precisam de ter os professores e os monito- res/educadores de museu. São imensos e variados os tipos de imagem com que nos deparamos e convivemos todos os dias: imagens que guardam memórias de vidas, de passados a preto e branco em gavetas esquecidas; imagens em álbuns que constroem histórias de família; imagens que pararam momentos colectivos para que nunca mais os esqueçamos; imagens que nos controlam as vontades, ou imagens que nos reinventam e libertam como a obra de arte. Reinventam porque traduzem diferentes olhares sobre o mundo, reflectindo e reproduzindo uma cultura e libertam porque extravasam e forçam o evoluir dessa mesma cultura – criando. É sobre essa imagem artística, pintada, que esta investigação se irá desenvolver. O mundo da imagem é vasto e a sua potencialidade expressiva sublinha, explicita, pormenoriza e define a riqueza significante contida nos elementos estético-visuais da pintura, do cinema, da televisão ou dos livros ilustrados, exercendo normalmente um enorme fascínio e curiosidade sobre o ser humano que, com o conhecimento dos significados da linguagem visual, tenta aprofundar a sua magia e mergulhar nos mundos que os artistas montam e inventam (Barthes, 1984, pp. 129-131).

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A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 1

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO CAPÍTULO

1.1 Contexto da Pesquisa

O interesse pessoal neste estudo deve-se ao facto de durante os anos de existência do serviço

educativo (SE) do Museu Nogueira da Silva (MNS) num trabalho de experimentação e

introdução de actividades relacionadas com os objectos das colecções, nos termos apercebido

de algumas dificuldades em adequar estratégias e actividades que envolvam e motivem as

crianças para as obras de arte como a escultura ou a pintura.

Algumas tentativas têm sido feitas mas sentimos que têm ficado aquém das potencialidades

das próprias obras que têm muito mais a dizer para além da simples descrição. Esse facto

desperta-nos para uma série de dúvidas e questões para as quais gostaríamos de encontrar

algumas respostas nesta investigação: sobre o que tem sido feito no Museu na área da

apreciação artística; o que poderemos fazer; o que dizem os especialistas e que modelos e

estratégias nos apresentam; que formação precisam de ter os professores e os monito-

res/educadores de museu.

São imensos e variados os tipos de imagem com que nos deparamos e convivemos todos os

dias: imagens que guardam memórias de vidas, de passados a preto e branco em gavetas

esquecidas; imagens em álbuns que constroem histórias de família; imagens que pararam

momentos colectivos para que nunca mais os esqueçamos; imagens que nos controlam as

vontades, ou imagens que nos reinventam e libertam como a obra de arte. Reinventam porque

traduzem diferentes olhares sobre o mundo, reflectindo e reproduzindo uma cultura e libertam

porque extravasam e forçam o evoluir dessa mesma cultura – criando. É sobre essa imagem

artística, pintada, que esta investigação se irá desenvolver.

O mundo da imagem é vasto e a sua potencialidade expressiva sublinha, explicita,

pormenoriza e define a riqueza significante contida nos elementos estético-visuais da pintura,

do cinema, da televisão ou dos livros ilustrados, exercendo normalmente um enorme fascínio e

curiosidade sobre o ser humano que, com o conhecimento dos significados da linguagem

visual, tenta aprofundar a sua magia e mergulhar nos mundos que os artistas montam e

inventam (Barthes, 1984, pp. 129-131).

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A arte tem a capacidade de exercitar a nossa sensibilidade e gerar emoções e sentimentos

como no poema de João Miguel Fernandes Jorge (2002) a propósito de uma pintura da Virgem

e do Menino do Museu de Arte Antiga. Como refere Aguilera e Villalba (1998, p. 12) a arte

materializa visões, sonhos, medos e recordações com que nos identificamos e que não

sabemos exprimir, transporta-nos para mundos fantásticos, capta momentos do quotidiano em

que não reparamos ou transmite valores e critica o meio e a época.

A virgem saiu a porta de casa

pousou o menino no peitoril da

janela. Recebem o meigo calor

da manhã doméstica.

A paisagem

eterna paisagem da Flandres

coroa-os

no além.

(…)

Aflige-me a queda do herói –

pois o coração está

no repouso dos seus dedos –

essa maçã coroada de vermelho

redonda, perfeita.

Quero escutar um conto, história

triste

não me importo

mas não desisto de um final

feliz e nele me perco movido

comovido por ideias.

Uma maçã

de esquecimento perdida entre

uns dedos

proporciona colorida matéria de

verso e sentimento.

Fernandes Jorge (2002, pp. 37-38)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 3

Apesar de, nas ruas, nas instituições ou através dos diversos meios de comunicação

convivermos todos os dias com obras de arte de arquitectura, fotografia, pintura, cinema,

teatro ou literatura, nem sempre temos consciência do seu valor, passando-nos despercebidas,

a maior parte das vezes, no ruído visual que nos rodeia e a que muitas vezes nos habituámos.

A nossa qualidade de vida passa também pelo conhecimento da nossa cultura, de nós próprios,

da nossa identidade, através desse produto, dessas representações culturais que são as obras de

arte. Segundo Gonçalves, Fróis e Marques (2002) a educação estética, através das

representações e referências de determinada cultura, marca as opções de gosto no quotidiano

das pessoas.

Não se trata de modificar os olhares, mas sim (trans) formar os

modos de ser e de estar.

Gonçalves, Fróis e Marques (2002, p. 121)

Para Lowenfeld e Brittain (1977, pp. 369-370), quando falamos de educação estética referimo-

nos à sensibilização dos indivíduos para experiências perceptuais, intelectuais e emocionais de

modo a ficarem interiorizadas e integradas num todo harmonioso. Segundo esses educadores

de arte, trata-se de um processo interior complexo que vai muito para além das críticas ou da

opinião dos outros. Não adianta dizer que uma obra de arte é bonita ou feia, boa ou má. A

construção de uma opinião consistente e sincera passa, na infância, por um desenvolvimento

da capacidade perceptual em relação à capacidade de nos emocionarmos perante as coisas,

num processo de amadurecimento contínuo.

Os museus, locais construídos ou adaptados com o propósito de guardar, isolar, destacar e

conservar algumas dessas produções artísticas, há mesmo quem lhes chame os actuais locais

de culto (Perniola, 1994, p. 134), serão o sítio ideal para as pessoas se refugiarem do ruído

audiovisual em que vivem, utilizando-os para abrandar o seu ritmo quotidiano, olhando,

reflectindo e valorizando o património da sua cultura.

O Museu Nogueira da Silva, foco desta investigação, é constituído por colecções de artes

decorativas de porcelana, faiança, mobiliário e tapeçaria, adquiridas e doadas à Universidade

do Minho em 1975 por António Nogueira da Silva. Tem também algumas peças de escultura e

pintura de bastante qualidade tais como um conjunto de pequenas pinturas flamengas do séc.

XVI ou outros núcleos de diferentes origens e épocas que merecem ser valorizadas através de

um contacto mais aprofundado e mais sistematizado com o público.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 4

1.2 Declaração do Problema.

A actividade desenvolvida no serviço educativo do Museu Nogueira da Silva tem possibilitado

constatar que as crianças e os adultos que visitam os seus espaços ficam fascinados pelo todo

ou por um ou outro objecto menos usual, mas a pintura passa-lhes muitas vezes despercebida,

evidenciando a falta de hábito de olhar a obra de arte. Esta constatação advém, não da análise

de dados estatísticos, mas da comparação entre a generalidade do público nacional e do

público estrangeiro nas suas atitudes e comportamentos face aos objectos e obras de arte e de

conversas com alguns professores que confirmam essa falha no processo de ensino-

aprendizagem.

Perante a ausência de contacto com a obra de arte, quer por desmotivação, desconhecimento,

ou simples falta de oportunidade ou prioridade, a responsabilidade do museu é chamar a

atenção para as produções artísticas, colmatando, ou melhor, atenuando essa falha na educação

dos seus futuros públicos. A questão da apreciação artística, da interpretação e conhecimento

de linguagens visuais, da análise da obra de arte nos domínios analítico/crítico e

histórico/cultural (Moura, 2001, p. 25) na especificidade desses espaços, os museus, será o

foco específico desta pesquisa.

Outra questão relaciona-se com a prática deste Museu que tem sido direccionada

especialmente para alunos do primeiro ciclo e jardim de infância, pretendendo-se alargar a sua

actividade envolvendo professores de vários níveis de ensino. Existe igualmente a necessidade

de explorar algumas obras de arte do Museu que ainda não foram trabalhadas, pensando outros

percursos de visita mais elaborados e outras actividades programadas, sendo para isso

necessária uma revisão de literatura que se relacione com estudos de especialistas em análise

de arte e animação de museus.

No ensino formal, as experiências artísticas, principalmente no primeiro e segundo ciclos do

ensino básico, muitas vezes em número limitado, estão mais direccionadas para as

experiências do domínio produtivo que, apesar de serem fundamentais para o desenvolvimento

estético na infância, como defendem Lowenfeld e Brittain (1977), não valorizam o contacto

com a obra de arte.

O peso da responsabilidade de aprender a ler, escrever e contar parece deixar poucas hipóteses

à prática de expressão plástica que passa a ter o estatuto menor e limitar-se a actividades de

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ilustração das outras disciplinas, ou de ocupação dos tempos livres. Chegados ao segundo

ciclo, apesar da abordagem à obra de arte ser uma das finalidades claras da Educação Visual e

Tecnológica (EVT) (Currículo Nacional do Ensino Básico, 2001, p. 155), o contacto e a

comunicação dos alunos com a pintura ou a escultura, só para falar em duas formas de arte

visuais, ficam limitados às próprias ilustrações dos livros, projecções de diapositivos ou

apenas a nível teórico.

Ninguém contesta que as visitas a museus têm uma enorme importância na educação

patrimonial e em aprendizagens interdisciplinares. As finalidades de disciplinas como Estudo

do Meio e História ao nível dos primeiro e segundo ciclos, por exemplo, estão claramente

definidas no Currículo Nacional, incluindo aprendizagens que envolvem visitas a museus,

sendo uma das finalidades familiarizar os estudantes com o seu património cultural e ajudá-los

a compreender a necessidade de conhecerem, preservarem e respeitarem esse mesmo

património (Currículo Nacional do Ensino Básico, 2001, pp. 150-151).

A arte é, ainda muitas vezes, considerada como um mero complemento de outras

aprendizagens. Excepcionalmente, um ou outro professor de História da Arte leva os seus

alunos ao Museu Nogueira da Silva para visitar, na Galeria da Universidade, exposições

temporárias de arte e fazer com eles a análise das obras e o estudo da biografia do artista e o

seu enquadramento numa época ou numa corrente artística. Pela experiência de contacto com

os professores que procuram o apoio dos serviços educativos do Museu podemos concluir que

a grande maioria não o faz para abordar temas relacionados com arte mas sim outras áreas

curriculares.

Se consultarmos as metas da educação artística em Portugal1 relativas aos primeiro e segundo

ciclos, verificamos que a apreciação artística e as actividades criativas resultantes de visitas a

1 Em Portugal o paradigma que durante muito tempo orientou a teoria e a prática do ensino artístico apoiava-se

na convicção de que a apreciação e criação artísticas eram uma questão afectiva, de sentimento subjectivo,

interior, directo e desligado do conhecimento da compreensão ou da razão compartimentando o cognitivo-

racional e o afectivo-criativo. (Currículo Nacional do Ensino Básico, 2001, p. 156).

Neste momento as finalidades, neste âmbito, para o 2.º Ciclo na disciplina de EVT são: interpretar mensagens na

leitura de formas visuais; descodificar diferentes produtos gráficos; compreender e interpretar símbolos e

sistemas de sinais visuais; reconhecer as proporções e noções de antropometria na representação da figura

humana; reconhecer processos de representação do espaço a duas dimensões; compreender a relação entre luz e

cor.

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museus estão contempladas, assim como reconhece na orientação da educação artística dos

alunos as dimensões fruição/contemplação, produção/criação e reflexão/ interpretação como

eixos estruturantes para o sentir a composição da obra de arte e ser capaz de a analisar

criticamente (Currículo Nacional do Ensino Básico, 2001, p. 157).

Olhar os mestres, olhar as obras primas, reflectir sobre elas, conhecer o contexto da sua

criação, usá-las como exemplo, como ponto de partida para desenvolver a criatividade e a

sensibilidade estética da criança, não é pois prática usual nas nossas escolas. Não usufruindo

da riqueza desse contacto, dessa descoberta pessoal através da arte e da descoberta da cultura

onde estão integrados, perdem a oportunidade de conhecer e utilizar na sua formação estética,

referentes que o tempo e a história elegeram como obras de arte.

Apesar de no Museu Nogueira da Silva já se terem desenvolvido algumas tentativas de

exploração de obras de pintura e escultura no projecto Olhar, ouvir e sentir o Museu, onde,

apelando para os sentidos se desmontou, por exemplo, a pintura do séc. XVIII do Porto de

Nápoles ouvindo música imaginando as viagens dos galeões, pensando a ideia de

profundidade da pintura construindo, as próprias crianças, uma maqueta tridimensional, ou nas

visitas temáticas sobre o Retrato, onde se trabalham duas pinturas, os retratos de Henriqueta

de França e de Luís XIV, utilizando duas reproduções ampliadas, onde as crianças colocam a

cabeça e são fotografadas, relacionando duas formas de arte, a fotografia e a pintura e fazendo

de conta que são reis e princesas, muito trabalho há ainda por fazer principalmente ao nível da

apreciação e da aquisição de instrumentos de leitura da obra de arte.

1.3 Foco da Pesquisa

Tem-se vindo a intensificar cada vez mais, numa relação escola/museu, principalmente nos

meios urbanos, evidente na quantidades de escolas que nos últimos anos recorrem ao museu, a

utilização desses espaços e das suas colecções como instrumentos de trabalho que os

As finalidades do 1.º Ciclo são: experimentar a leitura de formas visuais em diversos contextos – pintura,

escultura, fotografia...; identificar vários tipos de espaço – vivencial, pictórico, escultórico, arquitectónico,

virtual, e cenográfico; compreender que a forma aparente dos objectos varia com o ponto de vista; conhecer e aplicar os elementos visuais – linha, cor, textura, forma plano, luz – e a sua relação com as imagens disponíveis

no património artístico, cultural e natural. (Currículo Nacional do Ensino Básico, 2001, pp. 158-160)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 7

professores normalmente usam no apoio a disciplinas como Estudo do Meio e História. Em

contrapartida, em relação à educação artística e à apreciação do valor autónomo e intrínseco

da obra de arte, muita coisa há ainda por fazer. Segundo Fróis et al. (in Alves, 2003, p. 11), em

Portugal, (…) learning a visual language takes second place and visits to art museums, in

most cases, are used to illustrate concepts taught in other subjects.

(…) aprender uma linguagem visual passa para segundo plano

e visitas a museus de arte, na maioria dos casos, são usadas

para ilustrar conceitos ensinados noutras matérias.

Fróis et al. (in Alves, 2003, p. 11)

O foco deste estudo é pois reflectir e experimentar formas de potenciar o contacto do público

infantil com a obra de arte e pensar a formação dos técnicos dos serviços educativos e

professores no âmbito da apreciação artística no contexto português, mais precisamente no

Museu Nogueira da Silva em Braga.

__

1.4 Finalidades da Pesquisa

Sendo assim, a finalidade desta pesquisa foi seleccionar, experimentar e avaliar estratégias de

apreciação artística como parte da educação museológica que permitam uma maior

compreensão do património artístico do Museu Nogueira da Silva motivando as crianças para

a leitura da obra de arte envolvendo alunos, professores e educadores de museu, dotando o

público de meios e ferramentas que permitam desenvolver um maior espírito crítico e

capacidade de apreciação e valorização do património artístico.

Pretendeu-se que esta investigação contribuísse para melhorar as actividades do serviço

educativo e o sistema de visitas guiadas às exposições e às obras da seguinte forma:

(i) investigando e seleccionando informação sobre modelos e estratégias de apreciação

artística que tenham sido utilizados ao nível nacional e internacional e avaliar da sua

adequação ao contexto do MNS;

(ii) preparando e usando recursos e estratégias de apreciação artística que promovam uma

maior motivação de estudantes, de três níveis diferentes de ensino, para o contacto com obras

de arte; e

(iii) envolvendo e formando os técnicos, professores e educadores de museu, na

implementação dessas estratégias.__

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 8

1.5 Questões da Pesquisa

Uma série de questões se levantaram:

- Como são feitas as visitas guiadas ao Museu Nogueira da Silva?

- Que estratégias de análise de obras de arte podem ser usadas durante as visitas guiadas?

- Que recursos podem ser utilizados para permitir aos responsáveis pelas visitas guiadas

desenvolver estratégias de apreciação artística?

- Qual a eficácia de intervenções do serviço educativo do MNS, na dinamização de actividades

relacionadas com a leitura da obra de arte.

- Que formação profissional necessitam os agentes educativos para o desenvolvimento e

implementação de estratégias de apreciação artística nos seus museus?

1.6 Sumário

Este capítulo faz a introdução ao problema que se relaciona com a falta de hábitos das crianças

e adultos para observarem e falarem sobre as obras de arte em museus. Reflectiu sobre o papel

da arte na vida das pessoas. O contexto e a declaração do problema também focaram aspectos

relacionados com a necessidade de valorização do património artístico de um museu do norte

de Portugal, o Museu Nogueira da Silva, abordando falhas detectadas na programação

existente no que diz respeito à apreciação artística apontando também a necessidade de rever

teorias e práticas sobre modelos e estratégias de apreciação artística e de avaliar o seu

significado para a educação museológica. As finalidades da pesquisa apontaram as razões para

a elaboração desta investigação e as vantagens para o contexto museológico português.

Finalmente foram apresentadas as questões chave que foram definidas de forma a atingir as

finalidades desta investigação.

O próximo capítulo lida com estas questões, a partir da reflexão sobre teorias e práticas

nacionais e internacionais que nos levam a concluir porque é importante a formação na área da

apreciação, de técnicos de serviços educativos e professores, e que modelos podem ser usados

de forma a promover visitas de estudo em museus de arte mais adequadas em termos artísticos

e estéticos.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 9

CAPÍTULO 2

REVISÃO DA LITERATURA CAPÍTULO 2 –

E

VISÃDA LITE

2.1 Introdução

Este capítulo pretende reflectir sobre modelos e estratégias de apreciação da obra de arte no

contexto dos museus com a finalidade de melhorar a acção do serviço educativo do Museu

Nogueira da Silva durante as visitas de estudo a partir da pesquisa em autores como Taylor

(1988), Parsons (1987), León (1996) ou Buffet (1999), com investigações realizadas em duas

áreas:

(i) na área da museologia consultando alguns exemplos relacionados com SE e a forma como

eles exploram e potenciam a comunicação com os objectos e as obras de arte; e

(ii) na área da educação artística analisando modelos de apreciação artística.

2.2 Definição de Termos: Museu, Mediação e Apreciação Artística

Museu e Serviço Educativo, apreciação artística e mediação são termos que irão ser referidos

diversas vezes neste trabalho pelo que serão aqui definidos a fim de facilitar a sua

interpretação ao longo da investigação.

Segundo autores como Perniola (1994) ou León (1996) o museu, instituição em constante

evolução quer na sua organização quer no seu conceito, guarda, conserva e valoriza as

produções humanas ao longo dos tempos, seleccionando-as segundo critérios de relevância

quer relacionados com a vivência do quotidiano como um vaso de terra cota ou uma garrafa de

coca cola; quer relacionados com acontecimentos marcantes como a arma de uma guerra; quer

ligados à genialidade do espírito humano nas suas produções artísticas.

A nova Lei Quadro dos Museus Portugueses, aprovada em 19 de Agosto de 2004, sintetiza o

conceito de Museu como sendo uma instituição permanente sem fins lucrativos com uma

estrutura organizacional que lhe permite:

a) Garantir um destino unitário a um conjunto de bens

culturais e valorizá-los através da investigação, incorporação,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 10

inventário, documentação, conservação, interpretação,

exposição e divulgação, com objectivos científicos, educativos

e lúdicos; b) Facultar acesso regular ao público e fomentar a

democratização da cultura, a promoção da pessoa e o

desenvolvimento da sociedade.

Lei n.º47/2004, de 19 de Agosto – DR – I.ª Série-A

Aurora León (1996) também refere que o museu possui três missões: a educativa, a científica e

a difusora e social. A vocação educativa é desempenhada pelos serviços educativos,

departamentos que têm a função de organizar e desenvolver actividades que potenciem o

contacto do público com os objectos e as obras de arte. Fornece informação sobre eles,

interliga os assuntos contextualizando-os, mas principalmente pretende ajudar os visitantes a

comunicar com os objectos fazendo perguntas, mediando o olhar, contando histórias, fazendo

jogos ou convidando-os a expressar opiniões e sentimentos. Ao organizar as actividades os

técnicos recolhem os conteúdos sobre os objectos em colaboração com os outros sectores do

museu e desenvolvem estratégias a pensar nos públicos a que se destinam para assim,

cumprirem a sua missão educativa. La misión educativa es la fuerza primodial de las

actividades museológicas ya que radica en el desarrollo y perfeccionamiento de las

facultades humanas (intelectuales, culturales, artísticas, ideológicas, perceptivas,

afectivas…); es dicir, se trata de predisponer la mente y sensibilidad del visitante para el

“encuentro” com civilizaciones pasadas o actuales que le suministrarán una via de acceso

profundo a la reflexión sobre si mismo.

A missão educativa é a força primordial das actividades

museológicas já que radica no desenvolvimento e

aperfeiçoamento das faculdades humanas (intelectuais,

culturais, artísticas, ideológicas, perceptivas, afectivas…); ou

seja, trata-se de predispor a mente e a sensibilidade do visitante

para o “encontro” com civilizações passadas ou actuais que

facilitarão um meio de acesso profundo à reflexão sobre si

mesmo.

León, (1996, p. 306)

Para Lowenfeld e Brittain (1977) apreciação artística corresponde à capacidade de

comunicar, de perceber uma obra no seu contexto, de ler a linguagem das diferentes formas de

arte e de descobrir, num processo íntimo e pessoal, a forma de olhar e sentir a arte. Apreciação

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 11

artística e consciência estética estão intimamente ligadas e desenvolvem-se ao longo do

tempo, num processo de construção e crescimento, à medida que se vai alterando também a

maneira de ver o mundo que não é a mesma segundo esses autores, na primeira infância, na

adolescência e na idade adulta. Assim, uma obra de arte é apreciada pela mesma pessoa de

maneira diferente, com diferentes olhares, ao longo da vida.

Essa apreciação vai muito para além dos padrões de gosto que logo à partida variam entre os

mais aptos críticos ou historiadores de arte, que se alteram ao longo do tempo e estão

condicionados ao poder instituído e às modas. Também para Hughes (in Taylor, 1988, p. 3) a

arte ou uma orientação estética do mundo atenua o abismo entre passado, presente e futuro e

não pode tratar o observador separado da obra observada nem separar o processo interior do

observador dos processos do mundo exterior. Assim, para Taylor (1988), participação e

apreciação são aspectos complementares e inseparáveis no processo em que a criança

relaciona o seu mundo interior com o exterior.

Foi nesta ideia que o Projecto dos Estudos Críticos na Educação Artística (CSAE) aplicado

no início dos anos oitenta em Inglaterra, supervisionados por Taylor, se baseou para explorar

diversas abordagens à obra de arte no sentido de ajudar a criança a compreender e estar atenta

às artes visuais numa relação estreita entre actividade prática, prazer, estudo e avaliação das

obras dos outros e das suas próprias produções. (Taylor, 1988, p. 4)

Nessa tarefa de ajudar a criança a relacionar-se com a arte, o papel do professor na escola, e o

do monitor/educador no museu, é o de mediação. Françoise Buffet, (1997, p. 16) na ideia de

parceria entre museu e escola define dois tipos de mediação: a cultural como um processo de

interacção que permite uma transmissão cultural entre as pessoas e as gerações e que

pressupõe esquemas intelectuais comuns indispensáveis à comunicação entre as pessoas; e a

mediação didáctica que dá continuidade à anterior e está mais ligada ao objecto do museu que

provoca o encontro do público e do educador do museu. A mediação didáctica quando falamos

de apreciação artística implica a existência de conhecimentos e saberes sobre instrumentos e

meios de leitura da obra de arte, a transmitir a um determinado público, num determinado

contexto e segundo estratégias programadas para o ajudar a atingir uma observação estética,

ultrapassando a simples observação prática ou descritiva. (Parini, 2002, pp. 99-104)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 12

2.3 Contexto Museológico

2.3.1 Origem e Evolução dos Serviços Educativos

A partir da Segunda Guerra Mundial, com a abertura ao grande público, os museus deixaram

de ser espaços inacessíveis reservados às elites. Nos anos sessenta valoriza-se a educação nos

museus e a componente comunicação com o público sobrepõe-se ao objecto (Gonçalves, Fróis

e Marques, 2002), ou seja, até aí o museu era o mundo dos artefactos e dos investigadores

especializados que os estudavam. Apenas um núcleo muito restrito da população o visitava.

Essa abertura ao grande público coloca questões de, por um lado, tornar acessível o

conhecimento, a informação científica e especializada sobre os objectos e por outro, de

formação do público que visita o museu e, especificamente formação artística, no caso dos

museus de arte ou com obras de arte, na familiarização com diferentes linguagens artísticas.

Já nos anos cinquenta, em Portugal, segundo Pereira (1995) se faziam as primeiras

experiências educativas no Museu Nacional de Arte Antiga. João Couto e Madalena Cabral

seriam os responsáveis por esse embrião dos serviços educativos que teria, durante anos, um

papel importante na formação de monitores e professores na vertente pedagógica do museu.

Mas foi nos anos sessenta, também segundo este autor, que se intensificou toda essa dinâmica

como o demonstra o Decreto Lei de 65 onde é referida pela primeira vez a função educativa

dos museus. Segundo Madalena Brás Teixeira (1995) é, mais tarde, em 1976, redigida a

primeira medida legislativa sobre SE referente à criação do Sector de Extensão Cultural do

Museu Nacional do Traje onde se apontam três vectores de orientação da acção cultural

daquele museu: organização de visitas a exposições; divulgação das colecções por meios

gráficos, audio-visuais, exposições itinerantes; realização de cursos, seminários, conferências

e colóquios.

.

Segundo um inquérito, realizado em 1998, aos museus portugueses, sob a coordenação de

Raquel Henriques da Silva et al. (2000), cinquenta e nove por cento dos museus num universo

de quinhentos e trinta, possuem SE. Nesses museus as actividades mais realizadas (cinquenta e

oito por cento de referências) são as visitas guiadas a grupos de estudantes. Os ateliers e a

animação no exterior têm uma referência de quinze por cento cada.

A difusão e implementação dos serviços educativos nos museus portugueses, segundo

constatação pessoal e em conversa com outros técnicos de museus, tem sido um processo lento

que, aos poucos, com preocupações pedagógicas e lúdicas vai atraindo e formando públicos e

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 13

preparando os seus próprios monitores/educadores através de cursos de formação, uma prática

reflexiva ou investigações deste tipo.

Apesar da lentidão do desenrolar desse processo, muitas coisas se têm feito quer nos grandes

museus nacionais, quer nos pequenos museus locais que nos últimos anos cresceram em

número, assegurando o contacto dos seus públicos com as suas colecções criando um

programa de actividades pedagógicas. No inquérito já referido, a percentagem dos museus

recentes (setenta e um por cento) ultrapassa ligeiramente os museus mais antigos (sessenta e

sete por cento) no que diz respeito ao tempo de existência dos respectivos serviços educativos.

A própria consolidação de um SE, como a experiência no Museu Nogueira da Silva o

confirma, é um processo lento que nunca estará concluído. É um processo dinâmico que

envolve três forças: as colecções, os públicos e os monitores/educadores em constantes

mudanças e rotatividade. Dinâmico também porque ao programar e aplicar as actividades gere

inter-relações dessas três forças: a diversidade dos públicos, a riqueza formativa e informativa

dos objectos e na própria formação e personalidade do monitor/educador.

2.3.2 Educação nos Museus: Especificidades e Funcionamento

Segundo Gonçalves, Fróis e Marques (2002, p. 121) os serviços educativos tentam

acompanhar as correntes educativas do sistema formal e, baseados nas novas concepções em

que se enfatiza a intervenção do sujeito no acto de fruir e contemplar e aprender fazendo,

criam estratégias de contacto vivencial com as obras.

Mas apesar de utilizarem concepções educativas gerais do ensino formal, os SE nas suas

programações têm em atenção diversos factores dos quais seleccionamos os seguintes: (i) a

organização museológica e expositiva; (ii) o tempo e o espaço; (iii) a comunicação com os

objectos e as colecções/ a formação e a informação; (iv) heterogeneidade dos públicos; (v) a

efemeridade do contacto; (vi) as actividades características (visitas gerais e temáticas,

ateliers…); e (vii) a utilização dos sentidos.

(i) Organização museológica dos objectos. No que se refere à organização museológica dos

objectos, Aurora León (1996) realça dois critérios de organização expositiva: o tradicional

sistema de ordenação cronológica por épocas e escolas; e as tendências mais actuais de

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 14

valorização dos factores descritivos e explicativos das obras onde os responsáveis pelas

montagens de exposições recorrem a processos desencadeadores de ideias sucessivas,

colocando o público num plano que remete para além do próprio objecto exposto. Adianta

também que os excessos destas duas tendências conduzem os públicos a visões estreitas,

limitadas a esses factores, considerando-se mais útil e eficaz uma exposição das obras com

uma flexibilidade estético-crítica onde a obra fale por si mesma, através de relações,

confrontações e referências estilísticas numa abordagem menos imposta e mais espontânea e

subjectiva.

(ii) Espaço e tempo. Numa sociedade onde a evolução tecnológica provoca um constante

brotar de novas formas de vida e de novas produções (de ideias e coisas) aliada a uma

degradação ecológica acentuada, faz dos museus guardiães de um património em risco de

desaparecimento. Por isso possuem características muito específicas marcadas pela dualidade

espaço/tempo. Espaço porque, como refere Perniola (1994) concentram e destacam num

espaço próprio, retirando-os dos lugares de vivência e produção reais, originais de objectos e

obras de arte tornando mesmo, o museu, para alguns, uma continuação laica da igreja fazendo

dos visitantes fiéis da religião da beleza. Tempo porque montando cenários e expondo os

objectos segundo relações cronológicas tentam reconstruir, manter e guardar contextos

históricos.

Nos museus (…) pretende-se que os objectos estabeleçam

relações entre si ou se confrontem. Que despertem emoções,

que sugiram o sentido de viagem no tempo e no espaço e

aumentem a curiosidade pelas culturas (…) representadas. (…)

Valença, (1998, p. 5)

Mas transmitir conceitos como os de tempo e espaço geográfico, fundamentais num local tão

marcado por esses duas ideias como o museu, não é fácil, por exemplo, para o público infantil

quando não existe uma ideia prévia de passado, de cronologia ou de distância espacial para

além do seu espaço e tempo próximos (Pastor Homs, 1992).

Naturalmente, na infância e como temos confirmado no contacto directo com os alunos, não

adianta falar de séculos, períodos históricos ou culturas de outros continentes, é preferível

tentar contextualizar os objectos como suportes materiais de ideias, através do ambiente em

que se enquadravam, comparando-o com o das crianças – No tempo em que não havia

televisão, em que as senhoras usavam vestidos compridos e não havia automóveis… Os

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 15

conceitos de tempo e espaço vão-se construindo aos poucos ajudados por exemplo, por

estratégias como a utilizada pelo SE do Museu Nogueira da Silva, através da actividade No

meu tempo... onde idosos e crianças conversam e trocam experiências sobre as suas épocas.

Trata-se de uma concepção de espaço onde se expõem igualmente ideias, para além da

materialidade dos objectos.

(iii) Formação e informação. Em relação à comunicação do público com as colecções,

Hooper-Greenhill (in Alves, 2003, p. 11) fala-nos da importância dos museus de arte, porque

guardam originais, como valiosos meios educativos que proporcionam ao público e

concretamente às crianças, diferentes oportunidades de aprender, interpretar e interagir com as

colecções.

Mas essa interacção pode acontecer de diferentes maneiras. García Blanco (1994, p. 74), por

exemplo, defende uma estratégia de aproximação aos objectos do museu que: potencie a

capacidade de observar e descrever; active mecanismos de relacionamento do que se observa

com o que já se conhece; favoreça a interpretação pessoal comparando-a com a informação

que já se possui e com o que está diante dos olhos para um conhecimento objectivo e crie

hábitos de síntese a partir de um estudo analítico.

Esta autora identifica dois tipos de abordagem aos objectos do museu: uma abordagem

analítica e objectiva e uma abordagem afectiva, emocional e subjectiva que, não se excluindo,

podem coexistir nas actividades do público relacionadas com todo o género de objectos. Acha

também evidente e natural que num museu com colecções de arte onde está implícita a

abertura a múltiplas interpretações, se adopte mais o segundo tipo de abordagem e em museus

com objectos comuns da cultura material como na arqueologia ou de ciência, o primeiro.

Aurora León (1996) faz uma distinção idêntica e chama-lhes nível objectivo e nível subjectivo

da educação no museu. Acrescenta também que a dificuldade está em encontrar uma

pedagogia que concilie esses dois níveis e proporcione ao visitante por um lado, critérios com

validez científica e por outro a abertura a ideias que activem a individualidade de cada

visitante como a imaginação, emoção ou curiosidade.

Essa abertura, ao pensarmos em comunicação com a obra de arte, na sua originalidade e na

subjectividade de sentir e apreciar dos diversos públicos, facilitará o papel de mediação do

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 16

monitor/educador no sentido de facilitar a comunicação que é essencialmente travada a dois,

entre a obra de arte e o observador.

(iv) Heterogeneidade do público. Este factor é outra das especificidades a ter em conta

quando se pensa em questões de mediação e comunicação entre diferentes linguagens e

olhares, implicando a programação de actividades diversificadas, o conhecimento prévio dos

seus destinatários e, principalmente, uma atitude de abertura à diversidade.

Esta investigação tratou apenas o público infantil em três níveis etários (jardim de infância,

primeiro e segundo ciclos) e da sua relação com a obra de arte. Conhecendo o público infantil,

seu nível de desenvolvimento, suas motivações e conhecimentos prévios, o monitor/educador

poderá tornar as visitas mais significativas, participativas e dinâmicas, propondo o seu

prolongamento em ateliers de expressão e experimentação, tão importantes, na infância, para a

consolidação e interiorização de aprendizagens.

(v) Efemeridade do contacto. Outra das especificidades da educação nos museus é o grau de

efemeridade que têm os contactos dos alunos com os seus espaços e colecções. Normalmente,

e pela prática observada no SE do MNS, os professores marcam, para cada turma, uma visita

por ano ou por ciclo. Muitas vezes escolhem os últimos anos do ciclo, o terceiro ou o quarto

anos, para levar a turma ao museu.

Como os períodos de tempo passados no museu são curtos, normalmente não ultrapassam uma

ou duas horas de uma visita anual, os museus têm incluído nas suas programações actividades

com continuidade que implicam várias idas ao museu para aprofundar conteúdos ou abrir

outras perspectivas sobre as colecções.

(vi) As actividades. As actividades no museu consistem normalmente em visitas gerais ou

temáticas e ateliers. Como já foi referido anteriormente, as actividades mais realizadas em

Portugal, no âmbito dos serviços educativos (58% de referências) são as visitas guiadas a

grupos de estudantes. Pastor Homs (1992) afirma que a visita guiada ao museu é uma das

actividades mais tradicionais e o meio mais natural de conhecer estes espaços.

Segundo este autor, inicialmente, a visita constava do acompanhamento de um guia que

despejava informação para o grupo de pessoas que seguiam o seu ritmo. Mas, ao longo do

tempo tem-se vindo a transferir para o público a marcação dos ritmos e a gestão da informação

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 17

a receber, reduzindo o número de espaços e objectos a percepcionar em cada visita, chegando

mesmo à exploração de apenas um objecto, como acontece nesta pesquisa e reduzindo a

quantidade de informação ou focalizando os conteúdos quer nas visitas gerais quer nas

temáticas.

Tornar as visitas dinâmicas através do diálogo, da descoberta, do fazer de conta e dar espaço à

experimentação e criatividade nos museus, neste caso com obras de arte, é com certeza ajudar

os visitantes no seu desenvolvimento estético que, como dizia Lowenfeld e Brittain (1977) é

um processo activo e pessoal. Utilizar estratégias lúdicas que tornem as visitas agradáveis

pode também ser a garantia das crianças voltarem ao museu com agrado e quem sabe a

formação de um futuro público assíduo a estes espaços.

Além das visitas, esses percursos onde os visitantes tomam contacto com o que existe no

museu, outras actividades são realizadas para as completar, valorizar e animar como:

dramatizações, jogos, ateliers de expressão e manipulação de objectos, quando a questão da

conservação o permite, ou de reproduções, material didáctico como guias, fichas e

questionários, que procuram simultaneamente divertir e educar apelando para o olhar, a

atenção, a interpretação pessoal, o sentido de humor, a reflexão e o diálogo.

Numa dinâmica de experimentação/reflexão/avaliação, os SE tentam criar programas activos,

atractivos e pedagogicamente adequados a diferentes idades, e diferentes grupos denotando

uma ideia comum a todos, em privilegiar o contacto com o público, fazendo o papel de

mediação entre os observadores e os objectos ou obras de arte.

Alves (2003), no estudo que fez sobre a contribuição de dois museus de arte, o Museu

Calouste Gulbenkian e o Museu do Chiado, para a Educação Visual e Tecnológica em

Portugal, concluiu serem importantes os programas educativos com as visitas de estudo

orientadas pelos educadores do museu, conhecedores das colecções, para a compreensão e

conhecimento das artes no contexto.

(vii) Utilização dos sentidos. Como defende Agren (1995), os museus são instituições visuais,

espaços mais ligados a uma educação visual, ou melhor, sensorial, do que a educação formal

que está mais orientada para os livros e para a palavra. A visão é de facto o sentido mais

activado nas visitas ao museu. Mas, para além da observação, dos trabalhos manuais, plásticos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 18

e de manipulação de objectos fazem também parte de uma educação activa, promover a

reflexão, a abstracção e as manipulações verbais (Piaget in García Blanco, 1994, p. 73).

Através da descoberta sensorial e da comunicação verbal, como no projecto Olhar, ouvir e

sentir o Museu, desenvolvido no MNS desde 1997, ouvindo música, tacteando as esculturas ou

cheirando e tomando chá no jardim, pode-se criar uma dinâmica entre os diferente domínios,

imprescindível para uma compreensão global do mundo e para uma formação estética, como

defendem Comenius, Piaget e Freire (in Agren, 1995, S.p.), em relação ao desenvolvimento

das capacidades de observação e de manuseamento.

Aproveitar essa forte componente visual do museu, desenvolvendo a capacidade de

observação, olhando a obra de arte no seu valor intrínseco, explorando a linguagem visual,

tem sido mais uma ferramenta útil, a complementar as linguagens oral, escrita e matemática,

mais enfatizadas na escola, na formação global da criança.

No que se refere ao património artístico, estas especificidades marcam a actividade dos

museus que, segundo Aguilera e Villalba (1998, p. 13), tem como objectivos: (i) aproximar e

divulgar a arte ao mundo infantil; (ii) desenvolver a sensibilidade e as capacidades expressivas

e de observação e apreciação; (iii) facilitar o contacto directo com os artistas e suas obras;

proporcionar às crianças espaços de liberdade para, perante a obra de arte, apreciarem e

exprimirem sentimentos e opiniões; (iv) despertar o respeito e sentimentos de apropriação pelo

património artístico; (v) transmitir a necessidade de comportamentos cívicos de respeito pela

propriedade de todos; e (vi) apreciar o trabalho de investigação, conservação e divulgação do

museu.

2.3.3 Exemplos Nacionais de Serviços Educativos

Ao percorrer as dezenas de programações dos serviços educativos dos museus nacionais no

Roteiro editado em 2004 pelo Instituto Português de Museus e pela Rede Portuguesa de

Museus, ou ao navegar nas suas páginas Web, encontramos repetidamente conceitos como:

programas ou projectos pedagógicos, animação cultural, animação de exposições, sensibilizar,

formar, acções pedagogicamente orientadas, expandir e aprofundar contacto, facilitador do

encontro entre objecto/exposição e observador, temáticas, exploração lúdico didáctica, outras

formas de olhar e de pensar, desenvolvimento cognitivo, sensorial, motor e afectivo,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 19

aproximação e vivência, desvendar, provocar e jogar, proporcionar experiências, fomentar o

gosto pela arte, pelo património, criar hábitos de frequência de espaços culturais.

Estes conceitos traduzem objectivos que podem ser atingidos nas visitas gerais ou temáticas,

nos ateliers, nas oficinas, nos workshops onde a experimentação e a aplicação prática de

conceitos acontecem. (Roteiro de Museus, 2004)

Em Portugal temos alguns bons exemplos de projectos de dinamização em museus, onde se

criam hábitos de convivência e de comunicação com as obras de arte, como os programas e

actividades do SE da Fundação de Serralves/Museu de Arte Contemporânea e da Fundação

Calouste Gulbenkian/Centro de Arte Moderna (FCG/CAM) dois importantes museus com

colecções de arte.

2.3.3.1 Fundação de Serralves

A Fundação de Serralves/Museu de Arte Contemporânea com dois espaços arquitectónicos

marcantes, integrados num espaço natural privilegiado do Porto, tem um vasto programa de

animação. O Guia dos Programas Educativos para 2004 refere os seguintes objectivos:

(i) formar públicos sensibilizando-os para a contemporaneidade cultural, artística e ambiental;

(ii) criar estratégias para facilitar a descoberta e a apreciação das obras expostas nas

exposições temporárias, da colecção permanente e dos espaços do parque;

(iii) desenvolver as capacidades de observação e análise, através das actividades de educação

estética e ambiental, abertas a todas as idades

As suas visitas e ateliers são organizados para todos os níveis, e em função das exposições

temporárias, dos espaços arquitectónicos e do parque.

Estratégias Interdisciplinares

Para alunos do primeiro e segundo ciclos, em Serralves além das visitas guiadas onde se

descobrem as obras em percursos preparados para diferentes idades, existem as oficinas com

duas vertentes, a da informação relacionada com as obras expostas e os espaços, e a da

experimentação de diferentes tipos de expressão criativa. Estas oficinas foram concebidas para

grupos escolares e famílias, a partir das seguintes áreas: Arquitectura, Construção,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 20

Movimento, Som, Desenho e Imagem: 1 – Arquitectura e arquitectos onde se abordam noções

de percurso, noção de maqueta, leitura de desenhos de arquitectura; 2 – Um som não tem

pernas para andar – representação de sonoridades através de registos gráficos; 3 – Espaço de

prática criativa – expressão plástica; 4 – Geometria das bolachas – iniciação à geometria; 5 –

Mais olhos que barriga – descoberta das cores formas e sabores; 6 – Pintura ao vento –

representação plástica das estações do ano no parque; 7 – SER-RAL-VES – o espaço – as

formas, as cores, os sons, os cheiros e os sabores.

Projectos de Continuidade

E porque, como já referimos, a maior parte das vezes a efemeridade marca as visitas ao

museu, muito fica por dizer e por fazer, por isso, criaram-se em muitos museus projectos de

continuidade que aprofundam os olhares e os conhecimentos sobre as obras e assuntos que

lhes estão associados. Em Serralves o projecto pluridisciplinar, bianual, Meu lugar, minha

cidade - Habitares Serralves desenvolvido em 2001 e 2002 é também exemplo desse trabalho

de continuidade. Mobilizou muitas escolas num trabalho de sensibilização estética, ambiental

e de formação para a cidadania olhando as obras e os espaços arquitectónicos de Serralves e os

espaços vivenciais das crianças das escolas intervenientes, numa atitude crítica e criativa.

2.3.3.2 Fundação Calouste Gulbenkian/Centro de Arte Moderna

Na Fundação Calouste Gulbenkian/Centro de Arte Moderna, em Lisboa, instituição já com

uma longa tradição de divulgação artística, vários projectos animam a ida das crianças, dos

jovens e dos adultos ao Museu como o projecto Primeiro Olhar, referido mais adiante

aquando das estratégias de apreciação artística, que criou diferentes percursos temáticos de

exploração da pintura e da escultura utilizando sempre a comparação de obras, a leitura e a

apreciação histórica e crítica da obra de arte (Gonçalves, Fróis e Marques, 2002).

Como já referimos, Alves (2003), no estudo que elaborou sobre a contribuição das actividades

pedagógicas dos museus para o currículo de EVT e ao analisar dois museus em particular, o da

Calouste Gulbenkian e o do Chiado concluiu que estes possuem recursos úteis (exposições

permanentes e temporárias, livros, catálogos, folhetos, diapositivos e postais), além da

programação dos respectivos Serviços Educativos que contribuem, através dos seus percursos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 21

educativos, para o desenvolvimento de vários domínios como a apropriação das linguagens

básicas e compreensão das artes e da capacidade de comunicação.

Estratégias Interdisciplinares

Analisando o programa das actividades para professores e grupos escolares da FCG/CAM,

2003/2004, podemos encontrar para os níveis do pré-escolar, primeiro e segundo ciclos, várias

visitas-jogo que auxiliam os jovens visitantes a descobrir a obra de arte, chamando a atenção

para determinados detalhes e temáticas e utilizando diferentes estratégias onde o jogo, a

experimentação e o apelo à criatividade são uma constante: 1 – Em biquinhos de pés, fazendo

uma ligação directa às experiências pessoais das crianças, descobrem e inventam coisas à volta

das obras; 2 – Comer e beber no CAMJAP (Centro de Arte Moderna José de Azeredo

Perdigão) associa cheiros e sabores às formas e às cores, inventando histórias e descobrindo

alimentos e objectos de cozinha nas obras de arte Contemporânea; 3 – Quem é Quem?

Identifica quem vive nas obras; 4 – O mapa do Tesouro à descoberta do tesouro nas obras de

arte; 5 – Temperaturas identifica materiais de que as esculturas são feitas e atribui-lhes

características de peso, cheiro, temperatura; 6 – Dominó dos animais onde se descobrem

diferentes formas criativas de olhar a realidade; 7 – Trajectos e objectos onde se descobrem

objectos conhecidos e comuns, nas obras de arte e se questiona porque terão sido escolhidos

pelos artistas e se os olhamos, ou não, da mesma maneira dentro do museu ou no seus

contextos próprios; 8 – Descobre-me é como que um jogo de pistas onde se olham e

descobrem e exploram criativamente aspectos formais das obras contemporâneas como: cores,

linhas, manchas, traços, espaço e luz; 9 – Olhar, ver, interpretar é uma visita ao museu onde a

conversa animada e a troca de opiniões mostra que uma obra provoca diferentes

interpretações, que quando olhamos uma pintura ou escultura não vemos só o que está na obra

mas também aparece o que está dentro de nós.

Para o nível do segundo ciclo várias visitas são organizadas com conteúdos mais ligados à

História da Arte e, no Centro de Arte Moderna, mais direccionadas para a História da Arte

Nacional Moderna e Contemporânea: 1 – Visitas gerais à colecção permanente através de

percursos cronológicos, ou não, procuram proporcionar várias leituras sobre a arte; 2 – Olhar,

ver, interpretar: uma introdução aos processos de leitura da arte Contemporânea, visita onde

se questiona a capacidade da arte provocar diferentes interpretações; 3 – Outros períodos

históricos e projectos específicos; 4 – A matemática na arte projecto interdisciplinar onde se

questiona o cruzamento da arte e da ciência.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 22

Projectos de Continuidade

Em relação a projectos de continuidade, a Fundação Gulbenkian desenvolve ao longo do ano

ateliers de: expressão visual como Pintar personagens...dar vida ao papel, Andar a pintar

e...aprender a jogar; de animação do livro como a magia da imagem, a magia das palavras; e

expressão dramática tal como Viver o corpo… onde habitamos!.

2.3.3.3 Museu Nogueira da Silva: Projectos Desenvolvidos

Faremos também referência de uma forma mais aprofundada, ao serviço educativo do Museu

Nogueira da Silva, palco desta investigação. A funcionar desde 1991/1992, construiu o seu

programa num processo lento de experimentação, reflexão e adaptação aos públicos que o

visitam, na sua grande maioria alunos do primeiro ciclo. Com algumas limitações,

principalmente ao nível dos meios humanos, pois possui apenas um técnico com formação

pedagógica a trabalhar com as escolas e outros dois funcionários, auxiliares técnicos, que

acompanham as visitas de adultos sem marcação, tem assegurado algumas actividades,

convidando especialistas, como por exemplo, uma violoncelista para dinamizar a actividade

Música em construção ou acolhendo, em colaboração, outros projectos propostos por outros

profissionais de educação, como é o caso das Palavras ilustradas descrito mais adiante.

Esse trabalho tem sido desenvolvido e aplicado numa triangulação entre a equipa do serviço

educativo, o objecto e o público. Os elementos do serviço educativo do Museu têm a

preocupação de conhecer os objectos e seus contextos e de dá-los a conhecer aos diferentes

públicos adaptando a linguagem e o grau de informação que cada nível exige. Quase sempre

de uma forma intuitiva, com base na formação académica ligada à educação e experiência da

equipa do serviço educativo, as actividades são implementadas em processos de reflexão,

experimentação, avaliação e alteração.

Actividades variadas, enriquecidas pela prática e pela experiência têm sido implementadas e

desenvolvidas para grupos escolares, principalmente do jardim de infância e do primeiro ciclo,

desde o início. Umas mais sistematizadas e aprofundadas que outras, são apenas uma ínfima

parte das potencialidades pedagógicas do Museu.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 23

O aprofundamento e a complexidade da programação das visitas e actividades do Museu estão

directamente relacionadas com o alargamento ou afunilamento dos temas.

1 – A Visita ao Museu – A visita geral ao Museu, a actividade mais abrangente, desenrola-se

através dos vários espaços dando relevo apenas a um ou outro aspecto das colecções. As

capacidades de observação, análise e interpretação são despoletadas através de abordagens

analíticas, objectivas e subjectivas/emocionais. Utilizando o diálogo e o jogo tentam-se manter

motivados os alunos, convidando-os a descobrir em que sala do Museu se encontra a cadeira

representada na pintura da Dona da casa (Fig.1). Como se encontra no último salão a visitar

(Fig.2), as crianças estão todo o percurso à procura da cadeira, não deixando de evidenciar

interesse pelo restante espólio. Também se apela à atenção e ao imaginário ao incitá-las à

descoberta das aves visíveis na tapeçaria francesa do século XVII (Fig.4) e ao fazer de conta

que são princesas que tocam harpa ou príncipes que as acompanham com flauta enquanto

ouvem o som destes instrumentos no salão nobre (Fig.3), ou que são os convidados do Senhor

Nogueira da Silva a subir a escadaria com vestidos compridos e fatos de cerimónia para uma

das festas que organizou (Fig.5).

Fig. 1 Fig.2

Fig.3

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 24

Fig.4 Fig.5

2 – O Atelier de Pintura. No fim da visita geral os alunos expressam plasticamente as

impressões e preferências da visita num atelier de pintura que funciona num espaço próprio no

jardim, onde folhas em branco e tintas de água os esperam. As folhas de papel manteigueiro,

tamanho A3 encontram-se já em cima da mesa e os alunos são convidados a representar aquilo

que mais gostaram de ver no Museu. A adesão a esta actividade costuma ser total. Milhares de

crianças passaram por este espaço com um sorriso nos lábios ou aos saltos “Vamos pintar com

pincéis, vamos pintar com pincéis…”.

Durante cerca de meia hora exprimem livremente as suas impressões sobre o que viram (Fig.6

e 7). Quanto mais pequenos são, maior é a espontaneidade que se vai contendo à medida que

os anos vão passando, criando algumas resistências e hesitações quando são mais velhos.

Nota-se bem esta diferença quando vêm grupos em regime de ocupação de tempos livres,

heterogénios em questão de idades e muitas vezes os mais velhos, de treze ou catorze anos

evidenciam alguma inibição no acto de pintar, pois, estando no estádio do chamado realismo

visual, onde já possuem uma maior consciência visual, global e objectiva do que observam,

(Venegas, 2002, p. 81). A proposta é pintarem com pincel directamente no papel de tamanho

A3. Também aí os mais pequenos não colocam qualquer questão enquanto os mais velhos de

oito, nove, dez anos, pela necessidade de fazerem os pormenores pedem o lápis para fazer

primeiro o esboço. Depois da euforia da entrada começam a trabalhar e conversam

amenamente ou em silêncio concentrando-se no trabalho. O jardim, o lago dos peixes, a harpa,

as presas do elefante, a escultura de Apolo e Dafne, o escritório e o salão nobre são os eleitos

das suas representações. É também no atelier que se experimentam outras técnicas e matérias

como o barro ou materiais renováveis (Fig.8).

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 25

3 – A Exposição Anual. No final do ano, os trabalhos têm sido expostos na Galeria da

Universidade (Fig.8) por tema, ou objecto representado, e todas as crianças têm a

oportunidade de ver o seu trabalho na parede ou num espaço onde estão aglomerados para

consulta. Olhando as milhares de pinturas arquivadas no Museu, facilmente identificamos os

objectos e os espaços eleitos pela maioria das crianças: as presas de elefante (Fig.9), o salão

nobre (Fig.10), a harpa (Fig.11 e 12), a pintura dos donos da casa (Fig.13 e 14), o escritório

(Fig.15), o Cassone florentino (Fig.16), a escultura de Apolo e Dafne (Fig.17), ou o jardim

(Fig.18) estão entre os preferidos. As tapeçarias e a pintura do Porto de Nápoles são outros

dos temas escolhidos. Normalmente as crianças das escolas da cidade vêm mais de uma vez

ao Museu, quase sempre no início e no fim do Primeiro Ciclo e lembram-se, a maior parte das

vezes, do que fizeram, do que viram e do que desenharam.

Fig.6 Fig.7

Fig.8

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 26

Fig.9 Fig.10

Fig.11 Fig.12

Fig.13 Fig.14

Fig.15 Fig.16

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 27

Fig.17 Fig.18

4 – Visitas temáticas. As visitas temáticas, focalizando o olhar, aprofundam ligeiramente um

tema pensando uma abordagem diferente ao Museu e aos seus objectos:

a) Pano p’ra mangas orientada para as diferentes formas de vestuário vistas através da pintura

(Fig.19 e 20), da tapeçaria e do mobiliário; b) À procura da bicharada orientada para a

descoberta dos objectos através dos animais que neles estão representados (Fig.21 e 22) ou dos

quais são feitos, como a madre pérola (Fig.23) ou as presas do elefante (Fig.24), acompanhada

por música relacionada com os sons produzidos pelos respectivos bichos; c) O Retrato destaca

diferentes técnicas de representação – a fotografia e a pintura (Fig.25 e 26). Imaginar-se na

pele de um personagem histórico utilizando reproduções de duas pinturas, retratos de

Henriqueta de França e de Luís XIV, como em antigos cenários fotográficos das feiras.

Fig.19 Fig.20

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 28

Fig.21 Fig.22

Fig.23 Fig.24

Fig.25 Fig.26

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 29

Projectos de Continuidade

Afunilando ainda mais os temas aprofunda-se o contacto com os objectos do Museu através do

projecto Olhar, ouvir e sentir o Museu, onde se trabalha apenas uma peça de cada vez. Este

projecto que funciona num espírito de continuidade, pelo menos um ano, tem como principal

objectivo conhecer o museu, explorando apenas um objecto (uma pintura, uma arca, uma

escultura ou um frasco de chá…) de uma forma concreta, lúdica, apelando aos sentidos e às

diversas formas de expressão. As actividades desenvolvem-se em várias idas ao Museu e a

planificação é feita em parceria com a escola interessada, adaptando-a à turma e aos seus

interesses. (Regalo, 1999)

Fig.27 e 28

Fig.29 e 30

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 30

Fig.31 e 32

Fig.33 e 34

Outros Projectos

Pensando no Museu Nogueira da Silva como instituição cultural e sem ligação directa às

colecções, desenvolvem-se também as actividades:

1 – Música em construção é um atelier, orientado pela Violoncelista Matilde Rocha, com o

objectivo de motivar as crianças para a descoberta da música através da audição informal de

música clássica e da experimentação de instrumentos (Fig.35 e 36);

2 – No meu tempo…é outra actividade onde se põem em contacto gerações (alunos do

Primeiro Ciclo e Jardim de Infância e utentes da Universidade e de Lares da Terceira Idade)

para, na troca de experiências, os mais novos formarem o seu conceito de passado através do

presente e valorizarem a herança cultural e humana dos avós. Esta actividade tem contado

principalmente com a preciosa colaboração do Grupo de Teatro da Universidade da Terceira

Idade e alunos das escolas do primeiro ciclo de Braga (Fig.37 e 38);

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 31

3 – Palavras ilustradas – em colaboração com o Projecto Netescrit@, cuja responsável,

Emília Miranda é autora da ideia, onde escritores (como Ana Maria Magalhães (Fig.39 e 40),

Alice Vieira, Luísa Ducla Soares, Vergílio Alberto Vieira, António Mota, Álvaro Magalhães,

José Vaz e João Pedro Mésseder) contam os contos que inventam, acompanhados pela música

de colaboradores como a violoncelista Matilde Rocha e ilustrados em simultâneo por José

Miranda, conjugando assim três formas e expressão. No fim os alunos podem desenhar sobre

as histórias que ouviram ou consultar o site www.nonio.uminho.pt/Netescrit@3 onde está

disponível mais informações sobre o autor e a sua obra;

4 – Em determinados casos e momentos também se faz a exploração de exposições temáticas

ou de arte contemporânea, patentes na Galeria, normalmente ao nível da expressão plástica,

como aconteceu na exposição de obras da colecção da Fundação Luso Americana Con-

vergências (Fig.41 e 42).

Fig.35 Fig.36

Fig.37 Fig.38

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 32

Fig.39 Fig.40

Fig.41 Fig.42

2.3.4. Escola/Museu: Complementaridade Institucional

Cada cultura cria os meios, os canais próprios para se perpetuar, de geração em geração,

transmitindo uma memória colectiva. A escola e o museu são dois desses canais, um formal e

outro informal, com objectivos e características bem definidos, que se tocam em muitos

aspectos e num em particular – o conhecimento de uma cultura.

O museu, dependendo das colecções que guarda e das temáticas que desenvolve, pode ser um

instrumento de trabalho a utilizar pela escola já que reúne e conserva testemunhos que

comprovam os conhecimentos veiculados nas escolas, na família ou em qualquer outro canal

transmissor de cultura. Facilitar e intensificar esse contacto pode contribuir para que os alunos

e professores se apropriem desses espaços, conhecendo e valorizando a sua cultura.

No caso do MNS a complementaridade das duas instituições escola/museu pode ter os dois

sentidos: partir da escola utilizando o museu como instrumento de trabalho na concretização

de alguma aprendizagem como por exemplo, a morfologia do terreno, através da pintura

anónima do século XVIII, do Porto de Nápoles, onde se pode observar o Golfo e o Vesúvio ou

partir de um objecto ou de uma obra de arte e estudar a maneira de vestir ao longo dos tempos,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 33

ou a mitologia através da Pintura da Henriqueta de França mascarada de Deusa Diana, ou da

escultura relacionada com a lenda de Apolo e Dafne. Apesar da escola e do museu serem

instituições com estruturas autónomas, com objectivos e metodologias diferentes, o seu

contacto é, à partida, enriquecedor pois, por um lado, pode complementar e concretizar

aprendizagens e por outro, motivar os alunos para as questões da arte, tendo um papel

importante na criação de hábitos de apreciação artística e na formação dos futuros públicos

dos museus.

Como já foi referido atrás, os temas normalmente explorados nos museus pelos professores

são relacionados com os objectos e os seus contextos, logo com áreas como a história, a área

artística é muito pouco explorada e quando o é, é normalmente feito num aproveitamento

interdisciplinar. Admitindo o interesse da interdisciplinaridade, seria também importante para

as nossas escolas colocarem ao mesmo nível das outras disciplinas a educação artística e o

conhecimento patrimonial, tão sub-explorado pedagogicamente no seu valor intrínseco. O

museu não pretende substituir nem o ensino formal nem o ensino artístico específico, pretende

sim, utilizando as suas obras de arte, dar oportunidade às pessoas, aos diferentes públicos de

usufruir os seus originais de uma forma pedagógica e atractiva.

Vários factores contribuem, segundo García Blanco (1994), para o sucesso das visitas e para o

retorno dos públicos aos museus. Ainda referente às escolas, é importante um contacto prévio

do professor com o museu para conhecer o que esta instituição lhe pode oferecer, para

transmitir os objectivos da visita aos seus alunos que, melhor que ninguém, ele conhece seus

interesses, conhecimentos, matérias e conceitos a abordar na escola. Pela experiência no SE do

MNS, para além da divulgação da programação anual pelas escolas, esses contactos do

professor podem ter diversas etapas: a da marcação telefónica da visita; a da recolha de dados

pelo professor para, posteriormente seleccionar o que vai ser visitado; e a da adaptação ou

criação de uma actividade com apoio dos técnicos dos serviços educativos.

Para Buffet (1999) esse trabalho desenvolvido num espírito de parceria, de colaboração aberta

e democrática entre os técnicos do museu e os professores, faz com que as pessoas se sintam

mais envolvidas, apoiadas e confiantes e logo mais motivadas em todo o processo.

É exemplo dessa colaboração estreita entre o museu e a escola o projecto Olhar, ouvir e sentir

o Museu, desenvolvido pelo MNS e três escolas do Primeiro Ciclo, duas da cidade de Braga e

outra do Concelho de Barcelos em 1997/1998, estando hoje incluído na programação habitual

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 34

do SE. Nasceu de uma investigação-acção, no âmbito do Projecto Museu/Escola/Comunidade

(MEC) organizado por um grupo de investigadores do Instituto de Estudos da Criança (IEC)

em colaboração com sete museus da região e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian

(Fontes, 2003, p. 97). Surgiu da constatação geral das dificuldades de relação entre as escolas

e os museus e teve os seguintes objectivos: (i) intensificar e melhorar essas relações; (ii)

identificar a especificidade da pedagogia escolar e da pedagogia no museu e (iii) de descobrir

ou criar formas de colaboração entre as escolas e os museus. Cada museu elaborou um sub-

projecto, formaram-se equipas. Aconteceram vários Encontros e Seminários com especialistas

nacionais e estrangeiros, onde se trataram várias temáticas ligadas à museologia e à educação.

Durante o ano de 1997/98 museus, escolas e investigadores do IEC mantiveram uma frutuosa

actividade, em primeiro lugar para os alunos e professores intervenientes, pelas experiências

novas que tiveram a oportunidade de viver e, em segundo para os museus porque implantaram

e experimentaram novos projectos de comunicação com o público, porque divulgaram as suas

actividades e projectos, porque reflectiram e investigaram sobre as suas práticas, porque houve

troca de experiências entre técnicos, profissionais de museus e professores, conhecendo-se

expectativas, dificuldades e potencialidades (Fontes e Macedo, 2003, p. 87).

2.3.5. Alguns Exemplos Internacionais de Serviços Educativos

No panorama francês, como é referido no Plano para as Artes e a Cultura na Escola em França

(Ministère de l’Education Nacional, 2001, pp. 12, 14, 18 e 21), dá-se muita importância às

ligações de parceria com outras instituições da sociedade em que se incluem os museus, e ao

papel de mediação que o professor tem entre os alunos e os artistas e profissionais das

instituições culturais. No início dos anos noventa a palavra parceria entra nos ensinos artísticos

e culturais franceses que, inserida numa ideologia do consenso e da conciliação pôs em

ligação os estabelecimentos de ensino e a sociedade em geral e as empresas em particular,

arrastando também instituições culturais como os museus. Para Buffet (1999, p. 8) as escolas e

os museus passaram a pretender uma relação mais profunda numa dinâmica democrática

envolvendo, de facto, os educadores de ambas as instituições, através de três vontades:

…a vontade de adaptação aos novos contextos sociais e

culturais; a vontade de revalorizar os recursos humanos em

sistemas marcados pela tecnocracia; a vontade de participar

na recomposição de uma sociedade fragmentada tanto de um

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 35

ponto de vista económico como cultural, mas com o desejo de

fazer evoluir a democracia.

Buffet (1999, p. 8)

Hoje, alguns museus nacionais adoptaram essa ideia de colaboração estreita com as escolas

como por exemplo, Serralves que prevê alguns projectos de parceria com as escolas.

Em Inglaterra, o Projecto Critical Studies in Art Education, (Taylor, 1988) explorou, no início

dos anos oitenta, o papel e a implementação do ensino da História da Arte e de Estudos

Críticos ao nível do Secundário do ensino formal e a sua ligação a outras instituições culturais

como museus, galerias e centros de arte, inventariando uma longa lista destas instituições,

preocupadas em dar apoio educativo. Este projecto definiu os seguintes objectivos da

educação artística onde a apreciação crítica teve uma forte componente: (i) complementar a

natureza expressiva da educação artística, com o desenvolvimento de aspectos reflexivos e

contemplativos; (ii) oportunidade de estudar originais; (iii) desenvolver e fortalecer as ligações

das escolas com os Serviços Educativos dos museus e das galerias; (iv) explorar métodos e

abordagens que desenvolvessem um vocabulário crítico para uma tomada de consciência sobre

a sua actividade plástica e a dos artistas; (v) disponibilizar recursos materiais e institucionais

de ligação e parceria entre escolas e instituições culturais.

2.3.6 Formação dos Técnicos dos Serviços Educativos

Segundo Pereira (1995) algum esforço tem sido feito, por exemplo pela Associação

Portuguesa de Museus (APOM), pelo Movimento para uma Nova Museologia (MINOM) e, a

nível internacional pelo International Council of Museums (ICOM), para valorizar, dignificar

e habilitar os profissionais de educação em museus com uma forte componente pedagógica, a

par da diversificação multifuncional dos perfis profissionais nos museus.

Normalmente não existe nos museus a exigência de nenhuma habilitação específica para os

técnicos dos serviços educativos. Apesar de neste momento já existirem várias pós-graduações

em museologia, o que não acontecia há uns anos atrás, não se conhece nenhum curso

específico para a formação de educadores de museu, recorrendo-se a profissionais de

museologia com formação geral na área, de animação cultural e a professores de diversas

áreas principalmente da História.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 36

Seminários, encontros e cursos de formação profissional organizados por museus como a

Acção de Formação Metodologias para a Animação de Espaços Museológicos desenvolvida

pelo Museu dos Transportes e Comunicações em 1999/2000, ou instituições e associações de

museus como a Rede Portuguesa de Museus, a Associação Portuguesa de Museus ou o

Movimento para uma Nova Museologia que desenvolvem ciclicamente várias acções de

formação por todo o País, preparando e mantendo actualizados esses profissionais que têm a

seu cargo o contacto do público com os espólios que guardam.

Daí serem importantes dois aspectos na sua formação: o conhecimento dos objectos que

guardam, muito variados, dependendo do tipo de museu, e o conhecimento dos públicos e

como contemplar várias idades, diferentes culturas, diversas limitações físicas e psíquicas.

Carter (1996, p. 3), em relação aos monitores/educadores de museu, acrescenta que para além

de uma formação especializada numa ou noutra matéria e de uma qualificação em educação é

importante uma experiência prática, assim como conhecimento de diferentes teorias de

aprendizagem e de novas técnicas de comunicação.

Apesar do conhecimento dos objectos poder ser fornecido pelos especialistas das diferentes

áreas e o conhecimento dos públicos pela formação pedagógica ou pelo contacto com os

professores, é muito importante a atitude de abertura, de curiosidade e de experimentação do

próprio educador do museu. De abertura a diferentes opiniões dos profissionais das várias

áreas, das escolas ou dos grupos interessados em visitar o museu; de curiosidade em conhecer

bem os objectos e as obras que o museu onde trabalha guarda e o que se faz noutros museus

congéneres; e de experimentação de diferentes estratégias para facilitar e optimizar o contacto

dos diferentes públicos com o museu.

É também importante que, segundo Green e Mitchel (1997, p. 44), quando se trata de mediar o

contacto dos alunos com obras de arte, quer pelos professores, quer pelos

monitores/educadores, estes tenham consciência como a sua personalidade pode influenciar a

sua maneira de ensinar, para, a partir daí, conseguirem reconhecer a importância do

desenvolvimento individual da criança.

Para além das actividades oferecidas pelos museus ao público geral, como conferências,

concertos e oficinas variadas de pintura, gravura e outras tecnologias, exposições temporárias,

em alguns casos guiadas por especialistas, críticos ou os próprios artistas, como acontece em

Serralves e outros locais, alguns museus nacionais aventuram-se também na formação e criam

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 37

programas para professores aprofundando os conteúdos específicos das colecções ou temáticas

que lhes estão associadas, preparando e optimizando as visitas que farão com os seus alunos

ou simplesmente no papel de público adulto, enriquecendo os conhecimentos e as experiências

pessoais. É exemplo disso o Programa de Cursos Teóricos e Cursos de Formação Artística

desenvolvidos na Fundação Calouste Gulbenkian em 2003/2004.

Em Serralves existe mesmo o Cartão Professor Amigo no sentido de garantir algumas

vantagens de acesso aos professores. É também possível intensificar e melhorar a qualidade

das relações entre essas instituições de forma a oferecer aos alunos uma formação coerente,

contínua, envolvente e com certeza mais eficaz do que se fosse fragmentada e isolada em dois

mundos.

Tanto a Fundação de Serralves como a Fundação Calouste Gulbenkian, para dar apenas dois

exemplos, têm programas específicos de formação para professores e público adulto. E por

todo o país os museus são, cada vez mais, pólos urbanos de cultura, abertos a todos os

públicos com programas de conferências, exposições temporárias articuladas com as

permanentes, concertos e de apoio a escolas de todos os níveis desde o jardim infantil à

universidade. São exemplo disso o Curso de História de Arte Contemporânea e o Curso de

História da Arquitectura a funcionar no Museu Nogueira da Silva, frequentado por professores

de vários níveis de ensino, desde o Primeiro Ciclo à Universidade.

2.4 A Infância: Olhares e Perspectivas sobre a Arte

Barbosa (1991, pp. 27-28), investigadora brasileira no âmbito do ensino artístico, para além da

importância geral e evidente que dá à arte, atribui-lhe um relevo especial em duas etapas da

vida social do ser humano, a da alfabetização e a adolescência.

Se a arte não fosse importante não existiria desde o tempo das

cavernas, resistindo a todas as tentativas de menosprezo.

Barbosa, (1991, p. 27)

Segundo esta investigadora, a primeira é, por razões de necessidades técnicas, aliada ao

mundo da leitura verbal como a discriminação visual das palavras, ou como auxiliar da

comunicação verbal ou do desenvolvimento psicomotor. A segunda surge como uma

necessidade de equilíbrio emocional, num processo de conhecimento e formação pessoal.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 38

Apesar de interessar a este trabalho a focalização nestas duas fases da vida, a infância e a

adolescência, e apesar de Barbosa (1991) referir que não se pode dicotomizar razão e emoção,

penso que esta autora realça demasiado, por um lado, o aspecto técnico de complementaridade

da educação visual em relação à linguagem escrita, retirando-lhe o valor intrínseco e

autónomo e por outro confina o valor da relação afectiva com a obra de arte e por isso,

também de descoberta de si próprio, à fase da adolescência. Não podemos esquecer, no

entanto, que segundo Berger (1972) Seeing comes before words. The child looks and

recognizes before it can speak.

Ver vem antes das palavras. A criança olha e reconhece antes

de poder falar.

Berger (1972, p. 7)

Mas aprender a falar sobre aquilo que se vê é também importante e não tem sido feito no

nosso contexto educativo, nem incluído nas abordagens à obra de arte que têm sido feitas no

Museu Nogueira da Silva. Mais uma vez me vejo inclinada a mencionar Berger pois estou de

acordo quando ele diz que:

É o ver que estabelece o nosso lugar no mundo que nos rodeia,

explicamos esse mundo com palavras. (...) A forma como vemos

as coisas é afectada pelo que nós sabemos ou por aquilo em

que nós acreditamos.

Berger, (1972, pp. 7-8)

Por outro lado Parsons (1987) defende que não há uma fase específica para que essa relação

afectiva com a arte aconteça apesar de em todos os períodos da vida, existirem diferente

modos de ver e reagir, modos de a compreender, pois ao relacionarmo-nos com a arte, entram

em jogo além de interpretações diversas, carregadas de referências pessoais e afectivas,

também o nível de desenvolvimento perceptivo e cognitivo.

Segundo Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 381-382) a criança em idade pré-escolar

ao olhar uma pintura reconhece formas e elementos familiares, enumera-os, mas não os

relaciona. O seu contacto com o mundo faz-se de um modo concreto, activo e momentâneo.

Parsons (1987, p. 121) chama-lhe o primeiro estádio, o do Favoritismo, do deleite intuitivo

onde a cor é normalmente o elemento eleito.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 39

Vernon defende também que nesta fase, a noção de tempo é muito pequena e tanto pode amar

(apreciar) uma coisa como detestá-la no momento seguinte. Mas não é só nesta fase que

podem acontecer desmotivações ou como lhe chama Rod Taylor (1988, p. 290) experiências

de aversão. Este autor identifica algumas como: experiências rotineiras e pouco exigentes, o

próprio grau de motivação e entusiasmo do educador transmitida ao aluno, preparação

inadequada das visitas ao museu ou galeria, inadequação da linguagem e da quantidade de

informação ao nível etário, ou falta de experiências e dados de apreciação artística que

motivem os alunos a ler e descobrir outras obras de arte.

O grau em que essa interacção da criança com o mundo e também com as imagens é

estimulada, pode contribuir para, numa fase seguinte, desenvolver a capacidade de distinguir

diferenças e explorar e descobrir outras formas na expressão de preferências. Essa ideia é

reforçada por Parsons (1987) que defende que nesta fase, esteticamente falando, a arte é um

estímulo para experiências agradáveis, gostar ou não gostar é o julgamento possível.

Psicologicamente falando, nesta altura não há noção do ponto de vista do outro, nem existem

pontos de comparação na sua pequena experiência, qualquer memória ou associação é

permitida, mesmo que não tenha relevância para a obra a apreciar.

Em relação à fase seguinte Lowenfeld e Brittain (1977), defendem que as crianças identificam

coisas que reconhecem, mas ainda não captam a atmosfera geral nem a mensagem da obra de

arte. Só mais tarde, aos dez ou onze anos, descobrem que os elementos se relacionam com

sentido e contam histórias. Esta característica está directamente relacionada com a sua maneira

de desenhar por um lado, na representação isolada dos elementos e das personagens que não se

relacionam, e por outro na carga simbólica dos seus desenhos que é mais forte que a

preocupação de realismo.

Isto parece contradizer o que Parsons (1987, p. 22) sustenta sobre a apreciação artística neste

grau, a que chama grau da beleza e realismo, o segundo dos cinco estádios que sistematizou,

que se refere à ideia dominante de que a pintura tem que ter um tema, representar alguma

coisa, e onde o realismo dessa representação é muito valorizado. O tema, o assunto domina

pois a observação neste período.

Lowenfeld e Brittain, (1977) acreditam também que as crianças nesta fase, correspondente ao

nível do primeiro Ciclo, conseguem exprimir preferências (preferência estética) através da

comparação de obras, mas dificilmente decidem se uma é melhor que outra (julgamento

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 40

estético). A influência do adulto, por exemplo, quando o professor está presente no momento

da escolha, é muito forte. Assim, mais importante que orientar o desenvolvimento da

consciência estética é incentivá-lo.

Também segundo Lowenfeld e Brittain (1977), à medida que o tempo passa e a adolescência

se aproxima o indivíduo vai-se afastando do seu egocentrismo e vai tendo mais consciência de

si próprio como membro de uma sociedade sobre a qual pode ter uma opinião crítica. Nesta

fase, a capacidade de discriminar está no seu auge. Os jovens gostam de exercitar o

pensamento abstracto e apreciam as obras complexas que gostariam de conseguir realizar. O

desenvolvimento dessas preferências está intimamente ligado à sua capacidade de

concretização e à evolução da sua personalidade. Por outro lado Parsons (1987, p. 23)

acrescenta que nesta fase se valoriza a intensidade da expressão e emoção produzida por uma

obra. A arte exprime a experiência de alguém e a criatividade, originalidade profundidade de

sentir são agora mais valorizadas do que o tema e o realismo do grau anterior.

Parsons (1987, pp. 24-26) considerou ainda mais dois graus no desenvolvimento da apreciação

artística. Sem lhes atribuir nenhum período etário preciso, acredita que cada um dos cincos

graus podem naturalmente coexistir com o anterior e instalar-se mais ou menos precocemente.

O quarto refere-se ao enquadramento social da obra, à valorização do estilo e da forma e a sua

relação histórica e à capacidade crítica de julgamentos razoáveis e objectivos e o quinto grau à

autonomia crítica em relação à própria cultura, questionando o pré-estabelecido e o

tradicional, aceitando a evolução pessoal e a mudança das circunstâncias históricas.

Apesar de Lowenfeld e Brittain (1977) considerarem que a educação estética é um processo de

construção pessoal mais do que uma aprendizagem, vinda do exterior, de regras ou

características de estilo, dotar as crianças ou o apreciador de arte em geral de vocabulário

artístico, esclarecendo conceitos, é importante para lhes fornecer meios de descodificação das

mensagens visuais. São também meios que ajudam a orientar, a consolidar e a uniformizar

uma estrutura de observação e de leitura, que, apesar de diferente da linguagem escrita, porque

estruturada depois da obra realizada, é fundamental conhecer os códigos a que obedecem ou

não.

Clement (1994) recorda que, se ao entrar numa exposição, uma criança ou um adulto não

possui essa estrutura, algumas referências que lhes permitam e ajudem a focar a atenção ou o

interesse, perde-se e passa superficialmente pelas obras que compõem a exposição. Berger

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 41

(1972), refere o seguinte (...)We only see what we look at. To look is an act of choice. As a

result of this act, what we see is brought within our reach – though not necessarily within

arm’s reach. To touch something is to situate one self in relation to it. (Close your eyes, move

round the room and notice how the faculty of touch is like a static, limited form of sight).( ...)

(…) Só vemos o que observamos. Olhar é um acto de escolha.

Como resultado desse acto, o que vemos é trazido pelo que

alcançamos – que não é necessariamente o que os nossos

braços abrangem. Tocar alguma coisa é colocarmo-nos a nós

próprios em relação a essa coisa. (Fecha os olhos, move-te pela

sala e repara como a faculdade do tacto é como uma forma

estática e limitada de ver). (...)

Berger, (1972, pp. 8-9)

Por outro lado, Ferreira (1994) distingue paralelamente dois tipos de percepção: a sincrética,

característica da criança mais pequena que percepciona as coisas globalmente e a ortoscópica

que possibilita distinguir características do objecto independentemente de observações

subjectivas e acrescenta que a percepção depende da atribuição de sentido.

No entanto Umberto Eco através da ideia de obra aberta reforça essa abertura da obra de arte a

múltiplas interpretações assentes na riqueza da variedade da experiência pessoal.

O “leitor” anima-se, portanto, ante a liberdade da obra, sua

infinita proliferabilidade, ante a riqueza de suas adjunções

internas, das projecções inconscientes que a acompanham,

ante o convite que o quadro lhe faz a não deixar-se determinar

por nexos causais e pelas tentações do unívoco, empenhando-

se numa transacção rica em descobertas cada vez mais

imprevisíveis.

Eco, (1986, p. 160)

Ao falar de linguagem visual é importante esclarecer sobre o que a distingue por exemplo da

linguagem verbal. A linguagem é um sistema de signos, construído ao longo do crescimento

humano e do seu contacto e conhecimento do mundo e que organiza a realidade e facilita o

contacto do indivíduo com esse mundo (Ferreira, 1994). As imagens interiorizadas estão

sempre associadas a um signo, a uma palavra, existe sempre um processo de significação, mas

a leitura visual e a leitura escrita são dois sistemas diferentes. Segundo Manguel (in Ferreira,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 42

1994), o sistema da leitura escrita é um código com um sistema implícito, previamente

estabelecido, seja qual for o caso em que se aplique. O sistema da leitura visual é definido

após a criação da obra.

Berger (1972) define imagem da seguinte maneira: An image is a sight which has been

recreated or reproduced. It is an appearance, or a set of appearances which has been

detached from the place and time in which it first made its appearance and preserved for a

few moments or a few centuries. Every image embodies a way of seeing even a photograph.

Photographes are not, as is often assumed, a mechanicam record. Every time we look at a

photograph, we are aware, however slightly, of the photographer selecting that sight from an

infinity of other possible sights (...)

Uma imagem é uma visão que foi recriada ou reproduzida. É

uma aparência ou um conjunto de aparências deslocadas do

lugar e do tempo onde surgiram pela primeira vez e

preservadas por alguns momentos ou alguns séculos. Cada

imagem incorpora uma forma de ver mesmo uma fotografia.

Fotografias não são, como é muitas vezes assumido, um

registo mecânico. Cada vez que olhamos para uma fotografia

ficamos cientes, apesar de superficialmente, que o fotógrafo

seleccionou aquela visão de uma infinidade de outras visões

possíveis.

Berger, (1972, pp. 9-10)

A arte para Berger (1972, p. 10) tem a capacidade de pôr dois mundos em comunicação, o do

pintor que corporiza o seu modo de ver e o do apreciador que percepciona com o seu próprio

modo de ver.

2. 5 Modelos de Apreciação Artística

Um velho está parado em frente de uma pequena pintura de um

autor desconhecido da escola Flamenga do séc. XVI. Olha,

muito demoradamente, o rosto das duas figuras esmagadas por

uma moldura enorme. Depois, anda, devagar, para trás e para

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 43

a frente e, ainda mais devagar, para a direita e para a

esquerda.(...)

... Na pequena pintura há algo que o comove e inquieta e que

ele não sabe dizer o que é. E as várias dezenas de livros que

tem em casa com títulos do género “Como deve ser vista a

pintura”, “Tudo o que precisa de saber sobre pintura”, “Para

compreender a pintura”, etc não o ajudam a explicar o que

sente.

(...) Este homem, que recomeça a olhar de frente a pequena

pintura, sabe que é preciso muito tempo para entender uma

obra; às vezes, é preciso a vida inteira. Entretanto, lembra-se

de um outro poema. (...)

Lopes (1999, p. 2)

Este pequeno texto escrito, para o catálogo de uma exposição de trabalhos das crianças, a

propósito da pintura renascentista a Senhora da Meia Laranja, toca a importância da

aproximação emotiva à obra de arte. Mas, como para apreciar um poema e emocionar-se com

ele é necessário conhecer e dominar a linguagem escrita, também para apreciar uma pintura é

importante conhecer a linguagem plástica.

Mas pensar uma actividade que envolva a apreciação da obra de arte, já por si objecto de

tantas reflexões e interpretações, implica, além do conhecimento da própria obra e do seu

contexto, um conhecimento das estratégias que podem ser usadas e a sua experimentação,

abrindo a obra a diversas interpretações.

A obra de arte, sem uma focalização do olhar, ou uma mediação, fica muitas vezes no nível

superficial do contacto e consequentemente da leitura. Para Gonçalves, Fróis e Marques,

(2002, p. 121), a contemplação das obras exige tempo, para que se estabeleça um diálogo entre

as sensações que podem ser rápidas e a sua compreensão, que é sempre um processo mais

lento. Woodford (2002) afirma que para aprofundar a primeira impressão temos que ir mais

além e tentar perceber como os artistas e designers conseguem provocar em nós impressões,

emoções e sentimentos, que meios e técnicas usam e descobrir estratégias que nos ajudem a

compreender a obra.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 44

Os modelos de apreciação artística não são receitas, mas modos de abrir janelas que respeitam

e fomentam essa aproximação emotiva à obra de arte e ajudam os alunos a comunicar com ela

num processo pessoal, de construção de uma consciência estética e de conhecimento através

da observação e do diálogo (Gonçalves, Fróis e Marques, 2002, p. 121). Para Berger (…) often

dialogue is an attempt to verbalise this – an attempt to explain how, either metaphorically or

literally, you see things, and an attempt to discover how he sees things.

(…) muitas vezes o diálogo surge como uma tentativa para

verbalizar – uma tentativa para explicar como metaforicamente

ou literalmente, vemos as coisas e as descobrimos.

Berger, (1972, p. 9)

1 – Feldman, (in Barbosa, 1991, pp. 43-44), utiliza sempre a comparação de obras de arte

como estratégia de apreciação. O desenvolvimento da capacidade crítica é o ponto fulcral da

sua teoria e, segundo ele, processa-se no acto de ver através de quatro categorias:

(i) descrição, dando atenção ao que se vê;

(ii) análise da organização e funcionamento do que se vê;

(iii) interpretação, procurando o significado do que se vê e

(iv) avaliação, utilizando comportamentos apreciativos, atribuindo valor e relevância ao que

se vê.

2 – Por outro lado, Parsons (1987, p. 13-14) ao investigar sobre o que as pessoas pensam sobre

arte, utilizou as seguintes categorias:

(i) o tema, na reinterpretação que a arte faz das nossas percepções, categorias e valores;

(ii) a expressão de emoções e sentimentos;

(iii) o processo na análise da técnica, da forma e do estilo e

(iv) o julgamento, critérios utilizados, expectativas e grau de envolvimento das vivências do

observador. Cada um destes grupos de ideias é entendido de maneira diferente nas diferentes

fases de desenvolvimento estético ao longo da vida. Como já foi referido anteriormente, este

autor distingue cinco dessas fases com diferentes modos de ver e reagir à arte, diferentes

modos de a compreender e diferentes expectativas sobre ela.

3 – Segundo Taylor, (in Thistlewood, 1989, pp. 38-39) baseando-se nos três domínios da obra

de arte: conceptual, produtivo, contextual e crítico, estabeleceu quatro categorias de análise da

obra:

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 45

(i) Conteúdo que levanta questões como: de que trata a obra? Qual é o tema? É acidental ou é

um veículo de transmissão social, religioso, moral ou político? Foi realizado por observação

directa, por memória ou imaginado? Foi tratado “fielmente”, exagerado, distorcido ou

sintetizado? E porquê? Se o tema é evidente ou se existem significados escondidos como

simbologias, analogias metáforas?

(ii) Forma, respondendo a perguntas como: Como está organizado o trabalho? Está essa

organização de acordo com o tema? Se o confirma ou contradiz? Que esquema de cor foi

usado? Se é harmonioso ou contrastante? Se há uma ou mais cores dominantes? Se existe uma

forma principal ou se existe uma combinação ou inter-relação de formas? Se o artista recorreu

a formas, linhas, sombras, ritmos… na composição do seu trabalho? Se a obra tem variedade

ou unidade de texturas? Se vive de um todo ou de partes que criam uma unidade?

(iii) Processo – Como foi feita a obra? Com quê? Que materiais, que processo, que técnicas

usou o artista? Como e por onde começou a obra? Por que fases passou? Terá o artista feito

estudos, material de suporte (esboços, fotografia, maquetas…)? Terá demorado muito ou

pouco tempo a ser executado? Que destrezas terá o artista para produzir determinada obra?

São outras questões importantes para compreender uma obra.

(iv) Emoção – Será que a obra afecta o observador? De que modo? Será que transmite uma

disposição, emoção ou sentimento? Sobre a vida ou a natureza? Será que se consegue

imaginar os sentimentos e as sensações do artista quando fez a obra? É uma obra que transmite

sensações de sossego, barulho, calma ou perturbação, alegria ou tristeza, ternura ou

agressividade…nas sensações que desperta? Que características da obra nos afectam? Taylor

(in Thistlewood, 1989, pp. 38-39).

Este autor, através do Projecto dos Estudos Críticos na Educação Artística (1988, p. vii), teve

uma atitude crítica em relação à utilização exagerada e exclusiva das estratégias de exploração

prática da obra de arte que, se não for acompanhada pela análise dos seus conteúdos, formas,

processos e relação emotiva, reduz muito e empobrece o contacto e a comunicação com a obra

arte. O seu modelo valoriza, assim, a contemplação e a verbalização nesse relacionamento

numa combinação de trabalho prático, teórico e crítico.

4 – No entanto Woodford (2002, pp. 7, 9, 11 e 12) excluindo a análise crítica e emocional,

direcciona a sua análise para o contexto da produção da obra de arte definindo quatro maneiras

diferentes de se olhar uma pintura:

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 46

(i) Foca o objectivo, a utilidade da obra de arte, como a magia nas pinturas das cavernas ou a

transmissão da Bíblia através das pinturas nas paredes das igrejas românicas para as

populações analfabetas;

(ii) Identifica o que nos transmite a obra no que se refere à época em que foi realizada, como

os ambientes, os espaços, os objectos ou o vestuário;

(iii) Observa o seu grau de realismo, de iconicidade ou

(iv) analisa os aspectos formais, a sua estrutura, as formas e as cores.

5 – O projecto Primeiro olhar, desenvolvido na Fundação Calouste Gulbenkian, é, segundo

Gonçalves, Fróis e Marques (2002, p. 13), direccionado para a apreciação das qualidades

técnicas e estéticas das obras da sua colecção, utilizando percursos temáticos como o estilo, o

volume e espaço, a metamorfose e metáfora e outros, explorando-os através de duas obras: (i)

olhando, (ii) comparando, (iii) dialogando e (iv) experimentando, colocam aos alunos uma

pluralidade de interpretações nesse escutar o diálogo das obras.

Segundo aqueles autores a comparação é uma ferramenta da crítica e da História da Arte,

servindo de motivação e exigindo uma atenção sistemática e global. Por outro lado implica

perceber e focalizar as características expressivas (2002, p. 16). É uma estratégia facilitadora

da leitura da obra de arte no destaque das semelhanças ou das diferenças. É também defendida

por autores como Feldman ou Monique Brière ou os defensores do modelo do Disciplined

Based Art Education (DBAE) (in Barbosa, 1991, pp. 43-63).

6 – Alison Kelly referida em Clement (1994, p. 8) ao planificar o trabalho de alunos de cinco e

seis anos, sobre uma obra de arte, inclui as seguintes categorias:

(i) a descrição, enumerando e falando sobre os diferentes elementos e a aparência das coisas

pelo simples prazer de conhecer, de recolher informações. Esta fase implica olhares atentos e

algumas referências para interpretação;

(ii) a fase da análise, destacando e isolando determinadas características, formas visuais, cores

ou outros elementos, para o todo fazer sentido. Esta etapa prepara para o desenvolvimento da

prática expressiva;

(iii) a comunicação, explicando, contando a ideia, a história, a narrativa visual quer de obras

objectivas, simbólicas, esquemáticas ou abstractas;

(iv) a resolução de problemas que implica pensar e fazer, planificar, usar esquemas, desenhos

ou palavras;

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 47

(v) e a expressão, exprimindo sentimentos, qualidades e ideias, associada ao contar de

histórias.

Este modelo assume a comunicação, como uma das fases da estratégia de apreciação artística

que planificou, apenas no momento em que se fala da ideia, da narrativa contida na obra.

Poderemos discordar se considerarmos que existe comunicação a partir do momento em que

existe contacto visual, sensações e emoções.

7 – Saunders (in Barbosa, 1991, pp. 51, 54 e 55) no seu método multi-propósito, desenhou um

programa visando a educação estética, a percepção visual, a acuidade espacial, a simbologia

visual e verbal, as mudanças históricas e a auto identificação, baseando a actividade nas

seguintes categorias:

(i) descrição que consiste em descrever, identificar e interpretar elementos visuais;

(ii) interpretação, em exercícios de compreender, expressar opiniões e julgamentos de valor,

exercitar o imaginário, desenvolver conceitos espaciais e o sentido da ordem visual ou

pesquisa sobre o artista;

(iii) e extensão da aula, ou seja, relacionando arte com o seu meio ambiente, fazendo

comparações históricas, usando símbolos verbais e visuais, investigando fenómenos físicos

como a luz, explorando as relações humanas ou os problemas ambientais, levando os alunos a

fazer exercícios de comparação das suas realidades com as obras, após ter sido feita a leitura

conversada, em conjunto com os outros elementos do grupo. A realidade do aluno funciona

como referência e como exercício de concretização.

8 – Também os estudos realizados por Gerard Mottet (1996), não sendo na sua base

direccionados para a apreciação artística, mas porque se trata de penetrar o mundo visual,

propõem uma estratégia, um olhar diferente sobre a imagem. Segundo este autor, só

interagindo com a imagem desmontando-a, relacionando-a com outras, conhecendo as suas

componentes, descodificando a sua linguagem e intervindo sobre ela é que se poderão extrair

todas as suas potencialidades comunicativas e de aprendizagem e abrir todas as janelas.

Para isso identificou uma situação onde o aluno é colocado em articulação com a imagem em

actividades mais elaboradas que o simples olhar passivo – situação-imagem. Apprendre par

l’image, dans quelque situation que se soit, c’est mettre en fonctionnement – et, ce faisant,

s’approprier – les outils d’organisation et de traitement du réel dont l’image est porteuse,

c’est réassumer ce que nous appellerions volontiers « la valeur opérative » de l’image.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 48

Aprender através da imagem, em qualquer situação, é pôr em

funcionamento – e fazer-se apropriar – das ferramentas de

organização e de tratamento do real que a imagem é portadora,

é reassumir aquilo a que nós chamaríamos o valor operativo da

imagem.

Mottet, (1996, p. 21)

Segundo Mottet, as actividades relativas às imagens podem revestir três formas de pôr em

funcionamento esse valor operativo: a leitura, a modificação e a produção:

(i) A leitura, uma dimensão importante do contacto com a imagem, consiste na recolha dos

dados fornecidos e no seu relacionamento com as referências culturais e a memória do

receptor que, num contexto educativo, é o aluno. É o abrir de todas as janelas possíveis para o

mundo, para o conhecimento, incluídas naquela imagem;

(ii) A modificação pressupõe uma focalização do olhar e da pesquisa. O aprofundar o que

determinada janela nos mostra, relacionar com situações idênticas e, através de uma prática,

testemunhar a actividade mental desenvolvida pelo aluno. É o desmontar, desconstruir a

imagem para melhor a compreender e compreender o mundo que ela representa.

(iii) A produção é uma situação de expressão onde o aluno traduz e explicita o que foi

interiorizado. Partindo da imagem dada, das regras e do conhecimento adquirido organiza uma

nova imagem mais ou menos balizada por alguns objectivos, mais ou menos criativa. É o

fechar a janela e sonhar recriando e reinventando o que se viu. (Mottet, 1996, p. 21)

9 – É o caso de Monique Brière (in Barbosa, 1991, p. 64) que, ao contrário da maioria dos

modelos de apreciação: (i) parte da actividade artística, das produções dos alunos para chegar

às obras de arte e, (ii) através de um processo de comparação levar os alunos a fazerem uma

leitura crítica, (iii) um julgamento estético e (iv) uma compreensão histórica da produção de

determinado artista ou obra. Como Lowenfeld e Brittain (1977), também esta autora defende

que mais importante que ensinar estética, história e crítica de arte é desenvolver capacidades,

através da produção artística, para formular hipóteses e opiniões e para justificá-las.

10 – Outro modelo, defendido por Hildred (in Thistlewood, 1989, p. 47), para alunos do

segundo e terceiro ciclos, é a utilização de reproduções das obras de arte, para uma preparação

prévia do contacto com os originais, através de guiões de leitura com informação básica sobre

a obra, questões abertas e sugestões de actividades. Isto permite também uma selecção, por

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 49

parte dos alunos, da obra a trabalhar num alargado leque de imagens, tornando-se uma opção

motivadora, dando início a uma actividade crítica.

A seguir este autor propõe uma prática com a estrutura de apreciação de Osborne (in

Thistlewood, 1989, pp. 49-50), adaptando-a e flexibilizando-a:

(i) inicia-se também pela experimentação, pela produção de arte considerando-a o foco mais

apropriado para crianças em idade escolar;

(ii) depois passam à actividade crítica comparando, avaliando e julgando o seu próprio

trabalho e o dos outros, a crítica informada e os julgamentos equilibrados e justificados

podem, segundo este autor, ser um modelo útil para desenvolver a actividade crítica;

(iii) a História da arte é considerada um meio importante de definição e contextualização da

arte; (iv), o desenvolvimento do estatuto de conhecedor como produto de uma contemplação

e apreciação individual o que acontece em matérias como futebol ou automobilismo,

normalmente não relevante em relação à educação artística;

(v) experiência estética que implica um prazer intuitivo, individual, sensual e uma atitude de

atenção particular a aspectos quotidianos, correntes. Para isso é necessário activar duas fontes

a da natureza e a dos objectos feitos pelo ser humano.

Estimulando para o desenvolvimento da capacidade crítica e apreciação prática, Hildred (in

Thistlewood, 1989, p. 54) nos seus programas de educação e apreciação artística, faz uma lista

de metas que os alunos deverão atingir de entre as quais referimos: evidenciar experiência e

confiança nas escolhas, opiniões e preferências relativamente a um número elevado de obras;

mostrar que é capaz de ponderar vários factores no processo de actividade crítica antes de

julgar; mostrar que consegue distinguir formas de arte tradicional e inovadoras, ou ser

tolerante e mostrar que adquiriu ferramentas de apreciação de imagens não familiares.

Por vezes a imagem, quer seja a pintura de um museu ou a ilustração dos livros da escola ou a

publicidade, tem em si um nível estático de mistério, de silêncio, a que Woodford (2002, p.

13) chama de visão passiva, que só com alguma mediação, como a verbalização, poderá

ganhar vida e cumprir o objectivo de comunicar, passando a uma contemplação activa.

A compreensão de uma imagem pressupõe o desenvolvimento de uma actividade mental que

pode ser muito superficial, ficar na camada mais fina do visível, como se, espantados,

assistíssemos a um truque de magia ou ir mais fundo, abrir as janelas e tentar perceber,

desvendar o truque e desmontar toda a ideia.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 50

Apesar dos autores que investigam esta matéria, como Parsons (1987), Feldman (1970) ou

Taylor (1988), se referirem às mesmas categorias de análise nesse contacto com a obra de arte

tais como: a apreciação técnico/formal, contexto histórico, apreciação crítica, apresentam

diferentes propostas para essa tarefa de olhar e falar sobre arte.

Todos incluem esse diálogo, esse falar sobre a obra de arte como fundamental para uma

contemplação activa, como lhe chama Woodford (2002, p. 13), encontrando as palavras que

descrevam e analisem a obra de arte. Alguns autores como Taylor (1988, p. xi) têm mesmo

uma atitude crítica em relação ao excesso de valor que se atribui à parte da experimentação

nas actividades plásticas no contacto com a obra de arte, negligenciando-se dois aspectos

fundamentais como a contemplação e o diálogo. Como podemos verificar na Tabela 1 todos

estes modelos envolvem aspectos comuns que implicam a observação, o diálogo e a

experimentação, mas diferem no entanto no destaque que dão a um ou outro parâmetro, na

organização sequencial dessas categorias de análise, e na inclusão ou não da comparação de

obras, ou a utilização de estratégias lúdicas como o jogo.

O aspecto lúdico caracteriza várias experiências realizadas tanto em museus como em escolas

no sentido de utilizar estratégias para capacitar os alunos e os professores para a apreciação de

obras de arte, como é o caso dos Jogos de Apreciação Artística experimentados numa

investigação-acção de Analice Dutra Pillar (1996), onde foram criados jogos a partir de

reproduções de obras de arte trabalhando temáticas, elementos visuais ou estilos artísticos.

Também Maria Angela Francoio (S.d.), brasileira, elaborou outro trabalho, neste caso, em

museus, onde o jogo é a estratégia utilizada na apreciação artística e no desenvolvimento do

olhar crítico e reflexivo.

A observação é, evidentemente o aspecto a partir do qual se inicia qualquer abordagem e

leitura de uma obra de arte e corresponde à fase em que o observador descreve o que vê

(Tabela 1). O passo seguinte, na maior parte dos modelos, como podemos constatar na mesma

tabela, é o diálogo e por fim a experimentação. Estes três passos são a base de qualquer

modelo, diferindo cada uma delas nas propostas do quê e de que maneira se vê e se fala sobre

a obra de arte.

Em relação à análise comparativa das obras verificamos que aparece em muitos modelos

apesar de utilizada de maneiras diferentes, ou entre obras com o mesmo tema e formas

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 51

diferentes, ou vários temas tratados da mesma forma ou mesmo comparando com os próprios

trabalhos plásticos das crianças.

Apresentamos uma tabela que resume as estratégias de apreciação artística a seguir descritas,

defendidas por alguns autores, evidenciando aquilo que cada um mais destaca.

Tabela 1

Modelos de Apreciação Artística

Feldman descrição Análise interpretação Avaliação

Parsons conteúdos Expressão processo Julgamento

Taylor conteúdo Forma processo Emoção

Woodford função Conteúdo Forma

Gonçalves,

Fróis e

Marques

comparação diálogo Experimentação

Kelly descrição Análise comunicação resolução de problemas

expressão

Saunders descrição Interpretação exercícios de aprendizagem extensão da aula

Mottet leitura Modificação produção

Brière actividade artística

leitura crítica (comparação)

julgamento estético

compreensão histórica

Hildred

Experimentação produção

actividade crítica

História da arte (contextualização)

desenvolvimento do estatuto de conhecedor

experiência estética

Depois da leitura de alguns exemplos de modelos de apreciação artística, e pensando possíveis

formas de exploração da linguagem visual, sobre as impressões, interpretações e capacidade

das crianças lerem e apreciarem obras de arte, desenvolvendo as suas habilidades crítico-

reflexivas (Allison, 1986) pretende-se reflectir e propor uma acção direccionada para três

níveis de escolaridade: jardim infantil, primeiro e segundos ciclos, num contexto muito

específico, o do Museu Nogueira da Silva.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 52

2.6 Sumário

A revisão da literatura neste capítulo permitiu verificar, como resultado, que, salvo algumas

excepções, como é o caso do Projecto Primeiro olhar da Fundação Calouste Gulbenkian ou do

Habitares Serralves 2001 e 2002 da Fundação de Serralves, o trabalho desenvolvido por

muitos educadores de SE de museus parece não ser suportado por uma base teórica, ou,

simplesmente, não são feitos ou publicados relatórios sobre isso. A quase inexistência de

relatos leva-nos a verificar que existe falta de investigação e principalmente avaliação de

projectos desenvolvidos em museus, como por exemplo ao nível dos valores e atitudes dos

responsáveis dos SE e da relação entre o seu desempenho e o sucesso da educação nesses

espaços. A conclusão que se pode retirar destes resultados é que é necessário promover a

investigação nesta área e o desenvolvimento profissional dos respectivos agentes dos serviços

de educação para aliarem a sua prática às teorias e práticas contemporâneas de educação

artística.

Esta revisão permitiu a familiarização com diversas teorias sobre apreciação artística e práticas

em museus e considerou a necessidade de as utilizar no contexto português como ferramentas

de análise no trabalho a levar a cabo no Museu Nogueira da Silva e em outros museus.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 53

CAPÍTULO 3 METODOLOGIA

3.1 Introdução e Finalidades

Segundo Allison (in Moura, 2001, p. 30) investigar não se trata de acumular um conjunto de

informações úteis ao acaso, mas sim de um processo sistemático de pesquisa organizada, com

objectivos definidos que pretendem esclarecer e dar respostas a problemas ou questões.

O problema desta investigação, clarificado nos capítulos anteriores, reside no facto do trabalho

desenvolvido no âmbito de apreciação artística por técnicos de SE de museus portugueses ser

feito de forma muito intuitiva e pouco alicerçada em teorias e práticas de especialistas na área

da educação artística. Perante tal constatação identificou-se a necessidade de rever teorias e

práticas já existentes em diferentes contextos nacionais e internacionais e avaliar o seu

significado para o contexto dos serviços educativos dos museus nacionais e concretamente os

dos SE do Museu Nogueira da Silva. A principal finalidade desta investigação foi criar,

implementar e avaliar um programa de estratégias de apreciação artística como parte da

educação museológica que permitam uma maior compreensão do património artístico do

MNS.

Este capítulo justifica a escolha e descrição da metodologia de investigação, do contexto e

participantes na pesquisa. Irão ser apresentados os procedimentos adoptados na recolha de

dados, instrumentos a utilizar nessa recolha, plano de acção e considerações éticas.

3.2 Escolha do Método de Investigação

Uma prática de doze anos na organização de actividades e projectos para dinamizar o serviço

educativo do Museu Nogueira da Silva demonstra-nos que é experimentando, reflectindo,

alterando e acrescentando que se consegue melhorar as falhas e os problemas existentes. É um

processo de crescimento onde se aprende com os erros, se encontram soluções, se

experimentam e se aperfeiçoam as ideias e as práticas no dia a dia.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 54

Taylor (1988) confirma essa ideia e defende que a educação em arte deve ser feita em

continuidade e apoiada numa mistura de reflexão, resposta e pesquisa de uma prática avaliada

e de exercícios de expressão (Taylor, 1988, p. 95). Perante estas características pensar uma

investigação em educação artística num contexto muito preciso, o Museu Nogueira da Silva,

onde se pretende agir sobre um problema específico ou seja, testar um modelo de apreciação

artística, implementando, experimentando e reflectindo sobre algumas estratégias, a

metodologia que pareceu adequar-se melhor a tais finalidades, foi a investigação-acção que,

como o próprio nome indica, investiga em acção, recolhendo factos in locco, num ambiente

natural de visita ao Museu, mudando procedimentos dos intervenientes.

3.2.1 Características do Método de Investigação-acção

Segundo as características definidas por Cohen e Manion, (1990, p. 271) trata-se de um

método cujo ênfase incide na resolução de problemas diagnosticados em situações específicas,

neste caso o Museu Nogueira da Silva, daí ser situacional. Implicou a colaboração e

participação de vários elementos de uma equipa, envolvendo os técnicos do Museu,

professores e alunos, que intervieram e se envolveram no desenrolar do processo, propondo e

testando estratégias de apreciação artística de forma colaborativa e participativa numa reflexão

sistemática e contínua para alterar procedimentos sendo por isso auto-avaliadora.

Cohen e Manion (1990) estruturam o seu modelo caracterizando três tipos de investigação,

conforme a formação da equipa: quando a acção é levada a cabo só por um professor na sua

sala de aula; quando a acção é levada a cabo por um grupo de professores que decidiram

trabalhar colaborativamente e que podem ter, ou não, um conselheiro externo; quando a acção

é levada a cabo por professores que trabalham lado a lado com um investigador externo. Esta

investigação segue este último modelo, apesar do investigador ser interno e os professores

externos ao contexto.

Segundo Lewis (in Kemmis e Mctaggart, 1988, pp. 12-17) a investigação-acção desenvolve-se

num processo cíclico e dinâmico segundo uma espiral: reflexão, planificação, acção,

observação, reflexão. Elliot (1990) propõe um processo idêntico não se referindo à reflexão

inicial e estabelece ciclos de acção: redefinição do problema, planeamento, observação,

reflexão e avaliação que devem ser suficientemente flexíveis para se adaptarem às situações.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 55

Apesar dos autores consultados sobre investigação-acção estarem, de uma maneira geral, de

acordo quanto à essência, características e finalidades deste método, diferem uns dos outros no

acrescentar ou aprofundar um ou outro ponto, como os aspectos organizativos da sua

aplicação. Por estas razões optou-se pelo modelo de Elliot (1990) que estrutura o

desenvolvimento da investigação-acção em três ciclos que desenvolveremos mais à frente.

3.2.2 Vantagens e Desvantagens do Método

Como todos os métodos, também a investigação-acção tem vantagens e desvantagens: A sua

adaptabilidade, defendida por Cohen e Manion, (1990) permite que seja aplicado em

diferentes contextos, característica importante para melhorar circunstâncias e alterar práticas,

neste caso, no contexto do Museu Nogueira da Silva.

Cohen e Manion (1990) defendem que é um meio de formação dos intervenientes equipando,

no caso desta investigação, a monitor/educadora do Serviço Educativo e os professores

intervenientes, de novas técnicas e estratégias, apurando o seu conhecimento e o seu poder de

análise sobre a obra de arte através da troca de experiências e níveis de formação dos

diferentes elementos da equipa e do contacto com especialistas em História da Arte, por

exemplo.

Segundo Moura (2003) na investigação-acção o trabalho de equipa é um meio de provocar e

melhorar a comunicação, neste caso, entre o museu e as escolas incentivando o grupo de

professores a intervir, a programar e a avaliar numa ideia de parceria, de convivência

democrática. Com mais pessoas a intervir é natural que as ideias sejam mais ricas e variadas.

Por outro lado, o trabalho de equipa onde intervêm diferentes especialidades e formações

como, no caso dos museus a formação museológica dos monitores/educadores e a formação

pedagógica dos professores, pode ser muito útil na programação das estratégias de apreciação

artística e, naturalmente no enriquecimento dos resultados.

Também segundo Cohen e Manion (1990, p. 282), este método é um método empírico, porque

reúne, partilha, estuda, regista, reflecte, avalia, actuando sobre a informação recolhida através

de registos de observação e análise de comportamentos, sendo essa sequência a base das

revisões que levam à melhoria, ao progresso da situação que se pretende alterar. Por outro lado

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 56

esta sua flexibilidade não nega as subjectividades próprias do ser humano e das suas

produções artísticas, nem as reduz a suportes passivos.

As desvantagens deste método advêm simultaneamente das suas vantagens, como por exemplo

a sua flexibilidade e abertura à subjectividade e a falta de rigor quantitativo, impedindo as

generalizações. Também o facto de ser situacional exclui a sua aplicação em outros contextos

sem alterações e adaptações. (Cohen e Manion, 1990, p. 271)

3.3 Design da Pesquisa

Como já referimos, para aplicar a intervenção foi adaptado o modelo de investigação-acção de

Elliot (1990) organizando a acção em três ciclos:

(i) Ciclo 1: Revisão da literatura e confirmação do problema pelos elementos da equipa;

(ii) Ciclo 2: Planificação das intervenções a implementar no Museu, preparação profissional

da equipa de investigação-acção e construção de recursos;

(iii) Ciclo 3: Implementação da investigação-acção com a colaboração de três turmas de

escolas diferentes.

3.3.1 Plano de Acção

A duração deste estudo foi de nove meses, de Novembro a Julho de 2004. Assim, de

Novembro de 2003 a Janeiro de 2004, foi feita a maior parte da revisão de literatura sobre:

museus e estratégias de apreciação artística. Esta tarefa não ficou confinada a este período,

pois outras leituras foram sendo feitas e descobertas novas e diferentes ideias ao longo de toda

a investigação. Aliás esse é um trabalho que nunca estará concluído e ficará sempre a sensação

de que muitas mais coisas serão ditas sobre estas matérias no futuro.

Depois definiu-se a questão fulcral desta investigação, escolheu-se o método mais adequado,

estabeleceram-se objectivos, definiram-se alguns conceitos chave e seleccionaram-se as

questões da investigação.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 57

Tabela 2

Plano da Investigação e Métodos de Recolha de Dados

Ciclos

Acções

Métodos de recolha de dados

Calendarização

Ciclo um

Reafirmação do Problema Selecção e análise de literatura relacionada com estratégias de apreciação artística e práticas nos museus Selecção dos elementos da equipa

Recolha bibliográfica Contactos com os elementos da equipa Discussões orais sobre o tema Reflexão dos participantes Reflexão da Investigadora Avaliação Individual Avaliação de Grupo

Novembro de 2003 a Fevereiro de 2004

Ciclo dois

Sessões de desenvolvimento profissional com o monitor/educador do Museu, três professores da Educação Pré escolar, do 1.º e 2.º Ciclos e um convidado. Planificação das actividades

Discussões orais Planos das visitas Reflexão dos participantes (monitora/investigadora, professoras) Avaliação da Investigadora Intervenção do convidado

Fevereiro e Março de 2004

Ciclo três

Testar, reflectir e avaliar estratégias de apreciação artística em 9 sessões conduzidas pela monitora/investigadora em colaboração com as três professoras da equipa.

Informação recolhida em cada visita de estudo: fotografias registo de vídeo pinturas dos alunos comentários e comportamentos das crianças Reflexão e avaliação dos elementos da equipa (professoras e monitora/Investigadora) Reflexão e avaliação da actividade pelos alunos

Abril, Maio e Junho de 2004

Ciclo Um

Em Novembro de 2003 iniciou-se o Ciclo um da investigação-acção que consistiu na revisão

de literatura relacionada com práticas educativas no museu e estratégias de apreciação

artística. Incluiu-se informação sobre as práticas de diferentes museus nacionais e

internacionais e identificaram-se e seleccionaram-se modelos de apreciação artística utilizados

nesses contextos.

Procedeu-se à constituição da equipa seleccionando e convidando os seus elementos,

identificando a ideia geral, redefinindo o problema da investigação e o método de investigação

seleccionado e a necessidade da participação de toda a equipa na preparação e avaliação de

estratégias de apreciação artística. Como era importante fazer a experimentação em três níveis

de escolaridade, foram contactadas duas professoras do primeiro e segundo ciclos e uma

educadora da Educação pré-escolar, para formar a equipa.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 58

A identificação dos intervenientes foi feita através de uma pequena ficha de recolha de

informação (Anexo 1) sobre as professoras, sobre as respectivas experiências profissionais,

áreas de formação, experiência de trabalho com museus, suas opiniões sobre o interesse deste

trabalho e outras informações consideradas relevantes. Relativamente à turma, solicitou-se a

identificação da escola, do nível de escolaridade, do número de elementos do sexo feminino e

masculino, do número de alunos que já teriam visitado algum museu e o Museu Nogueira da

Silva em particular e outras informações importantes. Foi também solicitada informação sobre

a disponibilidade de horários para as reuniões da equipa e visitas dos alunos ao Museu para se

calendarizarem as acções.

Também foi identificada a monitora do Museu que é simultaneamente investigadora, sua área

de formação, sua experiência de trabalho com as escolas no âmbito do SE e opinião sobre o

interesse deste trabalho.

A equipa de investigação-acção foi formada por quatro elementos: uma educadora de infância,

uma professora generalista do primeiro ciclo (terceiro ano), uma professora de EVT do

segundo ciclo (sexto ano), uma professora que apenas acompanhou os alunos nas visitas ao

Museu, não tendo participado nas sessões da equipa e a investigadora.

No Ciclo um da investigação foi utilizada a análise de bibliografia sobre estratégias de

apreciação artística e educação em museus por parte da investigadora para analisar o que

melhor se adaptaria ao Museu Nogueira da Silva, aos níveis etários destinatários e à pintura

escolhida para trabalhar. A observação das reacções e opiniões de todos os elementos da

equipa numa primeira abordagem, a da redefinição do problema e da selecção das questões da

pesquisa, também foram alvo de reflexão e avaliação neste primeiro ciclo de acção.

Ciclo Dois

Entre Março e Abril de 2004 implementou-se o Ciclo dois da investigação-acção que consistiu

na realização de sessões profissionais para preparação e planeamento da parte prática. Este

Ciclo constou de duas fases: a primeira tratou da preparação da equipa no conhecimento e

análise da obra de arte seleccionada na sessão anterior, a pintura da Senhora da Meia Laranja

e a segunda dedicou-se à preparação das actividades práticas e construção de recursos. As

sessões desta fase, individualizadas por nível escolar, envolveram a preparação das visitas ao

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 59

museu, definição de conteúdos, estratégias e calendarização das actividades pensando nos

diferentes níveis etários com que iríamos trabalhar.

No Ciclo dois deu-se atenção à observação e a investigadora tomou notas das intervenções,

comportamentos e atitudes dos elementos da equipa junto do professor convidado, nas

conversas das sessões de preparação das actividades e durante as próprias actividades. A

análise do plano de acção nas fichas de actividades e das alterações e adaptações feitas à

proposta inicial foram também tidas em atenção na reflexão/avaliação sobre a participação das

professoras neste ciclo de acção.

Ciclo Três

No Ciclo três, entre 28 de Abril e 11 de Maio, concretizaram-se e observaram-se as visitas e as

actividades no Museu, experimentando algumas estratégias de apreciação artística.

Durante os meses de Junho e Julho fez-se a análise e tratamento de dados, escrevendo-se

posteriormente as conclusões e recomendações para futuras práticas e investigações. Tendo

em conta as reflexões e avaliações das actividades, apoiadas em categorias que se

relacionavam com a adequação das estratégias utilizadas.

No Ciclo três, no decorrer das actividades, foram utilizadas grelhas de observação (Anexo 2)

dos alunos, dos seus comportamentos, intervenções orais e motivação.

3.3.2 Contexto da Pesquisa

Esta investigação teve lugar no Museu Nogueira da Silva que se situa no centro da cidade de

Braga e foi escolhido naturalmente porque se trata do local de trabalho da investigadora que

organiza e tem em funcionamento, desde 1991, e na continuidade de visitas implementadas

desde 1980, um serviço educativo com uma programação especialmente destinada a escolas

do primeiro ciclo e jardins de infância.

O SE deste Museu, como vimos no capítulo da revisão da literatura, tem uma estrutura

programática organizada para dar a conhecer as suas colecções e os seus espaços pretendendo,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 60

nesta investigação, dedicar-se à análise de uma pintura específica, a Senhora da Meia Laranja,

que faz parte do seu espólio e que não tem sido suficientemente explorada.

3.3.3 Professores Participantes

A escolha da amostra relacionou-se com a preocupação de alargar a vários níveis de ensino

experiências de mediação do olhar, por isso se escolheu uma turma de jardim de infância,

outra do terceiro ano e outra do sexto ano, ou seja do pré-escolar, primeiro e segundo ciclos do

ensino básico. Teria com certeza ficado facilitado o trabalho de análise de dados, já que o

tempo é muito reduzido, se a amostra se limitasse a um nível etário mas além de ficar mais

pobre, a pesquisa não cumpriria um dos objectivos fundamentais, o alargamento a outras

idades, das actividades do Museu, para além do primeiro ciclo. Esta questão marcou

naturalmente a escolha dos professores participantes, professores dos três níveis que se

pretendia estudar.

Por razões éticas foram substituídos os nomes dos elementos da equipa por iniciais. A

educadora AM do jardim de infância de Entre-Muros, com vinte e um anos de serviço, com

formação na área da Educação de Infância e um Curso de Complemento de Formação em

Educação de Infância, Domínio de Expressão e Educação Físico-Motora, Musical, Dramática

e Plástica no Instituto de Estudos da Criança (IEC/UM). Apesar de assiduamente visitar

museus com a turma, inclusivamente o Museu Nogueira da Silva, nunca fez um trabalho

aprofundado com um museu. Na sequência de um contacto mais próximo no ano anterior,

através da orientação do seu trabalho final do Curso de Complemento e de uma visita ao

museu com a sua turma ficou a ideia e o interesse de futuras colaborações.

A professora do sexto ano, LA, tinha vinte anos de serviço, um Curso Superior de Desenho

pela Cooperativa Árvore e um Complemento de Formação em EVT no IEC/UM. Tendo já

realizado trabalhos com o Museu de Serralves acha que:

É de todo o interesse para os alunos o contacto directo com a

obra de arte. Visualizando mais facilmente entendem conceitos

e conteúdos programáticos, estimulando o sentido de

observação e criatividade.

LA

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 61

A professora que acompanhou este grupo, IP, tinha oito anos de serviço e licenciatura em

Ensino Variante em Educação Visual e Tecnológica.

A professora do terceiro ano AM da escola de S. Vicente, que apesar de contar trinta e um ano

de serviço, só em 2004 teve contacto com uma turma, após um interregno de muitos anos.

Com formação na área do primeiro ciclo e licenciatura em Humanidades não realizou nenhum

trabalho com nenhum museu, mas acha que este trabalho tem interesse pela iniciação do

contacto das crianças com a arte.

A investigadora MH que é também responsável e animadora do Serviço Educativo do Museu

Nogueira da Silva desde 1991, com formação no primeiro ciclo e um Diploma de Estudos

Superiores Especializados (DESE) em Educação Visual e Expressão Plástica no IEC/UM,

trabalha no Museu desde 1984, inicialmente para fazer o inventário do espólio do Museu e

mais tarde como dinamizadora do contacto das escolas com esta instituição.

O Ciclo dois contou com um convidado, especialista em História da Arte que colaborou na

preparação da equipa. Doutorando e desenvolvendo na sua tese um trabalho sobre a

representação artística da Virgem, dinamizou uma sessão de formação profissional relacionada

com a pintura renascentista.

3.3.4 Alunos Participantes

Esta investigação contou com a participação de cinquenta e quatro alunos, dos quais quarenta

e seis já tinham visitado um museu e vinte e cinco especificamente o Museu Nogueira da

Silva. A escolha das turmas foi condicionada pelo objectivo de experimentar estratégias de

apreciação artística para três níveis etários diferentes:

- Jardim de Infância de Entre-Muros - sete raparigas e sete rapazes ;

- Terceiro ano da escola de S. Vicente - sete raparigas e nove rapazes

- Sexto ano da escola de Gualtar - onze raparigas e treze rapazes.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 62

3.3.5 Papel da Investigadora

O papel da investigadora foi, depois de formada a equipa e de ter recolhido informação sobre

as turmas e as professoras, proporcionar formação profissional aos elementos da equipa de

investigação-acção sobre alguns conteúdos ao nível da análise e contextualização da pintura a

trabalhar com as turmas. Para isso convidou um professor especializado em História da Arte.

Também esclareceu os outros elementos sobre o método de investigação a ser utilizado e o

papel da equipa neste tipo de investigação, ou seja a investigadora assumiu vários papéis:

inquiridora, ouvinte, exploradora, negociadora, avaliadora, narradora, comunicadora,

observadora e intérprete (Guba e Lincoln, 1981).

Depois de ter consultado diversos modelos de apreciação artística de investigadores nacionais

e estrangeiros, elaborou uma proposta de trabalho para as três turmas que apresentou, na

sessão de preparação das actividades, aos diferentes elementos da equipa para discussão,

alteração e adaptação. Também elaborou um pequeno questionário de reflexão, para toda a

equipa, sobre o trabalho prático, considerado muito útil para a reflexão global do trabalho.

Ocupou simultaneamente o seu papel habitual de monitora/educadora do Museu e responsável

pelo SE, dinamizando as actividades com as turmas e o de investigadora levantando as

questões e orientando a equipa em todo o processo de investigação.

3.4 Recolha de Dados

Segundo Robson (in Moura 2003), o uso de múltiplos métodos de recolha de dados em

investigação, tem a vantagem de proporcionar diferentes respostas, que podem contribuir para

remover certas incertezas ou evitar subjectividades. Assim, como instrumentos de recolha de

dados para além da revisão da literatura, no início do Ciclo um, foram utilizados: a

observação; as notas de campo e folhas de pergunta/resposta onde foram registadas impressões

pelos adultos e crianças, comentários e opiniões dos elementos da equipa; e registos visuais e

áudio.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 63

3.4.1 Registos Visuais e Áudio da Acção

Foram analisadas as conversas entre os elementos da equipa e com os alunos, instrumento a

que Pérez Serrano (in Moura, 2003, p. 84) denomina de técnicas vivas; os registos

audiovisuais (fotografia e vídeo) de toda a actividade, dos diálogos e das respostas às questões

colocadas pelos adultos sobre a pintura foram fundamentais no auxílio da memória e

confirmação dos outros registos escritos para análise dos vários aspectos da acção.

O uso da fotografia e vídeo permitiu, apesar de ser considerado um intruso (Bogdan, 1994, p.

143), um registo da acção sobre a obra analisada, dos gestos e expressões das crianças e, tendo

em atenção a grande amplitude interpretativa da imagem, deu-nos uma quantidade enorme de

informação sobre a realidade no seu contexto (Pérez Serrano, 1998, pp. 51-52). Serviu

também de suporte à memória e reflexão de pormenores que, de outra forma, teriam sido

esquecidos. Barthes (1980, p. 49) afirma que uma característica da imagem fotográfica é

revelar de imediato todos aqueles pormenores que constituem o conhecimento etnológico.

O registo em vídeo, feito com a colaboração de funcionários do Museu, foi muito importante

para analisar, do lado de fora, para além das reacções dos alunos, o comportamento da

monitora/educadora e ficar com uma visão global do que aconteceu, sobre o que é importante

alterar, aperfeiçoar ou eliminar na implementação futura, destas actividades, na programação

do Museu. Veio assim completar as notas feitas no papel de investigadora, no fim de cada

dinamização com os alunos, em que participou activamente como monitora.

Para além dessa visão global, o uso desses recursos permitiu visualizar detalhes, a que Collier

(in Moura, 2003) chama de pormenores secundários, que de outra forma podem passar

despercebidos mas que podem ser importantes para a análise global.

Em relação à interferência da presença do vídeo no comportamento dos alunos, a que Anabela

Moura (2003) faz referência, não parece ter existido, a não ser numa fase inicial, mas que

rapidamente deixou de acontecer após a familiarização das crianças com esse equipamento.

Para isso também contribuiu o facto da pessoa que filmava se ter mantido quase sempre no

mesmo lugar, sem grandes movimentos, evitando assim, dispersar a atenção dos alunos.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 64

3.4.2 Observação e Registo da Acção

A observação utilizada foi a observação participante, como lhe chama Wilson (in Moura,

2003) já que a investigadora conduziu simultaneamente toda a actividade e pôde construir

padrões de percurso, de atitudes, verificar a influência do modelo de Taylor sobre as

professoras e as crianças de três níveis de ensino. Este tipo de observação é diferente da que

Pérez Serrano (in Moura, 2003) chama de observação externa onde o investigador não entra

nas actividades. Cohen e Manion (1990, pp. 168-171) classificam a observação participante

como sendo adequada à recolha de dados subjectivos e cheios de significados dos

comportamentos humanos, permitindo perceber o funcionamento social, estético e artístico das

crianças e identificam algumas vantagens como: ser apropriada para o estudo de

comportamentos não verbais; onde é possível discernir comportamentos diferentes dos

correntes e tomar notas sobre isso; onde se pode desenvolver relações íntimas e informais com

quem se observa em ambientes mais naturais do que os de laboratório.

Por outro lado também distinguem algumas desvantagens como: a falta de medidas

quantificáveis pode tornar a análise subjectiva, polarizada e impressionista, mas analisar

comportamentos que envolvam subjectividade e emoções, como no contacto com a arte, só

através de uma observação em que o investigador participe se poderá aproximar mais do

observado, criando condições para a abertura da actividade à liberdade de expressão; o

envolvimento emotivo pode toldar a observação participante da investigadora; a inexistência

de quem supervisione o estudo com olhar distante e crítico, apesar de, nesta investigação, a

participação e observação por parte dos outros elementos da equipa ter atenuado essa falha

através da sua avaliação das actividades, e ter funcionado como validade externa (Cohen e

Manion, 1990, p. 169). Optou-se por observações semi-estruturadas onde se enumerava tudo o

que devia ser observado e registado. Esses dados permitiram detectar diferentes tipos de

motivação e caracterizar as condições de aprendizagem em que decorreram as intervenções

dos Ciclos dois e três.

3.4.3 Trabalhos Plásticos e Notas de Campo das Crianças

Os trabalhos plásticos e os registos escritos considerados por Pérez Serrano (1998, p. 30)

informação de primeira mão, foram também dados recolhidos para reflexão e avaliação dos

comportamentos e atitudes dos alunos no momento da contemplação, permitindo verificar-se

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 65

se se tratava de uma observação descritiva, que elementos se destacavam, se estavam

desinibidos, interessados teria existido alteração ou aquisição de nova informação no caso.

3.4.4 Notas de Campo e Folhas de Pergunta/Resposta

As notas de campo recolhidas nos três ciclos, prontamente no final de cada sessão (Cohen e

Manion, 1990, p. 171), foram úteis na medida em que nelas foram registadas as primeiras

impressões da investigadora, aquilo a que Jacobson (in Moura, 2003) chama de aspectos

expressivos sobre o ocorrido no momento, o processo, opiniões dos outros elementos da

equipa, falhas a corrigir, a que aquele autor chama de referencial. Essas notas e o registo em

vídeo confirmaram-se e completaram os dados recolhidos.

Foi também utilizado, no final do Ciclo três, outro método de recolha de dados em formato

pergunta/resposta (Anexo 3) que permitiu uma análise interpretativa das opiniões dos outros

elementos da equipa, que apesar de, como Robson (in Moura, 2003) defende, ser um

instrumento rápido e fácil de concretizar, é muito superficial servindo apenas para, como os

registos escritos e plásticos dos alunos completaram o feedback e a reflexão/avaliação das

actividades. Serviu também para validar e confirmar as opiniões da investigadora.

3.5.1 Análise de Dados

A análise de dados permitiu verificar se os principais objectivos deste estudo foram

desenvolvidos e se foram obtidas respostas às questões chave.

A revisão da literatura teve a intenção de ajudar os elementos da equipa de investigação-acção

a esclarecerem e a aprofundarem conceitos chave e terminologia usada e dar uma ideia geral

do conhecimento e investigação existente sobre a área do problema. Foi sentida a necessidade

de investigar mais teorias e práticas relacionadas com modelos de apreciação artística ao nível

internacional e nacional a partir de fontes primárias e secundárias, tendo sido consultada a

legislação, livros, artigos, jornais e programas de museus.

A análise de dados baseou-se nas observações sistemáticas nos três Ciclos, reflexão e

avaliação das visitas, da colaboração entre os elementos da equipa, das suas opiniões, dos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 66

materiais educativos utilizados, dos planos das visitas e das respostas verbais e gráficas das

crianças. A reunião desta variedade de pontos de vista permitiu uma triangulação na análise de

dados, comparando-os e relacionando-os (Pérez Serrano, 1998, p. 189).

Foi muito útil para a elaboração das perguntas orientadoras da verbalização do contacto com a

obra de arte escolhida para trabalhar com os alunos, a Senhora da Meia Laranja, a sua

monitorização uns meses antes, de descrição da imagem (reprodução em postal do original)

por alunos de diferentes níveis do Colégio do Minho em Viana do Castelo, e cujas respostas

serviriam de base, com as várias adaptações aos níveis etários e ao modelo de Taylor (1988)

nas questões de conteúdo, forma, processo e emoção.

Depois de cada visita ao Museu eram tomadas as notas e feita a sua revisão baseada na análise

dos planos das visitas (Anexo 4), nas grelhas de observação (Anexo 2) usadas para registar a

informação sobre cada visita. Essas grelhas assinalavam diferentes aspectos estabelecidos na

preparação das actividades, divididos em diferentes categorias de análise de acordo com as

sessões observadas e os planos de acção. Numa fase posterior as grelhas permitiram analisar

semelhanças e diferenças entre as várias visitas.

O processo de análise baseou-se nos mesmos princípios, no final de cada encontro no Ciclo

um, ou de cada sessão nos Ciclos dois e três. Toda a informação do vídeo foi transcrita de

forma a encontrar erros ou lacunas, a informação que era mais relevante era sublinhada para

ser analisada e possibilitar a posterior reflexão e avaliação dos percursos da acção. Também

procuramos seleccionar as características mais e menos comuns das visitas, de forma a fazer

uma análise comparativa entre os dados recolhidos.

Toda a informação recolhida a partir da utilização dos diversos instrumentos foi registada com

a preocupação de descrever e interpretar o mais fielmente possível o que aconteceu, evitando

enviesamentos. Para garantir isso, foram utilizadas citações das crianças e adultos e alguns

termos que ocorreram com alguma frequência.

Também foram recolhidas e analisadas as opiniões dos elementos da equipa no sentido de se

perceber se foram eficazes as estratégias aplicadas e quais a alterações a fazer futuramente.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 67

3.5.2 A Reflexão e Avaliação

Moura (2000, p. 90) refere Schön a propósito da prática reflexiva e afirma que esta se constrói

na premissa que, ensinar, significa questionar sempre as nossas próprias acções e que o

conhecimento profissional em termos de ensino é sempre uma forma de conhecimento prático

integrativo, declarativo, processual, contextual e continuamente renovado. Moreira, Vieira e

Marques (1997) reforça a ideia que a reflexão é central à formação de professores, à educação

e sociedade em geral.

Tentamos nesta investigação uma reflexão sobre as estratégias utilizadas, as práticas e os

comportamentos dos alunos e dos adultos envolvidos, para avaliar o que pode e deve ser

melhorado e alterado, pois acreditamos que é da experimentação que nascem novas ideias e se

descobre e compreende a melhor maneira de as pôr em prática.

Em relação à equipa tentamos reflectir sobre as expectativas que tinham em relação a esta

investigação, quer dos professores quer da monitora/educadora do Museu, as dificuldades

sentidas e a capacidade demonstrada na sua resolução. Em relação aos alunos reflectimos e

avaliamos o grau de envolvimento e satisfação na participação das actividades, a adequação

das estratégias e adaptação de materiais estrangeiros ao contexto nacional.

Com base nas principais funções definidas por Eisner (1985), esta investigação utilizou a

avaliação para:

(i) diagnosticar a adequação das intervenções em termos de desenvolvimento profissional da

equipa;

(ii) guiar as tomadas de decisão ao longo da investigação-acção de forma a movermo-nos até

às metas desejadas, tendo em atenção a reflexão sobre a recolha sistemática de dados (Ciclos

dois e três);

(iii) identificar as necessidades dos alunos em termos de leitura da obra de arte e

(iv) determinar a adequação dos planos das visitas, objectivos, conteúdos e recursos e

estabelecer se as metas de ensino/aprendizagem tinham sido atingidas.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 68

3.6 Considerações Éticas

A realização deste trabalho só teve início após a concordância da Direcção do Museu que o

achou importante para a actividade do SE.

O contacto com as escolas foi informal e tentou esclarecer sobre os objectivos e a metodologia

desta pesquisa. No fim a Direcção do Museu enviou um ofício às escolas a agradecer a

participação das professoras e respectivas turmas nesta investigação.

Robson (1993, p.33) refere diversas situações problemáticas nem investigação que se

relacionam com ética e que foram consideradas neste estudo:

(i) envolver as pessoas sem o seu conhecimento ou consentimento;

(ii) obrigá-las a participar;

(iii) violar direitos de auto-determinação e auto-estima;

(iv) expor os participantes a stress físico ou mental;

(v) invadir a privacidade dos participantes;

(vi) tratar os participantes de forma injusta e sem respeito

Foi também perguntado aos elementos da equipa se desejavam ou não ser identificados neste

relatório e dada a oportunidade de permanecerem anónimos ou seja, os princípios da

confidencialidade e anonimato foram respeitados. Para duas das professoras era indiferente,

mas como houve uma professora que achou não ser necessário, optou-se por dar apenas

iniciais para identificar os elementos da equipa.

3.7 Sumário

Neste capítulo descrevemos e justificamos a selecção do método de investigação-acção como

sendo o mais apropriado para introduzir novos métodos de análise de obras de arte no Museu

Nogueira da Silva. Este método foi escolhido porque se pretendia investigar no local da

intervenção (situacional), porque também se pretendia envolver os professores nas actividades

do Museu (colaborativo e participativo), e porque se desejava experimentar estratégias de

apreciação artística, reflectir sobre elas para melhorar e aplicar no futuro (auto-avaliadora).

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 69

Utilizou-se o modelo organizativo de Elliot (1990) em três ciclos e recolheram-se dados a

partir da utilização de diversos instrumentos. Esses instrumentos de recolha de dados foram

seleccionados tendo em conta os seguintes aspectos:

(i) revisão e análise de literatura sobre modelos de apreciação artística e contextos

museológicos e actividades e recursos a utilizar na leitura de obras de arte;

(ii) conversas informais com professores de diversos níveis de ensino;

(iii) programas de visitas de estudo e uso de fontes primárias;

(iv) respostas visuais e verbais de crianças, usadas para triangular a informação a partir da

análise de documentos. A informação era importante pois permitiria conhecer através dos

comportamentos dos alunos e da equipa se as estratégias utilizadas nas visitas de estudo

funcionaram bem ou não e o que deveria ser alterado no futuro.

Alguns princípios éticos foram respeitados. Os intervenientes foram claramente informados

sobre a pesquisa que ia ser conduzida e a metodologia que ia ser usada e foi-lhes solicitada sua

autorização. Finalmente, o plano de acção e a implementação da investigação-acção foram

decididos.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 70

CAPÍTULO 4

DESCRIÇÃO DA ACÇÃO

4.1 Introdução

Este capítulo descreve os três ciclos da investigação-acção que foram levados a cabo, as

opções metodológicas assim como os procedimentos adoptados nas situações específicas em

que decorreu a acção e os instrumentos usados para a recolha de dados. A descrição das

acções observadas inclui a referência aos três ciclos: o da formação da equipa, o da preparação

das actividades com os alunos e a implementação das visitas e uso de novas estratégias.

4.2 Descrição dos Três Ciclos da Acção

4.2.1 CICLO UM

O Ciclo um constou de encontros informais para apresentação e aceitação do projecto.

Apresenta-se a reflexão/avaliação dos diversos encontros com professores no final da

descrição do Ciclo.

Objectivos do Ciclo um

(i) redefinir o problema desta investigação com os elementos da equipa;

(ii) seleccionar o método de investigação para resolver ou reduzir o problema diagnosticado;

(iii) envolver todos os elementos na metodologia a utilizar;

(iv) identificar estratégias de apreciação artística a utilizar.

Recursos do Ciclo um

Os recursos utilizados na investigação-acção foram: postal reproduzindo a Senhora da Meia

Laranja; resumo da primeira versão, do esboço desta investigação e ficha de recolha de

informação (Anexo 1) sobre a turma e os professores da equipa.

Descrição da acção

A investigadora e os elementos da equipa reuniram e conversaram sobre a pertinência desta

investigação, reflectindo sobre:

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 71

(i) o desconhecimento de estratégias de apreciação que permitam olhar e falar sobre a obra de

arte, explorando o modelo de apreciação artística de Taylor;

(ii) o método de investigação escolhido, suas características e a importância do trabalho de

equipa;

(iii) a recolha de informações sobre as turmas e as professoras convidadas e diagnóstico sobre

a formação dos elementos da equipa na área da apreciação artística e análise da obra de arte.

1.ª Sessão

Participantes

Investigadora e professora do 3.º ano (AM)

Calendarização

26 de Novembro pelas 18H30

Descrição

O primeiro contacto da investigadora com a professora do 3.º ano foi informal, previamente

combinado por uma amiga comum, numa mesa de café, depois das aulas. A professora

começou por falar um pouco sobre a sua reduzida experiência profissional e sobre a turma, um

grupo de alunos sem grandes problemas de aprendizagem.

A investigadora e AM começaram por confirmar o problema da investigação e como o método

de investigação-acção permitiria reflectir e actuar sobre esse problema. Conversaram um

pouco sobre o método e as suas características, o que implicaria um envolvimento de colegas.

AM, apesar de não ter muita experiência de trabalho lectivo mostrou-se muito interessada em

participar nesta experiência.

Foi mostrada a imagem da obra que seria objecto de análise e sobre a qual a professora não

apresentou nenhuma objecção. Abordou-se a questão da importância do uso do museu como

recurso educativo e a ideia base do modelo de apreciação artística seleccionado. AM,

frequentadora assídua de exposições e museus, mostrou o seu gosto e interesse por arte mas,

simultaneamente afirmou não ter preparação suficiente para abordar essas questões com os

alunos. Desconhecia também o grau de sensibilidade e conhecimentos prévios dos alunos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 72

nessa matéria, quer transmitidos a partir da escola, quer a partir da família. As informações

escritas sobre a turma foram entregues posteriormente.

2.ª Sessão

Participantes

Investigadora e Professora do 6.º ano (LA)

Calendarização

No dia 13 de Janeiro pelas 15H00

Descrição

Com a professora do 6.º ano, LA, o primeiro contacto aconteceu no Museu Nogueira da Silva,

e envolveu uma conversa sobre o problema da investigação, redefiniu-se o problema e

reflectiu-se sobre a importância deste trabalho com as crianças e o tipo de método de

investigação a usar que implicaria um envolvimento de todos os elementos da equipa. O

método de investigação-acção foi considerado o mais adequado para a redução do problema

detectado. LA mostrou ter prática de visita a museus com as suas turmas, inclusivamente com

a turma participante nesta investigação e demonstrou que a sua formação profissional e

artística se tem reflectido também na sua preparação e prática na educação artística dos alunos.

Reflectimos também sobre o pouco que normalmente se faz na área da apreciação artística nas

escolas e sobre o que o Currículo Nacional do Ensino Básico refere nessa matéria. Foi

mostrada a obra que interessaria trabalhar e as características do modelo de apreciação

artística seleccionado pela investigadora, aceite pela professora. As informações escritas sobre

a turma e a professora foram entregues posteriormente.

3.ª Sessão

Participantes

Investigadora e Educadora (AMM)

Calendarização

No dia 29 de Janeiro pelas 17H00

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 73

Descrição

Este contacto reatou uma conversa tida no final do ano lectivo de 2002/2003 quando a

investigadora orientou o projecto final do Curso de Complemento na área das Expressões da

educadora que mostrou interesse em colaborar com o seu grupo de alunos num trabalho com o

Museu. Foram igualmente fornecidos os mesmos dados que aos outros elementos da equipa ao

nível da confirmação do problema, da selecção do método de investigação-acção e do modelo

de apreciação artística e auscultada a sua opinião que foi favorável. Apesar de não ter

formação específica na área da apreciação artística, demonstrou uma sensibilidade para as

questões artísticas, reflectidas também na prática com os alunos em relação à promoção do

contacto com a arte e as suas diferentes formas, o teatro, a música e as artes plásticas. As

informações escritas sobre os alunos e a professora foram também entregues posteriormente.

Reflexão/Avaliação do Ciclo Um

O principal objectivo deste Ciclo foi conseguido pois os professores contactados concordaram

em se envolver na investigação-acção, colaboraram bem na redefinição do problema e este

Ciclo deu-lhes a oportunidade de tomarem consciência das lacunas existentes em termos de

utilização de museus e concretamente na análise de obras de arte, para exploração de

conteúdos estéticos e artísticos. Este Ciclo permitiu também diagnosticar melhor as

necessidades dos professores em actividades de apreciação artística e determinar alguns

obstáculos e dificuldades que os professores do Ensino Pré-Escolar e Básico têm nesta área.

Conclui-se que, apesar dos diversos obstáculos diagnosticados nos três encontros, todas as

professoras demonstraram grande entusiasmo em participar na investigação-acção e

contribuírem para a redução do problema.

4.2.2 CICLO DOIS

Este segundo Ciclo teve o objectivo de preparar a equipa para a implementação das

intervenções no Museu. Isso envolveu, numa primeira fase e em dois blocos, a formação

profissional e, numa segunda fase, a preparação das visitas e respectivos recursos. Optou-se,

neste Ciclo por reflectir e avaliar no final de cada sessão.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 74

4.2.2.1 Formação Profissional

A formação profissional organizou-se em dois blocos. Um destinado ao conhecimento do

Museu Nogueira da Silva, colecções e actividades e outro ao conhecimento do conjunto de

pinturas renascentistas e mais precisamente a da Senhora da Meia Laranja.

A formação serviu de base ao trabalho de preparação de materiais e da intervenção a adoptar

com os alunos nas visitas de estudo do Ciclo três onde se trabalharia a obra A Senhora da

Meia Laranja, uma das obras do conjunto renascentista do Museu.

Dois dos quatro elementos da equipa também estão a frequentar o Curso de História de Arte, a

funcionar neste momento no Museu Nogueira da Silva.

Objectivos da Formação

1.º Bloco: (i) conhecer o Museu Nogueira da Silva, as suas colecções, os seus espaços e a

programação do Serviço Educativo;

2. Bloco: (i) Promover o contacto com a pintura renascentista, flamenga e italiana relacionada

com a vida de Jesus;

(ii) conhecer uma obra específica, uma pintura renascentista, do século XVI, flamenga,

representando a Virgem e o Menino, conhecida pela Senhora da Meia Laranja;

(iii) conhecer e adquirir estratégias de análise para utilizar na leitura da obra escolhida, para

ser trabalhada com os alunos.

Recursos

1.º Bloco: Documentação sobre as colecções do Museu e a programação do Serviço

Educativo; 2.º Bloco: o conjunto de pintura renascentista do Museu onde se inclui a Senhora

da Meia Laranja.

Descrição da acção

1.º Bloco

Participantes

Toda a equipa e o convidado Dr. José Manuel Ribeiro (JR).

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 75

Calendarização

16H00 do dia 25 de Fevereiro

Descrição

Apresentaram-se os elementos da equipa já contactados prévia e isoladamente. Este bloco foi

orientado por HR. Visitamos o Museu Nogueira da Silva, as suas colecções e conversamos

sobre as actividades que o SE mantém com as escolas. Foram também abordadas as seguintes

especificidades do espaço museológico já referidas no capítulo da revisão da literatura:

organização museológica e expositiva que no MNS se optou nuns casos pela unidade temática

dos objectos e noutros pela cronológica; factores tempo e espaço, tentando recriar ambientes

como na sala romântica; comunicação com os objectos e as colecções dando exemplos de

actividades formativas e tipo de informação fornecida; heterogeneidade dos públicos

adaptando linguagens e graus de dificuldades das propostas de percursos e actividades;

efemeridade do contacto tentando uma primeira avaliação do que será possível fazer com os

alunos numa ida ao Museu na exploração de apenas um objecto, neste caso uma pintura;

actividades habitualmente desenvolvidas desde visitas gerais, temáticas, ateliers e outras; e

utilização dos sentidos que no caso desta investigação se focaliza principalmente na visão e no

tacto.

2.º Bloco

Participantes

Toda a equipa e JR.

Calendarização

17H00 do dia 25 de Fevereiro

Descrição

Deste ciclo também se descreve, reflecte e avalia um curto programa de desenvolvimento

profissional que contou com a colaboração de um professor de História da Arte, JR,

doutorando na área da representação plástica da Virgem na arquidiocese de Braga, que

reflectiu sobre a obra a Senhora da Meia Laranja, na sua estrutura formal, temática e seu

enquadramento na história da arte. Durante a visita, e quando chegamos à sala da Pintura

Antiga, por volta das dezassete horas, JR tomou a palavra e olhamos atenta e demoradamente

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 76

a pintura seleccionada e as outras pinturas renascentistas envolventes representando Maria e

Jesus tirando-as do silêncio que todos os dias nos provocava ao passar por elas, com as turmas

das escolas que visitam o Museu. A análise envolveu, de uma maneira geral as categorias

referidas por Taylor (1988) de conteúdo, de forma, de processo e emoção.

O convidado explorou o conteúdo da obra referindo que naquele conjunto de seis pequenas

pinturas renascentistas havia diferentes momentos da vida de Jesus: o nascimento representado

no tríptico da Virgem e o Menino, século XVI cujas partes laterais foram adaptadas

posteriormente; o aleitamento na Senhora da Meia Laranja, Flandres, século XVI (Fig.43) e

na Virgem do Leite, Flandres, fins do século XVI (Fig.46); o convívio, na representação da

Virgem, o Menino, Santa Ana e S. João Baptista, século XVI (Fig.44); a representação da

Santíssima Trindade na Virgem e o Menino com o Padre Eterno e o Espírito Santo, Holanda,

século XVI (Fig.45) e da morte de Jesus na Pietá, Flandres século XVI (Fig.47).

Foi importante esta relação da pintura que pensamos trabalhar com os alunos – A Senhora da

Meia Laranja com as pinturas envolventes, já que a comparação ajuda a leitura da obra,

tornando as características mais evidentes através das semelhanças e diferenças. Ana Mae

Barbosa (1991, pp. 44-63) refere vários autores como Feldman e Briére que utilizam a

estratégia de comparação como base para a apreciação artística.

Fig.43 Fig.44

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 77

Fig.45 Fig.46 Fig.47

Em termos de conteúdo e forma os participantes compararam também a cor, a luz da pintura

característica do norte de Itália, a Virgem, o Menino, Santa Ana e S. João, o cabelo ruivo de

Maria e dos Meninos, as cores terra e ocres, e a imensa luminosidade característica dos países

mediterrâneos, em contraste com as cores escuras e pouco luminosas da pintura da Senhora da

Meia Laranja do norte frio da Europa.

Foi referido por JR que a luz fria sugerida pelos azuis, e o escuro dos vermelhos e verdes de

todo o grupo flamengo contrastava com a claridade dos ocres, amarelos e brancos, cores

quentes da única pintura italiana desta colecção, criando dois ambientes completamente

diferentes (Fig.48 e Fig.49).

Fig.48 Fig.49

Olhando para o tríptico de cerca de 1560, cujas abas possuem a representação de Santos, já de

uma época mais tardia, foi utilizado para comparar com as outras pinturas do conjunto, todas

renascentistas. Notamos as texturas mais marcadas, a luz mais sombria, as formas mais

elaboradas, os contornos mais esbatidos desses Santos das abas que fogem já às características

do Renascimento e contrastam com a própria pintura central do tríptico.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 78

A pintura do Renascimento é, segundo Morante López e Ruiz Zapata (1994, p. 152) das

manifestações artísticas mais multiformes deste período e onde acontecem as grandes

modificações que irão estar na base de toda a pintura moderna. Algumas dessas características

conseguem-se distinguir, neste núcleo, por exemplo nas texturas, que apesar de neste período,

segundo aquelas autoras não terem grande protagonismo plástico, são muito marcadas pela

técnica do óleo, técnica introduzida pelos flamengos em meados do séc. XV, e ainda pelo

suporte, a madeira, tornando as pinturas mais lisas. É nesta época que se começa a utilizar

também a tela como suporte, alterando a própria textura das obras. (conteúdo, forma e

processo)

Os corpos que se contorcem e distorcem para se adaptarem à intenção do artista tal como a

elevação dos seios da Senhora (Fig.50) com o fim de centralizar o tema, a aleitação, dando-lhe

destaque. Nesta época, a forma era muitas vezes sacrificada ao tema, à mensagem que o artista

pretendia transmitir. O maior realismo de representação de algumas destas pinturas, como é o

caso da italiana e das abas do tríptico, contrastam com as outras nessa distorção dos corpos

(Fig.51). (conteúdo e forma)

Fig.50 Fig.51 A obra em questão, em relação às outras deste núcleo, para além da riqueza dos planos que

servem de fundo, incorpora três tipos de pintura: o retrato, a paisagem e a natureza morta

(Fig.52) na mesa do primeiro plano. Neste último concentram-se uma série de elementos

simbólicos da maternidade e da fecundidade: os frutos arredondados, a meia laranja (por vezes

surgem dúvidas na denominação deste citrino, se é uma laranja pela forma arredondada, um

limão pela cor ou uma lima) aberta, com as sementes bem visíveis e as tulipas (Fig.53) que,

pela forma enconchada nos reporta para o útero materno.(conteúdo e forma)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 79

Fig.52 Fig.53

O vestuário, mais característico da época da pintura do que da história que conta, assim como

a riqueza dos tecidos quer das roupas (Fig.55, 56 e 57) quer dos reposteiros (Fig.54), bem

diferentes dos usados em Belém ou Nazaré, pretendem elevar a importância das personagens

num jogo de anacronias e intenções do artista. O uso da coifa, (Fig.55) uma espécie de lenço

na cabeça, é comum a todas as obras deste conjunto, diferenciando-se apenas na riqueza da

matéria-prima. Também os tecidos, através do jogo claro/escuro das pregas dão volume à

figura, assim como o sombreado dos rostos e dos corpos. (conteúdo, processo e emoção)

Fig.54, 55, 56 e 57

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 80

O olhar baixo, resguardado e amendoado da Senhora (Fig.58), característico desta época,

dirigido para o Menino e a posição das mãos, de um e de outro (Fig.59), sugerem gestos e

sentimentos de ternura, num ambiente íntimo também insinuado pelas cores escuras do

interior de uma casa. O conteúdo da pintura da Senhora da Meia Laranja apesar de reforçar a

função de exaltação religiosa humaniza as personagens enquadrando-as num ambiente

quotidiano da época. (emoção)

Fig.58 Fig.59

Em relação à composição organiza-se de acordo com os esquemas geométricos elementares, o

triângulo, o círculo e o rectângulo. (Anexo 5)

A ideia de profundidade é sugerida pelos diferentes planos (Fig.60) bem distintos e marcados

pela linha de contorno, normalmente bem definida numa fase inicial do Renascimento, pela

sobreposição dos elementos e pela alternância do claro e escuro. A sobreposição desses planos

faz-se sem deixar grande espaço entre eles, dando uma sensação de artificialidade ingénua,

mas que resulta principalmente no plano de fundo, a paisagem que abre a janela para o

infinito.

Na própria paisagem existe já algum esbatimento de cores e da linha de contorno, outra forma

de neste período se dar a ideia de profundidade, perspectiva aérea (Morante López e Ruiz

Zapata 1994, p. 153). Para além dessa sensação de profundidade, Kenneth Clark (1980)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 81

acrescenta que, quando o homem renascentista olhava para o campo, não via a sua utilidade na

produção de pão, mas sim no paraíso terrestre.

A consciência da natureza se incorpora ao desejo de fuga – ou

à esperança de vida melhor.

Clark, (1980, p. 132)

Tabela 3

Formação Profissional

1.º Bloco 2. º Bloco

Participantes Toda a equipa e o convidado JR

Calendarização 16h do dia 25 de Fevereiro (duração aproximada de 120 minutos)

Objectivos

Darem-se a conhecer todos os elementos da equipa. Conhecer o Museu Nogueira da Silva, as suas colecções, os seus espaços e a programação do Serviço Educativo

Conhecer e promover o contacto com a obra de arte A Senhora da Meia Laranja e as pinturas envolventes, um conjunto renascentista, flamengo e italiano.

Descrição

Apresentaram-se os elementos da equipa. Visitamos o Museu Nogueira da Silva, as suas colecções e conversamos sobre as actividades Serviço Educativo. Foram também abordadas algumas das especificidades do espaço museológico.

A equipa, com a ajuda do convidado JR reflectiu sobre a obra a Senhora da Meia Laranja e as cinco pinturas envolventes, na sua estrutura formal, temática e seu enquadramento histórico. A análise tocou, de uma maneira geral as categorias referidas por Taylor (1988) de conteúdo, de forma, de processo e emoção.

Recursos

Documentação sobre as colecções do Museu e a programação do Serviço Educativo.

O conjunto de pintura renascentista do Museu onde se inclui a Senhora da Meia Laranja, uma pintura flamenga do séc. XVI.

Reflexão

Foi importante o conhecimento do contexto onde iria acontecer a parte prática desta investigação e o tipo de actividades possíveis de desenvolver com os alunos motivando as pessoas para pensar e criar novas actividades. Os elementos da equipa, numa conversa amena, enquanto percorríamos os espaços, colocavam questões e mostravam-se motivados.

Esta sessão foi importante para uma formação pessoal dos próprios elementos da equipa no despertar e sensibilizar para o olhar e apreciar pintura e, consequentemente os motivar para transmitirem essa sensibilidade, esse olhar atento e interesse sobre as obras de arte, aos seus próprios alunos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 82

Sobreposição dos planos Fig.60

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 83

Reflexão/Avaliação

Os objectivos do primeiro bloco foram atingidos. Foi importante o conhecimento do contexto

onde iria decorrer a investigação e o tipo de actividades possíveis a desenvolver com os

alunos, motivando as pessoas para pensar e criar novas actividades. Os elementos da equipa,

numa conversa amena, enquanto percorríamos os espaços, colocavam questões e mostravam-

se motivados.

No segundo bloco toda a equipa se mostrou muito interessada colocando questões

relacionadas com as obras em causa. Apesar de todos os elementos evidenciarem ter já uma

ideia sobre a pintura renascentista e algumas das suas características, notou-se em todos

admiração e entusiasmo pela descoberta de um novo olhar sobre aquele núcleo de pintura,

através daquele olhar conhecedor, notoriamente mais habituado a analisar obras de arte.

Detalhes foram destacados, explicações dadas sobre as diferentes opções do artista

provocando perguntas e exclamações. Esta sessão foi importante para uma formação pessoal

dos próprios elementos da equipa no experimentar, despertar e sensibilizar para olhar e

apreciar pintura e no enquadramento na história da arte, consequentemente os motivar para

transmitirem essa sensibilidade, esse olhar atento e interesse sobre as obras de arte, aos seus

próprios alunos.

4.2.2.2 Preparação das Visitas

Nesta fase, a da preparação das visitas, aconteceram três sessões com as diferentes professoras

dos três níveis de ensino.

Objectivos

Os objectivos das três sessões foram os seguintes:

(i) aprofundar o conhecimento sobre o modelo de apreciação a adoptar reflectir e tomar

decisões sobre os recursos a construir para as intervenções no Museu;

(ii) encorajar a troca de ideias entre os participantes com vista à procura de soluções para os

problemas práticos que costumam afectar as crianças quando visitam os museus;

(iii) planificar as visitas tendo em conta as expectativas e conhecimentos dos alunos sobre a

leitura da obra de arte e sobre a pintura renascentista, no caso dos do segundo Ciclo;

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 84

(iv) elaborar fichas de orientação das actividades de leitura da obra de arte, de forma a

promover uma atitude positiva e autónoma das crianças, de diversos níveis de ensino no

contacto com a arte;

Recursos

Inspirada nas fichas utilizadas na investigação-acção anterior, Olhar, ouvir e sentir o Museu e

no modelo apresentado por Aguilera e Villalba (1998), a investigadora preparou umas fichas

de actividades (Anexo 4) para discussão e adaptação, com a professora de cada turma,

contemplando os seguintes parâmetros: público destinatário, equipa, calendarização, duração

da actividade, recursos, objectivos gerais e específicos; sequência da actividade com os

conteúdos e, naturalmente, um espaço para reflexão.

Descrição da acção

Ao planificar as seis visitas de estudo contemplaram-se entre outras coisas, a idade das

crianças, os conteúdos disciplinares já adquiridos ou a adquirir pelos alunos, para adaptar e

optimizar as estratégias de apreciação artística a aplicar. As fichas apresentadas pela

investigadora como base de trabalho nas sessões com as professoras para a preparação das

visitas serviram também de base para reflexão e aprofundamento dos modelos de apreciação

artística.

O modelo que melhor pareceu enquadrar-se nas expectativas de tratamento do objecto

museológico, obra de arte, e que serviu de base ao trabalho de preparação das actividades foi o

de Taylor (1988, pp. x, xi, xii) porque defende a importância de complementar a natureza

expressiva da arte e o teor prático das actividades plásticas, quer do ensino formal, quer dos

Serviços Educativos com os aspectos contemplativos, reflexivos e críticos. Este autor defende,

por isso mesmo, o proporcionar aos alunos oportunidades de contacto com originais criando-

se relações de trabalho entre as escolas e os museus e galerias para explorar métodos e

estratégias que tornem os alunos aptos a desenvolver um vocabulário crítico e a expressar

ideias sobre o seu próprio trabalho e o dos artistas. (1988, pp. x, xi, xii)

Apesar de nos apoiarmos fundamentalmente na escolha no modelo de Taylor (1988), na

valorização da contemplação e do diálogo sobre os domínios conceptual, produtivo e

contextual e crítico da obra de arte, características e procedimentos comuns também a outros

modelos como o do projecto de Gonçalves, Fróis e Marques (2002) na utilização da leitura em

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 85

diálogo, da comparação e da experimentação explorando questões de conteúdo, forma,

processo e emoção, outros aspectos de outras estratégias de apreciação foram adoptados.

Do modelo de Alison Kelly (in Clement, 1994, pp. 8-9) aplicou-se a descrição, a análise, a

comunicação, a resolução de problemas e a expressão quer na representação da pintura do

início e do fim quer no trabalho prático de focalização do olhar ou no inventar histórias; de

Jean Coombe (in Clement, 1994, pp. 10-15) apesar de este autor não fazer uma utilização

directa da obra de arte, aproveitou-se a ideia de ligação à realidade do aluno que pensamos

fazer todo o sentido principalmente para o nível do Jardim Infantil; também se utilizou a ideia

de jogo defendida por Analice Dutra Pillar (1996) e Francoio (S.d.) utilizando uma maqueta de

tamanho grande onde os alunos puderam intervir e entrar literalmente na pintura.

1.ª Sessão

Participantes

LA do sexto ano e MH do SEM

Calendarização

30 de Março às 16H00

Descrição da acção

Depois de apresentada a respectiva ficha de trabalho, uma proposta de plano das actividades,

pela investigadora, passou-se à sua análise e adaptação. Abordamos vários modelos de

apreciação artística mas concordamos que o modelo de Taylor (1988) era o que mais se

adequava dada a importância que pretendíamos atribuir à contemplação e verbalização do

contacto com a obra de arte. Foram escolhidas as questões mais indicadas para a verbalização

da leitura, em grupo, da obra segundo o modelo seleccionado. Em relação a esta turma não

surgiram dificuldades na formulação das questões orientadoras da análise já que os alunos

possuíam hábitos de análise da obra de arte e tinham já algum vocabulário artístico. Ficou

combinado no entanto que seria importante fazer uma preparação prévia, na escola, ao nível da

contextualização histórica pois apesar de já terem abordado vários períodos da História de

Arte o Renascimento ainda não tinha sido tratado. Neste caso a leitura da Senhora da Meia

Laranja seria também uma forma de confirmar conceitos previamente adquiridos.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 86

Por fim decidimos qual o instrumento de análise da obra iríamos focalizar na segunda visita,

neste caso ao nível formal. Uma das características que consideramos interessante nesta

pintura é a utilização dos diferentes planos para nos provocar a ideia de profundidade, desde a

paisagem de fundo que a prolonga para o infinito, até à utilização da sobreposição dos vários

elementos, com as linhas de contorno bem definidas e a alternância do claro escuro muito

evidente no reposteiro por trás das figuras centrais, assim, optamos pelo tratamento dos planos

na segunda sessão. Como a turma tinha explorado a arte Contemporânea nas aulas, pareceu

também interessante fazer o contraponto dos dois períodos da História da arte – o

Renascimento e a época Contemporânea.

Definimos o papel dos adultos, principalmente da investigadora orientadora das visitas, que

seria o de questionar, orientar o olhar, chamar a atenção para detalhes, características, ouvir

opiniões, impressões e opiniões, numa perspectiva já mencionada previamente e a que

Françoise Buffet, (1997, p. 16) chama de mediação cultural na interacção de esquemas e

linguagens que se pretendem comuns, utilizando a mediação didáctica na aplicação de

estratégias de apreciação artística.

Conversamos também sobre o material a utilizar e a organização das actividades no tempo e

no espaço, considerando alguns detalhes sobre o funcionamento do atelier e os materiais

necessários que correspondessem minimamente aos hábitos de trabalho da turma.

Reflexão/Avaliação

Esta sessão foi muito útil para toda a organização da actividade principalmente porque

permitiu conhecer os antecedentes da turma ao nível da educação artística e, a partir daí,

organizar as questões que orientariam a leitura da pintura da Senhora da Meia Laranja e a

escolha dos instrumentos de análise a focalizar na parte prática. Só com a opinião da

professora que conhecia a turma, o programa de arte, as capacidades e os conhecimentos das

crianças, foi possível ultrapassar essa dificuldade. Segundo LA, não seria difícil pois esta

turma estava já sensibilizada para as questões da arte, tinha participado em vários projectos

com Serralves, tido contacto com obras de arte e possuía alguns hábitos ao nível da apreciação

artística.

A selecção e a organização das questões tiveram também em atenção, para além das

aprendizagens já feitas na escola, o que Parsons (1987, p. 23) defende como características do

contacto com a obra de arte nesta fase etária, como a intensidade da expressão e emoção, e o

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 87

conseguirem distinguir a obra de arte como resultado da experiência, da criatividade, da

originalidade do sentir de alguém, ou, como defendem Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977,

385-388) o gosto dos jovens em exercitar o pensamento abstracto e pelas obras complexas que

gostariam de conseguir concretizar.

Ficou também acordado que nas aulas precedentes às visitas ao museu abordariam o período

renascentista e lembrariam as funções e regras de comportamento a adoptar num museu.

2.ª Sessão

Participantes

Professora AM da turma do 3.º ano de S. Vicente e MH do Museu

Calendarização

31 de Março às 10H30 no Museu

Descrição da Acção

Depois de apresentada uma proposta pela monitora do Museu (Anexo 4), passou-se à sua

discussão, adaptação e alterações necessárias. Falou-se na importância da preparação dos

alunos ao nível da informação sobre o que é um museu, pois apenas metade dos alunos tinha

visitado estes espaços, e ao nível de conceitos básicos da linguagem visual.

Apoiadas no modelo de Taylor (1988) escolheram-se as perguntas orientadoras da leitura da

obra. Não tendo sido difícil ao nível do conteúdo e da emoção, surgiram algumas dificuldades

na elaboração das questões relacionadas com a forma e o processo para aquisição de

vocabulário e instrumentos de leitura, já que, ao contrário da turma do sexto ano, a turma do

primeiro ciclo não tinha qualquer iniciação nessa matéria. Qualquer conceito formal ou

processual na leitura da pintura que se pretendesse introduzir implicaria a exploração

aprofundada e a disponibilidade de tempo para o fazer. Não seria sensato que numa tão curta

sessão se introduzissem inúmeros conceitos completamente novos e muitos deles complexos.

Resolvemos então ficar pela sensibilização dos conceitos sem lhes dar nomes, tais como

textura, perspectiva, profundidade.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 88

A elaboração das questões teve pois, em atenção, a ausência, nesta turma, de experiências e de

instrumentos de leitura da obra de arte e o nível etário dos alunos nas suas características, ao

nível da apreciação artística, defendidas por Parsons (1987, p. 22), como a ideia dominante de

que a pintura tem que ter um tema, representar alguma coisa, e onde o realismo dessa

representação é muito valorizado, ou as de Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977) que

acreditam que nesta fase as crianças já conseguem exprimir preferências estéticas mas ainda

não têm bases para fazer um julgamento estético. Nessa matéria a influência da opinião do

adulto é muito forte. Assim, mais importante que orientar o desenvolvimento da consciência

estética é importante incentivá-lo e será nessa tónica que se aplicará a mediação didáctica.

Para a segunda sessão, a da exploração prática, escolheu-se o tema do vestuário e dos tecidos

numa relação interdisciplinar com o estudo do meio, fazendo, ao nível estético, uma analogia

entre a textura táctil e a textura visual, pela importância dos planos na composição da pintura

da Senhora da Meia Laranja, explorando também essa questão numa ampliação animada da

composição em planos. Por fim calendarizaram-se as actividades.

Reflexão/Avaliação

Foi útil este encontro para conhecer o nível de conhecimentos dos alunos e respectiva

adequação das perguntas e actividades à sua fase etária e organizar a sua vinda ao Museu e o

contacto com a obra de arte. Conversamos sobre as expectativas da própria professora sobre

este trabalho, AM dava aulas pela primeira vez depois de uma interrupção de muitos anos e

demonstrava uma grande abertura e entusiasmo em experimentar esta área do saber.

Face à dificuldade de introduzir conceitos novos e complexos, instrumentos para a leitura

formal e processual da obra de arte, optamos por uma sensibilização e um reconhecimento

desses conceitos sem lhes atribuir um nome como defende Belli (in Parini, 2002, p. 256). La

observación debería (…) dejar aparecer poco a poco, desde la vaguedad de las formas, el

reconocimiento de cada elemento de la composición, para después concederles un nombre y

una categoria.

A observação deveria (…) deixar aparecer pouco a pouco,

desde a indefinição das formas, ao reconhecimento de cada

elemento da composição, para depois conceder-lhes um nome e

uma categoria.

Belli (in Parini, 2002, p. 256)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 89

Também abordamos a questão da preparação prévia das visitas, na escola, e concluímos que

seria melhor, para além de conversarem sobre o museu, suas funções e regras de

comportamento a adoptar nestes lugares, terem acesso a livros com representações de obras de

arte, sem no entanto referirem alguma vez a pintura da Senhora da Meia Laranja. Essa seria

uma surpresa.

3.ª Sessão

Participantes

Educadora AMM do Jardim Infantil de Entre Muros e MH do Serviço Educativo do Museu

Calendarização

05 de Abril às 16H00 no Jardim Infantil de Entre-Muros.

Descrição

Depois de apresentada pela investigadora uma proposta de actividades que a seguir

descrevemos na ficha de preparação das visitas (Anexo 4), passou-se à sua discussão,

adaptação e alteração necessárias.

Várias hipóteses de trabalho foram levantadas em função de questões como: que elementos ou

temas trabalhar? Quais os mais significativos para este grupo etário? Que questões colocar?

Que tipo de actividade prática (puzzle, descobrir as diferenças ou imaginar uma história)?

Para a primeira sessão manteríamos o mesmo tipo de sequência de contacto com a pintura que

os outros dois grupos: a contemplação e representação e a verbalização. Para este grupo foi

naturalmente mais evidente a dificuldade em elaborar as questões (Anexo 4) e em introduzir

conceitos formais e processuais de leitura da obra de arte. Optamos por isso por, para a fase da

verbalização, inventar, em conjunto, a partir da Senhora da Meia Laranja, uma narrativa onde

exploraríamos o mundo da própria criança, do seu quotidiano e das relações familiares e onde

introduziríamos noções implícitas na leitura da obra de arte.

Como Parsons (1987, p. 121) defende, nesta fase, ao nível psicológico não há noção do ponto

de vista do outro, não há base de comparação na sua pequena experiência, qualquer memória

ou associação é permitida, mesmo que não tenha relevância para a obra a apreciar. Por outro

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 90

lado e esteticamente falando, a arte é um estímulo para experiências agradáveis, gostar ou não

gostar é o julgamento possível.

O facto de se construir uma história com elementos próximos e concretos como a família, a

casa, as festas... vem também ao encontro do que Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977)

defende sobre a capacidade da criança desta idade reconhecer formas e elementos familiares,

de os enumerar, apesar de, na maior parte das vezes, não os relacionar. E também pelo facto

do seu contacto com o mundo se fazer de um modo concreto, activo e momentâneo.

Para a segunda sessão, explorando a questão da profundidade, pensamos a ideia de

prolongamento do primeiro plano, o da mesa para a actividade prática representando uma

mesa de família em dia de festa.

Reflexão/Avaliação

Este encontro foi importante porque conversamos mais profundamente sobre o projecto, o

modelo de Taylor e as estratégias que iríamos utilizar. Foi animada a conversa sobre a escolha

do tema já que não havia uma proposta definida e foi importante a opinião da educadora da

turma, conhecedora dos interesses e dos assuntos sobre os quais os alunos estariam à vontade e

gostariam de tratar. Pensamos na hipótese de explorar o tema dos frutos mas já tinha sido

muito trabalhado na escola e receamos que a repetição fosse desmotivadora. Optamos pelo

tema da família que, para crianças desta idade, é alvo de uma forte ligação e dependência.

Também concluímos que não seria difícil para este grupo de crianças inventar uma história

sobre a pintura pois era prática habitual, no seu quotidiano, esse tipo de actividades.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 91

Tabela 4

Preparação das Visitas

Jardim Escola Primeiro Ciclo Segundo Ciclo

Participantes Educadora AMM do Jardim Infantil de Entre Muros e MH do Museu

Professora AM da turma do 3.º ano de S. Vicente e MH do Museu

LA do sexto ano de Gualtar e MH do SEM

Calendarização 05 de Abril às 16H00 no Jardim Infantil de Entre-Muros

31 de Março às 10H30 no Museu

30 de Março às 16H00

Objectivos

1 - Reflectir e tomar decisões sobre o modelo de apreciação a adoptar e os recursos a construir para as intervenções no Museu; 2 - Encorajar a troca de ideias entre os participantes com vista à procura de soluções para os problemas práticos que costumam afectar as crianças quando visitam os museus; 3 - Relacionar as expectativas e conhecimentos ou experiências prévias dos alunos sobre apreciação artística e mais especificamente sobre a pintura renascentista, no caso dos do segundo Ciclo, com a planificação das visitas; 4 - Planificar as intervenções, elaborando fichas de orientação das actividades.

Modelo de

Apreciação

Modelo de Taylor (1988) conciliado com os de Gonçalves, Fróis e Marques (2002), Alison Kelly (in Clement, 1994), Analice Dutra Pillar (1996), Francoio e Jean Coombe

Descrição

Apresentação e discussão de uma proposta de trabalho. Exploração das relações familiares em tom de história. Utilização do plano da mesa para a actividade prática representando uma mesa de família posta para uma festa.

Apresentação e discussão de uma proposta de trabalho. Necessidade de preparação dos alunos na escola sobre o museu e sobre a arte em geral. Escolha das perguntas orientadoras e o tema e pensou-se a organização do atelier.

Adaptação e alteração de uma proposta de trabalho com os alunos. Selecção das questões sobre a obra (modelo de Taylor). Decidido o tema a trabalhar na segunda visita. Conversamos sobre a organização do atelier.

Recursos Fichas de actividades a propor à professora de cada turma para discussão.

Reflexão/Avaliação das três sessões de preparação das visitas

Pôde-se verificar ao longo das sessões preparatórias das visitas ao Museu a preocupação da

equipa em tentar responder à seguinte questão: Como podem as crianças que visitam o Museu

fazer uma leitura das suas obras de arte, neste caso particular de uma pintura do seu núcleo de

pintura antiga, de forma mais cativante e eficaz? Esta questão constituiu o problema declarado

no primeiro capítulo e que, depois de se ter procurado conhecer outras experiências e reflexões

nessa matéria, e a partir também de actividades já realizadas no âmbito do serviço educativo

do próprio Museu, estruturaram-se actividades para animação do contacto dessa obra com os

três grupos de alunos já apresentados.

Apesar de diferentes pontos dos vários modelos referidos no capítulo da revisão da literatura

terem sido levados em conta num ou noutro aspecto nesta fase do segundo Ciclo, o modelo de

apreciação artística seleccionado foi o de Taylor (1988) que defendia a valorização do olhar e

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 92

falar sobre arte, contrariando a utilização exagerada e exclusiva da exploração prática que

segundo Moura (2000), persiste em Portugal.

Esta escolha apoiou-se na ideia base desta investigação, de experimentar estratégias de

apreciação que facilitassem o contacto com as obras de arte para além das simples actividades,

já programadas pelo SE, de contacto com as suas pinturas. Contemplar uma obra de arte e

dialogar sobre ela eram as componentes que faltavam introduzir para que a apreciação artística

acontecesse numa combinação equilibrada defendida por Taylor (1988) de trabalho prático,

teórico e crítico, fazendo a análise dos conteúdos, formas, processos e relação emocional. Por

isso optamos pelo modelo deste autor como base do trabalho com os alunos, na primeira

visita, valorizando a contemplação e o diálogo sobre as obras e utilizando, na segunda ida ao

Museu, a exploração prática como complemento, numa combinação equilibrada.

Assim, as actividades, como se pode constatar nas fichas em anexo e na (Tabela 4), foram

organizadas em dois momentos distintos. No primeiro contacto, para não se perder a

originalidade e a autenticidade espontânea da relação de cada criança com a pintura da

Senhora da Meia Laranja, seria dada a oportunidade a cada um para a contemplação sem

qualquer interferência. Também se pretendia que a primeira representação funcionasse como

parte dessa contemplação, dessa relação a dois, obra de arte – criança, para, por um lado se

consolidar esse primeiro olhar, virgem de qualquer influência, não coartando a criatividade de

cada um e por outro, para a equipa ficar com uma ideia daquilo que cada criança valorizou. O

objectivo desta prática de expressão plástica não é copiar ou representar fielmente a obra de

arte, o importante é activar uma série de mecanismos afectivos, criativos e selectivos que

desenvolvam a consciência estética e, que, materializados no papel, nos contem, comuniquem

um pouco sobre o que cada criança acabou de contemplar.

A seguir, utilizando a verbalização defendida por autores como Taylor (1988) e aplicada no

projecto Primeiro Olhar da Fundação Calouste Gulbenkian (2002), iriam pôr-se em comum

esses olhares e, a monitora/educadora do Museu, questionando, chamaria à atenção, com a

colaboração dos outros elementos da equipa, para características destacadas no modelo de

Taylor.

Para acrescentar e aprofundar a apreciação da obra seria aplicada a ideia de Mottet (1996) de

operacionalidade da imagem na focalização do olhar num tema ou característica, como a

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 93

questão dos planos, onde cada turma exploraria, na parte prática, diferentes abordagens à

pintura.

Pensamos que as sessões foram bem sucedidas e que foram atingidas as suas finalidades. A

preparação das actividades em equipa foi muito útil porque, ao contrário do que é habitual na

programação das actividades do SE, foi feita em conjunto com outros profissionais, o que

naturalmente a tornou mais rica, variada e facilitada pelo entusiasmo e empatia existentes

entre as professoras e a investigadora responsável pelo serviço educativo. Os elementos AM,

LA e AMM, responsáveis das respectivas turmas consideraram suficiente a preparação da

equipa e das actividades.

4.2.3 CICLO TRÊS

Depois de termos descrito o Ciclo dois desta investigação, destinado à preparação profissional

da equipa e à programação das actividades a desenvolver com os alunos, passamos à descrição

da implementação das actividades no Museu. Essas actividades ocorreram nas duas visitas que

cada turma fez ao Museu, neste Ciclo três. Apresenta-se aqui, no final das descrição de cada

actividade a respectiva reflexão e avaliação que permitiu avançar para o estádio seguinte.

Apoiando a prática na valorização da contemplação e do diálogo sobre a obra de arte

defendida pelo modelo de apreciação artística escolhido, a equipa de investigação-acção

considerou que a intervenção do adulto deveria ser a menor possível limitando-se à orientação

das propostas de trabalho, ao esclarecimento de alguns conceitos e palavras novas, à

provocação do olhar e do diálogo como forma de aprender a ver e falar sobre arte. Tentou-se

também, sempre que possível contextualizar a obra referindo características da época do

Renascimento, de regras básicas que orientavam a produção artística dessa época, e do

contraponto de ambientes e hábitos, estabelecendo conexões com as vivências e a realidade

dos alunos.

A importância de pôr em comum as opiniões de cada um, reside no facto de todas as leituras,

todas as interpretações serem possíveis, e o diálogo entre elas enriquecer, à partida, os olhares

de todos. Esses olhares e diálogos acrescentam naturalmente algo mais à análise inicial do

simples - gosto porque sim.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 94

Sendo esta uma investigação participativa, a investigadora, que exerceu também o papel de

monitora, só no fim de cada visita registava as suas impressões. Recorrendo ao registo de

vídeo, às notas de campo e ao registo da opinião dos outros elementos da equipa, teve uma

noção mais global e real permitindo-lhe avaliar o que aconteceu em cada visita e actividade.

Tabela 5

Descrição das Actividades

Jardim Escola Primeiro Ciclo Segundo Ciclo

Calenda-

rização

7 e 11 de Maio 28 de Abril e 5 de Maio 28 de Abril e 5 de Maio

Conteúdos

Conteúdo: relações familiares, noção de tempo, época diferente da dos alunos, a festa, a mesa, o vestuário; Forma: lateralidade (à frente/atrás, dentro/fora, cores, luz (claro/escuro, quente/frio) Processo: técnica da pintura, tintas, pincéis; Emoção: sensações provocados pelas expressões, pelas cores, opiniões sobre a pintura

Conteúdo: Noção de tempo, a época dos Descobrimentos, as Personagens, ideia de modelo, o corpo humano (fiel reprodução ou não); vestuário, simbologia de alguns elementos: os frutos; Forma: textura visual e textura pictórica, planos (ideia da sobreposição sequencial, destaque das figuras), cores; Processo: técnica da pintura, óleo sobre madeira Emoção: sensações provocados pelas expressões, pelas cores

Conteúdo: Renascimento, características, importância da mensagem e o destaque das personagens, a anacronia do vestuário, referência à arte abstracta contemporânea; Forma: ideia de profundidade através da sobreposição de planos e da utilização da paisagem e de outros instrumentos visuais, a cor, a luz, o jogo do claro/escuro, quente/frio, as figuras estruturais; Processo: técnica da pintura a óleo sobre madeira; Emoção: sentimentos e sensações provocados pelas expressões, pelas cores, opiniões.

Inter-

discipli-

naridade

A pintura conciliou diferentes áreas: Expressão plástica: falar sobre elementos visuais, interpretar verbal e plasticamente obras de arte; Estudo do Meio: família, festa, mesa de refeição, vestuário; Matemática: lateralidade; Língua portuguesa: desenvolv. da linguagem e do vocabulário

A pintura conciliou diferentes áreas: Expressão plástica: conhecer elementos visuais e relacioná-los com imagens do património artístico; reconhecer proporções na figura humana; Interpretar verbal e plasticamente obras de arte Estudo do Meio: vestuário Descobrimento Matemática: figuras geométricas Língua portuguesa: desenvolv. da capacidade de expressão oral e escrita, de ideias e sentimentos.

A pintura conciliou diferentes áreas: EVT: conhecer elementos visuais e relacioná-los com imagens do património artístico, interpretar mensagens de formas visuais, reconhecer proporções na figura humana, interpretar verbal e plasticamente obras de arte; Estudo do Meio: formas de vestuário; Matemática: a estrutura geométrica; Língua portuguesa: desenvolv. da capacidade de expressão oral e escrita, de ideias e sentimentos.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 95

Sequência

e gestão do

tempo

1.ª visita – (olhar, representar, falar sobre arte) Contemplar, representar plasticamente e verbalizar o contacto com a obra. 2.ª visita – exploração prática do tema família (inventar uma família e uma situação de refeição familiar, entrar na pintura, fotografia de família e representação da mesa, nova representação da obra)

1.ª visita – (olhar, representar falar sobre arte) Contemplar: sintetizar a ideia geral sobre a pintura num pequeno apontamento escrito. Representar plasticamente e verbalizar, pôr em comum o que olharam, sentiram e pensaram. 2.ª visita –Focalizar a atenção nos tecidos (jogo) e nos planos representados na pintura e nos planos (comprovação na maqueta) representar plasticamente dois dos planos (trab. de grupo)

1.ª visita – (olhar, representar) Passagem rápida pela Galeria e pelo Museu; Contemplar (apontamentos e trabalho plástico); por falta de tempo, a verbalização passou para a sessão seguinte. 2.ª visita – (falar sobre arte) Conversar sobre a pintura comprovando a importância dos planos, do jogo claro/escuro, da paisagem; representar plasticamente os diversos planos (em grupo).

Estratégia

Baseada no modelo de Taylor a primeira parte da actividade foi direccionada para a contemplação e para a verbalização do contacto com a obra de arte, utilizando a comparação com as pinturas envolventes e a segunda para a exploração prática de um tema relacionado. Apelou-se ao imaginário e a uma forte ligação à realidade das crianças. Uma narrativa sobre uma família inventada serviu de fio condutor a toda a actividade e de base a uma dramatização, fazer o papel de um elemento de uma grande família.

Baseada no modelo de Taylor a primeira parte da actividade foi direccionada para a contemplação e para a verbalização do contacto com a obra de arte, utilizando a comparação com as pinturas envolventes e a segunda para a exploração prática de um tema relacionado: os tecidos e a confirmação da noção de plano, também visualizada, no fim, com os trabalhos plásticos dos próprios alunos (os planos intermédios).

Baseada no modelo de Taylor a 1.ª visita Foi direccionada para a contemplação materializada na escrita de algumas frases e na representação plástica da pintura. A verbalização passou para a segunda sessão, utilizando-se também a comparação com as pinturas envolventes. No fim comprovaram-se os conceitos abordados através da exploração prática da maqueta e pintaram a sua versão dos planos.

Recursos

A pintura original, as pinturas envolventes, acetatos (Anexo 5) com as formas geométricas para sobrepor na imagem e facilitar a leitura da composição, papel manteigueiro A4 (próximo do tamanho original da pintura), tintas e pincéis de vários tamanhos. Maqueta grande da pintura com os planos amovíveis e papel cenário.

Signos

visuais

registados

Na representação da pintura todos incluíram as duas personagens principais, ora sobrepostas ora lado a lado. De 14 alunos representaram: as duas person. (14), paisagem (0), reposteiro (2), mesa (2), frutos (9), flores (0), sapatilhas (1), pijama (1), moldura (5)

Na representação da pintura todosincluíram as duas personagens principais, os tamanhos variam e ora se encontram sobrepostas ora lado a lado. De 18 alunos representaram: as duas person. (18), paisagem (6), reposteiro (15), mesa (16), frutos (16), flores (2), tapetes de chão (2)

Na sua maioria os alunos ocuparam toda a folha aproximando-se do original no tamanho das personagens e na inclusão de todos os elementos. Dos 24 alunos representaram: as duas person. (24), paisagem (20), reposteiro (24), mesa (24), frutos (24), flores (11), móvel com gavetas (1)

Conceitos

Família alargada, noção de tempo diferente, reposteiro, peças de vestuário (actuais e outras como coifa, manto), refeição familiar, a mesa, fisionomias (loiro, moreno), nomes dos frutos e das flores, cor/luz, claro/escuro, quente/frio, dentro/fora, longe/perto, paisagem, retrato, pintura ou desenho.

Noção de tempo diferente, ideia de modelo, representação fiel ou não do corpo humano, loiro/moreno, galões, reposteiro, coifa, toucado, macia áspera, grossa, fina, planos (ideia da sobreposição sequencial, destaque das figuras), nomes dos frutos e das flores, simbologias, figuras geométricas, cores, claro/escuro, dentro/fora, longe/perto, paisagem, retrato, a pintura a óleo sobre madeira

Renascimento, arte Contemporânea, arte abstracta, técnica do óleo sobre madeira, realista, cores, luz, jogo claro/escuro, composição, plano, ideia de profundidade, sobreposição, estrutura, símbolos de fertilidade, frutos da natureza, paisagem, retrato, reposteiro, coifa.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 96

Turma do 6.º ano

Actividade 1

Primeira visita ao Museu Nogueira da Silva. Dia 28 de Abril às 10H00.

Proposta de Actividade

Conhecer o contexto espacial do Museu, onde se encontrava a pintura que iriam observar e

promover o primeiro contacto com a pintura da Senhora da Meia Laranja, sem qualquer

mediação.

Conteúdos

Funções do museu (estudo, conservação e divulgação do património), observação e registo do

conteúdo da pintura da Senhora da Meia Laranja (vestuário, espaço interior, corpo humano),

confirmação de elementos visuais já conhecidos dos alunos (plano, claro/escuro, pintura a óleo

sobre madeira),

Recursos

A pintura original, as pinturas envolventes, acetatos (Anexo 5) com as formas geométricas

para sobrepor na imagem e facilitar a leitura da composição, papel manteigueiro A4 (próximo

do tamanho original da pintura), tintas, pincéis de vários tamanhos e lápis. Utilizaram-se as

tintas e os pincéis que se usam habitualmente no atelier do Museu e adquiriram-se trinchas

para as superfícies maiores. Em relação ao sexto ano foi dada aos alunos a oportunidade de

actuaram como faziam normalmente nas aulas de EVT, misturando tintas, exploraram

diferentes tonalidades.

Não se optou pela utilização da grafite porque por um lado torna-se difícil preencher a tinta os

pequenos detalhes que desenharam a lápis e por outro, porque, como diz Arno Stern (1974, p.

66) é uma forma de libertarem o gesto e permitir uma expressão directa.

Procedimento

Quando chegou ao Museu a turma entrou naturalmente na primeira sala, a Galeria onde se

encontrava patente uma exposição de desenho e pintura de Eduarda Coquet, artista plástica e

educadora de artes visuais. Achamos conveniente não interromper o percurso que tinham

iniciado.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 97

Ao dirigirmo-nos para a sala onde se encontrava a pintura que iríamos trabalhar atravessamos

o Museu e como as perguntas dos alunos foram surgindo espontaneamente, demoramos algum

tempo a referir um ou outro aspecto das colecções e da função do museu (Fig.61 e 62). Estes

dois imprevistos interferiram na sequência das actividades pois faltou tempo para a fase final

que teve que ser adiada.

Finalmente os alunos e equipa de investigação-acção (MH, LA e IP) passaram à observação da

pintura da Senhora da Meia Laranja (Fig.63) durante alguns minutos (cerca de 15). Olharam,

voltaram a olhar, escolheram outra posição, outro ângulo, mais à frente, mais atrás e tomaram

as suas notas.

Já no atelier (Fig.64 e 65), os alunos, dispostos dois a dois, em mesas com papel manteigueiro

do tamanho A4 (tamanho aproximado ao original), escolheram as tintas, fizeram as cores que

precisaram, (prática a que estavam habituados) e, consultando ou não as suas notas,

representaram a pintura em causa até por volta da 12horas.

A seguir a essa tarefa os alunos deveriam voltar junto do original para partilharem as diversas

opiniões e os diferentes olhares mas não foi possível por falta de tempo. A visita inicial ao

Museu e exposição, que não estava nos planos, demorou mais tempo do que o previsto.

Instruções

Deram-se aos estudantes as seguintes instruções:

1. observem bem esta pintura durante uns minutos (cerca de quinze a vinte);

2. escrevam umas palavras ou frases sobre aquilo que pensam enquanto a observam (em jeito

de apontamento);

3. dêem um título à pintura (sugestão da professora);

4. (já no atelier) pintem o que recordarem da pintura (podem consultar o que escreveram)

Perguntas e respostas do debate

Irão aparecer na descrição da actividade 2, momento em que foram realmente usadas.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 98

Fig. 61 Fig. 62

Fig.63

Fig.64 Fig.65

Reflexão/Avaliação

Pensamos que neste primeiro encontro, se conseguiu manter a ideia de originalidade e a

autenticidade espontânea da relação de cada criança com a pintura da Senhora da Meia

Laranja, a contemplação sem qualquer interferência. Esse momento foi levado muito a sério

servindo também para através desta pintura confirmar conceitos adquiridos na escola.

Nas notas escritas, essencialmente marcadas por uma observação descritiva, os alunos

evidenciaram já algum grau de observação estética e algum contacto com obras de arte no que

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 99

diz respeito, por exemplo, à organização do espaço, na utilização do conceito de plano nas

suas descrições (transcritas textualmente, tendo sido corrigidos apenas os erros ortográficos):

Em 1.º plano tem uma mesa com um par de cerejas, uma maçã,

outro par de cerejas e meio limão. Atrás do limão tem uma

jarra com três flores, duas brancas e uma vermelha...

A(a), 11 anos

Em conceitos de claro/escuro aliados às cores e de organização global da obra em expressões

como:

... A luz do Sol reflecte-se nos rostos, mas usa-se mais as cores

escuras. As cores por trás da figura principal são escuras p’ra

dar a sensação que está em 2.º plano…

A(b), 11 anos

na técnica usada:

...A técnica de pintura é óleo sobre madeira…

A(c), 11 anos

em alguns casos houve confusão na utilização das palavras reposteiro e galões:

...Atrás tem uma janela com a paisagem de uns montes e árvores. Ao lado

tem uma parede preta com dois traços em madeira e por cima um tapete

vermelho com galões dourados pendurados...

A(d), 12 anos

e apenas em dois alunos houve atribuição de valores em expressões de apreciação como:

...As Madonas usam vestidos decotados, têm uns penteados

bonitos e chiques, ela está a dar de mamar ao bebé, este está

nu coberto com um lençol de tecido branco...

A(e), 11 anos

Esta figura é pintada. Tem muitas cores. Tem fruta. Tem duas

pessoas. E é uma imagem bonita…

A(f), 14 anos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 100

Os registos escritos dos alunos, essencialmente descritivos foram bastante completos, como:

Em 1.º plano tem uma mesa com um par de cerejas, uma maçã,

outro par de cerejas e meio limão. Atrás do limão tem uma

jarra com três flores, duas brancas e uma vermelha. Em 2.º

plano tem uma Madona a dar leite a um Menino com a mama.

A Madona está vestida com um vestido castanho misturado

com cores vermelhas escuras. O Menino está coberto com um

lençol e a Senhora está com um manto azul escuro e tem um

resto de vestido cor de rosa preso ao pescoço. O cabelo da

Madona está solto em baixo e em cima está preso em círculo.

As mãos da Senhora seguram o Bebé por trás. Em 3.º plano

tem um cortinado a tapar uma parte do desenho. A parte

debaixo do cortinado é azul escuro com tiras doiradas. Na

parte vermelha, a de cima, entre o azul e o vermelho tem galões

(desenho), no vermelho tem algumas ondas (desenho), na parte

de cima. Em 4.º plano tem montes, árvores, rios...e tem uma

parede ao pé do cortinado. Título: Madona amamentando o seu

Filho.

A(g), 11 anos

ou,

Tem a Virgem e o Menino. A Virgem está sentada com o seu

Filho ao colo e uma mesa à sua frente com fruta como cereja,

limão e uma maçã em cima. O Menino está a tomar o leite nos

seios da sua Mãe. Existe uma paisagem no fundo do retrato da

Virgem e do Menino, dá a sensação que há uma janela onde se

vê a paisagem. Na paisagem parece que está mau tempo, as

nuvens estão cinzentas e existe um monte debaixo delas. O

Menino está coberto com um manto e a sua Mãe está vestida

com um véu na sua cabeça e com um vestido comprido. No

fundo existe uma cor escura assim como no resto do retrato, as

cores não são muito vivas. No fundo também têm galões. Existe

flores ao lado da Virgem. As cores eram: amarelo, vermelho,

preto, castanho. Título: Mãe alimenta o seu Filho.

A(h), 11 anos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 101

ou ainda,

É a Virgem e o Menino, estão em primeiro plano. As cores são

escuras. Sobressai-se mais a Virgem e o Menino com cores

mais claras. Em segundo plano está uma cortina e no canto

superior esquerdo uma paisagem de montanhas. Tem cerejas,

limão e maçã à frente. O Menino está no colo da Virgem. A

Virgem está ligeiramente inclinada para a esquerda. Atrás da

Virgem há três flores, uma vermelha no meio e brancas. São

rosas. As tintas são óleo sobre madeira. Em cima da cortina

tem uma tira vermelha com uns cordões de puxar que são

galões. A Virgem tem um lenço na cabeça. O Menino tem um

pano branco nas costas. Título: A cuidar do Menino.

A(i), 11 anos

Os alunos mostraram-se entusiasmados quer na contemplação inicial da pintura e nas notas

que tiravam, levando muito a sério as duas tarefas, quer na sessão de expressão plástica

reflectindo muito à vontade no manusear das tintas e no preencher da folha branca não

esquecendo, de uma maneira geral, todos os elementos principais. Foi pena o tempo gasto nos

imprevistos iniciais ter sido demasiado, pois levou ao adiamento da fase seguinte, a do falar

sobre a obra de arte.

Actividade 2

Segunda visita ao Museu. Dia 5 de Maio às 10H00

Proposta de Actividade

Explorar a arte como forma de expressão e comunicação através da identificação do conteúdo,

forma, processo e emoção da Senhora da Meia Laranja. Explorar os planos da pintura da

Senhora da Meia Laranja de forma colectiva, intervindo criativamente na pintura.

Conteúdos

A singularidade da pintura, maternidade, vestuário, o corpo humano, Renascimento,

humanização das personagens religiosas, adaptação da forma ao tema, paisagem, retrato,

natureza morta, composição, planos, profundidade, sobreposição, luz, cor, claro/escuro, linha

de contorno, pintura a óleo...

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 102

Recursos

Maqueta grande da pintura com os planos amovíveis, papel cenário, tintas, pincéis de vários

tamanhos.

Modo de proceder

Iniciamos esta sessão na sala da pintura, junto da Senhora da Meia Laranja, com o que estava

previsto para o fim da anterior, a verbalização do contacto com a obra de arte (Fig.66)

colocando questões relacionadas com o conteúdo, a forma o processo e a emoção. A conversa

foi animada e demorou cerca de 30 minutos.

As questões previstas na ficha de preparação das visitas foram praticamente todas colocadas,

não tomando uma ordem especial, foram surgindo em blocos e por assuntos, mas não

estanques dada a inter relação das categorias de Taylor nas respostas, bem evidente logo no

início, como podemos verificar mais à frente nas perguntas e respostas do debate.

Foram colocadas principalmente pela monitora/investigadora mas também pela respectiva

professora ou simplesmente sugeridas e motivadas pelos alunos. A seguir, já no atelier,

perante a maqueta, confirmaram-se numa ampliação animada da pintura, as questões da

composição e da ideia de profundidade abordadas anteriormente: alterando o fundo por trás

das figuras anulando o efeito claro/escuro ou escondendo a paisagem de fundo para, na sua

ausência marcar a sua importância. Neste jogo comparativo de antes e depois pretendeu-se

levar os alunos a perceber as opções plásticas do artista.

A seguir dividiram-se em grupos e recriaram criativamente cada plano (Fig. 67 a 76): uma

paisagem de fundo diferente, o reposteiro, as duas figuras centrais e a mesa com os frutos.

Movimentaram-se na sala com ordem e entusiasmo pelo trabalho, dividiram tarefas, juntaram

tintas para fazer cores que precisavam, demonstrando que estavam habituados a este tipo de

actividades. Esta parte da visita demorou cerca de 40 minutos.

Instruções

Deram-se aos estudantes as seguintes instruções:

1. (junto à pintura) Vamos conversar sobre esta pintura que já conhecem;

2. (no atelier) perante esta maqueta ampliada da pintura vamos pensar nos planos de que já

falamos e experimentar algumas alterações;

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 103

3. Imaginando-se artistas vão, a partir da pintura da Senhora da Meia Laranja, pintar a vossa

versão de cada plano, depois vamos juntá-los e ver o resultado.

Perguntas e respostas do debate

Falamos sobre o Renascimento aproveitando o comentário que partiu espontaneamente dos

alunos. Esta turma tem abordado na escola vários períodos da História da Arte desde a Arte

Contemporânea ao Barroco passando também pelo Renascimento. Referimos algumas

características desse período como a técnica do óleo sobre madeira, a utilização do jogo de

cores claro/escuro, a importância da ideia ou mensagem que o artista deseja transmitir mesmo

sacrificando a fidelidade à realidade como seja, neste caso, a deformação do corpo humano ao

colocar o seio demasiado acima para destacar a ideia da aleitação, ou forçando a posição do

Menino para o mostrar de frente ou ainda a forma de vestir da época do artista.

Um dos alunos ao olhar para a pintura disse: – É uma Madona do Renascimento. Esta

observação iniciou a conversa e envolveu logo a análise de várias categorias:

Monitora – Porque dizes isso? O que nos mostra que esta pintura é dessa época? (conteúdo)

Aluno(a) – Os claros/escuros. (forma)

A(b) – O óleo e a madeira. (processo)

Professora. – Tinta que, como sabem, apareceu nesta época (Renascimento). Acrescentou.

M – A tinta a óleo demora muito a secar, acham que o artista demorou muito ou pouco tempo

a fazer esta obra? (processo)

A(vários) – Muito. (processo)

Falou-se também das técnicas anteriores e do aparecimento da tela como suporte a partir desta

época (…)

M – Há mais razões para dizerem que esta obra é do Renascimento? (conteúdo)

A(d) – A forma como a Senhora está vestida. (Apesar de ser uma história com c. de 2000

anos, o pintor resolveu vestir as personagens com roupas da sua época, o século XVI.

Acrescentou a monitora) (conteúdo)

A(b) – As figuras e a paisagem de fundo. (forma)

Passamos então para as questões formais da composição, da organização dos elementos, em

planos sobrepostos numa alternância de claro/escuro e linhas de contorno bem definidos,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 104

conjunto de factores que, a par da utilização da paisagem de fundo, contribuíam para a ideia de

profundidade.

M – Porque estará ali a paisagem? (forma)

A(e) – Para o artista usar cores mais claras, o resto está muito escuro. (forma)

M – E se em vez de uma janela estivesse uma parede? (forma)

A(f) – Ficava tudo fechado. (forma)

M – Não será então para dar a ideia que a pintura continua para além daquele interior onde

estão a Senhora e o Menino? Para dar a ideia de profundidade. (forma)

A(a) – Dá um ar de tristeza. (emoção)

A(f) – Parece o nascer do dia. (emoção)

M – Mas por falar em cores olhem para esta e para aquela pintura da mesma época, mas de

países diferentes (a pintura italiana). Qual acham que foi feita num país quente, com muito Sol

e qual foi feita num país frio com muita neve? (forma)

A resposta foi clara (…)

M – A paisagem é o último plano. Qual é o primeiro? (forma)

M – Porque terá colocado ali uns frutos? (conteúdo)

A(c) – Para o Menino. (conteúdo)

M – Mas o Menino está a ser alimentado como? (conteúdo)

A(g) – Com leite materno. (conteúdo)

M – Então porquê? (conteúdo)

A(f) – Para dar cor, para compor. (forma)

A(b) – Para a Mãe. (conteúdo)

M – São duas boas razões.

(Referimos muito por alto a simbologia dos frutos e flores relacionando-as com a maternidade

e a fecundidade) (…)

M – Porque terá o artista posto um reposteiro escuro, no terceiro plano, por trás da Senhora?

(forma)

A(e) – Para não dar claridade para o Menino. (conteúdo, forma)

A(h) – Porque a cara da Senhora é clara, colocou escuro atrás para realçar a imagem. (forma)

M – É o tal jogo claro/escuro que um de vós já referiu e que dá a sensação de profundidade, de

relevo.

(…)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 105

Também relacionámos questões formais com questões de conteúdo a partir da pergunta de

uma aluna:

A(i) – Como é que os artistas faziam estas pinturas? Usavam alguém para posar? (conteúdo)

A(b) – Usando um modelo. (conteúdo)

A(g) – Também pode ter imaginado. (conteúdo)

M – Têm razão, mas também pode ter utilizado gravuras mais antigas, como era habitual os

artistas fazerem. (conteúdo)

M – Mas olhando bem para a Senhora e para o Menino acham que o corpo está bem

desenhado e as posições que tomam são naturais? (conteúdo)

A(c) – A posição do Menino deveria ser deitada. (conteúdo)

M – E o seio da Senhora, acham que está no sítio certo? (conteúdo)

A(vários) – Está muito em cima. (conteúdo)

M – E porque terá feito assim? (conteúdo e forma)

A(a) – Para se ver melhor. (conteúdo e forma)

M – Pois é, para ficar bem no centro a ideia principal, que é? (conteúdo e forma)

A(vários) – Dar de mamar ao Menino. (conteúdo)

(…)

Falamos na estrutura da pintura, das formas geométricas básicas da sua estrutura, confirmadas

através da utilização de acetatos (Anexo 5) sobrepostos na pintura. Depois, pegando apenas

nos acetatos sobrepostos com as diversas formas, compondo o esquema total, a professora

colocou a questão:

– Fica um quadro abstracto ou realista? (apelando para os conhecimentos dos alunos sobre

outra época da História da Arte – a Contemporânea)

A(vários) – Abstracto.

Falamos em algumas diferenças que marcaram a pintura Antiga (a obediência a regras e ao

gosto de quem fazia a encomenda, o caso da igreja que pedia para pintarem a história de Jesus,

como neste conjunto de obras) e a pintura Contemporânea (que com o aparecimento da

fotografia liberta os pintores dessa obediência à rigidez das regras e à necessidade de

reproduzir a realidade, passando a ter uma maior liberdade técnica e criativa. (…)

M – Reparem nos olhos da Senhora. Os artistas renascentistas pintavam muitas vezes assim os

olhos das Senhoras, semicerrados. Qual seria a intenção? (processo e emoção)

A(i) – É porque o artista não sabia fazer de outra maneira. (processo)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 106

M – Acham? Mas o Menino tem os olhos abertos, não seria por dificuldade mas sim por

vontade. (processo, conteúdo)

A(g) – É porque a Senhora está a olhar para o Menino. (processo)

M – Também tens razão. Mas não será também para dar a ideia de ternura, de timidez?

(emoção)

(…)

M – Vocês já pensaram bem que esta pintura foi feita por alguém, há cerca de quinhentos

anos, quando o mundo era completamente diferente? (Emoção)

(…)

M – Para terminar gostaria que cada um dissesse uma palavra que exprimisse aquilo que esta

pintura lhe provoca. (emoção)

A(c) – Acto de fraternidade.

A(vários) – Amizade.

A(vários) – Tristeza.

A(vários) – Carinho.

A(vários) – Amor.

A(vários) – Afecto.

A(vários) – Esperança.

A(e) – Bonita caridade.

A(f) – Humor.

Alguns alunos adiantaram explicações:

– Tristeza pelas cores escuras.

– A paisagem dá um ar de tristeza. (aí a investigadora aproveitou para relembrar a comparação

com a pintura italiana)

– Alegria no dar de mamar, na calma da Senhora.

_ Humor, a Mãe a entreter o Menino, está feliz.

_ O sorriso.

_ Talvez na própria presença da criança que lembra as brincadeiras, as traquinices

(acrescentou a professora).

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 107

Fig.66

Fig.67 Fig.68

Fig.69 Fig.70 Fig.71

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 108

Fig.72 Fig.73

Fig.74 Fig.75 Fig.76

Reflexão/Avaliação

Apoiados em Taylor (1988) seguimos o seu modelo contemplando, verbalizando e aplicando

na prática a comunicação com esta obra de arte. Uns mais que outros, todos os alunos

intervieram demonstrando interesse. Na verbalização do contacto, apesar de não respeitarmos

a ordem proposta por aquele autor, porque aproveitamos a espontaneidade e motivação dos

alunos, acabamos por focar as quatro categorias de análise: de conteúdo, forma, processo, e

emoção exprimindo sentimentos e opiniões. Mostrou ser um grupo de alunos habituados a ver

e falar sobre arte usando expressões como: o uso do claro/escuro, para realçar, para compor,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 109

pintura a óleo, pintura abstracta, arte contemporânea…, reflectindo algum exercício de

observação estética (Parini, 2002).

Apesar das actividades terem sido orientadas pela monitora, a participação da professora e

acompanhante também aconteceu eficaz e oportunamente, apelando aos conhecimentos

prévios da turma

A maqueta, com o seu grande tamanho, onde os alunos puderam intervir e entrar literalmente

na pintura foi encarada como um jogo, ideia defendida por autores como Analice Dutra Pillar

(1996) e Francoio (S.d.). Confirmaram através de um jogo do antes e depois, a aplicação, na

pintura da Senhora da Meia Laranja, de determinados conceitos seus conhecidos e de outros

abordados na conversa anterior especialmente ao nível da composição em planos.

À confusão inicial da formação dos grupos e da divisão de tarefas sucedeu-se o trabalho

entusiasmado. A proposta de se fazerem passar por artistas não passou afinal de uma proposta

de serem eles próprios, criativos e crianças com onze e doze anos.

Perante a riqueza dos assuntos abordados na conversa sobre esta obra de arte, ficou-nos a

sensação de que cada um deles pode ser uma proposta de trabalho a desenvolver mais

profundamente em sessões futuras: a partir das formas geométricas da estrutura, a partir da cor

e do jogo claro/escuro, das linhas, da sobreposição, uma para cada conceito visual.

Em relação à última representação individual da Senhora da Meia Laranja, prevista na ficha

de actividades, os elementos da equipa decidiram suspender a sua realização visto as primeiras

terem sido muito completas e acharem que a sua repetição seria desmotivadora para os alunos

situação a que, por ser rotineira, se poderia transformar no que Taylor (1988, p. 290) chama de

experiência de aversão.

Turma do 3.º ano

Actividade 1

Primeira visita ao Museu Nogueira da Silva. Dia 28 de Abril às 14H30.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 110

Proposta de Actividade

Explorar capacidades de comunicação e expressão na leitura da obra da Senhora da Meia

Laranja tendo em conta os conceitos de conteúdo, forma, processo e emoção referidos por

Taylor (1988).

Conteúdos

Noção de tempo diferente, a época dos Descobrimentos, composição, planos, profundidade,

sobreposição, paisagem, retrato, natureza morta, simbologia de alguns elementos, vestuário,

maternidade, luz, cor, claro/escuro, ideia de modelo, o corpo humano (fiel reprodução ou não),

adaptação da forma ao tema, humanização das personagens religiosas, pintura a óleo.

Recursos

A pintura original, as pinturas envolventes, acetatos (Anexo 5) com as formas geométricas

para sobrepor na imagem e facilitar a leitura da composição, papel manteigueiro A4 (tamanho

próximo da pintura original), tintas e pincéis de vários tamanhos.

Utilizaram-se as tintas e os pincéis que se usam habitualmente no atelier do Museu e

adquiriram-se trinchas para as superfícies maiores. Como normalmente o tempo que as turmas

têm no atelier é muito reduzido, cerca de trinta minutos, e não têm grandes hábitos de

manipulação das tintas, os recipientes com as anilinas estão sempre preparados. Assim

aconteceu com a turma do Jardim Infantil e o Terceiro Ano.

Não se optou pela utilização da grafite por várias razões: por ser uma experiência diferente da

que estão habituados a fazer, (utilização do lápis de cor e do marcador, principalmente no

Primeiro Ciclo), porque por um lado torna-se difícil preencher a tinta os pequenos detalhes

que desenharam a lápis e por outro, porque, como diz Arno Stern (1974, p. 66) é uma forma de

libertarem o gesto e permitir uma expressão directa.

Modo de proceder

Quando a turma chegou ao Museu dirigimo-nos para a sala da pintura e enquanto

percorríamos os espaços, pensando na importância de integrar a obra a estudar no seu

contexto, conversamos um pouco sobre o que é um museu e sobre a importância dos objectos

que guarda.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 111

Dirigimo-nos à sala da pintura renascentista onde a Senhora da Meia Laranja nos aguardava

em cima de uma base, num plano mais baixo do seu lugar habitual, para estar mais próxima de

nós que nos sentámos no chão. Foi solicitado que observassem bem a pintura (Fig. 77 e 78),

durante cerca de 15 minutos e escrevessem o que quisessem para, no atelier, ao reproduzirem

a pintura a recordassem bem. Sem nenhuma intervenção dos adultos, em silêncio, assim

fizeram, levando muito a sério essa tarefa. Olharam, voltaram a olhar, mudaram de posição

movimentando-se à vontade na sala, mais à frente, mais atrás, para verem melhor e tomaram

as suas notas.

Os registos dos alunos do terceiro ano (Anexo 7) centraram-se todos nas duas personagens.

Dos dezoito alunos, catorze referiram as frutas, treze, o reposteiro:

Maria está a dar de mamar ao Jesus ao colo e em frente deles

uma mesa com uma maçã, umas cerejas e um limão e atrás um

reposteiro. Maria com os cabelos grandes. E um jarro com três

flores à esquerda dela.

A(a), 8 anos

Maria está com um pano na cabeça e com uma trança. Tem

uma cortina atrás dela, e tem o Menino Jesus ao colo a mamar,

ao pé de uma mesa com uma maçã e um limão. Maria tem

tulipas ao pé dela, um pano nas costas e um vestido.

A(b), 8 anos

Apenas dois assinalaram a paisagem do fundo.

Maria a segurar Jesus, com fruta na mesa, há reposteiros,

Maria dá de mamar a Jesus e há um quadro com montes.

A(c), 8 anos

Eu vejo Maria e Jesus e também vejo uma cortina, quatro

cerejas, uma maçã e um limão. E vejo um lago com árvores e

vejo umas riscas.

A(d), 8 anos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 112

Três alunos foram além da descrição inventando uma narrativa:

Maria estava a dar de mamar a Jesus. Jesus foi malandro e viu

fruta em cima da mesa e não queria mais mamar. Depois como

sempre José tinha de pôr uma cortina.

A(e), 8 anos

Maria está a pegar em Jesus Cristo. Mas quando Maria pegou

no seu Filho ela estava a fazer sumo de limão e de maçã e de

cerejas. O que está atrás dela é uma cortina para o seu Filho

não ter frio.

A(f), 8 anos

O Bruno apelando ao seu conhecimento das personagens alargou a sua observação a outra

pintura deste conjunto, a Pietá:

Jesus Cristo tinha nascido e depois tornou-se rei. Passando

algum tempo Pai de Cristo morreu e a Mãe ficou triste.

A(g), 8 anos

A Catarina classificou mesmo a importância dos fatos:

Eu vi o Menino Jesus a tomar leite da mama da Maria, um

reposteiro, um quadro atrás, comida em cima da mesa e Maria

com fatos muito importantes.

A(h), 8 anos

Com os seus apontamentos debaixo do braço dirigimo-nos para o atelier onde estavam

preparadas as mesas com folhas em branco, as tintas e os pincéis. Com o entusiasmo que este

tipo de actividades normalmente provoca, os alunos preencheram as folhas com as suas

Senhoras da Meia Laranja sem hesitações e inibições. Ao apresentar-lhes o material,

conversamos sobre o tipo e tinta (misturada com água) que iriam trabalhar diferente do da

pintura original (com óleo) e sobre qual seria mais rápido, concluindo que o artista deveria

demorar bastante tempo a terminar a obra (processo).

Depois de contemplarem a pintura, esse primeiro contacto pessoal, em tom de conversa

particular de cada criança com a Senhora da Meia Laranja, com notas escritas e traduzida

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 113

plasticamente, foi a vez de verbalizar o contacto, olhar e analisá-la em grupo, pondo em

comum os olhares de cada um.

De novo junto do original, a monitora orientou a conversa colocando questões com a

colaboração da professora, respondendo também a perguntas feitas pelos alunos como: –

Quem pintou? O que é aquilo atrás da Maria e do Menino? Falamos das cores, das formas, dos

vários planos, do vestuário, dos frutos, das opiniões e dos sentimentos suscitados por aquela

obra tocando assim as categorias referidas por Taylor (1988).

As referências usadas para enquadrar a pintura no tempo foram, para além dos outros objectos

da sala, as pinturas e a arca florentina, a época dos Descobrimentos já familiar dos alunos e a

maneira de vestir dessa época diferente da de hoje, sem televisão, sem automóveis (…).

Instruções

Deram-se aos estudantes as seguintes instruções:

1. (junto do original) observem bem esta pintura durante uns minutos (cerca de quinze a

vinte);

2. escrevam umas palavras ou frases sobre aquilo que pensam enquanto a observam (em jeito

de apontamento);

3. (já no atelier) pintem o que recordarem da pintura (podem consultar o que escreveram);

4. (junto do original) agora vamos conversar sobre esta obra de arte.

Perguntas e respostas do debate

Como ficou acordado na sessão de preparação das actividades, e face à ausência de

instrumentos de análise da obra de arte, de educação visual ou de qualquer experiência nessa

matéria e à dificuldade de introduzir conceitos novos e complexos de leitura, optamos por uma

sensibilização e um reconhecimento desses conceitos sem lhes atribuir um nome como

defende Belli (in Parini, 2002, p. 256). Apenas introduzimos a ideia de plano dada a riqueza, a

esse nível, da Pintura da Senhora da Meia Laranja.

Começamos pela primeira categoria proposta por Taylor (1988), a referente ao conteúdo mas,

no seguimento da conversa, as categorias foram-se interrelacionando. As primeiras perguntas

foram sendo respondidas com a descrição do que viam:

M – O que está a fazer o Menino? (conteúdo)

A(vários) – A mamar. (conteúdo)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 114

M – O que está em cima da mesa? (conteúdo)

A(vários) – Fruta, uma jarra com flores... (conteúdo)

M – Porque estarão ali os frutos? (conteúdo)

A(a) – Para a Senhora comer. (conteúdo)

A(b) – Para representar a natureza. (conteúdo)

(…)

Também abordamos a questão dos planos:

M – A Mãe e o Menino estão dentro ou fora de casa? (conteúdo e forma)

A(vários) – Dentro.

M – Porquê?

A(c) – Porque tem a mesa à frente.

A(d) – Porque tem o reposteiro.

A(a) – Porque tem a janela ao fundo.

Gerou-se aqui uma animada discussão sobre se seria uma janela, um quadro ou um calendário

(…)

M – Então temos várias coisas umas atrás das outras, umas sobrepostas às outras. O que está

mais pertinho de nós? (conteúdo e forma)

A(vários) – A mesa.

M – Então esse chama-se o primeiro plano. E a seguir? (conteúdo e forma)

A(e) – A Maria e o Menino.

M – Esse é o segundo plano. E o terceiro? (conteúdo e forma)

A(vários) – A cortina

A(c) – E o quarto, a janela. (conteúdo e forma)

M – A janela e a parede e por último a paisagem.

(Nesta altura gerou-se uma pequena discussão pois as opiniões divergiam, uns achavam que

era uma janela, outros inclinavam-se mais para a ideia de quadro) (…)

Falou-se das formas geométricas estruturais:

M – Olhando bem conseguem ver na pintura formas geométricas? (forma)

Apesar de existir alguma dúvida inicial sobre a capacidade de resposta dos alunos a estas

questões, foi rapidamente dissipada pois foi-lhes fácil reconhecer os círculos e os rectângulos.

Foi um momento de euforia, todos queriam desenhar no ar, com o dedo, junto da pintura as

formas que descobriam. Só os triângulos foram encontrados por apenas um dos alunos. Esta

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 115

descoberta ia sendo confirmada através da utilização de acetatos sobrepostos na pintura.

(Anexo 5) (…)

P – Os pintores estudavam o corpo humano. Mas há qualquer coisa no quadro que faz pensar

que o pintor não sabia muito do corpo humano. O que é? Perguntou a professora da turma.

(conteúdo)

A(f) – A mama está muito em cima. (conteúdo e forma)

M – E porque terá feito assim o pintor? (conteúdo e forma)

A(vários) – Para se ver melhor.

A(g) – Para ficar no cento.

M – Comparando com as outras pinturas, qual acham que mostra melhor o Menino? (conteúdo

e forma)

A(vários) – Esta. (a da Senhora da Meia Laranja).

M – E porque será, se o Menino está ao colo como nas outras? (conteúdo e forma)

A(b) – Porque virou a cabeça para se ver de frente.

(…)

M – Continuando a comparar, qual destas Senhoras (Senhora da Meia Laranja mais as três

que a rodeavam) está mais triste? (emoção)

A(vários) – Aquela (a Pietá).

M – E a mais contente? (emoção)

A(vários) – Esta (Senhora da Meia Laranja).

M – O que estará a pensar a Senhora? (emoção)

A(h) – Está a pensar no Menino.

A(g) – Está contente. (emoção)

M – Gostaram desta pintura, porquê? (emoção)

A(d) – Porque é bonita.

A(g) – Porque é divertida.

A(f) – Gosto dos pormenores.

A(i) – Gosto mas não sei explicar,

A(vários) – Não tem explicação.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 116

Fig.77 Fig.78

Reflexão/Avaliação

Observou-se o comportamento dos alunos, o seu entusiasmo e grau de participação,

notoriamente positivo na conversa animada, fizeram perguntas, descobriram pormenores e

mostraram-se muito motivados criando vários momentos de acesa troca de opiniões. Não

tiveram dificuldade quer na tomada atenta dos apontamentos quer na representação individual

da pintura.

Apesar da maior parte das actividades e da conversa ter sido orientada pela

monitora/investigadora a professora teve uma presença sempre muito interveniente.

Os apontamentos dos alunos, feitos no primeiro momento, focaram essencialmente o tema,

confirmando a ideia de Parsons (1987, p. 22) sobre a apreciação artística nesta fase, e, ao

contrário dos alunos do sexto ano, não referiram aspectos formais como cores ou organização

geral do espaço nem processuais, o que confirma por outro lado, a inexistência de

aprendizagens sobre gramática visual, no âmbito da Expressão Plástica.

De uma maneira geral os alunos mostraram-se interessados e entusiasmados e não

evidenciaram qualquer dificuldade na concretização das actividades propostas. Em relação aos

trabalhos plásticos poderemos avaliar a ausência de inibições e de dificuldades na

representação da Senhora da Meia Laranja. Em relação às questões colocadas funcionaram

como canais sensibilizadores dos olhares recorrendo às vivências e aos conhecimentos prévios

dos alunos introduzindo conceitos de observação estética sem lhes dar nome, à excepção da

noção de plano. Para além da oportunidade do contacto pessoal que o modelo de Taylor

proporciona, a focalização, na verbalização, de todas as categorias de análise daquele modelo,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 117

permitiu às crianças tocarem vários aspectos da obra abrindo janelas para uma análise

abrangente.

Actividade 2

Segunda visita ao Museu. Dia 5 de Maio às 14h15m.

Proposta de Actividade

Nesta visita dos alunos ao Museu pretende-se, através de um jogo, explorar superficialmente a

ideia de textura táctil e a textura visual e, a partir dos tecidos representados na pintura,

explorar os planos da composição no seu jogo claro/escuro numa ampliação animada e

criativa.

Conteúdos

Textura visual, textura táctil, superfície, tecidos, vestuário, composição, planos, proximidade,

profundidade, sobreposição, paisagem, claro/escuro, relação figura/fundo, espaço interior e

exterior.

Recursos

A pintura original, a maqueta grande da pintura com os planos amovíveis, papel cenário com

os diferentes planos recortados, tintas e pincéis de vários tamanhos.

Modo de proceder

Apesar da chuva, a turma chegou à hora marcada. Ainda se lembravam do “fazer de conta”,

experimentado na primeira visita, que eram os senhores convidados para a festa pondo um ar

importante com as mãos atrás das costas ou levantando ligeiramente a saia no caso das

senhoras para não tropeçarem nos vestidos compridos ao subir as escadas.

Fomos directos à sala da pintura analisar a Senhora da Meia Laranja que nos aguardava mais

uma vez. Relembramos a conversa da visita anterior sobre a pintura. Lembravam-se de tudo e

palavras novas que conheceram nessa altura, como coifa, reposteiro ou plano, saíram por

várias vezes, como que a mostrar com orgulho o que sabiam.

A seguir focalizamos a atenção no vestuário.

Alguns exemplos de perguntas e respostas:

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 118

M – As vossas mães vestem-se como esta Senhora? (conteúdo)

A(a) – Não, vestem-se normalmente.

M – Como? Quais as diferenças? (conteúdo)

(vários alunos enumeraram uma série de peças de vestuário feminino actual)

M. – E os bebés?...

(…)

M – Dos tecidos representados qual acham que é o mais grosso? (forma)

A(vários) – O do reposteiro.

M – E o mais fino? (forma)

A(b) – O que está no pescoço da Senhora.

A proposta seguinte foi sentirem, através do tacto, sem olhar, metendo a mão num baú cheio

de tecidos diferentes (Fig. 79 e 80), escolhendo um retalho e olhando a pintura, descobrir

correspondências entre os tecidos tacteados (textura táctil) e os do reposteiro e das roupas da

Senhora e do Menino representados na pintura (textura visual) Venegas (2002, pp. 177-178).

Todos os alunos experimentaram e identificaram facilmente texturas idênticas. O entusiasmo

foi enorme pelo jogo, como se fosse a descoberta de um tesouro no baú. Queriam todos repetir

a experiência e controlavam se os colegas não olhavam o tecido que tacteavam.

Depois, já no atelier, perante a maqueta, relembraram a sequência numérica dos planos, qual o

primeiro, o segundo, o terceiro e o último e reflectiram sobre a razão porque terá o autor

utilizado um reposteiro escuro por trás da figura principal? Será que um florido funcionaria da

mesma maneira? Vamos experimentar (Fig.81 e 82). E colocando um tecido florido a cobrir o

fundo escuro, as perguntas continuaram:

M – Qual fica melhor? (forma)

A (vários) – O escuro.

M – Porquê? (forma)

A(c) – Com o florido fica muito baralhado.

A(d) – Não se vê bem a Senhora e o Menino.

A seguir, organizando-se em três grupos foram, concretizar a proposta de interferir

criativamente na pintura representando plasticamente os planos com tecidos, o das duas

personagens e do reposteiro, em duas propostas (Fig.84, 85 e 86). Apesar de, naturalmente

limitados pelo facto de ser um trabalho de grupo, os alunos deram largas à imaginação,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 119

situação a que Mottet (1996, p. 21) chamava de produção, de expressão onde o aluno traduz e

transmite o que foi interiorizado.

Tapando a maqueta para não haver influências os grupos organizaram-se rapidamente e

começaram o trabalho com entusiasmo. O grupo que sentiu mais dificuldade foi o do plano

das personagens, mas rapidamente o problema foi ultrapassado por dois voluntários que

esboçaram os contornos preenchidos, depois, com a colaboração dos outros elementos do

grupo.

No fim, e ainda por secar, colocámos os trabalhos dos alunos na maqueta a substituir as

reproduções do original. Os alunos, com orgulho, reconheceram que, apesar do original ser

muito diferente, as suas versões estavam engraçadas. Concordaram que entre os dois fundos

que fizeram o liso verde destacava mais as personagens do que o amarelo florido (Fig.85 e

86).

Instruções

Depois de uma pequena conversa sobre o vestuário, deram-se aos estudantes as seguintes

instruções:

1. (junto à pintura) Vamos fazer um jogo, vão meter a mão neste baú e olhar para a pintura e

apalpando, dizer qual lhes parece ser o tecido parecido, na pintura;

2. (no atelier) perante esta maqueta ampliada da pintura vamos pensar nos planos de que já

falamos e experimentar algumas alterações;

3. Imaginando-se artistas vão, a partir da pintura da Senhora da Meia Laranja, pintar os planos

que têm tecidos, depois vamos juntá-los e ver o resultado.

Perguntas e respostas do debate

Foram incluídas na descrição do Modo de proceder e funcionaram principalmente como

motores do jogo e da expressão plástica, recordando e confirmando noções de plano e textura

aprendidas na sessão anterior.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 120

Fig.79 Fig.80

Fig.81 Fig.82

Fig.83

Fig.84 Fig.85 Fig.86

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 121

Reflexão/Avaliação

Nas questões e actividades destinadas a este grupo etário e também ao Jardim infantil, como se

pode verificar, apostou-se no jogo e na ligação às vivências do quotidiano dos alunos na

referência, por exemplo, ao vestuário comparando ou associando, tornando o contacto com a

obra de arte mais emotivo e gerador de conexões e significados.

Pela reacção de satisfação, desenvoltura e entusiasmo poderemos considerar positiva toda a

actividade. Também pensamos que, apesar de não termos introduzido nomes de conceitos para

além da noção de plano, como textura, jogo de claro/escuro, profundidade, chamámos a

atenção dos alunos para esses aspectos da leitura da obra de arte que, provavelmente não lhes

passarão despercebidos quando olharem outras obras de arte.

Em relação à última representação individual da Senhora da Meia Laranja, prevista na ficha

de actividades, e como aconteceu com a turma anterior, os elementos da equipa decidiram

suspender a sua realização visto as primeiras terem sido muito completas e acharem que a sua

repetição seria desmotivadora para os alunos.

Jardim Infantil

Actividade 1

Primeira visita ao Museu. Dia 7 de Maio às 10H00.

Proposta de Actividade

Desenvolver conceitos sobre o próprio, o mundo e a interacção humana em contextos do

quotidiano familiar; explorar conceitos formais na leitura da obra de arte. Utilizar formas de

comunicação diversificadas na leitura da obra de arte; e exprimir impressões plásticas a partir

da leitura pessoal da obra Senhora da Meia Laranja utilizando a técnica da pintura.

Conteúdos

Tentou-se integrar conceitos formais e de conteúdo e mesmo de processo através da

construção da história sem haver a preocupação de lhes dar nome. Conteúdo: relações

familiares, noção de tempo, época diferente da dos alunos, a festa, a mesa, o vestuário; Forma:

à frente/atrás, dentro/fora (relações espaciais), curto/comprido, cores, luz (claro/escuro,

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 122

quente/frio); Processo: técnica da pintura, tintas, pincéis; Emoção: sensações provocados pelas

expressões, pelas cores, opiniões sobre a pintura

Recursos

A pintura da Senhora da Meia Laranja, as cinco pinturas envolventes, acetatos com as formas

geométricas para sobrepor na imagem e facilitar a leitura da composição, papel manteigueiro

A4, tintas e pincéis. Utilizaram-se as tintas e os pincéis que se usam habitualmente no atelier

do Museu e adquiriram-se trinchas para as superfícies maiores. Como normalmente o tempo

que as turmas têm no atelier é muito reduzido, cerca de trinta minutos, e não têm grandes

hábitos de manipulação das tintas, os recipientes com as anilinas estão sempre preparados.

Assim aconteceu com esta turma.

Não se optou pela utilização da grafite por várias razões: por um lado torna-se difícil

preencher a tinta os pequenos detalhes que desenharam a lápis e por outro, porque, como diz

Arno Stern (1974, p. 66) é uma forma de libertarem o gesto e permitir uma expressão directa.

Modo de proceder

À hora marcada a turma chegou ao Museu. Subimos a escadas como se fossemos para uma

festa e, atravessando várias salas, fomos directos à sala da Pintura Antiga onde nos esperava a

Senhora da Meia Laranja.

A monitora explicou que foram convidados a vir ao Museu, já conhecido de alguns, este sítio

onde há muitas coisas antigas e valiosas, para conhecerem esta pintura: – Sabem quem são

estas pessoas?

Sabiam o nome do Menino Jesus, falaram em Nossa Senhora, no nome de Fátima e, para

simplificar adoptamos apenas o nome Maria, Mãe e Filho.

Foi-lhes então pedido que olhassem muito bem para toda a pintura, para todos os cantinhos,

em cima, em baixo, à direita, à esquerda, ao centro, e que fechassem os olhos a seguir para ver

se se lembravam como era a pintura. Repetimos a operação (Fig.87 e 88), abriram de novo os

olhos, olharam muito bem e voltaram a fechar para ficar bem guardada na cabecinha.

A seguir fomos para o atelier onde a reproduziram como se fossem artistas (Fig. 89 a 92).

Com papel do tamanho idêntico ao do original e tintas, iniciaram o trabalho. Todos, incluindo

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 123

a mais novinha, a Inês de três anos, representaram as duas personagens bem destacadas,

envoltas em mais ou menos detalhes.

De novo junto à Senhora da Meia Laranja, colocámos em comum os olhares de cada criança

numa conversa orientada para a observação do conteúdo, da forma, do processo e da emoção

através da construção de uma história que serviu de base a toda a observação e ao trabalho

prático da segunda sessão. O tema da família foi considerado adequado por aproximar

afectivamente as crianças da pintura sendo mais fácil integrar as questões.

Instruções

1.(Junto da pintura) Vão olhar muito bem para a pintura, para todos os cantinhos, em cima, em

baixo, à direita, à esquerda, ao centro e depois fechar os olhos. Estão a lembrar-se como é a

pintura? Repetimos a operação.

2.(No atelier) Agora vão pintar com tintas e pincéis aquela pintura como se fossem o artista.

Perguntas e respostas do debate

No fim regressámos junto do quadro onde conversamos animadamente. Várias questões foram

colocadas para chamar a atenção dos vários aspectos de conteúdo, de forma, de processo e da

relação emotiva, orientando-as para a construção de uma história:

M – O que está a fazer o Menino? (conteúdo)

A(vários) – Está a mamar.

M – Onde estão a Mãe e o Filho? Dentro ou fora de casa? (conteúdo e forma)

Uns responderam dentro, outros, fora. (…)

M – Porque dizem que estão fora? (conteúdo e forma)

A(a) – Porque tem a mesa com frutos.

M – Acham que a mesa está fora de casa? (conteúdo)

A(vários) – Não.

M – O que vemos lá ao fundo?

A(b) – Uma janela.

A(a) – Está a ficar noite.

A(c) – Um bocadinho escuro.

M – Então como são as cores?

A(vários) – Escuras. (forma)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 124

A(c) – As nuvens estão a esconder-se.

M – Acham que é uma paisagem do campo ou da praia? (conteúdo)

A(vários) – Do campo.

(…)

M – Então o que está dentro? E o que está fora? (conteúdo)

Lá concluíram que no exterior era o campo e, no interior, a Senhora e o Menino, a mesa, a

fruta, a louça, o tapete. (…)

M – Acham que é um tapete? (conteúdo)

A(d) – Um telhado.

A(e) – Uma coisa de festa.

M – Será? Reparem naquela janela (ao fundo da sala, com uma cortina e um reposteiro), o

pano branco fininho é uma cortina, o mais grosso de veludo é um reposteiro. O da pintura é

parecido com qual? (conteúdo)

A(vários) – Com o reposteiro.

M – Quem poderia estar por trás do reposteiro? Ficaram a olhar para a monitora sem perceber

muito bem a pergunta. (conteúdo e emoção)

M – Além da mãe e do filho que outras pessoas há numa família? (conteúdo e emoção)

Enumeraram vários elementos (…)

A(b) – O pai.

A(e) – Está a esconder-se.

M – O que estaria a fazer o pai? (conteúdo e emoção)

A(f) – A trabalhar a terra.

Gerou-se a discussão. (…)

M – O que fazem os vossos pais quando chegam a casa? (conteúdo e emoção)

A(d) – Dão-nos um beijinho.

A(a) – Tomam banho.

A(f) – Vêm televisão.

M – E agora uma pergunta difícil – Será que no tempo desta pintura, muito antiga, havia

televisão? (conteúdo)

A(vários) – Não.

(…)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 125

M – Pensando numa outra família com meninos como vós, que nome poderíamos dar ao

menino? (conteúdo e emoção) (…)

Os nomes da família imaginária foram fácil e rapidamente atribuídos: Zé (menino), Lúcia

(mãe), Henrique (pai).

M – Será que as vossas mães se vestem como esta Senhora? (conteúdo e emoção)

A(vários) – Não.

A(e) – A roupa é velha.

M – Velha como? (conteúdo)

A(a) – Já não se usa há muito tempo.

M. – Então como é que se vestem? (conteúdo)

Várias peças de vestuário feminino e masculino foram enumeradas. (…)

M – Sabem o que a Senhora tem na cabeça? Alguns meninos representaram isso no trabalho

que fizeram. É uma coifa, uma espécie de lenço. (conteúdo) (…)

M – De que cores gosta esta Senhora de usar na sua roupa e na sua casa? (forma e emoção)

As cores foram sendo enumeradas. (…)

M – Comparando esta com aquela pintura (a italiana) qual parece ter mais Sol? (conteúdo e

forma)

Cerca de metade dos alunos apontou uma, e a outra metade, a outra. (…)

Educadora – Qual é a que tem cores mais tristes, mais escuras? (conteúdo, forma e emoção)

A maioria virou-se para a Senhora da Meia Laranja.

Educadora – E a que tem cores alegres, com mais luz, com mais Sol? (conteúdo, forma e

emoção)

A(s) – Aquela. (italiana)

(…)

M – Gostaram desta pintura? (emoção)

A(vários) – Sim.

Porquê?

A(g) – Porque tem o Menino.

A(c) – Porque tem o limão.

A(e) – Porque tem flores.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 126

A(a) – Porque a Mãe está a olhar para o Menino.

(…)

Fig.87 Fig.88

Fig.89 Fig.90

Fig.91 Fig.92

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 127

Reflexão/Avaliação

Foi com este grupo etário que mais se apostou no imaginário do jogo do faz de conta, e na

forte ligação às vivências e ao quotidiano dos alunos, tornando o contacto com a obra de arte

emotiva e geradora de conexões e significados. Focaram-se, por isso, especialmente as

categorias de conteúdo e de emoção sensibilizando os alunos, num ou noutro ponto, para

aspectos formais como as cores e processuais como a técnica da pintura. Estas duas categorias

poderiam ter sido mais exploradas se houvesse mais tempo, mas pensamos que nesta fase foi

importante o esclarecimento de determinados conceitos como os da organização do espaço,

dentro/fora, atrás/à frente e os de tempo passado e a ligação emotiva às duas personagens.

Apesar da orientação das actividades ter sido essencialmente da responsabilidade da monitora,

num ou noutro momento a educadora interveio para colocar questões, clarificar ideias e pôr

alguma ordem quando o entusiasmo perturbava.

As perguntas foram surgindo não estritamente pela mesma ordem nem forma do questionário

preparatório (Anexo 4) pois em muitos casos eram orientadas pelas respostas dos alunos.

A equipa sabia à partida que era prática habitual nesta turma o inventar histórias

colectivamente, o que ficou demonstrado no espontâneo surgir de ideias e respostas.

Em relação aos trabalhos plásticos poderemos avaliar a facilidade e desenvoltura na

representação da Senhora da Meia Laranja.

Actividade 2

Segunda visita ao Museu. Dia 11 de Maio às 10H00

Proposta de Actividade

Associar a mensagem da pintura da Senhora da Meia Laranja à família a partir da criação de

uma história. Explorar a noção de plano, grau de proximidade dos elementos em relação ao

observador.

Conteúdos

Relações familiares, a festa, a mesa; à frente/atrás, dentro/fora, ao fundo/à frente; técnica da

pintura, tintas, pincéis, técnica fotográfica, a máquina.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 128

Recursos

A pintura da Senhora da Meia Laranja, a maqueta com os planos amovíveis, papel cenário,

uma tábua para fazer de mesa, tintas e pincéis de vários tamanhos.

Modo de proceder

Nesta sessão fomos de novo visitar a Senhora da Meia Laranja e continuamos a construção da

pequena narrativa iniciada na sessão anterior explorando a ideia de festa e de laços de família,

fomentando a ligação afectiva à pintura e a criatividade.

M – Lembram-se desta pintura?

A(vários) – Sim.

M – Como se chamam as personagens? (conteúdo)

M – Que outros nomes lhes demos? (conteúdo)

M – Quem fazia mais parte desta família? (conteúdo e emoção)

A(a) – O pai.

M – Numa festa de família quem se costuma juntar? (conteúdo e emoção)

Aos poucos foram saindo vários graus de parentesco, alguns confirmados por exemplos

presentes como duas irmãs e dois primos. (…)

E continuamos a história imaginando um jantar de uma festa de família como o Natal.

M – Quem viria à festa? (conteúdo e emoção)

A(vários) – Os avós, os tios, os primos, os padrinhos...

M – Pensando numa ceia de Natal, o que comeriam? (conteúdo)

A ementa foi-se completando com a participação de todos. (…)

Já no atelier perante a maqueta em tamanho natural com os diferentes planos amovíveis e uma

tábua na continuidade da mesa para prolongar o primeiro plano exploramos a ideia de

profundidade usando questões como: – Então o que vemos lá ao fundo? E a seguir? E mais

pertinho de nós? Vamos aproximarmo-nos ainda mais e jantar com a Senhora, o Menino e

toda a família. Pôr a mesa, pintando cada um os seus utensílios foi a proposta de trabalho.

Para isso, foram distribuídos os diferentes papeis, o que gerou euforia e alguma confusão, ao

que a Educadora AMM reagiu pegando num papel para registar os nomes e as personagens. A

mãe e o filho já estavam representados. Quem seriam o pai, a irmã, os avós, os tios, os

padrinhos, os primos?

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 129

Antes de porem a mesa tiraram o retrato como acontece às vezes nas festas de família (Fig.93

e 94). Cada um no seu papel entrou na pintura e foi fotografado. Aproveitamos para conversar

sobre o processo perguntando sobre que material se utiliza para fotografar e pintar o retrato de

alguém.

A seguir desenharam o seu lugar à mesa com o prato, os talheres, o copo e o guardanapo (Fig.

95 a 97). No fim foi-lhes perguntado se todos tinham prato. Depois de alguns momentos de

reflexão um aluno lembrou-se da mãe. – E o bebé? Acrescentou outro que foi esclarecido

pelos colegas sobre o facto do Menino ser demasiado pequeno e já estar a mamar, assim, não

precisaria de prato.

Para concluir, e porque mostraram interesse, depois de fecharem os olhos para recordarem o

original, reproduziram de novo a Senhora da Meia Laranja com excepção da aluna Eva que

faltou.

Instruções

1. Vamos aproximarmo-nos ainda mais e jantar com a Senhora, o Menino e toda a família.

Vamos pôr a mesa, cada um desenha o seu lugar na mesa.

2. Agora vamos tirar fotografias de família.

Perguntas e respostas do debate

Foram incluídas na descrição do modo de proceder.

Fig. 93 Fig. 94

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 130

Fig. 95 Fig.96 Fig. 97

Reflexão/Avaliação

A ideia de jogo defendida por Analice Dutra Pillar (1996) e Francoio (S.d.) foi bastante

explorada, nesta sessão, com o grupo dos mais pequenos quer no inventar a história e no fingir

que faziam parte da família dos personagens da obra, quer na utilização da maqueta grande

onde os alunos puderam intervir, entrando literalmente na pintura e extravasando os seus

limites imaginando um prolongamento da mesa.

O plano previsto na sessão preparatória da equipa foi cumprido acontecendo também um ou

outro imprevisto como a pintura final, motivada apenas pela vontade dos alunos.

Reflexão/Avaliação do Ciclo três

A reflexão deste Ciclo três focou o conteúdo e estratégias das visitas guiadas ao Museu,

direccionadas para a adequação da análise da obra de arte, apoiada no modelo de apreciação

artística escolhido, assim como as actividades de ensino/aprendizagem, contextos, recursos

educativos considerados todos à luz das capacidades e práticas pedagógicas habituais dos

intervenientes (investigadora, professoras e alunos) e dos contextos educativos portugueses e

da sociedade em geral. Para isso foram feitas pelos elementos da equipa de investigação-

acção, reflexões/avaliações sistemáticas baseadas num processo de recolha e análise de

informação em diálogo com algumas ideias inspiradas na literatura, de forma a que a prática

reflexiva dos elementos da equipa pudesse enriquecer a investigação e trazer algo de novo aos

alunos envolvidos.

Pensamos ter sido muito útil a fase de preparação das visitas de estudo na escola, previamente

combinada, pois as três turmas estavam à vontade no espaço do Museu, respeitando as regras

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 131

básicas de contacto com o espólio e os espaços do Museu, e de contacto interpessoal na

expressão de opiniões e na ordem da conversa, sem atropelos e constrangimentos. Em relação

aos dois níveis mais avançados notou-se que estavam sensibilizados para esta matéria, pois

mostraram-se motivados para observar e conversar sobre arte.

Os elementos da equipa, cuja receptividade para colaborarem com o museu que foi excelente,

consideraram suficiente a preparação dos intervenientes, quer dos professores, quer dos alunos

para o tipo de actividades desenvolvidas e os objectivos estabelecidos. A dificuldade

encontrada na aplicação do método de investigação-acção foi ao nível do tempo disponível

para reunir toda a equipa, por isso em alguns momentos a reunião era entre cada uma das

professoras e a técnica do museu isoladamente, apesar de se tentar sempre transmitir a opinião

dos outros elementos.

Ao longo destes três Ciclos fomos reflectindo e recolhendo dados sobre os seguintes aspectos:

(i) O grau de receptividade das professoras do primeiro e segundo ciclo e jardim de infância

para colaborarem com o museu; (ii) a possibilidade de programar e implementar uma nova

estratégia de apreciação da obra de arte para alunos de diversos níveis, desde o pré-escolar ao

segundo ciclo, respeitando os níveis etários e respectivos interesses, motivações e

capacidades; (iii) a possibilidade de adaptar estratégias de apreciação artística ao contexto do

Museu, como foi o caso do modelo de Taylor; (iv) a necessidade de readaptar no Ciclo três um

ou outro aspecto previsto na programação do Ciclo dois; (v) as dificuldades encontradas ao

fazer o trabalho de campo usando o método de investigação-acção.

4.3 Sumário

Neste capítulo descreveram-se os três Ciclos de investigação-acção. No Ciclo um organizou-se

a equipa de trabalho que redefiniu o problema da investigação e reflectiu sobre estratégias de

apreciação artística. O Ciclo dois consistiu na preparação dos materiais educativos para serem

usados no Ciclo três, com crianças, no Museu Nogueira da Silva. No Ciclo dois descrevem-se

as diversas sessões de preparação profissional da equipa e no Ciclo três reflecte-se sobre a

adequação da estratégia utilizada na leitura da obra de arte a Senhora da Meia Laranja com

crianças de três níveis etários. Concluiu-se que as estratégias seleccionadas pela equipa foram

adequadas e o modelo de Taylor era apropriado ao contexto português.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 132

CAPÍTULO 5 ANÁLISE DE DADOS

5.1 Introdução

Este capítulo analisa os dados recolhidos nos três Ciclos da investigação, enfatizando nas

visitas das escolas ao Museu, os comportamentos dos intervenientes e suas respostas verbais e

visuais e nas sessões de formação e nas actividades de análise da obra de arte, a adequação e

utilidade das estratégias seleccionadas, respondendo às questões da investigação.

5.2 Análise do Comportamento dos Intervenientes

As avaliações de todos os elementos da equipa, juntamente com as notas de campo da

investigadora e as gravações de vídeo permitiram confirmar que a motivação dos

intervenientes foi grande. Por outro lado, as três professoras dos respectivos grupos,

consideraram a reacção dos alunos positiva quanto ao interesse e entusiasmo pelas actividades

propostas: segundo AM foi entrega total. Para LA foi bastante positiva porque existe uma

interacção entre eles e o que estão a visualizar e para AMM foi participativa e atenta. Os

alunos mantiveram-se sempre atentos e motivados.

A utilização do modelo de apreciação artística de Taylor parece ter sido bem aceite pelos

alunos no momento da contemplação, levada muito a sério por todos, olhando, voltando a

olhar, mudando de posição e de ângulo, mais à frente, mais atrás, para verem melhor e

tomarem as suas notas com atenção e ordem. Na análise da pintura da Senhora da Meia

Laranja a participação foi grande e animada tendo-se caracterizado pela troca de diferentes

perspectivas, levando a momentos de debate vivo, principalmente nas turmas do terceiro e

sexto anos. Nas actividades da expressão plástica o entusiasmo marcou a representação da

obra e os trabalhos de grupo.

Todas as actividades foram orientadas e despoletadas pela monitora do Museu com a

colaboração das respectivas professoras e de acordo com o que tinha sido planeado no Ciclo

dois. Algumas das questões colocadas foram as inicialmente preparadas, outras foram

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 133

surgindo no desenvolvimento da conversa. Foram, de uma maneira geral, facilmente

entendidas pelos alunos ou, num ou noutro caso, com a colaboração das respectivas

professoras das turmas que conheciam bem os alunos, foi dado um melhor esclarecimento ou

uma colocação diferente da mesma questão.

De uma maneira geral pensamos que os alunos se mantiveram sempre motivados para esta

conversa sobre a pintura da Senhora da Meia Laranja e podemos acrescentar que não se

registaram desmotivações, ou situações a que Taylor (1988, p. 290) chama de experiências de

aversão, como consequência de experiências rotineiras e pouco exigentes ou baixo grau de

motivação e entusiasmo por parte da monitora e das professoras transmitida aos alunos.

Tratou-se de uma visita cuja preparação foi adequada ao público-alvo, suficientemente

flexível, pensada em equipa com os próprios professores que conheciam os seus alunos.

Houve uma adequação da linguagem e da quantidade de informação ao nível etário. Por outro

lado havia alguns conhecimentos, principalmente dos alunos do sexto ano, dos dados a

explorar que os motivou a ler e descobrir não só a Senhora da Meia Laranja, mas também as

obras envolventes e consequentemente outras obras de arte.

5.2.1 Análise dos Dados Verbais e Plásticos

Para completar a análise do comportamento foram também importantes os dados teóricos

fornecidos por autores como Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977) e Parsons (1987) que

distinguem diversos estádios de desenvolvimento estético. Foi interessante verificar que os

trabalhos plásticos realizados pelos alunos resultantes da contemplação da obra e a troca

verbal de olhares se relacionavam com esses períodos.

Um dos interessantes aspectos da investigação foi conhecer o tipo de apreciação artística feita

por crianças de diferentes níveis etários, confirmada, nos trabalhos dos alunos e nas

explicações verbais sobre a pintura, dados esses que deverão ser considerados em futuras

programações das actividades que coloquem os alunos em contacto com obras de arte.

Os trabalhos plásticos tão importantes, segundo Lowenfeld e Brittain (1977) na

consciencialização e desenvolvimento estético, proporcionaram às crianças um momento de

prazer e a materialização de um olhar pessoal e permitiram a leitura que as crianças destes três

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 134

níveis têm da realidade. É interessante, ao comparar os três blocos de trabalhos, ver o quanto o

nível etário influencia a representação plástica, algumas das características de cada período e o

quanto as vivências pessoais, as capacidades técnicas, a utilização de esquemas ou a

imaginação das crianças se diferenciam e enriquecem esses trabalhos (Anexo 6).

Claro que estas fases não são estanques e apesar da maioria dos trabalhos corresponderem a

determinadas características como podemos verificar na análise seguinte, alguns deles

aproximam-se mais da fase anterior ou posterior.

A verbalização do contacto com a obra permitiu por um lado dar oportunidade aos alunos de

dizerem mais do que aquilo que o seu trabalho plástico possa transparecer, por outro confirmar

e aproveitar as características específicas de cada fase para motivar o contacto com a Senhora

da Meia Laranja e, ainda, a partir das categorias de conteúdo, forma, processo e emoção,

defendidas por Taylor (1988) completar e aprofundar esse primeiro contacto dotando os

alunos de sensibilidade, abertura, e mesmo alguns instrumentos de leitura de qualquer obra de

arte.

Jardim Infantil

Conteúdo

Ao fazermos uma leitura horizontal de cada nível confirmamos algumas das características

apontadas por Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 381-382), como por exemplo a

enumeração dos elementos sem os relacionar. Olhando as representações do alunos do Jardim

Infantil aparecem com destaque formas e elementos familiares: a Mãe e o Menino foram

representados por todos e em grande destaque ocupando quase sempre o tamanho da folha,

oito crianças sobrepõem o Menino na Mãe e seis separam as personagens. Em relação aos

outros elementos, oito dos catorze alunos representaram frutos normalmente isolados,

espalhados pela folha, apenas duas desenharam a mesa e o reposteiro, uma a paisagem e cinco

completaram a obra com a moldura (duas com prego).

Na conversa sobre a pintura o conteúdo teve bastante destaque não só como motivação para o

contacto com a pintura da Senhora da Meia Laranja, mas também como suporte emotivo,

apostando-se no imaginário do jogo do faz de conta, e na forte ligação às vivências e ao

quotidiano dos alunos através dos laços familiares.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 135

Forma

Parsons (1987, p.121) chama-lhe o primeiro estádio, o do Favoritismo e destaca a cor como o

elemento eleito e podemos confirmar isso na profusão de cores usadas sem a preocupação da

fidelidade ao real. Também para este autor, nesta fase, não há grandes pontos de referência

exteriores à vivência da criança, a arte é essencialmente um estímulo para experiências

agradáveis, onde são permitidas quaisquer associações ou memórias, mesmo que não existam

na obra a apreciar, daí a inclusão de uma tartaruga, de uma árvore, de um microfone, de

sapatilhas no Menino ou do Sol e da chuva.

O estímulo que a interacção com o mundo e neste caso particular com a obra de arte, segundo

Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 381-382), pode contribuir para, numa fase

seguinte, desenvolver a capacidade de distinguir diferenças, explorar e descobrir outras formas

na expressão de preferências. Foi o que se pretendeu questionar na verbalização sobre a

Senhora da Meia Laranja, sensibilizando os alunos, num ou noutro ponto, para aspectos

formais como as cores distinguindo e relacionando as diferenças entre duas pinturas e

esclarecendo determinados conceitos de organização do espaço, dentro/fora, atrás/à frente.

Podemos talvez considerar que o estímulo da interacção com a pintura provocou algumas

alterações entre a primeira e a segunda representação, onde é notória a diferença na

organização dos elementos no espaço da folha e no incluir elementos ausentes nos primeiros

trabalhos, como se pode ver nas imagens seguintes (Fig. 100, 101 e 102).

Processo

Esta foi a categoria menos tratada abordando apenas duas técnicas de representação do retrato

a pintura e a fotografia e os respectivos materiais necessários.

Estas duas categorias (forma e processo) poderiam ter sido mais exploradas se houvesse mais

tempo, mas pensamos que nesta fase foi importante o esclarecimento de determinados

conceitos e a ligação emotiva à pintura através das duas personagens.

Emoção

Para além dessa ligação afectiva ao tema quer na representação plástica quer na verbalização,

e em relação ao contacto concreto, activo e momentâneo que as crianças deste nível mantêm

com a realidade, esse amar (apreciar) uma coisa e detestá-la, ou apreciá-la de modo diverso no

momento seguinte, Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 381-382), podemos ver patente

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 136

nas diferenças de representação entre o trabalho plástico inicial e o último (Fig.98 e 99), como

se nesses dois momentos a pintura da Senhora de Meia Laranja se transformasse a seus olhos,

destacando e introduzindo outros elementos ou dando-lhe outro colorido.

Também em relação às respostas que deram à pergunta se gostaram da pintura foram

essencialmente descritivas de elementos isolados e não temos a certeza se seriam as mesmas

no dia seguinte:

M – Gostaram desta pintura?

A(vários) – Sim.

Porquê?

A(g) – Porque tem o Menino.

A(c) – Porque tem o limão.

A(e) – Porque tem flores.

A(a) – Porque a Mãe está a olhar para o Menino.

(…)

Fig.98 Fig.99

Fig.100 Fig.101

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 137

Fig.102

3. º Ano

Conteúdo

Apesar de autores como Vernon (Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 382-385) considerarem que

na idade escolar a criança identifica coisas que reconhece, mas não as organiza isolando-as,

não respeitando a atmosfera geral e a mensagem da obra de arte, parece-nos mais certa a

posição de Parsons (1987, p. 22) que sustenta, sobre a apreciação artística neste grau, a que

chama de grau da beleza e realismo, a ideia dominante de que a pintura tem que representar

alguma coisa, ter um tema e onde o realismo dessa representação é muito valorizado. Olhando

os trabalhos e lembrando a conversa do grupo, há já tentativas de perceber o tema, a

mensagem e a história organizando os diferentes elementos num todo, pelo menos ao nível das

personagens principais e da mesa com os frutos, (Fig.103) mais próximo das representações

do sexto ano do que das do jardim infantil, numa busca de proximidade ao real.

Também na verbalização o facto do artista ter distorcido o tronco do Menino e elevado os

seios da Senhora para centrar o tema destacando a mensagem da aleitação foi muito bem

compreendida pelos alunos.

A(f) – A mama está muito em cima.

M – E porque terá feito assim o pintor?

A(vários) – Para se ver melhor.

A(g) – Para ficar no centro.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 138

Forma

Em alguns casos nota-se ainda uma carga simbólica mais forte que as preocupações de

realismo Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 382-385) como, por exemplo, no

rebatimento das frutas na mesa à qual acrescentam pernas (Fig.106), na colocação de um

tapete no chão (em dois trabalhos), no preenchimento da folha com figuras geométricas,

funcionando como fundo e do qual se destacam as duas personagens encimadas pelo Sol e

pelas nuvens (Fig.105), nas figuras centrais de corpo inteiro, ou na ausência da paisagem de

fundo (Fig. 105 e 104) (apenas quatro a representam, ou imprimem uma nota de exterior). A

jarra com flores passa despercebida (apenas uma representação).

A verbalização foi importante para focalizar a atenção para os planos, ausentes na

representação, e para a sua sobreposição e destaque através do jogo claro/escuro.

Processo

Em relação à técnica do óleo sobre madeira foi feita a comparação com a utilizada pelos

alunos (tinta de água sobre papel) no tempo de secagem e essencialmente no efeito final.

Emoção

O falar sobre a pintura veio completar e verbalizar aquilo que ao nível da emoção estaria

provavelmente implícito nas representações plásticas, mas difícil para quem as analisa de tirar

conclusões.

M – Gostaram desta pintura, porquê?

A(d) – Porque é bonita.

A(g) – Porque é divertida.

A(f) – Gosto dos pormenores.

A(i) – Gosto mas não sei explicar,

A(vários) – Não tem explicação.

E para facilitar a interpretação da expressão da Senhora foi utilizada a comparação com as

outras Senhoras representadas na sala.

M – Continuando a comparar, qual destas Senhoras (Senhora da Meia Laranja mais as três

que a rodeavam) está mais triste?

A(vários) – Aquela (a Pietá).

M – E a mais contente?

A(vários) – Esta (Senhora da Meia Laranja).

M – O que estará a pensar a Senhora?

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 139

A(h) – Está a pensar no Menino.

A(g) – Está contente.

Nesta fase a influência do adulto, segundo Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 382-

385), é muito forte. Constatamos que as crianças estavam por vezes dependentes, por

exemplo, da opinião do professor. Assim, mais importante que orientar, foi importante

incentivar o desenvolvimento da consciência estética chamando a atenção para determinados

aspectos de conteúdo, forma, processo e emoção, mas tentando sempre desenvolver neles a

autonomia de opiniões deixando os alunos falar, não interferindo na expressão de emoções ou

opiniões sobre a obra de arte que por várias vezes se tornaram bastante vivas.

Fig.103 Fig.104

Fig.105 Fig.106

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 140

6.º Ano

Conteúdo

Também para Vernon (in Lowenfeld e Brittain, 1977, pp. 385-388), à medida que o tempo

passa o indivíduo vai se afastando das suas representações egocêntricas e desenvolvendo uma

maior consciência de si próprio e do mundo que o rodeia, sobre o qual pode ter uma opinião

crítica. Em determinado momento da conversa de grupo uma aluna perguntou como é que o

artista terá feito aquela pintura, se terá usado alguém para posar, demonstrando uma ideia de

processo e de contexto exterior ao seu próprio mundo. Foi-lhe naturalmente explicado que

acontecia normalmente de duas maneiras: ou eram usadas gravuras mais antigas como base de

criação ou usavam de facto modelos humanos.

As representações plásticas estão mais dependentes das suas capacidades técnicas do que da

sua percepção do mundo que, para Parsons (1987, p. 23), é agora mais alargada conseguindo

ter consciência de que a arte exprime a experiência, a criatividade, originalidade e

profundidade de sentir de alguém em contextos temporais específicos, fomentada pelo facto de

na escola terem já abordado diferentes períodos da História da Arte: – “É uma Madona do

Renascimento”. Foi a expressão usada por um aluno ao aproximar-se da pintura, mostrando à

partida uma consciência sobre o tema de um contexto diferente do seu.

Forma

É nesta fase que os alunos gostam de exercitar o pensamento abstracto e apreciam as obras

complexas que gostariam de conseguir realizar. No momento da verbalização a própria

palavra abstracta, sua conhecida das aulas de Educação Visual e Tecnológica, surgiu bem

interiorizada pelos alunos. Ao falarmos das formas geométricas básicas da estrutura da

pintura, sobrepostas em acetatos com as diversas formas, compondo o esquema total, a

professora colocou a questão: – Fica um quadro abstracto ou realista? (apelando para os

conhecimentos dos alunos sobre outra época da História da Arte – a Contemporânea)

A(vários) – Abstracto.

Apesar de se aperceberem da complexidade da obra de arte e da sua incapacidade técnica para

a reproduzir, notou-se nos seus trabalhos uma maior aproximação à organização do modelo

original (Fig.107 e 108) apesar de ainda haver muitos contactos com a fase de representação

anterior como por exemplo no colocar as personagens de corpo inteiro ou no acrescentar

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 141

pernas à mesa (Fig.109 e 110). Com uma maior consciência da organização formal da obra de

arte, bem demonstrado na verbalização do contacto com a obra, os seus trabalhos aproximam-

se do original no destaque e tamanho das personagens, na inclusão de todos os detalhes desde

os frutos e as flores da mesa, aos pormenores dos planos do fundo.

Processo

Em relação ao processo demonstraram possuir conhecimentos sobre a técnica utilizada,

referiram que o óleo teve o seu aparecimento no Renascimento e que a sua secagem demorada

permitia o retoque dos pormenores, o que não acontecia com as técnicas anteriores (a cera e a

gema de ovo) que secavam rapidamente não permitindo correcções. Referiram-se também à

utilização da madeira como suporte e a sua substituição pela tela a partir desta época.

Emoção

Apesar de, naturalmente, nos seus trabalhos não conseguirem reproduzir a intensidade da

expressão e emoção, conseguem descobri-la na obra de arte dos outros (Parsons, 1987, p. 23).

Notou-se esse facto na discussão oral, ao darem resposta à solicitação de expressarem, numa

palavra, aquilo que a pintura os fazia sentir, surgindo respostas variadas e algumas

antagónicas, comprovando a abertura da obra de arte a diferentes interpretações como defende

Eco (1986):

– Acto de fraternidade.

– Amizade.

– Tristeza.

– Carinho.

– Amor.

– Afecto.

– Esperança.

– Caridade.

– Humor.

Alguns alunos adiantaram explicações:

– Tristeza pelas cores escuras.

– A paisagem dá um ar de tristeza.

– Alegria no dar de mamar, na calma da Senhora.

– Humor, a Mãe a entreter o Menino, está feliz.

– O sorriso.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 142

Fig.107 Fig.108

Fig.109 Fig.110

Para além das características que marcam as diferentes idades e fases do desenvolvimento é

interessante verificar as opções feitas, opções estéticas que fazem com que todas as produções

sejam diferentes formando um conjunto rico em cores, formas, e sinais de individualidade. A

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 143

consciência estética, o desenvolvimento psicomotor e a criatividade avançam simultaneamente

no todo do crescimento de cada indivíduo (Lowenfeld e Brittain, 1977).

5.3 Visitas Guiadas ao Museu Nogueira da Silva: uma Prática em Construção

No capítulo da revisão da literatura onde foi referida a programação do SE concluiu-se que

algum trabalho tem sido feito e, apoiado na formação pedagógica da monitora que as aplica e

investigadora principal desta investigação-acção, e na formação específica na área da

educação em museus em que tem participado, as actividades têm surgido quase que de uma

forma intuitiva.

É excepção disso a investigação-acção desenvolvida em 1997 no âmbito do Projecto Museu,

Escola e Comunidade (MEC) desenvolvido pelo Instituto de Estudos da Criança (IEC), sob a

coordenação da Professora Patrícia Joyce, em colaboração com alguns museus do Distrito de

Braga que apresentaram os seus sub-projectos, e onde se experimentaram, formas de trabalho

de equipa para a construção de actividades de comunicação do público infantil com os

objectos e, a partir da qual, se implementou no Museu o projecto Olhar, ouvir e sentir o

Museu.

Nessa investigação o problema central foi a relação entre os museus e as escolas e o

funcionamento dessa relação. O Museu Nogueira da Silva em conjunto com três escolas da

zona contribuiu para essa pesquisa experimentando diferentes abordagens a quatro objectos,

uma escultura, uma arca florentina, um frasco de chá e uma pintura. Foi na abordagem à

pintura do Porto de Nápoles que nos apercebemos que para além da transmissão de

informação histórica e actividades práticas relacionadas com ela, muito havia para fazer em

relação a estratégias de apreciação artística e à leitura da obra de arte e à preparação da

monitora e professores nessa matéria.

Digamos que a actual investigação-acção surgiu também de uma reflexão sobre o trabalho

realizado na anterior e da necessidade de destacar a pintura do rol dos objectos museológicos e

dar-lhe um tratamento mais aprofundado atendendo à sua especificidade e à diferença de

abordagem entre os objectos artísticos e os outros objectos da cultura material. Essa diferença,

já referida na revisão da literatura, por García Blanco (1994) na sua ideia de abordagem

analítica e objectiva aos objectos materiais e abordagem afectiva, emocional e subjectiva à

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 144

obra de arte, ou por Aurora León (1996) na distinção que faz do nível objectivo e nível

subjectivo da educação no museu.

Durante a existência do SE, ao experimentar estratégias enriquecidas por actividades diversas

para o conjunto de objectos do Museu, como já referimos, ficamos sempre com a sensação que

o tratamento da pintura poderia ir muito mais além, potenciando mais a sua riqueza

interpretativa emotiva e descodificada a sua estrutura formal e processual, mas para o qual não

tínhamos suporte teórico nem preparação. Foi esse desafio que nos moveu para este trabalho

de investigação-acção e para o pesquisar sobre o que se tem feito e pensado sobre estratégias

de apreciação artística para o público infantil e, simultaneamente potenciar a comunicação

com a obra de arte e, mais precisamente, o conjunto de pinturas renascentistas do Museu

Nogueira da Silva.

Essa abertura a abordagens afectivas, emocionais e subjectivas quando pensamos em

comunicação com a obra de arte, na sua originalidade e na subjectividade de sentir e apreciar

dos diversos públicos, marca o papel de mediação dos intervenientes no sentido de facilitar a

comunicação que é essencialmente travada a dois, na contemplação, entre a obra de arte e o

observador. Esta conclusão foi importante para toda a equipa e marcou a escolha do modelo de

apreciação artística de Taylor (1988), pois valoriza o contacto contemplativo e verbal com a

obra de arte.

Contemplativo porque como Witkin (in Taylor, 1988, p. 2) defende, para além do mundo

estudado em disciplinas de história ou matemática, existe, para o aluno, um mundo pessoal de

sensações e sentimentos, privado, solitário que não partilha com ninguém e não ter em atenção

esse mundo ou simplesmente acabrunhá-lo, pode tornar a sua existência emocionalmente

confusa ou sem sentido.

Em relação ao contacto verbal foi essencial para: completar a observação essencialmente

descritiva, bem evidente nas notas escritas dos alunos (na descrição da acção); para a

confirmação pelos alunos do sexto ano de conhecimentos adquiridos na escola sobre o

Renascimento; sensibilização ou aquisição de instrumentos de leitura da obra ao nível do

conteúdo, forma, processo e emoção, que permitiram aos alunos ir mais longe que a simples

observação descritiva atingindo uma observação estética (Parini, 2002).

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 145

Referente à parte de expressão plástica parece-nos que a opinião de Sueli Ferreira (1994)

sintetiza o seu interesse:

(...) experienciando a arte, o sujeito dinamiza a percepção,

colocando-se por inteiro no movimento interpretativo que se

desvela o processo idiossincrático de ver e sentir as coisas do

mundo(…)

Ferreira, 1994

Não podemos afirmar que os alunos perante outras obras de arte utilizem os instrumentos de

leitura adquiridos ou para os quais foram sensibilizados na leitura da Senhora da Meia

Laranja, até porque de certeza que as características de conteúdo, formais, processuais e

emotivas de qualquer outra obra, mesmo que da mesma época, provocará leituras diferentes,

mas acreditamos que o seu olhar não será o mesmo a partir desta experiência, e que se

lembrarão que existem formas geométricas para além do que está visível, que existem

explicações para o pintor distorcer ou alterar a estrutura de um corpo humano, que existem

intenções e simbologias escondidas, que as cores podem dar a sensação de luz e calor, que

planos sobrepostos e a utilização da paisagem pode dar a sensação de profundidade, que

apesar de cenas estáticas as pinturas contam ou podem contar histórias enfim, que ao olhar

para uma pintura podemos descobrir coisas que não estão visíveis através de uma observação

estética (Parini, 2002).

A avaliação feita pela equipa de trabalho também considerou positiva a actividade de

apreciação artística e de leitura da obra de arte. As professoras foram da opinião que de uma

forma organizada e utilizando um modelo de leitura da obra de arte no contexto do Museu,

completam e trazem algo de novo à actividade lectiva normal, focalizando a atenção para

experiências de contacto dos alunos e professores com obras de arte, fornecendo-lhes

instrumentos para olhar e falar sobre qualquer obra de arte. Às questões colocadas às

professoras da equipa sobre se achavam que estas actividades deveriam ser incluídas nas

futuras programações do SE e sobre o seu interesse, responderam o seguinte:

Acho que devem ser incluídas, mesmo nestas idades. (Jardim de

Infância) Despertaram novas realidades e aquisição de novas

competências. É uma forma motivante de apreciação de obras

de arte, onde as crianças não só vêem, como interagem.

AMM

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 146

Sim. Despertam a capacidade de observação (dos alunos) e a

sua entrega ao imaginário.

AM

Sim, no museu é importante a atitude de quem mostra e fala

das obras expostas e consegue captar de uma forma dinâmica a

atenção dos alunos.

Complementar o ensino, por vezes teórico das salas de aula.

LA

5.3.1 Adequação da Estratégia Proposta

A necessidade de saber mais sobre a exploração do contacto de alunos com obras de arte

levou-nos a procurar conhecer estratégias de apreciação artística e a pensar possibilidades de

adaptação de algumas dessas estratégias ao contexto do Museu Nogueira da Silva,

programando e implementando a análise de uma obra de arte do Museu, para alunos do pré

escolar, primeiro e segundo ciclos, respeitando os seus níveis etários e respectivos interesses,

motivações e capacidades. Pensamos que foi conseguido apenas com algumas limitações de

tempo que não permitiram a exploração mais aprofundada de alguns conceitos tais como o de

textura, ou de comparação de períodos da História da Arte e de técnicas para os alunos do

sexto ano.

De qualquer maneira pensamos que os alunos utilizaram bem o modelo de Taylor, que

escolhemos como base, ou seja: a contemplação, a verbalização e a expressão sobre a obra de

arte tendo em conta as categorias desse modelo. Exploraram-se alguns instrumentos de leitura

da obra de arte que motivaram os alunos a ler e descobrir a Senhora da Meia Laranja e as

pinturas envolventes e confiamos que, ao olhar outras obras de arte os utilizem e ultrapassem a

simples observação descritiva e apliquem também a observação estética (Parini, 2002, p. 103).

A revisão da literatura permitiu-nos concluir que as estratégias referidas ou adoptadas para

apreciar uma obra de arte têm em comum algumas fases tais como: o olhar, o conversar e o

experimentar por ordem diferente de actuação ou de importância. Por exemplo Taylor (1988)

valoriza a contemplação de uma obra e depois a verbalização do que foi observado focando o

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 147

conteúdo, a forma, o processo e a emoção aliando a crítica e a prática, enquanto Gonçalves,

Fróis e Marques (2002) utilizam logo a observação dialogada de duas obras, das suas

diferenças e semelhanças a nível formal, processual e temático e por fim a experimentação.

Todas as estratégias nos parecem válidas e geradoras de experiências ricas e motivadoras do

gosto pela arte e, como já vimos, a arte tem de diferente dos outros objectos do museu, a

capacidade de se abrir a múltiplas interpretações. A obra de arte é desencadeadora de

múltiplas interpretações que, segundo Umberto Eco (1986, p. 147) se deve à poética da obra

aberta que permite a uma cultura afirmar-se valorizando uma descontinuidade da experiência

em vez de uma continuidade convencionalizada diante do universo das formas e das operações

interpretativas.

Para não coarctar, ou antes, permitir ao máximo o exercício dessa potencialidade como já

referimos, optamos por autores, como Taylor, que valorizassem num primeiro momento a

contemplação individual da obra de arte cumprindo, assim, os aspectos contemplativos da

apreciação artística. (Taylor, 1988, pp. x, xi, xii)

Pensamos que foi perfeitamente exequível e resultou quer o que nos propusemos fazer no

Ciclo 2, o da preparação das actividades criando-se relações de trabalho entre profissionais das

escolas e do Museu preconizadas também pelo modelo de Taylor (1988, pp. x, xi, xii), quer na

aplicação de estratégias de apreciação artística propostas daquele autor, marcando a actividade

do Ciclo 3 em dois momentos: um direccionado para a contemplação e para a verbalização

que, apesar das devidas adaptações de linguagem e complexidade de informação aos três

diferentes níveis, teve a mesma estrutura e sequência e onde incluímos o tomar notas para o 3.º

e 6.º anos e o registo plástico para todos, sem interferência da equipa, no mesmo espírito de

dar largas à individualidade de interpretação; e outro direccionado para a exploração prática e

temática igualmente numa postura reflexiva e crítica.

Na verbalização o papel do mediador foi o de auxiliar o contacto de cada um e de todos numa

conversa animada, abrindo portas para uma análise estruturada da obra de arte, alargando a

experiência individual inicial a outras emoções, outros detalhes, outros olhares, cumprindo,

nesta fase, mais uma vez, os aspectos reflexivos e críticos do modelo de Taylor (1988, pp. x,

xi, xii).

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 148

No diálogo com os alunos tentamos levantar questões de conteúdo, forma, processo e emoção

e a conversa aconteceu naturalmente sem termos a preocupação de seguir rigidamente a ordem

das questões preparadas.

De qualquer modo foi muito útil para a elaboração das perguntas orientadoras da verbalização

do contacto com a Senhora da Meia Laranja, a sua monitorização uns meses antes por alunos

de outra escola, e cujas respostas serviriam de base, com as várias adaptações aos níveis

etários e ao modelo de Taylor. As actividades e a linguagem foram adaptadas aos diferentes

níveis etários e nesta dinâmica de diálogo com a obra de arte os educadores e as suas questões

contribuíram para facilitar e enriquecer esse contacto com a obra.

Como já vimos, para além do modelo de Taylor (1988) que adoptamos, as actividades foram

pensadas tocando várias das sugestões de autores analisados no segundo capítulo, tentando

articular diversas abordagens à obra de arte para enriquecimento do contacto dos alunos das

três turmas com a obra em estudo. Por isso fomos sensíveis a estratégias de outros modelos

como: (i) à de Mottet (1996) de onde se retirou a ideia de focalização do olhar num tema ou

característica;

(ii) à comparação defendida por Feldman (1970) ou por Gonçalves, Fróis e Marques (2002)

com as outras pinturas da sala relacionando por oposição a luminosidade da pintura italiana e

da pintura flamenga e respectivos contextos climatéricos ou a diferença das expressões de

tristeza da Pietá e de calma e bem estar da Senhora da Meia Laranja;

(iii) à estratégia sintetizada por Alison Kelly (in Clement, 1994, pp. 8-9) aplicando a descrição

e a análise quer nos apontamentos dos alunos quer em alguns momentos da verbalização, a

comunicação em todo o processo e em vários sentidos (obra de arte – alunos – elementos da

equipa), a resolução de problemas e a expressão quer na representação da pintura do início e

do fim, quer no trabalho prático de focalização do olhar ou no inventar histórias;

(iv) de Jean Coombe, (in Clement, 1994, pp. 10-15) aproveitou-se a ideia de ligação à

realidade do aluno que pensamos fazer todo o sentido, principalmente para o nível do Jardim

Infantil;

(v) também se utilizou a ideia de jogo defendida por Analice Dutra Pillar (1996) e Francoio

(S.d.) na utilização da maqueta de tamanho grande, permitindo aos alunos uma intervenção,

modificando e entrando literalmente na pintura, ou como refere Agren (1995) no descobrir

sensorial, tacteando pedaços de tecido dentro de um baú, como se fosse um tesouro, ou ainda

inventando histórias e acrescentando a pintura a partir da maqueta.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 149

Como já referimos, ao preparar as actividades, no Ciclo dois desta investigação, a equipa teve

em atenção o nível do grupo de alunos com quem se ia trabalhar, o que definiu a estratégia a

utilizar na parte prática: assim para o Jardim infantil, ao escolhermos o conteúdo a focar,

optamos pelo tema central da obra – a maternidade – por pensarmos ser mais fácil a

apreciação desta pintura, nesta faixa etária, fazendo uma ligação aos laços familiares, tão

relevantes nesta fase da vida. Construir uma história em volta das personagens que

humanizamos, desligando-a da componente religiosa, característica que, por sinal, marcou a

representação das figuras religiosas no Renascimento, pensamos que aproximaria

afectivamente as crianças da pintura, sendo mais fácil integrar as questões técnicas, formais e

simbólicas.

A focalização do olhar, consistiu, para os alunos do terceiro ano, no estudo do vestuário e das

suas texturas, pois é uma matéria abordada na escola neste nível escolar, e por isso familiar

para os alunos, tendo-se introduzido o conceito novo de composição e de planos sobrepostos.

Para o sexto ano, e porque na escola já tinham sido abordadas várias épocas da História da

Arte como o Barroco, o Renascimento e a arte Contemporânea, optamos por trabalhar o

próprio estilo e as suas características, comparando-o, num dado momento, com a arte que se

faz hoje. Esta alusão à comparação entre o Renascimento e a arte Contemporânea, porque foi

muito superficial, funcionou como desafio para outras sessões, outras experiências futuras,

pois comparar dois períodos artísticos, principalmente com a época contemporânea, tão rica e

prolífera em diferenças de estilos, não é matéria fácil, principalmente para um período de

tempo escasso. Ficamos então pela referência à pintura abstracta sugerida pelo esquema

geométrico da composição e pela proposta da professora de representarem a pintura como se

fossem artistas de hoje. Claro que o resultado seria mais uma representação marcada pelo foro

pessoal de gosto e das limitações de técnica e de idade do que marcada pela

contemporaneidade artística. Sentimos que no futuro deverá pois focar-se o olhar para um

tema, técnica, conteúdo mais preciso, como por exemplo um artista ou um estilo específico,

utilizando a comparação por semelhança ou oposição.

Na parte prática da segunda sessão, tão importante segundo Lowenfeld e Brittain (1977) para a

formação estética, apelou-se para a liberdade de expressão, deixando os alunos representar a

sua visão sobre esta obra de arte. Como não houve tempo de lhes mostrar o resultado final,

colocando os planos que reinventaram na maqueta, tendo uma visão diferente, a sua, daquela

obra de arte, foi posteriormente fornecido um CD com as imagens dessa sobreposição para

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 150

visualizarem na escola. Segundo a professora mostraram-se entusiasmados e orgulhosos do

seu trabalho.

Não houve necessidade de fazer grandes adaptações na prática do Ciclo três daquilo que foi

previsto na programação do Ciclo dois, já que foi uma programação flexível, por exemplo em

relação à verbalização, as questões programadas eram apenas tópicos de conversa que

poderiam tomar o caminho que os alunos escolhessem. Também o facto de ter sido feita em

equipa, com a participação dos respectivos professores que conheciam bem o seu grupo de

alunos, não provocou grandes alterações, a não ser num ou noutro acerto de pormenor já

referido e possibilitou uma melhor adaptação das actividades aos diferentes níveis etários.

Todos os elementos da equipa, depois de reflectirem, consideraram eficazes as estratégias

utilizadas no que se refere à exploração de linguagens elementares das artes, ao

desenvolvimento da capacidade de expressão e comunicação e à compreensão do valor da arte

no contexto da época, cultura, local e à valorização do património artístico e respectivo papel

dos museus no seu estudo, conservação e divulgação como se refere uma das professoras:

... o museu dá-nos uma imagem do nosso património e ao

mesmo tempo é um livro aberto à curiosidade dos nossos

alunos.

LA

5.3.2 Recursos Utilizados

O recurso mais importante nesta investigação foi a própria obra de arte escolhida, a Senhora

da Meia Laranja. De acordo com Pillar (1996), a aquisição do conhecimento é fruto da

interacção da criança com o objecto, pelo que foi considerado essencial a ida ao Museu.

Trabalhar directamente com originais como defende Taylor (1988, pp. x-xii), usando

diferentes métodos que foquem o olhar das crianças para determinado detalhe, característica

ou elemento, pode tornar-se muito útil para o conhecimento técnico ou expressivo de uma

obra. Este desmontar da obra de arte através do olhar, recriando partes ou o todo, dota os

alunos de meios de leitura para futuros olhares de outras obras. Ajudam-nos, segundo

Clemente (1994), a entrar em diálogo com a arte e a perceber sobre o que se trata, o que quer

dizer, porque e como foi feita.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 151

Para Taylor (1988, p.189) é importante que os alunos se apercebam que não é a mesma coisa

olhar uma obra de arte original e olhar uma reprodução por muito boa que seja. As qualidades

tácteis, ou seja a textura visual, já que não se pode tocar na obra, as dimensões reais, a patine

ou o craquelet da matéria marcada pelo tempo foram elementos que nos ajudaram a transportar

para a época da realização da obra tentando imaginar um tempo há quinhentos anos atrás, a

época dos Descobrimentos (que os alunos já tinham ouvido falar na escola), sem televisão,

sem automóveis…:

– Tão antiga! Exclamaram vários.

– É do séc. XVI. Acrescentou um aluno espreitando para a legenda.

Os outros recursos dependeram do tipo de trabalho que se pretendeu fazer. Ao optar pelo

modelo de Taylor e ao valorizar-se a contemplação e a verbalização do olhar para apreciar

uma obra de arte não foram, à partida, necessários grandes recursos para além dos olhos, da

boca e da riqueza interior de cada um (conhecimentos, emoções, imaginação). Também

podemos considerar como recursos a formação e informação recebida pela equipa para poder

enriquecer o contacto com a obra, ou seja, as questões estruturadas segundo um modelo de

apreciação contemplando aspectos essenciais de fruição artística.

Para dinamizar a verbalização do contacto dos alunos com a Senhora da Meia Laranja foi

importante a equipa ter analisado em conjunto, com o historiador de arte, os vários aspectos da

obra. No fundo tivemos a mesma experiência que os alunos iriam ter, ao ouvir e expressar

diferentes olhares. JR chamou a atenção para questões que as ouvintes acharam interessantes e

sobre as quais nunca tinham pensado ou reparado, como, por exemplo, a distorção dos corpos

para destacar um tema, a utilização das cores na provocação de sensações de luz e calor, na

simbologia dos elementos. Penso que para a equipa, tal como para os alunos a forma de olhar

aquela e outras pinturas já não seria a mesma. As mesmas questões foram depois colocadas

pela equipa aos alunos, adaptando naturalmente a linguagem.

Para complementar estes exercícios do olhar recorremos à prática, ao fazer, ao expressar,

defendida por quase todos os autores, incluindo Taylor (1988), tendo em conta as idades

utilizando a expressão plástica, o jogo e a dramatização inventando personagens. Para autores

como Monique Brère (in Barbosa, 1991, p. 64) e Lowenfeld e Brittain (1977), como já vimos,

a actividade artística da criança é importante para, através da comparação com a obra de arte,

levar os alunos a um processo de compreensão histórica da produção e a um julgamento

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 152

estético. Foi também isso que aconteceu no momento final quando os alunos olharam a

maqueta com os planos originais e depois com os trabalhos dos alunos.

A maqueta foi considerada um bom recurso, pois permitiu que a criança entrasse na pintura

literal e metaforicamente. O aspecto lúdico da mobilidade dos vários planos que podiam ser

alterados e intervencionados foram, para os mais pequenos, uma forma concreta de “tocar” a

pintura e para os mais velhos um toque lúdico onde se conseguiu testar, por exemplo, porque

razão teria o pintor escolhido um fundo escuro por trás da Senhora, em vez de um fundo

florido.

Apesar da maqueta ter sido feita a pensar nesta investigação, foi sentido que ela pode ser útil

noutras actividades ligadas à apreciação artística a integrar na programação futura do Serviço

Educativo. Poderá também ser a base da construção de material didáctico impresso com

alguma qualidade, que poderá ser um apoio lúdico a fornecer às escolas e um meio de

divulgação do espólio do Museu.

Para além da maqueta e da arca com diversos tecidos, galões e cordões para serem tacteados

pelos alunos do terceiro ano, foi necessário diverso material para expressão plástica: papel,

tintas e pincéis. Houve algumas dúvidas na escolha do tamanho do papel e chegamos à

conclusão que seria melhor um tamanho o mais parecido possível com o real, por isso

cortamos a folha de papel manteigueiro A3 em duas.

No caso desta investigação, no Ciclo dois, a preparação das visitas ao Museu e

desenvolvimento de actividades relacionadas com a pintura, foi considerado também um

excelente recurso. Foi importante pensar os seus objectivos, a sua sequência no tempo, no

espaço, a escolha de conceitos a trabalhar, a elaboração das questões para levantar a cada

grupo, a organização da prática e outros recursos necessários: se deveria ser ou não preparada

e como, se se deveria falar ou mostrar imagens da pintura em estudo ou se isso quebraria o

efeito surpresa. Se, para o sexto ano se referia ou não o Renascimento, na sequência de outros

estilos. Como já tinham abordado outros períodos da História de Arte ficou combinado que,

nas aulas seguintes, refeririam aquele período.

Na sessão de preparação das actividades para o terceiro ano esta questão também surgiu – Que

tipo de preparação se deveria fazer na escola? A professora, sugeriu fazer uma sensibilização

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 153

dos alunos para a arte em geral, mostrando-lhes livros ilustrados com algumas obras, pois os

objectivos da educação visual e artística no ensino básico em Portugal são também:

(…) desenvolver o poder de discriminação em relação às

formas e cores, sentir a composição de uma obra, tornar-se

capaz de identificar, de analisar criticamente o que está

representado e de agir plasticamente. (…)

Currículo Nacional do Ensino Básico,(2001, p. 155).

De qualquer maneira ficou combinado fazer-se, para as três turmas, uma preparação sobre o

que é um museu, o que guarda, quais as suas funções e a atitude de respeito pelo património

que se deve ter naquele espaço.

5.3.3 Que Formação Profissional para os Agentes Educativos?

Como já referimos foi importante para a preparação das actividades e para a apreciação da

Senhora da Meia Laranja com os alunos, a formação relativa à análise da obra de arte,

experimentada previamente pela equipa sobre o que iria acontecer e posteriormente explorada

com as turmas.

Apesar das actividades terem sido essencialmente orientadas pela monitora/investigadora, o

papel das professoras foi fundamental na sua preparação e no ajudar a levantar as questões

proporcionando, para além de um contacto directo das crianças com a obra de arte, o

problematizar, o reflectir, o despertar a atenção dos alunos para as diversas categorias de

Taylor (1988). Falou-se da forma como a pintura estava organizada e os sentidos e

sentimentos que provocava. Não se tratou de ensinar o que deviam ler mas, questionando,

atribuir sentidos construídos pelos próprios alunos em diálogo entre si e com o quadro, em

função dos seus interesses e das informações recebidas.

Instituições culturais como os museus têm um papel importante a desempenhar na mediação

cultural para a preservação do património cultural, da memória colectiva, da sua identidade e

diversidade, numa época tão marcada pela globalização. Essa diversidade, marcada pela

influência de outros contactos e outras culturas reforça o papel do museu na divulgação da

identidade e intercâmbio com outros mundos. Colecções como as de porcelana de encomenda

da China, os marfins Indo-portugueses, o mobiliário francês ou a pintura flamenga do Museu

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 154

Nogueira da Silva, que criaram pontos comuns na cultura ocidental a que pertencemos,

justificam esse papel.

A exigência de profissionais qualificados para gerirem os serviços educativos dos museus tem

aumentado significativamente e, como já vimos na revisão da literatura, os primeiros sinais de

criação de serviços educativos, segundo Pereira (1995), iniciaram-se já nos anos cinquenta, em

Portugal, intensificando-se nos anos sessenta. De facto, aqueles guias de museu que

despejavam a classificação cronológica dos objectos já não satisfazem as novas exigências da

sociedade, das instituições culturais e da escola. Outras competências são necessárias se se

pretende dar uma nova dinâmica aos espaços dos museus e cativar os públicos.

A actual competição com outros meios de transmissão de cultura como os audiovisuais e a

Internet tornam essa tarefa necessária e urgente. Sem perverter a função inicial de valorizar e

dar a conhecer os originais do nosso património, o museu pode utilizar esses meios para

organizar o seu espólio, informatizando os seus inventários, para despertar a curiosidade no

público para visitar os seus espaços ou mesmo criando animações que contextualizem os

objectos. Como a maioria dos Museus Nacionais, também o MNS tem o seu inventário

informatizado e possui um sítio na Internet (www.mns.uminho.pt) onde se divulgam as

colecções e as actividades desenvolvidas.

Cativar públicos e dar a conhecer o património com qualidade implica repensar formas de

requalificação profissional e na sua conjugação com a experiência dos colaboradores do

museu, exigindo um certo nível de habilitações académicas e uma preparação técnica

específica adquirida em acções de formação ou pós graduações em museologia que, ao

contrário de há uns dez anos atrás, já existem em bastante número. Pretende-se com isso

formar pessoas criativas e tecnologicamente competentes que saibam fazer uso das

oportunidades de desenvolver novas formas de mostrar e explicar criativamente as colecções.

Quando falamos em formação de agentes educativos em contexto museológico temos dois

aspectos a considerar: a formação científica e a formação pedagógica ou seja, conhecimento

das colecções do museu e temáticas associadas que permitam uma mediação cultural e a

preparação para transmitir de uma forma eficaz e pedagógica esses conhecimentos aos

diversos públicos ou seja a mediação didáctica (Buffet, 1999, p. 16). Por esta razão, no Ciclo

dois desta investigação, orientamos a preparação da equipa para esses dois níveis.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 155

Assim, o contacto com as professoras e investigadores, caso do doutorando, foi precioso pois

permitiu à monitora/investigadora reflectir sobre questões de educação formal ao nível da arte

e possibilitou às professoras perceber as especificidades de funcionamento do Museu e o que

poderão esperar do Museu e dos seus Serviços Educativos para concretizar aprendizagens a

esse nível. O nível da mediação cultural, abordada pelo especialista JR, contribuiu para um

conhecimento da obra de arte em estudo, a Senhora da Meia Laranja e das pinturas do mesmo

núcleo, do contexto em que foram feitas e das características que marcaram a pintura do

Renascimento.

O nível da mediação didáctica foi também marcado por um lado, pelo conhecimento pelos

elementos da equipa das características dos respectivos níveis etários e por outro, pela escolha

do modelo de apreciação artística de Taylor (1988), bem aceite e compreendido por toda a

equipa visível na atitude de abertura para ouvirem e aceitarem novos métodos de ensino-

aprendizagem relacionados com a leitura de obras de arte.

Podemos também questionarmo-nos até que ponto a preparação da equipa não terá marcado a

leitura e a própria relação da criança com a pintura da Senhora da Meia Laranja. Pensamos

que apesar da posição dos adultos ter sido de abertura e aceitação de qualquer opinião por

parte dos alunos, a visão destes foi naturalmente marcada pela orientação das questões como

neste pequeno bloco de perguntas e respostas:

M – Acham que é um tapete? (conteúdo)

A(d) – Um telhado.

A(e) – Uma coisa de festa.

M – Será? Reparem naquela janela (ao fundo da sala, com uma cortina e um reposteiro), o

pano branco fininho é uma cortina, o mais grosso de veludo é um reposteiro. O da pintura é

parecido com qual? (conteúdo)

A(vários) – Com o reposteiro.

Por isso fizemos também questão de valorizar o primeiro contacto dos alunos com a obra, essa

aproximação livre de qualquer orientação a que Taylor (1988) chama de contemplação

permitindo-lhes antes de se exprimirem oralmente, a possibilidade de usarem outras forma de

expressão livre, a escrita e a plástica. Resultando trabalhos e descrições bastante criativas:

Maria estava a dar de mamar a Jesus. Jesus foi malandro e viu

fruta em cima da mesa e não queria mais mamar. Depois como

sempre José tinha de pôr uma cortina.

A(e), 8 anos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 156

Maria está a pegar em Jesus Cristo. Mas quando Maria pegou

no seu Filho ela estava a fazer sumo de limão e de maçã e de

cerejas. O que está atrás dela é uma cortina para o seu Filho

não ter frio.

A(f), 8 anos

A partir daí, como em qualquer processo educativo a influencia do educador e da estratégia

que utiliza condiciona o aluno, principalmente no segundo estádio de Parsons (1987), a que

chama de beleza e realismo e onde a influência do adulto é muito forte. Temos consciência

que ao começar pela primeira categoria proposta por Taylor (1988), o conteúdo, e

condicionados pelo limite temporal, as outras categorias poderiam ter sido mais exploradas e

seria isso que aconteceria se as sessões tivessem continuado.

Não será por acaso que todos os autores iniciam os seus modelos e estratégias pelo tema ou

conteúdo e sua descrição, pois parece-nos que é o mais evidente no primeiro contacto, a

observação descritiva, bem patente em todos os apontamentos dos alunos. É com certeza mais

motivador iniciar a descrição pelo que lhes é mais familiar e observável. Por outro lado

consideramos ter ultrapassado esse tipo de observação e atingido a observação estética (Parini,

2002) sensibilizando os alunos para as categorias formais, processuais e emotivas.

A experiência no SE do Museu Nogueira da Silva tem-nos mostrado que mais importante que

sobrecarregar o visitante com informação sobre as peças, é o público conversar sobre os

objectos, seus contextos e origens, fazendo jogos e dando a possibilidade, pelo menos aos

mais pequenos, já que os mais velhos o fazem verbalmente, de exprimirem artística e

esteticamente as suas preferências. Se essa relação com o objecto é importante, quando

falamos de uma obra de arte é fundamental. Cada obra é uma aventura diferente, não há regras

rígidas de leitura que possam ser usadas para todas as pinturas.

Na preparação da equipa para essa aventura, para além da colaboração estreita, em parceria

entre os professores e os técnicos do SE na concepção das próprias actividades estabelecendo

objectivos, conteúdos, calendarização e todos os outros detalhes, foi importante prever a

preparação dos alunos, pelo menos, sobre a instituição museológica, a sua função, a sua

importância e cuidados a ter para a conservação do seu espólio, preocupação essa que deve ser

permanente em todos aqueles que procuram o museu.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 157

5.4 Sumário

Neste capítulo tratamos de analisar os dados recolhidos durante todos os ciclos da acção.

Reflectimos sobre as estratégias utilizadas e os obstáculos que surgiram que obrigaram a

equipa a reformular alguns passos previamente negociados. Analisamos os comportamentos

dos alunos e dos adultos e os trabalhos plásticos das crianças relacionando-os com o seu

desenvolvimento estético e crítico ajudando-nos a avaliar a eficácia de intervenções do SE do

Museu Nogueira da Silva na dinamização de actividades de apreciação artística dando resposta

às questões da investigação: Como são feitas as visitas guiadas ao Museu Nogueira da Silva?;

Que estratégias de análise de obras de arte podem ser usadas durante as visitas guiadas?; Que

recursos podem ser utilizados para permitir aos responsáveis pelas visitas guiadas desenvolver

estratégias de apreciação artística; Que formação profissional necessitam os agentes

educativos para o desenvolvimento e implementação de estratégias de apreciação artística nos

seus museus?

Concluiu-se que o modelo de apreciação seleccionado facilitou a leitura da obra de arte e

ajudou os alunos a descobrirem a linguagem artística. Por outro lado verificou-se que o

sucesso das actividades de leitura de obras de arte envolve muito tempo, investigação por

parte do educador e do aluno, assim como a utilização de recursos que facilitem a

comunicação. Considerou-se que o uso do Museu motiva mais e facilita o contacto com a obra

de arte pois a presença de originais focaliza e potencia a valorização e o respeito pela obra.

Finalmente concluiu-se que o trabalho colaborativo entre professores de educação formal e

informal foi muito frutuoso pois permitiu a troca de experiências e saberes sobre esses dois

contextos em volta da pintura da Senhora da Meia Laranja.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 158

CAPÍTULO 6 CONCLUSÃO 6.1 Introdução

O mote para a escolha do tema desta investigação, na fase da indecisão inicial, foi dado pela

leitura de um artigo do Público (2002), de João Bénard da Costa, com o título Isabella no

caramanchão de madressilvas. O autor recordava um livro de História de Arte que lhe

ofereceram na infância e o prazer que tinha em olhar milhares de vezes as estampas coloridas

reproduzindo pinturas célebres. Sabia-as de cor.

Não sabemos, nem percebemos se o autor sabe, o que o marcou mais, se o colorido das

imagens na escassez de publicações ilustradas e a cores da época, se o sentar-se ao colo da

mãe a ouvir as explicações.

Quando me castigavam, o livro ia parar a estante mui alta,

onde eu não chegava, e ali ficava uma semana, uma quinzena

ou um mês, conforme o meu pecado e a penitência respectiva.

Quando eu me portava bem, via-o ao colo da mãe e bebia as

palavras de cada explicação.

Bénard da Costa, (2002, p. 5)

A família, a escola e a sociedade através das suas estruturas e instituições marcam o

crescimento do indivíduo. O caso do museu, por exemplo, será o de fazer o papel do livro de

História da Arte sentando as crianças no colo, explicando-lhes as obras coloridas que tem nas

paredes, como a mãe de Bénard da Costa (2002) fazia com as estampas do livro que adorava.

Perante as questões que motivaram esta pesquisa chegamos a algumas conclusões sobre, por

exemplo, o muito que se pode fazer nos museus, dentro das limitações da sua especificidade,

ao nível da apreciação artística utilizando e experimentando modelos e estratégias defendidas

por investigadores como Taylor (1988) que sirvam de base à comunicação do público infantil

com a arte proporcionando-lhes meios e criando hábitos para o desafio que é a leitura da obra

de arte, respeitando a riqueza da sua individualidade e da liberdade interpretativa da obra de

arte, mobilizando e formando os profissionais de educação (professores e monitores/

educadores de museu) para essa tarefa.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 159

Seguem-se algumas conclusões agrupadas em quatro temas que consideramos importantes e

que marcaram esta investigação: (i) a relação da criança com a arte e a importância da cultura

e do nível de desenvolvimento; (ii) a especificidade do espaço museológico e a importância

das fontes primárias; (iii) a estratégia utilizada, os recursos e o modelo em que se apoiou; e

(iv) as implicações para investigações futuras e inclusão na programação habitual do Museu

Nogueira da Silva das actividades experimentadas com as respectivas alterações.

6.2 Relação da Criança com a Arte

Por trás de cada obra de arte existe um artista – uma pessoa com uma personalidade própria,

que viveu numa determinada época, num determinado local de um certo país, com vivências

pessoais e sociais diversas, condicionada pelas ideias e as técnicas da sua época. Épocas essas

mais ou menos rígidas nos conceitos de beleza ou de liberdade criativa, mais ou menos rápidas

na mudança de conceitos ou técnicas, como as que contrapõem as escolas renascentistas ou a

arte do séc. XX.

(...) Evidentemente, porque só o quadro organiza a matéria

bruta, sublinhando-a como bruta, mas delimitando-a como

campo de sugestões possíveis; é o quadro que, antes de campo

de “escolhas a realizar”, já é um campo de “escolhas

realizadas” (...)

Eco, 1986, p. 172

A aventura da comunicação não está apenas na obra de arte como reflexo das escolhas

realizadas pelo artista, está também no observador que transporta em si uma série de

experiências e factores que condicionam e influenciam as suas escolhas, as suas opiniões e o

seu olhar, bem evidente nesta observação de um aluno do grupo do terceiro ano.

Maria está a pegar em Jesus Cristo. Mas quando Maria pegou

no seu Filho ela estava a fazer sumo de limão e de maçã e de

cerejas. O que está atrás dela é uma cortina para o seu Filho

não ter frio.

A(f), 8 anos

Ao contrário do ensino essencialista, (Eisner, 1985), o enfoque contextualista tem como

referência o contexto cultural da obra e um ensino alicerçado em conhecimentos

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 160

antropológicos e sociológicos que contemplam o contexto da produção artística e, também, o

contexto cultural e social dos alunos (McFee, 1977). Segundo McFee a percepção varia de

acordo com o contexto cultural do aluno, pois a cultura influencia a direcção da formação

perceptual, dando-lhe muito mais oportunidades e recompensas por observar as coisas que são

importantes para o seu grupo do que por observar aquilo que não é enfatizado pela cultura

desse grupo (Corrêa, 2004, p.161).

Por outro lado, Sueli Ferreira (1994) contrapõe duas ideias que orientam o contacto com a

arte: a ideia da “boa forma” defendida pela teoria de Gestalt em que a obra de arte, na sua

estrutura formal (equilíbrio, simetria, estabilidade, simplicidade) garante o significado, um

significado idêntico para todos; e a ideia de subjectividade da interpretação do observador que

pode ou não ser compatível com a intenção do autor confirmada pelas respostas emotivas e

antagónicas, de alunos do sexto ano, provocadas pela pintura:

A(vários) – Tristeza.

A(vários) – Esperança.

A(f) – Humor.

Assim, na questão da apreciação artística entram diversos factores que orientam e fragilizam a

ideia da “boa forma” como: a informalidade da obra de arte, o seu efeito poético, a

identificação da autoria, o processo perceptivo, a significação e atribuição de sentido que

multiplicam os sentidos na complexa relação com a arte (Ferreira, 1994). Nesta investigação

tentamos perceber como alunos de três níveis etários diferentes olham a obra de arte e se

relacionam com ela, consultando autores como Taylor (1988), Lowenfeld e Brittain, (1977) e

Parsons (1987) que distinguiram algumas características comuns nesses períodos.

Falarmos de apreciação artística é pois falarmos de uma descoberta subjectiva que, apesar de

condicionada por variadíssimos factores exteriores como idade, meio familiar e cultural, passa

por um processo interior de desenvolvimento de uma consciência estética. Estética no sentido

de processo dinâmico de percepção e interacção das pessoas com os objectos na provocação

de experiências estimulantes (Lowenfeld e Brittain, 1977).

Experimentamos algumas estratégias que estimulassem a conversa com a obra de arte

facultando aos alunos alguns instrumentos de análise que ultrapassassem a simples observação

descritiva e atingissem uma observação estética. Isso implicou um saber olhar, um certo

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 161

domínio da linguagem visual, o domínio de competências analítico-críticas, perceptuais e

histórico culturais (Moura, 2001, p. 25).

Este é um processo dinâmico muito mais complexo que, por exemplo, o ensino da leitura

escrita (Ferreira, 1994) onde muitas vezes e especialmente na arte contemporânea, não existe

apenas uma corrente mas um infindar de experiências individuais, onde cada artista estabelece

as suas próprias regras com novos instrumentos de análise. Para Green e Mitchell (1997, p. 30)

envolve investigar/fazer, desenvolvendo a criatividade e a memória e conhecer/compreender

as obras, os artistas e os contextos, contribuindo para a formação de ideias, opiniões e

sentimentos sobre arte.

6.3 A Especificidade do Espaço Museológico

Foram já centenas de anos, pelo menos cinco, segundo especialistas responsáveis pela

peritagem da colecção de pintura do Museu Nogueira da Silva, como Vítor Serrão ou Thomas

Kaufmann, que passaram desde a execução desta obra que escolhemos para trabalhar, a

Senhora da Meia Laranja e pelo menos trinta nas paredes da sua actual morada – o Museu

Nogueira da Silva. Já circularam diante de si milhares de pessoas. Algumas nem repararam

nela, outras passaram os olhos pelo conjunto que a enquadra, outras aproximaram-se e

analisaram os pormenores e outros ainda apreciaram a delicadeza de alguns detalhes, a ternura

das figuras ou a ingenuidade dos seus planos.

O sorriso da Senhora desafiava todos os dias a responsável pelas visitas escolares a parar

diante de si com as crianças para conversar um bocadinho. Começou-se por perguntar, durante

a visita, qual a Senhora daquele conjunto de pinturas renascentistas estava mais bem disposta e

todos apontavam para ela. Mas muito mais havia para dizer, mas o quê e como?

Desde o seu aparecimento, os museus têm estado ligados à educação, mas a forma como isso

tem sido interpretado tem modificado enormemente. MacManus (1993, p. 13) afirma que,

segundo Smyth, nos finais do séc. XIX, os museus eram vistos como as Universidades do

povo, locais de aprendizagem dos adultos, incluindo daqueles que tinham tido poucas

oportunidades em termos de educação (Smyth, 1966, p. 11)

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 162

Durante esta investigação chegamos também à confirmação de que o museu, apesar de

normalmente ter um papel muito reduzido no plano pedagógico global dos alunos, é um lugar

privilegiado para praticar e fomentar o desenvolvimento de competências críticas de

apreciação, porque guarda os originais de obras de arte de várias épocas e, como diz João

Miguel Fernandes Jorge,

A paixão de um museu converte factos estéticos em

acontecimentos. Faz história nas relações que sabe tecer de

objecto a objecto e no entrecruzar de todos eles. Um museu só

aparentemente é coisa quieta.

(...) Mas(...) o que conta é a feroz independência da obra e a

sua individualidade. O mais são corredores que os elos da

simpatia necessariamente criam e possibilitam.

Fernandes Jorge (in Almeida, 2002, p. 64)

E dizemos reduzido porque as visitas aos museus são com certeza uma gota de água no

conjunto das experiências estéticas que acontecem no dia a dia das crianças, na família, na

escola, na televisão, polos de forte influência e pressão nas opções estéticas. Não podemos

esquecer no entanto que a abertura da escola ao meio, levou à consideração dos museus como

extensões da sala de aula, locais de aprendizagens diversificadas e complementos de uma

cultura geral.

Outra conclusão do nosso estudo é que a utilização de fontes primárias, nomeadamente o uso

da obra de arte em contexto museológico facilita o desenvolvimento de competências

perceptuais, críticas e analíticas e desenvolve de forma mais aliciante o prazer pela fruição

estética.

Através do seu objectivo de divulgação do património, o museu disponibiliza-se para

organizar estratégias para o fazer da melhor maneira com fortes preocupações pedagógicas

como vemos por exemplo nas programações dos serviços educativos dos museus nacionais. Se

funcionam bem ou não, pensamos que não existe uma avaliação feita nesse campo. De

qualquer maneira não nos parece que exista a fórmula ideal de cumprir a função pedagógica

do museu. Cada museu é um caso, cada objecto uma história, cada obra de arte um mundo a

descobrir.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 163

6.4 A Estratégia Utilizada

Perante a característica da subjectividade da obra de arte pensamos ser importante a

preparação do mediador na escolha do modelo de apreciação artística, neste caso, o de Taylor

(1988): a necessidade de proporcionar um momento de fruição pessoal da obra de arte por

cada aluno; uma atitude de abertura e respeito pelas opiniões dos alunos com interpretações

diversas transmitidas verbalmente e através do trabalho plástico realizado pelos alunos que

segundo Lowenfeld e Brittain (1977) é um meio de consciencialização estética; e a

colaboração do adulto na descoberta e desconstrução da obra de arte através da transmissão de

regras e informações conceptuais, produtivas e contextuais e críticas.

Mas a leitura da obra de arte não se restringe a uma simples descodificação de formas, mas

exige uma interacção do observador com a obra, tendo em conta os conhecimentos

anteriormente adquiridos, a estrutura da obra, a riqueza da gramática visual, de modo a

construir significados possíveis.

Concluiu-se que as obras de arte no Museu têm sido pouco visitadas por alunos das escolas,

apesar desse contacto estar contemplado no currículo da educação formal. O seu pouco uso

dever-se-á ao facto de, por um lado, não existirem, até ao momento, na programação do SE

actividades direccionadas especificamente para a apreciação artística e por outro o facto de, os

próprios professores, principalmente no primeiro Ciclo, não estarem preparados ou mesmo

motivados para a implementação da leitura da obra de arte nas suas aulas e nas deslocações ao

Museu. Consideramos necessário aproveitar as potencialidades pedagógicas e patrimoniais do

Museu tendo consciência que a observação da obra de arte sem preparação prévia ou apoio de

especialistas pode impossibilitar a sua compreensão e, por ficar aquém das exigências e

motivações do alunos, suscitar experiências de aversão, (Taylor, 1988, p. 290)

A formação dos técnicos dos SE assume então uma dimensão decisiva na promoção do

património artístico, de um saber fazer e saber ser com repercursões imediatas no Museu. Não

é possível envolver os SE em actividades de apreciação artística se, durante a sua formação

não lhes forem dadas oportunidades para o seu crescimento nessa área de desenvolvimento.

Chegamos também à importante conclusão, ou antes, à confirmação da ideia de que era

necessário ir mais além do que as simples actividades que existiam antes desta investigação

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 164

sobre a exploração da pintura, limitadas à experimentação e deixando de fora, como defende

Taylor (1988, p. xi), uma parte fundamental da apreciação artística, a contemplação e a

verbalização. Mas isso envolveu muita pesquisa de autores, essencialmente estrangeiros, sobre

essa matéria, uns, apontavam mais para um olhar sobre a técnica e os elementos plásticos,

outros para os conteúdos, os temas e a história contada, outros ainda para o contexto histórico

ou para um olhar crítico sobre a obra de arte. Mas todos eles tocam todas as vertentes.

Também diferem na abordagem enfatizando mais a experimentação prática ou o diálogo sobre

a obra. Os caminhos desse diálogo podem também valorizar diferentes orientações: a

transmissão de informação, o apelo à imaginação, à emoção ou ao desenvolvimento da

capacidade crítica.

Mais importante do que a estratégia que se usa é a atitude de abertura às inúmeras leituras

possíveis de uma obra de arte e a importância de um contacto pessoal, solitário de cada

indivíduo com a obra de arte do qual faz parte, na infância, a experimentação plástica como

forma de contacto, de comunicação, em tom de conversa íntima, particular com a obra de

arte.

O museu ideal seria, nesta perspectiva, um lugar de livre

circulação dos olhares numa pátria possível, destinada à

fruição de cada um, individualmente, que pela sua própria

natureza resiste ao público enquanto entidade massificada pela

lei do consumo para, em seu lugar, exaltar o indivíduo, o

particular de cada relação, o encontro fortuito entre o olhar do

espectador e o olhar do artista e o da obra, num jogo a perder

de vista de olhares que se cruzam e que são anónimos antes de

serem reificados pela caução cultural de uma certa gestão da

história enquanto discurso legitimador e apaziguador.

Almeida (2002, p. 64)

Foi também sentido importante, depois dessa fruição individual que fizemos questão de

salvaguardar nesta investigação, pôr em comum as diferentes opiniões, os diferentes olhares,

quer nos seus aspectos formais, de conteúdo, de contexto, para a descoberta dos objectos de

arte e dos seus significados, no treino do olhar. Em conjunto os olhares completam-se,

enriquecem-se e conseguem-se descobrir detalhes ou perspectivas em que nunca tínhamos

reparado ou pensado.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 165

Sobre a escolha do método de investigação-acção consideramos que só um método com estas

características permitiria tal interacção entre todos os intervenientes, assim, para o debate entre

três grupos de crianças e uma obra de arte, mobilizaram-se as duas instituições: a escola com

os seus alunos e professores activando a interdisciplinaridade e objectivos na área da educação

visual e o museu, através da monitora/educadora abrindo as portas deste guardião de

património artístico com a sua especificidade de funcionamento.

Para esta dinâmica de envolvimento de todos os intervenientes na comunicação com a obra de

arte foi importante a escolha do método de investigação-acção que, dadas as suas

características, permitiu uma abertura a diferentes ideias e opiniões quer na relação dos alunos,

professores e monitora com a obra de arte quer na relação de trabalho da própria equipa nos

três Ciclos da investigação possibilitando uma intervenção activa de todos os elementos no

processo. Permitiu também que, depois de uma reflexão sobre o que aconteceu nos diferentes

Ciclos da investigação, se confirmassem ideias e se pensassem novas soluções.

6.5. Implicações para Investigações Futuras

As dimensões da amostra e a forma como foi seleccionada impedem-nos de generalizar os

resultados à escala nacional. Esta limitação leva-nos a propor a concretização de investigações

idênticas com amostras representativas com a participação de uma equipa de investigadores de

várias instituições museológicas e Universidades e/ou Escolas Superiores de Educação.

Fizemos um estudo sobre a leitura da obra de arte e o desenvolvimento de estratégias de

apreciação em contexto museológico. Não podemos esquecer que há muito que foi

reconhecido que uma das principais funções do museu é o de facilitar o encontro entre o

objecto e o observador, os dois pólos do sistema de comunicação, afinal a essência da função

MUSEU

ESCOLA

estratégia

Equipa da

Investigação

Alunos Obra de arte

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 166

dos SE. Seria pois interessante a realização de estudos idênticos noutros contextos,

nomeadamente em galerias e exposições temporárias.

Depois de recolhidos e analisados os dados teóricos e práticos desta investigação na área da

apreciação artística, pensamos ter contribuído para:

(i) o debate entre a educação artística e a museologia principalmente no que diz respeito ao

apoio mútuo entre os professores e técnicos do museu e para encontrarem formas de olhar

objectivamente o papel de estratégias de ensino artístico que facilitem a leitura da obra de arte;

(ii) o desenvolvimento de projectos de formação de agentes culturais tais como técnicos de

museus e professores de escolas de diversos níveis de ensino que se preocupam com a

educação patrimonial e artística;

(iii) a criação de recursos que encoragem os professores a explorar o museu e o património

local nas actividades artísticas e de Educação Visual ou mesmo no âmbito de outras

disciplinas tais como História, Língua Portuguesa, Estudos Sociais e contribuam para a

integração da arte no quotidiano dos alunos, de forma a ajudá-los a compreender a natureza

complexa da nossa cultura em constante transformação e mudança sujeita a influências

europeias e não europeias.

(iv) o desenvolvimento de novas abordagens pedagógicas ao museu a partir da experimentação

de modelos de apreciação artística e do uso de originais, artefactos e outros recursos utilizados

para ajudar a transmitir a compreensão da identidade cultural e respeito pelo património.

Ao incluir estas actividades na programação habitual do MNS deverão ser feitos alguns

acertos e, naturalmente, adaptadas às equipas que pretenderem, em conjunto com o Museu,

pensar e experimentar estas e outras estratégias de apreciação artística com outros alunos,

outros contextos e diferentes obras de arte.

As idas ao museu ocupam períodos curtos, uma a duas horas, não dando grandes

oportunidades para um trabalho muito aprofundado. Para atenuar este facto será importante a

preparação e a exploração a realizar na escola antes e depois da visita num trabalho de

continuidade. Por outro lado esse carácter de experiência, de passagem, porque esporádico,

porque diferente do habitual, pode ter as suas vantagens no despertar a curiosidade para voltar.

Uma dificuldade que deverá ser ultrapassada e pensadas soluções é referente ao pouco tempo

que as visitas proporcionam, mesmo sendo duas, dada a complexidade de alguns conceitos ou

dados importantes para a compreensão de determinada obra, quer seja a contextualização de

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 167

um período da história da arte ou o simples tratamento das texturas, serão necessárias mais

idas ao museu ou uma maior preparação, em tempo escolar, de determinados conceitos.

A quantidade de questões levantadas quando, perante a obra de arte, a turma verbalizava os

olhares de cada um, também não deixavam grande tempo para aprofundar determinado

assunto, mesmo disponibilizando uma ida ao museu para essa tarefa, uma hora e meia, é pouco

tempo para o explorar de forma aprofundada e contextualizada. De qualquer maneira não era

objectivo desta investigação dar formação sobre técnicas ou processos de pintura, mas sim

experimentar estratégias de leitura da obra de arte que colocassem o observador em interacção

com a pintura contextualizando-a e analisando alguns dos elementos da linguagem visual mais

evidentes e característicos da Senhora da Meia Laranja e respectivo simbolismo.

Tentaremos não repetir alguns erros estruturando de uma forma mais concreta as propostas de

trabalho estipulando por exemplo objectivos menos alargados como o que aconteceu com a

actividade prática do sexto ano onde se poderia ter trabalhado mais profundamente, por

exemplo, um, e apenas um, aspecto formal ou processual. Pedir que representassem a pintura

da Senhora da Meia Laranja como se fossem artistas de hoje, era evidentemente um pedido

pouco específico que apenas apelava à criatividade na reinterpretação da Senhora da Meia

Laranja e não a qualquer característica da arte Contemporânea. Essa poderá ser uma proposta

futura utilizando a comparação de duas obras de épocas diferentes, Renascimento e arte

Contemporânea, trabalhar apenas um aspecto de análise da obra de arte.

Em relação à questão colocada às professoras da que equipa sobre se acharam ou não

suficiente este contacto com a obra de arte apenas um elemento pensou ser suficiente,

considerando a idade dos alunos (jardim de infância), os outros elementos da equipa estiveram

de acordo ao considerar esta experiência como apenas um começo (AM), um exemplo a ser

repetido e diversificado:

Nunca é o suficiente, quanto mais contacto existir com obras de

arte, assim como com diferentes correntes artísticas, mais

preparados os alunos ficam para conseguirem emitir uma

atitude crítica perante aquilo que estão a visualizar.

LA

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 168

À questão – O que poderia ser feito? Responderam

Um maior intercâmbio entre as escolas e os museus.

LA

A implementação da estratégia de leitura da obra de arte provou que, se do ponto de vista

cognitivo, os resultados foram satisfatórios, do ponto de vista afectivo, as respostas de todos

os intervenientes provaram que todos estavam a aprender. O Museu pareceu muito adequado

como recurso, como ambiente que afectou a forma como os intervenientes aprenderam,

sensibilizando-os para a aprendizagem mais do que lhes transmitindo a informação factual.

E no espírito que caracteriza a investigação-acção, após alguns acertos correcções e

adaptações, as actividades de apreciação artística agora experimentadas farão parte da

programação habitual do Museu com o nome de Conversas com a Pintura a ser já

implementado no próximo ano lectivo.

A efemeridade do contacto, uma das características já referidas no segundo capítulo a

propósito do museu, condicionou o grau de profundidade e de dificuldade na abordagem aos

conceitos de conteúdo, formais e processuais da obra de arte condicionando naturalmente a

aquisição de vocabulário especializado. Os alunos do sexto ano, para além do contacto

emotivo e de conteúdo com a pintura da Senhora da Meia Laranja, vieram ao Museu

confirmar conceitos adquiridos previamente na escola ao falarem de algumas características

do Renascimento. Quando não existe qualquer experiência de contacto ou conhecimento sobre

arte como no caso do terceiro ano e jardim infantil, torna-se complicado, em apenas uma

sessão ou mesmo duas, esclarecer conceitos como o de profundidade, plano, textura, técnica

do óleo ou a utilização da cor, que necessitariam de várias sessões para integrarem essas

noções.

Optamos, por isso, no Ciclo dois, na fase da preparação das questões, quando tivemos

consciência dessa dificuldade, por introduzir esses conceitos sem lhes atribuir nomes,

chamando a atenção do olhar das crianças para o truque mágico sem o desmontar

completamente. Esse poderá ser um próximo passo do Museu implementando visitas temáticas

na área da análise da pintura como Vamos mergulhar na pintura tratando questões de

profundidade e perspectiva, Vamos sentir a textura, Vamos acender a luz da cor onde se

podem comparar obras, utilizando o modelo de Taylor como base, contemplando, conversando

e experimentando a linguagem da arte.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 169

De qualquer maneira pensamos que o focar o olhar para determinados aspectos de conteúdo,

forma, processo e emoção como experiência cognitiva, mesmo sem lhes dar nome foi já uma

mais valia para a sensibilização do olhar para outras pinturas, apostando na motivação para

outras conversas com outras obras de arte.

Este foi um ponto de partida para a experimentação e aplicação de formas de abordagem à

obra de arte que poderemos considerar a base de qualquer conversa com a obra de arte, num

pensamento transdisciplinar, de natureza generalista estendendo-se em redes de significados

que se cruzam ou afastam, num misto de conhecimentos e sensações.

Em relação à arte contemporânea, quem não acha fascinante ouvir a explicação do próprio

artista sobre a sua obra e o confronto com outros olhares, outras interpretações que nos

mostram detalhes que nos tinham passado despercebidos, ou explicações sobre as opções do

artista para fazer daquela e não de outra maneira, e os resultados dessas opções. Aconteceu na

Galeria do Museu, há algum tempo, por solicitação das educadoras, o encontro entre o artista

Pedro Sousa Vieira e um grupo de alunos do Jardim Infantil (Fig.111 e 112) que, numa

conversa descontraída colocaram questões, deram opiniões e explicaram as suas interpretações

sobre as fotografias expostas. Foi um momento de descoberta para todos.

Fig.111 Fig.112

Na impossibilidade desse contacto directo, o artista, com certeza, não se incomodará, ao

contrário do mágico, que desvendemos os truques que usou para criar ilusões e fazer magia.

Com certeza ficaria lisonjeado por lhe admirarmos tais capacidades. Afinal, a partir do

momento em que uma obra de arte se torna pública, passa também a pertencer a quem a

observa e a interpreta e a viver por si só, a vontade do artista deixa de ser importante.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 170

Se colocarmos o nosso olhar na descoberta dos detalhes e das ilusões que montam uma obra

de arte, como se fosse um jogo, e se conhecermos um pouco do contexto em que foi feita,

estaremos com certeza a sensibilizar-nos para a descoberta de outras obras, outros jogos.

Nesta aventura que é dialogar com a obra de arte é importante valorizar a obra em si, os

padrões e as cronologias do estilo a que pertence mas também e principalmente usá-la para

pensar estratégias de desenvolvimento da capacidade de olhar, discernir e escolher, na

oportunidade de os jovens expressarem emoções e sentimentos perante qualquer obra de arte

ou perante as coisas comuns.

A mediação do olhar: estratégias de apreciação artística no Museu Nogueira da Silva 171

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