capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

32
APRESENTACAO O texto que agora se divulga formava, originalmente, a primeira parte da minha dissertação de doutoramento em Serviço Social da Pontifica Universidade Católica de São Paulo. A estruturação geral da dissertação, tinha por objetivo fornecer um quadro da Constituição do Serviço Social e, ao mesmo tempo, de identificar os substratos ídeo-culturais que se prestaram a sua conformação, procurando reconstituir aquela configuração teórica - prática que, a partir de meados da década de 60, seria redefinida em todas as latitudes por um amplo movimento de contestação e revogação. Na parte que ora se publica, o objeto de analise é a emersão do Serviço Social como profissão no âmbito da ordem burguesa na idade do monopólio e o desvendamento do seu sincretismo teórico e ideológico. Assim, este trabalho pretende polemica e simultaneamente, oferecer uma contribuição ao estudo da gênese histórica do Serviço Social (Capítulo 01) e um apontem a sua compreensão como Sistema Sincrético (Capítulo 02), das suas origens aos anos sessenta. José Paulo Netto São Paulo, verão de 1992

description

capitalismomonopolistaeservicosocial

Transcript of capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Page 1: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

APRESENTACAO

O texto que agora se divulga formava, originalmente, a primeira parte da minhadissertação de doutoramento em Serviço Social da Pontifica Universidade Católicade São Paulo.A estruturação geral da dissertação, tinha por objetivo fornecer um quadro daConstituição do Serviço Social e, ao mesmo tempo, de identificar os substratosídeo-culturais que se prestaram a sua conformação, procurando reconstituiraquela configuração teórica - prática que, a partir de meados da década de 60,seria redefinida em todas as latitudes por um amplo movimento de contestação erevogação. Na parte que ora se publica, o objeto de analise é a emersão do Serviço Socialcomo profissão no âmbito da ordem burguesa na idade do monopólio e odesvendamento do seu sincretismo teórico e ideológico. Assim, este trabalho pretende polemica e simultaneamente, oferecer umacontribuição ao estudo da gênese histórica do Serviço Social (Capítulo 01) e umapontem a sua compreensão como Sistema Sincrético (Capítulo 02), das suasorigens aos anos sessenta.

José Paulo Netto São Paulo, verão de 1992

Page 2: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

CAPÍTULO I

AS CONDIÇÕES HISTÓRICAS - SOCIAIS DA EMERGÊNCIA DO SERVIÇOSOCIAL

O surgimento do Serviço Social como profissão, como pratica institucionalizada,socialmente legitimada e legalmente sancionada e sua vinculação como achamada Questão Social.Questões Sociais no sentido universal do termo, querem significar o conjunto deproblemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operariaimpôs no da Constituição da sociedade Capitalista.Não há duvidas em se relacionar o aparecimento do Serviço Social com asmazelas próprias a ordem burguesa, com as seqüelas necessárias dos processosque comparecem na Constituição e no envolver do capitalismo, em especial abinômia industrialização / urbanização.Esta indicação é absolutamente indispensável para mapear a contextualidadehistórica – social que torna possível a emergência do Serviço Social comoprofissão, efetivamente demarcado, pelo estatuto sócio-ocupacional de que seinveste, das condutas filantrópicas e assistencialistas que convencionalmente seconsideravam as suas protoformas. Entretanto, se a esta indicação não seseguirem determinações mais precisas, é inevitável o risco de se diluir aparticularidade que reveste a emersão profissional do Serviço Social. Numaintenção lassa e frouxa, com exigências e demandas próprias a ordem burguesa,como se a realidade de um exercício profissional da Questão Social, derivasse apossibilidade de um exercício profissional com o corte daquele que caracteriza oServiço Social, reduzindo o problema de sua gênese histórica – social a umaequação entre implicações do desenvolvimento Capitalista e o aparecimento deuma nova profissão.

1.1ESTADO E QUESTÃO SOCIAL NO CAPITALISMO DOS MONOPÓLIOS.

Na tradição teórica que vem de Max, esta consensualmente aceite que oCapitalismo, no ultimo quartel do séc XIX, experimenta profundas modificações noseu andamento e na sua dinâmica econômica, com incidências necessárias naestrutura Social e nas Instancias políticas das sociedades nacionais queenvolviam. Trata-se do período histórico em que o Capitalismo dos monopólios,articulando o fenômeno global que, especialmente a partir dos estudos , tornou-seconhecido como o estagio imperialista, entre 1890 e 1940(Mandel, 1976, 3:325).Com efeito, o ingresso do Capitalismo no estagio imperialista assinala umainflexão em que a totalidade concreta que é a sociedade burguesa ascende a suamaturidade histórica, realizando as possibilidades de desenvolvimento que,objetivadas, tornam mais amplas e complicados os sistemas de medição quegarantem a sua dinâmica. A Constituição da organização monopólica obedeceu a urgência de viabilizar umobjetivo primário: O acréscimo dos lucros Capitalistas através do controle dosmercados.

Page 3: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Na prossecuçao da sua finalidade central, a organização monopólica introduz nadinâmica da economia Capitalista em leque de fenômenos que deve sersumariado: A) Os preços das mercadorias produzidas pelos monopólios tendem a crescer.B) As taxas de lucro tendem a ser mais alta nos setores monopolizados.C) A taxa de acumulação se eleva, acentuando a taxa media de lucro e atendência ao subconsumo.D) O investimento se concentra nos setores de maior concorrência, a taxa delucro que determina a opção de investimento se reduz.E) Cresce a tendência a economizar o trabalho humano com a introdução denovas tecnologias.F) Os custos de venda sobem, com um sistema de distribuição e apoiohipertrofiado, diminuindo os lucros adicionais dos monopólios e aumentando ocontingente de consumidores improdutivos. As implicações desses vetores na dinâmica econômica são fundas e largas. Deuma parte a tendência à equalização das taxas de lucro é revertida em favor dosgrupos monopolistas. De outro a próprio processo de acumulação é alterado. Osgrupos se inclinam mais a investimento no exterior do que seus próprios limitesque no seu mesmo âmbito.Ademais, a economia do trabalho vivo que estimula a inovação tecnológica,subordina-se diretamente a depreciação do capital fixo existente. O monopólio fazaumentar a taxa de afluência de trabalhadores ao exercito industrial de reserva(Sweezy, 1977:304). No período clássico do Capitalismo monopolista, dois outros elementos típicos damonopolização fazem seu ingresso aberto no cenário Social. O primeiro, diz respeito ao fenômeno da supercapitalização, é próprio docapitalismo monopolista o crescimento excepcional desses capitais excedentes,que se tornam tanto mais extraordinário quanto mais se afirma a tendênciadescente da taxa media de lucro. O segundo elemento a destacar é o parasitismo que se instaura na vidasocial em razão do desenvolvimento do monopólio e deve ser tomado pro doisângulos. Por um, ao engendrar a digarquia financeira, o capitalismo monopolistatraz a tona à natureza parasitaria da burguesia. Por outro lado, a monopolizaçãodo corpo a uma generalizada burocratização da vida social, multiplicando aoexterno o largo espectro de operações que no setor terciário, vinculando-se asformas de conservações e ou legitimações do próprio monopólio.Articulando o processo da organização monopolista com estas características,torna-se claro o seu perfil novo em face do capitalismo de corte concorrências.Toda via, já fica igualmente clara a reposição das antigas contradições quepercorriam o seu antecedente, agora peculiarizadas. O Capitalismo monopolistaconduz ao ápice a contradição elementar entre a socialização da produção e aapropriação privada: internacionalizada a produção, grupos de monopólioscontrolam-na por cima de povos e Estados. O mais significativo, contudo, é que a solução monopolista é imediatamenteproblemática: pelos próprios mecanismos novos que deflagra, ao cabo de certo

Page 4: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

nível de desenvolvimento, é vitima de constrangimento inerentes a acumulação ea valorização capitalistas.Daí a refuncionalizaçao e o redimensionamento da instancia por excelência dopoder extra – econômico, o estado.Como tal, o Estado, desde quando a pressão da burguesia ascendente deuorigem ao chamado absolutismo, sempre interveio no processo econômicocapitalista, o traço intervencionista do Estado, a serviço de franjas burguesasrevela-se precocemente.No entanto, com o ingresso do capitalismo no estágio imperialista, essaintervenção muda funcional e estruturalmente. Até então, o Estado atuara como coisa das condições externas da produçãoCapitalista. Mas exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas doEstado embicam-se organicamente com as suas funções econômicas.O eixo da intervenção estatal na idade do monopolista é direcionado para garantiros super lucros dos monopólis e para tanto, como poder político e econômico, oEstado desempenha uma multiplicidade de funções.O elenco de suas funções econômicas diretas é larguíssimo. Possuem especialrelevo a sua inserção como empresário nos setores básicos não rentáveis, aassunção do controle de empresas capitalistas em dificuldades, a entrega aosmonopólios de complexos construídos com fundos públicos, aos subsídiosimediatos aos monopólios e a garantia explicita de lucro pelo Estado. As indiretasnão são menos significativas, as mais importantes estão relacionadas àsencomendas / compras do Estado aos grupos monopolistas, segurando aoscapitais excedentes possibilidades de valorização, não esgotam ai, no entanto.Trata-se das linhas da direção do desenvolvimento, através de planos e projetosde médios e longos prazos, aqui, sinalizando investimentos e objetivos, o Estadoatua como um instrumento de organização da economia, operando notadamentecomo um administrador dos ciclos de crise. O Estado funcional ao capitalismomonopolista é, no nível das suas finalidades econômicas, o comitê executivo daburguesia monopolista opera para propiciar o conjunto de condições necessárias àacumulação e a valorização do capital monopolista.O Estado como instancia da política econômica do monopólio é obrigado não sóassegurar continuamente a reprodução e a manutenção da força de trabalho,ocupada e excedente, mas é compelida a regular a sua pertinência a níveisdeterminados de consumo e a sua disponibilidade para a ocupação sazonal, bemcomo a instrumentalizar mecanismos gerais que garantam a sua mobilização ealocação em função das necessidades e projetos do monopólio.Justamente neste nível dá-se a articulação das funções econômicas e políticas doEstado burguês no capitalismo monopolista para exercer, no plano estrito do jogoeconômico o papel de comitê executivo da burguesia monopolista, ele develegitima-se politicamente incorporando outros protagonistas sócio – políticos. Oaparente paradoxo ao contido se desfaz com o exame histórico da constituição domonopólio e das transformações que ele implicou no papel e na funcionalidade doEstado burguês. O paradigma euro - ocidental é típico a transição ao capitalismodos monopólios realizou-se paralelamente a um salto organizativo as lutas doproletariado e do conjunto dos trabalhadores.

Page 5: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

O que deve ser posto de manifesto é o fato de esta forma de articulação entrefunções econômicas e funções políticas do Estado burguês no capitalismomonopolista se uma possibilidade entre outras assentadas nas virtualidadesobjetivas deste estágio de desenvolvimento do capitalismo. Com efeito, asalternativas sócias- políticas do capitalista monopolista, sem configurar um lequeinfinito, comportam matizes que vão de um limite a outro. Welfare State aofascismo.A compatibilidade da captura do Estado pela burguesia monopolista com oprocesso de democratização da vida sócio- política não é eludir o fenômeno realde que o núcleo dos sistemas de poder opera em favor dos monopólios, e menosainda, que jogue no sentido de reduzir os conteúdos de direitos e garantias departicipação política.No nível do sistema político, a tendência do capitalismo monopolista tem sido a deesvaziar os instrumentos de participação sócios- política e quando possível,promover a sua evicção como método, mas como condição social, pararetornarmos a distinção de Cerroni. Igualmente, apontar que demandas econômicas – sociais imediatas de largascategorias de trabalhadores e da população podem ser completadas pelo Estadoburguês no capitalismo monopolista não significa que esta seja a sua inclinaçãonatural nem que ocorra normalmente.O que se quer destacar, nesta linha argumentativa, é que o capitalismomonopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições tais que oEstado por ele capturado, ao buscar legitimações, políticas através do jogodemocrático, é permeável a demandas das classes subalternas, que podem fazerincidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatos. E que este processoé todo ele tensionado, não só pelas exigências da ordem monopólica, mas pelosconflitos que esta faz dimanar em toda a escala societária.É somente nestas condições que as seqüelas da questão social tornam-se objetode uma intervenção contínua e sistemática por parte do Estado. No capitalismoconcorrencial, a questão social era objeto da ação estatal na medida em quemotivava um auge de mobilização trabalhadora, ameaçava a ordem burguesa ou,no limite, colocava em risco global o fornecimento da força de trabalho para ocapital e pelas necessidades de legitimação política do Estado burguês, a questãosocial como que se internaliza na ordem econômica – política. É tudo isto que,caindo no âmbito das condições gerais para a produção capitalistas monopolistaarticula o enlace, já referido, das funções econômicas e políticas do Estadoburguês capturado pelo capital monopolista, com a efetivação dessas funções serealizando ao mesmo tempo em que o Estado continua ocultado a sua essênciade classe.É a política do Estado burguês no capitalismo monopolista configurando a suaintervenção contínua, sistemática, estratégia sobre as seqüelas das questõessocial que, oferece o mais canônico paradigma dessa indissociabilidade defunções econômicas e políticas que é própria do sistema estatal da sociedadeburguesa madura e consolidada. Através da política social, o Estado burguês nocapitalismo monopolista procura administrar as expressões da questão social deforma a atender as demandas da ordem monopólica conformando, pela adesãoque recebe de categorias e setores cujas demandas incorpora, sistemas de

Page 6: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

consenso variáveis, mas operantes. Outra questão é a das sociais privadasconduzidas com caráter não imperativo e não oficial por organizações religiosas,formas de intervenção freqüentemente assistemáticas e embasadasfundamentalmente em motivações ético-morais. O fato de precederem o Estadoburguês no capitalismo monopolista, importa notar que, com o desenvolvimentodeste, acabaram por ter uma ponderação marginal na vida social, realmente, coma consolidação da ordem monopólica, o que ocorre é a crescente e efetivasubordinação das políticas sociais privadas as públicas.Ademais das intervenções do Estado na economia, a funcionalidade essencial dapolítica social do Estado burguês no capitalismo monopolista se expressa nosprocessos referentes a preservação e ao controle da força de trabalho. Ossistemas de previdência social, por seu turno, não atendem apenas as exigências,são instrumentos para contrarrestar a tendência ao subconsumo, para oferecer aoEstado massas de recursos que doutraforma estariam pulverizados pararedistribuir pelo conjunto da sociedade os custos da exploração capitalista –monopolista da vida útil dos trabalhadores desonerando os seus únicosbeneficiários, os monopolistas( Faleiros, 1980: Galper, 1975 e 1986). As políticaseducacionais e os programas de qualificação técnico – cientifica oferecem aocapital monopolista recursos humanos cuja socialização elementar é feita a custado conjunto da sociedade. As políticas setoriais que implicam investimentos emgrande escala abrem espaços para reduzir as dificuldades de valorizaçãosobrevindas com a supercapitalizaçao (Mandel, 1976,3).Sincronizadas em maior ou menor medida a orientacao econômico – socialmacroscópica do Estado burguês no capitalismo monopolista, o peso destaspolíticas sociais é evidente, no sentido de assegurar as condições adequadas aodesenvolvimento monopolista. E, no nível estritamente político, elas operam comoum vigoroso suporte da ordem sócio – política: oferecem um mínimo de respaldoefetivo a imagem do Estado como Social, como medidor de interessesconflitantes.Possibilidade objetiva posta pela ordem monopólica, a intervenção estatalsistemática sobre a questão social, penetrada pela complexidade que insinuamos,esta longe de ser unívoca. No marco burguês a sua instrumentalização embenefícios do capital monopolista não se realiza nem imediata nem diretamente,seu processamento pode assinalar conquistas parciais e significativas para aclasse operária e o conjunto dos trabalhadores, extremamente importantes nolargo trajeto histórico que supõe a ruptura dos quadros da sociedade burguesa. Amaturidade política do proletariado e de suas organizações de classes, aliás, temum de seus indicadores na compreensão do potencial contraditório das políticassociais.

1.2 PROBLEMAS SOCIAIS: ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO.

Substantivamente, o giro que a organização monopólica da sociedade burguesaconferiu ao enfrentamento as refrações da questão social deriva da contínua,sistemática e estratégica intervenção estatal sobre elas. Ampliou-se e tornou-semais complexa a estrutura e o significado da ação estatal, incorporando-se osdesdobramentos do caráter público daquelas refrações.

Page 7: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

No movimento que determinou este giro, confluíram que as exigênciaseconômicas – sociais próprias da idade do monopólio que o protagonismo político– social das camadas trabalhadoras, especialmente o processo de lutas e de outo-organizacao da classe operária, mas intercorreu também, com significativaponderação, o novo dinamismo político e cultural que passou a permear asociedade burguesa com as crescentes diferenciações no interior da estrutura declasses. Entretanto, seria um grave equivoco supor que o giro em questão derruiuo conjunto de representações sociais, pertinentes ao ideário liberal. Tanto o êxitocomo o fracasso social é creditado ao sujeito individual tomando enquantomonada social. Por outra parte, a criação, pela via de ações públicas, decondições sociais para o desenvolvimento dos indivíduos não exclui a suaresponsabilização social e final pelo aproveitamento ou não das possibilidadesque lhes são tornadas acessíveis.Na verdade, o que se passa é que a incorporação do caráter público da questãosocial vem acompanhada de um reforço da aparência da natureza privada dassuas manifestações individuais.Na escala em que se implementam medidas públicas para enfrentar as refraçõesda questão social, a permanência das suas seqüelas é deslocada para o espaçoda responsabilidade dos sujeitos individuais que as experimentam.Já observamos o mecanismo pelo qual o Estado burguês no capitalismomonopolista converte as refrações da questão social em problemas sociais. Éassim que as condições que o marco do monopólio estabelece para a intervençãosobre os problemas sociais não destroem a possibilidade de enquadrar os grupose os indivíduos por eles afetados numa ótica de individualização que transfigura osproblemas pessoais. Esta inserção responde a própria dialética do processo socialna moldura da sociedade burguesa madura e consolidada.Esta claro que as estratégias implementadas pelo Estado burguês no capitalismomonopolista envolvem diferencialmente as perspectivas públicas e privada doenfrentamento das seqüelas da questão social. Tudo indica que parece corretoafirmar que se verifica uma visível dominância da perspectiva pública quando setrata de refrações da questão social, tornadas flagrantemente massivas eespecialmente em conjunturas mas quais se constatam uma curva ascendente dodesenvolvimento econômico.A experiência histórica revela, contudo, que não temos invariavelmente umaseqüência regular, antes se configurando situações complexas: a perspectivaprivada pode ganhar destaque em fases de crescimento, quando não há políticassociais setoriais suficientemente articuladas ou ainda quando suas potencialidadescoesivas não se mostram com um mínimo de eficácia, alternativamente, aperspectiva pública pode manter-se dominante em fases de conjunturas criticas,quando a intercorrência de agudas refrações da questão social com rápidosprocessos de mobilização e organização sócia – política das classes subalternassinaliza possibilidades de ruptura da ordem burguesa.Pela argumentação expendida atrás, não pode haver duvidas de que aperspectiva mais pertinente a natureza do Estado burguês no capitalismomonopolista é a da consideração publica dos problemas sociais. No entanto, éinteiramente justo constatar que, em qualquer alternativa, tal Estado se encontra

Page 8: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

em condições de subsidiá-la e de acoplar a ela a perspectiva privada ou mesmode conferir destaque a esta.Na idade do imperialismo, a organização monopólica da vida social tende apreencher todos os interstícios da vida pública e da vida privada, a subordinaçãoao movimento do capital deixa de ter como limites imediatos os territórios daprodução: a tendência manipuladora e controladora que lhe é própria desbordamos campos que até então ocupara, domina estrategicamente a circulação e oconsumo e articula uma indução comportamental para penetrar a totalidade daexistência dos agentes sociais particulares. “Aqui, é o inteiro cotidiano dosindivíduos que tende a ser administrado, um difuso terrorismo psicossocial sedestila pelos poros da vida” (Lefebvre, 1968) e se instala em todas asmanifestações anímicas e todas as instancias que outrora o indivíduo podiareservar-se como áreas de autonomia (a constelação familiar, a organizaçãodomestica, a fruição estética, o erotismo, a criação dos imaginários, a gratuidadedo ócio etc.) convertem-se em limbos programáveis como áreas de valorizaçãopotencial do capital monopolista.Não se trata, nesse âmbito, somente do processo de liquidação dos espaços deautonomia do indivíduo, se trata, nomeadamente, da expansão, das modalidadesde investimentos e de valorização próprias do capital monopolista: elas invadem emetamorfoseiam o privado. Resulta, pois que a expansão das modalidades deinvestimentos do monopólio, que convertem em serviços praticamente a tudo,combina-se a perfeição com os projetos de preservação de individualidades queelas mesmas, são produzidas e reproduzidas conforme as necessidades daquelaexpansão.O ataque aos problemas sociais pelo Estado burguês no capitalismo monopolista,movimentando-se entre o público e o privado, ademais das implicaçõesrigorosamente econômicas que porta, revela como o primeiro subordina o ultimorecolocando-o sistematicamente. A tendência a psicologizar as vidas sociais,próprias da ordem monopólica, é tão compatível com os processos econômicos –sociais que o imperialismo detona quanto se manifesta adequada a suareprodução mas sobretudo se revela como um importante lastro legitimador doexistente. O encolhimento dos espaços da atividade coletiva e social dirigidasegundo a violação dos indivíduos decorre simultaneamente a inflação da suaprivacidade recolhida à fronteira de um eu atomizado. O que se nos afigura maisexpressivo é que a psicologizacao das relações sociais realiza, no plano doindivíduo, a contrapartida da redefinição que a ordem monopólica instaura entre opúblico e o privado.Até este ponto, nossa argumentação esforça-se por destacar a existência demecanismos intrínsecos a ordem monopólica que fundam objetivamente asperspectivas que o Estado burguês próprio a ela explora no enfrentamento dasrefrações da questão social. Todavia, até essa altura, temos ressaltado o que éinerente a lógica do capital monopolista como possibilidade imanente do seumovimento. Há que contabilizar, porém, que com essas possibilidades se conjugaum patrimônio teórico – cultural que as respalda largamente. A tradição intelectualé aquela que configura a curva do pensamento conservador. As leis eram positivas também no sentido de afirmarem a ordem estabelecidacomo base para a negação da necessidade de construção de uma nova ordem, a

Page 9: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

necessidade de reforma e de mudança são partes do mecanismo da ordemestabelecida, de modo que esta progride suavemente para um estado mais alto,sem ter de começar por ser destruída. É este núcleo fundamental da tradição teórico- cultural em tela que ametamorfoseará em subsidio ideal ao Estado burguês no capitalismo monopolista,minimizando seus virtuais traços de colisão com ele. Traços que emergemclaramente não no perfilamento político – social (exemplo, o antiliberalismo), masnas projeções atiças desta tradição. Efetivamente, é nesta naturalização dasociedade que encontramos o princípio que adapta a tradição conservadora asexigências que estamos pontuando do Estado burguês. O que assim recebesanção teórica e consagração cultural é a importância dos sujeitos e protagonistassociais em face dos rumos do desenvolvimento da sociedade.No entanto, o decisivo é a contraface desta naturalização do social: ao naturalizara sociedade, a tradição e, tela é compelida a buscar uma especificação do sersocial que só pode ser encontrada na esfera moral.“A rota da psicologizacao passa, num primeiro momento, pela determinação daproblemática da questão social, como sendo externas as instituições da sociedadeburguesa e estrutura, mas de um conjunto de dilemas mentais e morais, loa aproposta terapêutica não pode se senão uma reorganização espiritual” (Comte,1973:92), apta a contemplar, o verdadeiro programa social dos proletários,consiste em assegurar convenientemente em dois movimentos emindividualização. Ele consiste basicamente em dois movimentos um, quedeseconomiza (e, portanto, desistoriciza) a questão social, outro que situa o alvoda ação tendente a intervir nela no âmbito de algumas expressões anímicas.Ambos concretizam o giro que translada o enfoque das refrações da questãosocial, sem prejuízo da sugestão de práticas que as afetem perfunctoriamente,para o terreno da modelagem psicossocial e moral.Nem segundo momento, desembaraçada da metafísica positiva de Comte( Durkheim, 1973:376) e sem o cariz da religião da humanidade a psicologizacãoavança. Trata-se aqui da elaboração durkheimiana que, como toda a expressãodo mais legitimo conservadorismo, partia igualmente da colocação de que aquestão social era fundamentalmente moral. Por um lado, com o mais direto apelo a naturalização da sociedade, consideraeternos e a – históricos certos mecanismos básicos que determinam aestratificação social que tem sua culminação na sociedade burguesa (Lowy1987:27), acertadamente, mostra que é nesta consideração (patenteada em Dadivisão do trabalho social) que assentam as modernas teorias funcionalistas dasclasses sociais, notadamente a formulada por Davis e Moore. De outro, dado oseu antiliberalismo, sustenta que a tensão conflitos derivada daquelesmecanismos pode ser equiparada pela construção coletiva de normas, que,introjetadas nos indivíduos, reduzem os comportamentos sociopáticos, normasdecididamente morais. A conseqüência é que a programática decorrente destas concepções,apresentando fortes continuidades com a terapia comteana (visíveis por exemplo,na saliência atribuída as funções institucionais da educação, desbordaamplamente os limites originais propostos na reorganização espiritual, cujaresultante não poderia deixar de ser a construção de uma nova mística.

Page 10: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Comparado ao positivismo de Comte, o pensamento durkheimiano é uma inflexãolaica.Esta claro que este componente teórico-científico não é completamenmteadequado para respaldar as modalidades políticas da intervenção estatal na idadedo monopólio. Porem, é sobre ele, tanto nos seus aspectos metodológicosdecisivos, quanto nomeadamente, no processo de psicologização do social, quese constituirá o caldo de cultura que, ressituando o ethos individualista, daráconsistência ideal aquelas modalidades, porque é sobre a psicologização dasrelações sociais que avançará a auto-representação da sociedade burguesa noestágio imperialista (Lukács, 1968: 519).A passagem da moralização da sociedade à individualização dos problemassociais é um processo que enlaça, como se verifica, componentes teórico-culturaise tendências econômico-sociais próprias da gestação e da consolidação da ordemmonopólica. Fornecendo tanto referências ideais quanto instrumentos operativospara implementar sob as óticas "pública" e "privada" a intervenção sobre asrefrações da "questão social", a conexão nela estabelecida coloca, no patamarcompatível com a dinâmica econômico-social e política da idade do monopólio, aalternativa de atacá-Ias em dois planos - o das reformas que o desenvolvimentocapitalista situa como possíveis e necessárias no interior dos seus quadros e odas induções comportamentais sobre os sujeitos cuja condição permanecerefratária a elas. Nos dois planos, é a questão da ordem que constitui o eixo dasintervenções: no primeiro, a rearticulação de vetores econômico-sociais e políticosque sejam funcionais à lógica monopólica; no segundo, o controle dos sujeitos queescapam à sua órbita. Entre o "público" e o "privado", os problemas sociaisrecebem a intervenção estatal: de uma parte, a direção estratégica do processoeconômico-social e político; de outra, a rede institucional de "serviços" que incidesobre as "personalidades" que se revelam colidentes, porque vítimas, com aquela.Mas é do acúmulo daqueles pontos de arranque que a ordem monopólica extraiuos nódulos do sistema teórico-cultural que sanciona, no discurso "científico", osseus mecanismos de reprodução; afinal, a complementaridade das perspectivas"pública" e "privada" se vê caucionada quando a teoria abre o caminho paraconverter a persistência dos problemas sociais em "disfunções" centradas namaior ou menor adequação dos indivíduos em desempenhar os seus "papéis". O"tratamento" dos afetados pelas refrações da "questão social" comoindividualidades sociopáticas funda instituições específicas - o que ocorre é aconversão dos problemas sociais em patologias social.Esta conversão é outro liame a complementar as políticas sociais do Estadoburguês no capitalismo monopolista em suas perspectivas "pública" e "privada".Entretanto, como toda a dinâmica do processo social, ela não opera senão nosespaços das lutas de classes, com seus sujeitos histórico-sociais em movimentosconcretos.

1.3. OS PROJETOS DECISIVOS DOS PROTAGONISTAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Os complexos processos que a nossa argumentação vem roçando foramtratados, até agora, como uma dinâmica cujos sujeitos sócio-políticos parecemdesimportantes, posto que só mencionados lateralmente. A esta altura, cabe

Page 11: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

salientá-Ios - porque o erguimento da sociedade burguesa madura e consolidada,assentada na ordem monopólica, não é um processo sem protagonistas. A suahistória não é um puro desenrolar de requisições econômico-sociais queconvocam respostas automaticamente necessárias; como em toda a história dasociedade, nesta também "nada acontece sem intenção consciente, sem metadesejada" (Engels, in Marx-Engels, 1983: 476). Vale dizer: a história que estásendo o objeto da nossa reflexão foi construída por protagonistas histórico-sociais,que no seu decurso se confrontaram com projeções e estratégias próprias ediferenciadas.Se, até este ponto da nossa argumentação, o que atraiu o nosso olhar foi àestrutura particular da economia do monopólio, isto não significa que concedamosalgo ao viés economicista na operação analítica (o economicismo, contrafaçãoque tanto afeta certas versões vulgares do pensamento de Marx quanto vertentesdo pensamento conservador). Significa, tão-somente, que consideramos sermetodologicamente mais correto partir das conexões societárias emergentes doordenamento econômico para equacionar os movimentos mais decisivos daconformação social macroscópica que sobre ele se ergue. Nesta angulação, alógica monopólica da sociedade burguesa madura e consolidada não sedesenvolve como um qualquer "fator determinante" configura, antes, um processototalizante e contraditório cujos desfechos particulares e transitórios expressam asexigências econômico sociais do desenvolvimento capitalista, assim comoalgumas de suas referências ideais, mas se creditam concretamente às relaçõesde forças políticas e aos projetos específicos das classes e franjas de classes empresença.Ainda que levemos em conta o acúmulo historiográfico, crítico e analítico que já seobteve neste terreno da investigação, o que interessa é remarcar a emersão dosprojetos político-sociais decisivos que balizaram os confrontos e os movimentosdaqueles protagonistas que acabaram por conformar o curso do desenvolvimentoda sociedade burguesa no período "clássico" do imperialismo. A transição do capitalismo concorrencial à idade do monopólio concretizou trêsfenômenos que, embora deitando raízes genéticas no bojo do período "liberal" docapitalismo, só ganharam gravitação evidente no marco do novo estágio: oproletariado constituído como classe para si, a burguesia operandoestrategicamente como agente social conservador e o peso específico das classese camadas intermediárias. Pontuar estes fenômenos, no modo em que seapresentam no fim do século XIX e nos primeiros anos do século XX, é um passofundamental para apanhar a peculiaridade dos protagonistas histórico-sociais eseus projetos político-sociais na afirmação do capitalismo monopolista.Em plano histórico-universal, as condições para a assunção do proletariado comoclasse para si se configuram com os embates de 1848. As amargas derrotassofridas pela classe operária (e, de fato, pelo conjunto dos trabalhadores), a quese seguiu pelo menos uma década de refluxo do seu movimento em escala euro-continental, destruindo todo um acervo de ilusões em relação quer aspossibilidades da revolução segundo a tradição blanquista, quer aos arcos dealiança então viáveis - tais derrotas constituíram o material histórico a partir doqual, prática e politicamente, o proletariado começa a construir a sua identidadecomo protagonista histórico-social consciente. É nos anos sessenta que o refluxo

Page 12: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

mencionado se vê revertido - como o indica a fundação da AssociaçãoInternacional dos Trabalhadores. Inicia-se então um largo processo, que só estaráconsolidado às vésperas da Primeira Guerra Mundial, pelo qual a classe operáriaurbana vai elaborar os seus dois principais instrumentos de intervenção sócio-política, o sindicato e o partido proletário.Com o deslocamento do eixo do movimento operário revolucionário para aAlemanha, que se operará a configuração daqueles instrumentos de intervençãosócio-política, até o final da primeira década do século XX, tal configuração estarádefinida nos dois níveis. O mero fato de esta definição realizar-se com uma óbviasincronia, quer se trate da formação do moderno movimento sindical, quer se trate da constituição do moderno partido político operário este é a matriz do modernopartido político, indica uma dinâmica extremamente significativa, seus pólos devemser localizados em dois fenômenos distintos, um econômico-social e outrohistórico-político: a degradação do nível de vida das grandes massas, no período,e a ponderação que as propostas oriundas do pensamento de Marx ganhamentão.De uma parte, uma conjuntura de crise marca a transição ao capitalismo dosmonopólios: ela se estende nitidamente de 1873 a 1896, com picos flagrantes em1877, 1884-1887, 1890 e 1893; a tendência depressiva parece infletir-se a partirde 1896, mas retoma em 1900, 1903 e 1907; "em 1913-1914, uma nova crise jáse anunciava, mas a guerra abortou-a" (Bédaria, 1964: 305). Mesmo querebatendo diversamente nos vários países, duas das resultantes desta conjunturasão mais ou menos gerais: redução dos postos de trabalho, com desempregomassivo; aviltamento do salário real, acentuando a fome e a miséria. A respostado movimento operário não vem apenas na forma de grandes greves emobilizações vem plasmada no auge associativo-sindical já mencionado: trata-sede um movimento sindical que responde menos à crise que ao caráter novo tantoda emergente organização monopólica do capitalismo já basicamente urbanizadae vinculada aos setores dinâmicos da "segunda revolução industrial".De outra parte, e em clara conexão com este pano de fundo, incide vigorosamentesobre o movimento operário (e sua dimensão sindical) o vetar revolucionáriovinculado ao pensamento de Marx. Parece não haver dúvidas de que é nesteperíodo que esta influência penetra os segmentos mais avançados e os setoresmais representativos do movimento operário, que passam a identificar-se político-partidariamente como social-democratas. É esse proletariado em rápido processo de organização sindical e político-partidária (com estes dois níveis freqüentemente se entrecruzando e confundindo)que protagoniza o cenário da sociedade burguesa entre a Comuna de Paris e aPrimeira Guerra Mundial. Justamente as lutas que, mercê desta organização emdois níveis, a classe operária pôde conduzir compeliram as frações burguesasmais dinâmicas e/ou o sistema estatal a serviço da burguesia (ou envolvido emprojetos de desenvolvimento capitalista) a significativas concessões. Trata-se,aqui, das conquistas proletárias que aparecem como os primeiros esboços depolítica social pública. Confrontando-se com este protagonista, as fraçõesburguesas mais dinâmicas vêem-se obrigadas a respostas que transcendemlargamente o âmbito da pura coerção, conformando mecanismos que contemplameixos de participação cívico-política (as conquistas alcançadas com o processo de

Page 13: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

organização e luta a que aludimos espraiam-se para além do universo proletário etornam-se patrimônio cívico - pense-se, por exemplo, na reformulação dossistemas de educação e na extensão do direito de voto), é deste confronto que,enfim, resultarão os parâmetros de convivência democrática que se estabilizou emboa parte das sociedades capitalistas desenvolvidas: nelas, o princípiodemocrático confundiu-se com as demandas dos trabalhadores. É o protagonismo proletário, assim, que, na configuração da idade do monopólio,põe a resolução da "questão social" como variável das lutas direcionadas àultrapassagem da sociedade burguesa. Mas não se trata, somente, da politizaçãoda "questão social" mas ela é colocada no seu terreno específico, o doantagonismo entre o capital e o trabalho, nos confrontos entre seusrepresentantes.Dispõe, em primeiro lugar, o desenvolvimento das forças produtivas não tornoumais complexa apenas a classe operária, também afetou em cheio o universoburguês, tanto introduziu novas polarizações e novas hierarquias no seu marcoquanto permitiu-lhe, com o seu divórcio da gestão imediata dos empreendimentosliberar-se para a intervenção nos aparatos públicos. Em segundo lugar, com aordem monopólica implicando quer um novo relacionamento com as instânciasestatais, quer um novo tipo de integração supranacional das frações burguesas,graças à própria internacionalização do capital, a burguesia passa a dispor de umaexperiência e uma consciência política abrangente, que possibilitammacroestratégias. Enfim, ela pode mobilizar, para o seu projeto, a diferenciaçãoque penetra o movimento operário e a crescente complexidade da mesmaestrutura social engendrada pelo ordenamento monopólico.Com estes recursos ela pode formular um projeto alternativo e concorrente ao doproletariado, cujo conteúdo conservador se explicita ao abordar a "questão social",tal como se põe na emersão do monopólio, com um enfoque despolitizador. Todoo empenho burguês consiste em deslocar a "questão social" do campo da políticaem privá-Ia de uma contextualização classista, em torná-Ia indene de projeçõesassumidamente políticas. O escamoteamento da dimensão política medular da"questão social" constitui o cerne da política burguesa que a quer enfrentar naidade do monopólio. É dela que derivam as formas típicas, e complementares, daestratégia político-social da burguesia: a despolitização surge no tratamento da"questão social" como objeto de administração técnica e/ou campo de terapiacomportamental e aqui se reconhecem as perspectivas "pública" e "privada".Em qualquer destas formas, estão garantidas, para a projeção burguesa, ascondições da sua reprodução como classe dominante e dirigente, posto queelidam, à partida, a questão da historicidade da organização societária: o marcoda socialidade burguesa é susceptível de mudanças, mas no seu âmbito e interior.É desnecessário qualquer excurso para indicar que esta inflexão no projetoburguês resulta da sua contraposição ao protagonismo operário na passagem docapitalismo concorrencial ao imperialismo. No entanto, ela é mais que isso:incorpora demandas dinâmicas das forças produtivas, assimila elementos doprocesso teórico-cultural de todo o século XIX e, principalmente, captura muito doque advém, na mesma transição ao ordenamento monopólico, do peso específicoque vão adquirindo as camadas sociais intermediárias. Efetivamente, o conjunto de processos econômico-sociais que marca o ingresso

Page 14: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

do capitalismo no estágio imperialista engendra uma complexificação na estruturasocial que progressivamente confere uma ponderação peculiar às mal chamadas"classes médias", camadas e categorias entre a burguesia e o proletariado.No período histórico que estamos examinando, contudo, estes segmentos serevelam in statu nascendi e se entremesclam, pois, com os estratos "médios" doperíodo anterior - artesãos altamente qualificados, profissionais de fato liberais,pequenos-burgueses, intelectuais desvinculados de aparatos institucional-organizacionais etc. Esta condição peculiar, compósita e transicional, faz dessesagregados sociais um curioso universo ideológico, no qual se localizam propostasde "filisteus" execrados pelos revolucionários proletários, ideais anticapitalistasromânticos e vetares claramente reformistas. Estes últimos merecem atençãoespecial, porque acabarão por ter uma função ídeo-política singular: vão resgatara tradição do reformismo burguês e adequá-la aos novos tempos. O reformismo burguês desenvolve-se durante todo o século XIX, adquirindoexpressões muito diferenciadas ao longo do tempo e no espaço.O desenvolvimento das novas formas de organização econômica, a maturaçãopolítico-ideológica do proletariado e os novos parâmetros da dominação burguesa- em suma, a consolidação da sociedade burguesa - acabariam por retirar-lhequalquer âmbito de vigência efetiva. Nas novas condições postas pela emersão doordenamento monopólico, seu destino confirma a antecipação de 1848: "Osocialismo burguês só alcança a sua expressão adequada quando passa a seruma mera figura de retórica" (Marx-Engels, 1975: 97). Será pragmático e colocar-se-á como demanda simultaneamente técnica e ética:proporá mudanças cuja viabilidade é o aval da sua legitimidade.Realmente, o novo reformismo se desenvolve paralelamente à emergência do que,na vertente interpretativa do pensamento derivado de Marx, ficaria conhecidocomo revisionismo.Cabe destacar, entretanto, que o chamado revisionismo, para além decomponentes teóricos e culturais muito particulares, deve ser relacionadoprincipalmente a dois dados factuais do período: de uma parte, o surgimento, nointerior da classe operária, de um segmento diversificado, cujos interessescolidiriam com qualquer projeção revolucionária - a aristocracia operária, típicofruto da emersão do monopolismo; de outra, no âmbito organizacional dossindicatos e partidos operários, o aparecimento de uma camada de funcionárioscujo desempenho de corte fundamentalmente burocrático conduzia-a a posturasconservadoras.A programática "revisionista" não se identifica sumariamente com o novoreformismo burguês, entretanto, é perfeitamente compatível com ele em seusprincipais itens estratégicos: a recusa da ruptura política com os marcosburgueses, o gradualismo, o pragmatismo e, muito especialmente, oevolucionismo. A efetiva convergência entre essas duas proposições parece de-notar que ambas expressam e refratam um complexo de fenômenos e processosde larga duração histórica. De fato, neste momento histórico, tais projetos não se esgotam em termos de umadicotomia (projeto proletário/projeto burguês) nem implicam uma referencialidadedireta às classes e estratos componentes da estrutura social.

Page 15: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Mesmo se, se tiver em mira a burguesia e o proletariado, exclusivamente, éimpossível detectar projetos únicos em cada um de seus territórios. Mas parece-nos legítimo, para nossos fins, operar a extração, numa ótica retrospectiva, por viade inferência a partir de construções ideais, dos projetos sócio-políticossignificativos dos protagonistas histórico-sociais significativos.É óbvio que a articulação destes projetos distintos com as práticas sociais epolíticas das classes e frações de classes passa por mediações extremamentecomplicadas, só passíveis de levantamento através de análises conjunturaisprecisas. Igualmente, é óbvio que tais práticas não se explicam somente a partirdos seus parâmetros ideais, dos projetos que as referenciam. Mas é indubitávelque esses projetos conformam em medida considerável os protagonistas daquelaspráticas, num jogo em que se alteram, em ritmo diferencial, projetos e práticas. Aconfiguração societária que se ergue sobre o ordenamento monopólico só podeser apreendida na escala em que foi construÍda por protagonistas que, em algumaproporção, atuaram segundo projetos determinados: aquela configuração resultacomo produto involuntário e inintencional de intervenções voluntárias eintencionais de agentes portadores de um nível variado de consciência acerca demeios e fins. Entendemos que as três projeções que viemos de sumariar desempenharam umpapel central no comportamento dos protagonistas histórico-sociais que seconfrontaram na emersão do capitalismo dos monopólios - não eram as únicasque estavam em presença, mas foram as decisivas: orientaram em algumamedida a movimentação das representações e frações mais expressivas dasclasses sociais na sua colisão; de alguma maneira, inscreveram-se nasinstituições específicas da sociedade burguesa madura e consolidada. Doenfrentamento das estratégias que elas viabilizaram, em graduação distinta,redundaram estruturas, instituições e políticas que marcam a organização da vidasocial na ordem monopólica.

1.4. A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO

É somente na intercorrência do conjunto de processos econômicos, sócio-políticose teórico-culturais que tangenciamos nas seções precedentes que se instaura oespaço histórico-social que possibilita a emergência do Serviço Social comoprofissão. Sem a consideração deste marco específico, a análise da história doServiço Social perde concreção e acaba por transformar-se numa crônicaessencialmente historiográfica e linear. A constituição da profissão seria a re-sultante de um processo cumulativo, cujo ponto de arranque estaria na"organização" da filantropia e cuja culminação se localizaria na gradualincorporação, pelas atividades filantrópicas já "organizadas", de parâmetrosteórico-científicos e no afinamento de um instrumental operativo de naturezatécnica; em suma, das protoformas do Serviço Social a este enquanto profissão, oevolver como que desenharia um continuum.Sua debilidade, para além do traço mecanicista que exibe com evidência maior oumenor, é indiscutível: mostra-se inepta para dar conta de um elemento central doprocesso sobre o qual se debruça - o fundamento que legitima a profissionalidadedo Serviço Social; em face desta questão axial, a solução recorrente é a de atribuir

Page 16: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

esse suporte especialmente ao sistema de saber que passa a enformar o ServiçoSocial. Vale dizer: a legitimação profissional é localizada no embasamento teórico.O que permanece intangível para esta angulação é precisamente o que, a nossojuízo, constitui o efetivo fundamento profissional do Serviço Social: a criação deum espaço sócio-ocupacional no qual o agente técnico se movimenta - maisexatamente, o estabelecimento das condições histórico-sociais que demandameste agente, configuradas na emersão do mercado de trabalho. É óbvio que a generalização e a persistência da angulação tradicional a que nosreferimos sinalizam mais que um equívoco analítico dos muitos autores que comela se solidarizam. Acreditamos que na sua base está um componente que,factual, recebe um tratamento que o enviesa. Trata-se da relação de continuidadeque efetivamente existe entre o Serviço Social profissional e as formasfilantrópicas e assistenciais desenvolvidas desde a emergência da sociedadeburguesa. Esta relação é inegável e, em realidade, muito complexa; de um lado,compreende um universo ideo-político e teórico-cultural, que se apresenta nopensamento conservador; de outro, envolve modalidades de intervençãocaracterísticas do caritativismo - ambos os veios cobrindo igualmente aassistência "organizada" e o Serviço Social. Sobretudo, a relação de continuidadeadquire uma visibilidade muito grande porque há uma instituição que desempenhapapel crucial nos dois âmbitos - a Igreja Católica. As implicações de uma talcontinuidade afetam medularmente o Serviço Social; menosprezá-la ou reduzi-Ianão contribui para a compreensão da profissão; no entanto, ademais deexplicável, ela está longe de fornecer a chave para dilucidar a profissionalizaçãodo Serviço Social. De uma parte, ela se explica porque um novo agente profissional, no marco dareflexão sobre a sociedade ou da intervenção sobre os processos sociais, não secria a partir do nada. De outra, porque, na seqüência, quando se conformam asreferências e práticas próprias do novo agente, estas nem sempre implicam asupressão quer do background ideal, quer dos suportes institucional-organizativosanteriores, podendo conservá-los por largo tempo. No caso particular do ServiçoSocial, este processo ocorreu exemplarmente, de modo que a relação decontinuidade manifestou-se com invulgar cLareza, criando, para observadorespouco atentos, a ilusão de se estar verificando, das protoformas do Serviço Socialà profissão, um mero desenvolvimento imanente. Entretanto, a relação de continuidade não é única nem exclusiva - ela coexistecom uma relação de ruptura que, esta sim, se instaura como decisiva naconstituição do Serviço Social enquanto profissão. O caminho daprofissionalização do Serviço Social é, na verdade, o processo pelo qual seusagentes se inserem em atividades interventivas cuja dinâmica, organização,recursos e objetivos são determinados para além doseu controle. Esta inserção quase sempre escamoteada pela auto-representaçãodos assistentes sociais marca a profissionalização: precisamente quando passama desempenhar papéis que lhes são alocados por organismos e instâncias alheiosàs matrizes originais das protoformas do Serviço Social é que os agentes seprofIssionalizam. Não se trata de um deslocamento simples: as agências em quese desenvolvem as protoformas do Serviço Social pensam-nas e realizam-nascomo conjunto de ações não só derivadas menos de necessidades ou demandas

Page 17: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

sociais do que de impulsões ético-morais, mas especialmente como atividadesexteriores à lógica do mercado; apenas quando saltam para fora dessas agências,ou quando elas passam a subordinar-se a uma orientação diversa, é que osagentes podem empreender o caminho da profissionalização. O deslocamento emtela não é simples porque pode dar-se não só com a manutenção do referencialideal anterior como, principalmente, com a conservação de práticas a eleconectadas, o que o deslocamento altera visceralmente; concretizando a ruptura,é, objetivamente, a condição do agente e o significado social da sua ação; oagente passa a inscrever-se numa relação de assalariamento e a significaçãosocial do seu fazer passa a ter um sentido novo na malha da reprodução dasrelações sociais. Em síntese: é com este giro que o Serviço Social se constituicomo profissão, inserindo-se no mercado de trabalho com todas as conseqüênciasdaí decorrentes.Na emergência profissional do Serviço Social, não é este que se constitui paracriar um dado espaço na rede sócio-ocupacional, mas é a existência deste espaçoque leva à constituição profissional. Não é a continuidade evolutiva dasprotoformas ao Serviço Social que esclarece a sua profissionalização, e sim aruptura com elas, concretizada com o deslocamento aludido, deslocamentopossível (não necessário) pela instauração, independentemente das protoformas,de um espaço determinado na divisão social do trabalho.A profissionalização do Serviço Social não se relaciona decisivamente à "evoluçãoda ajuda", à "racionalização da filantropia" nem à "organização da caridade";vincula-se à dinâmica da ordem monopólica. É só então que a atividade dosagentes do Serviço Social pode receber, pública e socialmente, um caráterprofissional: a legitimação pelo desempenho de papéis, atribuições e funções apartir da ocupação de um espaço na divisão social do trabalho na sociedadeburguesa consolidada e madura. A emergência profissional do Serviço Social é,em termos histórico-universais, uma variável da idade do monopólio; enquantoprofissão, o Serviço Social é indivorciável da ordem monopólica - ela cria e fundaa profissionalidade do Serviço Social. O processo pelo qual a ordem monopólica instaura o espaço determinado que, nadivisão social (e técnica) do trabalho a ela pertinente, propicia a profissionalizaçãodo Serviço Social tem sua base nas modalidades através das quais o Estadoburguês se enfrenta com a "questão social", tipificadas nas políticas sociais. Estas,ademais das suas medulares dimensões políticas, se constituem também comoconjuntos de procedimentos técnico-operativos; requerem, portanto, agentestécnicos em dois planos: o da sua formulação e o da sua implementação. Nesteâmbito está posto o mercado de trabalho para o assistente social: ele é investidocomo um dos agentes executores das políticas sociais. O campo para o desenvolvimento das atribuições profissionais, a partir dos locientão criados, é verdadeiramente muito amplo. Por um lado, a natureza inclusivada política social e o caráter tendencialmente tentacular dos "serviços" põem comoobjeto de intervenção um progressivamente maior elenco de situações. Por outro,a alternância e/ou a coexistência dos enfrentamentos "público" e "privado" dasmanifestações da "questão social" oferecem a possibilidade da "especialização"dos profissionais neles envolvidos.

Page 18: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

A constituição do mercado de trabalho para o assistente social pela via daspolíticas sociais é que abre a via para compreender simultaneamente acontinuidade e a ruptura, antes aludidas, que assinalam a profissionalização doServiço Social. De uma parte, recuperam-se formas já cristalizadas demanipulação dos vulnerabilizados pelas seqüelas da "questão social", de outra,com a sua reposição no patamar das políticas sociais, introduz-se-lhes um sentidodiferente: a sua funcionalidade estratégica passa e o controle da força de trabalho.O Serviço Social não desempenha funções produtivas, mas se insere nasatividades que se tornaram acólitas dos processos especificamente monopólicosda reprodução, da acumulação e da valolização do capital, o caráter efetivamentenão liberal do seu exercício profissional radica menos na sua inserção naquelearco de atividades do que na natureza executiva do seu ofício, que só pode serrealizada pela mediação organizacional de instituições, públicas ou não. Taisatividades, no caso do Serviço Social, configuram um complexo compósito deáreas de intervenção, onde se entrecruzam e rebatem todas as múltiplasdimensões das políticas sociais e nas quais a ação profissional se move entre amanipulação prático-empírica de variáveis que afetam imediatamente osproblemas sociais e a articulação simbólica que pode ser constelada nela e apartir dela. Realmente, a ação profissional se desdobra nestes dois níveis,imbricados mas não necessariamente sincronizados. De uma parte, a naturezainterventiva que é própria do Serviço Social se revela na escala em que aimplementação de políticas sociais implica a alteração prático-imediata desituações determinadas; de outra, é componente desta intervenção umarepresentação ideal que tanto orienta a ação alteradora quanto a situação emcausa. A intervenção profissional reproduz, na sua consecução, as dimensões daresposta integradora pertinentes à essência das políticas sociais. Enquanto profissão, o Serviço Social não é uma possibilidade posta somente pelalógica econômico-social da ordem monopólica: é dinamizada pelo projetoconservador que contempla as reformas dentro desta ordem.Em primeiro lugar, ele não se ergue como um projeto sócio-político particular, mascomo uma articulação compósita de restauração e conservantismo que,condensada especialmente no campo da imantação ideológica da Igreja Católica,é capturado e instrumentalizado pelo projeto conservador burguês; nesta capturae integração, que não ocorre sem tensões, ele caminha para a laicização - e eisque vai interagir com outros projetos sócio-políticos, principalmente com o novoreformismo burguês de estratos médios; à medida que avança o processo deprofissionalização, a interação progressivamente se acentua. Em segundo lugar, abase própria da sua profissionalidade, as políticas sociais, conformam um terrenode conflitos constituídas como respostas tanto às exigências da ordem monopólicacomo ao protagonismo proletário, elas se mostram como territórios de confrontosnos quais a atividade profissional é tensionada pelas contradições e antagonismosque as atravessam enquanto respostas. Emergindo como profissão acumulado na organização da filantropia própria àsociedade burguesa, o Serviço Social desborda o acervo das suas protoformas aose desenvolver como um produto típico da divisão social (e técnica) do trabalho daordem monopólica. Originalmente parametrado e dinamizado pelo pensamentoconservador, adequou-se ao tratamento dos problemas sociais quer tomados nas

Page 19: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

suas refrações individualizadas quer tomados como seqüelas inevitáveis do"progresso" e desenvolveu-se legitimando-se precisamente como intervenienteprático-empírico e organizador simbólico no âmbito das políticas sociais. ServiçoSocial pode desincumbir-se das suas tarefas contemplando diferencialmente osvários protagonistas sócio-históricos em presença. O campo do Serviço Social, como pretende sustentar a nossa argumentação, édemarcado e tensionado pela conjunção de uma dupla dinâmica: a que decorre doconfronto entre os protagonistas sócio-históricos na emersão da ordemmonopólica e a que se instaura quando, esbatendo mediatamente aqueleconfronto na estrutura sócio-ocupacional, todo um caldo cultural se instrumentalizapara dar corpo a alternativas de intervenção social profissionalizadas.A esta altura, torna-se pertinente sumariar, muito sinoticamente, o processo daprimeira daquelas dinâmicas - exatamente as condições histórico-sociais naemergência do Serviço Social. O desenvolvimento capitalista alcança o seu patamar mais alto na ordemmonopólica que traveja a sociedade burguesa consolidada e madura. Ainstitucionalidade sócio-política que lhe. é própria não redunda imediatamente dasexigências econômicas do dinamismo do capital monopolista, mas se produzcomo resultante do movimento das classes sociais e suas projeções. Nela, oEstado joga um papel central e específico donde o potenciamento do seu traçointervencionista e a sua relativa permeabilidade a demandas extramonopolistasincorporadas seletivamente com a tendência a neutralizá-las. Este núcleoelementar de tensões e conflitos aparece organizado na sua modalidade típica deintervenção sobre a "questão social", conformada nas políticas sociais. Para umatal intervenção, requerem-se agentes técnicos especializados - novosprofissionais, que se inserem em espaços que ampliam e complexificam a divisãosocial do trabalho. Entre estes novos atores, contam-se os assistentes sociais: aeles se alocam funções executivas na implementação de políticas sociaissetoriais, com o enfrentamento de problemas sociais, numa operação em que secombinam dimensões prático-empíricas e simbólicas, determinadas por umaperspectiva macroscópica que ultrapassa e subordina a intencionalidade dasagências a que se vinculam os atores. Profissionais assalariados, os assistentessociais tem o fundamento de seu exercício hipotecado e legitimado nodesempenho daquelas funções executivas, independentemente da representaçãoque delas façam. Estruturando-se como categoria profissional a partir de tipossociais preexistentes à ordem monopólica, originalmente conectados a umcompósito referencial ideal incorporado pelo projeto sócio-político conservadorpróprio à burguesia monopolista, à medida que sua profissionalização se afirma osassistentes sociais tornam-se permeáveis a outros projetos sócio-políticos -especialmente na escala em que estes rebatem nas próprias políticas sociais.

Page 20: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

CAPÍTULO 2 – A ESTRUTURA SINCRÉTICA DO SERVIÇO SOCIAL

A discussão da natureza do Serviço Social é praticamente contemporânea à suaprópria institucionalização como profissão (Leiby, 1978). Factualmente, estadiscussão veio se vinculando ao debate dos seus papéis sócio-ocupacionais - emboa medida marcados pela herança das suas protoformas - e da relevância dosmesmos, condicionando em escala ponderável os paradigmas quealternativamente se apresentaram como identificadores do Serviço Social. Um exame, mesmo que perfunctório, das fontes de elaboração que, ao longo demais de meio século, procuraram oferecer ao Serviço Social um tônus particularenquanto sistema de idéias e de práticas revela a constante e contínuapreocupação em repostar as reservas e críticas que, desde os seus primeirosintentos autonômicos, tinham por objetivo desqualificá-lo de alguma maneira - sejapor interditá-Io como profissão, seja por cancelar as suas pretensões "científicas".A clarificação do estatuto teórico do Serviço Social e a localização da suaespecificidade como prática profissional.Entretanto, o tratamento distinto delas é uma exigência básica para iluminarconvenientemente as peculiaridades de cada uma e, em especial, para infirmar aequivocada relação causal que a tradição profissional veio estabelecendo entreambas, consistente em derivar a legitimidade da prática profissional a partir dosseus fundamentos pretensamente científicos.

2.1. SERVIÇO SOCIAL: FUNDAMENTOS "CIENTÍFICOS" E ESTATUTOPROFISSIONAL

Tematizando as relações entre o estatuto teórico do Serviço Social e a suacondição sócio-profissional, os assistentes sociais construíram uma linha dereflexão nitidamente identificável ao longo da sua elaboração intelectual. Nestalinha, ressalta a conexão peculiar que se estabeleceu entre o atribuídofundamento "científico" do Serviço Social e o seu estatuto profissional - todas asindicações recolhidas na massa documental pertinente produzida pela categorialevam a registrar que, para esta, o estatuto profissional é posto basicamente comodependente do seu fundamento "científico".Naquela massa, são residuais as argumentações que procuram a explicação doestatuto profissional do Serviço Social travejando-a no contexto da divisão socialdo trabalho imperante na sociedade burguesa consolidada e madura e vinculandoa demandas típicas das suas modalidades de reprodução social. Predominam, aocontrário, as concepções que hipotecam a configuração profissional institucional auma espécie de "maturidade científica" do Serviço Social em comparação às suaschamadas protoformas. Compreender adequadamente esta predominância étarefa em aberto: uma pista eventualmente fecunda para dilucidá-la talvez residana consideração de que se tornou histórica e socialmente relevante para osassistentes sociais construir uma auto-imagem que cortasse o seu exercício sócio-

Page 21: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

profissional com as suas protoformas, intervenções assistencialistas,assistemáticas e filantrópicas.A esta inversão generalizada na construção da auto-imagem do Serviço Social,que supõe que a raiz da especificidade profissional advém de um estoque"científico", e levantando outro desafio para análises mais percucientes eminimamente sólidas, parece estar a relação entre a institucionalizaçãoprofissional do Serviço Social e o fenômeno, universalizado e indiscutível, de eleapresentar-se como "profissão feminina". Em tal afirmação, a ruptura com oregime do voluntariado não equivaleu à ruptura com a subalternalidade técnica aque se destinava e alocava a força de trabalho feminina.No limite, é pertinente a inferência de que estas tensões, visíveis no terreno daprofissão, podem ser relacionadas às lutas femininas ocorrentes em outrasesferas sociais. A afirmação e o desenvolvimento de um estatuto profissional seopera mediante a intercorrência de um duplo dinamismo: de uma parte, aqueleque é deflagrado pelas demandas que lhe são socialmente colocadas; de outra,aquele que é viabilizado pelas suas reservas próprias de forças aptas ou não pararesponder às requisições extrínsecas - e este é, enfim, o campo em que incide oseu sistema de saber. O espaço de toda e cada profissão no espectro da divisãosocial do trabalho na sociedade burguesa consolidada e madura é função daresultante destes dois vetores: não há, aqui, um mecanismo que, de saída, decidade uma vez por todas a fortuna de um setor profissional, ainda que este complexojogo possa ser muito perturbado pelo parasitismo próprio desta sociedade.Precisamente este duplo dinamismo que concorre nos momentos de giro de umestatuto profissional é obscurecido na auto-imagem que tradicionalmente oServiço Social construiu de sua afirmação e desenvolvimento. Na escala em queremeteu o seu perfil profissional a um suposto fundamento "científico", creditou-seessencialmente a este as suas infiexões prático-profissionais.Dois episódios da história do Serviço Social atestam estas assertivas: a viragempsicologista (progressivamente centrada no enfoque psiquiátrico) que, no final dosanos vinte, instaurou um papel peculiar para o Serviço Social de Caso e aassunção da organização e do desenvolvimento de comunidades, no segundopós-guerra e nomeadamente ao sul do Rio Grande, que veio a plasmar, comosegmento do âmbito profissional, o Desenvolvimento de Comunidade.No primeiro caso, a translação do privilégio da intervenção para o âmbitocaracterístico da terapia estritamente individual derivasse da incorporação(teórica) das chaves heurísticas da psicologia e, no segundo, como se a inserçãodo assistente social no marco de ações interdisciplinares ou multiprofissionaisfosse o desaguadouro da permeabilidade do Serviço Social às teoriasfuncionalistas da sociedade e da mudança social.

2.2. SERVIÇO SOCIAL E SINCRETISMO

Um tratamento diferenciado que distinga, no plano analítico, o estatuto teórico doServiço Social do prático-profissional, não é apenas dificultado pela tradicionalconstrução da auto-imagem do Serviço Social, comprometida pela inversão jáassinalada. O problema deita raízes mais profundas e complexas num terrenosingular: a própria natureza sócio-profissional do Serviço Social. É desta que

Page 22: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

decorrem, posta a carência de um referencial teórico crítico-dialético, aspeculiaridades que fazem dele um exercício prático-profissional medularmentesincrético.Por via de conseqüência, o tratamento analítico deste conteúdo só adquire umdimensionamento correto quando contextualizado em função da estruturasincrética do Serviço Social como exercício prático-profissional. O sincretismo nosparece ser o fio condutor da afirmação e do desenvolvimento do Serviço Socialcomo profissão, seu núcleo organizativo e sua norma de atuação. Expressa-se emtodas as manifestações da prática profissional e revela-se em todas asintervenções do agente profissional como tal. O sincretismo foi um princípioconstitutivo do Serviço Social. Três são os fundamentos objetivos da estrutura sincrética do Serviço Social: ouniverso problemático original que se lhe apresentou como eixo de demandashistórico-sociais, o horizonte do seu exercício profissional e a sua modalidadeespecífica de intervenção. Todo o complexo de outras determinações sincréticaspróprias ao Serviço Social valorações, componentes de referência teórica etc. -assenta em e concorre e reforça estas bases factuais.A multiplicidade quase infindável das refrações da "questão social" que esbatemno âmbito da intervenção profissional do Serviço Social põe problemas nos quaisnecessariamente se entrecruzam dimensões que não se deixam equalizar,escapando e desbordando dos modelos formal-abstratos de intervenção. Osmoldes formal-abstratos desenvolvidos pela profissão mostram-se inevitavelmenteunilaterais e unilateralizantes, na justa escala em que deixam de apreender osistema de mediações concretas que forma a rede em que se constitui a unidadede intervenção, esta mesmo alvo das inúmeras situações problemáticas em quese corporificam as refrações da "questão social", numa série cuja diferencialidadeinstaura um aparentemente caótico complexo de carências (materiais e/ou ideais).Verifica-se, portanto, que a problemática que demanda a intervenção operativa doassistente social se apresenta, em si mesma, como um conjunto sincrético; a suafenomenalidade e o sincretismo - deixando na sombra a estrutura profundadaquela que é a categoria ontológica central da própria realidade social, atotalidade. Só este fato, porém, não determinaria a estrutura sincrética do Serviço Social- elese apresenta, realmente, para uma ampla gama de intervenções sociais,profissionalizadas ou não. O que lhe atribui uma gravitação especial, em setratando do Serviço Social, é o horizonte em que este se exerce. A pesquisa mais recente e contemporânea tem salientado que o horizonte realque baliza a intervenção profissional do assistente social é o do cotidiano quecomo horizonte real da intervenção profissional do Serviço Social denota, antes,que ela transita necessariamente pelos condutos da cotidianidade: seu materialinstitucional é a heterogeneidade ontológica do cotidiano e seu encaminhamentotécnico e ideológico não favorece "suspensões" ou operações de"homogeneização para um tratamento exaustivo.A funcionalidade histórico-social do Serviço Social aparece definida precisamenteenquanto uma tecnologia de organização dos componentes heterogêneos dacotidianidade de grupos sociais determinados para ressituá-los no âmbito destamesma estrutura do cotidiano - o disciplinamento da família operária, a ordenação

Page 23: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

de orçamentos domésticos, a recondução às normas vigentes de comportamentostransgressores ou potencialmente transgressores, a ocupacão de tempos livres,processos compactos de ressocialização dirigida etc. -, conotando-se tecnologiade organização do cotidiano como manipulação planejada. Nesta perspectiva,dentre todos os profissionais alocados à organização do cotidiano dedeterminados grupos sociais, o assistente social é aquele que se vê posicionadode modo tal que o aparente sincretismo da matéria sobre a qual opera conjuga-seà perfeição com as condições da sua operação.Duas de suas implicações, no entanto, merecem destaque. A primeira é que elademanda um conhecimento do social capaz de mostrar-se diretamenteinstrumentalizável. Menos que uma reprodução veraz do movimento do ser social,extraída da análise concreta de formas sociais determinadas, que a intervençãomanipuladora reclama freqüentemente são paradigmas explicativos aptos apermitirem um direcionamento de processos sociais tomados segmentarmente. Asegunda, intimamente associada à anterior, diz respeito à reposição intelectual dosincretismo: se a instância decisiva da intervenção profissional é a manipulação devariáveis empíricas, todas as linhas de análise lógico e formal-abstratas e todos osprocedimentos técnicos se legitimam na consecução do exercício manipulador.

2.3. O SINCRETISMO E A PRÁTICA INDIFERENCIADA

No limite, a vertente heurística que se está explorando debita a estrutura sincréticado Serviço Social à sua peculiaridade operacional enquanto prática, sem o suportede uma concepção teórico-social matrizada no pensamento crítico-dialético. Nestaargumentação, as distinções que demarcam o Serviço Social profissionalizado dassuas protoformas, que remetem ao assistencialismo, e que já se mostram nítidasna terceira década do século XX. O lapso que vai dos esforços dos pioneiros, nofinal dos anos dez, ao período da Segunda Guerra Mundial assinala claramenteessas linhas divisórias: da primeira codificação dos procedimentos diagnósticos àespecialização na formação profissional e à circunscrição de campos profissionais.O processo de afirmação e desenvolvimento do Serviço Social teve como corolárioo estabelecimento das suas fronteiras em relação às atividades filantrópicas,basilares nas suas protoformas. Esse processo é nitidamente verificável em quatro níveis, todos diversamenteinter-relacionados. Primeiro, o cuidado, sempre mais visível, em recorrer àscontribuições do pensamento que vinham com a chancela das ciências sociais.Segundo, o empenho em generalizar uma sistemática orgânica para a formaçãoprofissional. Terceiro, o esforço para produzir uma documentação própria. E,quarto, a vinculação crescente das intervenções a formas de organizaçãoinstitucionais e públicas. A concorrência destes vetores, posta a demanda nasrefrações da "questão social", materializou, com esta, o duplo dinamismo, referidoanteriormente, que estatuiu o Serviço Social como profissão. Essa profissionalização, se alterou de modo significativo a inserção sócio-ocupacional do assistente social em comparação com aquela do agenteassistencialista não profissionalizado, pouco feriu a forma da estrutura da práticaprofissional interventiva, em comparação com a prática filantrópica. Aprofissionalização criou um ator novo que, alocado ao atendimento de uma

Page 24: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

demanda reconhecida previamente, não desenvolveu uma operacionalizaçãoprática substantivamente distinta em relação àquela já dada.Nos períodos onde a reprodução das relações sociais se dá sem a reversão críticado seu processamento estável a sua articulação teórica e a sua instrumentaçãoprática, revelam-se sincronizados à epiderme do movimento social e aptos quer afornecer dele uma explicação coerente, quer a encontrar formas interventivas comgraus variáveis, mas efetivos, de eficácia. Por tudo isso, a prática profissionalizadado Serviço Social, enquadrada nas condições acima referidas, não redundou,historicamente, num complexo operacional que, em suas resultantes, oferecessesólidos respaldos para discriminá-la no confronto com suas concorrentes no tratodas refrações da "questão social". É no campo de tensões configurado aqui que emergem vários dos componentesque parecem fornecer, continuamente, o combustível para recorrentes crises de"identidade" profissional do Serviço Social.Do lado da sua clientela imediata, toda a validação profissional tende a serpromovida no interior de uma moldura que derroga a base própria daprofissionalização. Do ângulo dos seus financiadores diretos, a sua legitimaçãotorna-se variável da sua funcionalidade em relação aos objetivos particulares quecolimam. Do ponto de vista da estrutura institucional, é tanto mais requisitadoquanto mais as refrações da “questão social” se tornam objeto de administração.Da parte dos outros tecnólogos sociais, aparece situado como o vetor do jogomultiprofissional mais próximo a clientela imediata. E, na perspectiva dos teóricossociais, surge como a profissão da prática. Em qualquer destes casos, o queresulta é que a especificidade profissional converte-se em incógnita para osassistentes sociais: a profissionalização permanece um circuito ideal, que não setraduz operacionalmente. A profissionalização para alem de estabelecer areferencia ideal para um sistema de saber teria representado apenas a sançãosocial e institucional de formas de intervenção pré-existentes sem derivar numadiferenciação operatória, mesmo que implicando em efeitos sociais delas diversos.Se originalmente, o sincretismo permeia a prática profissional do Serviço Socialcomo derivação das condições (histórico-sociais e teórico-ideológicas) da suaemergência, consolidado o Serviço Social como profissão a dinâmica passa a tercomo suporte a sua prática: seu peculiar sincretismo prático condicionalargamente o sincretismo de suas representações.

2.4 SERVIÇO SOCIAL COM SINCRETISMO IDEOLÓGICO

O sincretismo ideológico acompanha a inteira evolução do Serviço Social, estandopresente das suas protoformas aos seus estágios, profissionalizados maisdesenvolvidos e especializados. Não casualmente, é um dos traços constitutivosmenos analisados do processo da profissão e que só tardiamente foi apreciadopelos assistentes sociais.O desenvolvimento das protoformas do serviço social na Europa Ocidentalprendem-se a três fenômenos, desconhecidos no outro lado do Atlântico: umatraumática herança de experiências revolucionárias, a forte presença de umacultura social restauradora e o peso específico da tradição católica.

Page 25: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Deitando raízes na movimentação camponesa da baixa Idade Média, aexperiência revolucionária da Europa Central e Ocidental, que sempre se vinculoucom a questão nacional, é um rosário de conflitos abertos e de rara violência, quese fixou fundamente na consciência das massas e das elites.É intercorrendo com o neotradicionalismo que vai se desenvolver a maisespecífica das vertentes ligadas à Igreja Católica, o catolicismo sócia, de fato, nãoobterá logo uma ressonância de porte na sociedade francesa; a razão disto resideem que ele nada aportava ao núcleo ideológico requisitado pelas elites burguesasque não estivesse já contemplado no referido caldo cultural restaurador.É no imediato pós-guerra civil que se engendram as condições culturaiselementares que, na virada do século, permearão as protoformas do ServiçoSocial. Estas condições expressam com fidelidade a atmosfera de então: àausência de uma herança revolucionária traumática ao vigor do desenvolvimentocapitalista somam-se os embriões do que virá a ser o movimento reformista.As grandes determinações que vinculam a ambos numa mesma e amplaperspectiva teórico-cultural, a do pensamento conservador, com seu medularpositivismo e seus traços pragmáticos e empiricistas.O caldo cultural europeu estava travejado nitidamente por um viés anti-capitalista,para o qual concorriam as experiências revolucionárias e os valores católicos; asmatrizes que compareciam no caldo cultural norte-americano ignoravam este viésmesmo nas suas vertentes mais radicais.No período que estamos enfocando, a síntese dessas diferenças pode serresumida da seguinte maneira: nas fontes ideológicas das protoformas, e daafirmação inicial do Serviço Social europeu, dado o anti-capitalismo romântico, háum vigoroso componente de apologia indireta do capitalismo; nas fontes norte-americanas, nem desta forma a ordem capitalista era objeto de questionamento.São notáveis as conseqüências dessa profunda diferença para a emergência e aconsolidação profissional do Serviço Social. No plano da intencionalidade doServiço Social, o seu projeto de intervenção, que é medularmente reformista,mostra-se abertamente condicionado pela perspectiva em que se põe odesenvolvimento capitalista. Na angulação própria da apologia indireta, oreformismo tem projeções de natureza restauradora. A intervenção se faznecessária para repor um padrão de integração social que é modelado por umarepresentação idealizada do passado. A moldura da intervenção é, basicamenteético-moral, em duas direções: na do ator da intervenção e na do processo sobreque age. Onde não há ponderação da apologia indireta, o reformismo profissionalé modernizador: a intervenção tem por objetivo um padrão de integração que jogacom a efetiva dinâmica vigente e se propõe explorarar alternativas nela contidas. A intervenção matrizada pelo anticapitalismo romântico, inerente à apologiaindireta, defronta-se muito problematicamente com os referenciais "científicos"produzidos pelas ciências sociais. De uma parte, o positivismo que as enforma eatravessa parece-lhe repugnante e de outra, é compelida a reconhecer nelas ummínimo valor cognivo.Essas duas tradições cultural-ideológicas são as que penetram as protoformas eas primeiras afirmações profissionais do Serviço Social. Todavia, o problema dosincretismo ideológico na profissão vai mais adiante que a sua demarcação na suagênese; com efeito, é bem mais complicado: o desenvolvimento profissional do

Page 26: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Serviço Social deu-se, simultaneamente, com a imbricação dessas duas linhasevolutivas e com suas modificações particulares. Paradoxalmente, neste quadroque poderia sugerir uma precipitação no desenvolvimento profissional do ServiçoSocial, acentuando as preocupações sócio-cêntricas que existiam em germetenuemente nas proposições de Richmond, ocorre um movimento de viragem, quetende a psicologizar o projeto profissional. O giro não é tranqüilo nem, muitomenos, pacífico: desata confrontos e conflitos entre os assistentes sociais.É este giro que, em sj mesmo, não colide com os fundamentos do períodoanterior, que tinham por suporte uma concepção de socialidade vigorosamenteindividualista que vai facilitar a interação com a tradição européia, fundamentevincada pela redução da problemática social às suas manifestações individuais,com a hipertrofia dos aspectos morais.Os elementos excludentes que, em princípio e de fato, poderiam problematizar ainteração foram dissolvidos por força do próprio conteúdo pragmático da tradiçãonorte-americana: o persona1ismo norte-americano. O fu1cro do pensamentopersonalista norte-americano é um sistemático combate ao materialismo, aoevolucionismo e ao racionalismo.Há realçar, neste giro, dois aspectos axiais. O primeiro refere-se à rearticulação dosistema de saber que ancora o Serviço Social norte americano: já não é mais osubstrato que Richmond recolhe dos pragmáticos "clássicos", mas a abertura aevanescentes influxos "científicos" da psicologia, o que se faz sem um exame dospressupostos anteriores e atuais, compreendendo-se o giro como um passoadiante numa evolução linear. Outro aspecto é a interação entre duas vertentescultural-ideológicas, nas condições desse giro é que ela se realiza.Se o rompimento com o evolucionismo e a voga psicologista desobstruíram asvias, na tradição norte-americana, para a interação com a tradição européia, nestao componente que favoreceu o processo foi à afirmação neotomista. A década detrinta já registra, na América do Norte, os primeiros resultados da interação: novosvalores e nova fundamentação se apresentam para a prática profissional doServiço Social, extraídos do arcabouço neotomista. E os influxos, naturalmente,foram de mão dupla: a tradição européia abriu-se às técnicas e aos procedimentosjá desenvolvidos pelos norte-americanos.O fato é que, a partir dos anos quarenta, este duplicado sincretismo rebatedecisivamente, sem qualquer reserva crítica de fundo, no desenvolvimento doServiço Social profissional.Poder-se-ia imaginar que o complexo de equívocos embutido neste sincretismoassinalasse a baixa qualificação teórico-técnica ou uma idiossincrasia ideológicados protagonistas deste momento histórico da afirmação profissional. Narealidade, em pelo menos dois outros momentos cruciais do desenvolvimentoprofissional do Serviço Social o mesmo fenômeno se fez presente com idênticovigor: o desenvolvimento de Comunidade e do chamado movimento dereconceptualização.Dois outros ingredientes, no entanto, marcariam singularmente a inserção dodesenvolvimento de comunidade no marco profissional do Serviço Social - etratava-se de dois ingredientes novos. O primeiro vinculava-se a uma sensível diferenciação na funcionalidadeprofissional que os assistentes sociais se atribuíam. O que interessa ressaltar é

Page 27: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

que, no plano cultural-ideológico, um dos corolários daquela função auto-atribuída- e este é o dado que então se inscreve profundamente no universo profissional - éuma resposta articulada à questão da pertinência de classe do assistente social.Ainda que largamente dissimulada, esta questão esteve sempre presente nosdebates profissionais.Nas novas condições histórico-sociais em que se punham à organização e odesenvolvimento de comunidades, altera-se a inserção sócio-ocupacional doassistente social: a conexão do Serviço Social profissional, implicando umarelação direta com complexas instituições governamentais e/ou públicas, ofereceuuma base real para que a dinamização do "bem comum" fosse visualizada emtermos de projetos técnico-administrativos acima dos confrontos de classes. Emesmo a sua contrafação ideológica, o desenvolvimentismo rebateram no ServiçoSocial refratados por uma lente singular: a da promoção social, e este é o segundoingrediente que então emerge.É este sincretismo que, na profissão, converte o desenvolvimentismo em ideologiado promocionalismo. O típico ponto de distinção entre as duas representaçõesideológicas polêmica entre "desenvolvimento" e "desenvolvimento integral". Opromocionalismo, ingrediente novo quando se põe como eixo da intervenção quevisa a este "desenvolvimento integral", é a face pertinente do Desenvolvimento deComunidade enquanto operação própria do Serviço Social.

2.5. SERVIÇO SOCIAL COMO SINCRETISMO CIENTÍFICO A estrutura. sincrética do Serviço Social encontra-se, como não poderia deixar deser, no sistema de saber que ancora - embasando, enformando e legitimando - assuas práticas e, igualmente, as suas representações. A análise do sincretismoteórico ou, como quer a tradição, "científico", que articula o sistema de saber emque gravita o Serviço Social é uma operação que, no plano expositivo, devecontemplar três segmentos argumentativos diferentes: as possibilidades do conhe-cimento teórico ("científico") do ser social, a filiação teórica do Serviço Social e assuas próprias pretensões a erigir um saber específico.Parece assente que um conhecimento teórico do ser social só é viável quando asrelações sociais apresentam-se como tais, isto é, como produtos distintos danatureza e próprios da prática humana. E somente quando as relações sociaisestão saturadas de socialidade que elas podem se colocar como objeto específicoe pertinente para uma reflexão teórica que também se especifica no seutratamento. Estas condições surgem apenas com a sociedade burguesa.A teoria social contida na economia política clássica experimenta a sua crise entre1830 e 1848 - nesta quadra histórica, um de seus suportes elementares édissolvido socialmente: o caráter progressista da burguesia, do seu papelhistórico-social. Com efeito, a economia política clássica é uma apaixonada defesada ordem capitalista em comparação com as formas sociais anteriores.Uma teoria social que extraia do movimento do ser social na sociedade burguesaas suas determinações concretas e que, portanto, não tenha um valor puramenteinstrumental, é, nestas condições, função de dois vetores precisamente os quepropiciam a ultrapassagem da positividade e a apreensão da racionalidade doprocesso social efetivo, da sua legalidade.

Page 28: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Em primeiro lugar, uma perspectiva de classe para a qual a dissolução dapositividade se constitua como uma exigência imanente; em segundo lugar, umprojeto teórico-metodológico fundado num arsenal heurístico capaz de dar contada processualidade específica do ser social próprio à sociedade burguesa.Exatamente a intercorrência desses dois vetores é que está ausente naconstituição da tradição positivista e das ciências sociais, bem como da suaevolução posterior e a tradição positivista é a típica resposta conservadora nacultura ocidental do século XIX, e é no seu seio que se constituem as ciênciassociais. De fato, na evolução das ciências sociais, embasadas no positivismo e noneopositivismo, verifica-se que o substrato do pensamento conservador operadiferencialmente: se penetra toda a armação dos sistemas teóricos abrangentesque elas eventualmente constroem, nas suas operacionalizações particulares oque ele condiciona é ou o tratamento analítico ou o padrão de inserção da análisedos objetos singulares numa interpretação sistemática qualquer. A potenciação desta problemática, com a hipertrofia do ecletismo teórico emetodológico, é particularmente verificável no Serviço Social. A filiação teórica doServiço Social é indesmentível: vem, precisamente, na esteira da consolidaçãodas ciências sociais. Em toda a sua história profissional, o sistema de saber que oancora é um subproduto do desenvolvimento das ciências sociais. A vertente européia do Serviço Social profissional, em razão das característicasque salientamos, revelou-se mais refratária aos influxos das ciências sociais. Àmedida que esta refratariedade se reduz, a sua permeabilidade éprogressivamente visível em face do funcionalismo na versão durkheimiana, nãocomo referência ao processo social geral, mas especialmente de dois elementosdestacados da obra de Durkheim: a sua reacionária visão do sistema da divisãosocial do trabalho e a sua peculiar teorização sobre o normal e o patológico navida social.Somente no segundo pós-guerra começam a se constatar rebatimentos maissensíveis das ciências sociais no Serviço Social europeu, condicionados, de umlado, pela interação com a vertente norte-americana e, doutro, pelo própriodesenvolvimento das ciências sociais no continente e na Inglaterra.Outra foi à sorte da vertente norte-americana, desde as suas origens muitopróxima ao desenvolvimento das ciências sociais. Ela surge sob a égide dasociologia em processo de institucionalização; entre a Primeira Guerra Mundial e agrande crise, o exercício profissional do assistente social é parametrado pelanoção de uma ciência social sintética aplicada - é neste marco que Richmondprocura elaborar pautas de intervenção. O caráter aplicado provinha da convicçãode que era essencial à profissão intervir sobre variáveis prático-empíricas, maisque qualquer outra dimensão; o traço sintético derivava do tônus sistemático dasociologia norte-americana de então.A viragem dos anos trinta, acrescida à interação que se segue com a vertenteeuropéia, marca uma inflexão profunda na trajetória do Serviço Social norte-americano. Por um lado, o Serviço Social não participará do processo como uminterveniente que protagoniza o seu desdobramento interno, por outro lado dadaas necessidades profissionais e interventivas do serviço social, esta condição dereceptáculo dos produtos das ciências sociais eram insuficientes.

Page 29: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

Ressalte-se, portanto, o caráter também ativo do Serviço Social profissional emface da sua matriz teórica - as ciências sociais de extração positivista. Aconstituição desses sistemas de saber de segundo grau, todavia, não se enfermousomente das mazelas indicadas quando se tratou da sua postura receptora; nelacomparecem problemáticas específicas. As elaborações formal-abstratas do Serviço Social profissional portanto, sãomedularmente ecléticas e este traço básico não pode ser creditado acaracterísticas episódicas ou a condições biográficas dos protagonistasprofissionais. Ele decorre da filiação teórica do Serviço Social e, simultaneamente,da resposta que articula para orientar-se com um sistema de saber que tenhapertinência direta com a sua prática profissional. Efetivamente, o essencial das elaborações formal-abstratas do Serviço Social atéos anos sessenta, à parte a documentação de registro factual, revelafundamentalmente que a chamada teorização do Serviço Social desenvolveu-seem duas linhas principais: ou a constituição desse saber de segundo grau, com oecletismo operando elementarmente, ou a sistematização da prática profissional,conforme cânones interpretativos subordinados imediatamente às ciências sociaise mediatamente ao referencial ideológico do horizonte profissional.O problema substantivo que se coloca, a esta altura, é determinar se o sincretismoteórico do Serviço Social é um dado permanente, a que estaria condenada aprofissão, ou se pode ser ultrapassado. Este problema veio à tona, com especialnitidez, a partir dos anos sessenta, quando ganharam corpo no bojo da profissãotendências críticas e renovadoras. A hipoteca do Serviço Social ao sistema de saber das ciências sociais de extraçãopositivista foi largamente denunciada e não se pouparam críticas ao lastro ecléticoda sua teorização. Nos desdobramentos do chamado movimento dereconceptualização, não faltaram sugestões conforme as quais é possível umateoria do Serviço Social indene das mazelas apontadas, desde que fundada emoutros referenciais teórico-metodológicos e reenviando-se a matrizes ideológicasdistintas do travejamento conservador.A alternativa de um Serviço Social profissional liberado da tradição positivista e dopensamento conservador não lhe retirará o seu estatuto fundamental: o de umaatividade que responde, no quadro da divisão social do trabalho da sociedadeburguesa consolidada e madura, a demandas sociais prático-empíricas. Esta argumentação não cancela nem a produção teórica dos assistentes sociaisnem o estabelecimento formal-abstrato de pautas orientadoras para a intervençãoprofissional. A primeira, se tiver efetivamente uma natureza e um conteúdo teórico,inserir-se-á no contexto de uma teoria social. O segundo configurará estratégiaspara a intervenção profissional, mas não plasmará qualquer impostaçãometodológica. Todavia, a superação do ecletismo teórico implica a interdição de qualquerpretensão do Serviço Social de posicionar-se como um sistema original de saber,como portador de uma teoria particular referenciada à sua intervenção prático-profissional. Essas notações, em nossa ótica, valem para o passado mais remoto e para omais próximo. Para o mais distante, indicam que, postas as condições doexercício profissional, do arcabouço ideológico e da filiação teórica, o ecletismo

Page 30: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

era inevitável. Para o passado mais próximo, cenário de um relevante processo derenovação do Serviço Social, indicam que a superação do sincretismo ideológico eteórico só é uma alternativa viável se, além de cortar com o seu travejamentooriginal e tradicional, cancelar-se uma pretensão teórico-metodológica própria eautônoma. A experiência mostrou que, mantida esta - e, com ela,subrepticiamente, as incidências da tradição positivista (e neopositivista), arenovação do Serviço Social reitera o ecletismo.

Page 31: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

CRÍTICA

A igualdade e a democracia são os temas centrais deste livro. Ele demonstra quemais do que a critica da política social, é imprescindível fazer a critica da critica dapolítica social. Esta não está apartada da sociedade, da economia, da democraciaou da opressão, necessitando de método para interpretá-la.por outro lado, ocontrato social de hoje já não se baseia na igualdade social, nem teoricamente, esim na desigualdade, configurando a cidadania com desigualdade produtiva.A oposição extremada entre liberdade e autoridade no século XVIII gerouespecialmente ideais mas aprimorados de governo e de Estado, as influenciasrecíprocas de culturas distintas como a norte americana e a européia foi o alicercedas constituições sociológicas do sérvio social como profissão.Os governos e Estados são múltiplos, configurando democracias, mas não ademocracia literal, mesmo ambas obtendo a mesma origem teórica. A históriacontemporânea tem assinalados a existência de cada um em separado e tambéma convivência com e sem atritos entre as duas.Trata também do sérvio social como profissão, a reconceitualização da práticaprofissional e as bases de seu desenvolvimento, métodos científicos e históricosdo serviço social através dos tempos.Dispõe de momentos históricos subseqüentes tornando a seqüência lógica deeventos que desencadearam o inicio da profissão acessível ao entendimento dequem se propõe estudá-lo a fundo.É um livro de leitura complicada, mas completo em se tratando da história, prática,gênese, teoria e base científica do serviço social como profissão.

Page 32: capitalismomonocapitalismomonopolistaeservicosocialpolistaeservicosocial-140507105658-phpapp01

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NETTO, J. P. Capitalismo monopolista e serviço social. 3 ed. São Paulo:Cortez, 2001.