CAPITAL SOCIAL E A REGIˆO SUL DO RIO GRANDE DO SUL · Ao Prof. Pedro Bandeira. Os seus estudos...
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LEONARDO MONTEIRO MONASTERIO
CAPITAL SOCIAL E A REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL
Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor, pelo Programa de Pós-graduação de Desenvolvimento Econômico, Setor de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. José Gabriel Porcile Meirelles.
CURITIBA
AGOSTO 2002
ii
iii
AGRADECIMENTOS
À CAPES e ao CNPq pelas bolsas de PICDT e de doutorado sanduíche,
respectivamente.
Aos professores membros da banca: Maurício Serra e Pedro Fonseca.
Agradeço aos comentários e críticas. O primeiro animou-me bastante em relação ao
tema da tese e o segundo, por ser um dos principais autores na área de história
econômica gaúcha, foi um dos leitores potenciais que tive em mente enquanto
elaborava o trabalho;
A Francisco Palheta e a Guglielmo Marconi, respectivamente pelos dois
insumos básicos para a tese: café e rádio. A combinação Nescafé (ou expresso) com
CBN (BBC quando estava no UK) me acompanhou durante todo o tempo e acelerou a
conclusão do trabalho;
Aos colegas do Departamento de Geografia e Economia da UFPel, dentre os
quais destaco o Prof. José Álvaro e a funcionária Marly, sempre dispostos cuidar dos
rolos administrativos. O pessoal da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação, em
especial a Tânia, foi ágil e gentil em responder às minhas demandas. Os colegas do
ICH, Adhemar e Beatriz Loner, além dos trabalhos citados, colaboraram com dados e
boas conversas sobre a história do RS;
Aos livros e funcionários das seguintes bibliotecas e instituições: FEE,
Unisinos, University e Marshall (em Cambridge), Biblioteca Nacional, IBGE (RJ),
UFRGS, IHGRGS, PUC-RS, UFPR;
Ao casal Marita e Euclides Redin pelo apoio, churrascos e impressões;
Aos professores da UFPR e à Ivone. Dentre os primeiros destaco o professor
Cássio Rolim pelo curso de Economia Regional, quando vi a primeira referência ao
conceito de capital social. Além disso, seu curso fez com que eu me convencesse que a
dimensão espacial não pode ser omitida;
A Ramon Fernandez, amigo e membro da banca, foi quem me motivou para
a ida a Curitiba. Seu curso de Metodologia por si só já valeu a viagem. Contudo, não
iv
tivemos o tempo que queríamos para conversar sobre assuntos relevantes como rock e
livros. Lamento não compartilhar com ele o interesse pelo ludopédio;
Aos colegas mestrandos e doutorandos da UFPR. Dentro e fora de sala de
aula foi sempre um prazer conviver com eles. Dentre estes, destaco os amigos Anna
Luisa, Luciano, Marcelo Passos, Marcelo Publio, Marcus, e, not least, Sandrinha,
cumpriram com brilhantismo o papel esperado dos amigos: me agüentaram
pacientemente;
A outros pesquisadores que forneceram dados, enviaram papers, ou deram
recomendações ao longo do trabalho: Rodolfo Hoffmann, Mário Maestri Filho,
Eduardo Pontual, Washington, Ichiro Kawachi, Daniel Leipzinger. Versões
preliminares desse trabalho foram apresentados em diversos seminários. Seria
impossível agradecer a todos que contribuíram e, portanto, saliento os comentários de
Lee Alston que foi meu "treinador" durante o Ronald Coase Seminar;
Ao Prof. Pedro Bandeira. Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em
especial sobre a Metade Sul, foram imprescindíveis para a execução do trabalho. Além
disso, é notável sua preocupação em transformar a realidade dessa região do estado.
Como se isso não bastasse, há que se notar que seu artigo Participação, articulação de
atores sociais e desenvolvimento regional (1999) foi um dos primeiros em língua
portuguesa a trazer temas correlatos ao capital social para a análise regional brasileira.
As sugestões e conversas que tivemos foram fundamentais para o desenvolvimento do
trabalho;
O período de doutorado sanduíche, em Cambridge, trabalhando no Von
Hügel Institute, não teria sido possível sem o auxílio de Flávio Comim. Além disso,
junto com Angels, eles estiveram atentos a nos ajudar e se tornaram ótimos amigos.
Agradeço ao Dr. Simon Szreter por aceitar o compromisso de ser orientador de um
sujeito que mal conhecia. Michael Woolcock esteve sempre disposto a cooperar, a
trocar idéias sobre capital social (e referências bibliográficas) e foi um imenso prazer
trabalhar com ele;
v
Ainda na Inglatera, destaco James e Rorie do St. John's College que nunca
lerão o que eu escrevi e que talvez nunca encontrarei novamente. De qualquer forma,
agradeço toda a gentileza e os galhos que quebraram quando lá cheguei. Sou grato ao
Huáscar pelas dicas e informações sobre a vida na Inglaterra;
Aos professores da Universidade do Minho pela gentil recepção;
Aos amigos de Porto Alegre. Dentre estes destaco os dois que mais
contribuíram para o trabalho: Cláudio Shikida e Sabino Porto (e família). Ambos
criticaram versões preliminares do trabalho, além de terem acompanhado, como
amigos e interlocutores, cada passo dessa tese. O eterno professor Sérgio M. M.
Monteiro foi desde o mestrado um grande amigo e me incentivou em toda a minha
trajetória. No doutorado, contudo, a distância fez com que não pudéssemos ter as
produtivas sessões de atrapalhação mútua. Tê-lo na banca de tese foi uma honra e um
reencontro;
Ao grande Jung, a quem inexplicavelmente esqueci de citar na dissertação de
mestrado, agradeço duplamente pela amizade;
Os papos com os professores Duílio de Ávila Bérni e Roberto Camps estão
entre os melhores que já tive. Foram conversas que ficaram reverberando na minha
cabeça e guiaram meus interesses acadêmicos;
Aos membros da lista de discussão sobre capital social
(http://capitalsocial.cjb.net);
A família. Mais uma vez, tive certeza que poderia contar com o apoio dos
meus familiares, apesar da distância física que nos separa. Igualmente, agradeço a
família da Fernanda porque estiveram ao nosso lado e, desde o começo, apostaram em
nós;
A la vida, que me ha dado tanto;
Ao meu orientador Gabriel. Nos e-mails que trocávamos com os capítulos da
tese eu o chamava de "patrão". Ele foi exatamente o oposto. Foi um amigo, capaz de
descascar e compreender os mais diversos tipos de abacaxis que eu lhe apresentava.
vi
Além disso, da gentileza e bom humor que todos conhecem, foi ótimo compartilhar
todo o seu conhecimento e experiência em teoria e história econômica. Lamento ter,
por vezes, diminuído seu tempo de convívio com Bethânia e Carolina;
Com freqüência consta dessa seção uma palavra de gratidão a pessoa amada
por ter tido paciência durante as ausências físicas e espirituais na elaboração da tese.
Meu caso é distinto. Conheci a Fernanda quando vim a Porto Alegre apresentar um
trabalho já relacionado com a pesquisa dessa tese. Voltei para reencontrá-la ao fazer o
mini-curso do Flávio sobre capital social na UFRGS. Ao me mudar para São Leopoldo
pudemos ficar mais próximos e eu trabalhei na parte histórica da tese. O doutorado
sanduíche nos possibilitou usufruir juntos dos prazeres e das dificuldades de nos
adaptarmos a uma nova realidade. Certamente, ela teve que agüentar meus maus
humores e meu distanciamento quanto estava mais imerso no trabalho. Contudo,
sempre esteve ao meu lado, me estimulando e empurrando para frente. Mais ainda, ela
foi uma ótima interlocutora, sempre pronta em criticar os pontos mais frágeis do
argumento, em especial os pontos metodológicos, aqueles em que, posto contra a
parede, eu só conseguia rir. Levando tudo isso em conta, me parece que a tese mais
nos aproximou do que nos separou. Talvez por isso fica uma boa lembrança do
período de tese. Ao contrário do poeta, eu não cometi o pecado da infelicidade. Isso
faz com que eu dedique esse trabalho, com muito amor, à Fernanda.
vii
Every historical event has some aspect in which it is unique; but nearly always there are other aspects in which it is a member of a group, often a quite large group.
Sir John Hicks (1969)
It is time for us, as economists, to quit searching for a theory - even a "general theory" of economic development. Rather we should concentrate our efforts on the construction of growth and development models which reflect the physical and institutional relationships which characterize particular national and regional economies.
Vernon Ruttan (1959)
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS......................................................................................................... xi
LISTA DE GRÁFICOS ....................................................................................................xiii
LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................xiii
LISTA DE MAPAS ...........................................................................................................xiii
RESUMO ........................................................................................................................ xiv
ABSTRACT ....................................................................................................................... xv
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1
2. CAPITAL SOCIAL....................................................................................................... 10
2.1.RAÍZES DO CAPITAL SOCIAL................................................................................... 11
2.1.1.Fatores "Internos" à Economia .................................................................................... 16
2.1.1.1.Teoria dos Jogos....................................................................................................... 16
2.1.1.2.Lógica da Ação Coletiva .......................................................................................... 17
2.1.1.3.Capital Humano em Becker e Lucas ......................................................................... 18
2.1.1.4.Nova Economia Institucional.................................................................................... 20
2.1.2.Fatores "Externos" à Economia ................................................................................... 23
2.1.2.1.Evidências Empíricas acerca do Desenvolvimento Econômico ................................. 23
2.1.2.2.Desempenho dos Projetos de Desenvolvimento e Banco Mundial. ............................ 24
2.1.2.3.Fatores Ideológicos................................................................................................... 25
2.2.ABORDAGENS DO CAPITAL SOCIAL...................................................................... 26
2.2.1.Putnam e as Associações Horizontais .......................................................................... 26
2.2.2.Granovetter, Coleman e Redes Sociais ........................................................................ 27
2.2.3.Capital Social como Ambiente Institucional ................................................................ 29
2.3.MODOS DE CAPITAL SOCIAL................................................................................... 30
2.4.CRÍTICAS AO CAPITAL SOCIAL .............................................................................. 31
3. CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO ........................................... 36
3.1.CANAIS DE CONEXÃO ENTRE CAPITAL SOCIAL E DESEMPENHO
ECONÔMICO ..................................................................................................................... 36
3.1.1.Capital Social como Fator de Produção ....................................................................... 36
3.1.2.Capital Social e Produtividade Total dos Fatores ......................................................... 37
3.1.3.Capital Social e Capital Humano ................................................................................. 39
3.1.4.Capital Social e Investimento em Capital Físico .......................................................... 40
ix
3.1.5.Capital Social e Inovação Tecnológica ........................................................................ 41
3.1.6.Capital Social e Estado................................................................................................ 43
3.1.7.Capital Social e Saúde ................................................................................................. 45
3.2.TIPOS DE CAPITAL SOCIAL E MECANISMOS DE CRESCIMENTO...................... 46
3.3.EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS E CAPITAL SOCIAL....................................................... 49
3.4.DESIGUALDADE, CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ........................................ 52
3.4.1.Desigualdade e Crescimento Econômico: Mecanismos Institucionais .......................... 52
3.4.2.Desigualdade e Formação do Capital Social ................................................................ 55
3.4.3.Capital Social e Manutenção da Desigualdade ............................................................. 60
3.4.4.Capital Social Bonding e Grupos de Interesse.............................................................. 61
3.4.5.Origens da Desigualdade ............................................................................................. 68
3.4.6.Antecipação de uma explicação integrada para o Sul do RS......................................... 69
3.5.CONCLUSÃO ............................................................................................................... 71
4. FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA REGIÃO SUL DO RS .............................. 73
4.1.A ESTÂNCIA................................................................................................................ 74
4.2.ESCRAVOS NA PECUÁRIA........................................................................................ 82
4.3.A CHARQUEADA........................................................................................................ 87
4.4.CAPITAL SOCIAL NA REGIÃO SUL ......................................................................... 93
4.4.1.Capital Social em Pelotas e Rio Grande....................................................................... 93
4.4.2.Capital Social na Elite ................................................................................................. 97
4.4.3.Regionalização do RS................................................................................................ 100
4.5.A UTILIZAÇÃO DE ESCRAVOS NA CHARQUEADA............................................ 104
4.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 113
5. A CAMPANHA DURANTE A REPÚBLICA VELHA ............................................. 115
5.1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 115
5.2.PANORAMA DA CAMPANHA ................................................................................. 116
5.3.INCENTIVOS PARA AS CHARQUEADAS .............................................................. 119
5.4.DA CHARQUEADA PARA O FRIGORÍFICO ........................................................... 123
5.5.CAPITAL SOCIAL E PROBLEMAS DA TRANSFORMAÇÃO ................................ 125
5.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 132
6. TRAJETÓRIAS DE CRESCIMENTO REGIONAL DO RS NO SÉCULO XX...... 134
6.1.CONVERGÊNCIA ABSOLUTA................................................................................. 135
6.1.1.β-convergência.......................................................................................................... 135
x
6.1.2.δ-convergência .......................................................................................................... 137
6.2.TRAJETÓRIAS REGIONAIS ..................................................................................... 139
6.2.1.Desvios das Médias Regionais................................................................................... 140
6.2.2.Convergência Condicional para as AEC Gaúchas (1939-1980).................................. 141
6.2.3.Efeitos Fixos por AEC (1939-1980) .......................................................................... 143
6.2.4.Convergência Condicional para Municípios Gaúchos (1970-1998)............................ 145
6.3.CONVERGÊNCIA CONDICIONAL E CAPITAL SOCIAL ....................................... 147
6.3.1.Caracterização regional ............................................................................................. 148
6.3.1.1.Organização Social e Participação Política ............................................................. 149
6.3.1.2.Escravidão.............................................................................................................. 150
6.3.2.Correlações entre Variáveis Selecionadas .................................................................. 151
6.4.INDICADORES DO CAPITAL SOCIAL.................................................................... 154
6.5.CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS155
6.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 158
7. CAPITAL SOCIAL NO RS EM FINS DO SÉCULO XX ......................................... 160
7.1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 160
7.2.ASPECTOS SOCIAIS DAS REGIÕES DO RS ........................................................... 162
7.3.UM INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL ............ 165
7.4.UM INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL.................................................................. 169
7.5.CAPITAL SOCIAL E QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO................................... 176
7.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 177
8. CONCLUSÃO ............................................................................................................. 179
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 181
APÊNDICE 1 - DUTCH DISEASE NO RS DO SÉCULO XIX: OBSERVAÇÕES
PRELIMINARES ............................................................................................................ 194
APÊNDICE 2 - COMPONENTES PRINCIPAIS: TEORIA E RESULTADOS........... 196
APÊNDICE 3 - RICE E CAPITAL SOCIAL EM 1939 E 1991 ..................................... 201
ANEXO 1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS DO RS -
CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................... 206
ANEXO 2 - DESCRIÇÃO DA PROXIES DE CAPITAL SOCIAL - 1939 .................... 207
ANEXO 3 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS 1939/1980 ............................. 209
ANEXO 4 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS RECENTES......................... 211
xi
LISTA DE TABELAS
TABELA 4.1 - TRABALHADORES EM MUNICÍPIOS SELECIONADOS DO RS- 1860..............................83 TABELA 4.2 - POPULAÇÃO DO RS, POR ZONA, SEGUNDO A CONDIÇÃO DA POPULAÇÃO
PRESENTE - 1814 .................................................................................................................90 TABELA 4.3 - POPULAÇÃO NOS DISTRITOS ELEITORAIS DO RS- 1860 ...............................................91 TABELA 5.1 - PARTICIPAÇÃO (%) DOS PRINCIPAIS PRODUTOS NO VALOR TOTAL DAS
EXPORTAÇÕES DO RIO GRANDE DO SUL, SEGUNDO AS SOMAS DOS VALORES EM PERÍODOS SELECIONADOS 1889-1900/1919-1929..........................................................117
TABELA 6.1 - CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 1939/1980 .........................................................................136 TABELA 6.2- MUDANÇAS ENTRE QUARTIS NO PERÍODO 1939/1980 .................................................139 TABELA 6.3 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL - 1939/1980 .................................................................142 TABELA 6.4 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS REGIONAIS - 1939/1980.....................................................142 TABELA 6.5 - CONVERGÊNCIA β -CONDICIONAL � DADOS DE PAINEL COM EFEITOS FIXOS -
1939/1980 ............................................................................................................................144 TABELA 6.6 - MÉDIA DOS ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES - 1939/1980...........................145 TABELA 6.7 - CONVERGÊNCIA β ABSOLUTA E CONDICIONAL COM DADOS DE PAINEL
MUNICIPAIS - 1970/1998 ...................................................................................................146 TABELA 6.8 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES 1970/1998...................................................147 TABELA 6.9 - CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS POR REGIÕES � 1939 .................................149 TABELA 6.10 - ORGANIZAÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA - VALORES MÉDIOS DAS AEC
POR REGIÃO � 1939...........................................................................................................150 TABELA 6.11 - LEGADO DA ESCRAVIDÃO � 1939.................................................................................151 TABELA 6.12 - MATRIZ DE CORRELAÇÕES ENTRE VARIÁVEIS SELECIONADAS - 1939 ................153 TABELA 6.13 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL COM VARIÁVEIS DE CAPITAL SOCIAL � 1939/1980
.............................................................................................................................................158 TABELA 7.1 - PERCENTUAL DE ENTREVISTADOS QUE PRATICAM ATIVIDADES SOCIAIS PELO
MENOS UMA VEZ POR SEMANA, POR REGIÕES - 2001 ...............................................161 TABELA 7.2 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA POR MICROREGIÕES DO RS - 1995/96 ................................163 TABELA 7.3 - INDICADORES ECONÔMICOS E DEMOGRÁFICOS POR REGIÕES DO RS - ANOS
DIVERSOS ..........................................................................................................................165 TABELA 7.4 - INDICADORES DE MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL .................166 TABELA 7.5 - PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E OUTROS
INDICADORES. (EM TERMOS PER CAPITA)...................................................................166 TABELA 7.6 - INDICADORES DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL POR REGIÃO..167 TABELA 7.7 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADORES DE QUALIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.......................................................................................168 TABELA 7.8 - ESCORES FATORIAS- INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
MUNICIPAL POR REGIÃO ................................................................................................169 TABELA 7.9 - INDICADORES DE ATIVIDADES ASSOCIATIVAS E CÍVICAS ......................................170
xii
TABELA 7.10 - MATRIZ DE CORRELAÇÕES ENTRE VARIÁVEIS SELECIONADAS - ANOS RECENTES .........................................................................................................................173
TABELA 7.11 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL (I).........................................................................................................................................174
TABELA 7.12 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (I) .............175 TABELA 7.13 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL
(II)........................................................................................................................................175 TABELA 7.14 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (II)..................176 TABELA 7.15 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO E DO CAPITAL SOCIAL (I)...............................................................177 TABELA 7.16 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO E DO CAPITAL SOCIAL (II)..............................................................177 TABELA A.2.1 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - COMUNALIDADES - 1939...........................198 TABELA A.2.2 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA - 1939...198 TABELA A.2.3 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE
DA ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- COMUNALIDADES....................................199 TABELA A.2.4 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE
DA ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA............199 TABELA A.2.5 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO
CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES ..........................................199 TABELA A.2.6 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO
CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA ..................200 TABELA A.2.7- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO
CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES ..........................................200 TABELA A.2.8- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO
CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA ..................200 TABELA A.3.1 - RICE POR REGIÃO - 1939 ...............................................................................................201 TABELA A.3.2 - CORRELAÇÃO ENTRE RICE E VARIÁVEIS SELECIONADAS -1939..........................202 TABELA A.3.3 - RICE -EFICIÊNCIA RELATIVA DE CONVERSÃO DA RENDA - MÉDIAS REGIONAIS
1991 .....................................................................................................................................205
xiii
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1.1 - PARTICIPAÇÃO DE CADA METADE NA POPULAÇÃO (1890-1991) E PRODUTO INTERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1939-1990)........................................ 4
GRÁFICO 2.1 �NÚMERO DE REFERÊNCIAS ASSOCIADAS AO TEMA CAPITAL SOCIAL 1989-2001..11 GRÁFICO 5.1 - EXPORTAÇÕES GAÚCHAS DE CHARQUE - 1793-1929.................................................118 GRÁFICO 5.2 - TAXA DE IMPORTAÇÃO SOBRE O CHARQUE (EM RÉIS POR QUILO) - 1895-1906 ..120 GRÁFICO 6.1 - δ - CONVERGÊNCIA - VARIÂNCIA DA RENDA PER CAPITA - 1939-1998...................138 GRÁFICO 6.2 - DESVIOS DA RENDA PER CAPITA REGIONAL EM RELAÇÃO À MÉDIA ESTADUAL -
1939-1999 ............................................................................................................................141 GRÁFICO A.3.1 - RENDA PER CAPITA E MORTALIDADE INFANTIL -1939 .........................................203 GRÁFICO A.3.2. IDH* E RENDA PER CAPITA - 1991 ..............................................................................204
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 3.1 - SOCIEDADE I - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS ....................................57 FIGURA 3.2 - SOCIEDADE II - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS ...................................58 FIGURA 3.3 - COALIZÕES DISTRIBUTIVAS E CAPITAL SOCIAL LINKING ...........................................63 FIGURA 3.4 - RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE CAPITAL SOCIAL HEGEMÔNICOS E AÇÃO ESTATAL ...65 FIGURA 3.5 - RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE E CRESCIMENTO ECONÔMICO ............................71
LISTA DE MAPAS
MAPA 4.1 - PARTICIPAÇÃO % DOS ESCRAVOS NA POPULAÇÃO DO RS - 1860..................................92 MAPA 4.2 � DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS ESCRAVOS NO RS - 1860 .................................................92 MAPA 4.3 - REGIÕES DO RIO GRANDE DO SUL DURANTE A REPÚBLICA VELHA ..........................103 MAPA A.1.1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS ...............................................................206
xiv
RESUMO
Essa tese aplica a abordagem do capital social para compreender o atraso econômico da região Sul do Rio Grande do Sul, chamada de Campanha. A hipótese é que a falta de capital social do tipo bridging e linking é a razão da decadência relativa da região. Escravidão nas charqueadas e criação de gado em uma região militarizada restringiram a acumulação de tais tipos de capital social. Evidências históricas mostram que, no começo do século XX, havia uma rica vida associativa nas principais cidades da região, mas os grupos eram basicamente de pessoas com perfis sociais semelhantes, isto é, capital social bonding. Durante a República Velha, o capital social bonding das elites atrasou a modernização tecnológica da charqueada na direção do congelamento da carne. Análises econométricas, usando dados de painel e corte transversal, estimam o impacto negativo da estrutura social da Campanha em seu crescimento econômico no período 1939-1980. Os índices de capital social na região, construídos através da análise de componentes principais, permanecem mais baixos do que os do restante do estado. Além disso, métodos estatísticos sugerem que, na esfera municipal, a qualidade do governo e os índices de capital social estão positivamente correlacionados.
xv
ABSTRACT
This thesis applies the social capital approach to understand the economic backwardness of the southern region of Rio Grande do Sul, called Campanha. The hypothesis is that the lack of bridging and linking social capital are the main reasons of why that region fell behind. Slavery at the charqueadas (dry beef production) and extensive cattle-raising century in a militarized region restrained the formation of these modes of social capital. Historical evidence shows that, in the beginning of the XX century, there was an intense association life in the main cities of the region, but the groups were basically of people with similar social profiles, i.e., bonding social capital. During the period 1889-1930 (República Velha), the bonding social capital of the elites delayed the technological progress of the charqueada industry toward frozen meat production. Econometric analysis, using cross-section and panel data, estimates the negative impact of the social structure of the Campanha on its growth (1939-1980). It is shown that current social capital indexes, built by means of principal component analysis, are still low in the region. In addition, statistical methods suggest that quality of local government and social capital indexes are positively correlated in recent years.
1. INTRODUÇÃO
��(T)he process of economic growth does not necessarily occurs in the
same way, at the same time, or at the same rate in the same locations�, escreveu
Theodore SCHULTZ (1953, p.147). Deve-se acrescentar que também não ocorre no
mesmo lugar durante todo o tempo. Regiões dinâmicas podem se tornar deprimidas e
vice-versa. Existe uma lógica geral nesses processos? Ou cada trajetória regional é
única? Entre esses dois extremos, há uma postura intermediária: considerar que as
múltiplas experiências concretas de desenvolvimento e estagnação correspondem a
diversas teorias. Nesse sentido plural, o presente trabalho almeja compreender a lógica
subjacente que levou uma região específica, o sul do Rio Grande do Sul- RS, a perder
o seu vigor econômico ao longo do século XX.
História, espaço e instituições-esses elementos estão ligados de forma
intersticial. O entendimento dos mecanismos de dependência da trajetória, econômico
ou institucional, forneceu os fundamentos da intuição geral de que é necessário atentar
ao passado de uma região para compreendê-la. Já as conexões entre o espaço e as
instituições são, poucas vezes, explicitadas. As instituições são obviamente imateriais
mas, em sentido amplo, elas subsistem no espaço. Quer se entendam as instituições
como leis, cultura, normas de comportamento, regras de conduta ou hábitos de
pensamento, elas têm em comum o fato de que são localizadas em um certo espaço em
um dado momento histórico. Sua aderência é regional.
Durante as últimas décadas, a noção de que as �instituições importam�
disseminou-se pelos diversos programas de pesquisa em Economia. Mas essa idéia é
vazia se não for detalhada. Precisa-se saber: quais instituições importam para o quê?
Qual a sua origem? Por que se chegou a uma malha institucional específica? Muito se
avançou nessas questões em relação ao desenvolvimento das nações. Mesmo não
havendo uma teoria hegemônica, diversas explicações institucionais para o atraso
2
econômico foram desenvolvidas. Muitas tratam de características marcadamente
nacionais, como o padrão legal ou a estabilidade política, e são, portanto, inadequadas
para um estudo regional como o aqui proposto. Assim sendo, e seguindo os
pressupostos metodológicos supra citados, a teoria apropriada para o presente caso é
uma que, levando em conta os aspectos históricos, se mostre capaz de ser aplicada às
diferenças regionais de desempenho econômico.
A partir de meados da década de 90, o conceito de "capital social" adquiriu
importância crescente no debate sobre desenvolvimento econômico dos países e das
regiões. Em seu influente estudo, Making Democracy Work: civic traditions in modern
Italy, Robert Putnam definiu tal conceito como "features of social organization, such
as trust, norms, and networks, that can improve the efficiency of society by facilitating
coordinated actions." (PUTNAM, 1993, p. 167)
O autor argumentou que a carência de capital social no sul da Itália foi
responsável por seu atraso relativo. Segundo ele, a sociedade no norte do país
apresenta uma tradição cívica, associativa, a qual incentivou a cooperação e a
confiança entre os agentes. O mesmo não ocorreu com o sul no qual a estrutura social
mais hierárquica e não-participativa restringiu a acumulação de capital social e,
portanto, o desenvolvimento econômico.
As teorias sobre o capital social tomaram rumos tão diversos e foram
aplicadas a questões tão díspares que urge esclarecer qual dos ramos será seguido.
Devido às analogias entre os objetos, esse trabalho teve inspiração inicial na
abordagem de Putnam. Obviamente a experiência gaúcha não é mera reprodução da
história regional italiana; há várias divergências que sugerem mudanças nos métodos e
mesmo nos insights teóricos. Portanto foram utilizadas outras abordagens, algumas
vezes não relacionadas diretamente com a do capital social. Dentre elas, houve
especial interesse naquelas que atentam aos mecanismos institucionais entre a
desigualdade na distribuição de renda e o desenvolvimento econômico.
3
Ainda na questão metodológica, vale notar que a abordagem de Putnam, e a
que aqui é feita, está incluída no que Oliver WILLIAMSON (2000, p. 597) chama de
nível 1 da análise institucional1. Essa esfera trata da questão das normas, valores e
tradições sociais. Seriam aqueles aspectos básicos e informais nos quais as outras
instituições estão inseridas. Ele também denomina esse nível de análise de
�embeddedness level�, pois se preocupa com o ambiente no qual as ações dos
indivíduos e suas relações se dão e se constroem os outros níveis institucionais.
Argumenta-se, nesse trabalho, que o atraso relativo do Sul do RS guarda
paralelos com a experiência italiana.2 Em termos brasileiros, a renda média dos
gaúchos é a terceira mais alta e seus indicadores sociais estão consistentemente
próximos da primeira posição. Contudo apenas o observador desavisado dos dados
inferiria que o estado é homogêneo e desprovido de questões regionais. O RS contém
regiões com notáveis diferenças geográficas, que são acompanhadas por distinções
socioeconômicas não menos amplas. Os dados estaduais escondem realidades
regionais distintas, alteradas ao longo do tempo.
Em 1907, os dois principais núcleos urbanos da parte sul do Estado, Pelotas
e Rio Grande, possuíam mais trabalhadores fabris do que Porto Alegre (BANDEIRA,
1994, p. 23) e cerca de 50% da população gaúcha residia na região sob escopo.
Recentemente, menos de 15% da produção industrial do RS é realizada na Metade Sul
e apenas um quarto da população do estado reside dentro desses limites. As
1 Os níveis são: 2) Economia dos direitos de propriedade/teoria política positiva; 3) Economia dos direitos de propriedade; 4) Economia dos custos de transação; 5) Economia neoclássica.
2 Em sua dissertação de mestrado em Administração Pública, "Metade Sul: uma análise das políticas públicas para o desenvolvimento regional no RS" (2000), Jorge Renato de Souza VERSCHOORE FILHO foi o primeiro autor que aplicou o conceito de capital social para a explicação do atraso relativo de tal região. Agradeço-o por ter me informado e cedido tal trabalho em fins de 1999. O fato de termos tido o mesmo insight de forma independente sugere a pertinência da teoria ao objeto. Vale notar que �Região Sul�, ao longo deste trabalho, designa aproximadamente os territórios chamados de �Região da Campanha� por FONSECA (1983, p. 26-31). Tais termos serão utilizados aqui de forma intercambiável.
4
semelhanças quantitativas no começo do século ocultavam estruturas socioeconômicas
bastante distintas, as quais explicam a divergência na trajetória de desenvolvimento
regional que serão retratadas ao longo do texto e podem ser antecipadas pelo gráfico a
seguir:
GRÁFICO 1.1 - PARTICIPAÇÃO DE CADA METADE NA POPULAÇÃO (1890-1991) E PRODUTO INTERNO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1939-1990)
FONTE: VERSCHOORE FILHO (2000)
O foco deste trabalho é o Sul do RS; as outras regiões entram aqui como
pano de fundo para que se tenha um maior contraste com a região-problema. A
questão principal é explicar a sua perda de dinamismo e não entender o sucesso
relativo da Serra ou do Planalto3. Aqui se conta a história de uma região �fracassada�.
Poder-se-ia fazer o inverso e aplicar a abordagem do capital social a outros territórios
relativamente bem sucedidos do estado. BAZAN e SCHMITZ (1997) fizeram isso a
partir de um estudo de caso. Os autores examinam como Dois Irmãos, município da
região da Serra gaúcha, transformou-se de uma sociedade de pobres imigrantes
alemães em um pólo calçadista exportador de destaque. Eles argumentam que o
3 Essas regiões são definidas no capítulo 3.
0
20
40
60
80
100
1890 1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991
Participação % da Metade Norte na PopulaçãoParticipação % da Metade Norte no Produto InternoParticipação % da Metade Sul no Produto InternoParticipação % da Metade Sul na População
5
estoque inicial de capital social foi fundamental nessa trajetória e como a crise
econômica nos anos 90 induziu à criação, ou melhor, à reconstrução deliberada de
capital social. Avaliar se Dois Irmãos constitui apenas um caso isolado ou se
representa bem a história de outros municípios da região da Serra requererá o exame
de outras experiências de desenvolvimento. Entretanto, a despeito das diferenças dos
métodos utilizados, o contraste solar entre os objetos de tal trabalho e o que se segue
reforça mutuamente suas conclusões, pois mostram como duas histórias regionais são
influenciadas pelas formas com que o capital social se apresenta em cada caso.
Com essa limitação do objeto pôde-se ir mais fundo na questão da sua
formação histórica e da acumulação dos diversos tipos de capital social. Além disso,
busca-se preencher uma lacuna explicativa. Várias hipóteses foram cogitadas para o
entendimento do atraso econômico do Sul. CASTRO (1980) sugere que os seus
problemas têm origem na sua integração com o restante da economia brasileira.
BANDEIRA (1994), por sua vez, atribui o atraso da Região Sul às estruturas
fundiárias distintas, à sua especialização na atividade primária e ao fato de que seus
pecuaristas, por serem satisficers e não optimizers, eram pouco dotados de espírito
empreendedor.
ALONSO (1994) aplica a abordagem de Douglass NORTH (1959) quando
este ainda era um autor mais identificado com a Economia Regional. Nesse estudo,
North qualifica o seu trabalho clássico anterior, quando afirmava que a exportação de
produtos agrícolas poderia ser uma forma de alavancar o desenvolvimento regional
(NORTH, 1955). Ele assevera que, caso a atividade primária seja baseada em grandes
propriedades, seus efeitos econômicos sobre a região serão limitados. Perfis de
demanda concentrados levariam, de um lado, a produção de bens de subsistência para
os mais pobres e, de outro, à importação de bens de consumo de luxo para a elite. A
produção de manufaturados ficaria restringida e a região teria seu crescimento
6
abortado mais cedo ou mais tarde, quando retornos decrescentes surgissem na
atividade principal4.
Esse tipo de explicação, focado na demanda, tem sua pertinência. Contudo,
por não dar o devido destaque às questões de oferta, não explicam por que algumas
regiões conseguem seguir se desenvolvendo e outras não. Isto é, não esclarecem o que
leva algumas a inovarem em produtos e processos e realocarem recursos produtivos,
enquanto outras vêem o setor, outrora dinâmico, decair ao longo do tempo. Além
disso, em termos empíricos, vale lembrar que Rio Grande e Pelotas, já em 1853,
tinham diversas manufaturas de bens de consumo não duráveis, na maior parte dos
casos. Um relatório do Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul
mostra que havia seis e doze fábricas naquelas cidades, respectivamente, não
relacionadas com a atividade de criação e processamento de carne (FEE, 1981, p.63).
O registro mostra a existência de, entre outras, fábricas de licores, chapéus e mesmo
uma fundição. Apesar de tênue, essa diversificação produtiva põe dúvidas acerca da
adequação de utilizar o arcabouço analítico de NORTH (1959) para o caso em questão.
Mais recentemente, em BANDEIRA et al. (1997), combinam-se explicações
locacionais, com as referentes às diferenças entre padrões de consumo (decorrentes de
graus de desigualdade distintos), e de densidade demográfica. Os autores encontram
nesses elementos as razões mais gerais do atraso relativo da Região Sul.
Buscar apenas um motivo para um fenômeno tão complexo quanto a
decadência regional é uma tentação que esse trabalho busca evitar. Porém, considerar
todas as razões possíveis apenas o levaria para além dos limites desejados de
complexidade e surgiria o risco de confusão metodológica e expositiva. O enfoque do
4 NORTH (1959) aponta outro mecanismo que faz com que a agricultura de plantation não seja dinâmica no longo prazo: a concentração de renda levaria a um subinvestimento em educação pública e pesquisa científica. Outros elementos que devem ser examinados, ainda de acordo com o autor, são a dotação de fatores que permita a diversificação produtiva da região e os impactos da implantação de infra-estrutura de transportes.
7
capital social é destacado com sendo uma das causas, mas, sem dúvida, tem-se ciência
de que outros processos estão envolvidos.
Outras ressalvas referem-se aos indicadores escolhidos para analisar os
efeitos do capital social. A análise centra-se na trajetória regional do produto per
capita. Os problemas dessa variável são conhecidos e o tornam um indicador bastante
limitado do desenvolvimento humano. A carência de dados justifica essa escolha.
Outro problema é que a ligação entre capital social e crescimento pode fazer crer que o
capital social tem valor instrumental. Certamente, as relações sociais são um fim em si
mesmo; e considerar apenas os benefícios materiais que podem delas advir é, de certa
forma, empobrecê-las.
Em favor dessas concessões, vale dizer que, se conceitos de desenvolvimento
humano mais amplos fossem aqui utilizados, as diferenças regionais seriam até mais
realçadas. A bibliografia mostra que o capital social está positivamente relacionado
com melhorias nos diversos aspectos da vida humana que tais indicadores buscam
capturar, como saúde, educação e segurança. Portanto as sociedades que, por falta de
capital social, forem mais pobres terão também os piores indicadores de
desenvolvimento. A limitação da análise apenas à renda implica a adoção de um
critério mais exigente para a avaliação da hipótese de que o capital social importa para
o desenvolvimento; se as áreas com menos capital social forem mais pobres, logo o
seu Índice de Desenvolvimento Humano, por exemplo, será também mais baixo.5
A abordagem do capital social exige dos pesquisadores posturas plurais e
interdisciplinares. Um olhar apenas econômico, em sentido mais estrito, levaria à
ocultação exatamente dos elementos que se pretende compreender. Ao longo desse
trabalho, recorreu-se a trabalhos interpretativos e fontes elaboradas por outros ramos
das ciências sociais para construir um mosaico ilustrativo da sociogênese da Região
Sul do RS. Boa parte dos elementos fornecida pelas outras ciências teve caráter mais
5 De fato, no Apêndice 3 mostra-se que as regiões com baixos indicadores de capital social são menos eficientes em transformar renda per capita em melhorias nas condições de saúde.
8
qualitativo, e a tradição historiográfica sobre o Estado foi imprescindível, mesmo
quando alvo de críticas. A utilização de informações quantitativas, como era de se
esperar, foi bem mais restrita para o século XIX do que para o XX. Tem-se ciência de
que a qualidade dos dados, até em momentos recentes, não são um reflexo tão
fidedigno da realidade quanto se desejaria. Mesmo assim, eles foram utilizados para
que se fosse além das impressões dos observadores. DOMAR (1970, p.23) afirmou
que "�an economic model without empirical testing is equated with a detective story
without an end"6. Não se precisa concordar inteiramente com ele para considerar que o
instrumental estatístico-econométrico tem seu papel em estudos históricos. Apesar de
não se ter aqui um modelo econômico com microfundamentos formais, nem
procedimentos econométricos à prova de críticas, os testes empíricos permitiram uma
maior segurança no exame da adequação da teoria do capital social para a
compreensão do pouco dinamismo econômico da região da Campanha durante o
século XX.
Esse trabalho está estruturado da seguinte forma: no segundo capítulo volta-
se ao conceito de capital social, destacando a sua origem e seus tipos. Ainda nessa
seção, apresentam-se e discutem-se algumas das críticas freqüentes ao conceito de
capital social. O terceiro capítulo aborda a relação entre capital social e crescimento
econômico com destaque para a questão da desigualdade. Em seguida, o quarto
capítulo trata da formação econômica do Sul e das outras regiões do RS durante o
século XIX, com ênfase nas charqueadas e nas estâncias criadoras de gado. Reflexões
sobre os tipos e estoques de capital social presentes nessas formações e suas relações
com a escravidão são igualmente tratadas. Uma nota acerca das razões pelas quais o
trabalho cativo foi utilizado na região com críticas à visão de CARDOSO (1977) que
domina a bibliografia. O quinto capítulo retrata o período da República Velha na
Campanha e aplica-se a abordagem do capital social a um momento-chave e
6 Curiosamente, Domar, nesse trabalho clássico, não faz qualquer teste estatístico.
9
paradigmático dos problemas da região: as dificuldades de modernização do setor
charqueador. O sexto e o sétimo capítulos são de caráter mais quantitativo. Um trata
das trajetórias regionais no período 1939-1998, utilizando procedimentos
econométricos e buscando estimar os efeitos do capital social sobre o crescimento
econômico. Na outra seção, criam-se indicadores de capital social e de qualidade da
administração pública, para verificar as diferenças regionais e sua inter-relação. Ao
final, aparecem resumidos os principais pontos levantados ao longo do trabalho.
10
2. CAPITAL SOCIAL
Na década de 1990, em especial ao longo de seus últimos anos, o conceito de
capital social foi um dos de maior impacto nas ciências sociais. Aplicaram-se ao
capital social os epítetos: "elo perdido das ciências sociais"; " conceito fundamental";
"condensador da fumaça que envolve o debate sobre instituições", entre outros
igualmente entusiasmados7. O conceito foi utilizado para o estudo dos mais diversos
assuntos. A bibliografia registra trabalhos nos quais o capital social serve para analisar
desde questões mais amplas, como a das diferenças de taxa de crescimento mundiais
(KNACK; KEEFER, 1997) até discussões mais específicas como a das crianças de rua
em Moscou (STEPHENSON, 2001).8
O levantamento das referências bibliográficas que utilizaram o conceito de
capital social, no mesmo sentido do presente trabalho, mostra uma tendência de
crescimento exponencial ao longo da década de 1990.9
7 Essas designações foram feitas, respectivamente, por GROOTAERT (1997), OSTROM (2000) e PALDAM e SVENDSEN (1998).
8 Durante a pesquisa bibliográfica, encontrou-se até um texto sobre capital social e campismo (HENDERSON, 1999)!
9 As citações indexadas de �capital social� anteriores a 1988 (data da publicação do influente trabalho de Coleman) têm o sentido de �infra-estrutura� ou seguem orientações marxistas.
11
GRÁFICO 2.1 �NÚMERO DE REFERÊNCIAS ASSOCIADAS AO TEMA CAPITAL SOCIAL 1989-2001
0
100
200
300
400
500
600
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Ano
Cita
ções
FONTE: Banco de dados preparado pelo autor com base em diversas fontes (EconLit, Cambridge Scientific Abstracts, Sociological Abstracts, Social Sciences Citation Index, entre outros). NOTA: O número de referências em 2001 pode estar subestimado devido à defasagem que ocorre entre a publicação dos artigos e sua inclusão nos bancos de dados citados.
Conforme apontou BOURDIEU (1998, p. 73) quando da apresentação de um
conceito em si mesmo, há sempre o risco de se cair na teorização vazia. Não obstante,
optou-se por apresentar inicialmente a origem do conceito e os rumos da pesquisa
sobre o capital social, seus três modos (bridging, linking e bonding). Os canais que
fazem com que o capital social tenha impacto sobre o crescimento econômico são
abordados em seguida, bem como um debate acerca das dificuldades de mensuração
desses efeitos. Ainda nesse capítulo algumas das críticas mais comuns ao conceito de
capital social têm sua pertinência apreciada.
2.1. RAÍZES DO CAPITAL SOCIAL
"Social capital is a concept with a short and already confused history"
escreveu STIGLITZ (2000, p. 59). A expressão "capital social" foi reinventada
12
diversas vezes com sentido semelhante (BORGATTI, 1998)10. Apenas no século XX, o
termo foi cunhado independentemente por pelo menos seis pesquisadores (PUTNAM,
2000, p.16). Desde os escritos de um supervisor de escolas rurais em 1916 até o
trabalho de COLEMAN (1988), autores como a Jane JACOBS (1961), Glenn LOURY
(1977) e Pierre BOURDIEU (1998) utilizaram a expressão.
Como costuma acontecer, a releitura das obras dos grandes economistas
mostra que eles já tratavam de questões semelhantes às que hoje são objetos de análise
dos pesquisadores ligados à abordagem do capital social. Era inevitável que fossem
encontrados na obra de Adam Smith trechos nos quais se pode entrever a presença do
conceito de capital social (BRUNI e SUGDEN, 2000).11 Ou seja, a idéia de que certas
características institucionais têm relevância para a vida econômica é tão antiga quanto
a própria Ciência Econômica. WOOLCOCK (1998, p. 17) argumenta que pelo fato de
os economistas terem preferido o caminho indicado por A Riqueza das Nações do que
o sugerido por A Teoria dos Sentimentos Morais fez com que nos distanciássemos de
debates que poderiam ter levado mais cedo à questão do capital social. Na tradição
sociológica, argumentam PORTES e SENSENBRENNER (1993), pode-se encontrar o
capital social em diversos níveis analíticos nas contribuições de Marx, Simmel,
Durkheim e Parson.
O fato novo é a avidez com a qual pesquisadores oriundos das mais diversas
áreas do conhecimento e linhas teóricas recorreram à noção sob foco. O economista
heterodoxo Samuel Bowles, o típico scholar de Chicago José Scheinkman, o cientista
político ligado ao establishment Francis Fukuyama, sociólogos de tradições tão
díspares como James Coleman e Pierre Bourdieu: todos escreveram acerca do capital
social.
10 Existe até o registro do seu uso pela romancista inglesa do século XVIII Jane Austen, em seu livro Razão e Sensibilidade (BORGATTI, 1998, p.41).
11 Ainda sobre a questão da ética na obra de Smith, ver Giannetti da FONSECA (1993). O autor, contudo, incluiu as virtudes cívicas como parte do capital humano.
13
Obviamente, não seria provável que uma gama tão ampla de autores
adotassem uma definição operacional única de capital social. Na verdade, buscar
sentido definitivo do termo é uma tarefa condenada ao fracasso. Devido às diferenças
entre os objetivos dos pesquisadores, suas acepções são orientadas pelo seu valor
instrumental. A tentativa de unificar o conceito ampliando-o aumenta os riscos de ele
se tornar vazio de conteúdo.12 Por outro lado, uma definição teórica, ao redor da qual
exista um consenso, mesmo que haja divergências menores e que guie a elaboração de
conceitos operacionais, é fundamental para que o capital social ocupe o seu lugar. O
risco de afirmar que �social capital is what social capital scholars do� é o de incorrer
em um vale-tudo que acaba por minar o rigor acadêmico do conceito, conforme alertou
WOOLCOCK (2000).
Sem querer penetrar nesse debate com ímpeto maior do que o necessário,
algumas considerações preliminares precisam ser feitas antes que se formule a
definição operacional que será utilizada ao longo do trabalho. Olhando-se essa questão
mais de perto, percebe-se que muitos conflitos da literatura acerca da definição e
mensuração do capital social decorreram apenas do fato de que os autores não
diferenciaram esse aspecto em si de suas conseqüências imediatas. Houve, inclusive,
mudanças na posição dos pesquisadores mais influentes. FUKUYAMA (1995), por
exemplo, equiparava capital social e confiança. Em trabalho mais recente, porém, ele
afirma que são as normas de cooperação as que compõem o capital social. Em suas
palavras:
By this definition, trust, networks, civil society, and the like which have been associated with social capital are all epiphenomenal, arising as a result of social capital but not constituting social capital itself. (FUKUYAMA, 1999)
12 Para um debate sobre das múltiplas acepções de capital social ver REQUIER-DESJARDINS (2000), ADLER e KWON (2000), SERALGEDIN e GROOTAERT (2000), FUKUYAMA (1999) e BAZAN e SCHMITZ (1997). ADLER (2000) apresenta o survey mais completo e uma interessante tipologia.
14
Putnam também segue essa trajetória. Em sua obra de 1993, a confiança é
uma forma de capital social; em uma conferência em 1999, ele já asseverava que o
capital social se refere a redes sociais; e em seu livro mais recente, a confiança e as
normas de reciprocidade seriam resultado das conexões sociais (PUTNAM, 1999 e
2000, p. 19). WOOLCOCK (2000) também segue de perto essa orientação e resume:
�it is important that any definition of social capital focus on its sources rather than consequences, i.e., on what social capital is rather than what it does. This approach eliminates an entity such as �trust� from the definition of social capital. Trust is doubtless vitally important in its own right but for our present purposes is more accurately understood as an outcome (of repeated interactions, of credible legal institutions, of reputations). (WOOLCOCK, 2000, p.9)
Note-se que mesmo aqui ainda há diferenças: Putnam analisa o capital social
como sendo as redes; já Fukuyama considera sua essência como sendo as normas de
cooperação. Assegurando haver um consenso na literatura, escreve Woolcock sobre as
disputas conceituais:
I am prepared to declare that while the battles aren�t over, the war has essentially been won. There is an emerging consensus on the definition of social capital, one built on an increasingly solid empirical foundation, and it is as follows: Social capital refers to the norms and networks that facilitate collective action. [sem grifo no original] (WOOLCOCK, 2000, p. 9)
Essa definição tem a virtude de se equilibrar bem entre os extremos de ser
ampla demais, pecando pela tolerância excessiva, e estreita demais, a ponto de excluir
os trabalhos que foram feitos utilizando, ou não, o termo capital social. Dentre a
pletora de definições, a de Woolcock reúne as virtudes suficientes para se tornar
hegemônica. Ela inclui as normas e as redes sociais e, por relacionar o capital social
com a ação coletiva e não com eficiência, conforme fez Putnam inicialmente, evita
outras discussões sobre esse último conceito, além de incluir uma diversidade maior de
fenômenos sociais.
A definição aqui utilizada enfatiza as redes sociais e não as normas. Na
discussão sobre capital social, desigualdade e crescimento (seção 3.4) o enfoque se
centra nos tipos de capital social, no sentido de ligações entre agentes sociais, e não
15
nas normas em vigor. Igualmente, nos capítulos quatro e cinco, a ênfase recai sobre a
constituição das redes sociais.
A justificativa teórica para se destacar as redes, e não tanto as normas
sociais, reside em que as primeiras são mantidas graças àquelas. Apesar de não ser a
única forma, a difusão e as cadeias de influências que fazem com que as normas
sociais sejam seguidas se baseiam nas conexões entre os agentes (DASGUPTA, 2002).
WOOLCOCK (2001) alerta para os riscos de que, ao se considerar apenas as redes, o
ambiente institucional fique de fora da análise. Assim, ao longo desse trabalho, mesmo
se adotando uma definição de capital social que enfatiza os tipos de redes vigentes,
tenta-se não incorrer nesse erro através da permanente consideração dos elementos
macro-institucionais em vigor.
Vale reiterar que a opção presente não implica desqualificar os trabalhos que
identificam a confiança ou normas cooperativas com o capital social. Se um termo é a
decorrência do outro, os trabalhos que analisam, por exemplo, o efeito da confiança
sobre o mundo, econômico seguem sendo válidas análises das conseqüências do
capital social. Em outras palavras, a confiança ou a cooperação são elos intermediários
entre o capital social em seu sentido mais restrito e seus efeitos mais amplos.
Para o exame das origens da linha de pesquisa sobre capital social, seguir-se-
á a classificação de Giannetti da FONSECA (1994), o qual argumenta que a evolução
de um conceito depende de fatores internos e externos à Ciência Econômica. Esses
primeiros remetem ao próprio desdobramento da pesquisa em Economia, que,
colocando novos temas e métodos, prepara o terreno intelectual para os passos
seguintes.13 Por fatores externos, compreende-se que as situações-problema, oriundas
do mundo concreto, sugerem novos desafios para os pesquisadores.
13 Omitiram-se as contribuições vindas da Economia que, apesar de pertinentes, não foram fundamentais para a legitimação do capital social, como, por exemplo, a racionalidade restrita de Herbert Simon e as reflexões de Albert HIRSCHMAN (1984)
16
2.1.1. Fatores "Internos" à Economia
2.1.1.1. Teoria dos Jogos
O trabalho seminal de Von NEUMANN e MORGENSTERN, The Theory of
Games and Economic Behavior (1944), abriu novos caminhos, por introduzir um
instrumental que permitiu à Economia transcender o estudo de agentes atomizados; a
partir de então foi possível tratar das interações estratégicas entre indivíduos. Se, por
um lado, a Teoria dos Jogos (TJ) aumentou o alcance (e as pretensões) da pesquisas
econômicas, por outro trouxe à tona novas questões. A primeira dessas consiste no
descolamento entre a racionalidade individual e a coletiva. Como se sabe, a busca do
interesse individual leva a um equilíbrio de Nash sub-ótimo em jogos do tipo Dilema
do Prisioneiro.
Os desenvolvimentos subseqüentes do programa de pesquisa em TJ (com
jogos repetidos, informação incompleta, abordagens evolucionárias, inclusão de
reputação, entre outros avanços) a tornaram formalmente mais árida; em compensação,
novos insights e resultados surgiram. Em relação ao tema sob escopo, o maior
interesse centra-se na questão da cooperação entre os agentes.
O chamado Folk Theorem mostra que, em jogos infinitamente repetidos, a
cooperação mútua pode ser um equilíbrio de Nash (HEAP e VAROUFAKIS, 1995,
cap. 6). Em consonância, nos experimentos em computador realizados por AXELROD
(1984), foi uma estratégia cooperativa (submetida a um critério "olho por olho"/ Tit-
for-Tat) a que obteve o melhor desempenho. Finalmente, no campo da economia
experimental acumularam-se evidências suficientes de que os agentes não se
comportam exatamente como sugere a teoria dos jogos em suas versões mais simples.
17
Quer por um sentido de justiça, quer por altruísmo, o comportamento cooperativo
surge, mesmo em jogos estáticos, com uma freqüência não prevista pela teoria14.
Duas contribuições da Teoria dos Jogos foram marcantes para que o conceito
de capital social fosse incorporado pelo mainstream: a Teoria dos Jogos permitiu que a
ortodoxia superasse a análise atomizada dos indivíduos e legitimou o estudo das
interações entre os agentes.
Em um primeiro momento, a TJ tornou nossa ciência ainda mais lúgubre,
mostrando o fracasso da racionalidade instrumental em certos jogos. Indivíduos
perfeitamente racionais podem ficar presos a situações sub-ótimas. Posteriormente, os
modelos sugeriram que a cooperação mútua constitui um equilíbrio possível e que, sob
certas condições, o homo economicus poderia abrir mão de um comportamento
orientado por uma racionalidade míope em favor de uma estratégia de longo prazo.
Aprendizado, reputação e sinalização passaram a ser categorias freqüentes na literatura
sobre TJ.
2.1.1.2. Lógica da Ação Coletiva
Mancur OLSON (1965), a partir de um instrumental da escolha racional,
mostrou as dificuldades que grupos enfrentam na provisão de bens coletivos para seus
membros. Em termos simplificados, o autor argumenta que nessas situações cada
agente adota uma postura de caroneiro, esperando a contribuição alheia para a
provisão de um bem que beneficie todo um grupo. A ação coletiva fracassa e,
novamente, racionalidade individual e coletiva se distanciam.15 A posição de Olson é
14 Ver HEAP e VAROUFAKIS (1995, cap. 8) para uma síntese crítica da bibliografia sobre experimentos envolvendo jogos.
15 É interessante notar que, a despeito das semelhanças aparentes entre esse resultado e o obtido no Dilema do Prisioneiro, OLSON (1992) considera que esse tipo de jogo não representa adequadamente os dilemas da lógica da ação coletiva. De fato, em nenhum momento de sua obra, Olson apelou para o instrumental analítico da TJ.
18
bastante pessimista: grupos com poucos membros tendem a solucionar esse dilema,
contudo grupos grandes (latentes, em seus termos) serão, via de regra, incapazes de se
organizarem para a ação coletiva. Logo, os interesses dos grupos pequenos são sobre-
representados vis à vis os interesses da maioria desorganizada. As conseqüências
perversas dessa lógica foram examinadas em OLSON (1982).
Qual a relação da lógica da ação coletiva com a pesquisa em capital social?
Com base nas contribuições de Olson, o esperado é o comportamento free-rider dos
agentes. A pergunta, agora, passa a ser o porquê do fracasso da previsão de Olson, ou
seja, por que os indivíduos, muitas vezes, superam o dilema da ação coletiva.
Empiricamente, os trabalhos de Elinor OSTROM (1990), por exemplo, mostraram que
mesmo sociedades pouco desenvolvidas conseguem criar arranjos institucionais,
formais ou não, que suprimem o problema do free-rider e da gestão de recursos
comuns.16 A bibliografia sobre capital social usou essas evidências como suporte à
argumentação de que normas cooperativas e a confiança mútua entre os membros de
uma sociedade elevam o seu bem-estar material.
2.1.1.3. Capital Humano em Becker e Lucas
A expressão capital humano tem hoje amplo trânsito pelo mainstream e a sua
pertinência é aceita sem maiores reflexões. Nos modelos de crescimento recentes, o
estoque de capital humano reduziu-se a um indicador do número de anos de
escolaridade média da população ou a outra variável semelhante. Contudo dois dos
mais influentes economistas neoclássicos, Robert Lucas e Gary Becker, adotam uma
16 Na mesma direção, Hirschman, em seu diálogo com Swedberg, apresenta a sua posição em relação à teoria neoclássica da ação coletiva: "Mancur Olson's idea of collective action just struck me as nonsensical. He argues for the impossibility- not the logic but the illogic - of collective action (...). Since my own experience of having participated in collective action was such that I found it very important, this construct of Olson just struck me as obviously absurd "(SWEDBERG, 1990, p. 159).
19
definição do capital humano ampla que chega a se sobrepor a alguns dos sentidos do
capital social. Tome-se esse trecho de LUCAS (1988):
... human capital accumulation is a social activity involving groups of people in a way that has no counterpart in the accumulation of physical capital (...) We know from ordinary experience that there are group interactions that are central to individual productivity and that involve groups larger than the immediate family and smaller than the human race as a whole.
Isto é, Lucas percebe que a produção de capital humano depende das relações sociais e
que, ao mesmo tempo, a produtividade individual depende de características grupais
que se estendem além dos laços "fortes".
Desde seu trabalho de 1974, Gary Becker já atentava à questão das
interações sociais. Após lembrar que economistas acima de qualquer suspeita, como
Marshall, compartilharam essa preocupação, ele relata:
My interest in interactions can probably be traced to the study of discrimination and prejudice (...) Further reflection convinced me that the emphasis of earlier economists deserved to be taken much more seriously because social interactions had significance far transcending the special cases discussed above. (BECKER, 1974, p. 1064)17
Sem embargo, existem limites metodológicos para que Becker trate as
relações sociais. Ele o faz da maneira típica para um economista com sua formação:
incluindo argumentos na função utilidade dos agentes. Em seus trabalhos mais
recentes (BECKER, 1996; BECKER e MURPHY, 2000), ele voltou à questão, dessa
vez aplicando o conceito de capital social, mas sem perder de vista o referencial
neoclássico. De maneira mais sofisticada, ele sustenta que as preferências dos agentes
são influenciadas pelo capital social dos indivíduos, aqui entendido como "the
17 Mais de uma década depois, Becker reforça essa posição: "Economists (...) are prone to assume that people's preferences are independent of what other people are doing. I personally don't accept that. I think that the social side is very important, and agree with the sociologists on this approach". (SWEDBERG, 1990, p. 42)
20
influence of past actions by peers and others in an individual's social network"
(BECKER, 1996).18
2.1.1.4. Nova Economia Institucional
Os trabalhos reunidos no que hoje se designa Nova Economia Institucional
(NEI) foram fundamentais para a formação da abordagem do capital social. Na
verdade, as histórias intelectuais de ambas as linhas de pesquisa chegam a se confundir
de tão próximas. Os pesquisadores ligados ao Capital Social citam, com freqüência, os
textos básicos da NEI, desde o seminal paper de COASE (1937) até os trabalhos mais
recentes de Douglass North. Dessa maneira, vale repassar o desenvolvimento da NEI.
Foi na década de 60 que as implicações do insight fundamental de Coase
foram amplamente compreendidas. Quando se percebe que as transações econômicas
estão longe de serem tão fluidas e transparentes como diziam os livros-texto, uma
caixa de Pandora de novos temas se abre. As instituições e a definição dos direitos de
propriedade passam a condicionar os resultados econômicos. Somando-se a isso, as
contribuições de STIGLER (1961) a respeito da Economia da Informação e outras
questões, como contratos incompletos, relação agente-principal e comportamento
oportunista, passam a ser tratadas pelo mainstream da Ciência Econômica.
Para a questão do capital social, um trabalho tem uma importância notável:
The Market for �Lemons�: quality uncertainty and the market mechanism (1970) de
George AKERLOF. Com base em Stigler, Akerlof foi mais longe e analisou os
problemas quando a informação não é apenas imperfeita, mas também distribuída de
maneira assimétrica entre as partes. O resultado central é que, quando essa assimetria
for aguda, o funcionamento do mecanismo de mercado pode levar à sua própria
18 Mesmo Arrow não concorda com essa forma como Becker lida com as interações sociais (SWEDBERG, 1990, p. 136).
21
extinção, pois tende a expulsar os bens de qualidade acima da média19. O que
inicialmente parece ser apenas um princípio microeconômico tem, na argumentação de
Akerlof, uma aplicação bem mais geral. Ele sustenta que o mesmo princípio faz com
que os mercados de crédito dos países subdesenvolvidos sejam imperfeitos, uma vez
que apenas aqueles que apresentam contato próximo com os emprestadores têm acesso
aos recursos. Além disso, assevera que, em países onde a desonestidade prevalece há
um significativo desvio de capacidades empreendedoras para o comércio, uma vez que
os retornos para um agente sagaz nessa atividade serão bem maiores do que na
produção.
O fato de que muitos mercados existem a despeito da assimetria
informacional é explicado pela presença de instituições - fora do mercado strictu
sensu- que sanam ou aliviam esse problema (AKERLOF, 1970, p. 499). Garantias,
marcas, controles externos são formas de controle da qualidade dos bens. Akerlof
identifica que o conhecimento da reputação de um agente é, também, uma forma de se
evitar o funcionamento dessa "Lei de Gresham", em que a baixa qualidade toma o
lugar da alta qualidade no mercado. E sintetiza: "We have been discussing economic
models in which 'trust' is important. Informal unwritten guarantees are preconditions
for trade and production." (AKERLOF, 1970, p. 496)
Não muito depois de Akerlof, Kenneth Arrow, em uma obra que antecipa
diversas idéias que seriam recuperadas pela NIE (WILLIAMSON, 1985, em especial),
pronunciou-se de forma semelhante em relação à importância da confiança nas
19 Tomando o mercado de carros usados com exemplo, a lógica do modelo apresentado por Akerlof é a seguinte: supõe-se que os vendedores conhecem as qualidades ou os defeitos de seus automóveis e usam essa informação de forma estratégica. Já os potenciais compradores são incapazes de conhecer com exatidão a qualidade dos automóveis e a estimam com base no modelo e ano de fabricação. É de se esperar que os donos de carros bem conservados hesitem em pô-los à venda pelo preço de mercado, visto que este reflete a qualidade média dos automóveis. Os possuidores de carros com defeitos, por outro lado, tentarão vendê-los pelo preço vigente. Ora, o resultado desse processo é que cada vez mais carros ruins entrarão no mercado, expulsando os carros de qualidade superior. No limite, tal mecanismo de seleção adversa faria com que a qualidade e, por conseguinte, os preços dos automóveis usados caíssem até que o mercado não mais funcionasse.
22
relações econômicas: "It has been observed (...) that among the properties of many
societies whose economic development is backward is a lack of mutual trust"
(ARROW, 1974, p.26).
Além dessa referência ao tema do desenvolvimento econômico, Arrow
aponta, implicitamente, o papel da confiança na redução dos custos de transação e suas
peculiares características.20
Os bem-sucedidos livros de Oliver WILLIAMSON (1975 e 1985) e de
Douglass NORTH (1981 e 1990) deram força e consolidaram a pesquisa em NIE. A
partir de metade da década de 80, percebe-se a aceitação definitiva dessa abordagem,
com seus autores ganhando prêmios Nobel (North e Coase em 1991 e 1993,
respectivamente) e a publicação dos primeiros livros-texto (EGGERTSSON, 1990 e,
mais recentemente, FURUBOTN e RICHTER, 1997)21. Mesmo compartilhando
algumas características, existem diferenças entre as linhas de pesquisa em NIE.
Enquanto, para alguns autores, o capital social é dispensável, para outros ele se
confunde com a própria NIE. Note-se a definição de CLAGUE (1997, p.16):
The New Institutional Economics (...) represents a kind of 'expanded economics'. Like standard economics, it focuses on the choices people make in their lives. But it enriches the simple rational choice model by allowing for the pervasiveness of information problems and human limitations on processing information, the evolution of norms, and the willingness of people to form bonds of trust.
Em suma, sem abandonar a visão de que os agentes buscam maximizar a
utilidade, a NIE, mais preocupada com o realismo das hipóteses, não prioriza os
20 Ver a citação de Arrow na seção 3.1.2. Em uma entrevista (SWEDBERG, 1990, p.136), Arrow relaciona a confiança com o seu trabalho anterior acerca da Teoria do Equilíbrio Geral: "The General Equilibrium story that I tell really can't exist without some substratum which is outside the system itself. There can, for example, be unconscious agreements not to exploit particular opportunistic consideration and the like. I firmly believe that this is an important fact but I never been able to make a theory out of it". Em seguida, ele reforça que preferiu restringir seus pronunciamentos sobre esses temas devido às dificuldades de tratar formalmente a confiança e motivações extramercado.
21 Esse último já cita o conceito de capital social com alguma freqüência.
23
assépticos axiomas neoclássicos. Isso permite que se possa tratar dos temas
importantes para a abordagem do capital social (confiança, espírito cívico, cooperação)
sem que se perca a capacidade de dialogar com os economistas neoclássicos. Tome-se
o caso de North. Inicialmente mais próximo da ortodoxia, ele incorporou aspectos
informais como valores, convenções, códigos de conduta, normas e até a ideologia na
análise do desenvolvimento econômico, mas não perdeu completamente o jargão
neoclássico (NORTH, 1990). Quando um ganhador recente do prêmio Nobel adota
uma postura como essa, a legitimação do programa de pesquisa em capital social para
a ortodoxia é facilitada.22
2.1.2. Fatores "Externos" à Economia
2.1.2.1. Evidências Empíricas acerca do Desenvolvimento Econômico
A disponibilidade de dados internacionais indicou que os mecanismos de
crescimento econômico são mais complexos do que sugeriam os modelos neoclássicos
iniciais. As vastas e persistentes distâncias entre os países pobres e ricos não eram
resultados previstos por tais modelos. A busca de respostas a essa questão ensejou todo
o debate sobre a convergência das rendas per capita e as celebradas teorias de
crescimento endógeno.23 A introdução do capital humano aumentou o poder
explicativo de tais modelos, mas vale lembrar que nem tudo está resolvido. Apesar de
essas teorias explicarem a formação de clusters de países pobres e ricos, os problemas
22 Note que há uma diferença entre Arrow ter feito referência à importância da confiança e North ter relacionado elementos culturais com desenvolvimento econômico. O primeiro estava escrevendo em uma área que não é a de interesse principal (ou ao menos na qual ele não é tão conhecido); já North teve sua consagração exatamente no campo da história e do desenvolvimento econômico.
23 Consulte BARRO e SALA-I-MARTIN (1995) e FUENTE (1996) para um debate acerca de tais modelos e da evidência econométrica. Ver POSSAS (1999) e KENNY e WILLIAMS (2000) para críticas heterodoxa e metodológicas, respectivamente.
24
surgem quando se tenta compreender os mecanismos que permitem a migração de um
"clube" para outro. Existem, ainda, as economias que, a despeito do investimento em
capitais físicos e humanos, apresentaram crescimento pífio. E, conforme apontam
CLAGUE (1997, p.13) e OLSON (1982), restam ser compreendidas as estruturas de
incentivos que propiciam a acumulação de capitais e o progresso técnico.
As diferenças no estoque de capital social emergem como a resposta a esses
enigmas do desenvolvimento econômico. Nesse sentido, o próprio trabalho de Putnam
faz parte desse movimento e, empiricamente, existe toda uma bibliografia que utiliza
proxies do capital social em regressões à moda das feitas por Barro (KNACK;
KEEFER, 1997, CLAGUE et al. 1997, LA PORTA et al., 1997). Via de regra, os
resultados têm sido favoráveis a hipótese da importância do capital social para o
desempenho econômico.
2.1.2.2. Desempenho dos Projetos de Desenvolvimento e Banco Mundial.
Dados do Banco Mundial apontam que, dos seus projetos de
desenvolvimento, 23% foram avaliados como "desapontadores" e 10%, como "perda
total"; do restante, parte recebeu a classificação de "satisfatórios" e outra, de
"bem-sucedidos" (MEIER, 1995, p. 225). Retrospectivamente, aponta-se como
principal suspeito para essa alta taxa de fracasso a desconsideração, por parte dos
técnicos do Banco, de aspectos relacionados com o capital social. Ilustrando esse
ponto, OSTROM (2000) relata, por exemplo, um projeto de irrigação no qual os
economistas solaparam toda a organização social preexistente que regulava a
distribuição da água em Chiregad, Nepal. O resultado foi que a área atendida diminuiu,
a irrigação tornou-se mais incerta e as organizações de agricultores enfraqueceram. O
capital físico foi desperdiçado e o próprio capital social depreciou-se. EASTERLY
(2000), ele mesmo um funcionário do Banco Mundial, fornece diversos relatos
tragicômicos dos fracassos de outros projetos do seu empregador.
25
Na tentativa de melhorar os resultados de seus projetos de desenvolvimento,
os economistas acorreram à abordagem do capital social. O marco da mudança na
orientação do Banco Mundial foi a gestão de James Wolfensohn-Joseph Stiglitz nos
cargos de presidente e economista-chefe, respectivamente, a partir de 1995
(EDWARDS, 1999). O primeiro tem uma visão mais ampla em relação aos objetivos
do Banco do que os outros presidentes, e o segundo - um dos teóricos principais da
Economia da Informação - ofereceu as bases intelectuais para a mudança.
Atualmente, o Banco Mundial é o principal think-tank dedicado à questão do
capital social24. Michael Edwards, ex-especialista em Sociedade Civil do Banco
Mundial, identifica três grupos no órgão: os entusiastas, economistas ligados à divisão
de pesquisa do Banco, que vêem o capital social como o "missing ingredient that can
make their equations work" (EDWARDS, 1999, p.2); os táticos, cientistas sociais
dispersos pelo órgão que identificam no capital social uma forma de dialogar
produtivamente com os economistas; e os céticos, alguns iconoclastas dentro da
instituição que consideram que a Economia nada tem a acrescentar ao entendimento do
papel econômico das relações sociais. Os dois primeiros grupos são hegemônicos e
passaram a orientar a implementação de projetos de desenvolvimento do Banco
Mundial.
2.1.2.3. Fatores Ideológicos
BOWLES e GINTIS (2000, p.2) identificaram uma das razões relevantes
para o �triunfo� do capital social: os ideólogos de esquerda simpatizaram com o
conceito porque ele reforça a idéia de que não bastam direitos de propriedade bem
definidos e mercados competitivos para que �vícios privados se transformem em
virtudes públicas�. Confiança, altruísmo, civismo são contrapostos à miopia utilitarista
24 O sítio http://www.worldbank.org/poverty/scapital/index.htm constitui o principal repositório de papers sobre o capital social.
26
do homo economicus. Já para os adeptos do laissez-faire o capital social é uma forma
de resolver as falhas de mercado sem a intervenção estatal.
Um exemplo da ampla aceitação do conceito de capital social pelas mais
diversas correntes teóricas e ideológicas é o debate sobre o papel da intervenção
governamental. A pesquisa apresenta argumentos favoráveis e contrários à
intervenção. FUKUYAMA (1995) atribui ao Estado um papel de demolidor dos
estoques de capital social. Haveria um crowding-out quando o Estado intervém na
organização espontânea da sociedade e ele atribui ao crescimento do poder do
Legislativo e do Judiciário parte da responsabilidade pela redução da importância das
associações civis nos Estados Unidos da América - EUA no pós-guerra
(FUKUYAMA, 1995, p.307-321). Outros autores, como EVANS (1996), celebram a
possibilidade de que relações sinérgicas entre o Estado e a sociedade possam ampliar
os estoques de capital social. PUTNAM (2000, p. 281), por sua vez, em caráter
preliminar, isenta o crescimento do Welfare State de culpa pela redução dos estoques
de capital social nos EUA. Como se vê, a pesquisa a respeito do capital social pode
estar a serviço das mais diversas posturas políticas.
2.2. ABORDAGENS DO CAPITAL SOCIAL
2.2.1. Putnam e as Associações Horizontais
Apesar da definição de Putnam do capital social apresentada na Introdução
da tese ser bastante ampla, operacionalmente, em seu trabalho de 1993, ele utiliza uma
versão bem mais restrita que inclui apenas as associações e as normas de cooperação
entre os agentes. Para o autor, as associações engendram hábitos cívicos e um espírito
de cooperação que contribuem para o seu desenvolvimento. Os valores cívicos
favoreceriam o associativismo e esse, por sua vez, criaria um feedback positivo em
favor da propagação de tais valores. Mesmo associações com pouca relação direta com
27
a atividade econômica, como instituições esportivas ou culturais, comporiam o capital
social, pois reforçariam as relações de cooperação entre os membros da sociedade.
Vale ressaltar que as instituições que Putnam tem em mente são associações
de caráter horizontal, não-hierárquicas e sem fortes barreiras à entrada. Assim, as
associações favoráveis para o desempenho econômico seriam aquelas que congregam
"agents with equivalent status and power� (PUTNAM, 1993, p. 173). Para que
contribua para o capital social de uma sociedade, uma associação deve ser aberta aos
potenciais participantes e também reforçar valores democráticos. Ele afirma: �Good
government in Italy is a by-product of singing groups and soccer clubs, not prayer.�
(PUTNAM, 1993, p. 176)
Uma das bases do caráter produtivo do capital social advém da redução dos
custos de transação derivada da disseminação da confiança e da restrição ao
comportamento oportunista. Além disso, Putnam, seguidor de uma tradição que
remonta a Tocqueville, vê na organização da sociedade civil uma forma de garantir a
qualidade das políticas públicas. PUTNAM e HELLIWELL (1995) ponderam, com
base em evidências empíricas italianas, que uma maior densidade de associações
horizontais resulta em uma melhor qualidade dos governos locais e maiores taxas de
crescimento econômico.
2.2.2. Granovetter, Coleman e Redes Sociais
A Nova Sociologia Econômica foi uma das responsáveis pela disseminação
do conceito do capital social para outras áreas de pesquisa25. Em 1985, Mark
Granovetter publica o que se tornou o "manifesto" desse movimento:"Economic Action
and the Social Structure: the problem of embeddedness", em que ele critica as duas
visões sobre o comportamento econômico: a sub-socializada, neoclássica, que admite
apenas indivíduos atomizados, eliminando todas as relações sociais; e a sobre-
25 Ver SMELSER e SWEDBERG (1994) para uma síntese da Nova Sociologia Econômica.
28
socializada, típica de boa parte do pensamento sociológico, que trata os agentes como
marionetes que seguem estritamente o roteiro esperado para a sua classe social (ou
qualquer outra estrutura determinística). Granovetter propõe superar essa dicotomia
através da adoção de uma abordagem dita "embedded", que entenda as ações
econômicas dos agentes como inseridas numa rede de relações sociais. Ou seja, os
indivíduos fazem as suas escolhas, mas não no vácuo e sim dentro de uma determinada
malha de conexões com outros agentes.
Ainda sem utilizar a expressão "capital social", Granovetter compreende o
potencial que essas redes sociais têm para resolver o dilema do prisioneiro e promover
a confiança. Os nexos específicos entre os agentes dessas redes permitem que
relacionamentos cooperativos sejam semeados e que as reputações fluam. Ele ressalta
que, no embeddedness approach, a questão da confiança e mesmo da organização da
atividade econômica devem ser examinadas através da análise concreta das redes
sociais (GRANOVETTER, 1985, p. 490-493).26
James Coleman é o principal responsável pela introdução do capital social
nas agendas de pesquisa. Em suas obras (1988, 1990) ele segue de perto Granovetter,
ao considerar o princípio da escolha racional uma boa hipótese de trabalho, contanto
que não se despreze o papel da estrutura social. Para ele, o capital social seria um
instrumento para essa prática (COLEMAN, 1988). Devido à influência da sua
definição, é importante reproduzi-la:
Social capital (...) is not a single entity, but a variety of different entities having two characteristics in common: they all consist of some aspect of a social structure, and they facilitate certain actions of individuals who are within the structure. Like other forms of capital, social capital is productive, making possible the achievement of certain ends that would no be attainable in its absence. Unlike other forms of capital, social capital inheres in the structure of relations between persons and among persons. It is lodged neither in the individual nor in physical implements of production. (COLEMAN, 1990, p. 302)
26 Na verdade, essa postura de Granovetter já estava presente em trabalhos anteriores (1973 e 1974).
29
A definição de Coleman é bem mais ampla que a de Putnam e inclui todas as
maneiras através das quais as relações sociais podem contribuir para a produção.
Aparecem desde reciprocidade e confiança entre agentes, laços horizontais, até mesmo
organizações verticais que, intencionalmente ou não, resolvam os problemas de ação
coletiva.
Hoje a expressão capital social foi incorporada pelos pesquisadores de social
networks, uma área que utiliza um sofisticado tratamento empírico e matematizado
para a análise das conexões entre agentes. Ronald BURT (2000) é um dos principais
expoentes desse tipo de abordagem.
2.2.3. Capital Social como Ambiente Institucional
A abordagem ainda mais genérica considera o ambiente político e social que
contribua para a eficiência produtiva estática e dinâmica como componentes do capital
social. Inclui, portanto, a qualidade do governo e do sistema jurídico e o Estado de
Direito27. Nesse sentido, o capital social é quase um sinônimo de "boas" instituições.
Pela própria natureza do conceito, os estudiosos que utilizam essa acepção
têm como objeto o desempenho econômico comparado dos países e não temas
regionais como os que tomaram a atenção de Putnam. O trabalho elaborado por
CLAGUE et al. (1997), pesquisadores ligados ao IRIS (Center on Institutional Reform
and Informal Sector), é característico desse tipo de abordagem. Nesse estudo
econométrico cross-section, indicadores de qualidade da burocracia, confiança nas
instituições e risco político são considerados variáveis independentes na determinação
das taxas de crescimento dos países.
27 Essa acepção remete ao conceito de capital social governamental (COLLIER, 1998).
30
2.3. MODOS DE CAPITAL SOCIAL
Diversas taxionomias das formas do capital social podem ser efetuadas.
Optou-se por uma classificação utilizada com freqüência crescente e central para os
objetivos do presente trabalho (GITTEL e VIDAL, 1998; NARAYAN, 1999;
WOOLCOCK, 1999; PUTNAM, 2000; WORLD BANK, 2000). O critério de
distinção baseia-se na posição social dos agentes envolvidos. Desse modo, há as
seguintes modalidades do capital social:
a) "Bonding social capital": envolve os vínculos entre agentes de mesma
posição. São os grupos homogêneos, voltados "para dentro", nos quais as
identidades dos membros são reforçadas. Essa "supercola sociológica",
nas palavras de PUTNAM (2000, p.23), cria um ambiente de lealdade e
reciprocidade entre os membros, sendo útil, especialmente, para a
resolução de problemas de ação coletiva e para o apoio mútuo intragrupo.
Este conceito está relacionado com conceito de �laços fortes� de
GRANOVETTER (1973 e 1974). A força de uma conexão social é
definida como uma combinação do tempo, intensidade emocional,
intimidade e serviços recíprocos que a caracterizam (GRANOVETTER,
1973, p.1361). Círculos familiares, de amizade ou de comunidades
fechadas e voltadas para si são característicos desses strong ties.
b) "Bridging social capital": reporta-se aos laços fracos entre agentes de
grupos sociais distintos. São as relações sociais mais distantes que
trespassam as fronteiras sociais, e as virtudes cívicas se mostram mesmo
entre pessoas com distintas situações demográficas, étnicas ou
ocupacionais. Trata-se de um "óleo lubrificante social" - "a sociological
WD-40" (PUTNAM, 2000, p. 23). As informações sobre o
comportamento de outros agentes e oportunidades disponíveis fluem
através do capital social do tipo bridging. Quando essa modalidade de
capital social é abundante, tem-se uma sociedade fluida e integrada, na
31
qual, por exemplo, a despeito das diferenças sociais, pobres e ricos
confiam uns nos outros e compartilham informações.
c) "Linking social capital": refere-se às ligações verticais entre os pobres e
pessoas em postos de decisão em organizações formais. Nas palavras de
WOOLCOCK (2001): �The capacity to leverage resources, ideas and
information from formal institutions beyond the community is a key
function of linking social capital�. Comunidades em que há fartura desse
tipo de capital têm governos permeáveis às demandas oriundas dos
estratos inferiores da pirâmide social (WOOLCOCK, 1999 e WORLD
BANK, 2000).
A literatura que relaciona capital social e redução de pobreza afirma que,
especialmente nos países atrasados, os mais desfavorecidos têm acesso a fartos
estoques de bonding social capital, pouco bridging e quase nenhum linking
(WOOLCOCK, 1999). Ou seja, a coesão entre os pobres fornece-lhes apoio mútuo,
mas dificulta a fluidez social em sentido vertical; o governo costuma ser mouco às
suas demandas.
Se analiticamente a distinção entre os diferentes capitais sociais é clara, em
termos empíricos, a fronteira não é tão nítida. Por exemplo, as reuniões semanais de
oração em uma igreja congregam pessoas que compartilham a mesma fé, mas podem
incluir pessoas de origens sociais distintas. Assim, em um sentido, tem-se capital
social bonding (pessoas com crenças semelhantes), enquanto, noutro entendimento,
pode-se apontar que as reuniões religiosas compõem o capital social bridging, uma vez
que transcendem as diferenças de status (PUTNAM, 2000, p.23).
2.4. CRÍTICAS AO CAPITAL SOCIAL
Existem dois tipos básicos de críticos ao capital social: aqueles que
questionam apenas a escolha do termo, mas concordam com as hipóteses básicas e os
32
procedimentos dos pesquisadores sobre o tema; outros, mais radicais, que questionam
todo o ramo de pesquisa.28
As análises de ARROW (2000), SOLOW (2000) e BOWLES e GINTIS
(2000) são características do primeiro tipo de crítica. ARROW (2000, p.4) percebe que
falta ao social capital uma característica essencial do �capital�: ser decorrente do
sacrifício presente consciente visando às satisfações futuras. Já SOLOW (2000, p.5)
define �capital� como um �stock of produced or natural factors of production that can
be expected to yield productive services for some time�. Sua crítica é empírica: diz que
não se pode mensurar um estoque de capital social, sendo, portanto, impossível
calcular sua taxa de retorno. BOWLES e GINTIS (2000) sugerem o termo �community
governance� em substituição ao social capital, por perceberem que esse último, por
descrever relações entre agentes, não pode ser associado a direitos de propriedade.
Falta-lhe, conseqüentemente, uma das características essenciais do �capital�.
Antes de tudo, deve-se que admitir que o problema da definição do conceito
de capital, mesmo físico, segue presente na Ciência Econômica. Basta lembrar que a
Controvérsia do Capital terminou mais por exaustão dos combatentes dos dois lados
do Atlântico do que pela chegada a um consenso. Mesmo as críticas de Arrow, Solow,
além de Bowles e Gintis mostram essa divergência: cada um dos economistas criticou
o capital social por lhe faltar um atributo �essencial� distinto. Isso por si só mostra os
problemas da posturas essencialistas. O capital humano e até mesmo o físico teriam
que ser descartados se lhes fosse exigido o mesmo rigor que se pede ao capital social.
O capital social é definido pela sua função (COLEMAN, 1988). É o caráter
produtivo de características sociais que faz com que sejam associadas ao conceito de
capital.29 Essa aparente tautologia está presente também em outras formas de capital.
28 WOOLCOCK (2000) apresenta outras críticas ao programa de pesquisa em capital social e as refuta.
29 Reforça-se o alerta feito na Introdução de que esse tipo de postura só é adequado nos limites desse trabalho.
33
Um martelo feito de papel, mesmo que resultante de sacrifício de satisfação presente e
apropriado individualmente, só é capital físico se gerar (ou ao menos houver uma
expectativa de gerar) um retorno futuro. No mesmo sentido, investir na aquisição de
uma habilidade de, por exemplo, piscar freneticamente os olhos não poderia ser
chamada de acumulação de capital humano. PUTNAM (2000, p. 22) lembra que,
apesar de os capitais humanos e físicos estarem associados às atividades produtivas
para a sociedade, isso nem sempre é verdade. Um terrorista usa capital físico, humano
e, por vezes, social para alcançar seus objetivos. Esses casos, contudo, são marginais e
o conceito de capital está indelevelmente associado a atributos produtivos.
Para um exemplo de crítica mais radical ao programa de pesquisa sobre
capital social, tome-se o texto de Ben FINE (2000)30. Ele considera que há um novo
imperialismo econômico sobre as ciências sociais e lista cinco preocupações básicas
com relação ao capital social:
i) �its ready acceptance as both analytical and policy panacea.
ii) �even those who are not using the term for the first time accept that it is
difficult to define.
iii) �social capital has a gargantuan appetite. On the one hand, it can
explain everything from individuals to societies (�) On the other hand,
social capital has been deployed across theories and methodologies as
diverse as postmodernist Marxism and mainstream neoclassical
economics. Everything can be interpreted through or as social capital. It
is truly the academics� Third Way!
iv) � As much of the critical literature has observed, contributions to social
capital have tended to focus on civil society and its associational forms
and ethos in isolation from, and exclusive of, serious consideration of the
economy, formal politics, the role of the nation-state, the exercise of
30 Posteriormente, o autor dedicou todo um livro à crítica da abordagem do capital social (FINE, 2001).
34
power, and the divisions and conflicts that are endemic to capitalist
society, at both national and international levels.
v) �very terminology of social capital signifies its weaknesses. That the
notion "social" needs to be attached to capital to mark a distinct category
of the latter is indicative of the failure to understand capital as social in
its more mundane economic, putatively non-social, form.
As críticas i e iii são apenas reações ao sucesso do conceito de capital social.
O fato de uma nova abordagem cruzar barreiras entre diversas linhas teóricas e ter
ampla aceitação não é razão suficiente para desqualificá-la. Curvas de oferta e
demanda foram aplicadas por uma vasta gama de economistas na análise das mais
diversas situações, mas nem por isso devem ser desprezadas. A crítica ii tem alguma
pertinência à primeira vista. O número de definições operacionais de capital social é
tão grande quanto o número de objetivos dos pesquisadores. Não deveria ser assim?
Justamente pelo seu almejado alcance explicativo, adaptações no conceito devem ser
feitas para que se capturem as diferenças entre as diversas sociedades, níveis analíticos
e momentos históricos sob escopo. A quarta consideração esquece que a teorização é
sempre uma tarefa de abstração; ao mesmo tempo em que se recorta da realidade
alguns elementos de interesse, outros são deixados de fora. Qualquer outra abordagem
incorre na mesma limitação. Por fim, a crítica v é externa, isto é, o conceito é
criticado, a partir de uma outra abordagem, exatamente por não seguir os cânones
dessa última.
O conceito de capital social é uma metáfora31. E não há nada de errado nisso,
uma vez que, a partir de uma abordagem retórica, todos os conceitos em Economia
também o são. No mundo concreto, não existem mãos invisíveis, utilidade, nem capital
humano. Contudo esses conceitos são metáforas poderosas para a reflexão acerca do
mundo econômico. Como McCLOSKEY (1983) argumentou, uma boa metáfora cria
31 BURT (2000) e ADLER e KWON (2000) também percebem o capital social como uma metáfora.
35
associações entre esferas até então distintas, ampliando a capacidade analítica e nos
surpreendendo com novas implicações32. Quando se percebe que as habilidades
produtivas adquiridas pelos indivíduos guardam tantas semelhanças com o capital
físico que podemos chamá-las de capital humano, abrem-se novas possibilidades de
análise. Da mesma forma, ao se aceitar que certas características da estrutura social
têm impactos produtivos e podem ser nomeadas capital social, muda-se a forma de ver
os problemas econômicos.
A história do pensamento econômico mostra que a aceitação de um conceito
pouca relação tem com uma suposta pureza metodológica. Conforme aponta
CALDWELL (1985), é a qualidade do trabalho que faz um programa de pesquisa se
consolidar ou naufragar e não possíveis falhas apontadas pelo metodologista de
plantão. Assim, se o conceito de capital social será incorporado, ou não, à Ciência
Econômica, dependerá mais da sua capacidade de gerar pesquisas empíricas relevantes
do que de exaustivos debates metodológicos.
32 As metáforas exigem do leitor uma certa �suspensão da descrença�, haja vista que sempre existem limites. MCCLOSKEY (1983, p. 503) exemplifica que a metáfora de crianças como bens duráveis, feita por Gary Becker, ilumina fatos interessantes (crianças tem custos altos iniciais, geram utilidade ao longo do tempo, depreciam lentamente,...), mas não pode ser expandida além de certo ponto. Se não forem respeitados esses limites, chegar-se-á a absurdos como: �crianças, tal como bens duráveis, não são objetos de afeição e preocupação� ou �crianças, como bens duráveis, não têm opinião própria�. Muitas das críticas ao capital social supracitadas decorrem da ultrapassagem dos limites da metáfora.
36
3. CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO
3.1. CANAIS DE CONEXÃO ENTRE CAPITAL SOCIAL E DESEMPENHO
ECONÔMICO
3.1.1. Capital Social como Fator de Produção
Uma das primeiras intuições sobre o capital social consiste em vê-lo como
um argumento adicional na função de produção, juntamente com os outros fatores.
Enquanto capital, ele é produtivo por gerar um fluxo de rendimentos aos indivíduos e
sociedades que o possuem.
Do mesmo modo que as máquinas e as habilidades humanas não são
totalmente maleáveis, algumas formas de capital social estão associadas a atividades
produtivas específicas. Por exemplo, uma regra para a gestão de recursos comuns
talvez só possa ser utilizada para um problema único. Um ambiente pleno de
confiança, por outro lado, abre um leque de possibilidades mais amplo, pois se tem um
recurso aplicável na solução de uma vasta gama de problemas.
Alguns autores apontam que a acumulação de capital social, ao contrário do
capital físico, não se baseia em sacrifícios presentes visando a ganhos futuros.
Segundo ARROW (2000), isso é suficiente para que se questione o uso do termo
"capital" na representação das características institucionais em questão. Essa visão não
é consensual na bibliografia. GLAESER et al. (1999) e STIGLITZ (2000) consideram
que os indivíduos dedicam tempo e esforço para a constituição de suas redes sociais.
Mesmo que não intencionalmente, haveria um investimento em capital social e,
portanto, uma taxa de retorno. Um traço com o qual os pesquisadores concordam
refere-se ao fato de que o capital social não se deprecia com o uso; pelo contrário, a
recorrência na utilização das interações o mantém (OSTROM, 1997, 2000).
37
Apesar das diferenças quando comparado aos outros "capitais", PALDAM e
SVENDSEN (1998) cogitam a inclusão do capital social diretamente como um fator
na função de produção. Em termos gerais, ter-se-ia a função abaixo com os fatores de
produção capital físico (K), trabalho (L), capital humano (H) e o capital social (Q):
Y=F (K, L, H, Q) onde ∂Y/∂Q>0 e ∂2Y/∂Q2<0 (1)
WHITELEY (2000) também segue esse procedimento e adapta o modelo de
MANKIW, ROMER e WEIL (1992), acrescentando o capital social em uma função de
produção Cobb-Douglas. Parece adequada a sugestão de que capital social esteja
também sujeito a rendimentos decrescentes, contudo seria imprudente impor, a priori,
uma forma funcional específica. Conforme se verá a seguir, são diversas as maneiras
pelas quais o capital social pode se relacionar com as outras variáveis envolvidas na
função de produção.
3.1.2. Capital Social e Produtividade Total dos Fatores
Outra visão freqüente da relação entre o capital social e o crescimento
econômico dá-se através da produtividade total dos fatores. O capital social não seria,
portanto, um fator produtivo strictu sensu; assemelhar-se-ia mais à tecnologia do que a
outros tipos de capital. Robert SOLOW (2000, p.7), ao criticar a utilização da
expressão "capital social", afirma:
Such things as trust, the willingness and capacity to cooperate, the habit of contributing to a common effort even if no one is watching- all these patterns of behavior, and others have a payoff in terms of aggregate productivity.
Em termos formais e omitindo a tecnologia, ter-se-ia o seguinte
(DASGUPTA 2000, PALDAM e SVENDSEN, 1998):
Y= Q. F (K, L, H) , onde Q>0 (2)
38
Nessa especificação, um acréscimo no estoque de capital social elevaria a
função de produção da forma equivalente ao progresso técnico. Ou seja, com o mesmo
estoque de capital humano e físico, trabalho e tecnologia, seria possível produzir uma
quantidade maior de bens e serviços.
Tal efeito estaria relacionado a uma utilização mais eficiente dos recursos
produtivos promovida pelo capital social, na forma da confiança entre os agentes. Há
de se ressaltar que essa idéia não é nova; AKERLOF (1970) e ARROW (1974)
anteciparam essa visão adotada pelos teóricos do capital social. Esse último ressalta,
implicitamente, o papel da confiança na redução dos custos de transação e suas
peculiares características:
Trust is an important lubricant of social system. It is extremely efficient; it saves a lot of trouble to have a fair degree of reliance on other people's word. (...) Trust and similar values, loyalty and truthtelling, are examples of what the economist would call "externalities". (...) they increase the efficiency of the system, enable you to produce more goods or more of whatever values you hold in high esteem. But they are not commodities for which trade on open market is technically possible or even meaningful. (ARROW, 1974, p. 17)
No mesmo sentido, afirma o próprio PUTNAM (2000, p.21): "Trustworthiness
lubricates social life."
Como se sabe, a presença de assimetrias e imperfeições informacionais abre
espaço para comportamentos oportunistas (no sentido de WILLIAMSON, 1985).
Quando os agentes são guiados pela maximização míope surgem os fenômenos de
desvio moral e seleção adversa, os quais podem ser evitados através da alocação de
recursos para a elaboração e monitoramento dos contratos. Se esses custos de
transação forem por demais vultosos, tais mercados podem desaparecer ou nunca se
formar.
Vale notar que a especificação da função de produção acima proposta supõe
que o produto e o capital social guardam uma relação linear e que este último é
exógeno (PALDAM; SVENDSEN, 1998). Provavelmente, esse tipo de visão é
adequado para pequenas variações da renda e curtos períodos de tempo. STIGLITZ
39
(2000) imaginou um padrão mais complexo de interação entre o capital social e o
desenvolvimento econômico no longo prazo. Quando os mercados estão se formando,
o capital social intervém para resolver questões alocativas e distributivas. Nessas
situações, reputação e controle do grupo restringem comportamentos socialmente
indesejáveis. Em economias mais avançadas, esse tipo de capital social pode ser
substituído por um sistema judiciário eficaz, que desobrigue o recurso às redes sociais.
Assim, a relação entre o componente das regras de conduta informais impostas pelo
grupo e o desenvolvimento teria um formato de "U" invertido. Ainda segundo Stiglitz,
nas sociedades capitalistas avançadas, o capital social toma outra forma,
reestruturando-se na forma de conhecimento tácito (tacit knowledge), o que
incrementa a eficiência dos mercados e das organizações.
3.1.3. Capital Social e Capital Humano
COLEMAN (1988), em um dos papers seminais do programa de pesquisa de
capital social, identificou a relevância de tal variável para a obtenção de capacidades e
qualificações que elevam a produtividade do trabalho humano. A partir de dados
estatísticos norte-americanos, ele apontou que, quanto mais integrada uma sociedade e
mais densos os laços entre pais e filhos, maiores serão os indicadores do capital
humano. No Brasil, o estudo de LEIPZINGER et al. (1997) identificou uma relação
direta entre as proxies do capital social nos municípios mineiros e o desempenho de
seus alunos em testes padronizados no ano de 1994.
KNACK e KEEFER (1997) apontam outras conexões entre o capital social e
o humano. Com base em GALOR e ZEIRA (1993), eles argumentam que, numa
sociedade em que reina a confiança, os pobres participam nos níveis não-básicos da
educação- em que os custos de oportunidade do estudo são mais elevados- uma vez
que podem ter acesso ao mercado de crédito. Outra razão seria que os retornos
esperados da escolaridade seriam mais altos nessas sociedades devido à menor
discriminação no mercado de trabalho contra os que não estão conectados pelos
40
"laços" fortes. Finalmente, o capital social, por melhorar a qualidade do governo como
um todo, tende a incrementar também a qualidade das escolas públicas.
Em outros estudos, o capital social é visto como um atributo individual e, em
certo sentido, compõe o capital humano de cada agente. A idéia é que a rede de
conexões sociais é um ativo que gera benefícios principalmente individuais. BECKER
(1996) e GLAESER et al. (1999) seguem essa orientação e aplicam a racionalidade
econômica a relações sociais: o agente investe em relacionamentos visando aos ganhos
privados futuros.33
DASGUPTA (2000) concilia as visões díspares a respeito dos caráteres
público e privado do capital social. Ele considera que as redes sociais geram
externalidades positivas, mas também contribuem para o capital humano na medida
em que os benefícios privados são incorporados no valor econômico de cada agente. O
capital social entraria duas vezes na função de produção: implicitamente, como
componente do capital humano; e como um "Q" da equação 2 antes apresentada.
Resumindo-se o debate: o capital social contribui para a acumulação de capital
humano por tornar mais eficiente o processo educacional, elevar os retornos privados
da escolaridade e também por, diretamente, valorizar o capital humano dos agentes
participantes de uma rede de conexões.
3.1.4. Capital Social e Investimento em Capital Físico
Testes empíricos cross-section sugerem que os países com maior intensidade
de capital social teriam uma maior taxa de acumulação de capital físico (KNACK e
KEEFER, 1997). Foi estimado que um aumento de sete pontos percentuais na
confiança (medidas através de pesquisas de opinião em trinta países) resultaria em um
incremento de um ponto percentual no quociente investimento/PIB.
33 No experimento de GLAESER et al. (1999), os indivíduos com maiores estoques de capital social obtiveram retornos monetários privados mais elevados. NARAYAN e PRITCHETT (1999), a partir de uma amostra obtida na zona rural da Tanzânia, alcançaram resultados semelhantes.
41
ZAK e KNACK (1998) apresentam os microfundamentos formais que
mostram a relação direta entre a confiança e a taxa de acumulação. Os agentes
maximizam sua utilidade ao longo da vida, mas têm que escolher o esforço ótimo em
investigar a honestidade de seus brokers. Com o auxílio das hipóteses usuais, chega-se
ao resultado de que sociedades desiguais e com poucas instituições formais ou
informais para combater o oportunismo apresentam níveis altos de diligência ótima e
baixas taxas de acumulação de capital físico. As diversas especificações econométricas
testadas pelos autores para uma amostra de países desenvolvidos e subdesenvolvidos
corroboram as conclusões do modelo formal.
Outro canal de conexão entre o capital social e o investimento se daria, de
acordo com KNACK e KEEFER (1997), através das políticas econômicas. Em
sociedades em que a confiança é generalizada, inclusive quanto ao governo, suas
promessas no tocante à gestão macroeconômica são mais críveis e, portanto, mais
eficazes. Em um ambiente mais previsível, as decisões de investimento se baseiam em
um horizonte temporal mais alongado do que em sociedades com políticas públicas
erráticas.
3.1.5. Capital Social e Inovação Tecnológica
Intuitivamente, é clara a relação entre o capital social, no sentido da
confiança, e a inovação tecnológica: se o empresário inovador não necessita ocupar-se
do combate ao oportunismo de seus parceiros, empregados e fornecedores, ampliam-se
os recursos disponíveis para as atividades inovadoras (CLAGUE, 1993).
FUKUYAMA (1999) elabora esse ponto ao comentar que, na Nova Economia, a
confiança tem papel fundamental para a inovação, pois, na sua ausência, as empresas
reduziriam os gastos em pesquisa e desenvolvimento (ou aumentariam os gastos em
monitoramento), temerosas de que seus empregados se apropriassem privadamente dos
resultados obtidos.
42
Formas mais elaboradas da relação entre capital social e inovação
tecnológica têm sido identificadas pelos pesquisadores ligados à área de Economia
Regional. A farta literatura sobre os distritos industriais marshallianos, geradores de
economias externas de escala, evoluiu para o debate na questão da inovação.34 Nessa
linha de pesquisa, destaca-se a importância da confiança para o bom funcionamento
dos distritos. Em um ambiente no qual cada empresa supõe que os outros agirão de
forma oportunista, as vantagens potenciais da cooperação são limitadas, restando
apenas algum transbordamento do conhecimento.
Os estudos sobre os Sistemas Regionais de Inovação (SRI), que, grosso
modo, seriam distritos industriais nos quais a pesquisa e desenvolvimento ocupam
posição central, reforçaram a importância das redes sociais e da confiança mútua para
o seu funcionamento. Vale notar que o próprio MARSHALL (1982, p.234) já afirmava
que, nos distritos, além da rápida difusão dos "mistérios do comércio", as "novas idéias
são assimiladas por outros e combinadas com sugestões próprias; assim elas se tornam
fonte de muitas novas idéias".
Economias com sólidas dotações de capital social apresentariam fluxos de
informação acerca das mudanças nos mercados, oportunidades e tecnologias de melhor
qualidade do que economias pouco integradas ou mesmo baseadas em uma forma
hierárquica (COOKE; MORGAN, 1998). A cooperação entre empresas também
soluciona os problemas de coordenação da pesquisa e desenvolvimento de produtos e
projetos, ou mesmo a solução de problemas de ação coletiva relacionados com o
financiamento das inovações. Os SRI apresentariam o melhor dos mundos: a
competição entre as firmas traria os benefícios conhecidos, enquanto a cooperação
ampliaria as capacidades inovadoras da região.
O Vale do Silício tem sido apontado como arquetípico de um SRI baseado
no capital social. Conforme argumentou SAXENIAN (1994), seu notável desempenho
34 Ver BENKO e LIPIETZ (1994) para uma síntese do debate sobre os distritos industriais.
43
econômico se baseia em uma densa rede que inclui firmas, universidades, institutos de
pesquisa e setor público. É interessante notar que mesmo no setor de alta tecnologia, a
dimensão espacial tem se mostrado fundamental para a formação dessas redes. A
explicação talvez esteja no fato de que as novas tecnologias de comunicação não
podem (ao menos por enquanto) reproduzir o tipo de interação informal, face a face,
que promove a formação de relações de confiança e cooperação entre os agentes
(FOUNTAIN, 1997).35
3.1.6. Capital Social e Estado
A relação entre qualidade das políticas públicas e instituições
governamentais com o crescimento econômico está bem assentada em fundamentos
teóricos e empíricos. Um passo de pesquisa mais profundo consiste em averiguar quais
são os determinantes da qualidade dessas instituições. Para tornar endógena essa
variável, a pesquisa empírica voltou-se para características mais persistentes dos
países, como colonização, religião, tradição legal, entre outras (LA PORTA et al.,
1998)
Putnam atribui uma relação unívoca dos valores cívicos de uma sociedade e
a qualidade de seu governo. Mesmo reconhecendo que existem causalidades circulares
que geram dependências da trajetória (path-dependencies), ele afirma, com base em
sua observação dos processos de descentralização governamental em meados da
década de 1970 na Itália, que foram as regiões intensas em capital social que
apresentaram melhores indicadores de desempenho governamental. PUTNAM e
HELLIWELL (1995) apresentam evidências econométricas que corroboram essa
35 Outro exemplo envolve uma comunidade diametricalmente oposta, em todos os sentidos, ao Vale do Silício. SMALE e RUTTAN (1997) identificaram o capital social das comunidades Naam, em Burkina Faso, como responsável pela inovação tecnológica na construção de diques.
44
hipótese. O mecanismo subjacente que garante tal relação entre participação cívica e
bom governo é o seguinte:
On the demand side, citizens in civic communities expect better government and (in part through their own efforts), they get it. They demand more effective public service, and they are prepared to act collectively to achieve their shared goals. (...) On the supply side, the performance of representative government is facilitated by the social infrastructure of civic communities and by the democratic value of both officials and citizens. (PUTNAM, 1993, p. 182)
Putnam explicitamente contradiz a hipótese de que as organizações sociais
reduziriam a eficácia da ação estatal, ou seja, que uma sociedade "forte" redundaria em
um Estado "fraco". Em termos simplificados, a conexão causal que o autor esboça
parte do capital social para o bom governo e, então, para o crescimento econômico.
Peter EVANS (1996), por sua vez, apresenta uma visão mais otimista das
relações entre o capital social e as ações públicas. Atento aos problemas de
desenvolvimento do Terceiro Mundo, Evans se fixa em algumas experiências bem
sucedidas de intervenção pública para ilustrar as possibilidades sinérgicas entre o
Estado e a Sociedade. De acordo com o autor, existem duas formas gerais mutuamente
não-excludentes pelas quais a organização da sociedade pode contribuir para a ação do
governo e vice-versa: a complementaridade e o "enredamento" ("embeddedness"). No
primeiro caso, o Estado fornece bens que não podem ser oferecidos pelos agentes de
forma eficiente. Estariam incluídos nessa categoria desde os bens tangíveis (como bens
de capital para a irrigação em Kerala, Nepal) até o ambiente institucional que garanta a
liberdade de associação e o cumprimento das leis.
O "enredamento" das relações entre a sociedade e o Estado refere-se aos
laços que ligam os cidadãos e os agentes da intervenção pública. Uma ilustração
adequada dessa relação foi feita por MOORE (1989 apud EVANS, 1996, p. 1121) ao
tratar da eficiente gestão de recursos hídricos em Taiwan, onde os servidores púbicos
responsáveis estavam tão ligados à sociedade local que se preocupavam com o juízo
desta sobre seus desempenhos na função. Também nos casos relatados por Evans, a
participação de tais funcionários contribuiu para o envolvimento da sociedade nos
45
projetos. A fronteira entre o servidor público e o membro da comunidade se dissolve,
mas não há as perdas causadas pelas atividades de rent-seeking.
O otimismo de Evans provém do fato de que diversas experiências bem
sucedidas no Terceiro Mundo ocorreram em localidades onde a dotação de capital
social era baixa. Nesses lugares, antes da introdução dos projetos de desenvolvimento,
nada havia de semelhante com as comunidades cívicas do Norte da Itália celebradas
por Putnam. Um fenômeno também surpreendente consiste em que, muitas vezes, as
iniciativas partiram de governos que têm seu apoio político nas tradicionais elites
locais. A evidência sugere que, mesmo nessas situações, grupos reformistas dentro da
oligarquia estatal podem implementar projetos de pequena escala que promovem a
acumulação de capital social.
Em suma, para Putnam, o estoque de capital social acumulado a longuíssimo
prazo condiciona a qualidade do setor público. Já Evans aponta os caminhos pelos
quais intervenções governamentais contribuem para a ampliação do capital social
através de relações sinérgicas, mesmo em sociedades anteriormente pouco
participativas.
3.1.7. Capital Social e Saúde
ARORA (2001), em um trabalho econométrico cuidadoso, buscou identificar
o efeito da melhoria da saúde na taxa de crescimento da renda per capita. Tomando o
caso de dez países industrializados na última centena de anos, ele estimou que os
avanços na saúde são responsáveis por um aumento de 30 a 40% do ritmo de
crescimento dessas economias. A idéia subjacente é que melhorias no bem-estar físico
geram ganhos de produtividade.36
36 Ver STRAUSS e DUNCAN (1998), para um survey da literatura sobre o tema.
46
A bibliografia já oferece evidências empíricas de que o capital social, por si
só, gera melhorias na saúde das sociedades.37 Saúde mental de crianças (ALBERS,
2001), expectativa de vida (KAWACHI et al., 1997) e até mesmo a gripe comum
(COHEN et al., 1997) já foram relacionados com o capital social. Os níveis analíticos
variam de indivíduos até regiões como um todo (ROSE, 2000, e KAWACHI;
KENNEDY, 1999, respectivamente). KAWACHI, KENNEDY e GLASS (1999, p.
1190) examinam os caminhos através dos quais o capital social influi na saúde dos
indivíduos. O capital social promoveria: a) a melhor difusão da informação e das
inovações relativas à saúde; b) um controle maior sobre práticas desviantes; c) um
melhor acesso às instalações médicas públicas; d) o reforço à auto-estima dos
indivíduos. Mecanismos psicossociais reforçariam a resistência a doenças.38
Estabelecida a relação causal entre capital social e saúde e entre saúde e
crescimento econômico, logo se tem uma conexão indireta, é claro, entre o primeiro e
o último desses elementos. Contudo ainda não existem trabalhos acadêmicos que
examinem essas relações de forma integrada.
3.2. TIPOS DE CAPITAL SOCIAL E MECANISMOS DE CRESCIMENTO
A maior parte da literatura sobre capital social foi elaborada antes que os
conceitos de bridging, bonding e linking social capital fossem assimilados pela
literatura. Assim, a bibliografia acerca dos mecanismos que levam do capital social ao
crescimento econômico não os relacionou com tal tipologia. Tendo em vista os
presentes objetivos, vale a pena explicitar, ao menos teoricamente, quais são as formas
de capital social envolvidas em cada nexo causal com o crescimento.
37 HAWE e SHIELL (2001) apresentam um survey sobre o tema; já FORBES e WAINWRIGHT (2001) o criticam.
38 PUTNAM dedica um capítulo a essa relação entre capital social e saúde (2000, p.326-335).
47
O capital social do tipo bonding, apesar de ter um alcance mais restrito,
cumpre funções relevantes para o bem-estar de uma sociedade. Nas palavras de
PUTNAM (2000, p.22):
Bonding social capital is good for undergirding specific reciprocity and mobilizing solidarity. Dense networks in ethnic enclaves, for example, provide crucial social and psychological support for less fortunate members of the community, while furnishing start-up financing, markets, and reliable labor for local entrepreneurs.
As associações de crédito rotativo se apóiam nesses laços fortes (BESLEY;
COATE; LOURY, 1993). É a extrema confiança que os membros de uma comunidade
coesa depositam uns nos outros que garante o seu funcionamento, evitando o
comportamento oportunista. O grau de proximidade entre os sócios faz com que eles
contribuam porque esperam retribuição em um momento posterior. Grupos fechados
podem resolver outros problemas de ação coletiva, como, por exemplo, compartilhar
máquina e equipamentos ou gerenciar recursos comuns.
Contudo, apesar desses efeitos benéficos, os resultados do capital bonding
sobre o desempenho econômico têm alcance limitado. A confiança, quando se está em
um grupo mais fechado, não é generalizada, dá-se apenas pelos membros do grupo.
Muitas vezes, os recursos necessários podem estar em agentes que não fazem parte dos
strong ties. Ainda pior, a intensidade desses vínculos pode levar ao isolamento de seus
membros do restante da sociedade. Um gueto de agentes cooperativos é melhor do que
um de agentes isolados, mas não deixa de ser um gueto. WOOLCOCK (1999),
baseado em estudos empíricos, argumenta que, para comunidades de imigrantes, o
capital social bonding tem uma forte importância inicial para o recém-chegado, mas, a
partir um certo momento, incrementos de bem-estar tendem a ocorrer para aqueles
membros que se distanciam de sua comunidade étnica e formam contatos com grupos
diferentes.
Quanto à formação de capital humano, os efeitos do capital social bonding
também são limitados. Havendo discriminação entre os membros do grupo no restante
da sociedade, perdem-se os incentivos para o investimento em educação, uma vez que
48
os retornos futuros serão limitados. É fácil perceber, no mesmo sentido, que o
isolamento de um grupo social intensamente conectado em seu interior cerceia uma
alocação eficiente de recursos e a difusão de novas tecnologias.
Muitas das críticas sofridas pela pesquisa sobre capital social decorreram de
estudos que mostravam as conseqüências perversas que certas redes sociais poderiam
gerar para os seus membros, ou mesmo para os que estão fora da rede (RUBIO, 1997;
PORTES e LANDOLT, 1996). A maior parte desses bem fundamentados ataques
estava direcionada para certas modalidades e intensidades do que hoje se considera
capital social bonding. Afinal, até mesmo o �familismo amoral� identificado por
BANFIELD (1958) poderia ser entendido como um tipo patológico do capital social
tipo bonding39. Enfim, parodiando Granovetter, evidencia-se, assim, a fraqueza dos
laços fortes40.
O capital social bridging não sofre as ambigüidades do capital social do tipo
bonding. Seus reflexos são sociedades em que reina a reciprocidade generalizada e a
confiança é mais geral. Além disso, emergem todas as vantagens econômicas
decorrentes de um fluxo mais fluido de informações. A distinção entre os efeitos do
capital social bridging (laços fracos) e do bonding (laços fortes) em uma esfera micro
é sintetizada por Putnam:
Strong ties with intimate friends may ensure chicken soup when you�re sick, but weak ties with distant acquaintances are more likely to produce leads for a new job. (PUTNAM, 2000, p. 363)
Em termos mais macro, também é fácil perceber que os mecanismos que
tornam o capital social produtivo são mais efetivos na presença do tipo bridging do
39 Banfield define o familismo amoral como a seguinte regra de conduta: �Maximize the material, short-run advantage of the nuclear family, assume that all other will do likewise� (BANFIELD, 1958, p. 85)
40 PUTNAM (2000, p. 362) questiona se o bonding social capital seria um second-best do bridging e reflete sobre os riscos de uma ênfase excessiva no primeiro tipo levar a uma sociedade mais dividida.
49
que na do tipo bonding. No tocante ao capital social linking, por sua própria natureza,
seus efeitos benéficos se dão através das melhorias da qualidade das políticas públicas.
Interpretando-se as contribuições de PUTNAM (1993) à luz da tipologia em questão,
pode-se afirmar que ele supõe que os capitais sociais bridging e bonding promoveriam
o linking. As virtudes cívicas desenvolvidas pela sociedade fariam com que os
cidadãos demandassem uma melhor atuação estatal.
3.3. EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS E CAPITAL SOCIAL
Robert SOLOW (1995) argumentou que se, o capital social tivesse
importância para o desenvolvimento, isso deveria se mostrar de alguma forma nos
estudos de contabilidade de crescimento (growth account). Seria a tradicional teoria da
produção suficiente para explicar o desempenho econômico dos países? Onde estaria o
capital social?
A primeira pista é dada por Mancur OLSON (1982). Preocupado com o
problema da esclerose institucional, ele lembra que, na estimação da contribuição dos
fatores produtivos para o crescimento econômico, chega-se às suas causas próximas,
deixando ocultas as razões subjacentes que levam à acumulação de capital e à
inovação. Referindo-se aos estudos de growth account, OLSON (1982, p. 4) afirma:
"They do not trace the sources the growth to their fundamental causes; they trace the
water in the river to the streams and lakes from which it comes, but they do not explain
the rain."
Na verdade, o próprio SOLOW (2000) cogitou a possibilidade de que o
capital social seja a variável subjacente que alavanca o processo de crescimento, mas
não elaborou essa hipótese. DASGUPTA (2000, 2002) apontou soluções para o
mistério do capital social desaparecido. O experimento mental é o seguinte: imaginem-
se duas economias (1 e 2) com os mesmos estoques de trabalho (L) e capital (K) e
capacidade tecnológica. No momento inicial, supõe-se que a região 1 possui mais
50
capital social do que a 2 e que isso faz com que a primeira tenha também uma maior
produtividade total dos fatores. Em termos formais:
Yi=Qi F(Ki, Li), onde K1=K2, L1=L2, e Q1>Q2>0; i=1,2. (3)
Obviamente, Y1>Y2 já no momento inicial. Supondo-se as mesmas
características demográficas e uma taxa constante de poupança, é fácil ver que, em um
momento posterior, a economia 1 terá níveis de consumo e produção mais altos do que
a 2. Isso ocorrerá mesmo que o estoque de capital social (Qi) siga constante ao longo
do tempo. Ora, apesar da importância dessa variável institucional, um estudo dos
fatores de crescimento das duas sociedades mostraria que não há resíduo a ser
explicado. DASGUPTA (2002, p.33) explicita que, dessa forma, a crítica de SOLOW
(1995) não procede, haja vista que bastam diferenças nos níveis do capital social para
que se observem trajetórias divergentes de crescimento.41
A imobilidade física do capital social o diferencia das outras formas de
capital e isso é relevante para o entendimento da dinâmica do crescimento regional. Ao
contrário de outros fatores de produção que, ao menos em princípio, têm alguma
mobilidade, o capital social não pode migrar em busca de maiores taxas de retorno. A
não ser que todos os indivíduos de uma sociedade migrem de forma coordenada, cada
migração individual, caso acontecesse, geraria um rompimento de relações sociais com
depreciação do capital social do individuo e da sociedade que ele abandonou.
Na estimação dos efeitos do capital social para o crescimento das regiões
italianas, PUTNAM e HELLIWELL (1995) contornaram os problemas de
41 DASGUPTA (2000, p.394) lembra que, como PMgK1> PMgK2, a diferença entre as taxas de crescimento das duas economias seria ainda maior se fosse suposto que isso resultaria em uma taxa de poupança mais alta em 1 do que em 2. O autor ainda modela o capital social de duas formas distintas: como parte de um composto que inclui o capital humano e gera externalidades; e como um fator multiplicativo de um índice composto do capital humano e horas de trabalho. Em ambos casos mantêm-se as conclusões acerca da inobservância de um resíduo atribuível ao capital social.
51
especificação de uma forma funcional através da seguinte estratégia: assumem que as
diferenças entre o acesso aos fatores de produção e tecnologia são pequenas, ou ao
menos não são relacionadas com o capital social. Dessa forma, seus resultados devem
ser interpretados como indicando o efeito total do capital social sobre o produto per
capita por todos os canais anteriormente citados, sem identificação do papel de cada
contribuição direta, indireta ou decorrente da interação com os outros fatores. Os
resultados foram favoráveis à hipótese da relevância das dotações de capital social
para explicar as diferenças de desempenho econômico entre as regiões italianas no
período 1950-1990.42
Além de todas essas considerações empíricas, existem os problemas de
medida dos estoques de capital social. Isso não surpreende, haja vista que se busca
mensurar uma variável intangível e que qualquer proxy deve refletir a realidade
específica de cada sociedade. Uma mesma organização pode ter papéis completamente
distintos em cada caso. Putnam, por exemplo, exclui a participação na Igreja Católica
do seu indicador de capital social para a Itália, por considerá-la hierárquica, enquanto
NASCIMENTO (2000) mostrou que as Comunidades Eclesiais de Base, tiveram papel
central na formação das associações de trabalhadores rurais em Valente na Bahia.
Em diversos sentidos, o capital social está mais próximo do capital humano
do que do físico. Ele também é intangível, mas sua mensuração é mais difícil do que a
do capital humano, uma vez se mostra nas relações entre os indivíduos (COLEMAN,
1988; REQUIER-DESJARDINS, 2000). Apenas proxies podem indicar a sua
presença, contudo essas são ainda mais questionáveis do que usar a escolaridade média
para aferir o estoque de capital humano entre países.
42 SCHNEIDER, PLÜMPER e BAUMANN (2000) testaram a hipótese do impacto do capital social no crescimento econômico das regiões européias entre 1980 e 1996, com diversas variáveis de controle. Suas proxies foram pesquisas de opinião. A variável relacionada com o civismo teve o sinal esperado, porém a proxy de confiança teve efeitos estimados negativos, em oposição ao que sugere a teoria e outros estudos, como o de ZAK e KNACK (1998).
52
Os autores têm sido criativos na elaboração das proxies do capital social.
Algumas são bastante questionáveis, como o número de cervejas bebidas por semana
(GLAESER et al., 1999), outras são mais intuitivas, como o número de filiados a
associações43. A consciência de que não há, nem haverá, uma medida única do capital
social é um passo necessário para que os pesquisadores criem indicadores adaptados
ao seu objeto e à disponibilidade de dados. De qualquer forma, a recompensa do
esforço empírico é um melhor entendimento dos processos envolvidos, ao mesmo
tempo em que se revêem os pressupostos teóricos que fundamentam a linha de
pesquisa sob escopo.
3.4. DESIGUALDADE, CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO
O problema do pobre não é ser pobre. É ter amigo pobre.
(Atribuída a Adib Jatene. Elio Gaspari, Jornal do Commercio Recife - 18.04.99)
3.4.1. Desigualdade e Crescimento Econômico: Mecanismos Institucionais
A relação entre desigualdade e crescimento econômico é um dos temas mais
recorrentes e conflituosos da Ciência Econômica44. Antes de tudo, existe a questão da
direção da causalidade: o crescimento muda o perfil da distribuição de renda ou será
que esta influencia o ritmo do crescimento? Em seguida, argumentos teóricos e
evidências empíricas chocam-se entre os que identificam uma relação positiva entre a
43 Ben FINE (1999) aponta diversos problemas da medida do capital social e da estimação empírica de sua relação com o crescimento econômico. DURLAUF (2000) faz outras críticas na mesma direção. FOLEY e EDWARDS (1999) argumentam contra a utilização de pesquisas de opinião que tentam avaliar a confiança como proxy do capital social.
44 BAGCHI (1995, p. xix) cita que, sem surpresa, Adam Smith já argumentava que a propriedade mais igualitária da terra estava associada ao progresso econômico.
53
igualdade na distribuição da renda e o desempenho econômico, os que enxergam
exatamente o oposto ou os que pregam a existência do "U" invertido de Kuznets.
Como costuma acontecer em discussões desse tipo, o debate recai sobre a
qualidade dos dados e os métodos econométricos utilizados. FERREIRA (1999, p. 13),
contudo, em um amplo survey sobre a questão, conclui em favor de que não há trade-
off entre igualdade e desempenho econômico:
The inverted-U relationship between growth and inequality suggested by Kuznets has not survived recent empirical scrutiny terribly well. Instead, it is gradually being replaced by a perception that the main flow of causation may be in the other direction, with inequality hampering the rate and quality of economic growth.
FIELDS (2002, p. 69-70) adota uma posição distinta e sustenta que a
heterogeneidade das experiências de desenvolvimento é tamanha que não faz sentido
buscar uma relação geral entre desigualdade e crescimento. Considera, pois, que
estudos de caso e busca de alguns padrões são mais recomendáveis. Quer se aceite a
proposição de Ferreira, quer a de Fields, pode-se perguntar: quais são os mecanismos
institucionais, em sentido amplo, que fazem com que a desigualdade, mesmo em
experiências específicas, iniba o crescimento econômico a longo prazo?
Ferreira aponta três canais básicos de atuação:
i) Mecanismos distributivos: em sociedades desiguais, o fato de o eleitor
mediano ser relativamente pobre tende a gerar políticas fiscais
redistributivas que inibem o desenvolvimento. Seria, portanto, não a
desigualdade em si, mas sim a tentativa de reduzi-la que inibiria o
crescimento. Mesmo que esse modelo tivesse aderência para o caso
brasileiro, de qualquer forma ele não é adequado para análises regionais,
uma vez que a margem de manobra das políticas fiscais nesse âmbito é
bem menor do que na esfera federal.
ii) Imperfeições no mercado de crédito: quer por existir um montante
mínimo nos projetos, quer por problemas informacionais, os pobres não
tem o mesmo acesso aos créditos do que os ricos. Com isso, suas
54
capacidades produtivas são subutilizadas, e o país iníquo tende a crescer
mais lentamente.
iii) Conflito social: sociedades desiguais tendem a ser mais instáveis
politicamente e não se recuperam tão rapidamente de choques externos.
Mesmo sem referência explícita à expressão �capital social�, esses três
canais podem ser lidos como reflexos da sua carência. No primeiro caso, uma
sociedade mais integrada poderia tomar medidas de política distributiva que gerassem
pareto-incrementos; pactos negociados permitiriam melhorias na distribuição sem que
os localizados no topo tivessem perdas. Já na questão do mercado de crédito, a
confiança e os vínculos entre os agentes poderiam amenizar as distorções
informacionais que o caracterizam sociedades desiguais.
O terceiro canal apontado por Ferreira, o do conflito social, é ainda mais
próximo da abordagem do capital social. Aliás, autores dessa linha que anteriormente
não utilizavam tal conceito, como Easterly e Durlauf, passaram a aplicar essa
terminologia em seus trabalhos mais recentes45. Para que se examine esse canal com
maior atenção, tome-se o trabalho de EASTERLY (2000), "Middle Class Consensus",
como representativo dessa linha de pensamento.
Segundo o autor, o conflito social pode se basear em diferenças de renda
e/ou relacionadas com a heterogeneidade da população por características não-
econômicas, como etnia ou idioma. ALESINA e RODRIK (1994) e ALESINA e
PERROTI (1996), analisaram o primeiro tipo de desigualdade e destacam que, em
sociedades com pouca coesão social, os conflitos gerados por choques externos não
são absorvidos adequadamente. Sociedades estratificadas têm diversos grupos de
interesses com objetivos conflitantes. Especialmente em situações de crise, a
capacidade de que se chegue a um consenso para a execução das mudanças necessárias
45 Ver também EASTERLY (2000) RITZEN, EASTERLY, WOOLCOCK (2000), ISHAM et al. (2002).
55
é restrita. Os conflitos entre os grupos, além dos danos causados diretamente,
procrastinam as reformas que acelerariam o processo de desenvolvimento. Políticas
ruins são preservadas, porque grupos polarizados não conseguem chegar a um acordo,
devido à diferença de interesses, ou, mesmo havendo concordância sobre os objetivos,
cada grupo tenta fazer com que o(s) outro(s) segmento(s) incorra(m) nos custos46.
Na questão do conflito social não-econômico, a lógica é a seguinte:
sociedades étnica ou culturalmente divididas tendem a disputar o controle na provisão
de bens públicos. Ampla evidência empírica ao redor do globo mostra que grupos
étnicos no poder, muitas vezes deliberadamente, tentam restringir o acesso de outros
grupos a serviços sociais básicos. Políticas educacionais, por exemplo, voltadas apenas
para os moradores de áreas com características étnicas marcantes mantêm ou ampliam
as diferenças entre os grupos. EASTERLY (2000) identificou uma relação
econométrica inversa entre a fragmentação etno-linguística e a qualidade das políticas
e também das instituições (medidas pelos indicadores tradicionais).
Em suma, esses autores afirmam que sociedades mais homogêneas em
termos de renda ou etnia conseguem construir o tal �consenso da classe média�.
Tendem, portanto, a ter taxas de crescimento de longo prazo mais elevadas do que as
segmentadas. 47
3.4.2. Desigualdade e Formação do Capital Social
A questão aqui é examinar as razões que fazem com que sociedades
desiguais tendam a apresentar mais capital social bonding do que bridging. A forma
gráfica adotada para a exposição foi escolhida por ser a mais simples possível. Um
46 Ver também EASTERLY (2001, cap. 13).
47 Mecanismos mais próximos da esfera econômica não são tratados aqui. Por exemplo, a concepção de Celso Furtado de que a concentração de renda influencia a trajetória de crescimento devido ao perfil da demanda fica de fora da análise.
56
tratamento mais preciso também incluiria a questão da formação dos grupos de forma
semelhante a que foi feita por SCHELLING (1978), levando em conta a dinâmica de
entrada e saída dos agentes.
Suponha que os indivíduos tenham uma preferência por conviver com
pessoas de status social próximo ao seu, ou, em outros termos, elas têm desutilidade de
participar de grupos nos quais os integrantes estão distantes de seu próprio status.
Hipótese análoga foi feita por ALESINA e FERRARA (2000), mas seu modelo
considerava dois tipos de indivíduos e a distância dos indivíduos em relação ao centro
físico da associação. No presente caso, existe, contudo, um limite máximo de distância
entre um indivíduo qualquer e o indivíduo mediano da associação. Outras suposições
simplificadoras: todos os indivíduos são iguais nesse seu grau de tolerância; o status
social é função linear da renda; cada individuo só participa de um grupo.
Nesses termos, um indivíduo participa de um grupo j, se:
D < Si � Sm
D= diferença máxima de status suportável,
Si = status do indivíduo,
Sm = status do indivíduo mediano do grupo.
Uma suposição adicional é que quando podem participar de dois grupos,
escolhem pertencer àquele cujo membro mediano tenha um status mais alto. Ou seja,
eles preferem se identificar com uma associação de status maior, mesmo sendo um
membro de status relativamente inferior, a ser o membro de status superior em um
grupo inferior.
No eixo das abscissas estão os indivíduos indicados os percentis de status e,
nas ordenadas, os níveis absolutos de status.
57
FIGURA 3.1 - SOCIEDADE I - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS
Nesse caso, o segmento ab indica todos os indivíduos membros da
associação. Ficam de fora apenas os indivíduos extremamente pobres e os ricos. Os
nos níveis inferiores não estão na associação ou porque se consideram inferiores
demais em relação ao indivíduo mediano, ou porque nela não seriam bem-vindos. Os
mais ricos ficam igualmente de fora, porque julgam a associação popular demais em
relação ao seu próprio status. Nada impede que esses dois extremos também formem
suas próprias associações. Elas, entretanto, terão um caráter bem mais homogêneo do
que a abrangente associação de que estão de fora.
Suponha-se agora outra sociedade, com renda mais concentrada em que
existam duas classes bem mais claras. Ter-se-ia o seguinte:
100%a
S
b
Sm
0
D
58
FIGURA 3.2 - SOCIEDADE II - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS
Agora, haveria dois grandes grupos: um abarcando os indivíduos em posição
mais inferior até os segmentos médios (0c); outro, de menor tamanho, incluindo os
indivíduos situados à direita de d até os estratos mais superiores da população. Aqueles
situados entre c e d poderiam formar um grupo intermediário, se o número dos
membros superasse uma escala mínima.
O interessante nessa ilustração da relação entre associações e a distribuição
de renda é que todas as diferenças derivam do perfil desta e não de mudanças nos
graus de tolerância (D). Uma hipótese razoável é que sociedades estratificadas são
mais intolerantes com a diferença, o que, nesse caso, levaria à formação de grupos
ainda mais homogêneos.
Colocando essa questão nos termos da teoria do capital social, o perfil da
distribuição de renda juntamente com os níveis de tolerância condicionariam a
formação de capital social bridging ou bonding. Ceteris paribus, quanto mais
igualitária a sociedade, maior o caráter bridging das relações; uma estratificação maior
tenderia a gerar grupos, sem surpresa, também estratificados - Pontes longas não se
sustentam com longos vãos entre os pilares.
Essas diferenças podem ou não aparecer nas medidas de capital social de
acordo com o critério utilizado. Se for medido pelo número de associações ou mesmo
pelo percentual de associados, é possível que a sociedade II, mais desigual, apresente
100%c
Sm�
d
Sm
0
D
D
59
um nível de capital social mais alto do que a I48. Contudo é provável que os resultados
sejam distintos em uma pesquisa de opinião que meça capital social através de uma
pergunta como a feita pela World Values Survey: �Generally speaking, would you say
that most people can be trusted or that you can�t be too careful in dealing with
people? (NORRIS, 2000). Os integrantes da sociedade I, mais aberta, convivem com
uma parcela maior da população e podem desenvolver relações de reputação e
confiança com um amplo segmento da sociedade. Já os membros de qualquer uma das
duas associações na sociedade desigual não têm a mesma experiência. Seus horizontes
de confiança são mais estreitos e mesmo que eles tenham os mesmos níveis de
tolerância, sua experiência com a diferença será, em média, menor.
Em termos empíricos, a relação entre desigualdade de renda e carência de
capital social já estava colocada, no caso italiano, por PUTNAM (1993, p.224) e foi
reforçada para o caso estadunidense em seu livro subseqüente (2000, p. 360). Seus
indicadores de capital social, porém, não buscaram distinguir as diversas facetas do
capital social. Essa conexão foi examinada com maior profundidade em termos
teóricos e empíricos por ALESINA e FERRARA (2000). Testes de regressão múltipla,
com as devidas variáveis de controle, apontam que a participação em associações é
maior em sociedades relativamente homogêneas. Um achado empírico interessante dos
autores é que, nos EUA, os indicadores de heterogeneidade de raça e de renda não têm
relação com a participação em grupos que se assemelham às coalizões distributivas
olsonianas, como sindicatos e associações profissionais. A relação direta entre
homogeneidade e participação é bastante robusta apenas no caso de organizações mais
típicas da análise de Putnam.
48 Os resultados de RITZEN, EASTERLY e WOOLCOCK (2000) apresentam alguma evidência de que sociedades fracionadas podem ter altos indicadores de participação em associações. Nesse estudo econométrico, esse indicador se mostrou não-relacionado com o indicador de coesão social (participação da classe média no produto).
60
No mesmo sentido, em uma amostra de 29 países com economias de
mercado, KNACK e KEEFER (1997) também encontraram relações inversas entre a
heterogeneidade de renda e de etnia e os indicadores de virtude cívica e confiança
generalizada. ZAK e KNACK (1998), através de um modelo de agente-principal e
testes econométricos, corroboram esses resultados e argumentam que a desigualdade
reduz o crescimento econômico devido à erosão da confiança generalizada. Os estudos
de KAWACHI et al. (1997, 1999a, 1999b) abordam a questão do capital social
visando a associa-lo a indicadores sociais como crime, saúde e mortalidade. Em
quaisquer desses trabalhos, a evidência empírica recorrente é a de que igualdade na
distribuição de renda é um incentivo à formação do capital social. Note-se que, mesmo
que os testes envolvam apenas a sociedade norte-americana, as bases de dados
utilizadas nos três estudos citados são distintas.
3.4.3. Capital Social e Manutenção da Desigualdade
A idéia de que a desigualdade pode ser mantida por mecanismos que
envolvem o capital social é encontrada em um dos trabalhos pioneiros que utilizou
essa expressão com sentido semelhante ao hodierno. LOURY (1977) fez com que o
conhecimento e as habilidades em uma comunidade, denominados �social capital�,
fizessem parte da função de produção de capital humano da geração seguinte. Essas
externalidades positivas resultantes da interação com agentes com maior estoque de
capital humano, à primeira vista, podem parecer inequivocamente benéficas. Contudo
esses mesmos mecanismos podem agir nos sentido de manutenção da desigualdade.
Modelos mais recentes, com os de BÉNABOU (1993) e DURLAUF (1996),
retomam a idéia de Loury de que as interações entre os indivíduos geram desigualdade
duradoura. Além disso, eles implicam estratificação endógena; pequenas diferenças
iniciais levam a formação de grupos homogêneos entre si, o que leva à segregação.
Para tentar capturar as externalidades, os agentes se mudam para vizinhanças com
indivíduos com maiores estoques de capital humano. Mecanismos de exclusão, como
61
preço dos aluguéis ou financiamento da educação, fazem com uma pequena
desigualdade inicial seja ampliada. A imersão em ambientes com altos níveis relativos
de capital humano e renda faz com que as pressões do grupo e a existência de
exemplos de sucesso (role models) estimulem o investimento em escolaridade. Por
outro lado, em um gueto, esses mecanismos funcionam inversamente: o ambiente
passa a ser um empecilho para a ascensão social dos indivíduos.
LUNDBERG e STARTZ (2000) incluem os modelos de BÉNABOU (1993)
e DURLAUF (1996), entre outros, no âmbito dos new economic models of race and
income distributions. De fato, tais trabalhos incluem a dimensão espacial, na verdade a
questão de vizinhança, como o lócus no qual as relações sociais ocorrem. No modelo
de Bénabou, por exemplo, ele primeiro examina uma cidade integrada
geograficamente para depois analisar os resultados do progressivo fracionamento em
vizinhanças distintas entre si. Sua conclusão é que esse processo quando levado ao
limite conduz ao colapso da cidade.
Sem dificuldades, o modelo de Bénabou pode ser traduzido na ótica do
capital social, substituindo-se a dimensão espacial pela análise das relações sociais. A
cidade totalmente integrada, onde as externalidades positivas do capital humano
atingem a todos, equivale a uma sociedade com alta densidade de relações sociais
bridging. Sob certas condições, os agentes com maior escolaridade trocam suas
relações sociais do tipo bridging por bonding, ao tentar conviver com indivíduos
semelhantes. Tem-se assim o processo de estratificação que pode induzir à formação
de grupos cada vez menos abrangentes.
3.4.4. Capital Social Bonding e Grupos de Interesse
O capital social bonding corre riscos de se assemelhar às coalizões
distributivas de Mancur Olson. Em suas principais obras (1965 e 1982), esse autor
mostrou que grupos com poucos membros tendem a incorrer em ações redistributivas a
62
seu favor, em detrimento de práticas que aumentariam a eficiência em geral (OLSON,
1982, p.41-47). Isso ocorre porque um ganho geral de bem-estar seria dissolvido entre
todos os agentes econômicos, enquanto uma redistribuição beneficiaria os
componentes do grupo de forma concentrada. Tais grupos teriam seus interesses super-
representados na esfera política frente aos interesses da coletividade como um todo.
Assim, grupos bonding, poderosos, com acesso aos tomadores de decisão
(capital social linking), poderão transformar-se em coalizões distributivas. Por terem
interesses comuns, concentrados, e por se verem como distintos do restante da
sociedade, é de se esperar que defendam mais políticas redistributivas do que as
beneficiadoras da sociedade como um todo. 49 A figura 3.3 representa uma forma de se
analisar as sociedades. Suponha a existência de dois grupos com o mesmo caráter
bonding, por exemplo, uma associação patronal e uma associação de moradores da
mais pobre das favelas. Ambas incentivam a cooperação, a confiança e todos os
benefícios que o capital social bonding traz para os seus membros. Contudo, enquanto
o gueto abaixo representado não é ouvido pelo Estado, o grupo dos empresários tem
maior acesso ao aparelho estatal e, com seus próprios incentivos e recursos
necessários, podem organizar um lobby a seu favor.
49 O conceito de linking social capital foi formulado tendo em mente as conexões entre os mais pobres das sociedades e os tomadores de decisão. Aqui, o conceito está sendo utilizado de maneira mais livre, incluindo as ligações entre os grupos coesos localizados no topo da escala social com o Estado.
63
FIGURA 3.3 - COALIZÕES DISTRIBUTIVAS E CAPITAL SOCIAL LINKING
Em termos dinâmicos, a atuação desses grupos bonding redistributivos
trazem resultados perversos. Ao menos desde Schumpeter, sabe-se que o processo de
desenvolvimento é intrinsecamente conflitivo, gerando ganhadores e perdedores50. Ao
mesmo tempo em que firmas e indústrias inteiras crescem a elevadas taxas, outras
minguam até a falência ou quebram retumbantemente. Conforme lembra ALSTON
(1998, p. 7):
The losers have an incentive to lobby government for institutional change to protect them from the ravages of the market, while winners have an incentive to lobby for the status quo or an even better outcome.
Ora, em termos regionais, usualmente os grupos melhor representados são os
associados aos setores tradicionais. Eles tiveram os recursos, o tempo e o interesse de
formarem vínculos entre si (bonding) e com as organizações formais (linking). O
congestionamento dos grupos de interesse restrito, lutando por seus privilégios, reduz
a flexibilidade que a sociedade precisa para se manter no processo de
desenvolvimento, levando à �esclerose institucional� (OLSON, 1982). Quando as
coalizões distributivas são dominantes, os inevitáveis conflitos serão resolvidos em
50 COOKE e MORGAN (1998), a partir de uma análise schumpeteriana, apontam as vantagens de uma sociedade integrada e cooperativa, mas percebem o risco de que sejam inibidas as discordâncias e, portanto, a inovação.
Coalizões Distributivas
Guetos Excluídos
Linking
Renda
64
favor dos grupos mais fortes, que não são a parte mais representativa da coletividade.
No limite, segundo Olson, isso conduz a um estancamento do crescimento econômico.
Olson também tratou dos grupos encompassing, ou abrangentes. Esses
englobariam uma parcela significativa da sociedade e, portanto, almejariam políticas
que beneficiem a todos. Os sindicatos de trabalhadores dos países escandinavos seriam
um exemplo de grupo encompassing. Nos termos da pesquisa, tais grupos equivalem a
um caso extremo de capital social bridging. São uma �ponte� que abrange a
diversidade de interesses da sociedade e que, portanto, a prepara para resolver os
conflitos que porventura surjam ao longo do seu processo de desenvolvimento.
NARAYAN (1999) desenvolve a relação entre capital social bridging e
bonding, relacionando-a dinamicamente com a questão do Estado. Ele apresenta um
arcabouço analítico para compreender as múltiplas possibilidades entre os tipos de
relações sociais predominantes e a qualidade da intervenção pública. A seguir
reproduz-se o seu quadro com algumas adaptações:
65
FIGURA 3.4 - RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE CAPITAL SOCIAL HEGEMÔNICOS E AÇÃO ESTATAL
FONTE: Adaptado de NARAYAN (1999).
Ao longo do eixo das abscissas, tem-se um continuum com o tipo de relações
sociais predominantes da sociedade. De um lado, apresenta-se a hegemonia de capital
social bonding, com grupos coesos e, no limite, isolados do resto da sociedade. As
relações sociais são baseadas nos ditos grupos primários e os strong ties são
predominantes. No extremo oposto, estão as sociedades em que as associações,
formais ou informais, integram indivíduos diferentes entre si. No eixo da ordenadas,
tem-se um indicador de qualidade da intervenção do Estado. Por qualidade, em sentido
amplo, entende-se a garantia de direitos civis, provisão de serviços, cobrança de
impostos e outras atividades básicas. No limite negativo dessa escala, estão os Estados
colapsados, aqueles incapazes de cumprir quaisquer dessas funções.
Os quadrantes são assim determinados:
I) Sociedades com muitas relações bridging e com ótimos Estados: esse é o
ideal da sociedade cívica de Putnam. A sociedade integrada
complementa, apóia e exige políticas públicas eficientes; nela, o conflito
Capital Social Bridging
Capital Social Bonding
Estado Eficiente
Estado Disfuncional
III
III IV
66
social é baixo. Ainda de acordo com NARAYAN (1999, p. 16), os países
escandinavos estão nessa categoria;
II) Sociedades nas quais os grupos bonding tomam o controle ou têm
influência demasiada, em Estados que funcionam relativamente bem.
Assim, existem grupos que ficam fora das decisões. Narayan inclui nessa
categoria a África do Sul durante o regime do Apartheid ou os governos
latino-americanos que excluem as populações descendentes dos nativos;
III) Sociedades nas quais a falta de coesão faz com que ocorram conflitos
que levam ao colapso geral do Estado. O poder então cai nas mãos de
algum dos grupos que o mantém, sem legitimidade e com o recurso
permanente da força;
IV) Sociedades nas quais a ampla rede de relações bridging substitui um
Estado falido. Narayan (1999, p. 17) sustenta que em certas localidades
do Quênia e da Rússia, esse padrão se mostra: associações amplas,
completamente desconectadas da ação Estado, assumem funções que lhe
seriam básicas.
Em termos dinâmicos, Narayan aponta a possibilidade de migrações entre
quadrantes: uma sociedade do grupo II pode tornar-se mais aberta e com mais capital
social bridging e migrar para o quadrante I. Ou o isolamento e a exclusão dos grupos
pode gerar conflitos que a conduzem à degeneração do Estado, o que move em direção
ao sul do esquema, até o quadrante III. Mesmo essas mudanças de posição sendo
possíveis e ocasionalmente observadas, existem mecanismos que cerceiam
deslocamentos entre os quadrantes, ao menos no médio prazo. Uma sociedade do
grupo I tem formas de controle que impedem a degeneração do Estado e/ou a
regressão às associações basicamente bonding. Já as sociedades do grupo III carecem
das características institucionais que lhes permitiriam um salto para o quadrante I que
possui bem-estar, indubitavelmente, mais elevado.
67
Ceteris paribus, pode-se perceber que os maiores índices de bem-estar e
prosperidade econômica estarão localizados no quadrante I e os menores no III. As
sociedades no primeiro quadrante têm o middle class consensus de Easterly, a
sociedade cívica de Putnam, os encompassing groups de Olson que as habilitam a
adotar as políticas apropriadas para o processo de desenvolvimento e a distribuir seus
ganhos de forma a manter a coesão social e a qualidade da administração pública. Já os
casos de tragédias de desenvolvimento, como os da África Subsahariana, entram na
malfadada categoria III, o reino das coalizões distributivas, acívicas, em que Estados
espoliadores dominam a cena.
O esquema de Narayan foi pensado de forma a incluir sociedades tão
díspares quanto a da Noruega ou a do Zimbábue de hoje. Nos estudos regionais, as
diferenças são bem menos amplas do que a existente entre esses dois países, mas, não
obstante, sua abordagem segue sendo relevante. Além de fornecer uma tipologia que
vai além da mera classificação unidimensional da qualidade do Estado, ela realça quais
são os efeitos das características das relações sociais e como elas se relacionam com a
administração pública. Na esfera local ou regional, a mesma lógica entre qualidade do
Estado e tipos de capital social podem ser feitas.
Seguindo-se a análise de que sociedades desiguais tendem a ter mais capital
social do tipo bonding do que bridging, percebe-se que elas podem se distinguir entre
a qualidade do estado. Na melhor das hipóteses, elas terão um Estado que, de certa
forma, funciona, mas está tomado por coalizões distributivas (em termos olsonianos)
que privilegiam o grupo dominante. O esquema de Narayan mostra igualmente o risco
de que o conflito latente das sociedades no quadrante II leve à degeneração do Estado
que a conduzirá ao quadrante III, na medida em que ele vai perdendo sua capacidade.
Por outro lado, realça a possibilidade de que o desenvolvimento de relações bridging
conduza a maiores níveis de bem-estar.
68
3.4.5. Origens da Desigualdade
A busca das causas do desenvolvimento de uma região pode ir até o nível
mais profundo. A geografia física, variável exógena por excelência, já foi apontada
como a causa última das diferenças no desenvolvimento. O determinismo geográfico
pode tomar diversas formas: desde o mais simplório, que simplesmente conecta o calor
dos trópicos à indolência, até o mais sofisticado que leva em conta a questão
institucional. Para o presente trabalho, é relevante considerar um tipo de explicação
mais recente, nos quais os mecanismos institucionais são o elo intermediário no nexo
causal entre características geográficas e desenvolvimento.
Em um convincente livro �neodeterminista�, Jared DIAMOND (1998)
apontou que características como geografia, flora e fauna nos diversos continentes são
a raiz das diferenças na distribuição do desenvolvimento a longuíssimo prazo. Dessa
maneira, a hegemonia da Europa seria decorrência de diferenças fortuitas que, ao
longo do processo de desenvolvimento levaram, à constituição de Estados nacionais e
à expansão colonial.
Suas afirmações se chocam com o trabalho de ENGERMAN e SOKOLOFF
(1997) e de ACEMOGLU, JOHNSON, e ROBINSON (2001). Os dois artigos têm em
comum a idéia de que, nos lugares bem dotados de recursos naturais, os europeus
impuseram (ou mantiveram) instituições extrativas que privilegiavam uma pequena
casta, basicamente européia. Cria-se uma sociedade desigual, que tem seu
desenvolvimento prejudicado a longo prazo. A "reversão da fortuna", na expressão de
ACEMOGLU, JOHNSON e ROBISON (2001), corresponde à tendência de que
sociedades ricas em recursos naturais em tempos pré-colombianos fossem deixadas
para trás ao longo do processo de desenvolvimento51.
51 Outro tipo de análise que trata da relação entre recursos naturais e crescimento econômico está mais voltada para a avaliação de períodos mais recentes. Ver BRAVO-ORTEGA e GREGÓRIO (2002) para uma síntese das evidências.
69
No trabalho de ACEMOGLU, JOHNSON e ROBISON (2001), a elevada
densidade demográfica das sociedades bem dotadas em recursos naturais, ao mesmo
tempo em que é um sinal de sua riqueza relativa leva a instituições extrativas: "... a
large population and relative prosperity made extractive institutions more profitable for the
colonizers, for example to force the native population to work in mines or plantations,
or tax them by taking over existing tax and tribute systems". (ACEMOGLU;
JOHNSON; ROBISON, 2001, p. 2)
Em ENGERMAN e SOKOLOFF (1997) o mecanismo é mais complexo e,
em contrapartida, menos determinista. Existem duas possibilidades para os lugares
ricos de recursos naturais terem instituições �erradas� (no sentido de desiguais): a) os
que são vazios demográficos, mas com características físicas adequadas para o
plantation. Nesses, a escravidão foi a maneira de reduzir a escassez relativa de mão de
obra e o cultivo de cana-de-açúcar no Nordeste Brasileiro é um exemplo; b) os que, no
século XVI, tinham maiores densidades demográficas e contingentes populacionais e
que resistiram ao contato com os europeus. O primeiro caso seria próximo da hipótese
de Domar, em que existe carência de mão-de-obra, enquanto o segundo caso seria
equivalente ao modelo de Lewis, em que há oferta perfeitamente elástica de trabalho52.
3.4.6. Antecipação de uma explicação integrada para o Sul do RS
A história do desenvolvimento econômico do Sul do RS pode ser revista com
o auxílio das teorias apresentadas nessa seção. Conforme se verá na próxima seção, a
ocupação inicial de tal região se encaixa melhor no modelo de Engerman e Sokoloff
do que no de Acemoglu, Johnson e Robinson. Tratava-se de uma parte do estado
relativamente pouco ocupada que contou com o tráfico negreiro para suprir a carência
de mão de obra.
52 ACEMOGLU, JOHNSON e ROBINSON (2001), obviamente, se centram nas sociedades com maiores contingentes populacionais.
70
Precisa-se analisar separadamente o caso das charqueadas e do Pampa
propriamente dito. Apesar das diferenças entre a charqueada e a típica plantation agro-
exportadora, a abordagem de Engerman e Sokoloff permite insights relevantes. A
escravidão, induzida pela carência de mão-de-obra como se disse anteriormente, criou
uma sociedade desigual, cujas diferenças foram reforçadas pela questão étnica. Já no
tocante ao Pampa gaúcho, os comentários dos autores em relação à Argentina podem
ser extrapolados para tal região. Eles afirmam: "Rooted in large grants to military
leaders and favored families, this inequality (distribution of land) may have persisted
because of limited scale economies in raising cattle on the pampas." (ENGERMAN;
SOKOLOFF, 1997, p.16).53
Ainda na visão dos autores, essa histórica concentração fundiária também
criaria instituições extrativas, que excluíram a maior parte da população das
oportunidades de desenvolvimento. Mesmo fora de uma plantation escravista, a
concentração do patrimônio também é prejudicial para o crescimento.
Mais uma vez, as contribuições de Engerman e Sokoloff podem ser lidas
pela ótica do capital social. As �instituições perversas� são resultado de sociedades
desiguais, estratificadas e incoesas, nas quais as elites têm plena liberdade de
estabelecer um conjunto de instituições, uma vez que os mais pobres não são ouvidos.
A partir do momento em que as sementes dessas sociedades são estabelecidas, a
formação de capital social segue a trajetória de ênfase nos seus modos bonding e não
bridging.
Em uma sociedade inicialmente iníqua, os mecanismos de manutenção
dessa, como os apontados pelos modelos da new economics of race and income
distributions, passam a funcionar. Nesse tocante, vale lembrar que as sociedades com
raízes escravocratas carregam o legado de dois tipos de discriminação: a econômica e
53 Conforme se verá no capítulo seguinte, a concentração da posse da terra na Campanha têm raízes históricas e é anterior ao boom exportador da região. FRANK (2001) identificou o mesmo fato no Mato Grosso de fins do século XIX.
71
a étnica. Quando há a sobreposição desses dois fatores, a etnia pode ser um critério
suficiente de exclusão das redes sociais; não é necessária a segregação espacial. A falta
de capital social bridging restringiu a mobilidade social e, ao mesmo tempo,
prejudicou a dinâmica econômica da região. Os grupos bonding das elites degeneraram
em coalizões distributivas, cujo acúmulo contribuiu para a perda do vigor econômico
da região.
3.5. CONCLUSÃO
Uma das críticas freqüentes aos trabalhos empíricos refere-se ao problema
subdeterminação dos testes. Isto é, os dados podem estar a serviço de teorias diversas.
No caso em questão, poder-se-ia dizer que se está avaliando, na verdade, a relação
inversa entre desigualdade e crescimento econômico por canais outros que o capital
social. Isso é um risco. Argumentos teóricos e evidências empíricas, porém, permitem
que se construa a seguinte cadeia de causalidade:
FIGURA 3.5 - RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE E CRESCIMENTO ECONÔMICO
Em termos dinâmicos, existem efeitos de retroalimentação entre as variáveis
que foram omitidos do esquema acima. Sociedades que crescem lentamente, por
exemplo, enfrentam problemas políticos para efetuar políticas redistributivas, ou
economias muito pobres terão poucos recursos para investirem na formação de capital
social bridging.
Desigualdade Inicial
Pouco Capital Social Bridging;
Coalizões DistributivasCrescimento Lento
72
Nessa seção, buscou-se discutir quais são os efeitos da desigualdade sobre o
capital social e o crescimento econômico54. Diversas teorias, que não são diretamente
associadas à bibliografia sobre capital social foram reinterpretadas para um melhor
entendimento dos processos que ocorreram no RS. O fato de diversos teóricos terem
analisado a formação e os efeitos da desigualdade e da estratificação sobre o
desenvolvimento sugere a relevância do fenômeno. Talvez a abordagem do capital
social forneça uma aparelhagem conceitual que se mostre adequada para unificar essas
linhas de pesquisa ou mesmo apenas fornecer uma linguagem comum para o diálogo.
54 Nessa seção, foi tomado como dado que sociedades desiguais sejam necessariamente mais rígidas. Isso pode ser uma regularidade empírica, mas desigualdade e mobilidade são temas, logicamente, distintos.
73
4. FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA REGIÃO SUL DO RS
O início da integração da economia gaúcha ao pacto colonial se deu através
do fornecimento de gado e mulas para a região das Minas Gerais durante o século
XVIII (FURTADO, 1987, p.73-77)55. No século seguinte, a triticultura visando à
exportação para o centro do país e para a metrópole teve relativa importância. É
apenas ao longo do século XIX que o papel da Província de São Pedro fica mais claro.
Ela passa a ser, nas palavras de PESAVENTO (1990, p. 38), a �estalagem do
Império�, fornecendo insumos para o boom do café. Suas principais exportações são
derivadas do gado: o charque e o couro, e sua função é subsidiária no âmbito nacional.
Não era a típica plantation, fornecedora de produtos tropicais para os mercados
internacionais; era uma região �voltada para dentro� e periférica (CASTRO, 1980).
A produção de um bem inferior que tinha como consumidor típico o escravo
dos cafezais não parece, ao menos à primeira vista, o melhor tipo de atividade para
impulsionar uma economia local. Contudo é difícil subestimar o efeito do charque na
formação da região. A despeito das fortes oscilações, a lógica de expansão da
economia do RS no século XIX deu-se ao redor da atividade charqueadora. Em 1861,
três quartos das exportações gaúchas eram compostas pelo charque e pelo couro
(PESAVENTO, 1990, p.44).
Assim, a díade estância-charqueada é a chave para o entendimento da
formação da Região Sul do RS. Esse capítulo apresenta as peculiaridades da
organização dessas atividades econômicas que tiveram � esse é o ponto �
conseqüências profundas e indeléveis para a estrutura social da região. Obviamente, a
conexão entre as estâncias e as charqueadas vai muito mais além do mero fato de
aquela ser fornecedora do insumo desta. A despeito de, por vezes, ocorrerem
55 A inexistência de metais preciosos, o clima temperado, que impediu a típica atividade de plantation, e a ausência de portos naturais, foram apontadas por FONSECA (1983) como razões do desinteresse da Coroa pelo extremo sul.
74
divergências entre tais atividades, pode-se afirmar, em linhas gerais, que havia
interesses comuns em torno do desenvolvimento da economia do charque. Apenas para
fins expositivos, o setor de criação de gado e o saladeiril serão tratados separadamente.
Como é freqüente, a ampla produção acadêmica sobre tais temas já passou
por vários momentos: glorificação do passado, desencantamento e, hoje, tentativa de
uma visão mais ponderada dos fenômenos e processos ocorridos na região ao longo
dos séculos XVIII e XIX. Nesta seção, sintetiza-se essa historiografia, primeiro
analisando as razões econômicas que levaram ao padrão produtivo no Sul. Em seguida,
examina-se a estrutura social da Campanha a partir da abordagem do capital social. A
seção 4.4.3 contém a regionalização do RS, passo básico para as análises empíricas
dos capítulos seguintes. Uma nota discute as razões que levaram ao trabalho cativo no
Sul e aponta caminhos para o debate acerca da sua racionalidade, ou não.
4.1. A ESTÂNCIA
Para a uma melhor compreensão da sociedade pastoril gaúcha no século
XIX, faz-se necessário examinar a construção histórica das estâncias. O foco está nos
estancieiros, na sua origem e nas relações sociais na Campanha gaúcha da época.
O povoamento inicial do RS deu-se através de bandos organizados que
recolhiam o gado xucro, quer visando ao seu couro, quer almejando a sua exportação
�em pé� para as áreas mineradoras do centro do país. Os pontos de apoio dessas
atividades basicamente privadas são as primeiras sementes das estâncias gaúchas.
Portanto os primeiros estancieiros nada mais eram do que líderes de bando de
pilhadores de gado que se afazendavam. Além disso, ainda no século XVIII, tal
distinção não era clara, tampouco definitiva: peões se tornavam �acaudilhados� dos
pilhadores que, por vezes, se afazendavam (CARDOSO, 1977, p. 90).
Décio Freitas, em O Capitalismo Pastoril (1980), contribuiu para
enfraquecer o mito da �produção sem trabalho� na estância, onde supostamente a
natureza se incumbiria de tudo e a �vida pastoril é um contínuo e alegre desporto�
75
(GOULART, 1985 p. 84). É fato que o gado crescia e se reproduzia livremente no
Pampa56, mas havia todo um conjunto de tarefas que iam desde a sua marcação,
castração, até a sua condução, ainda vivo, para as charqueadas. Índios, mestiços,
brancos pobres e, conforme se verá mais à frente, escravos afro-descendentes
trabalhavam nas lidas campeiras.
As relações de Portugal com as estâncias eram bastante complexas. No início
da ocupação do Pampa, inexistiu apoio da Coroa. Motivada pela manutenção e
expansão, de seus territórios e pelos tributos potenciais, a Metrópole estabeleceu vilas
fortificadas e distribuiu títulos de propriedade que legalizavam as estâncias57. Foram
estes dois loci as bases responsáveis de povoamento das terras gaúchas. Vale notar que
as fortificações e as estâncias de pilhagem muitas vezes se confundiam, consistindo
em �núcleos guerreiros pilhadores de gado, ou melhor, de saqueadores de gado
militarizados� (CARDOSO, 1977, p. 48).
Dentro das estâncias criadoras de gado, a distinção civil-militar se dissipava.
O ambiente crônico de guerra fez com que a defesa das fronteiras contasse com os
estancieiros que também eram líderes militares locais e peões que acumulavam a
atividade de soldados. Isso levou FREITAS58 (apud TARGA, 1991b, p. 319) a afirmar
que o RS �... foi a única porção do território brasileiro conquistada pelos seus próprios
moradores�. Esses habitantes porém estavam longe de ser pacatos cidadãos motivados
56 Os cercamentos dos campos só vieram a ocorrer nas últimas décadas do século XIX (PESAVENTO, 1980, p. 29).
57 Segundo (CARDOSO, 1977, p. 83-84), as cidades de Rio Grande, São José do Norte, Rio Pardo, Santo Antônio da Patrulha, Santa Maria, Bagé, Alegrete, Jaguarão e Uruguaiana se desenvolveram a partir de instalações militares.
58 FREITAS, D. Farrapos: uma rebelião federalista. In: Dacanal, J. (org.). A Revolução Federalista: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
76
por impulsos nacionalistas, formavam, isto sim, um amplo contingente militar capaz
de ser mobilizado frente a um conflito. 59
Chamam a atenção também outras formas de relação entre a Coroa e os
estancieiros e pilhadores. CARDOSO (1977, p. 91), com base em Oliveira Vianna,
afirma que muitos membros desses dois últimos grupos eram desertores das tropas
portuguesas. Em outros momentos, as sesmarias foram distribuídas àqueles oficiais ou
subalternos que se destacavam por �... atos de bravura ou banditismo contra o
inimigo...� (CARDOSO, 1977, p. 94). Ainda de acordo com o autor, os troncos
familiares dos principais estancieiros gaúchos tiveram origem nos membros dos
regimentos dos Dragões do Rio Pardo (CARDOSO, 1977, p. 91-95). O levantamento
realizado em 1780 para tentar resolver disputas sobre os limites das terras na região
mostrou que a maior parte dos proprietários era composta por militares ou civis com
postos militares (LOBB, 1976)
Esse ambiente militarizado foi percebido pelos viajantes estrangeiros.
Escreve Saint-Hilaire em 1820 (SAINT-HILAIRE60, apud CARDOSO, 1977, p. 110):
A Fronteira meridional deste País há muito não goza senão curtos intervalos de paz, mas salvo algumas tropas vindas de São Paulo e Santa Catarina, todos os soldados que combateram a Espanha são naturais da Capitania (...). Disto resulta que enquanto os habitantes desta Capitania se tornaram completamente militarizados, os povos das outras províncias caem pouco a pouco na inércia.
No mesmo sentido, aponta Luccock, referindo-se a cidade de Rio Grande e
região em 1808: "Todo homem livre da região se acha alistado numa ou noutra dessas
59 No Brasil Império as estâncias civis, porém militarizadas, seguiram importantes cumprindo seu papel: �De 1821, data da incorporação militar do Uruguai ao Reino de Portugal, até o final da Guerra do Paraguai (1870), foram as populações civis do RS que forneceram grande parte dos contingentes humanos e materiais necessários às guerras.� (TARGA, 1991b, p. 320)
60 SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821). Rio de Janeiro: Ariel, 1935.
77
unidades, sendo que se conseguiria levantar uma força considerável em pouco tempo,
numa emergência" (LUCCOCK61, apud CARDOSO, 1977, p. 110).
É difícil exagerar a crescente importância da ordem militar no RS ao longo
do século XIX. URICOECHEA (1978, p. 99; p. 104) mostra que, entre 1831 e 1852, a
despesa militar do Império na Província cresceu cerca de 1400% e chegou a
representar perto de 95% da despesa total realizada no local.62 Mesmo após o fim da
Revolução Farroupilha, o gasto militar seguiu crescente e um terço do exército
brasileiro encontrava-se em terras gaúchas no ano da Abolição (TARGA, 1991b, p.330
e LOVE, 1971, p. 16). Além disso, o número de oficiais nascidos na Província com
posto igual ou superior a General de Brigada era o maior do Brasil (LOVE, 1971).
Não cabe relembrar todos os conflitos pelos quais tal região passou, mas vale
apontar as mudanças relevantes. No período colonial, tais forças armadas estiveram
alinhadas aos interesses da Coroa. Já no período do Império, a consolidação do poder
dos estancieiros levou à defesa organizada de seus próprios interesses, com freqüência
divergentes dos do centro do país. O auge desses conflitos foi a Revolução Farroupilha
(1835-1845).63
Se a única bibliografia disponível sobre a estância gaúcha tivesse como
autores responsáveis pelo mito da democracia rio-grandense, a Campanha pareceria
uma sociedade cívica à moda de Putnam em formação. A imagem seria de
camaradagem entre os patrões e empregados, escravidão ínfima e �benéfica� e ampla
cooperação entre os estancieiros. Vejam-se os trechos abaixo escolhidos de A
61 LUCCOCK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1951.
62 A razão para esse gasto, pode-se argumentar, deu-se em oposição aos interesses da Província. Contudo como o objetivo aqui é estimar a importância da ordem militar para a formação dessas sociedade, não faz diferença quem é o beneficiário.
63 Outra peculiaridade da história gaúcha é a inexistência de revoltas populares ao longo do século XIX. O potencial bélico da população esteve a serviço da camada senhorial e não se voltou contra ela. Isso fez FREITAS (1985, p.49) afirmar que a �história gaúcha é, em rigor- caso único no Brasil- uma história sem povo.�
78
Formação do Rio Grande do Sul, influente obra de Jorge Salis GOULART, publicada
inicialmente em 1927.
O gaúcho é mais amigo do que um subordinado do seu patrão. (GOULART, 1985, p.29)
A democracia rio-grandense (...) adoça e humaniza entre nós a nefanda instituição [a escravidão] que os outros povos ambiciosos criaram e exploraram. (GOULART, 1985, p.48)64
Para Goulart, o ambiente democrático da estância foi tão poderoso
transformou até a disciplina militar: "Em vez de ter sido a disciplina militar que atuou
sobre a sociedade (impondo a submissão, a escravidão, a cooperação forçada) foi esta
que agiu sobre aquela, determinando a cooperação voluntária, já reinante nas forças
irregulares" (GOULART, 1985, p.42). E, mais adiante: �O espírito militar, pois, foi na
alma rio-grandense a maior fonte de sociabilidade que é possível imaginar.�
(GOULART, 1985, p.77)
O auge da mitificação ocorre quando Goulart afirma que o gaúcho é superior
ao super-homem nitzscheano, porque combina o individualismo, independência e
altivez deste com uma sociabilidade sem paralelo no Brasil (GOULART, 1985, p. 97-
100). Esse espírito associativo se estenderia na relação entre as estâncias de tal sorte
que: "... as estâncias, com força social, sempre operam ligadas umas às outras, nunca
se combatem e todas as vezes que se unem é visando a um bem comum, um ideal
superior, colocando, acima de tudo, a grandeza geral" (GOULART, 1985, p.28; sem
grifo no original).
Oliveira Vianna segue (1952, p. 176) o mesmo tom de Goulart, percebendo
no trabalho campeiro e na união promovida pelo espírito militar, as raízes dos �hábitos
democráticos, esses costumes de familiaridade, camaradagem e igualdade� dos
gaúchos. Não haveria no sul a distância entre patrões e empregados vigentes em outras
64 Segundo o autor, essa benevolência no trato dos escravos deriva do fato de que no Sul, �não tinham [aqui] os dominantes a necessidade de tiranizar os dominados, pois que a sua superioridade era natural, harmoniosa" (GOULART, 1985, p.48).
79
regiões do Brasil. Curiosamente, um dos capítulos se intitula �O Culto da Autoridade
no Pampa�, no qual ele exalta a obediência dos gaúchos aos �seus maiorais, aos seus
chefes, aos representantes das suas autoridades, não levados pelo medo, mas por um
íntimo sentimento de dever � com honra, com admiração, com orgulho� (VIANNA,
1952, p. 165).
Vianna, ao enaltecer a qualidade da obediência dos gaúchos, termina por
revelar um elemento que se opõe ao arquétipo de sociedade cívica. Ele celebra o
respeito à hierarquia vigente na sociedade pastoril, isto é, a aceitação por parte dos
peões de uma estrutura social verticalizada com papéis de subordinação bem
determinados. Parece impossível compatibilizar essa visão com a democracia rural
gaúcha.
Ainda nessa questão, CARDOSO (1977, p. 96) aponta que era possível que
realmente houvesse algum sentido de camaradagem entre estancieiros, capatazes e
peões, mas lembra que:
... camaradagem não significa ausência de distância social. Tanto mais quanto esta camaradagem além de inserir-se num grupo social tão fortemente hierarquizado, como é o grupo militar, ainda se exprimia numa situação social onde os traços autocráticos de personalidade eram decisivos para permitir a liderança e onde o próprio sistema socialmente sancionado de poder baseava-se na utilização da violência e na falta de respeito à sociedade humana.
E mesmo essa suposta camaradagem no Pampa não parece ter sobrevivido às
mudanças no mercado de trabalho. De acordo com CHASTEEN (1991), ao se
aproximar o fim do século XIX, esse paternalismo se dissolvia conforme crescia a
oferta de trabalho. Em sua pesquisa, o autor identificou um acúmulo de processos
criminais que tratavam de crimes violentos envolvendo patrões, capatazes e agregados
durante o período.
A cooperação entre estâncias apontada por Salis Goulart e Oliveira Vianna
também tem que ser analisada mais de perto. Conforme aponta VERSHOORE FILHO
(2000, p. 55), as associações entre estancieiros foram muito mais voltadas para a
defesa dos seus interesses restritos, mais imediatos, do que a busca de algum nobre
80
ideal ou projetos de maior fôlego. Outros fatores que dificultaram a formação de uma
sociedade cívica na Campanha foram a baixa densidade demográfica e a concentração
fundiária. GOULART (1985, p. 79) indica que as primeiras concessões de sesmarias
possuíam em média três léguas de sesmaria, isto é, 129 quilômetros quadrados, e havia
estâncias com 30 léguas. LOVE (1971, p. 11) afirma que, em 1803, a Campanha já
estava totalmente repartida entre não mais que 500 grandes proprietários. Chaves
protestava, em 1817, contra o tamanho de propriedades e a freqüente violação do
limite de três léguas por sesmaria devido a �graças especiais do soberano� (1978, p.
93).65 A distribuição das Sesmarias nunca foi democrática, contudo os critérios
tornaram-se ainda mais concentradores. Se em momento inicial, os atos de bravura
contaram na distribuição de sesmarias, com o passar do tempo, as qualidades
relevantes foram a astúcia, o parentesco e a proteção de um capitão-geral (CARDOSO,
1977, p. 97). Em suma, na região da Campanha, havia o predomínio do latifúndio e
fortes barreiras para o acesso à terra.66
Tendo-se em vista a distância entre as sedes das estâncias e os meios de
transporte da época, percebe-se a dificuldade de manter contatos regulares entre tais
unidades de povoamento. MEDEIROS (1975 apud VERSCHOORE FILHO, 2000,
p.54) aponta que a viagem entre estâncias poderia durar até um dia inteiro. Já SALIS
GOULART (1985, p.75) considerou a baixa densidade demográfica um problema para
a sociabilidade, mas que teria sido superado pela "força centrípeta do espírito
associativo militar" dos gaúchos.
A baixa densidade populacional e a concentrada estrutura latifundiária da
região da Campanha persistiram ao tempo. Mem de SÁ afirmava, em 1945 (p. 50), ao
denunciar a ausência de novos municípios na região:
65 Chaves defendia, ainda, a repartição das terras incultas dos grandes proprietários, mediante ressarcimento (1978, p.93-99).
66 LOBB (1976) analisa a distribuição de sesmarias no RS.
81
Essa estagnação revela a pouca vibração econômica da região, a ausência de estímulos na vida social e na administração, a diluição da população humana pelas grandes propriedades pastoris impossibilitando a constituição de novos núcleos que determinem a criação de várias vilas, cidades, municípios. Por essa razão não há clima para a constituição de estabelecimentos industriais transformativos e manufatureiros.
É curioso notar que o autor percebeu não só a concentração fundiária (corroborada por
dados que constam de tabela anexa ao seu texto), mas também o pouco vigor da
sociedade.
Como último retoque na caracterização da sociedade �não-cívica� pastoril
gaúcha do século XIX, vale reproduzir a visão que SAINT-HILAIRE teve, em 1820,
acerca dos abusos representantes do Estado e da Igreja na região:
... os abusos atingiram o cúmulo, ou melhor, tudo era abuso. Os diversos poderes confundiam-se e tudo era decidido pelo dinheiro e pelos favores. O clero era a vergonha da Igreja Católica. A magistratura, sem probidade e honra (...) os empregos multiplicavam-se ao infinito, as rendas do Estado eram dissipadas pelos empregados e afilhados, as tropas não recebiam seus soldos; os impostos eram ridiculamente repartidos; todos os empregados desperdiçavam os bens públicos; o despotismo dos subalternos chegou ao cúmulo, em tudo o arbítrio e a franqueza andando ao par da violência. (SAINT-HILAIRE67, apud CARDOSO, 1977, p.104)
Os funcionários locais do Clero e do Império, ao invés de cumprirem os
objetivos de suas instituições, buscavam o proveito próprio. Talvez esse problema de
agente-principal fosse favorecido pela distância dos centros de poder, mas, de qualquer
forma, parece que havia, na Província de São Pedro, no século XIX, um ambiente de
corrupção generalizada (CARDOSO, 1977, p. 97-109).
Existem aqueles cronistas da época que vêem, na alma do gaúcho,
exatamente o oposto do que percebeu Oliveira Viana. O Desembargador José
Feliciano Fernandes Ribeiro afirma, em relação aos habitantes do sul do RS
(CHAVES, 1978, p. 216):
Em geral são inertes e vários, e de natural ferino; (...) os roubos, mortes e atentados que freqüentemente perpetram são segura medida para calcular os poucos progressos que ainda
67 SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821). Rio de Janeiro: Ariel, 1935.
82
aqui tem feito a moral, as leis e o espírito de sociedade. (...) o hábito de laçar a cada passo uma rês e despedaça-la tem familiarizado o estancieiro e o charqueador com o espetáculo de dor e da morte, perde-se gradualmente o horror e a alma participa da insensibilidade dos órgãos.
Esse juízo, rebatido com vigor por Gonçalves Chaves, mostra que havia
divergência sobre a �alma do gaúcho� até mesmo na época68. Obviamente, os juízos
desses cronistas da época podem estar contaminados por todo o tipo de idiossincrasia
ou interesse pessoal. É, portanto, imprudente aceitá-los sem reflexão.
Uma forma complementar e mais confiável de análise da sociogênese do
extremo sul consiste em observar a organização das atividades econômicas e daí inferir
os juízos devidos. Mais de um século depois, sabe-se que a sociedade do Pampa foi
formada em um ambiente de guerra crônico, com propriedade concentrada da terra,
rigidez social, um vazio demográfico, em que, conforme se verá adiante, a escravidão
negra não era estranha. Era esse um terreno adequado para o florescimento de uma
sociedade civil?69
4.2. ESCRAVOS NA PECUÁRIA
Está assentado na historiografia que a escravidão é compatível com a
atividade pecuária. GORENDER (1988) mostrou que, no Nordeste do Brasil, houve
escravos lidando com o gado, o mesmo ocorrendo em Cuba, Venezuela e no EUA-
Texas (LEITMAN, 1975, p. 166). No RS deu-se fenômeno análogo.
Ao menos em termos quantitativos é inequívoca a presença de escravos nas
estâncias. Os dados apresentados a seguir na tabela mostram esse fenômeno. Em três
68 Alvarino MARQUES (1992, p. 135-136) registra que charqueadores e fazendeiros sempre receberam críticas, considerados ignorantes, individualistas, passivos, indisciplinados, emotivos e afirma que �falta ainda aprimoramento da mentalidade cooperativista, em nosso meio rural pastoril�.
69 Contraste-se essa caracterização com a de BAZAN e SCHMITZ (1997) acerca da colônia de imigrantes de Dois Irmãos.
83
dos quatro municípios listados, o número de escravos superou o de trabalhadores
livres:
TABELA 4.1 - TRABALHADORES EM MUNICÍPIOS SELECIONADOS DO RS- 1860
MUNICÍPIOS ESTÂNCIAS CAPATAZES PEÕES LIVRES ESCRAVOS Rio Pardo 40 32 34 173 Alegrete 391 124 159 527 São Borja 568 171 339 153 Jaguarão 239 107 - 243
FONTE: BELL (1998, p. 45). NOTA: O fato do número de capatazes ser menor do que o de estâncias, mostra que, por vezes, estes eram
responsáveis por mais de uma fazenda. Em Jaguarão, o número de trabalhadores livres foi incluído no de escravos.
O papel do escravo no �capitalismo pastoril�, na expressão de Décio Freitas,
rendeu um proveitoso debate até o começo da década de 1980. Ambos os lados
combatiam a postura da tradicional historiografia gaúcha- a de que o trabalho cativo
praticamente inexistiu nas estâncias. Contudo o ponto de discórdia encontra-se na
questão do alcance das tarefas nas quais se ocupava o escravo. Referindo-se ao século
XVIII, CARDOSO (1977, p.48) afirma que o escravo �foi utilizado apenas de forma
restrita na economia das vilas fortificadas e nos currais que retinham o gado preado�.
Já nas estâncias organizadas durante o Império ele assevera a utilização regular do
cativo em todo o tipo de tarefa. Em oposição a essa idéia estavam historiadores como
Décio FREITAS (1980):
Não é dizer que não houvesse em absoluto emprego de escravos negros nas atividades pastoris. Em crônicas e inventários, aparecem reiteradas alusões a negros ou escravos �campeiros�. (...) os negros, que desempenhavam atividades propriamente pastoris, eram como regra negros forros. Apenas havia emprego de escravos em trabalhos auxiliares do pastoreio nos quais se pudesse exercer vigilância sobre o escravo, como nas arreadas e os rodeiros. (...) houve largo emprego do escravo nos serviços domésticos e na produção de subsistência da estância. (FREITAS70, apud MAESTRI FILHO, 2001)
70 FREITAS, Décio. O gaúcho: o mito da 'produção sem trabalho. In: GONZAGA, S e DACANAL, J. H. (org.) RS: Cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p.7-24.
84
Reavaliando essa polêmica em trabalho recente, MAESTRI FILHO (2001) -
ele próprio um ativo debatedor do tema - assegura que �a ocorrência de cativos na
criação era tendencialmente sistêmica pois não imprescindível a toda e qualquer
produção pastoril.�71 Ou seja, diferentemente da charqueada na qual a escravidão era
intrínseca, as fazendas de menor dimensão utilizavam basicamente mão-de-obra livre.
De qualquer forma, o autor concorda que o cativo esteve ocupado em �atividades
agrícolas e domésticas e, secundariamente, pastoris�. Segundo CARDOSO (1977, p.
67), a estância era uma unidade autárquica: paralelamente à criação de gado, havia
toda uma produção de gêneros alimentícios e utensílios necessários para seu próprio
sustento. Nessas últimas atividades, há um consenso sobre a importância do trabalho
escravo (FREITAS, 1983; MAESTRI FILHO, 2001; CARDOSO, 1977).
Veja-se a questão específica da presença de escravos no manejo do gado. Os
custos de supervisão, vigilância e treinamento não recomendam �o emprego de
escravos no trabalho pastoril� (FREITAS, 1983, p. 28). Como explicar, contudo, não
só a documentada existência de escravos nessas tarefas, como o fato de Giuseppe
Garibaldi e a Coroa Portuguesa terem em alta estima a habilidade dos cativos no
manejo do gado (LEITMAN,1975, p. 167)?
É necessário examinar a questão do escravo campeiro com mais acuidade.
Antes de tudo, deve-se lembrar que as razões básicas para a utilização da mão-de-obra
escrava no Pampa são análogas às que levaram ao mesmo fenômeno nas charqueadas.
Mesmo que as necessidades de mão-de-obra sejam pequenas na pecuária extensiva72, e
que a �falta de braços� tenha sido suprida, em parte, por indígenas ou mestiços,
71 Contraste-se essa posição com a adotada pelo mesmo autor em trabalho anterior. �... podemos afirmar que, para a pecuária, o escravo era um fator de produção fortuito� (MAESTRI FILHO, 1984, p. 53). A questão específica da essencialidade do trabalho cativo para a produção do gado sulista, mesmo sendo um tema relevante, não será aqui desenvolvida uma vez que não é fundamental para os objetivos do trabalho. MAESTRI FILHO (2001) contém um profundo estudo dessa questão.
72 CARDOSO (1977, p. 52-53) estima que se precisava de seis homens para 5000 reses.
85
contou-se com o trabalhador escravo73. Além disso, é óbvio que as armas, os cavalos e
um horizonte livre disponíveis aos escravos impõem limites aos castigos físicos que
podem lhes ser impingidos. Em caso de fuga, havia sempre a possibilidade de refúgio
no Uruguai ou na Argentina e as chances de recaptura eram restritas74. Assim, o tipo de
trabalho envolvido fazia com que o tratamento dispensado ao escravo fosse menos
violento e mais baseado em incentivos positivos do que nas charqueadas e em outras
atividades escravistas nas quais maiores produtividades advêm da imposição de
penalidades físicas e ameaças.
Esses elementos levaram MAESTRI FILHO (1993, p.35) a atestar que a
diferença entre trabalhadores livres e escravos no trabalho campeiro fosse muito mais
jurídica do que efetiva. Isto é, em relação às outras ocupações possíveis na ordem
escravocrata quer na estância, quer na charqueada, os escravos campeiros estavam em
melhores condições. Comparando os escravos cativos em relação ao �peões�,
MAESTRI FILHO (2001) afirma em relação aos últimos:
Então � até certo ponto � a própria fuga do escravo perdia sentido(...) Do outro lado da fronteira, dedicaria-se às mesmas tarefas e viveria, no geral, as mesmas condições de existência(...)No Sul, em algumas situações, devido ao caráter do trabalho pastoril, a escravidão perdeu sua essência coercitiva e mercantil e assumiu conteúdo patriarcal.
MAESTRI FILHO (2001) aponta ainda que uma evidência do relativo
melhor tratamento aplicado aos escravos campeiros está no fato de que mesmo após a
Abolição, na região sob escopo, os afro-descendentes seguiram ocupados nas suas
73 Segundo LEITMAN (1975, p.174), há um motivo adicional que levou à utilização do escravo: os escravos eram os últimos a serem convocados em caso de conflito armado. Naquela região e época, sendo a guerra sempre uma possibilidade concreta, a posse dos escravos era uma garantia de que ao menos algumas das lidas no campo seguiriam sendo cumpridas.
74 LEITMAN (1975, p.175) acrescenta que, ao contrário de outras províncias, não havia, no RS, capitães-do-mato públicos. A responsabilidade dessas tarefas seria dos próprios estancieiros. Já na cidade de Pelotas, registram-se diversos pedidos, entre 1835 e 1848, de liberação de recursos financeiros à Câmara e à província para o combate aos quilombos na serra de Tapes, área próxima a Pelotas (MAESTRI FILHO, 1979). MOREIRA (1989) registra que a preocupação das elites locais com o risco de sublevação negra fez com que se impusesse a obrigatoriedade de identificação do escravos (com pena de 50 açoites para quem a violasse), bem como restrições à venda de pólvora.
86
atividades. Obviamente, suas escolhas ocupacionais não eram tão amplas, mas, de
qualquer forma, não se viram as inúmeras deserções registradas em outras ocupações.
Esse relativo e pontual tratamento não-opressivo dos escravos campeiros foi
a base para que se formasse o mito da democracia rural gaúcha no qual �senhores,
escravos, peões, e agregados, nivelavam-se tratando-se quase como de iguais para
iguais� (SPALDING75, apud CARDOSO, 1977, p. 114). Os incentivos positivos dados
aos escravos não vêm de um espírito democrático, e sim dos altos custos que
inviabilizavam o uso da coerção violenta no trabalho campeiro.
Também na produção de subsistência nas estâncias, pode-se supor que o
nível da coerção era bastante inferior ao que se supõe na plantation escravista76. Em
certa medida, reproduz-se aqui o debate acerca da coerção da escravidão no Nordeste
brasileiro. Gilberto Freyre viu uma certa benignidade da escravidão doméstica nessa
região e foi criticado por fazer uma idealização conservadora do passado, ou por
possuir um ranço antiabolicionista. VERSIANI (1999) revisitou essas críticas. Com
base nos trabalhos clássicos da área de Economia da Escravidão (BARZEL, 1977;
FENOALTEA, 1984), ele mostra que a opressão física aos escravos tende a ocorrer
quando predominam tarefas intensivas em esforço. Já naquelas em que se necessita
habilidade (como nos trabalhos domésticos tratados por Freyre), predominarão os
incentivos positivos, na forma de recompensas materiais, afetivas, promessas de
alforria, entre outras.
Quer na produção voltada ao autoconsumo, quer na condução do gado, as
tarefas dos escravos nas estâncias não podem ser caracterizadas como intensivas em
esforço. Por isso, e por outras razões já citadas, o grau de coerção física ali deve ter
75 SPALDING, Walter. Tradições e Superstições do Brasil Sul (ensaios de folclore). Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1953.
76 Há um descompasso entre a imagem mental que a escravidão traz e as evidências históricas. A escravidão tomou formas bem mais diversas do que normalmente é considerado. E mesmo no caso da plantation, autores como FOGEL (1989) têm questionado a visão de que a violência contra os escravos era a única forma de controle.
87
sido bem menos intenso do que, por exemplo, na charqueada. Olhando-se a questão
ainda mais de perto, CARDOSO (1977, p. 128-29) observou que uma categoria
�escravo-de-estância� englobaria relações entre senhores e cativos heterogêneas. A
partir dos relatos dos viajantes, pode-se afirmar que as convivências sociais entre
proprietários e escravos eram distintas nos grupos de proprietários mais pobres e nos
de mais ricos. Aqueles com padrão de vida mais alto se aproximavam de uma
aristocracia rural, uma classe ociosa no dizer vebleniano, enquanto os proprietários
mais pobres tinham uma maior proximidade com os seus escravos em estilo de vida e
com eles trabalhavam.
O fato da sociedade pastoril gaúcha, em diversos momentos, ter tratado os
escravos com estímulos positivos não indica que fosse uma estrutura social flexível.
CARDOSO (1977, p. 96) a classifica como uma sociedade estamental, tamanhas eram
as barreiras para que houvesse mobilidade social (ver também LEITMAN, 1975, p.
174).
4.3. A CHARQUEADA
De acordo com MAESTRI FILHO (1984, p. 55-56), o charque já era
conhecido na Colônia Sacramento nos primeiros anos do século XVIII e, logo em
seguida, surgem referências em documentos ao ato de charquear ou a lugares
intitulados �charqueada� na província. Nesse primeiro período, o charque era
produzido em apenas alguns pontos do território gaúcho, no �litoral, em Palmares do
Sul, nas margens do Guaíba e na margem direita do baixo Jacuí� (MARQUES, 1990,
p. 27). Via de regra, o gado era exportado para outras regiões "em pé" ou tinha apenas
o seu couro e graxa enviados para outras regiões.
A introdução da charqueada de José Pinto Martins, por volta de 1780,
costuma ser considerada o momento inicial para o desenvolvimento de tal atividade do
extremo sul do Brasil. Aproveitando-se da oportunidade surgida devido aos problemas
políticos uruguaios do final do século XVIII, dezenas de charqueadas surgiram nas
88
proximidades da região de Pelotas. Contam-se 22 estabelecimentos nas cercanias em
1822 (CARDOSO, 1977, p. 70), e 38, em 1853 (FEE, 1981, p. 63). Nessa segunda fase
do charque, há um melhor aproveitamento dos produtos do gado, e o processo
produtivo se aproxima de uma manufatura. As exportações de charque passam de
cerca de 13 mil arrobas, em 1793, para cerca de 916 mil, em 1816 (FONSECA, 1983,
p. 14).
O processamento da carne visando ao mercado do centro do país financiou o
surgimento de uma classe opulenta na região e foi o setor dinâmico regional durante
todo o século XIX, apesar dos diversos contratempos e distorções. Entre 1814 e 1860,
enquanto a população total do RS cresceu 286%, a de Pelotas aumentou 754% e a de
Rio Grande, 884%.
Mesmo quando comparado com o restante do Brasil, o peso da economia
pelotense não era desprezível. Em 1880, Pelotas tinha a mesma população de Porto
Alegre ou São Paulo. Dados municipais para 1920, apontam o município como o
oitavo de maior renda, à frente de Campinas e Santos (LONER, 2001, p.48). Formou-
se uma aristocracia em torno do charque cujos costumes, orgulhosamente
europeizados, foram descritos por MAGALHÃES (1993). BELL (1998, p. 73)
sustenta, com base em inventários, que, em meados do século XIX, o patrimônio dos
charqueadores era suficiente para que adquirissem as maiores plantation de café
disponíveis do Sudeste.
Por que houve concentração de charqueadas nas cercanias de Pelotas?
Seguiu havendo produção de charque em outras áreas do RS no começo do século
XIX. MAESTRI FILHO (1984, p. 64) registra que tal atividade ocorreu no eixo Jacuí-
Taquari e em Jaguarão, mas lá não prosperou. As vantagens locacionais de Pelotas
foram determinantes; a cidade de Rio Grande podia ser alcançada em poucas horas,
mas demorava mais de um mês para que o charque de Jacuí chegasse a tal porto. A
relativa proximidade das estâncias e a inexistência de maiores barreiras físicas para o
transporte do gado vivo (ao contrário do que acontecia com Rio Grande) levaram ao
89
sucesso inicial das charqueadas pelotenses. Economias externas, especialmente no
acesso aos insumos produtivos, devem ter catalisado o processo de concentração
espacial da indústria saladeiril.
Havia uma peculiaridade da manufatura do charque que condicionou a
trajetória de desenvolvimento da região: a utilização da mão-de-obra escrava. Ao
contrário das estâncias, aqui não há espaço para polêmica: a escravidão era o
sustentáculo da charqueada pelotense. Couty aponta que as charqueadas pelotenses
�têm de 60 a 90 trabalhadores escravos; todas possuem, além disso, alguns
trabalhadores livres� (COUTY77, apud CARDOSO, 1977, p. 71). Do trabalho dos
cativos, vinham desde a força motriz para o içamento do gado até tarefas menos
brutas, como a de salgadores da carne. Aos homens livres estavam destinadas as
tarefas de supervisão, controle e manuseio de instrumental mais complexo (MAESTRI
FILHO, 1984, p. 75).78 Em 1814, havia 1226 trabalhadores escravos contra apenas 712
residentes brancos em Pelotas. Logo em 1833, reporta-se que já havia, em Pelotas,
5119 escravos contra 3555 homens livres. De fato, essa exploração do afro-
descendente levou o RS ao terceiro lugar no Brasil em participação do trabalhador
cativo na mão-de-obra, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro e do Espírito Santo
(CONRAD, 1978).
As tabelas e mapas a seguir retratam a distribuição do trabalho escravo pelo
RS. O primeiro fato que chama atenção é que existiu escravidão por todo o estado.
Mesmo na colônia de São Leopoldo, a com menor participação de trabalhadores
cativos, esse valor era pouco maior do que 10%. Ao mesmo tempo, os dados dos
77 COUTY, L. Le Maté et les Conserves de Viande, rapport à son excellence monsier lê Ministre de l'Agriculture et du Commerce sur sa mission dans les provinces du Paraná, Rio Grande et les Etat du Sud. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1880.
78 Ver MAESTRI FILHO (1984, p. 66-73) para uma descrição mais pormenorizada do processo produtivo na charqueada com base em Couty e Dreyes.
90
municípios de Pelotas e municípios adjacentes, mostram que não houve exagero de
Guilhermino CÉSAR (1970) ao chamar a região de �Eufrates Negro�
TABELA 4.2 - POPULAÇÃO DO RS, POR ZONA, SEGUNDO A CONDIÇÃO DA POPULAÇÃO PRESENTE - 1814
ZONA POPULAÇÃO
TOTAL POPULAÇÃO
LIVRE POPULAÇÃO
LIVRE (%) Pelotas 2419 1193 49,32Piratini 3673 2138 58,21Santo Amaro (General Câmara) 1884 1111 58,97Porto Alegre 6111 3799 62,17São Bom Jesus de Triunfo 3450 2242 64,99Conceição do Arroio 1648 1110 67,35Freguesia de Viamão 2812 1904 67,71Cachoeira 8225 5603 68,12Rio Grande 3590 2471 68,83Santo Antônio da Patrulha 3103 2142 69,03Nossa Senhora dos Anjos (Gravataí) 2658 1942 73,06São José do Taquari 1714 1281 74,74S. Luiz de Mostardas (São José do Norte) 1151 870 75,59Rio Pardo 10445 8016 76,74Missões 7951 7699 96,83
FONTE: Adaptado a partir de Cardoso (1977, p. 51).
91
TABELA 4.3 - POPULAÇÃO NOS DISTRITOS ELEITORAIS DO RS- 1860
DISTRITOS POPULAÇÃO TOTAL POPULAÇÃO LIVRE POPULAÇÃO LIVRE (%)
Municípios da Metade Norte Triunfo 9531 6521 68,41Porto Alegre 29723 20341 68,43Conceição do Arroio 8636 6457 74,76Santo Antônio 14930 11733 78,58São Leopoldo 18690 16772 89,73Cruz Alta 26484 22073 83,34Passo Fundo 8208 6389 77,83 Municípios da Região Sul Jaguarão 12999 7668 58,98Pelotas 12893 7763 60,21Piratini 8684 5270 60,68Encruzilhada 6130 3832 62,51S. José do Norte 5369 3401 63,34Canguçu 7429 4801 64,62Bagé 12342 7982 64,67Rio Pardo 7203 4644 66,12Cachoeira 5169 3456 66,86Caçapava 10076 6820 67,68São Gabriel 7979 5609 70,29Alegrete 10999 7965 72,41Uruguaiana 8645 6593 76,26Rio Grande 19882 15432 77,61Santa Maria 5110 4124 80,70Itaqui 6631 5554 83,75São Borja 9263 8059 87,00
FONTE: Adaptado a partir de TRINDADE e NOLL (1991).
92
MAPA 4.1 - PARTICIPAÇÃO % DOS ESCRAVOS NA POPULAÇÃO DO RS - 1860
MAPA 4.2 � DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS ESCRAVOS NO RS - 1860
FONTE: FEE (1981 ) e TRINDADE e NOLL (1991). NOTA: Cada ponto equivale a 100 escravos. Dentro de cada município, a distribuição dos pontos é aleatória.
0 � 17 %;
19 � 28 %;
30 � 35 %;
36 � 41 %.
93
4.4. CAPITAL SOCIAL NA REGIÃO SUL
O trabalho clássico de Cardoso teve como marco teórico um tanto de
marxismo renovado por um tanto de análise weberiana. Não obstante, seu
entendimento da sociedade gaúcha pode ser interpretado através da abordagem do
capital social. Escreve o autor:
Na verdade, a sociedade rio-grandense não só se organizou nos moldes de uma estrutura patrimonialista, como às posições assimétricas da estrutura social correspondiam formas de comportamento reguladas por rígidas expectativas de dominação e subordinação. (CARDOSO, 1977, p. 82)
Nesse sentido, a região em questão seria a antítese da sociedade cívica de
Putnam. Há que se analisar melhor e discutir, com base nas evidências históricas se
todos os tipos de capital social foram prejudicados por tal formação social.
4.4.1. Capital Social em Pelotas e Rio Grande
A integração social era mínima entre escravos e senhores. Os que percebiam
bons tratos na gestão da mão-de-obra dos escravos charqueadores deveriam ter, como
parâmetro, relações de brutalidade sem igual. Veja-se a afirmação de LAYTANO79
(apud CARDOSO, 1977, p. 118): "Os negros das xarqueadas do Rio Grande do Sul
são bem tratados pelos seus senhores, que só lhe aplicavam castigos merecidos."
Mesmo que ocorram diferenças entre as duas cidades, parece que o racismo
foi uma tônica nesses centros urbanos. A discriminação racial começava na escola,
onde os negros e mulatos normalmente não eram aceitos no século XIX (LONER,
2001, p. 74). As barreiras aos negros se mostravam em outras esferas. Loner relata
79 LAYTANO, D. de. O negro no Rio Grande do Sul. Primeiro Seminário de Estudos Gaúchos, Porto Alegre: Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1957.
94
que, no começo da República, a segregação não se limitava a espaços fechados, mas
também a algumas praças, e mesmo nas calçadas, a preferência era dos brancos (2001,
p. 262). Até meados da década de 30, essas práticas prevaleciam em Pelotas.
CARDOSO (1977) conta também como o preconceito se manteve através dos ditos e
expressões populares.
Em uma sociedade com tamanho grau de segregação, com um legado
deixado pela escravidão, não há espaço para a formação de vínculos do tipo bridging,
nem linking entre a elite e os afro-descendentes. Mas e no tocante ao capital social
bonding?
A escravidão é um sistema "designed to destroy social capital among slaves
and between slaves and freemen" (PUTNAM, 2000, p. 294). A correlação espacial
entre a utilização da mão-de-obra escrava no século XIX e baixos estoques de capital
social no presente século foi identificada por tal autor para o caso dos estados norte-
americanos.
Certamente, em um primeiro momento, as barreiras lingüísticas limitavam a
constituição de relações sociais entre escravos ditos "novos", vindos de diferentes
regiões da África80. Não só havia as barreiras culturais originais, quanto houve o
esforço deliberado, de acordo com CARDOSO (1977, p. 257) de destruir as heranças
simbólicas dos africanos, para que fossem melhor explorados. Além disso, a promessa
de liberdade aos escravos que delatassem os companheiros insurrectos contribuía para
minar as possibilidades de cooperação. A baixa divisão do trabalho desestimularia, à
primeira vista, a formação de laços entre a mão-de-obra escrava. Haveria algum
sentido de companheirismo entre os escravos gaúchos no período anterior à Abolição?
Vigoraria a condição de anomia apontada por CARDOSO (1977, p.257)? Referindo-se
80 ASSUMPÇÃO (1990) identifica mais de vinte nacionalidades distintas de origem dos escravos a partir dos inventários de charqueadores pelotenses entre 1780 e 1831. Contudo, conforme alerta MAESTRI FILHO (1979, p. 70), muitas vezes tais referências levam em conta o porto de embarque na África e não sua nação de origem.
95
ao escravismo brasileiro em geral, Robert Walsh, em seu Notices of Brazil, de 1830
sustenta:
Não obstante os antagonismos que as diferentes tribos trazem consigo de seu próprio país, e as pequenas hostilidades que praticaram no Brasil, alimentadas e promovidas pelos brancos, existe sempre um vínculo que os liga tão firmemente como se tivessem pertencido à mesma raça, que é a comunidade de miséria nos navios em que foram trazidos. (apud CONRAD, 1985, p.66)
Será que esses vínculos se mostraram no Sul do Brasil? Dadas as restrições,
a melhor forma de buscar essa resposta, é recorrer ao trabalho de historiadores que
buscaram nas evidências documentais registros do associativismo. As pesquisas
recentes de LONER (1999 e 2001) e SILVA JÚNIOR (1999a e 1999b) têm levantado
as entidades associativas no RS no século XIX e XX. A primeira pesquisadora,
buscando as raízes da formação do movimento operário em Pelotas e Rio Grande,
encontrou uma rica vida associativa nessas cidades no final do século do XIX. Mais
ainda, ela percebeu uma tendência semelhante de depreciação do capital social à
identificada por Putnam nos, EUA (PUTNAM, 2000):
Analisando-se o quadro associativo atual dessas cidades, percebe-se que, relativamente, houve muito mais associações no passado do que no presente, evidenciando-se nesse retrocesso, não um processo de fusão e consolidação de entidades, mas o desencanto com seus resultados e a busca de soluções individuais. (LONER, 2001, p. 157)
Mas que tipos de associações? Em termos gerais, a autora identifica nas
sociedades de apoio mútuo, um predomínio de critérios étnicos e de nacionalidade
para a seleção de membros. Essas abarcavam imigrantes que ocupavam posições
distintas na escala social. No tocante as sociedades recreativas, também étnicas ou por
nacionalidades, os indivíduos possuíam profissões ou locais de moradia semelhantes
(LONER, 2001).
No que se referee às associações marcadamente negras, Loner registra que,
em fins do século XIX, 16 entidades se encaixavam nessa categoria. Dessas, cinco
eram beneficentes, oito recreativas em geral (musicais, carnavalescas, teatrais ou
bailantes), duas ligadas à Igreja Católica e uma com características políticas em
96
sentido mais estrito. Outras 23 associações negras foram fundadas desde 1900 até
1924 (LONER, 2001, p. 459). Os serviços prestados por tais sociedades beneficentes
iam desde suporte em caso de doença, apoio judicial, até auxílio funerário. A autora
destaca o caso da �Feliz Esperança�, fundada em 1880, em Pelotas. Essa associação
aceitava escravos, colaborava para a Abolição e fornecia aulas noturnas e biblioteca
para os membros.
Mesmo quando comparada a de outros estados brasileiros, a estrutura
associativa dos negros do extremo sul do Brasil é considerada marcante. Florestan
Fernandes visitando cidades gaúchas, em 1955, se surpreendeu com esse fato. Na
época, atribuiu-se a explicação desse fato ao grau de discriminação sofrido pelos
negros, talvez maior do que em outros estados (LONER, 2001, p. 260).
Nas sociedades bailantes da época, a segregação racial era clara. Brancos não
eram bem-vindos em bailes de negros e vice-versa. E dentro das associações bailantes
negras, indivíduos mulatos eram também impedidos de entrar (LONER, 2001,
p.267)81. A autora apontou também que havia clubes carnavalescos distintos para a
elite e para o setores mais pobres da população negra de Pelotas (LONER, 2001, p.
208).
A conclusão da pesquisadora ratifica a idéia de que eram elevados os
estoques de capital social dos negros e a carência de capital social bridging:
Servindo para o congraçamento, e como forma de sobrevivência numa sociedade hostil, que os discriminava, as entidades negras formaram uma rede associativa completa e separada das demais, nas duas cidades, incluindo entidades recreativas, beneficentes e de socorro mútuo, esportiva e religiosas. (LONER, 2001, p. 406; sem grifo no original)82
81 Relatos orais sugerem também que os mulatos discriminavam os negros (LONER, 2001, p. 116n)
82 LONER reforça esse ponto em outro trecho (2001, p. 266): �Devido à intensidade do preconceito e talvez à menor mobilidade social do grupo negro nessa região, ou seu maior número, relativamente à população, os negros cedo tiveram que reconhecer a necessidade da organização como forma de sobrevivência. A rede associativa criada visava tecer apoios ao indivíduo associado e congregá-lo entre iguais, demarcando, ao mesmo tempo, suas diferenças em relação aos outros grupos
97
SILVA JÚNIOR (1999a, 1999b) tem feito um levantamento das associações
de socorro mútuo no RS. Seus dados sobre a distribuição do mutualismo não mostram
diferenças de destaque no número de entidades por habitantes entre as regiões do
estado. A média dessa relação esteve por volta de 0,15 associações por mil habitantes.
A variação intra-regional é alta; tem-se Uruguaiana com 0,35 e os São Gabriel com
0,05 entidades por milhares de habitantes83. Esses dados quantitativos podem camuflar
diferenças substanciais sobre a natureza dessas associações e das sociedades nos quais
se encontram. O autor aponta que, enquanto na capital da província há o registro de
associações de socorro mútuo de �brasileiros� em que conviviam brancos e negros
(inclusive em postos de direção), em Pelotas, não se registra o mesmo fato. Segundo o
autor (1999a, p. 84), isso �talvez indique diferentes relações entre negros e brancos nas
duas cidades: enquanto em Porto Alegre as sociedades de socorros mútuos se podiam
constituir com ambos grupos; em Pelotas, haveria maior dificuldade na criação de
entidades mútuas.�
4.4.2. Capital Social na Elite
VARELA (1897, p. 395) celebra o espírito de associação gaúcho: "O rio
grandense é extremamente sociável, d´ahi o grande número de associações que
existem no paiz."
Essas associações seriam as cívicas celebradas por Putnam? VARELA
(1897, p. 394), ao enaltecer o associativismo gaúcho, cita aquelas entidades voltadas
para a elite que se construiu em torno do charque em Pelotas e Rio Grande. De
qualquer forma, CAMARGO (1868, p. 172) registra a existência de cinco sociedades
beneficentes em Porto Alegre contra apenas duas no eixo Pelotas-Rio Grande.
83 Segundo o autor (1999b, p. 154), as associações mutuais étnicas de italianos ligados ao comércio lícito e ilícito na fronteira sul possam estar se manifestando nesses indicadores. Outra possibilidade é que isso refletisse apenas o fato de se tratarem de �minorias étnicas� (SILVA JÚNIOR, 1999a, p.78).
98
Já em 1805, os charqueadores pelotenses pediam ao Senado que proibisse a
fabricação de carnes de janeiro a julho (MAESTRI FILHO, 1984, p.72-73).84
Evidências de organização também estão nas precoces datas de formações de
associações comerciais, intituladas Praças de Comércio, em Rio Grande e Pelotas em
1844 e 1873, respectivamente. Para fins comparativos, a correspondente paulistana
dessas associações só veio a ser fundada 21 anos. A atuação daquelas organizações ia
muito além da mera presença cerimonial; PESAVENTO (1986, p. 28) registra que
tarefas de desobstrução do canal do Rio São Gonçalo, fundamental para a exportação a
partir de Pelotas, foi feita graças à mobilização da Praça de Comércio dessa cidade. A
cooperação entre os empresários parece ter se dado também informalmente. Em Rio
Grande, Arsène Isabelle, geralmente crítico da sociedade da época, identificava, em
1834 (ISABELLE85, apud PESAVENTO, 1986, p. 26; sem grifo no original):
O que mais contribui para a prosperidade de São Pedro é o espírito de associação de seus negociantes, os quais empregam grande parte das fortunas em empresas de utilidade pública, tentando atrair o comércio estrangeiro, assim como modificar, por obras importantes, os graves inconvenientes de uma situação tão desagradável quanto pouco cômoda que apresenta sua cidade.
Ainda sobre Rio Grande, Isabelle prossegue: "... constitui-se uma alfândega
espaçosa; foi feito o cais; um teatro acaba de ser levantado; o Paço do Conselho está
em construção e tudo isso à custa dos negociantes da cidade" [sem grifo no original]
A elite de Rio Grande estava mais associada ao capital bancário e comercial,
enquanto a de Pelotas, à atividade charqueadora strictu sensu. Em termos mais gerais,
a literatura menciona diferenças entre as estruturas sociais de Rio Grande e Pelotas.
LONER (2001, p. 282) sustenta que Pelotas tinha um caráter mais aristocrático e a
retrata sua elite em termos veblenianos: ócio e consumos conspícuos seriam uma
constante. Já Rio Grande seria menos aristocrática, devido à sua especialização
84 Defendiam eles a qualidade do produto, ou era uma tentativa de cartelização?
85 ISABELLE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul (1833-1834). Porto Alegre: Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, 1946.
99
produtiva. Mesmo estando ambas as cidades unidas ao redor do charque, percebe-se a
ocorrência de conflitos entre suas respectivas elites86.
Em termos de associativismo formal, LONER (2001) registra 19 associações
patronais fundadas em Pelotas e dez em Rio Grande, no período entre 1889 e 1930.
Vão desde associações bastante restritas, como a de donos de alfaiatarias até
associações comerciais mais amplas. Essas, mais importantes na vida da região e com
presença política mais ativa, foram discutidas por RIDINGS (1994). Em seu estudo
sobre associações mercantis no Brasil do século XIX, ele aponta que conflitos entre
associações comerciais gaúchas dissiparam, em parte, seus esforços de
desenvolvimento: �The mercantile communities of Porto Alegre, Pelotas and Rio
Grande in the flourishing province of Rio Grande do Sul faced a common challenge:
each other� (RIDINGS, 1994, p. 21).
Por vezes, os choques de interesse ocorriam entre Porto Alegre e os dois
centros urbanos principais da Região Sul da Província. Em 1870, por exemplo, a
Associação Comercial de Porto Alegre não cooperou com a expansão da rede de
telégrafo até Pelotas e Rio Grande. Na visão de RIDINGS (1994, p. 255), isso era uma
forma de a primeira cidade buscar se manter à frente em infra-estrutura em relação às
demais. Outras vezes, os conflitos eram mais generalizados, como a disputa que durou
mais de 30 anos, acerca de quais cidades deveriam ter o direito de possuir alfândegas.
No âmbito desse conflito, os comerciantes pelotenses chegaram a assinar um acordo,
em 1880, de não comprar produtos estrangeiros que tivessem entrado pelo porto de
Rio Grande.
O Centro Agricolo Industrial de Pelotas é um caso interessante. Fundada em
1887, a instituição buscava englobar todos os setores patronais, agricultores,
86 Apesar desses choques, a dissonância de interesses não deve ser exagerada. Existiam membros das elites cujos interesses estavam asssociados às atividades principais das duas cidades. Joaquim José de Assunção, primeiro presidente da Praça de Comércio de Pelotas, charqueador, comerciante e banqueiro, é representativo desse fenômeno (PESAVENTO, 1986, p. 28). Ver também BELL (1998, p. 62).
100
pecuaristas e charqueadores. Como era de se esperar, suas posturas eram �a strange
mixture of conservative and radical attitudes" (RIDINGS, 1994, p. 219). Era
protecionista e escravocrata, mas defendia a taxação dos latifúndios. Apesar de a
associação defender o �associativismo como o instrumento ideal para vencerem os
percalços colocados ao desenvolvimento econômico�, ela não conseguiu criar um
consenso em torno das políticas a serem defendidas. Chegou ao fim, logo em 1888,
vítima das divergências internas (LONER, 2001, p. 146). O surgimento e o fracasso
dessa associação mostram as dificuldades de manutenção de um grupo mais amplo na
região.
Essa dificuldade de se ter uma ação coordenada das elites locais se manifesta
no caráter das políticas públicas na região durante o século XIX. VERSCHOORE
FILHO (2000, p. 133) apontou que essas foram pouco organizadas, descontínuas e
fragmentadas. Essa incapacidade das elites locais de construírem um consenso em
torno de políticas e suas brigas internas reflete a fragmentação local. Cada grupo,
buscando seus interesses de curto-prazo, acabava por contrabalançar os esforços dos
outros grupos e frear a capacidade da sociedade de fazer as mudanças necessárias.
4.4.3. Regionalização do RS
Encontrar uma definição de �região� é uma das mais ingratas tarefas com as
quais a Economia Regional se debate. Esse passo metodológico, inicial para os
trabalhos que lidam com a questão espacial, também aqui terá que ser enfrentado.
Afinal, só há sentido em se referir a um certo espaço como �Campanha�, se, ex-ante,
houver um critério que permita essa regionalização. A questão do conceito de região,
contudo, será tratada à luz dos métodos e objetivos dessa tese e sem ambição de
generalidade.
A Região Sul do RS foi definida administrativamente pelo decreto estadual
nº 38.473, em 1998. Obviamente, o legislador teve suas razões para fazê-la. Porém
seus critérios não são apropriados para o presente estudo. Necessita-se de uma
101
regionalização que tenha uma visão histórica da formação do RS e que perceba que
estruturas econômicas dispersas e distintas podem estar envolvidas na mesma lógica.
A regionalização feita por FONSECA (1983) cumpre esses requisitos. Nessa
obra, o autor busca as raízes dos conflitos políticos durante a República Velha, no RS
nas divergências de interesses econômicos de setores localizados nas regiões do
Estado em uma economia que se transformava. A estagnação da tradicional economia
pecuário-charqueadora e a lenta perda do poder frente aos novos atores político-
econômicos seriam as razões profundas do conflito �chimangos� versus �maragatos�.
O autor afirma seguir a abordagem weberiana dos tipos ideais ao elaborar a
sua regionalização. Mesmo sem ter explicitado o seu conceito, percebe-se que define
as regiões como sendo territórios que tiveram sua construção histórica em torno de
mesmas atividade(s) produtiva(s) e/ou formações sociais. Dessa maneira, mesmo
reconhecendo a possibilidade de conflitos de interesses internos (charqueadores versus
estancieiros), a intensidade de relações sócio-econômicas no território permite que se
possa denominá-lo sob a mesma rubrica regional.
Assim sendo, Pedro C. D. Fonseca define a região da Campanha da seguinte
forma:
A Campanha é de antiga colonização ibérica; é onde, no Império, apareceu o trabalho escravo, principalmente nas charqueadas; durante o século XIX foi a mais importante região gaúcha, onde se desenvolveu predominantemente a criação de gado. É a zona das estâncias, de economia predominantemente pecuária onde aparecem o peão, o agregado e outras formas de parceria, todos vinculados ao latifúndio (�) Os portos de Pelotas e Rio Grande vinculam-se à Campanha, sendo os grandes escoadouros da produção. (1983, p. 27)
Ainda de acordo com seus critérios, não se pode considerar que exista uma
região �Metade Norte�. Pode-se identificar duas partes desse território: a Serra e o
Planalto. A primeira equivale às áreas ocupadas intensamente apenas a partir do último
quartel do século XIX onde preponderavam os trabalhadores europeus livres e a
pequena propriedade voltada para o mercado interno. A região do Planalto tem
características não tão fáceis de serem estereotipadas quanto as duas anteriores. Nela,
102
os terrenos não são tão propícios à criação de gado (os ditos campos de terceira classe,
ver FONSECA, 1983, p. 41) registra-se a ocorrência de minifúndios ao lado de
latifúndios, e sua ocupação também é mais recente. Existem, ainda, outras áreas que
seria imprudente enquadrar em qualquer uma dessas três regiões. São as zonas de
transição entre regiões, de pouca importância econômica na época, ou mesmo áreas
atípicas. Essa será chamada aqui de área Mista. A regionalização é reproduzida no
Mapa 4.3. 87
87 SÁ (1945, p. 50) identifica três regiões no RS: Noroeste, Fronteira e Colônias. Grosso modo, elas são equivalentes às regiões do Planalto, Campanha e Serra aqui referidas. Tal como FONSECA (1983), Sá deixou de fora da regionalização os territórios que não fossem devidamente enquadrados em qualquer uma das categorias. LOVE (1971), por sua vez, optou por dividir o estado, durante a República Velha, em Campanha, Serra e Litoral. A primeira região equivale à que recebeu o mesmo nome neste trabalho, contudo os limites das outras regiões são bem distintos dos utilizados. MESQUITA (1984) resumiu as diversas divisões regionais do RS.
103
MAPA 4.3 - REGIÕES DO RIO GRANDE DO SUL DURANTE A REPÚBLICA VELHA
FONTE: reproduzido a partir de FONSECA (1983, p. 28).
Essa regionalização se encaixa nos métodos dessa tese por diversas razões. O
autor trata de características regionais da República Velha, mas derivadas das
formações econômicas do período da Colônia e do Império. Há, portanto, uma
coincidência de períodos. Ainda mais importante é o fato da definição das regiões ter
se dado com base na estruturas sócio-econômicas afins ou integradas (como no caso da
charqueada-estância).88 Haja vista que a hipótese a ser apreciada envolve o exame da
características das atividades produtivas no séc. XIX para explicar as trajetórias de
desenvolvimento regionais, é importante que a regionalização parta exatamente dessas
características. Por fim, por se utilizar uma divisão regional feita para um trabalho com
88 O conceito de região de NORTH (1955), que leva em conta a união em torno de uma base exportadora comum, também resultaria nos mesmos limites territoriais aqui definidos.
104
outros objetivos, elimina-se o risco de adotar ex-post uma classificação que proteja as
hipóteses aqui em jogo89.
4.5. A UTILIZAÇÃO DE ESCRAVOS NA CHARQUEADA
Nesse momento, faz-se necessária uma discussão sobres as razões da
utilização de mão-de-obra cativa nas charqueadas. Dois mitos resistiram (e talvez
ainda persistam) no imaginário gaúcho: a) a idéia de que a escravidão foi pouco
importante para a formação do RS; b) a brandura com que os afro-brasileiros cativos
eram tratados no estado. Uma ampla bibliografia revisionista derrubou essas crenças
para o público acadêmico e, portanto, torna-se desnecessário retomar esses dois pontos
apenas por iconoclastia90.
Hoje se reconhece, a partir de relatos da época, anúncios de jornais e dados
censitários, que o trabalho cativo esteve presente em virtualmente todos os momentos
e espaços da formação do espaço rio-grandense91. Segundo MAESTRI FILHO (1984,
p. 35), quando o foco da análise histórica for uma atividade profissional ou uma etnia
89 ALONSO e BANDEIRA (1994) discutem o conceito de região, sem perder de vista os problemas de construção de séries longas de dados para o RS. Os autores terminam optando por um critério de homogeneidade histórica, semelhante ao utilizado por FONSECA (1983). A regionalização dos autores se distingue por ser exaustiva (não havendo espaço pra as áreas atípicas) e por algumas divergências quanto aos limites entre as regiões. VERSCHOORE FILHO (2000, p. 14-20) apóia a existência da região Metade Sul� à luz de diversos critérios de região e ele opta por limitá-la de acordo com as linhas seguidas pela administração pública gaúcha. Essa escolha é adequada frente ao objeto de pesquisa do autor, qual seja: as políticas públicas de desenvolvimento da Metade Sul.
90 Uma bibliografia que relê o revisionismo, como TARGA (1991a), considera que Fernando Henrique Cardoso exagerou na sua caracterização da escravidão no sul do Brasil. Possíveis exageros pontuais podem ter ocorrido, mas os documentos apóiam muito mais o retrato da sociedade gaúcha feito por Cardoso do que a historiografia conservadora que ele buscou contrapor.
91 Além dos problemas habituais envolvidos na pesquisa de fontes primárias, os estudiosos da escravidão gaúcha enfrentam as conseqüências da Portaria de 29 de Junho de 1891 do Estado do Rio Grande do Sul. Essa, derivada de uma ordem de caráter nacional, ordenou a queima de documentos relativos à escravidão. Felizmente, ela não foi cumprida com zelo pela burocracia da época (BAKOS, 1982, p. 17).
105
específica, por vezes se percebe apenas o trabalhador livre. Contudo uma análise mais
geral, que examine o entorno das evidências históricas, indica a virtual onipresença do
trabalho escravo. A partir do primeiro livro de registros de batizados do RS cobrindo o
período de 1738 até 1753, pode-se estimar que um quinto da população tinha
ascendência africana (WEIMER, 1991, p.9). O levantamento populacional de 1780
também mostra que cerca de 28% da população gaúcha era formada por negros92.
Percebe-se que o trabalho cativo esteve presente nas atividades de subsistência da
província e também na exportação de trigo com ênfase crescente, na medida que se
aproximava o século XIX (CARDOSO, 1977).
A abordagem de DOMAR (1970) evidencia as razões para a utilização de
mão-de-obra escrava no Brasil meridional93. Através de um modelo simplificado, o
autor argumenta que, quando a terra é um fator de produção relativamente abundante,
uma classe de donos de terra só se mantém através do trabalho escravo. A razão é
simples: um trabalhador livre sempre teria a oportunidade de dirigir-se para as terras
devolutas e voltar-se para a produção de subsistência. De tal forma que, supondo-se
que as produtividades médias e marginais do trabalho aplicado à terra são idênticas e
constantes, nenhuma renda poderia ser extraída das homogêneas e fartas terras
pressupostas pelo modelo. Na versão mais simplificada da abordagem de DOMAR
(1970, p. 18-21) chega-se a seguinte conclusão: "... this hypothesis asserts that of three
92 WEIMER (1991, p. 10) mostra que a menor participação populacional do negro era de 11% em Aldeia do Anjos (cuja população continha 80% de índios) e o maior contingente afro-brasileira se localizava em termos absolutos e relativos na freguesia de Viamão (749 negros, isto é, 40% da população total).
93 Existem outras explicações para a existência da escravidão, e.g. FENOALTEA (1984) e HANES (1996). Mas seus pressupostos não parecem refletir a situação do extremo sul. Para um resumo sobre Economia da Escravidão, ver: EGGERTSSON (1990, p.203-213). VERSIANI (1994) e VERSIANI e VERGOLINO (2000) aplicam tal abordagem à experiência brasileira. Para uma crítica empírica e teórica à hipótese de Domar, ver PATTERSON (1977).
106
elements of an agricultural structure relevant here- free land, free peasants, and non-
working landowners- any two elements but never three can exist simultaneously." 94
Entre buscar no Pampa a sobrevivência ou envolver-se no trabalho nas
charqueadas pelotenses, a escolha pela primeira opção é óbvia para o trabalhador livre,
o que impediria o surgimento de uma aristocracia rural. Contudo, uma vez que havia a
possibilidade institucional da utilização de escravos, as necessidades de mão-de-obra
foram supridas pelo tráfico negreiro, quer oriundo do Sudeste, quer vindo diretamente
da África (especialmente até 1850). Buscando a superação dos problemas
informacionais decorrentes da aplicação de trabalhadores não livres, criou-se um forte
esquema de monitoramento. A vigilância dos feitores era constante: "Uma charqueada
bem administrada é um estabelecimento penitenciário" (DREYS95, apud MAESTRI
FILHO, 1993, p.42).
Um sinal de que o modelo de Domar tem uma boa aderência ao caso da
escravidão campeira se mostra nas restrições efetivas ao acesso à terra e o declínio na
utilização dos escravos nos municípios da Campanha. O cercamento dos campos gerou
um aumento da oferta de trabalho (derivado da redução das terras disponíveis) e, ao
mesmo tempo, uma diminuição da demanda por trabalho (decorrente da maior
eficiência no uso da mão-de-obra), o que reduziu os salários dos trabalhadores
campeiros, tornando a escravidão redundante. Foi BELL (1998, p. 127), sem fazer
referência ao modelo de Domar, quem concluiu: "There is a close correspondence
between the adoption of wire fencing on a scale and the abolition of slavery in the
campanha counties."
94 O próprio DOMAR (1970) admite que tal idéia já havia sido formulada independentemente por outros cientistas sociais. CARDOSO (1977, p. 60) encontra essa hipótese em Marx.
95 DREYS, N. Noticia Descriptiva da Província do Rio Grade de São Pedro do Sul. Rio de Janeiro: J. Villeneuve e Comp., 1839.
107
Robert FOGEL (1989, p. 34) acrescenta outra razão para a escravidão negra
nas Américas: os senhores almejavam impor um novo e elevado grau de disciplina
fabril. Apenas através da coerção física tal rigor poderia ser exercido. Por razões
culturais, os descendentes de europeus não eram submetidos às práticas violentas que
eram aceitáveis socialmente quando aplicadas aos trabalhadores negros. A ameaça
constante do feitor e as condições de trabalho nas charqueadas (chocantes aos olhos
dos observadores da época) literalmente expulsavam o trabalhador livre96. Os relatos
dos viajantes estrangeiros e as notícias da época mostram o quão insalubre era o
trabalho saladeiril. Escreve Herbert SMITH97, em 1882 (apud CARDOSO, 1977,
p.136):
Há um não sei o que de revoltante e ao mesmo tempo cativador nestes grandes matadouros; os trabalhadores negros, semi-nus, escorrendo sangue; os animais que lutam, os soalhos e sarjetas correndo rubros, os feitores estólidos, vigiando imóveis sessenta mortos por hora, os montes de carne fresca descorando, o vapor assobiado das caldeiras, a confusão, que entretanto é ordem: tudo isto combina-se para formar uma pintura tão peregrina e horrida quando pode caber a imaginação.
O ponto que chama a atenção é que, durante todo o século XIX, as
charqueadas escravistas gaúchas tiveram como adversários os saladeros que
utilizavam trabalhadores assalariados em terras uruguaias. O resultado dessa
competição foi influenciado pela conturbada conjuntura política da primeira metade do
século XIX. Os conflitos que levaram à independência do Uruguai (1828), à
Revolução Farroupilha (1835-1845) e ao tratado que pôs fim à Guerra Grande (1848-
1851) fizeram com que a liderança do setor oscilasse entre saladeros e charqueadores.
96 BAKOS (1982, p. 29) destaca a aversão que o trabalhador branco livre teria em labutar ao lado do negro cativo. Gonçalves Chaves apontava em 1833 que de acordo com a opinião da época trabalhar com um cativo tornava o indivíduo o �mais desgraçado de todos os homens� e que perde �a dignidade e o brio� (CHAVES, 1978, p.60). Esse fato deve ter contribuído para que não convivessem negros e brancos na mesma tarefa nas charqueadas.
97 SMITH, H. H. Do Rio de Janeiro a Cuyabá. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1922.
108
A bibliografia brasileira costuma referir que o setor saladeiril uruguaio
usufruía do fato de ter uma presença política no governo central que não tinha
correspondência no caso dos charqueadores98. Por terem um papel subsidiário na
economia do Segundo Império, a hegemonia desses se limitava apenas à província do
Rio Grande. Conflitos entre a elite local e a do centro do país em questões tributárias e
tarifárias foram freqüentes. Mesmo assim, não se pode dizer que tais segmentos foram
esquecidos pelo centro, uma vez que a proteção tarifária foi uma constante durante o
período.
Tais fatos tiveram importância nos destinos das charqueadas e saladeros,
porém o ponto aqui é identificar as diferenças estruturais entre os dois setores. Aponta-
se que o tasajo, sendo um produto final de melhor qualidade e custos menores,
desafiou a posição de Pelotas no mercado a partir de meados do século XIX. O fim do
tráfico negreiro transatlântico, em 1850, com a conseqüente elevação dos preços dos
escravos é visto como um fator que contribuiu para a crise das charqueadas pelotenses
a partir de 186099. Os 25% de taxa de importação sobre o charque importado e a
isenção de tarifas na importação de gado uruguaio eram considerados insuficientes
para proteger o setor.
De acordo com CARDOSO (1977), a ineficiência da produção gaúcha de
charque vis-à-vis a uruguaia decorria da própria escravidão. Em Pelotas, como o
controle do trabalho era feito através do número de animais e couros preparados por
cada escravo, havia limitações à divisão das tarefas. No Uruguai, por sua vez, ocorria
plena subdivisão das tarefas (CARDOSO, 1977, p. 186-205). Essa restrição resultaria
também em obstáculos à inovação tecnológica no processo de produtivo. Existiriam,
também, os problemas de incentivos ao trabalhador escravo: "O Escravo, diz hum
98 Ver PESAVENTO (1990, cap. II) e CARDOSO (1977, p. 155-170).
99 Na verdade, no Apêndice 1 argumenta-se que esse aumento dos preços dos escravos deve ser entendido no quadro mais amplo do boom exportador de café. A crise no charque seria, um sintoma de que a Dutch Disease atingiu o RS.
109
Economista, consome o mais que póde, e trabalha o menos que pode- He esta huma
verdade que não precisa ser demonstrada: o Escravo que por modo algum pode esperar
prêmio do seu trabalho, interessa-se em consumir e em não trabalhar." (CHAVES,
1978, p. 60)100
Esses elementos, somados à necessidade de ocupar o escravo durante todo o
tempo em atividades supérfluas, mesmo que a charqueada fosse uma atividade
sazonal, levaram a que se formasse um �regime de desperdício� (CARDOSO, 1977, p.
175). Com base nos observadores da época (Gonçalves Chaves e Couty, entre outros),
que também percebiam a superioridade econômica do trabalho livre, Cardoso afirma
que a escravidão era incompatível com o desenvolvimento das charqueadas e que foi,
em última instância, a responsável pela sua prolongada decadência.
Uma questão se destaca: por que os charqueadores seguiram sendo
escravistas? Se havia os que na época percebiam a maior eficiência do trabalho livre,
por que, mesmo antes da Abolição, não adotá-lo? Mais intrigante ainda é notar que
Gonçalves Chaves, um influente charqueador que via trabalho cativo como um
obstáculo ao desenvolvimento, seguiu utilizando escravos até a sua morte em 1871
(MAESTRI FILHO, 1984, p. 90 e BELL, 1998, p.74)101. Às vésperas da Abolição, a
charqueada de Junius Brutus de Almeida, �um dos charqueadores mais capitalizados e
empreendedores entre seus pares�, tanto seguia utilizando trabalho cativo que teve que
enfrentar uma rebelião escrava (LONER, 2001, p. 71).
100 O economista citado por Chaves é Adam Smith: �The experience of all ages and nations, I
believe, demonstrates that the work done by slaves, though appears to cost only their maintenance, is in the end
the dearest of any. A person who can acquire no property can have no other interest but to eat as much, and to
labour as little as possible� (SMITH, 1776, p.389).
101 Os seus 48 escravos tiveram o valor estimado como levemente superior ao de sua charqueada. (BELL, 1998, p.74)
110
Cardoso responde a esse enigma sustentando que os charqueadores estavam
imersos em uma Weltanschauung senhorial. Isso os fazia ver a escravidão, não como
um meio para obtenção dos lucros, mas como um fim em si:
... no sistema escravista, o interesse imediato está na organização e na controle da mão de obra como um verdadeiro faux frais da produção, isto é, não no sentido de aumentar a produtividade, mas no intuito e com o resultado de manter a autoridade no trabalho. (CARDOSO, 1977, p. 174)
Isso fez com que eles fossem incapazes de fazer a mudança das relações de
trabalho necessárias para a sobrevivência do setor frente à concorrência dos saladeros.
Na visão de Cardoso, portanto, haveria um componente irracional no comportamento
dos charqueadores, no sentido de que eles não estariam imbuídos da mentalidade
capitalista maximizadora (CARDOSO, 1977, p.170-186) - uma vez escravocratas,
sempre escravocratas.
Uma bibliografia mais recente revê criticamente a afirmação de que a
escravidão era intrinsecamente menos eficiente do que o trabalho livre. Segundo
CORSETTI (1983) e ASSUMPÇÃO (1995), as diferenças entre o custo do charque
uruguaio e gaúcho poderiam advir dos vastos diferenciais de produtividade da criação
do gado. Obtinha-se metade do peso de charque do gado criado em terras gaúchas em
relação às terras do Prata (MARQUES, 1992, p. 15). Tais autores também questionam
a idéia de que a escravidão é incompatível com o progresso técnico. CORSETTI102
(apud ASSUMPÇÃO, 1995, p. 124) menciona que, ao menos desde meados do século
XIX, houve a introdução de máquinas a vapor para a extração de gordura animal e
outros avanços tecnológicos foram usados com freqüência nas charqueadas pelotenses.
PESAVENTO (1980, p. 42) mostra as vantagens da atividade saladeiril uruguaia em
relação à pelotense no período da República Velha. A qualidade do gado, das
pastagens forrageiras, o menor preço do sal e a localização litorânea das charqueadas
102 CORSETTI, B. Estudo da charqueada escravista gaúcha no século XIX. Niterói- RJ, 1983. Dissertação (Mestrado em História) - Departamento de História, UFF.
111
faziam o Uruguai um país �saladeiril por excelência� (PESAVENTO, 1980, p. 42). Ou
seja, as vantagens uruguaias persistiram mesmo quando já havia ocorrido a transição
para o trabalho livre nas terras gaúchas. Assim, a escravidão não pode ser totalmente
responsabilizada pela ineficiência das charqueadas em Pelotas e região.
Há que se contestar também a visão de não havia quaisquer incentivos
positivos ao aumento da produtividade dos escravos. O próprio COUTY103 (apud
CARDOSO, 1977, p.206) atesta que os charqueadores ofereciam recompensa
monetária para os escravos que superassem suas cotas produtivas diárias.104 Também é
interessante notar que fracassaram as tentativas de implantação de charqueadas
baseadas no trabalho assalariado. O francês J. B. Roux fracassou, em meados do
século XIX, ao instalar, em Pelotas, uma charqueada com o chamado �sistema
platino�, empregando trabalhadores livres bascos, uruguaios e argentinos (BELL,
1998, p. 233n)105.
No tocante à divisão do trabalho escravo, talvez ela tenha sido maior do que
apontavam alguns autores. GUTIERREZ (1999, p.180) apresenta um levantamento
feito a partir dos inventários de charqueadores pelotenses entre 1810 e 1887. Mostra-se
a ocorrência de escravos em dez diferentes tarefas diretamente ligadas ao processo de
produção do charque. Havia escravos em outras duas dezenas de atividades diferentes,
como de apoio ou em tarefas domésticas. Segundo a autora (1999, p. 182), na amostra
examinada, 53% dos escravos possuíam ofício específico.
103 COUTY, L. Le Maté et les Conserves de Viande, rapport à son excellence monsier lê Ministre de l'Agriculture et du Commerce sur sa mission dans les provinces du Paraná, Rio Grande et les Etat du Sud. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1880.
104 CARDOSO (1977, p. 206) faz referência a essa prática, contudo a trata como uma excrescência, uma anomalia do sistema escravista em crise. Não percebe ele que a concessão de incentivos aos escravos é freqüente ao longo da história.
105 Para CARDOSO (1977, p. 207), o fracasso do trabalho livre das charqueadas pelotenses, vem do fato de que os senhores de escravos seguiriam tratando seus funcionários como tratavam os escravos.
112
O principal desconforto que se tem com visões como a de Cardoso é a sua
inconsistência. Os charqueadores estiveram sempre prontos a agir em favor de seus
lucros: pleitearam a defesa do charque nacional; solicitaram a redução dos impostos de
importação ao sal; e inovaram na organização (com referidos incentivos monetários
aos escravos) e nas técnicas de produção. Além disso, em um momento anterior, ao
aproveitarem a janela de oportunidade decorrente da desorganização da produção no
Prata, os charqueadores não estariam eles tendo um comportamento de
empreendedores capitalistas? Como conciliar a imagem de uma classe senhorial
irracionalmente apegada, por décadas, à escravidão com tais atuações? A hipótese de
Cardoso implica uma esquizofrenia dos charqueadores: de um lado, senhores que,
mesmo percebendo a superioridade do trabalho livre, seguem escravocratas; e de
outro, senhores que têm comportamentos análogos aos esperados de empresários106.
A questão da eficiência econômica da escravidão na charqueada é relevante
para os objetivos desse trabalho. Se a hipótese de Cardoso for correta, torna-se
possível aceitar explicações que atribuíam a decadência da Região Sul à aversão ao
risco da elite local, que seria dotada de racionalidade restrita (à moda de Simon), sendo
satisficers e não optimizers (BANDEIRA, 1994, p. 20). Assim, a escassez de espírito
empresarial na região teria restringido a renovação produtiva e levado à perda de
dinamismo no século XX. A semelhança dessa explicação com a de Cardoso a faz
suscetível à mesma crítica de inconsistência.
A questão da eficiência da escravidão gaúcha tem que ser apreciada
empiricamente de forma semelhante à feita por FOGEL e ENGERMAN (1974). Se for
constatado que o cerne da ineficiência estava localizado não no trabalho cativo, mas
nas diferenças nos preços de outros fatores, taxa de câmbio ou estrutura tributária entre
os países, não há qualquer enigma a ser resolvido. Quer dotados de racionalidade
instrumental, quer não, os charqueadores estavam tomando decisões eficientes de
106 Inclusive no comportamento rent-seeking.
113
produção ao utilizarem escravos. Contudo, se for estimado que o trabalho livre
uruguaio era efetivamente mais rentável do que o escravo gaúcho, os esforços de
pesquisa deverão dirigir-se para desvendar as razões que levaram os senhores a não
venderem ou libertarem esses últimos. O alcance desse importante projeto de pesquisa
foge aos objetivos dessa tese. Não obstante é interessante reproduzir o que o
escravocrata Taunay escreveu, há 164 anos, em seu Manual do Agricultor Brasileiro
(TAUNAY, 2001): �Os pretos não se compram para se ter o gosto de os sustentar e de
os ver folgar, mas sim para tirar do seu trabalho os meios de subsistir e lucrar"
4.6. CONCLUSÃO
Em fins do século XIX, o problema não era propriamente de escassez de
capital social em geral na Região Sul do RS. A questão está nos tipos de capital social
abundantes e escassos. Mesmo após a Abolição, os negros ex-escravos e os seus
descendentes não tiveram acesso ao capital social bridging e muito menos ao linking.
Em uma sociedade de castas, no dizer de CARDOSO (1977, p. 300), e sem acesso aos
tomadores de decisão, eles tiveram que contar com o seu capital social bonding e nele
investir para que tivessem acesso ao mínimo de proteção social. Este tipo de capital,
em consonância com o que afirma a literatura, foi insuficiente para gerar as
conseqüências benéficas sobre o crescimento econômico a longo prazo.
O capital social bonding dos estratos superiores, portanto, teve um efeito
positivo para os seus membros, ao menos a curto prazo, porém suas conseqüências
sobre a região e o país são mais questionáveis. Na verdade, a ação das coalizões
distributivas não é independente da carência de capital social bridging e linking. Em
uma sociedade pouco cívica, na qual a população não participa da vida pública, a
eficiência do setor público é menor, sendo ele mais permeável às pressões dos grupos
114
de interesse. 107 No próximo capítulo, mostra-se que essas tendências também se
evidenciaram durante a transição da charqueada para o frigorífico, na República
Velha.
107 Em trabalho anterior, buscou-se compatibilizar as visões de Putnam e de Olson no âmbito da análise regional (MONASTERIO, 1999).
115
5. A CAMPANHA DURANTE A REPÚBLICA VELHA
5.1. INTRODUÇÃO
Por que a Campanha não foi capaz de fazer as transformações produtivas
necessárias para que mantivesse a sua dinâmica econômica no período republicano?
Não cabe aqui repassar toda a história da região ou mesmo do RS ao longo desse
período108. Igualmente, as determinantes externas, juntamente com as mudanças dentro
do estado, foram relevantes para a trajetória de desenvolvimento da região, contudo a
ênfase aqui recai sobre os fatores institucionais internos que a condicionaram.
A carência de informações quantitativas sobre esse período impossibilita a
aplicação dos mesmos métodos econométricos utilizados para se analisar o período
subseqüente que constam da próxima seção. Portanto outros procedimentos são
necessários. Considerando-se que o complexo charque-estância é a chave para se
entender os caminhos de desenvolvimento da região, suas mudanças e continuidades
serão aqui examinadas. BELL (1998) e PESAVENTO (1980) atentaram exatamente a
essa questão e constituem referências básicas dessa seção, apesar das diferenças
metodológicas e discordâncias com os seus enfoques109. Mais precisamente, para
melhor responder à pergunta inicial, examina-se a questão da modernização da região
como um estudo de caso à luz da teoria do capital social.
Durante a maior parte do período analisado, a política do RS foi dominada
pelo Partido Republicano Riograndense - PRR. Ao contrário de outros estados
brasileiros, contudo, tal partido enfrentou uma forte oposição. Duas vezes, em 1893 e
108 Referências mais gerais incluem: LOVE (1971), FONSECA (1983) e PESAVENTO (1986).
109 O primeiro autor considera que a região da Campanha seria periférica em relação ao Prata. A pesquisadora, por sua vez, atribui os problemas do setor charqueador na República Velha ao fato de este estar submetido aos interesses da oligarquia cafeicultora do Sudeste do país.
116
1923, as desavenças degeneram em violência. Existe toda a polêmica acerca de que
grupos esse ou aquele partido representavam ou conseguiram cooptar. Igualmente, não
se pretende aqui voltar à discussão sobre as determinações políticas ou econômicas de
tais conflitos. KOONINGS (1994) resume o debate e considera que, como um todo, os
interesses de criadores de gado e de charqueadores da Campanha não foram
contemplados nem pelo governo estadual, nem pelo federal. De fato, tais setores não
foram tão contemplados pelo PRR quanto desejavam, e outras regiões receberam
benefícios desproporcionais. Por outro lado, não se pode dizer que eles foram
esquecidos. Satisfazer às suas demandas fazia parte do jogo político nos âmbitos
regional e federal e, conforme se argumenta a seguir, os incentivos para os setores
hegemônicos da Campanha condicionaram a trajetória de desenvolvimento da região
durante o período.
5.2. PANORAMA DA CAMPANHA
�Hegemônica, mas decadente� - assim FONSECA (1983, p. 26) definiu a
situação da Campanha no período da República Velha. Apesar de alguma
diversificação produtiva, a pecuária continuou sendo a atividade dinâmica da região. O
primeiro ponto consiste em identificar a permanência do papel destacado da pecuária
para a região e a relevância do charque, apesar de tudo.
Observando-se os dados da Tabela 5.1 percebe-se que, de fato, apesar de os
setores ligados à atividade pecuária ainda dominarem a pauta de exportações do
estado, sua participação tende a cair.
117
TABELA 5.1 - PARTICIPAÇÃO (%) DOS PRINCIPAIS PRODUTOS NO VALOR TOTAL DAS EXPORTAÇÕES DO RIO GRANDE DO SUL, SEGUNDO AS SOMAS DOS VALORES EM PERÍODOS SELECIONADOS 1889-1900/1919-1929
PRODUTOS 1889-1900 1919-1929
Produtos típicos da Campanha 46,5 37,2 Charque 25,9 19,1 Couros 18,7 10,1 Lã 1,9 4,2 Carnes Frigorificadas --- 3,8
Produtos típicos da Serra 31,0 31,6 Banha 11,3 15,6 Farinha de Mandioca 7,3 2,2 Feijão 7,6 3,8 Fumo 2,9 4,3 Outros 1,8 3,4 Vinho 0,1 2,5
Arroz --- 10,1 Total 77,6 78,9 TOTAL GERAL 100,0 100,0 FONTE: HERRLEIN JÚNIOR (2000, p. 6) com base em FONSECA (1983).
Contudo, observando-se o gráfico a seguir, nota-se que, a despeito dos
diversos focos de instabilidade (Revolução Federalista e fim da I Guerra Mundial), a
tendência é de aumento da produção, ao menos até o fim da República Velha.
118
GRÁFICO 5.1 - EXPORTAÇÕES GAÚCHAS DE CHARQUE - 1793-1929
FONTES: HERLLEIN JÚNIOR (2000, p. 24); KOONINGS (1994, p. 194); CARDOSO (1977, p.73) e
PESAVENTO (1980, p. 37). NOTA: Médias móveis dos últimos quatro períodos.
Portanto há que se concordar quando HERRLEIN JÚNIOR (2000, p.7)
afirma: "A �estagnação� das charqueadas deve ser considerada em termos muito
relativos, no que concerne às exportações regionais, visto que, ao final do período, o
charque continuava sendo o principal produto exportado."
Ainda, conforme lembra FONSECA (1983, p. 59), houve um aumento da
produção voltada para o consumo dentro do estado. Entre 1907 e 1927, tal consumo
aumentou 67% em termos físicos, demonstrando a importância crescente da demanda
interna, à medida que a economia gaúcha se diversificava. Mesmo no âmbito nacional,
a importância do charque se mostra pelo Censo Industrial do Brasil realizado naquele
ano. Nele, as charqueadas gaúchas ocupavam as posições 8, 16, 20 entre os vinte
maiores estabelecimentos - por valor da produção (BELL, 1998, p. 147). E, conforme
aponta PESAVENTO (1980, p. 50), em 1907, dentre os maiores estabelecimentos
manufatureiros recenseados, cerca de 61,5 % do valor da produção gaúcha era gerada
nas charqueadas. Em suma, a queda na importância do charque na economia gaúcha
010000200003000040000500006000070000
80000
1806
1812
1818
1840
1846
1852
1858
1864
1890
1896
1902
1908
1914
1920
1926
119
deve ser mais entendida como resultado da ascensão de outras atividades (e regiões)
do que como um retrocesso em termos absolutos da produção do setor.
Vale mencionar que as charqueadas citadas pelo Censo não se localizavam
nas tradicionais áreas charqueadoras mais próximas do litoral, e sim nas cidades de
Quaraí, Livramento e Bagé. Essa maior dispersão espacial deveu-se à implantação de
uma malha ferroviária no RS, que, apesar de pouco densa e problemática, fez com que
o charque não dependesse mais da via marítima para o seu transporte (BANDEIRA,
1994, e BELL, 1998). Os trilhos viabilizaram que o gado fosse trazido do norte do
Uruguai para terras gaúchas, carneado, e exportado pelo porto de Montevidéu.
De acordo com BELL (1998, p. 147), essas charqueadas instaladas durante a
República Velha já eram diferentes das pelotenses. Apresentavam uma organização
industrial e algumas possuíam unidades para o enlatamento de carnes e processamento
de outras partes do gado.
5.3. INCENTIVOS PARA AS CHARQUEADAS
E quais eram as razões desse investimento nas charqueadas? Afinal, com o
fim da escravidão (e, portanto, do principal mercado consumidor) e a permanente
competição do Prata, dever-se-ia esperar que o charque não-gaúcho não estivesse na
sua melhor fase. Contudo a produção de charque, mesmo sem muito vigor, crescia.
A resposta parece estar no grau de proteção das charqueadas gaúchas (BELL,
1998, p. 145). Conforme lembra FONSECA (1983, p. 19), desde o Império, o setor
charqueador já era protegido da competição do Prata. Especialmente após a Revolução
Federalista, as barreiras tarifárias contra o charque platino foram ampliadas no
seguinte ritmo:
120
GRÁFICO 5.2 - TAXA DE IMPORTAÇÃO SOBRE O CHARQUE (EM RÉIS POR QUILO) - 1895-1906
FONTE: BARRÁN e NAHUM (1973, p. 53) de 1895 a 1904 e PESAVENTO (1980) para 1905 e 1906.
BARRÁN e NAHUM (1973, p.53-54) estimam que, considerando os preços
do charque, durante o período 1895 a 1899, as barreiras tarifárias equivaliam a uma
proteção de cerca de 13,6%; em 1904 esse valor elevou-se para 52%110. Esse aumento
da proteção alfandegária entre 1896-1906 se for considerado que no período houve
uma deflação de 22% (dados de custo de vida para o Rio de Janeiro)111. Barreiras não
tarifárias também ocorreram. Já em 1887, uma epidemia de cólera em Buenos Aires
foi o argumento para a suspensão de todas as importações de charque do Prata. Não
havia provas científicas de que a carne salgada seria um vetor de transmissão de tal
doença, porém o Uruguai foi atingido pela proibição, pois se dizia que era impossível
diferenciar a sua produção da vinda da Argentina. Em 1902, tentou-se novamente
impor bloqueios sanitários, mas os protestos uruguaios impediram a sua efetivação.
Outra forma de incentivo implícito foi a concessão de tarifas preferenciais, no mesmo
110 De acordo com esses autores (1977, p. 150), os aumentos de preço do tasajo, no começo do século XX, fizeram um deputado brasileiro bradar que tal produto se tornaria um bem de luxo como o presunto.
111 Valor calculado a partir dos índices de preços apresentados em LEFF (1997, p.245).
507090
110130150170190210
1895
1896
1897
1898
1899
1900
1901
1902
1903
1904
1905
1906
121
ano, para o transporte de charque gaúcho nos barcos do Lloyd Brasileiro (BARRÁN;
NAHUM, 1971, p. 38).
Para os saladeiros uruguaios, tornava-se lucrativo instalar seus
estabelecimentos em terras rio-grandenses a fim de usufruir dessa proteção. Segundo
BELL (1998, p. 147), dez das onze charqueadas em operação na fronteira sul do
estado, em 1913, eram de propriedade de uruguaios. Em 1916, a redução da proteção
para 170 réis por quilo foi compensada pela isenção de taxação do sal importado pelas
charqueadas, isenção tributária sobre o charque. Alem disso, o Ministério da
Agricultura aceitou subsidiar o transporte de cabotagem e ferroviário do produto. Em
1922, um ano especialmente ruim para o setor, uma lei federal suspendeu
temporariamente a importação de charque (LOVE, 1971, p.178 e 197). Em meados do
mesmo ano, foi imposta uma restrição quantitativa da importação de charque
equivalente à média do triênio anterior.
Os anos 20 foram turbulentos para o charque, devido à redução da atividade
econômica no período posterior ao fim da I Guerra. Os charqueadores não ficaram
passivos a esses movimentos de mercado. �Organized better than they ever had ever
been before�, nas palavras de LOVE (1971, p. 222), aglutinados em torno da União
Saladeiril Rio Grandense, fundada em 1912, eles pressionaram o governo estadual
para que combatesse o contrabando de charque112. Nesse momento, já havia uma
produção de charque no Mato Grosso e uma pequena parte desse era enviada por
Montevidéu, buscando suas taxas portuárias mais baixas. O problema é que, através de
comprovantes falsificados, o charque uruguaio era exportado de Montevidéu como se
fosse produzido no Centro-oeste brasileiro. Para impedir essa prática, a exportação de
charque brasileiro através de portos estrangeiros foi banida em 1928. Obviamente, essa
112 PESAVENTO (1980) e KOONINGS (1994) destacam que as associações de charqueadores tiveram uma atuação mais defensiva, em busca de proteção governamental, do que os estancieiros que estariam também preocupados com a modernização do processamento de carne.
122
medida só beneficiava os produtores gaúchos e indica a importância política desses
(LOVE, 1971, p. 223).
De acordo com KOONINGS (1994, p. 147), o Acordo de Pedras Altas, que
marcou a pacificação após a Revolta de 1923, deu inicio a um período no qual os
interesses dos setores charqueadores-estancieiros tiveram maior influência no governo
estadual. De fato, a criação do Banco do Rio Grande do Sul, em 1928, pode ser vista
como parte dos esforços do governo estadual em favorecer os charqueadores. Dois
terços de seu aporte inicial de capital adveio dos cofres estaduais e mais da metade dos
seus empréstimos foi destinada a charqueadores naquele mesmo ano (LOVE, 1971, p.
223; PESAVENTO, 1980, p. 268).
Apesar de todos esses incentivos e proteções, ao longo desse período era
claro que o charque já tinha exaurido seu fôlego para dinamizar a região e o estado.
Ademais, a mesma proteção tarifária que os protegia do charque do Prata tornava
rentável que novos empreendimentos em Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso também
disputassem esse mercado. Portanto, mesmo existindo elevadas tarifas de importação e
supondo que se pudesse combater todo o contrabando (uma impossibilidade quase
física), havia sempre o risco de a competição surgir de outros estados, mais próximos
dos mercados consumidores do centro do país. Em 1909, Álvaro Batista, secretário de
Fazenda, já alertava sobre o futuro do charque: "A nossa indústria mais rendosa, a que
produz mais para o Estado e para os particulares é a do charque: mas é certo que é
uma indústria transitória." (BATISTA113, apud FONSECA, 1983, p. 57; sem grifo
no original)
113 Relatório apresentado ao Sr. Dr. Presidente do Rio Grande do Sul pelo Secretário de Estado dos Negócios de Fazenda Álvaro Baptista. Porto Alegre, A Federação, 1909, v.1. p.66.
123
5.4. DA CHARQUEADA PARA O FRIGORÍFICO
Desde 1860, blocos de gelo eram utilizados para transportar carne nos
Estados Unidos. Em 1876, o problema técnico do transporte de carnes frigorificadas
foi resolvido (PESAVENTO, 1980, p. 46); em 1883, o primeiro frigorífico é instalado
na Argentina e, vinte anos depois, as exportações de carne congelada desse país
superaram as de charque. No Uruguai, a mudança foi mais abrupta. O primeiro
frigorífico foi instalado em 1905; entre 1911 e 1914, a parcela do gado destinado ao
congelamento saltou de 4% para 62% (BARRÁN; NAHUM, 1977, p. 440).
A transformação necessária era clara: migrar da charqueada para o
frigorífico. Mas as dificuldades para fazer essa conversão pareciam intransponíveis.
Houve exportações experimentais de carne congelada de Pelotas para o Rio de Janeiro
em 1888; e, no ano seguinte, a imprensa pelotense registrou debates acerca do tema
entre os charqueadores (BELL, 1998, p. 149-150). Os argumentos dos mais céticos
apontavam para o problema do porto de Rio Grande, a baixa qualidade do gado
gaúcho, ou mesmo a falta de espírito empreendedor dos brasileiros.
Os autores concordam que diferenças técnicas, como infra-estrutura ou
mesmo qualidade do gado gaúcho, realmente eram problemas para o desenvolvimento
de frigoríficos na Campanha (BELL, 1998, p. 151; LOVE, 1971; PESAVENTO,
1980). Tentando evitar os riscos de submissão oligopsônio das grandes firmas
internacionais, os estancieiros buscaram a instalação de um frigorífico de capital
nacional. Desde 1915, houve debates sobre a melhor localização, e mais cinco anos se
passaram até que saísse o primeiro carregamento de carne congelada da Companhia
Frigorífica Rio Grande (PESAVENTO, 1980, p. 194; LOVE, 1971, p. 178). Sua
sobrevida foi curta: apenas um ano depois, foi vendido para capitais britânicos.
124
O governo de Borges de Medeiros se mostrou propenso a incentivar a
modernização da indústria de carne114. Em 1912, o estado ofereceu 30 anos de isenção
fiscal para os frigoríficos nacionais que viessem a ser instalados. No ano seguinte esse
incentivo foi estendido aos capitais estrangeiros (KOONINGS, 1994, p. 177).
Finalmente, e orientadas pela favorável conjuntura do período de guerra, as grandes
empresas estrangeiras chegaram. Três das quatro grandes empresas mundiais do setor
(Armour, Wilson e Swift) responderam a esses incentivos e, em fins da década de
1910, estavam produzindo; as duas primeiras localizadas em Livramento e a última,
em Rio Grande.
Com o fim da I Guerra, contudo, a conjuntura internacional não era mais
favorável às exportações de carne congelada brasileira. Findo o conflito, terminam,
também, os preços elevados e a tolerância internacional com carnes de pior qualidade
(BELL, 1998, p. 152 e 153). Assim, os frigoríficos da Campanha rapidamente já
operavam com capacidade ociosa. Houve até mesmo �retrocesso� para a produção de
charque, conforme relata HERRLEIN JÚNIOR (2000, p.8):
Como a produção platina e de outros países apresentasse melhor rentabilidade, as empresas internacionais que controlavam o mercado mundial reduziram a produção gaúcha e converteram parte de sua capacidade instalada para a produção de charque.
A princípio, não chega a surpreender que os frigoríficos tenham chegado
primeiro ao Uruguai e à Argentina. Entretanto, causa admiração que os gaúchos
tenham sido ultrapassados por outras regiões do próprio Brasil, com condições naturais
não tão favoráveis para a criação de gado. Em 1915, foi feita a primeira exportação de
carne congelada brasileira: de Santos para a Europa (BELL, 1998, p. 152). Só em
1921, as exportações de carne congelada gaúcha superaram as paulistas, mas, ainda
nesse momento, eram inferiores às de charque. Em 1924, finalmente, as exportações
114 PESAVENTO (1980) e FONSECA (1983) destacam a importância do Positivismo para as decisões de política econômica do período. Eles próprios, todavia, notam as contradições entre os princípios dessa doutrina e as práticas dos governos do PRR.
125
oriundas dos frigoríficos foram maiores do que as das charqueadas gaúchas. Essa
situação voltou a se reverter com a crise dos frigoríficos de 1926 que fez com que
todos, com exceção do Armour, paralisassem as suas atividades. No período 1925-
1926, as exportações gaúchas de carne congelada passaram de cerca de 19 para apenas
1,4 mil toneladas (PESAVENTO, 1980, p.239).
Em retrospecto, pode-se considerar que os esforço deliberado de Borges de
Medeiros para a modernização da Campanha através dos frigoríficos chegou tarde
demais. Quando a carne congelada gaúcha alcançou os mercados, eles já estavam
dominados pelos competidores e a situação após a I Guerra já não era mais tão
favorável.
5.5. CAPITAL SOCIAL E PROBLEMAS DA TRANSFORMAÇÃO
À luz do exposto nas duas seções anteriores, emerge uma conclusão: as
barreiras tarifárias ao charque e todas as benesses que o setor recebeu distorceram os
incentivos no sentido de manter ou mesmo atrair fatores produtivos para uma atividade
cuja superação tecnológica era patente. O fato de recém-instalados frigoríficos
estrangeiros terem se convertido à produção do charque durante a década de 20 indica
que não foram barreiras culturais, nem qualquer aversão à inovação que frearam a
modernização da pecuária. A instalação de charqueadas uruguaias ao longo da
fronteira sul também mostra o quanto os incentivos foram atraentes. Portanto, as
políticas estaduais e federais tomadas nesse período sinalizaram a viabilidade da
permanência da produção do charque.
Essas medidas de proteção ao charque tiveram suas razões de
implementação. E nisso o papel da elite política da Campanha não deve ser omitido.
Sendo um grupo ao redor da atividade charqueadora, ela agiu como elemento de
pressão em busca daquelas benesses. Seu capital social bonding utilizando suas
conexões com o Estado (linking), resultaram em políticas públicas a seu favor.
Obviamente, havia limites para as suas ações. No intricado jogo político da República
126
Velha, os charqueadores gaúchos não eram o grupo hegemônico na esfera nacional e
tinham que enfrentar, no âmbito estadual, novos agentes políticos com interesses
distintos aos seus (ver FONSECA, 1983). Mesmo assim, conforme se mostrou acima,
não se pode dizer que eles foram negligenciados durante a República Velha. 115
O papel da União dos Criadores vale ser examinado com maior atenção.
Fundado em 1912, foi a primeira associação exclusivamente de estancieiros formada
na região.116 BELL (1988, p. 88 e 89) mesmo aceitando que se trata de um grupo de
lobby, percebe a importância da União como difusora de conhecimento técnico e
defensora da instalação dos frigoríficos através do periódico �A Estância� (1913-
1927). PESAVENTO (1980) enfatiza o papel modernizador dos criadores de gado,
mas, em outra ocasião, ela é mais crítica quanto ao papel dessa associação: "no
momento de crise, exigiram do estado um posicionamento de classe, ou seja, que o
governo fosse um governo dos pecuaristas e que os problemas da pecuária (...) fossem
atendidos com prioridade - e, por que não dizer, com exclusividade pelo governo"
(PESAVENTO, 1993, p.219). O exato papel dessa associação de estancieiros na
modernização da região tem que ser mais bem estudado. Junto a posturas
115 BARRÁN e NAHUM (1973, p.52) consideram que a proteção ao setor saladeiril nacional derivava da pressão externa. Para fazer frente aos pagamentos ao exterior, o governo central levava a utilizar as tarifas de importação como fonte de receita tributária. Como explicar, porém, a imposição de barreiras não-tarifárias ou outros incentivos federais? Em outro momento (BARRÁN; NAHUM, 1977, p. 148), os autores consideram que a elevação dos impostos era a solução para lidar com a questão fiscal da compra de excedentes do café (feita a partir de 1906).
116 BELL (1988, p. 88-89) analisou a distribuição geográfica da filiação dos membros da União dos Criadores. Ele identificou uma concentração de filiados em Porto Alegre e Pelotas, o que apenas mostra que diversos estancieiros moravam distantes de suas propriedades. Além disso, os níveis de filiação também eram altos nos municípios adjacentes a Quaraí e Dom Pedrito, municípios da Campanha. Contudo baixas taxas de filiação foram observadas em outros municípios onde a pecuária predominava. Segundo o autor, essas diferenças podem ser atribuídas ao esforço de indivíduos. Pesquisas posteriores talvez permitam compreender melhor essa, talvez aparente, ausência de padrão na distribuição espacial dos filiados de tal associação. Outro fato que chama atenção de BELL (1998, p. 85) é o caráter tardio da sua fundação; a associação surgiu décadas depois das suas equivalentes na Argentina e no Uruguai. Até o Paraguai teve sua associação rural formada nove anos antes da gaúcha.
127
conservadoras e práticas de lobby, havia também impulsos modernizantes motivados
pela percepção da urgência das mudanças no campo. Em termos gerais, a autora
percebe que as organizações de criadores de gado pleitearam políticas defensivas, não
tão preocupadas com a modernização do setor, com ênfase crescente ao longo da
década de 20 (PESAVENTO, 1980).
BELL (1998, p. 150 e 151) e PESAVENTO (1980, p.110-115) relatam os
longos, e, muitas vezes, infrutíferos, debates da elite charqueadora sobre a viabilidade
dos frigoríficos. A discussão sobre a localização do sonhado frigorífico com capital
nacional, por exemplo, durou mais que a sua própria existência enquanto tal. Esse tipo
de defasagem remete àquelas sociedades semelhantes às retratadas no capítulo 3, nas
quais uma elite entrincheirada responde a choques adversos sem a agilidade
necessária.
Ainda, a permanência de incentivos ao charque, quando já se antevia sua
inviabilidade a longo prazo, postergou a realocação de fatores para os frigoríficos. O
capital social bonding e o linking que lhes renderam benefícios foram alguns dos
responsáveis pela lentidão da modernização. Ou, colocando em termos olsonianos, as
coalizões distributivas tiveram o seu efeito esperado: transferiram renda para o setor,
as custas da redução da flexibilidade da economia e da taxa de crescimento com um
todo.
Coalizões distributivas não necessitam da intervenção do Estado para adotar
políticas anticompetitivas, conforme já atestava OLSON (1982). PESAVENTO (1993,
p. 216) fornece pistas de que isso ocorreu quando afirma: "... os charqueadores, de um
modo geral, articularam-se sob a forma de convênios saladeiris, procurando obter o
maior preço pelo charque e o menor pelo gado."
A desigualdade da sociedade da Campanha, com um setor claramente
hegemônico e a pouca expressão dos segmentos intermediários restringiu, o
surgimento de outras alternativas produtivas para a região. Como BANDEIRA (1994,
p. 23) no Censo de 1907, Pelotas e Rio Grande juntas tinham aproximadamente o
128
mesmo número de trabalhadores industriais (cerca de 5000) do que Porto Alegre.
Contudo o número médio de funcionários daquele eixo sul era 50% maior do que o da
capital do Estado. Mais ainda, o mesmo autor mostra que, enquanto 38 dos 47 dos
setores industriais classificados pelo Censo poderiam ser encontrados em Porto
Alegre, apenas 27 desses ramos existiam naquelas duas cidades da Campanha. Os
42,3% dos trabalhadores recenseados em Pelotas ocupados na charqueadas são um
indicador, não só da força do setor, como do pouco tônus dos outros 19 setores
localizados na cidade. Sendo um grupo relativamente influente e sem outros na região
que fizessem contraponto, era esperado que as políticas econômicas fossem viesadas
ao seu favor.
Outro fator relacionado com a forma como capital social se mostrava na
região se evidencia na pouca abertura da elite da época. Enquanto, em Montevidéu ou
Buenos Aires, estrangeiros do norte da Europa estavam presentes em todos os setores
da sociedade, o mesmo não ocorria na Campanha. O registro consular levantado por
BELL (1998, p. 253) indica que em 1891 havia 42 britânicos em Rio Grande e 2 em
Pelotas (ambos se identificaram como comerciantes). Após ocorreu uma maior entrada
de estrangeiros, mas que estavam ligados às obras de infra-estrutura em tais cidades e
não tanto de agentes envolvidos mais diretamente com o sistema produtivo regional. 117
Bem, mas qual é a importância desse fato? No Império, quando o mercado
consumidor típico do charque era o escravo do centro do Brasil, essas conexões não
eram tão importantes, uma vez que os gostos do consumidor final não tinham
importância e os mercados já estavam bem consolidados. No período da República
Velha, outras conexões eram necessárias se o objetivo fosse colocar os produtos
relacionados à pecuária nos mercados internacionais. Informações sobre os gostos e as
117 Com base nesses dados, Bell refuta a afirmação de RIDINGS (1994) de que os diretores do Centro Agricolo Industrial de Pelotas fossem estrangeiros. Sobre a presença inglesa no RS, ver MACEDO (1975).
129
oportunidades eram bem mais disponíveis para os outros consumidores melhor
conectados com esses agentes do que para a Campanha.
Também no tocante à inovação técnica, parece que o extremo sul do Brasil
esteve a um passo atrás por não ter os laços que se apresentavam nos países vizinhos.
PESAVENTO (1980, p. 41) comenta a importância dos progressos técnicos trazidos
pela �penetração britânica no Rio da Prata�. De fato, a Inglaterra era não só o principal
mercado almejado, como era também uma fonte de inovações118. BELL (2000), na
verdade, mostra que, já em 1862, os relatórios do Clube Nacional, do Uruguai,
buscavam, nas figuras-chave da Inglaterra, o meio de viabilizar o objetivo, não
alcançado, de levar o tasajo para as mesas da classe operária inglesa:
Podemos hacer conspirar a nuestro objeto, ganándonos su cooperación, a hombres eminentes y a oradores escuchados por toda la Inglaterra, com son Cobden, Bright y otros que por um sentimiento humanitário y su patriotismo a la vez, (...) se encontrarán muy felices de que pngamos em sus manos los médios de salvar de la miséria a las clases pobres, procurándoles um alimento bueno y barato. (BARRÁN; NAHUM, 1971, p. 37)
Diversos membros do Clube Nacional eram anglo-uruguaios e,
provavelmente, esses vínculos comerciais/sociais foram fundamentais para o período
posterior (BELL, 2000). Enquanto que, na Campanha gaúcha, essas mesmas ligações
não se desenvolveram. BELL (1998, p. 181) acrescenta que o impulso modernizante
local teve que esperar pela formação da própria elite: �The stimulus of outsiders was
largely missing in the Campanha. There the modernizers emerged later and from local
ranks, linked with education�.
De fato, Joaquim de Francisco de Assis Brasil (1857-1938), filho de
estancieiros e diplomata, foi um dos mais ativos membros envolvidos na
transformação da Campanha119. Ele chegou a ser ministro da Agricultura do Governo
118 BELL (2000) destaca o incremento das concessões de patentes na Inglaterra relacionadas coma refrigeração de carne ainda no século XIX: de 11 registros (nos anos 1850), para 30 (anos 1860) e 56 entre (1870-74).
119 FONSECA (1983) apresenta e discute o pensamento de Assis Brasil no tocante à diversas questões do desenvolvimento da Campanha.
130
Provisório Vargas, mas os resultados práticos das suas idéias sobre a transformação do
Pampa são questionáveis (BELL, 1998, p. 91). Mesmo os membros mais modernos da
coesa elite local, com ligações com o exterior, não as tinham com os setores
empreendedores que potencialmente poderiam catalisar a transformação da região. A
distância entre esses membros e as questões concretas se mostra no fato de que a
Sociedade Brasileira para a Animação da Agricultura, a qual teve Assis Brasil com um
dos fundadores, ter sido estabelecida em Paris (BELL, 1998, p. 91).
Também na zona rural, as barreiras à entrada de �forasteiros� se
apresentavam. BELL (1998, p. 163) sustenta que havia uma diferença entre os insiders
e os outsiders no tocante aos direitos de propriedade na Campanha. Aqueles já
inseridos no meio poderiam estar mais certos de que os seus direitos seriam garantidos,
já os agentes vindos de fora, na ausência de uma estrutura institucional que protegesse
seus direitos, estariam mais propensos a serem expropriados do seu gado ou mesmo de
sua terra. Colocando essa idéia em termos de capital social, a distinção relevante é
entre os que estão dentro ou fora dos grupos de estancieiros. Assim, nessa situação, as
conexões sociais de cada agente são importantes para assegurar seus direitos de
propriedade. Isso apenas corroborou a tendência de isolamento da região. De acordo
com BELL (1998, p. 162): "�the perceived deficiencies of legal guarantees regarding
property can only have heightened the wariness of outside groups and helped to
deflect the interest of important potential modernizers, including northwest European
minorities, away from the Campanha".
MACEDO (1975, p. 45) sustenta que os planos de colonização do Rio
Grande com 60.000 ingleses, em 1871, nunca saíram do papel. Como as terras já
haviam sido praticamente loteadas no início do século XIX, a grande parte dos
proprietários era formada pelos descendentes daqueles primeiros donos120. Essa
120 As exceções incluíam as propriedades de uruguaios ligados ao charque ao longo da fronteira sul gaúcha, que chegaram atraídos pelas proteções tarifárias (BELL, 1998, p. 187). Em 1920, chegava a 1300 o número de uruguaios proprietários de terras gaúchas.
131
pequena abertura do Pampa também deve ter contribuído para que a inovação
tecnológica fosse lenta, mesmo nas fases mais iniciais do processo produtivo da
pecuária.
Ainda na questão fundiária, a concentração de propriedades mantinha-se
elevada. Conforme se verá na próxima seção, especialmente quando comparada com a
região da Serra, a estrutura de posse da terra no Pampa continuou sendo basicamente
latifundiária. Entretanto a divisão das terras decorrente das heranças fez com que o
tamanho das propriedades caísse, quando comparado com o observado em 1822, no
fim do sistema de sesmarias.
Para CHASTEEN (1991), essa redução do tamanho das propriedades não
resultou de uma democratização da região. Muito pelo contrário, levou a um aumento
das tensões no campo, o qual, pode-se acrescentar, teve seus efeitos sobre o capital
social na região. Uma estratégia para reduzir a pulverização das propriedades foi o
incentivo a matrimônios entre familiares. Tomando-se o caso da família de Antônio
Costa Pereira, dos 103 casamentos examinados, 30 se deram entre primos, primas, tios
e tias (CHASTEEN, 1991, p. 753). Essa endogamia deve ter contribuído para a
manutenção dos links bonding e para o fechamento da sociedade. Mesmo assim,
conflitos violentos intrafamiliares pela posse da terra não eram incomuns.
O incremento da oferta de trabalho fez com que crescessem os conflitos entre
trabalhadores e os proprietários de terra. Além disso, também surgiam, entre estes,
choques conforme os tamanhos das propriedades caíam e a delimitação mais precisa
de cada lote de terra se tornava mais relevante. Nas palavras de CHASTEEN (1991, p.
756): �As the scale of landholding declined, violent conflicts between estancieiros-
often related to each other by blood and marriage � made intraclass violence more
common as well.�
Chasteen afirma que o acúmulo de tensões entre os proprietários e o fim das
relações paternalísticas entre classes preparou um ambiente responsável por fazer da
Revolução de 1893 �the single bloodiest episode in Brazilian political history�
132
(BARETTA121, apud CHASTEEN, 1991, p. 758). A marca que os latifúndios deixaram
na vida social da Campanha foi mais duradoura do que o mero tamanho das terras.
5.6. CONCLUSÃO
The various components of culture are in different degrees complementary to other factors of production. So it is possible for a particular component to lie dormant for decades, only to become a potent force when external circumstances are �right�. By the same token, this
same component could become ineffective, even dysfunctional, when circumstances change again. DASGUPTA (2002, p.20)
Estudos mais detalhados ainda são necessários para compreender todos os
empecilhos à modernização da Campanha. A avaliação mais precisa das ações e das
conseqüências das atividades dos grupos de interesse dos charqueadores durante a
República Velha carece de uma atenção maior. De qualquer forma, vale ousar algumas
conclusões e caminhos a seguir.
Obviamente, seria um erro atribuir toda a decadência da região da Campanha
apenas ao atraso com que se deu a transformação das charqueadas em frigoríficos. Mas
é do aproveitamento ou não desses momentos-chave, dessas janelas de oportunidade,
que a história regional se faz. Com algum pessimismo, pode-se supor que, se os
incentivos governamentais fossem na direção e nos momentos certos, mesmo assim os
frigoríficos da região nunca teriam a mesma força que tiveram os do Prata.
Tal perda de oportunidade não foi um fenômeno fortuito. As formas com que
o capital social local se mostrou na região àquela época condicionaram as
possibilidades de resposta e a forma com que se lidou com a(s) crise(s). A elite unida e
influente politicamente e sem segmentos médios de peso agindo como contraponto ou
intermediários, tomou iniciativas que a favoreceram imediatamente, mas frearam a
mudança. Além disso, pelo fato de ser uma elite relativamente fechada em si mesma,
121 BARETTA, S. R. D. Political violence and regime change: a study of the 1893 Civil War in Southern Brazil. Pittsburgh - EUA, 1985. Tese de Doutorado, University of Pittsburgh.
133
quer no campo, quer na cidade, a inovação tecnológica foi inibida e faltaram os laços
mercantis que poderiam ter facilitado a introdução dos produtos da Campanha em
novos mercados. Em fases anteriores, esses links não foram entrave, porém fizeram
falta em um momento de mudança tecnológica.
A pesquisa mostrou, em algumas situações, a necessidade de se considerar os
padrões das relações entre os agentes e não tratar do capital social em geral. Na
questão do progresso tecnológico, por exemplo, para que as conexões sociais entre um
charqueador e um estrangeiro fossem uma via relevante para a transferência
tecnológica fazia diferença se aquele estava conectado com um aristocrata francês ou
um mercador inglês.
134
6. TRAJETÓRIAS DE CRESCIMENTO REGIONAL DO RS NO SÉCULO
XX
Especialmente a partir da publicação dos trabalhos de BARRO e SALA-I-
MARTIN (1991, 1995), houve uma notável produção acadêmica sobre a questão do
crescimento econômico, a qual já está sendo incorporada aos livros didáticos de pós-
graduação e até graduação122. Seria redundante retomar tal debate teórico nesse espaço.
Em termos empíricos, a literatura acumulada sobre o tema também não é
menor, nem menos problemática. Como apontou DURLAUF (2000), ele próprio um
dos principais autores dessa linha de pesquisa, existem tantos problemas nos testes
econométricos que estes pouco contribuíram para a apreciação apropriada das questões
fundamentais das teorias do crescimento econômico. Todo o tipo de variável
explicativa já foi incluída nas chamadas Barro-regressions e, a despeito dos avanços
em métodos e na qualidade dos dados, não surgiu um consenso sobre qual teoria é a
mais adequada123.
Dessa maneira, a aplicação da literatura sobre convergência visa muito mais
a fornecer uma melhor compreensão do desenvolvimento regional do RS no século
XX do que propriamente avaliar as minúcias das diversas teorias de crescimento. No
mesmo sentido, tem-se consciência de que, apesar dos testes econométricos aqui feitos
terem amplo apoio na literatura, a adequação desses tem sido questionada.
A próxima seção volta-se para a convergência absoluta, isto é, quer se
averiguar, grosso modo, se as rendas per capita no RS tendem à equalização. Sendo
122 Ver PORTO JÚNIOR (1999) para uma aprofundada revisão da literatura e aplicações para a região Sul do Brasil.
123 Por outro lado, trabalhos menos sujeitos a criticas econométricas, como o de QUAH (1997), acabam por não responder a questões acerca das causas do crescimento (ou não) das economias.
135
isso verdadeiro e a velocidade de convergência alta, a preocupação básica da
Economia Regional seria irrelevante, uma vez que as amplas discrepâncias regionais
desapareciam. Em seguida, os testes de convergência condicional indicam que não só a
desigualdade entre municípios do RS é espacialmente determinada, mas também que
suas caracterizações socioeconômicas, no século XIX, influenciaram os respectivos
desempenhos.
A falta de dados restringiu o alcance temporal dos testes; partindo de 1939,
alguns englobam o período que vai até 1980, outros vão até 1998. De qualquer forma,
supõe-se que as evidências obtidas para o período 1939-1980 são representativas da
dinâmica do século XX e que podem ser extrapoladas para o restante do período.
6.1. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA
6.1.1. β-convergência
O teste de β-convergência (absoluta) avalia se as regiões com menor renda
per capita inicial obtêm taxas de crescimento mais altas do que aquelas ricas no
começo do período. Seguindo a notação e os procedimentos de FUENTE (1996, p.
14), tem-se a seguinte forma funcional a ser testada:
∆yi,t= xi - βyi,t + εi,t ;
Onde:
yi,t= ln Qit/Qt , isto é, logaritmo da renda per capita da região i no período t
normalizada pela renda média estadual em t;
∆yi, t= yi, t+1 - yi, t;
εi,t= componente de erro;
xi= intercepto.
Preservadas as hipóteses subjacentes aos modelos de regressão, um valor
significativo e negativo de -β estimado indica um mecanismo de catching-up das
136
economias mais pobres em relação às mais ricas. É necessário notar que tal fenômeno
só ocorreria plenamente se as economias envolvidas no teste fossem idênticas em
diversos aspectos econômicos (preferências, tecnologia, entre outras) e não-
econômicas (instituições políticas, por exemplo).
Nessas e nas outras regressões a seguir, utilizaram-se os procedimentos
padrão de mínimos quadrados do software E-Views 3.0 e correção de
heterocedasticidade pelo procedimento de White. Os dados são obtidos em ALONSO
et al. (1986) e a unidades de análise são as chamadas Áreas Estatisticamente
Comparáveis - AEC. Conforme mostra a Tabela 6.1, a hipótese de convergência
absoluta é não-falseada pelo teste, entre 1939 e 1980. A velocidade estimada de
convergência seria extremamente baixa, cerca de 1% ao ano. Isso significa que a meia-
vida, isto é, o tempo necessário para que a diferença entre as áreas pobres e ricas fosse
reduzida pela metade, seria de 69 anos124.
TABELA 6.1 - CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 1939/1980
ESPECIFICAÇÃO I II Método Cross-section Dados de Painel Constante -0,01542
(-1,911) -0,004
(-4,689) Coeficientes: Yt-1 -0,010
(-5,540) -0,023
(-8,778) R2 0,211 0,114 R2 ajustado 0,197 0,111
NOTA: Valores t entre parênteses. As tabelas seguintes seguem a mesma orientação.
Para os testes de convergência absoluta com dados de painel, impuseram-se
os mesmos coeficientes angulares e interceptos para todas as regiões. Nesse tipo de
regressão, utiliza-se toda a informação passível de ser obtida nos seis cortes temporais
124 Ver BARRO e SALA-I-MARTIN (1995, p. 37) para a maneira do cálculo da meia-vida a partir da estimativa de β.
137
disponíveis (1939, 1949, 1959, 1970, 1975, 1980). Assim, as taxas de crescimento
anualizadas entre cada período foram regredidas sobre o nível inicial yt.125
Conforme indica a Tabela 6.1, a velocidade de convergência é próxima de
2% ao ano, o valor amiúde observado em testes análogos126. Mais uma vez, a meia-
vida continuaria longa: cerca de 35 anos para que as AEC vencessem metade da
distância em relação ao seu estado estacionário.
6.1.2. δ-convergência
Tem-se a chamada δ-convergência quando a dispersão das rendas per capita
tende a cair ao longo do tempo. No longo prazo, todas as unidades sob análise teriam a
mesma renda, salvo choques aleatórios. Veja-se como esse intuitivo conceito de
convergência se aplica à economia rio-grandense:
125 O baixo número de cortes temporais em relação ao de observações impõe que seja utilizado o procedimento de mínimos quadrados generalizado. A aplicação de mínimos quadrados ordinários resultaria em estimadores ineficientes. Maiores informações sobre dados de painel podem ser obtidos em HSIAO (1986). Para uma introdução ao uso de panel data nas análises regionais, ver ISARD (1997).
126 Ver FUENTE (1996, p. 42 e passim) para uma discussão sobre o significado e a validade das estimativas de β=0,02.
138
GRÁFICO 6.1 - δ - CONVERGÊNCIA - VARIÂNCIA DA RENDA PER CAPITA - 1939-1998
FONTE: Autor com base em Alonso et al. (1986) e FEE (1998)
A reta do Gráfico 6.1 sugere que não há tendência de redução para dispersão
entre as rendas per capita no RS. Ao contrário, os dados mais recentes indicam uma
variância crescente nas rendas, ou seja, parece haver δ-divergência. Como
compatibilizar esse fato com a ocorrência de β-convergência?
Em termos intuitivos, parece que, se as AEC pobres crescem mais
rapidamente que as ricas, a dispersão deveria cair. Isso não é verdade. BARRO e
SALA-I-MARTIN (1995, p. 31-31) mostraram, em termos formais, que a
β-convergência não é condição necessária, nem suficiente para a ocorrência de
δ-convergência. A visão dos dados de forma mais desagregada permite ver melhor as
transformações ocorridas. A matriz a seguir mostra as migrações entre quartis das
AEC gaúchas entre 1939 e 1980:
0
0.06
0.12
0.18
1939 1949 1959 1969 1979 1989
139
TABELA 6.2- MUDANÇAS ENTRE QUARTIS NO PERÍODO 1939/1980
I QUARTIL-80 II QUARTIL-80 III QUARTIL-80 IV QUARTIL-80 I QUARTIL- 39 7 4 2 1 II QUARTIL-39 5 5 3 2 III QUARTIL-39 2 5 3 5 IV QUARTIL-39 0 1 7 6
FONTE: Autor com base em Alonso et al. (1986).
De acordo com a tabela acima, das 15 AEC que ocupavam o II Quartil em
1939: apenas cinco nele se mantiveram; outras cinco caíram para o I Quartil, três
foram para o III Quartil e duas para o estrato de renda mais alto. As outras linhas
também sugerem que houve um intenso processo de mudança entre estratos: algumas
áreas pobres cresceram tão mais rápido que ultrapassaram as outrora ricas e passaram
a ocupar posições superiores. O grau de correlação de Spearman estatisticamente nulo
corrobora que não há correspondência entre os ranks de 1939 e 1980.
A hipótese de convergência absoluta, entendida rigorosamente, exige que as
economias tendam para um mesmo estado estacionário. No caso em questão, isso não
se verifica, haja vista a diversidade de trajetórias que as AEC seguiram. Apesar de os
sinais e valores esperados do estimadores indicarem convergência, a hipótese de
β-convergência absoluta é falseada. Ou seja, cada AEC ou, talvez, grupos de AEC,
estejam migrando para seus próprios estados estacionários.
6.2. TRAJETÓRIAS REGIONAIS
Com base em FONSECA (1983), classificou-se as AEC e municípios do RS
em quatro regiões: Campanha, Serra, Planalto e Áreas Mistas. O Anexo 1 contém o
mapa e a classificação das unidades analisadas. Como o objetivo é avaliar como a
formação socioeconômica das regiões gaúchas no século XIX influenciou o
crescimento no século seguinte, usou-se uma classificação voltada para o início da
República Velha. Se a regionalização fosse feita com base em critérios atuais de
desenvolvimento, as estimativas seriam redundantes, uma vez que as regiões presentes
costumam ser construídas com base em dimensões socioeconômicas correntes.
140
6.2.1. Desvios das Médias Regionais
O gráfico 6.2 mostra a evolução dos desvios da renda per capita de cada
região em relação à média estadual127. Apesar de as observações mais recentes
indicarem alguma tendência à aproximação das rendas regionais da média, as
diferenças são marcantes. Em 1998, a região da Serra possuía uma renda 21% acima
da média, enquanto a Campanha estava 20% abaixo. A tendência que mais salta aos
olhos é a queda progressiva da renda relativa da Campanha: de segunda área mais rica
do estado, ela passa para a última posição, mesmo levando-se em conta a área Mista.
127 Por clareza, omitiram-se as observações referentes à área Mista. De qualquer forma, tais AEC permaneceram com a uma renda per capita por volta de 20% inferior à média estadual.
141
GRÁFICO 6.2 - DESVIOS DA RENDA PER CAPITA REGIONAL EM RELAÇÃO À MÉDIA ESTADUAL - 1939-1999
FONTE: Elaborado pelo autor com base em Alonso et al. (1986), PNUD (1998) e FEE (1998).
6.2.2. Convergência Condicional para as AEC Gaúchas (1939-1980)
Na β-convergência condicional, os parâmetros distintos de cada economia
determinariam suas rendas próprias de steady-state. O teste dessa hipótese para o RS é
executado através da utilização de variáveis dummy por região e também com efeitos
fixos para cada AEC em dados de painel.
Mais uma vez, fez-se por bem utilizar, na regressão pooled, o procedimento
de GLS, devido ao pequeno número de cortes temporais, e a correção de
heterocedasticidade. Os resultados obtidos com as dummies regionais foram os
seguintes:
1939 1944 1949 1954 1959 1964 1969 1974 1979 1984 1989 1994 1999-40
-30
-20
-10
0
10
20
30
40
50
CampanhaPlanaltoSerra
Ano
Des
vios
%
142
TABELA 6.3 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL - 1939/1980 ESPECIFICAÇÃO
i Ii Método Dados de Painel Dados de Painel Constante -0,017
(-6,449) -0,018
(-7,614) Coeficientes: Yt-1 -0,047
(-5,672) -0,048
(-6,780) CAMPANHA 0,011
(3,521) 0,012
(4,098) SERRA 0,023
(7,589) 0,023
(8,643) PLANALTO -0,006
(-1,086)
CAMPANHA* Yt-1 0,011 (1,111)
0,012 (1,451)
SERRA*Yt-1 0,022 (2,412)
0,027 (2,995)
PLANALTO*Yt-1 -0,015 (-1,047)
R2 0,218 0,217 R2 ajustado 0,199 0,203
Como se vê, as dummies referentes à região do Planalto foram não-
significativas. Omiti-las da regressão, isto é, equiparar tal região à Mista, faz com que
se tenha os resultados referentes à especificação II da Tabela 6.3. A mínima queda no
valor do R2 e o incremento no R2 ajustado indicam que é apropriada a retirada das
dummies referentes ao Planalto. Os demais estimadores se tornam significativos a
10%. Percebe-se um aumento no módulo de β estimado em relação ao obtido no testes
de convergência absoluta para todas as regiões, indicando que é apropriado não-
rejeitar a hipótese de convergência condicional. Seguindo o procedimento sugerido por
FUENTE (1996, p.15), é possível calcular o valor dos estados estacionários regionais:
Estado estacionário da região i = yi*= xi/βi
TABELA 6.4 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS REGIONAIS - 1939/1980
REGIÃO ESTADO ESTACIONÁRIO Planalto/Mista -0,372 Serra 0, 218 Campanha -0,178
143
Como os yi* estão normalizados pela renda média, os valores negativos
significam níveis de renda abaixo da média. A disparidade dos valores yi* calculados
também leva à rejeição da hipótese de convergência absoluta, porque, caso houvesse
tal fenômeno, o valor de y* seria homogêneo e igual a 0. Os cálculos indicam que os
níveis de steady-state das rendas regionais em ordem crescente são: Planalto/Mista,
Campanha e Serra. Evidencia-se a decadência relativa da região da Campanha, pois, se
parte de uma renda 22% superior à média para uma renda de estado estacionário 18%
inferior.
Uma maneira mais informal de se perceber a dinâmica regional do período
consiste em examinar as taxas de crescimento entre 1939 e 1980 sem perder de vista a
região de cada AEC. Das 12 áreas com maior crescimento, nove pertencem da região
da Serra. O mesmo padrão ocorre, em sentido inverso em relação à Campanha: dentre
as 12 AEC de menor crescimento, nove fazem parte dessa região.
6.2.3. Efeitos Fixos por AEC (1939-1980)
As regressões pooled com efeitos fixos introduzem variáveis dummy para
capturar características das unidades observadas que estejam omitidas das regressões
(ver HSIAO, 1986, p.29-43). No caso presente, supõe-se que tais diferenças entre as
AEC gaúchas se mantêm ao longo do período analisado. Cria-se assim, uma dummy
para cada unidade examinada e estima-se o modelo, mais uma vez, utilizando GLS. Os
resultados constam da tabela seguinte.
Dois resultados chamam a atenção: a) a notável elevação da velocidade de
convergência para cerca de 12% ao ano; b) 40 estimadores de efeitos fixos são
estatisticamente significativos a 5%. Esse mesmo padrão de resultados foi obtido em
outros testes de convergência (FUENTE, 1996, p. 73 e 74).
144
TABELA 6.5 - CONVERGÊNCIA β -CONDICIONAL � DADOS DE PAINEL COM EFEITOS FIXOS - 1939/1980 VARIÁVEL COEFICIENTE ESTATÍSTICA T PROB. VARIÁVEL COEFICIENTE ESTATÍSTICA T PROB.
Yt-1 -0,116426 -25,92105 0,0000 AEC 1 -0,020859 -4,045275 0,0001 AEC 30 -0,065989 -23,65195 0,0000AEC 2 -0,014299 -2,240452 0,0260 AEC 31 -0,079684 -5,915752 0,0000AEC 3 -0,028706 -7,386781 0,0000 AEC 32 -0,053912 -4,812932 0,0000AEC 4 -0,015760 -1,805702 0,0723 AEC 33 -0,040737 -5,097460 0,0000AEC 5 0,037381 5,756311 0,0000 AEC 34 0,007770 1,558671 0,1204AEC 6 -0,054144 -5,067087 0,0000 AEC 35 -0,005416 -1,196586 0,2327AEC 7 -0,039396 -6,491666 0,0000 AEC 36 -0,023468 -8,724922 0,0000AEC 8 -0,001606 -0,644890 0,5196 AEC 37 -0,034145 -21,69207 0,0000AEC 9 -0,021584 -0,693555 0,4887 AEC 38 -0,064191 -6,273685 0,0000AEC 10 0,045397 0,921059 0,3580 AEC 39 -0,009327 -8,510424 0,0000AEC 11 0,000288 0,012171 0,9903 AEC 40 0,017691 18,24850 0,0000AEC 12 -0,033738 -0,335715 0,7374 AEC 41 0,015347 0,952776 0,3417AEC 13 -0,002515 -0,182630 0,8552 AEC 42 -0,040606 -1,175166 0,2411AEC 14 0,007823 1,360404 0,1750 AEC 43 -0,078648 -5,743136 0,0000AEC 15 -0,053719 -13,58325 0,0000 AEC 44 -0,044854 -2,315892 0,0214AEC 16 -0,017534 -1,642248 0,1019 AEC 45 -0,057309 -4,714434 0,0000AEC 17 0,018031 3,566921 0,0004 AEC 46 -0,039935 -5,124220 0,0000AEC 18 0,013855 0,811742 0,4178 AEC 47 -0,033672 -1,204681 0,2296AEC 19 -0,023532 -1,215008 0,2256 AEC 48 -0,052643 -17,66932 0,0000AEC 20 -0,087913 -4,225389 0,0000 AEC 49 -0,028690 -3,921550 0,0001AEC 21 0,065175 10,23946 0,0000 AEC 50 -0,021448 -13,28183 0,0000AEC 22 -0,012662 -0,820117 0,4130 AEC 51 -0,039535 -12,87382 0,0000AEC 23 0,053596 6,253305 0,0000 AEC 52 -0,044595 -22,67762 0,0000AEC 24 -0,031638 -11,83909 0,0000 AEC 53 0,022618 13,44034 0,0000AEC 25 -0,026112 -5,752580 0,0000 AEC 54 -0,052117 -23,31897 0,0000AEC 26 0,030257 3,951115 0,0001 AEC 55 -0,029717 -23,82436 0,0000AEC 27 -0,050892 -15,84519 0,0000 AEC 56 0,005068 0,524402 0,6005AEC 28 -0,059785 -14,24916 0,0000 AEC 57 0,043155 14,44477 0,0000AEC 29 -0,024085 -3,605540 0,0004 AEC 58 -0,031503 -3,750684 0,0002Estatísticas Ponderadas R2 0,564 R2 Ajustado 0,455 Estatísticas não- ponderadas
R2 0,451 R2 Ajustado 0,313
O cálculo dos estados estacionários com base em tais efeitos fixos por AEC
permite perceber as diferenças regionais, uma vez que existem marcantes diferenças
entre as médias dos steady state regionais. De maneira semelhante, nos testes com
dummies regionais, tem-se o mesmo ordenamento crescente dos estados estacionários:
y*planalto< y*
campanha< y*serra.
145
TABELA 6.6 - MÉDIA DOS ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES - 1939/1980
REGIÃO MÉDIA DOS Y*Campanha -0,21Planalto -0,35Serra -0,04
NOTA: Consideraram-se apenas as AEC com efeitos fixos significativos a 5%.
6.2.4. Convergência Condicional para Municípios Gaúchos (1970-1998)
Estão disponíveis dados municipais de renda e produto para o RS nos anos
de 1970, 1980, 1985, 1990, 1991, 1996 e 1998. Contudo o aumento do número de
municipalidades nesse período, passando de 231 para 467, dificulta a elaboração de
uma série longa na qual os limites geográficos sejam preservados. Note-se que não
basta reagregar os municípios emancipados, uma vez que vários tiveram mais de um
município �pai�. Assim, considerou-se toda a informação disponível, apesar da
possibilidade de estimativas viesadas que os novos municípios podem criar.128
Os procedimentos econométricos foram os mesmos utilizados no estudo do
crescimento das AEC gaúchas com dados de painel. A seguir, são apresentados os
resultados de convergência absoluta no período:
128 Tal viés surgirá se os municípios novos forem consistentemente mais ricos (ou mais pobres) do que os municípios que lhe deram origem.
146
TABELA 6.7 - CONVERGÊNCIA β ABSOLUTA E CONDICIONAL COM DADOS DE PAINEL MUNICIPAIS - 1970/1998
ESPECIFICAÇÃO I II III IV Método Dados de Painel Dados de Painel Dados de Painel Dados de Painel Constante -0,041
(-24,898) -0,069
(-6,752) -0,069
(-58,951) -0,071
(-74,810) Coeficientes: Yt-1 -0,074
(-14,797) -0,154
(-5,127) -0,161
(-15,620) -0,120
(-29,489) CAMPANHA 0,046
(3,991) 0,046
(8,631) 0,048
(9,104) PLANALTO 0,004
(0,407)
SERRA 0,065 (6,007)
0,066 (16,913)
0,068 (17,754)
CAMPANHA* Yt-1 0,131 (3,650)
0,138 (6,130)
0,097 (4,874)
PLANALTO* Yt-1 0,053 (1,761)
0,054 (5,335)
SERRA*Yt-1 0,067 (1,949)
0,074 (3,647)
0,034 (1,927)
R2 0,081 0,242 0,249 0,295 R2 ajustado 0,080 0,239 0,246 0,293
Conforme mostra a tabela, apesar de significativo, o valor de β indica que a
velocidade de convergência ainda é baixa. Há o risco de que a omissão de variáveis
esteja viesando os testes. Para testar essa hipótese, incluiram-se dummies regionais,
construídas a partir da regionalização aplicada às AEC.
No modelo II da Tabela 6.7, a hipótese de convergência seguiu sendo válida
para todas as regiões. Porém a dummy associada ao intercepto dos municípios do
Planalto não se mostrou significativa. Ela foi excluída na especificação III. Houve um
incremento da velocidade de convergência e todos os estimadores se tornaram
significativos. Seguindo o procedimento executado com relação às AEC, retirou-se a
dummy de inclinação relacionada ao Planalto e os estimadores seguiram significativos
a 5%. Esse fatos sugerem que, também nesse período, processos de convergência
condicional são os que melhor descrevem o que ocorreu no RS. Com base nos
resultados do modelo IV, calcularam-se os estados estacionários estimados para cada
região. Novamente, o estado estacionário da região da Serra é o mais alto, mas nesse
147
período a região da Campanha passa a ter o menor nível de steady-state das três
regiões.
TABELA 6.8 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES 1970/1998
REGIÃO Y* Planalto/Mista: -0,594 Serra -0,043 Campanha -1,008
Os testes aqui executados sugerem uma tendência de convergência
condicional no RS nos dois períodos analisados 1939-1980 e 1970-1998. A hipótese
de que as características regionais já presentes no século XIX foram relevantes para a
determinação dos steady-state das AEC e municípios foi não-falseada.
Em adição aos cuidados gerais com a validade dos resultados econométricos,
é necessário enfatizar que a emancipação dos municípios pode ter restringido o alcance
das presentes conclusões. Mesmo no tocante às AEC, algum viés pode existir em
decorrência das formas de agregação.
Uma vez que os testes indicam que o fato de uma AEC pertencer a uma das
regiões aqui delineadas é relevante para sua trajetória econômica, uma pergunta se
impõe: por que isso ocorre? Em outras palavras, quais são, afinal, as características
responsáveis pela decadência relativa da Campanha? A seguir, analisa-se a hipótese de
convergência condicional, substituindo as dummies regionais por variáveis
relacionadas com o capital social de cada região, de forma a identificar as forças que
sustentam a diversidade regional.
6.3. CONVERGÊNCIA CONDICIONAL E CAPITAL SOCIAL
Em 1939, além dos Censos e das informações sobre as AEC, têm-se também
os dados acerca de organização da sociedade que constam do Anuário Estatístico do
Rio Grande do Sul. É lícito notar, também, que, nesse momento, os perfis
socioeconômicos das regiões do RS já estavam bem delineados.
148
Nessa seção, descrevem-se as regiões do RS com variáveis selecionadas
referentes às AEC em 1939. O intuito é ressaltar o grau das distâncias entre as AEC
com base na classificação regional elaborada no capítulo 4. Em seguida, as correlações
entre as principais variáveis são esboçadas para que se tenha melhor entendimento dos
dados em questão.
O problema de mensuração do capital social é um tema com o qual os
pesquisadores da área se debatem. Além das questões teóricas envolvidas, existem
persistentes dificuldades na disponibilidade de informações. Em trabalhos
cliométricos, obviamente, esses problemas são ainda mais sentidos. Dadas as
dificuldades de mensuração direta do capital social, buscou-se também variáveis que
representassem a estrutura socioeconômica das regiões. Isso se justifica porque,
conforme já foi exposto, tais aspectos condicionaram a acumulação dos diversos tipos
de capital social no RS.
6.3.1. Caracterização regional
Em 1939, a economia do RS era a terceira do país e, em termos per capita,
sua renda, quase o triplo da observada no Rio de Janeiro (AZZONI, 1997, p.380 e
384). Esses dados, contudo, encobrem contrastes regionais marcantes. A Tabela 6.9
mostra as diferenças entre as médias dos valores das AEC de acordo com as suas
regiões em 1939. Alguns pontos mais marcantes são:
i) A média das rendas per capita das AEC era maior para aquelas
pertencentes à região da Campanha.
ii) Existem diferenças de composição setorial da renda, mas essas não são
tão marcantes. Note-se a pequena participação do setor secundário na
região da Campanha (cerca de 6,9%) e a participação da indústria na
região da Serra (14,5%).
iii) As diferenças entre a estrutura fundiária e a forma de ocupação da terra
são bem mais amplas. Enquanto existem cerca de 2,7 cabeças de gado por
149
habitante na Serra, na Campanha esse valor chega a 18,9. Do mesmo
modo, a média dos tamanhos dos estabelecimentos agropecuários da
Campanha, 283 hectares, contrasta com os 42,2 hectares médios da Serra.
Fica, assim, caracterizada a Campanha como uma região de criação
extensiva de gado.
Essas diferenças na forma de ocupação da terra refletem-se nas variações da
densidade demográfica pelas AEC gaúchas. Ela é oito vezes mais elevada na Serra do
que na Campanha. Apesar disso, a taxa de urbanização desta é, em média, mais
elevada do que naquela. Isso se explica porque, a despeito da elevada densidade
demográfica da Serra, sua população se encontrava basicamente na zona rural.
Os indicadores mostram que a Serra já estava à frente das outras regiões em
termos sociais. Entretanto, o que salta aos olhos é a mortalidade infantil na região da
Campanha: seus 17% de mortes de crianças com menos de um ano representavam o
dobro do observado na Serra e no Planalto.
TABELA 6.9 - CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS POR REGIÕES � 1939
CAMPANHA SERRA PLANALTO Renda per capita (Planalto= 100) 141,7 115,0 100Agricultura (%) 45,9 39,8 51,9Indústria (%) 7,0 14,5 12,1Comércio (%) 9,7 10,4 7,3Outros Serviços (%) 37,4 35,9 28,7Gado per capita 18,9 2,7 7,5Tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários 283,5 42,2 141,0Densidade demográfica (hab./km2) 7,8 61,9 8,5Taxa de urbanização (%) 34,0 18,8 14,1Alfabetização (%) 44,2 50,5 41,0Taxa de mortalidade infantil (%) 17,3 8,6 8,7FONTES: Ver Anexo 2 e 3. NOTAS: Dados trabalhados pelo autor.
Os valores referem-se a média das observações das AEC.
6.3.1.1. Organização Social e Participação Política
As primeiras linhas da tabela abaixo mostram a principais variáveis que
representam a organização social e a participação política por região do RS. No
tocante ao percentual da população que pertence a associações de classe, as AEC da
150
Serra têm esse indicador como o mais elevado, sendo que, em seguida, vem as da
região da Campanha. Por outro lado, as AEC dessa última região têm, em média, um
maior número de trabalhadores sindicalizados per capita do que as demais.
A diferença regional mais marcante nesses indicadores de organização social
está associada às cooperativas. Tomando-se o número de cooperativas ou de
cooperativados por habitantes, os valores obtidos na Serra são significativamente
maiores que os do Planalto e, em especial, da Serra. Tais indicadores são mais de dez
vezes maiores na Serra do que na Campanha.
Os dados sobre comparecimento eleitoral mais próximos de 1940 que se têm
são os referentes à eleição de 1954. Como exercício exploratório, utilizaram-se esses
dados para tentar mensurar o grau de participação da população nos canais formais de
representação política. Nesse ponto, houve um padrão raro dentre as variáveis
examinadas: a liderança do comparecimento eleitoral foi obtida pelas AEC do
Planalto. A Campanha foi a região menos participativa.
TABELA 6.10 - ORGANIZAÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA - VALORES MÉDIOS DAS AEC POR
REGIÃO � 1939
CAMPANHA SERRA PLANALTO Membros de associações de classe (% da pop.) 0,016 0,020 0,011Trabalhadores sindicalizados (% da pop.) 0,771 0,635 0,253Cooperativas por mil habitantes 0,0096 0,1031 0,0487Número de cooperativados (% da pop.) 0,1124 1,6677 0,9534Comparecimento eleitoral (%) 62,3 67,8 71,2
FONTE: Ver Anexo 2. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.
Os valores referem-se a média das observações das AEC.
6.3.1.2. Escravidão
Tal como está exposto no Anexo 2, as variáveis �Legado da Escravidão�
buscam estimar o efeito que o regime de trabalho cativo deixou na população.
Criaram-se dois indicadores: um inclui toda a escravidão e outro só considera a
escravidão não-doméstica. Em ambas proxies, a região do Planalto obteve valores
151
inferiores aos da Serra. O fato mais relevante é que o �Legado da Escravidão� na
Campanha (22,9%) é o dobro do observado no Planalto (10,8%).
Além disso, calculou-se um índice de fracionamento de cor com base nos
dados de 1939129. Esse indicador é utilizado, com freqüência, em trabalhos que buscam
avaliar as conseqüências da fragmentação dos grupos sociais sobre as instituições e/ou
crescimento. Sua forma de cálculo também consta do Anexo 2. Nesse caso, tem-se que
a maior homogeneidade era a da população da Serra, e a menor, a da Campanha.
TABELA 6.11 - LEGADO DA ESCRAVIDÃO � 1939
CAMPANHA SERRA PLANALTO Legado da Escravidão (%) 22,9 14,0 10,8Legado da Escravidão � Não-Doméstica (%) 15,4 9,8 7,7Índice de Fracionamento Racial 0,311 0,126 0,214
FONTE: Ver Anexo 2. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.
6.3.2. Correlações entre Variáveis Selecionadas
A Tabela 6.12 apresenta a matriz de correlação (Pearson) entre variáveis
selecionadas para o ano de 1939. Através dela, pode-se perceber algumas
características da estrutura de dados das AEC do RS. A saber:
i) As AEC nas quais a pecuária extensiva predomina registram baixo número
de cooperativas e comparecimento eleitoral, assim como altos legados da
escravidão, fracionamento racial e mortalidade infantil.
ii) As áreas com renda per capita mais alta tendem a possuir níveis mais
elevados de mortalidade infantil. Essa surpreendente correlação é
examinada com maior atenção no Apêndice 3. Essas mesmas áreas são as
que possuem maiores taxas de alfabetização e de membros de associações
de classe, mas não há relação com as variáveis referentes à organização
129 O conceito de cor está sendo utilizado aqui apenas porque foi significante para a sociedade brasileira da época. Sua inclusão no Censo de 1939 é um sinal desse fato.
152
de cooperativas, comparecimento eleitoral, nem legado da escravidão.
iii) O legado da escravidão está positivamente correlacionado com a taxa de
mortalidade infantil, gado per capita e inversamente com a alfabetização
e comparecimento eleitoral. O índice de fracionamento racial guarda
relação semelhante com tais variáveis.
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154
6.4. INDICADORES DO CAPITAL SOCIAL
O propósito dessa seção é discutir como os indicadores sociais calculados
para as AEC do RS representam os tipos de capital social. Não se quer argumentar que
tais proxies sejam válidas em qualquer lugar ou momento histórico. A escolha dos
indicadores dependeu dos processos específicos da experiência de formação do RS e
não deve ser extrapoladas sem uma reflexão anterior.
No capítulo quatro, argumentou-se que a ocupação do Pampa gaúcho através
de latifúndios militarizados restringiu a formação de capital social. Dessa maneira, os
dois indicadores de ocupação da terra através da pecuária extensiva, gado per capita e
tamanho médio das propriedades, seriam inversamente correlacionados com o capital
social. Como se disse, os grandes vazios populacionais dificultam a formação de laços
pessoais necessários para a acumulação de capital social. Na falta de melhor indicador,
o tamanho médio das propriedades rurais sugere algo sobre a distribuição de renda
pela sociedade130. Os latifúndios da Campanha contrastam com a estrutura mais
horizontal e igualitária da formação da Serra. Note-se também que a correlação
negativa entre a variável �gado per capita� e o comparecimento eleitoral sugere que,
nas regiões criadoras de gado, não há estímulos à participação política e talvez tenha
erodido o capital social linking. Essa hipótese, contudo, necessita um exame mais
pormenorizado.
O número de cooperativados e de cooperativas per capita é o indicador mais
próximo do capital social pelos critérios de Putnam. Ao contrário das associações de
classe e dos sindicatos, que podem se assemelhar às coalizões distributivas de Olson,
130 O tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários, a rigor, não é um indicador de concentração da propriedade. Poder-se-ia utilizar o índice de Gini, mas mesmo esse indicador é capaz de gerar distorções. Se, por exemplo, houver apenas um proprietário rural em uma AEC o índice sugerirá que a propriedade é bem distribuída. Por outro lado, se todos os proprietários potenciais de terra em uma área forem considerados no cálculo, isto é, todos os seus moradores, o índice de Gini será próximo da unidade. FRANK (2001) chamou atenção para esse problema.
155
as cooperativas, ao menos a priori, não têm esse tipo de atuação. No caso em questão,
à primeira vista, o maior problema com essa variável é que ela está capturando
também as diferenças regionais nas estruturas produtivas.131 Nas grandes propriedades
da Campanha, não existem razões para a formação de cooperativas, em contraste com
a região da Serra. De fato, conforme mostrou a Tabela 6.12, há uma correlação inversa
entre tais variáveis. Contudo uma regressão simples do número de cooperativas e de
cooperativados (ambas em termos per capita) sobre o tamanho médio das
propriedades mostra que apenas cerca de 20% e 10%, respectivamente, de suas
variações são explicadas pelas dimensões médias das terras. Logo, as diferenças entre
as densidades das cooperativas não podem ser totalmente atribuídas à estrutura
fundiária.
De acordo com o que se argumentou anteriormente, a variável referente ao
legado da escravidão funciona como um indicador inverso da disponibilidade de
capital social do tipo bridging. Áreas nas quais a escravidão teve relevância na sua
formação guardaram essa mácula e têm estruturas sociais mais rígidas. Obviamente, a
hipótese implícita é que essas características são preservadas ao longo do tempo.
6.5. CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO: EVIDÊNCIAS
EMPÍRICAS
Na tradição das Barro-regressions, o teste do efeito de uma variável sobre o
crescimento se dá mediante a sua inclusão em um modelo no qual estão as variáveis de
controle para capital físico, trabalho e, por vezes, capital humano. Os testes empíricos
131 SILVA JÚNIOR (2001) criticou a utilização das cooperativas como proxy de capital social. Ele sustentou que as cooperativas do RS serviram aos propósitos de propaganda étnica e que, no final dos anos 30, nazistas e fascistas tentaram tomar o controle político de tais associações. Mesmo que, em certo momento, as associações tenham se orientado por ideologias antidemocráticas, nada impede que isso tenha mudado ao longo do tempo e que os benefícios do capital social surjam de qualquer forma. O levantamento de BRUSTEIN (1990) sobre a filiação ao partido fascista italiano, em 1922, mostra que as regiões com maiores taxas de filiação são aquelas que Putnam, 70 anos depois, celebrou como as mais cívicas do país.
156
aqui conduzidos para a mensuração dos efeitos do capital social seguem outra
formulação na qual as variáveis explicativas são apenas a renda inicial e as proxies das
variáveis institucionais. Essa decisão se baseou em duas razões: i) não existem
estimativas, nem quaisquer proxies adequadas, sobre o estoque de capital físico no
período para as AEC; ii) a estimativa permite identificar os caminhos diretos e
indiretos através do quais o capital social influencia o crescimento da renda per capita.
Tal como já se mostrou, existem argumentos teóricos que associam o capital social à
acumulação dos outros fatores de produção e à produtividade total dos fatores. Os
estimadores associados ao capital social capturam, portanto, todos esses possíveis
mecanismos e a renda inicial controlam os efeitos de catching-up que, porventura,
ocorram.
Em termos teóricos mais precisos, utiliza-se o simples modelo de
convergência condicional abaixo, análogo ao de PUTNAM e HELLIWELL (1995)132:
ln(xi/xi,t-1) = σ (ln( γitx*/xi,t-1))+ δit .
Onde:
xit= renda per capita da região i no período t;
x*= renda per capita na região líder;
δit= taxa de crescimento da produtividade específica da região i no período t;
γit<1 indica que a convergência pode ser parcial, ou seja, a região não
alcança a renda per capita da região líder;
σ = velocidade de convergência
A estimativa econométrica desse modelo envolve a seguinte especificação:
ln(xi/xi,t-1) = a0 + a1 VarInst + a2 ln xi,t-1 + εi.
Onde:
a0, a1 e a2 - parâmetros a serem estimados;
a0= σ (ln (x*));
132 O modelo de WHITELEY (2000) não pode ser testado no presente caso, já que sua especificação exige informações sobre o investimento em capital físico.
157
a1=σ (ln (γi)) + δI;
a2= -σ;
εi= erro assumido como normal e não correlacionado com a variável
institucional.
VariInst: variáveis institucionais.
Foram utilizadas as seguintes proxies para o capital social:
a) COOPCAP: número de cooperativas per capita em 1939;
b) LEGADO: legado da escravidão não-doméstica;
c) TAMAGRO: tamanho médio das propriedades agropecuárias em 1939.
Os detalhamentos destas variáveis constam do Anexos 2. A teoria sugere que
o crescimento econômico estará diretamente relacionado com a proxy COOPCAP e
inversamente com as variáveis LEGADO e TAMAGRO. Os resultados dos testes
econométricos constam da Tabela 6.13. Todos os indicadores têm os sinais esperados.
A menor significância é a do estimador relacionado com a variável LEGADO (Prob.=
0,1096). A forte correlação linear entre as três variáveis não recomenda que sejam
incluídas na mesma especificação, pois surgiria o problema de multicolinearidade.
Dessa forma, optou-se por aplicar a análise de componentes principais (ACP) para
criar um escore fatorial de tais proxies133. A taxa de crescimento da renda per capita
foi regredida sobre esse índice composto, com a renda per capita no início do período
como variável de controle.134
133 Para uma explicação sobre ACP, ver DUNTEMAN (1989). Informações teóricas sobre o procedimento e detalhes do caso presente constam do Apêndice 2.
134 Em termos regionais, apresentam-se os seguintes valores médios para esse escore fatorial: Campanha = 0, 813; Serra = -1, 030; Planalto = -0,361. Pela forma com que está construído o índice, valores negativos representam maiores valores de capital social.
158
TABELA 6.13 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL COM VARIÁVEIS DE CAPITAL SOCIAL � 1939/1980
ESPECIFICAÇÃO I II III IV Constante 6,057
(7,917) -5,644
(-7,705) 5,665
(7,674) 5,390
(7,298) Coeficientes: Yt-1 -0,401
(-5,164) -0,372
(-5,008) -0,417
(-5,619) -0,379
(-5,080) Legado da escravidão- não-doméstica
-0,184 (-1,626)
Tamanho médio das propriedades rurais
-0,070 (-2,183)
Cooperativas per capita 2,142 (3,403)
Escore Fatorial -0,120 (-3,067)
R2 0,291 0,271 0,409 0,382 R2 Ajustado 0,265 0,244 0,388 0,359 Akaike Info Criterion 0,103 0,130 -0,08 -0,03
Os resultados corroboram a teoria do capital social, se for aceito que as
variáveis escolhidas efetivamente representam o capital social das AEC gaúchas. Vale
notar que foram feitos os mesmos testes excluindo da amostra as áreas Mistas e os
resultados foram semelhantes.
6.6. CONCLUSÃO
No período 1939-80, mostrou-se que variáveis que podem ser entendidas
como representativas dos estoques de capital social, ou de sua ausência, influenciaram
o desempenho econômico regional. A região da Campanha, com sua ocupação baseada
no trabalho escravo e uma estrutura latifundiária de posse da terra, não foi propícia
para acumulação do tipo de capital social mais favorável ao crescimento.
Uma hipótese auxiliar oculta na análise é de que o capital social não sofre
grandes variações ao longo do tempo. Essa suposição permite afirmar que as raízes do
atual atraso econômico da Região Sul estão no período pré-republicano. Na seção
seguinte, criam-se indicadores regionais de capital social contemporâneos para melhor
apreciar tal possibilidade.
159
Um caminho de pesquisa promissor é seguir o levantamento histórico das
associações gaúchas. Pesquisas recentes, como as de SILVA JÚNIOR (1999a e
1999b), examinam os estatutos das entidades mutuais de acordo com os objetivos e
caráter (étnico, classista, ou etno-classista). A desagregação desses dados talvez
permita testes econométricos que distingam entre o capital bridging e bonding.
160
7. CAPITAL SOCIAL NO RS EM FINS DO SÉCULO XX
7.1. INTRODUÇÃO
Uma hipótese subjacente aos trabalhos que examinam os efeitos do capital
social para o desenvolvimento regional é que essas características são duradouras.
Nessa seção, examina-se se essa hipótese se aplica no caso da Campanha. Além disso,
tenta-se estimar a relação entre capital social e a qualidade das gestões municipais.
Infelizmente, não existem os indicadores de participação social que poderiam
levar à construção de medidas ideais dos diversos tipos de capital social. Duas
pesquisas do IBGE poderiam, a princípio, ser o ponto de partida. Em 1988, houve um
suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) acerca de
�Participação Política-Social� e a uma Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (1996)
possuiu um bloco acerca de �Associativismo, representação de interesses e
intermediação política�. As respostas contidas nessas pesquisas poderiam levar à
construção de proxies regionais do capital social, salvo pelo fato de que só há a
distinção entre áreas metropolitanas e não-metropolitanas. Portanto essas pesquisas do
IBGE não têm utilidade para o trabalho presente.
Recentemente, a pesquisa de BANDEIRA et al. (2001) buscou averiguar a
distribuição do capital social através da aplicação de 1500 questionários em 50 cidades
do RS. A delimitação regional utilizada pelo estudo é semelhante, mas não idêntica, às
aqui apresentadas: as regiões Norte e Sul são análogas às intituladas Planalto e
Campanha, respectivamente. Já a região que aqui é chamada de Serra, no estudo de
Bandeira et al. foi dividida em Nordeste 1 (equivalente à zona metropolitana de Porto
Alegre) e Nordeste 2 (equivalente à zona colonial).
Em termos gerais, esses autores corroboram as hipóteses dessa tese. Não
cabe reproduzir todos os resultados desse relevante estudo. Suas conclusões são as
seguintes: a) as diferenças dentro da região Nordeste tornam inadequado considerar
161
apenas três regiões no RS; b) as regiões com menos capital social são o Nordeste 1
(zona Metropolitana) e a Sul. As causas do menor estoque de capital social do Sul
apontadas pelos autores são as mesmas que foram aqui defendidas: escravidão e
concentração fundiária. Já a menor dotação de capital social de Porto Alegre e
arredores é atribuída à própria dinâmica atribulada da vida na metrópole.
Os autores não fazem a distinção explícita entre vínculos bonding, bridging e
linking. Uma de suas tabelas, porém, apresenta evidências que suportam as hipóteses
dessa tese. Percebe-se que a Região Sul alcança os valores mais altos de participação
do Estado em atividades nas quais os vínculos mais próximos são exercidos, como a
visita ou recepção de parentes e amigos em casa. Já os eventos que, por natureza,
envolvem laços mais amplos do que estreitos e fortes, o Sul se torna uma região menos
participativa.
TABELA 7.1 - PERCENTUAL DE ENTREVISTADOS QUE PRATICAM ATIVIDADES SOCIAIS PELO MENOS
UMA VEZ POR SEMANA, POR REGIÕES - 2001
ATIVIDADE NORDESTE 1 NORDESTE 2 NORTE SUL Reúnem Amigos em Casa 59,5 67,1 66,5 68,7 Visitam Parentes e Amigos 77,5 76,7 77,6 81,7 Saem com Colegas de Trabalho 38,4 57,5 47,8 36,3 Reúne-se com Membros de Mesma Igreja ou Religião
32,4 49,6 57,0 33,9
Passam Tempo com Amigos ou Outras Atividades Esportivas
38,0 44,6 43,6 32,3
Participam de Reuniões de Associação Voluntária
13,0 28,3 21,8 17,5
Vão a Festas em Clubes Sociais 31,3 53,3 43,5 35,6 FONTE: Bandeira et al. (2001, p. 48) NOTA: Sem grifo no original.
A regionalização dos autores tem sentido para estudos contemporâneos ou
preocupados com as políticas públicas. Porém, devido ao caráter do presente estudo,
mantém-se, nessa seção, o mesmo critério de delimitação regional, histórico, dos
capítulos anteriores. Essa coerência parece metodologicamente mais recomendável e,
de mais a mais, a Campanha, região-problema, manteve relativa homogeneidade.
Para examinar os aspectos sócio-institucionais dos municípios gaúchos em
períodos recentes, várias fontes de dados serão utilizadas. Buscaram-se diversas fontes
de dados para que o mosaico criado reflita, da forma mais fidedigna possível, tais
162
dimensões. A análise será feita aqui em quatro partes. Em um primeiro momento, as
diferenças regionais entre os indicadores socioeconômicos são realçadas; em seguida
tem-se um indicador da qualidade das gestões municipais que destaca a questão da
participação; uma proxy de capital social municipal ocupa a terceira parte; e, por fim, a
correlação entre as variáveis é apresentada e discutida.
7.2. ASPECTOS SOCIAIS DAS REGIÕES DO RS
Entre 1939 e 1995, a Campanha teve uma queda no tamanho médio de suas
propriedades de cerca de 50%. Em termos absolutos, contudo, os 138 hectares médios
ainda destoam fortemente da região do Planalto, com 33,8, e, em especial, da Serra,
com 19,0 hectares médios.
A maior disponibilidade de dados possibilita revelar mais precisamente a
concentração de terras na região da Campanha. Rodolfo HOFFMANN (2001) calculou
diversos indicadores de concentração fundiária para São Paulo e para os estados da
Região Sul do Brasil.135 Tomando-se apenas a Campanha, percebe-se que o Índice de
Gini médio de suas microrregiões era de 0,78 e, na intitulada Litoral Lagunar (que
inclui Chuí, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, São Jose do Norte), esse valor chega
a 0,87, o maior do estado. Grosso modo, os 5% maiores proprietários têm 50% das
terras e os 50% menores possuem apenas 5% das áreas. Uma rápida inspeção da
Tabela 7.2 mostra como esses dados destoam das outras regiões.
135 O autor identifica também a correlação negativa entre concentração da propriedade fundiária e diversos indicadores de condições sociais. A razão subjacente, segundo HOFFMANN (2001, p. 9), decorre do fato das microrregiões mais desiguais terem induzido à formação de estruturas socioeconômicas que não privilegiaram a melhorias das condições de vida das suas populações.
163
TABELA 7.2 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA POR MICROREGIÕES DO RS - 1995/96
REGIÃO/ MICRORREGIÃO
NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS
ÁREA TOTAL
(HA)
MÉDIA(HA)
ÍNDICE DE GINI
ÁREA OCUPADA 50% DAS
MENORES PROPRIEDADES
(%)
% ÁREA OCUPADA 5% DAS MAIORES
PROPRIEDADES
Campanha 62895 8739921 137 0,76 4,86 48,6Campanha Central 6286 1586680 252,4 0,76 3,5 43,7Campanha
Meridional 5017 1191476 237,5 0,77 3,2 44,2
Campanha Ocidental
10006 2748444 274,7 0,75 3,5 42,1
Jaguarão 2898 585951 202,2 0,76 4,6 46,5Litoral Lagunar 4897 563355 115 0,87 1,6 67,4Pelotas 20076 823096 41 0,68 11 52,7Serras de Sudeste 13715 1240919 90,5 0,72 6,6 43,8
Planalto 207255 7009137 33,82 0,59 13,7 37,2Carazinho 11896 422697 35,5 0,73 8,8 57,1Cerro Largo 11790 196034 16,6 0,52 16,5 29,7Cruz Alta 10093 730640 72,4 0,74 6,6 50,7Erechim 20599 478998 23,3 0,48 19,3 27,7
Frederico Westphalen
25438 420225 16,5 0,52 18,0 32,4
Guaporé 12687 291450 23 0,51 17,6 29,2Ijuí 13196 454623 34,5 0,66 10,4 46,5Não-Me-Toque 3688 122905 33,3 0,53 15,6 28,6Passo Fundo 17355 584174 33,7 0,62 12,5 41,6Sananduva 10494 263938 25,2 0,58 14,1 35,3Santa Rosa 18522 302834 16,3 0,46 20,4 23,5
Santo Ângelo 17065 955685 56 0,75 6,3 51,2Três Passos 22078 313581 14,2 0,48 19,3 25,4
Vacaria 12354 1471353 119,1 0,71 6,7 42,1Serra 88229 1618395 18,34 0,55 15,4 32,1
Caxias do Sul 16317 342891 21 0,5 17,7 27,5Gramado-Canela 7661 128640 16,8 0,52 16,6 28,4Lajeado-Estrela 22626 312010 13,8 0,49 17,8 25,1Montenegro 10185 136729 13,4 0,52 16,4 28,9 Porto Alegre 6112 272215 44,5 0,74 6,8 54,2Santa Cruz do Sul 25328 425910 16,8 0,51 17,3 28,4
Mistas 71004 4433434 62,44 0,74 6,8 53,0Cachoeira do Sul 10066 648088 64,4 0,81 3,7 58,8Camaquã 8302 459774 55,4 0,77 7,1 61,3Osório 11137 457917 41,1 0,79 5,2 61,5Restinga Seca 7205 239634 33,3 0,62 12 39,2Santa Maria 12346 1015630 82,3 0,75 6,2 51,4Santiago 7991 980511 122,7 0,75 5,5 46,4São Jerônimo 5108 332349 65,1 0,78 5,6 59,4
Soledade 8849 299531 33,8 0,69 9 45,9FONTE: Adaptado a partir de Hoffmann (2001) com base em dados do Censo de Agropecuário de 1995/96.
164
Em termos de distribuição pessoal da renda, não se têm dados para o começo
do período para que se possa fazer uma comparação sobre sua evolução. De qualquer
forma, a índice médio de Theil (ponderado pelas populações de cada município) a
colocam com a mais desigual do Estado (0,62). Aliás, o ordenamento regional dos
indicadores de concentração de renda pessoal é o mesmo da concentração da
propriedade fundiária.
Outros indicadores listados na Tabela 7.3 permitem uma visão panorâmica
das diferenças regionais no RS da década de 1990. Os dados do PNUD (1998)
apontam que, em 1991, a renda per capita média da Campanha de 1,2 salário mínimo
era ainda superior à do Planalto. Os dados de PIB per capita fornecidos pela FEE
(1998) já mostram que a Campanha como região relativamente mais pobre do estado.
Obviamente a diferença de metodologia não permite comparações diretas. Em dois
indicadores de situação social, o Índice Social Municipal Ampliado de 1996 e a
parcela de população abaixo da linha de pobreza, a Campanha fica em posição
levemente superior ao Planalto. Há, contudo, um notável contraste entre ambas as
regiões e a Serra gaúcha.
Quanto à ocupação do solo, os dados da Campanha sugerem que não houve
mudança substancial. A urbanização da região continua sendo maior do que a média
do estado, mas a densidade demográfica continua bastante baixa com apenas 15
habitantes por km2. Isso sugere que a população está concentrada em núcleos urbanos
separados por vazios demográficos.
165
TABELA 7.3 - INDICADORES ECONÔMICOS E DEMOGRÁFICOS POR REGIÕES DO RS - ANOS DIVERSOS REGIÃO DESIGUALDADE
(THEIL-L) 1991 RENDA
PER CAPITA 1991(1)
PIB PER
CAPITA 1998(1)
ISMA 1996
POBREZA 1991 (%)
DENSIDADE DEMOGRÁFICA
1998 (HAB./KM2)
TAXA DE URBANIZAÇÃO
1996 (%)
Campanha 0,623 80,9 78,9 0,482 44,2 15,0 82,9 Planalto 0,616 68,9 87,8 0,477 49,8 26,0 62,2 Serra 0,476 127,0 115,3 0,532 21,8 197,4 88,2 Mista 0,605 80,7 88,5 0,471 43,3 21,9 71,3 Total 0,549 100 100 0,504 34,7 36,4 79,4 FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor. (1) Média estadual = 100.
7.3. UM INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
Diversos indicadores que podem sugerir qualidade da administração pública
são examinados nesta seção. Primeiramente, as diferenças regionais são destacadas e,
uma vez examinadas as correlações entre as variáveis, tenta-se chegar em um
indicador composto através de análise fatorial.
O primeiro passo consiste em estudar as características das prefeituras.
Vários aspectos foram analisados. Em termos gerais, optou-se por trabalhar com
valores per capita. A razão é simples: prefeituras com pequenos contingentes
populacionais não necessitam de tantos serviços de maior complexidade. Portanto, se
fossem considerados os valores absolutos, estar-se-ia afirmando, implicitamente, que
prefeituras pequenas tem baixa qualidade. Na Tabela 7.4 estão os dados, já com as
diferenças regionais, acerca do grau de informatização dos serviços das prefeituras e a
parcela de funcionários públicos municipais com nível superior.
166
TABELA 7.4 - INDICADORES DE MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
VARIÁVEL CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL Informatização per capita 0,686 1,727 1,403 1,282 1,477Funcionários com Nível Superior/Total
0,146 0,116 0,112 0,127 0,120
FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.
A Campanha têm o menor grau de informatização, mas um maior número de
funcionários com nível superior em suas prefeituras do que a média estadual. As
razões para essa aparente contradição serão discutidas mais a frente.
Outra dimensão que vale a pena abordar é a habilidade da administração
pública em criar leis, planos e códigos no âmbito municipal. A lista de leis
consideradas, bem como outros detalhes, constam do Anexo 4. Igualmente, é
interessante considerar o quão permeável à sociedade civil são os órgãos das
prefeituras. Para medir esse aspecto, optou-se por avaliar o número total de conselhos
e levar em conta a sua situação: se são paritários, se estão apenas regulamentados ou se
já foram instalados e se seu poder é deliberativos ou consultivos.
TABELA 7.5 - PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E OUTROS
INDICADORES. (EM TERMOS PER CAPITA) CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL
Leis e Planos 0,623 1,363 1,085 1,052 1,174Conselhos 0,497 1,122 0,808 0,817 0,936Conselhos Paritários 0,319 0,822 0,560 0,556 0,666Conselhos Instalados 0,392 0,826 0,585 0,587 0,686Poder dos Conselhos 0,567 1,032 0,756 0,758 0,875FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.
Como mostra a tabela, a região da Campanha teve menos leis, menos
conselhos em todos os seus aspectos e também menos consórcios intermunicipais. O
Planalto consistentemente ocupou a primeira posição na região.
No tocante à eficiência fiscal, os dados indicam que os municípios da
Campanha, mais uma vez, estiveram em última posição136. Em termos de despesa com
136 Ver PONTUAL (1999) para a definição de eficiência fiscal e a sua estimação para os municípios do RS.
167
Saúde e Educação per capita, o mesmo padrão se repetiu, sendo que a Serra despendeu
mais recursos em ensino por habitante do que as outras regiões. Ainda no que se refere
à Educação, a relação professor/aluno matriculado foi mais baixa na Campanha e a
evasão escolar foi levemente maior nessa região. Certamente, outros fatores, fora da
alçada da administração municipal, influenciam essas variáreis, mas, mesmo assim,
elas oferecem alguma idéia sobre a importância que é dada à Educação.
TABELA 7.6 - INDICADORES DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL POR REGIÃO
CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL Eficiência Tributária 40,4 65,8 53,2 56,1 58,9Gasto Educacional por Habitante 0,092 0,108 0,112 0,108 0,108Gasto em Saúde por Habitante 0,031 0,053 0,045 0,045 0,048Docentes por Matrículas no Ensino Fundamental
0,072 0,088 0,075 0,080 0,082
Taxa de Permanência na Escolas Municipais
94,8 97,3 97,6 96,6 97,0
FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.
O principal resultado é que as gestões dos municípios da Campanha são
pouco informatizadas, ineficientes na arrecadação de impostos, com gastos sociais por
habitante abaixo da média, e a sociedade é pouco representada através de conselhos.
A tabela de correlação abaixo permite observar que todas as variáveis
anteriormente citadas (com exceção da taxa de funcionários graduados) têm correlação
positiva e significativa a, pelo menos, 5%. Ou seja, os municípios mais abertos tendem
a ter gestões modernas e a gastar mais nas suas funções sociais.
Incluiu-se o PIB per capita na tabela de correlações para evidenciar que não
são os municípios mais ricos os melhor dotados das características tratadas acima.
Apenas o gasto em Educação está significativamente correlacionado com tal variável.
Também causa surpresa inicial o fato de a taxa de funcionários com nível superior ser
inversamente correlacionada com as outras variáveis. Ou seja, as prefeituras com
funcionários, a princípio, mais qualificados seriam também mais fechadas e menos
informatizadas. Uma possibilidade é que se tratem de administrações municipais nas
quais a elite local se encastelou e não de um indicador de profissionalização da carreira
168
de servidor. Serão necessários, contudo, outros estudos para verificar a
verossimilhança dessa última afirmação.
A partir desse conjunto de variáveis, aplicou-se a técnica de análise de
componentes principais. Os resultados estão abaixo:
TABELA 7.7 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADORES DE QUALIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL VARIÁVEIS COMPONENTE 1 COMPONENTE 2
Conselhos por mil habitante 0,933 0,238Conselhos Instalados por Habitante 0,888 0,203Eficiência Tributária 0,877 0,288Informatização per capita 0,844 0,298Conselhos Paritários por Habitante 0,833 0,152Poder dos Conselhos per capita 0,776 0,147Docentes por Matrículas no Ensino Fundamental 0,629 -0,079Gasto em Saúde por Habitante 0,278 0,692Funcionários com Nível Superior/Total -0,366 0,656Gasto Educacional por Habitante 0,478 0,504Taxa de Permanência nas Escolas Municipais 0,213 0,485FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.
Utilizando os mesmos procedimentos de análise de componentes principais
do capítulo anterior, chegou-se a dois fatores. A carga fatorial do primeiro componente
absorve mais de 50% da variação e contém as variáveis relacionadas ao grau de
participação da sociedade na administração, à utilização da informática, eficiência
tributária e à relação professor-aluno nas escolas municipais. Já o segundo fator
representa as variáveis relacionadas com o gasto em atividades sociais por habitantes,
a titulação dos funcionários e a taxa de permanência dos alunos no Ensino
Fundamental.
Seguindo a idéia de avaliar as diferenças inter-regionais, criaram-se escores
fatoriais a partir dos dois componentes principais extraídos e suas médias foram
calculadas. Como se pode ver na Tabela 7.8, o Planalto e a Serra demonstram médias
mais altas para os escores fatoriais 1 e 2, respectivamente. Já a Campanha aparece com
valores mais baixos nos dois indicadores de qualidade da administração pública
estimados.
169
TABELA 7.8 - ESCORES FATORIAS- INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL POR REGIÃO
REGIÃO ESCORE FATORIAL 1 ESCORE FATORIAL 2
Campanha -0,680 -0,605Planalto 0,336 0,053Serra -0,332 0,120Mista -0,250 0,010
7.4. UM INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL
Não há dados sobre filiação a associações ou sobre o uso do tempo dos
cidadãos. Isso faz com que os números de estabelecimentos ou de empregados de
associações sejam adotados como uma forma de estimativa do capital social local. A
idéia subjacente é que há correlação positiva entre esses indicadores e as práticas
associativas efetivas dos gaúchos. A existência de um número ótimo de membros faria
com que novas entidades surgissem em ambientes mais associativos. Obviamente, os
riscos de se adotar essa suposição são vários. Por se tratar de apenas alguns tipos de
organizações e de empregos formais, outras espécies de associações informais estão
excluídas. Outro problema é que talvez um grande número de associações signifique
uma sociedade mais fracionada. Tal como foi argumentado anteriormente, a
segregação pode resultar em número maior de grupos, porém menos abrangentes. Por
exemplo, pode ser que a existência de múltiplos Centros de Tradições Gaúchas - CTG-
ou associações em um município signifique que cada um desses atenda a apenas
segmento restrito da sociedade.
Evidência subjetiva sugere que os CTG têm papel importante de socialização
no RS137. Autores mais críticos, como Tau GOLIN (1987) identificam os CTG e todo o
movimento tradicionalista gaúcho como reflexo da estrutura concentrada da terra.
137 Relatos informais sugerem que dentro do estado os CTG são bastante abertos a qualquer indivíduo, basta que ele se identifique com a cultura tradicionalista. Já fora do RS parece que o papel dos CTG é o de aproximar os emigrantes oriundos do estado. Em termos de capital social, parece que os CTG dentro do estado comporiam capital social bridging enquanto, em outras localidades teriam papel bonding.
170
Seria, portanto, uma ideologia de dominação, uma glorificação do latifúndio. Se isso
for verdade, haverá uma correlação espacial entre o número de CTG e as regiões com
grandes proprietários.
TABELA 7.9 - INDICADORES DE ATIVIDADES ASSOCIATIVAS E CÍVICAS
VARIÁVEL CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL CTG 0,233 ,266 0,125 0,302 0,235Jornais 0,384 1,068 0,900 0,776 0,915Votos na Legenda 1998 8,714 5,719 7,727 6,998 6,702Votos na Legenda 2000 8,985 7,200 7,129 7,614 7,411Trabalhadores De cooperativas Crédito 0,045 0,304 0,138 0,101 0,204Cooperativas Crédito 0,003 0,012 0,003 0,008 0,008Trabalhadores De associações Patronais 0,087 0,038 0,032 0,050 0,043Associações Patronais 0,026 0,026 0,011 0,015 0,021Trabalhadores Associações Profissionais 0,043 0,039 0,018 0,015 0,030Associações Profissionais 0,014 0,010 0,008 0,008 0,009Trabalhadores de Sindicatos 0,484 0,360 0,507 0,212 0,380Sindicatos 0,091 0,153 0,140 0,100 0,135Trabalhadores Associações Religiosas 0,106 0,273 0,414 0,203 0,281Associações Religiosas 0,060 0,125 0,168 0,102 0,126Trabalhadores Associações Políticas 0,011 0,002 0,003 0,032 0,008Associações Políticas 0,014 0,006 0,003 0,015 0,008Trabalhadores Outras Associações 1,192 0,991 1,194 0,911 1,044Outras Associações 0,245 0,251 0,267 0,195 0,244RICE -0,024 0,006 0,008 -0,016 0,000Idade 96,6 31,1 40,0 43,3 41,2FONTE: ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.
As diferenças no associativismo não são tão claras quanto se esperaria
inicialmente. A Campanha possui indicadores mais baixos do que a média estadual nos
seguintes tipos de associações: Cooperativas de Crédito e Associações Religiosas. Já
em relação a Associações Profissionais e Patronais, os valores observados na
Campanha são os mais elevados do Estado. Quanto aos Sindicatos, a região apresenta
os valores reduzidos no tocante ao número de entidades, mas em termos de
trabalhadores empregados nessa atividade seus valores são superiores aos observados
no Planalto.
Quanto ao número de CTG per capita há uma grande diferença entre os
valores observados na Serra (0,125 centros por mil habitantes) para o Planalto e a
Campanha (0,266 e 0,233 por mil habitantes, respectivamente). Talvez o número
dessas organizações seja influenciado pela cultura local associada aos símbolos
171
característicos do tradicionalismo gaúcho. O fato de Ivoti ser o maior município em
população do estado sem CTG derivaria da sua origem em uma colônia de imigrantes
e de estar localizado em uma das micro-regiões (Gramado-Canela) com menor
concentração de terras.
No que se refere ao número de jornais publicados, existe uma diferença
nítida entre a Campanha, com cerca de 0,4 títulos por mil habitantes, e o Planalto e a
Serra, 1,1 e 0,9 títulos, respectivamente. Os dados de Barra Funda (80 jornais), Araricá
(292) e Butiá (480), pequenos municípios do estado, parecem descabidos e sugerem
erros. Por essa razão, foram excluídos da amostra.
Em PUTNAM e HELLIWELL (1995), a fração de votos em legendas
partidárias é considerada com uma proxy de virtudes cívicas, pois indicaria que
questões políticas amplas, e não meramente pessoais, orientariam as eleições. Os
dados mostram que a Campanha é a região com a maior parcela de votos em legendas
partidárias. Mas não será que tal indicador representa exatamente o oposto? Os votos
em indivíduos, se por um lado podem indicar relações personalistas, podem sinalizar
uma maior consciência regional. Lembrando que não existem partidos com identidade
regional no RS, o voto em candidatos representaria que os eleitores buscam ver
interesses próprios de suas vizinhanças representados. Evidências na tabela de
correlação apresentada a seguir corroboram essa intuição.
O índice de eficiência relativa de conversão da renda (Relative Income
Conversion Efficiency - RICE) sugere o quão capaz uma sociedade é em transformar a
renda de seus cidadãos em bem-estar. Os detalhes para o cálculo do RICE constam do
Apêndice 3. Nessa variável, a inferioridade da Campanha diante das outras regiões é
evidente.
Vale a pena realçar alguns resultados contidos na tabela de correlação:
i) Os votos em legenda acham-se inversamente correlacionados com o
número de jornais por município. Isso pode corroborar a idéia de que os
municípios com leitores melhor informados tendem a votar em candidatos
172
identificados com os interesses locais. Chama também a atenção que
municípios mais antigos tenham uma fração maior de votos em legenda
do que os mais novos. Isso pode estar relacionado com as lideranças
locais envolvidas em processos de emancipação.
ii) Existem diversas correlações positivas entre os números de trabalhadores
e de associações e sindicatos listados na Relação Anual de Informações
Sociais - RAIS. Mesmo assim, apesar de não haver qualquer correlação
negativa significativa, não se pode afirmar que todos os indicadores
estejam apontando na mesma direção.
iii) Curiosamente, o número de jornais está inversamente associado a
diversos tipos de associações, com exceção do número de sindicatos e de
associações religiosas.
iv) A RICE está positivamente correlacionada com o número de jornais,
associações patronais e religiosas, sindicatos e outras.
A análise de componentes principais permite ver o quão complexa é a
medição do capital social. Se todas as variáveis representassem o mesmo aspecto, um
componente principal conteria a maior parte da variação dos dados. Isso, contudo, não
acontece.
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Votos Legenda (%) - 1998
Votos Legenda (%) - 2000
Trabalhadores de Cooperativas
CréditoCooperativas
Crédito
Trabalhadores Assoc. Patron.
Associações Patronais
Trabalhadores de Assoc. Prof. ProfissionaisAssociações Profissionais
Trabalhadores de Sindicatos
Sindicatos
Trabalhadores de Assoc. Relig.
ReligiosasAssociações Religiosas
Trabalhadores de Assoc. Políticas
Associações Políticas
Trabalhadores Outras
AssociaçõesOutras
Associações
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Idade do Município
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174
Exercícios exploratórios levaram à exclusão das variáveis associadas aos
votos em legenda, porque, de outra forma, o número de componentes obtidos
dificultaria a sua interpretação. Também a consideração de ambos os aspectos de cada
variável oriunda da RAIS, o número de entidades e trabalhadores em atividades
associativas, levaria a um número excessivo de componentes (pelo critério de Kaiser).
Optou-se por incluir apenas o número entidades per capita em cada município.
Os resultados abaixo mostram a existência de quatro componentes.
TABELA 7.11 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL (I)
COMPONENTE1 COMPONENTE 2 COMPONENTE 3 COMPONENTE4 Jornais 0,762 -0,243 -0,142 -0,076Sindicatos 0,714 -0,093 -0,128 -0,006Associações Religiosas 0,698 0,196 0,212 0,099Associações Profissionais -0,093 0,739 0,009 -0,165Associações Políticas 0,001 0,648 -0,035 0,204CTG 0,284 -0,271 -0,660 0,224Cooperativas Crédito -0,041 -0,265 0,571 0,085RICE 0,430 0,075 0,559 0,183Associações Patronais 0,001 0,031 0,041 0,944
O primeiro componente reúne as variáveis Jornais, Associações Religiosas e
Sindicatos, sugerindo que as três dimensões estão associadas. Dessas, as duas
primeiras podem ser interpretadas como indicadores de capital social. Uma maior
presença de jornais apontaria virtudes cívicas e as associações religiosas podem ser
entendidas como capital social. Os sindicatos talvez tenham as características de
grupos de busca da renda, isto é, coalizões distributivas olsonianas.
O segundo componente engloba as Associações Profissionais e as Políticas.
Nesse caso, parece difícil classificar esses tipos de instituições. Organizações
profissionais podem ser o típico caso de grupo orientado para a busca da renda, mas as
associações políticas não devem ser, a priori, classificadas.
O número de CTG (com sinal negativo), Cooperativas de Crédito e o RICE
formam o terceiro componente. Esse é o que mais se aproximaria, ao menos a
princípio, de uma proxy de capital social. O sinal invertido do número de CTG pode
175
ser explicado pelos motivos supracitados, isto é, pode representar estruturas mais
concentradas de posse da terra. Finalmente o quarto componente inclui apenas as
Associações Patronais, as quais podem ser entendidas como uma coalizão distributiva
olsoniana.
Para avaliar as diferenças regionais nesses quatro componentes, foram
calculadas as médias regionais. Os resultados constam da tabela que se segue:
TABELA 7.12 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (I)
REGIÃO ESCORE CAPSOC1_1
ESCORE CAPSOC2_1
ESCORE CAPSOC3_1
ESCORE CAPSOC4_1
Campanha -0,807 0,264 -0,392 -0,034Planalto 0,242 -0,088 0,057 0,127Serra 0,049 0,083 0,314 -0,260Mista -0,343 -0,006 -0,413 0,020
Atentando-se apenas à Campanha, percebe-se que ela obteve os menores
escores nos componentes 1 e 3, exatamente aqueles que sugerem os menores estoques
de capital social. O fato de a região ter apresentado o escore mais elevado no
componente 2 é de difícil análise. Conforme se disse, por representar as Associações
Profissionais e Políticas, organizações de caráter distinto, não é evidente o seu
significado.
Haja vista essas ambigüidades no caráter das associações, repetiu-se a
análise de componentes principais, mas agora considerando apenas os dois tipos que
estão mais distantes das coalizões distributivas: as Cooperativas de Crédito e as
Entidades Religiosas. Os resultados são os seguintes:
TABELA 7.13 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL (II)
COMPONENTE 1 COMPONENTE 2 Associações Religiosas 0,760 -0,095Jornais 0,748 0,397RICE 0,590 -0,467CTG 0,184 0,808Cooperativas Crédito 0,089 -0,388
176
O primeiro componente engloba as três primeiras variáveis e pode ser
considerado uma proxy adequada do capital social. Já o segundo apresenta a maior
carga positiva no número de CTG e pesos negativos nas variáveis com sinais
�desejáveis�. Mais uma vez, seguindo o procedimento de cálculo das médias regionais,
chega-se ao seguinte resultado:
TABELA 7.14 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (II) REGIÃO ESCORE CAPSOC1_2 ESCORE CAPSOC2_2Campanha -0,896 0,128Planalto 0,269 0,049Serra 0,087 -0,380Mista -0,430 0,342
A Campanha tem os valores mais baixos no escore fatorial 1 e o maior,
dentre as três regiões típicas, no escore 2. Ou seja, nas duas dimensões em que se tenta
mensurar o capital social, a região esteve nos extremos que mostram a sua carência.
7.5. CAPITAL SOCIAL E QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
Para testar a hipótese de que Capital Social e Qualidade Administrativa são
aliados, o passo final desse estudo consiste em verificar se há correlação entre os
indicadores aqui calculados. O procedimento é o mais simples possível: testar a
correlação serial entre os escores fatoriais de cada dimensão.
Conforme foi dito anteriormente, no primeiro procedimento de cálculo dos
escores fatoriais, considerou-se que as variáveis Escore CapSoc 1_1 e Escore CapSoc
3_1 eram as que melhor caracterizavam o capital social. Portanto é de se esperar que
seja positiva sua correlação com as variáveis relativas a qualidade administrativa. Os
resultados encontram-se listados a seguir:
177
TABELA 7.15 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO E DO CAPITAL SOCIAL (I)
ESCORE ADM1 ESCORE ADM2Escore CapSoc 1_1 0,583 0,289Escore CapSoc 2_1 -0,213 0,040Escore CapSoc 3_1 -0,112 0,220Escore CapSoc 4_1 -0,073 0,030
NOTA: Correlações significativas a 1% em negrito e itálico.
Como se pode perceber, a correlação tem o sinal esperado e é
estatisticamente significativa em 3 dos 4 valores de interesse. Apenas a relação entre o
escore calculado a partir do terceiro componente de capital social e o primeiro relativo
à Administração apresenta o sinal oposto ao esperado, mas, de qualquer forma, não é
significativo.
Deve-se lembrar que, no segundo procedimento para o cálculo de escores
fatoriais do capital social, obteve-se que valores mais elevados da variável Escore
CapSoc 2_2 refletem sua escassez. Logo é negativo o sinal esperado de sua relação
com os escores de administração pública. A tabela abaixo mostra que isso não se
verificou em um dos casos, a saber, sua correlação com Escore ADM1. Nas demais, os
sinais e significâncias estatísticas estão de acordo com o que a teoria sugere: unidades
com mais capital social tendem a ter melhores administrações municipais.
TABELA 7.16 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO E
DO CAPITAL SOCIAL (II) ESCORE ADM1 ESCORE ADM2Escore CapSoc1_2 0,519 0,349Escore CapSoc 2_2 0,289 -0,137NOTA: Correlações significativas a 1% em negrito e itálico. Correlações significativas a 5% apenas em negrito.
7.6. CONCLUSÃO
Nesse capítulo, ficaram claras as dificuldades de mensuração do capital
social. Não só há o problema da obtenção dos dados básicos, como também existe a
questão da sua interpretação. É arriscado afirmar, sem estudos de caso, que um certo
tipo de associação tem caráter bonding ou bridging ou se é um grupo à moda de
178
Putnam ou uma coalizão distributiva. As informações quantitativas não falam por si e
outras fontes são necessárias para se compreenderem os dados disponíveis.
Os simples procedimentos estatísticos aplicados, em um balanço geral,
apóiam as hipóteses dessa tese. A Campanha continua sendo uma região desigual,
apresentando índices mais baixos de capital social e qualidade da gestão pública. A
análise das correlações entre esses tais indicadores apenas parcialmente corroborou a
teoria, uma vez que houve o registro de alguns sinais opostos aos previstos.
Em mais de um século, novas realidades se formaram dentro das regiões
gaúchas. Portanto é de se esperar que muitas das heterogeneidades intra-regionais
tenham sido descartadas. Mesmo assim, optou-se por manter a mesma classificação
para seguir o fio condutor da tese. Foge do tema da presente tese, mas é fato
surpreendente que o Planalto apresente os maiores valores do RS em alguns dos
indicadores �desejáveis�. Talvez o fato de boa parte de seus municípios terem sido
ocupados e criados em um período relativamente recente tenha gerado novas formas
de socialização e administração ainda não examinadas.
179
8. CONCLUSÃO
É tempo de irmos acabando gradualmente até os últimos vestígios da escravidão sobre nós, para que venhamos a formar em poucas gerações uma nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes. É da maior necessidade ir acabando
tanta heterogeneidade física e civil; cuidemos pois, desde já, em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrários, em amalgamar tantos metais diversos para que saia
um Todo homogêneo e compacto, que não se esfarele ao pequeno toque de qualquer nova convulsão política.
José Bonifácio (apud PRADO JÚNIOR, 1945, p. 145)
Pela forma como foi organizada esta tese, as principais conclusões de cada
seção foram distribuídas ao final dos capítulos. Apesar disso, vale retomar os pontos
principais para que haja uma visão de conjunto das informações. Ao longo desse
trabalho, sustentou-se que a carência das modalidades bridging e linking de capital
social na região da Campanha do RS, derivada de sua formação socioeconômica,
conduziu ao seu atraso relativo. Argumentou-se que as características específicas da
região- militarização, escravidão e alta concentração de terras- forjaram um sociedade
não-propícia ao surgimento de relações sociais que poderiam contribuir para o seu
desempenho econômico a longo prazo. Relacionou-se, em seguida, empecilhos à
modernização econômica da Campanha durante a República Velha com a questão do
capital social.
Para o período a partir de 1940, os resultados econométricos sugeriram que o
fato de um território pertencer a uma das três regiões típicas do Estado influiu nas suas
trajetórias econômicas a longo prazo. Essas, por sua vez, se mostraram relacionadas
com indicadores que, conforme se argumentou, refletem estruturas sociais com
diferentes estoques de capital sociais. Em termos gerais, identificou-se que as
desigualdades regionais, inclusive em termos de capital social, persistiram ao tempo.
Finalmente, em períodos recentes, notou-se correlação positiva entre os índices
municipais de qualidade da administração e de capital social (especialmente bridging e
linking).
180
É difícil resistir a tentação de inferir sugestões gerais de política. Mas se as
teorias sobre as origens e as conseqüências dos diversos tipos de capital social estão
apenas começando a ser entendidas, como arriscar formas de intervenção? E, mesmo
que essas fossem totalmente compreendidas em teoria, ainda restaria a tarefa de
entender os aspectos específicos da sociedade do Sul do RS.
Isso não significa, contudo, que a abordagem do capital social seja inútil para
questões de política; ela ainda pode se tornar, tal como aconteceu em outros lugares do
mundo, um ponto de partida, um guia, para intervenções bem-sucedidas. Igualmente,
ela pode mostrar o que não deve ser feito, isto é, alertar para os riscos de que certas
políticas contribuem para a destruição do capital social e conseqüente piora das
condições de vida dos cidadãos.
Já em termos teóricos, é fácil ser otimista quanto ao futuro da pesquisa sobre
capital social. Tudo o que já foi produzido na área e seus desenvolvimentos recentes
evidenciam e ampliam seu alcance explicativo. Mais ainda, por propiciar o diálogo de
linhas teóricas diversas, pode-se esperar dessa abordagem uma constante renovação.
Como a própria teoria do capital social sugere, uma maior abertura e interação dos
grupos de pesquisa tenderá a gerar melhores resultados do que se estivessem isolados.
Oxalá o conceito de capital social não se transforme em um patrimônio exclusivo dos
economistas ou de outra área qualquer das ciências sociais. Em termos ideais, ele
continuará a ser uma forma de superar as barreiras disciplinares, um ponto de encontro
de pesquisadores, não na busca vã de uma teoria social unificada, mas como lócus de
aprendizado mútuo. O estudo de questões empíricas relevantes é uma das formas de
contribuir com esse diálogo interdisciplinar e, ao mesmo tempo, com a disseminação
da teoria do capital social. O presente trabalho pretendeu agir nesse sentido.
181
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194
APÊNDICE 1 - DUTCH DISEASE NO RS DO SÉCULO XIX:
OBSERVAÇÕES PRELIMINARES
LEFF (1997) atribuiu a decadência do Nordeste na segunda metade do
século XIX ao boom exportador de café. Ele aponta que, como os fatores não são
perfeitamente móveis entre setores e regiões, o fato de se ter uma taxa de câmbio única
para todo território brasileiro fez com que a produção de açúcar e de algodão, no
Nordeste, fossem prejudicadas. A lógica é que o aumento das exportações do produto
dinâmico leva a um sobrevalorização do câmbio, que, por sua vez, corrói a capacidade
competitiva dos outros setores. Esse processo teria sido equivalente à chamada Dutch
Disease que teria atingido a Holanda na década de 60. A descoberta de gás natural
levou a uma apreciação cambial que induziu pressões desindustrializantes. CORDEN
(1984) resume a literatura teórica sobre o tema.
Teria o mesmo acontecido no RS do século XIX? Ainda não se têm
evidências definitivas, mas alguns sinais são convincentes. Primeiro, NOGUEIRÓL
(2002) mostrou que não só os preços dos escravos em Porto Alegre e Sabará estavam
correlacionados entre si, como também apresentavam conexão com o preço de
exportação do café. Isso sinaliza que o boom do café elevou a produtividade marginal
do trabalho escravo e, portanto, a sua remuneração no Sudeste. Por arbitragem, esses
aumentos de preço chegaram ao Sul do Brasil. Note-se que essa elevação dos preços
relativos dos escravos se deu apenas em mercadorias fora do boom exportador; quando
medido em termos de café tais preços seguiram estáveis.
Além disso, o incremento das exportações de café levou a apreciação
cambial, a qual tornou o charque do Prata mais competitivo. Conforme bem lembra
LEFF (1997, p. 19), as diferenças de produtividade que devem ser examinadas são
entre as diferentes atividades no Brasil e não entre o mesmo setor nos diversos países.
As explicações que confrontam as diferenças absolutas de custo entre produtores de
tasajo e de charque, desconsideram a teoria das vantagens comparativas. Quando as
195
essas se mostraram em favor do café brasileiro, os outros setores da economia
brasileira, logicamente, ficaram em desvantagem. Taxas de câmbio diferenciadas por
região, argumenta Leff, teriam corrigido essa distorção. No caso gaúcho, as tarifas de
importação sobre o tasajo talvez tenham sido um substituto para isso.
Vale ressaltar que, mesmo a explicação de Dutch Disease sendo apropriada
para explicar os problemas das charqueadas no século XIX, seria inapropriado
estendê-la até o século seguinte. A longo prazo, outros movimentos e razões, conforme
as examinadas nas outras seções desta tese, fazem mais sentido.
196
APÊNDICE 2 - COMPONENTES PRINCIPAIS: TEORIA E RESULTADOS
A razão básica que conduz a utilização da Análise de Componentes
Principais- ACP- é a parcimônia. Quando se têm um número grande de variáveis
fortemente correlacionadas, a ACP permite que elas sejam representadas por um
número pequeno de variáveis não-correlacionadas, identificadas como componentes
principais.
Mais formalmente e seguindo KOUTSOYANNIS (1979, p. 414), a ACP se
baseia na obtenção de novas variáveis Zj que sejam combinações lineares das Xj de
variáveis originais (j=1,2,...,k):
Z1= a11 X1 + a12 X1+ ... + a1k Xk
Z2= a21 X1 + a22 X1+ ... + a2k Xk
. . . . .
. . . . .
. . . . .
Zk= ak1 X1 + ak2 X1+ ... + akk Xk
O método é construído de tal forma que os a, chamadas cargas fatoriais,
gerem componentes principais Zk ortogonais e que o primeiro (Z1) absorva a maior
parte das variações nos dados originais, o segundo absorva o máximo possível da
variação restante e assim por diante. Recomenda-se que só sejam retidos os primeiros
componentes principais, uma vez contêm a informação mais relevante138.
A escala composta de pontuações fatoriais é obtida através da multiplicação
das cargas fatorial do primeiro componente principal a1k pelo valor da variável original
normalizada. Formalmente, tem-se:
∑=
=k
jijji XaS
11 .
138 Para a escolha do número de componentes principais a serem considerados, ver DUNTEMAN (1989).
197
Onde Si = escore fatorial da observação i;
k= número total de variáveis;
a1j = carga fatorial da variável j no primeiro componente principal.
Vale ressaltar que, se outros componentes principais, além do primeiro,
fazem sentido, indicando alguma faceta relevante dos dados, pode-se criar escores
fatoriais que também os resumam.
Pela própria natureza da ACP, essa redução do número de variáveis gera
uma perda de informação. Outra desvantagem do método consiste em que os índices
compostos normalmente não possuem sentido econômico, uma vez que se obtém um
indicador adimensional. Entretanto a contrapartida desses problemas é que, quando
corretamente aplicado, pode-se perceber, de modo mais claro, a estrutura dos dados e,
conforme já se disse, ter um indicador parcimonioso de uma característica.
FERRANDO (1999, p. 450) propõe o seguinte roteiro para que se construam
indicadores relacionados com conceitos abstratos com base em variáveis mensuráveis:
a) Seleção de uma lista apropriada de indicadores e sua medição;
b) Obtenção das cargas fatoriais;
c) Consideração das magnitudes das cargas fatoriais, entendimento da
estrutura dos dados e descarte as variáveis menos correlacionadas;
d) Cálculo dos escores fatoriais;
e) Apreciação da magnitude dos coeficientes a fim de comprovar se podem
ser abandonados alguns indicadores;
f) Seleção da solução adequada;
g) Cálculo da pontuação fatorial para cada unidade, por meio da fórmula:
Fi=c1S1i+c2S2i+... +cnSni
Onde cn é o escore fatorial para o indicador n e Sni é a pontuação fatorial
da unidade i no indicador n.
198
Ao longo desse processo, são feitos retrocessos a passos anteriores, caso não
se tenha encontrado uma solução satisfatória. Percebe-se, através desse roteiro que a
construção de indicadores através de ACP não é um procedimento direto; existem
opções cujos critérios de decisão não são totalmente objetivos. Não obstante, a
bibliografia sugere algumas propriedades que o indicador obtido deve possuir
(SELLIGSON e RENNÓ, 2000):
i) Confiabilidade: um indicador confiável mede com precisão distintos
objetos;
ii) Validade interna: a inter-relação entre as variáveis deve permitir que
sejam reunidos em um só indicador;
iii) Validade externa: os índices devem estar relacionados consistentemente
com outras variáveis medidas de forma independente.
Em todos os procedimentos foi utilizado o software SPSS 9.0 e, seguindo o
critério de Kaiser, isto é, mantiveram-se apenas as raízes características maiores que 1.
A rotação foi feita com o método Varimax.
TABELA A.2.1 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - COMUNALIDADES - 1939
INICIAL EXTRAÇÃO LLEGADO 1,000 0,466LTAMAGRO 1,000 0,631LCOOPCAP 1,000 0,811 TABELA A.2.2 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA - 1939
COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA
INICIAL
% DA VARIÂNCIA % CUMULATIVA
1 1,908 63,590 63,5902 0,770 25,676 89,2663 0,322 10,734 100,000
199
TABELA A.2.3 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- COMUNALIDADES
INICIAL EXTRAÍDA Func. com Nível Superior/Total 1,000 0,564 Informatização per capita 1,000 0,801 Conselhos por mil habitante 1,000 0,926 Conselhos Paritários por Habitante 1,000 0,717 Conselhos Instalados por Habitante 1,000 0,830 Poder dos Conselhos per capita 1,000 0,624 Eficiência Tributária 1,000 0,852 Gasto Educacional por Habitante 1,000 0,482 Gasto em Saúde por Habitante 1,000 0,557 Docentes por Matrículas no Ensino Fundamental 1,000 0,402 Taxa de Permanência na Escolas Municipais 1,000 0,281 TABELA A.2.4 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA
COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA INICIAL
% VARIÂNCIA % CUMULATIVA
1 5,793 52,667 52,6672 1,242 11,288 63,9553 0,924 8,401 72,3564 0,802 7,291 79,6485 0,669 6,080 85,7276 0,551 5,010 90,7377 0,429 3,898 94,6358 0,274 2,487 97,1229 0,190 1,729 98,85110 0,084 0,769 99,62011 0,042 0,380 100,000 TABELA A.2.5 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL
SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES INICIAL EXTRAÍDACooperativas Crédito 1,000 0,406Associações Patronais 1,000 0,895Associações Profissionais 1,000 0,582Sindicatos 1,000 0,535Associações Religiosas 1,000 0,581Associações Políticas 1,000 0,462CTG 1,000 0,639Jornal 1,000 0,665RICE 1,000 0,536
200
TABELA A.2.6 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA
COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA INICIAL
% DA VARIÂNCIA % CUMULATIVA
1 1,951 21,672 21,6722 1,316 14,619 36,2913 1,033 11,481 47,7724 1,002 11,131 58,9035 0,985 10,942 69,8456 0,849 9,434 79,2797 0,754 8,381 87,6608 0,633 7,036 94,6979 0,477 5,303 100,000 TABELA A.2.7- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL
SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES INICIAL EXTRAÍDACooperativas Crédito 1,000 0,159Associações Religiosas 1,000 0,587CTG 1,000 0,687Jornal 1,000 0,718RICE 1,000 0,566
TABELA A.2.8- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL
SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA
INICIAL % OF VARIÂNCIA % CUMULATIVA
1 1,539 30,783 30,7832 1,177 23,545 54,3283 0,977 19,543 73,8714 0,765 15,304 89,1745 0,541 10,826 100,000
201
APÊNDICE 3 - RICE E CAPITAL SOCIAL EM 1939 E 1991
A correlação inversa entre a mortalidade infantil e renda per capita, em
1939, é, prima facie, surpreendente e merece maior atenção. Uma possibilidade é que
essa relação reflita apenas o viés gerado por melhor comunicação dos óbitos nas
regiões mais ricas. Outra possibilidade é que essa correlação ocorre devido às
diferenças nas estruturas sociais ao longo das regiões. As AEC mais ricas seriam,
quem sabe, também as com maior concentração de renda. Infelizmente não estão
disponíveis indicadores de distribuição de renda para 1939.
MOORE et al. (1999) propuseram uma forma simples de estimar a eficiência
de conversão da renda relativa (Relative Income Conversion Efficiency - RICE). Isto é,
medir como as sociedades são capazes de transformar recursos materiais em bem-estar
social. Em tal trabalho, os autores regridem os Índice de Desenvolvimento Humano -
IDH - de Educação e Saúde sobre o logaritmo do produto per capita dos países. Os
resíduos dessa regressão equivalem ao RICE de cada unidade.
Como não se dispõe de IDH das regiões do RS para 1939, optou-se por fazer
a mesma regressão, apenas utilizando a porcentagem de crianças que sobreviveram ao
primeiro ano de vida (sobreinf) como variável dependente. Tem-se então:
sobreinf= 216,58+ -13,175 lny39;
(9,968) (-5,578)
R2= 0,374
Os valores t estão entre parênteses.
Antes de se examinar a correlação do RICE com outras variáveis, vale
examinar a sua variação por regiões:
TABELA A.3.1 - RICE POR REGIÃO - 1939
REGIÃO RICE MÉDIO Campanha -1,743 Planalto 2,402 Serra 3,706
202
Como se pode observar, a região da Campanha é relativamente pouco
eficiente na conversão da renda per capita em maiores níveis de sobrevivência infantil.
As correlações do RICE com variáveis selecionadas permitem entender melhor por
que isso ocorre:
TABELA A.3.2 - CORRELAÇÃO ENTRE RICE E VARIÁVEIS SELECIONADAS -1939
VARIÁVEL RICE Gado per capita -0,215 (0,105)Tamanho médio das propriedades agropecuárias -0,338 (0,009)Densidade demográfica (hab/km2) 0,134 (0,314)Alfabetização (%) 0,273 (0,038)Membros associações classe (% da pop.) 0,089 (0,507)Número de cooperativados (% da pop.) 0,229 (0,084)Comparecimento eleitoral (%) 0,282 (0,032)Legado da escravidão - não doméstica (%) -0,231 (0,082)Índice de Fracionamento Racial -0,333 (0,011)
NOTA: Significância entre parênteses.
Pela tabela, percebe-se que o RICE está inversamente correlacionado com as
variáveis que indicam a ocupação com pecuária extensiva e passado escravocrata.
Como se sabe, essas características são típicas da Campanha.139 O gráfico abaixo
permite desvendar a inesperada relação positiva entre renda e mortalidade infantil:
139 Note-se também que o RICE não está correlacionado com a participação de membros de associação de classe nem com a densidade demográfica.
203
GRÁFICO A.3.1 - RENDA PER CAPITA E MORTALIDADE INFANTIL -1939
FONTE: Ver Anexo 3.
A omissão das observações referentes à Campanha faz com que surja um
outlier, a AEC 21, correspondente a Porto Alegre. Se essas forem omitidas, desaparece
qualquer relação estatística entre a renda per capita e a mortalidade infantil. A razão
de Porto Alegre ter uma alta taxa de mortalidade não é evidente, mas pode estar
relacionada ao fato de que os óbitos registrados na cidade sejam decorrentes do
falecimento de crianças vindas de outras áreas do estado em busca de tratamento
médico.
Existe ainda a possibilidade de que a relação identificada seja derivada dos
efeitos defasados da renda em relação à mortalidade infantil. Se as áreas pobres, mas
com forte crescimento, não têm redução imediata da mortalidade infantil e se aquelas
estagnadas já têm instalada a infra-estrutura médico-sanitária, um estudo cross-section
pode capturar uma relação direta entre renda e mortalidade infantil.
lny39
10.810.610.410.210.09.89.69.49.2
Taxa
de
mor
talid
ade
infa
ntil
40
30
20
10
0
Região
Serra
Planalto
Mista
Campanha
204
Rice e Capital Social em 1991
A existência de dados para o IDH de cada município permitiu que o RICE
pudesse ser calculado de acordo com os procedimentos sugeridos por MOORE et al.
(1999). Nesse período, a relação entre as variáveis renda e IDH* (Média dos IDHs de
Educação e de Saúde) é, tal como esperado, positiva. Os resultados da regressão são os
seguintes:
IDH* = 0.694 + 0,05 LNY91
(403,31) (10.28)
R2= 0,242
O valor do R2 da regressão e o gráfico a seguir mostram que o ajustamento
da reta está longe de ser perfeito. Ou seja, muito da variação do IDH* não pode ser
atribuído a variações na renda per capita. Mais ainda, o gráfico que os municípios da
Campanha estão concentrados abaixo da reta ajustada, mostrando que seu RICE tende
a ser negativo. As médias regionais corroboram esse afirmação: GRÁFICO A.3.2. IDH* E RENDA PER CAPITA - 1991
LNY91
1.51.0.50.0-.5-1.0
IDH
* - m
édia
do
IDH
-l e
IDH
-e
.8
.7
.6
.5
Região
Mista
Serra
Planalto
Campanha
205
TABELA A.3.3 - RICE -EFICIÊNCIA RELATIVA DE CONVERSÃO DA RENDA - MÉDIAS REGIONAIS 1991 REGIÃO MÉDIA
Campanha -0,024Planalto 0,006Serra 0,008Mista -0,016
A interpretação de MOORE et al. (1999) enfatiza o RICE como uma medida
governamental de gerar políticas em favor dos mais pobres. Essa visão desconsidera
que distribuições mais concentradas de renda, ceteris paribus, geram indicadores de
RICE mais baixos. Assim, não se pode, de antemão, atribuir um valor de RICE baixo
apenas à ineficiência da administração pública; ela pode ser, ao mesmo tempo,
resultado da desigualdade da distribuição da renda.
De qualquer maneira, é razoável supor que capital social e RICE estejam
inversamente correlacionados na esfera regional. Conforme se argumenta ao longo
desse trabalho, lugares desiguais tendem a ter baixos estoque de capital social bridging
e linking, são fechados às demandas dos estratos inferiores da sociedade e adotam
políticas que não os contemplam. Obterão, portanto, valores baixos de RICE. Em
síntese, apesar de não ser um indicador ideal do capital social, existem bons motivos
para considerá-lo uma proxy, no mínimo, ilustrativa.
206
ANEXO 1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS DO RS -
CLASSIFICAÇÃO
MAPA A.1.1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS
FONTE: Alonso et al. (1986)
Classificação das AEC: Campanha: 1, 4, 8, 9, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 26, 28, 29, 34, 37, 38, 48, 50;
Planalto: 33, 54, 55;
Serra: 2, 3, 5, 10, 11, 21, 32, 35, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 53, 57, 58;
Área Mista: 6, 7, 12, 15, 24, 25, 27, 30, 31, 36, 43, 46, 47, 49, 51, 52, 56.
207
ANEXO 2 - DESCRIÇÃO DA PROXIES DE CAPITAL SOCIAL - 1939
COOPCAP: Número total de cooperativas per capita em 1939. Em termos
ideais, seria desejável que a distinção entre os conceitos de capital social
bridging e bonding fosse clara e equivalesse a certos tipos de associações.
Como isso não é possível, considerou-se que essa variável é um indicador
do capital social em geral presente na sociedade.
LEGADO: Legado da escravidão não-doméstica. Essa proxy tenta capturar a
influência que a escravidão deixou em cada uma das unidades
examinadas. Sua construção envolveu o seguinte procedimento: a partir
dos dados paroquiais do censo de 1872 para o RS, as informações sobre a
participação de trabalhadores cativos na população foram agrupados nos
28 municípios da época140. Isso se fez necessário, uma vez que mapas
com os contornos paroquiais não foram encontrados. A partir daí, buscou-
se a localização dos 88 municípios de 1939 dentro dos limites municipais
de 1872. Nos casos em que criação municipal deu-se por cisão de uma
mesma unidade, impôs-se a mesma relação entre trabalhadores
cativos/livres à população de 1939. Quando houve mais de um �pai� na
criação de um município, tornou-se necessário o seguinte critério:
utilizou-se a taxa de participação da escravidão do município de origem
cuja sede fosse mas próxima da do recém-criado. Finalmente, os dados de
taxa de participação da população cativa foram reagrupados com base nas
AEC.
TAMAGRO: Tamanho médio das propriedades agropecuárias em 1939. Na
140 Foram excluídos do total os escravos classificados pelo Censo de 1872 nas categorias �Criados e Jornaleiros� e �Serviço Doméstico�. A idéia é que esse tipo de escravidão, mais próxima da retratada por Gilberto Freyre, seria relativamente menos demolidora do capital social do que a dos trabalhadores cativos nas plantations ou nas charqueadas, por exemplo.
208
ausência de índices de desigualdade da posse da terra, criou-se essa
variável como uma proxy da estrutura fundiária. Valores altos indicam a
presença de latifúndios e sociedades com propriedade concentrada da
terra. Há suporte na literatura para a idéia de que desigualdade está
inversamente relacionada com o capital social (PUTNAM, 1993); soma-
se a isso o fato de que a baixa densidade demográfica nos latifúndios, tal
como se disse, reduz as interações sociais fundamentais para a formação
de uma sociedade cívica.
FRACCOR: Calculado segundo ALESINA e FERRARA (2000, p. 866):
∑−=i
kii sFRACCOR 21
Onde:
k=número de raças;
s= participação de cada raça na população total;
i=identificador das AEC.
209
ANEXO 3 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS 1939/1980
Dados baseados em ALONSO et al. (1986):
(Todos os dados se referem a 1939, exceto quando explicitado)
• AEC: Número da área estatisticamente comparável;
• LNY39: Log natural do produto per capita;
• LNY80: Log natural do produto per capita em 1980;
• AREA: Tamanho da AEC em hectares;
• POP40: População total;
• PARTAGR: Participação da agropecuária na renda interna;
• PARTIND: Participação da indústria na renda interna;
• PARTCOM: Participação do comércio na renda interna;
• PARTOSRV: Participação dos outros serviços na renda interna.
Dado baseados no Censo Demográfico 1940: Rio Grande do Sul (IBGE,
1950):
• ALFABT: Taxa de alfabetização (%).
Dados baseados no Anuário Estatístico do Estado de 1940:
• MORTINF: Mortalidade infantil. Óbitos de menores de 1 anos de
idade por nascimentos. (%);
• URB: Taxa de urbanização (%);
• DENS: Densidade demográfica (hab/km2);
• COOPCAP: Número de cooperativas por 1000 habitantes;
• NCOOCAP: Número de cooperativados (% da população);
• NASSCAP: Membros de associações de classe (% da população);
• NSWCAP: Trabalhadores sindicalizados (% da população);
• FRACCOR: Índice de fracionamento racial (ver Anexo 2);
• GADOPOP: Cabeças de todos os tipos de gado/ população total.
Dados baseados no Recenseamento do Brazil em 1872 - Rio Grande do Sul
210
• Legado da escravidão total (Anexo 2);
• LEGADO: Legado da escravidão não doméstica (Anexo 2).
Dados baseados no Censo Agrícola 1940 - Rio Grande do Sul
• TAMAGRO: Tamanho médio das propriedades agropecuárias
(Anexo 2).
Outras fontes:
• COMPELEL: Comparecimento nas eleições de 1954. Dados
obtidos no sítio http://www.nupergs.br em outubro de 2001;
• ESCFAT: Escore Fatorial (ver Anexo 2);
• RICE: Eficiência relativa de conversão da renda (ver Apêndice 3).
211
ANEXO 4 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS RECENTES
Os dados oriundos da Relação Anual de Informações Sociais- RAIS-
referem-se ao ano de 2000 e foram obtidos no sítio do Ministério do Trabalho e
Emprego http://www.mte.gov.br) com base nas classificação CNAE/95 (563
categorias). Todas as variáveis forma convertidas em termos per capita e para tal
utilizou-se - os dados do Censo de 2000 do IBGE.
Fonte RAIS Trabalhadores:
• TRABALHADORES DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO;
• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES DE PATRONAIS;
• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES DE PROFISSIONAIS;
• TRABALHADORES DE SINDICATOS;
• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES RELIGIOSAS;
• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES POLÍTICAS;
• TRABALHADORES DE OUTRAS ASSOCIAÇÕES.
Fonte RAIS estabelecimentos:
• COOPERATIVAS CRÉDITO;
• ASSOCIAÇÕES PATRONAIS;
• ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS;
• SINDICATOS;
• ASSOCIAÇÕES RELIGIOSAS;
• ASSOCIAÇÕES POLÍTICAS;
• OUTRAS ASSOCIAÇÕES.
Fonte Perfil Básico Municipal (IBGE, 2001):
• CONSELHOS (Regulamentados, Paritários e Instalados) per capita:
Nessas por três variáveis somou-se o número total de Conselhos em
cada caso dentre os seguintes possíveis: Educação, Saúde, Direitos de
Crianças/Adolescentes, Emprego/Trabalho, Turismo, Habitação, Meio
212
Ambiente, Transporte, Política Urbana, Outros Conselhos;
• INFORMATIZAÇÃO PER CAPITA: Total dos seguintes serviços
informatizados: Cadastro ou Banco de Dados de Saúde, Cadastro ou
Banco de Dados de Educação, Patrimônio,Tesouraria/Contabilidade/
Controle de Orçamento, Cadastro de Alvarás, Mapeamento Digital,
Folha de Pagamento, Cadastro Imobiliário, Cadastro de ISS;
• IDADE: 2000 - Ano de Instalação do Município;
• PODER DOS CONSELHOS PER CAPITA: Número total de
conselhos que administram fundos municipais;
• FUNCIONÁRIOS COM NÍVEL SUPERIOR/TOTAL: Funcionários
com nível superior/ Total de Funcionários Ativos;
• LEIS E PLANOS: Número total nas seguintes leis e planos: Plano de
Governo, Plano Plurianual de Investimentos, Lei de Diretrizes
Orçamentárias, Lei de Orçamento, Plano Estratégico, Lei Orgânica,
Plano Diretor, Lei do Perímetro Urbano, Lei de Parcelamento do
Solo, Lei de Zoneamento ou equivalente, Legislação sobre Áreas de
Interesse Especial, Legislação sobre Áreas de Interesse Especial,
Legislação sobre Áreas de Interesse Social, Código de Obras, Código
de Posturas.
• JORNAIS: Número total de jornais diários, semanais e de outras
periodicidades;
Fonte Base de Informações Municipais (IBGE, 2000)
• GASTO EDUCACIONAL POR HABITANTE;
• GASTO EM SAÚDE POR HABITANTE;
• DOCENTES POR MATRÍCULAS NO ENSINO
FUNDAMENTAL: Número de docentes/ alunos matriculados no
Ensino Público municipal.
Fonte Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (FEE, 1998):
213
• TAXA DE PERMANÊNCIA NA ESCOLAS MUNICIPAIS: 100
� Taxa de Evasão das Escolas Municipais;
• DENSIDADE DEMOGRÁFICA 1998:Área Territorial/
População;
• PIB PER CAPITA 1998: PIB a preços de mercado dividido pela
população;
• ISMA 1996: Índice social municipal ampliado;
• TAXA DE URBANIZAÇÃO 1996: População urbana/População
total em 1996.
Fonte PNUD (1998) � dados de 1991:
• DESIGUALDADE (THEIL-L) 1991: Grau de Desigualdade
medida pelo índice de Theil;
• RENDA PER CAPITA 1991: Renda Familiar per capita média em
1991;
• POBREZA 1991 (%): Porcentagem de pessoas com renda
insuficiente.
Outras fontes:
• RICE: Ver Apêndice 3;
• EFICIÊNCIA TRIBUTÁRIA: PONTUAL (1999);
• CTG: Número de Centros de Tradição Gaúcha - Dados
compilados pelo autor com base nos dados capturados em outubro
de 2001 em: http://www.mtg.org.br;
• VOTOS NA LEGENDA 1998/200: Número de votos em legendas
partidárias dividido pelo total de votos válidos. Fonte: base de
dados eletrônica CANELEW disponível no sítio:
http://www.tse.gov.br.