Capitães de Areia
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21/05/2015 CAPTULOII
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2.3Excepcionalinteressesocial
Aexpressoexcepcionalinteressesocial inovaem relaoadotadapelaConstituio
Portuguesa, que prev como um dos limites aos efeitos retroativos da declarao de
inconstitucionalidade o interesse pblico de excepcional relevo. Certamente, no foi por um
acasoqueolegisladorbrasileiropreferiuqualificarointeresse(aserconsideradonafixaodos
efeitos) de social ao invs de pblico. Este poderia darmargem a uma interpretao que lhe
atribusse o significadode interesses exclusivos doEstado enquantopessoa jurdica dotadade
direitos e obrigaes. O interesse social vai alm dos interesses estatais imediatos,
identificandose com o interesse que consulta maioria da sociedade civil o interesse que
refleteoqueestasociedadeentendepor bemcomumoanseiodeproteores publica a
tuteladaquelesvaloresebensmaiselevados196.
Quisse,assim,deixarclaraa idiado interessepblicocomointeressedasociedade
ou da coletividade como um todo197. Tratase de proteger o interesse pblico enquanto
finalidade da organizao estatal e no enquantomeio para consecuo desse fim, pois nem
sempreoscaminhosadotadospelaAdministraosoosmaisefetivosparaoalcancedobem
comum. Alis, se se partisse da idia de que o Estado est sempre com a razo, por buscar
realizaravontadedopovo,noserianecessrioocontroledeconstitucionalidade.
O interesse social o interesse coletivo primrio, enquanto o interesse da
Administraoumdosinteressessecundriosdispersoseisoladosnoseiodasociedade.Nesse
sentidoadistino feitaporRenatoAlessi, ao consideraraexistnciadeum interessepblico
primrioedeuminteressepblicosecundrio:
Ointeressechamadopblicononadamaisdoqueointeressecoletivoprimrioconsiderado como sujeito de tutela direta para a ao administrativa, enquanto que ointeresse da Administrao, enquanto entidade organizada, no representa seno um dosinteressessecundriosqueexistemnogruposocial198.
Rui Medeiros entende que o interesse pblico de excepcional relevo tem um carter
residual em relao segurana jurdica e eqidade, abrangendo todos os interesses
constitucionalmente protegidos no subsumveis nestas. Observa que, se o interesse pblico
exclui,emprincpio,os interessesprivados,estesnodeixamdeconstituir, todavia, interesse
pblico, porquanto, diante da ordem constitucional portuguesa democrtica e social como a
brasileira o prprio interesse consistente na salvaguarda dos direitos fundamentais dos
particularestambmuminteressepblicoenomeramenteprivado199.
AConstituioPortuguesaprevque,comojustificativaparaarestriodosefeitosda
declarao de inconstitucionalidade, o interesse pblico de excepcional relevo dever ser
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fundamentado. Esta foi a frmula adotada pelo constituinte portugus a fim de amenizar a
generalidade da expresso e dar legitimidade ao interesse pblico invocado, pois que este,
segundo JorgeMiranda, constituiuma razonoestritamente jurdica,diferentedas razesde
seguranae eqidade, estade incidnciamais subjetiva e aquelade incidnciamais objetiva,
masambasestritamentejurdicas200.
Essa atribuio ao interesse pblico de excepcional relevo de certo carter poltico
criticadaporRuiMedeiros,oqualalertaparaofatodequearesponsabilidadeltimapelobem
comumnopodeser transferidaparaopoder jurisdicional,poispara issoestopredestinados
ospoderespolticos.Ouseja,apossibilidadedeoTribunalconstitucionaldecidircombaseem
razes polticas implicaria de fato num poder totalmente discricionrio e absoluto a que a
normatividadeapenasdariapretexto201.
RuiMedeirosdefendea idiadequeo interessepblicodeexcepcional relevodever
ser subtrado daquilo que a prpria Constituio representa, dandose um sentido amplo ao
princpiodaconstitucionalidadeepreservandose,assim,aprimaziadaConstituioatravsde
uma ponderao entre os interesses conflitantes. Quanto necessidade de fundamentao,
acrescentase,narealidade,aexignciadeque,nestecaso,elasejaespecialoureforada,pois
a regraque todasasdecises sejam fundamentadas.Assim,oTribunalConstitucional deve
indicar claramenteo interesse constitucional que sepretende salvaguardar coma restriode
efeitoseosmotivosconcretosqueimpemtalmedida202.
A referncia de Jorge Miranda ao interesse pblico de excepcional relevo no est,
todavia, desvinculada da idia do constitucionalismo. O fato de o interesse pblico no ser
consideradoumarazopuramentejurdicanosignificaquesertratadotosomentenombito
dapolticaestataledeformaarbitrria.Antesdisso,vemparadarefetividadeConstituio,na
medidaemquepermiteumainterpretaodosprincpiosconstitucionaiscombasenarealidade
social, ou seja, semdeixar margemdequalquer considerao os anseios da sociedade.At
mesmoporqueestessemodificamcomopassardotempo.
A expresso excepcional interesse social, tentativa de aprimoramento da expresso
espanholainteressepblicodeexcepcionalrelevo,esttambmimpregnadanaidiadequea
realidadesocialeasconseqnciasdadecisodeclaratriade inconstitucionalidadedevemser
consideradas na fixao dos efeitos desta. Se se quisesse atribuir ao interesse social um
significadopuramentejurdicopositivo,aexpressonoseria interesse,massimdireitosocial
simplesmente. E,mesmonesta hiptese, numa interpretao contempornea, comenfoquena
materialidadeda justia,haveriasubsdiospara lheatribuiraquelaabrangncia.Adecisoque
limita os efeitos da declarao de inconstitucionalidade com fundamento em excepcional
interesse social no precisa indicar necessariamente um direito expresso na Constituio, at
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mesmo porque, conforme dispe o 2 do art. 5, no ficam excludos outros direitos e
garantias decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados ou dos tratados
internacionaisemqueaRepblicadoBrasilsejaparte.
OexamedacompatibilidadeverticalentreumatonormativoeaConstituiopressupe
que, antes disso, identifiquese o parmetro de confronto, ou seja, o significado da norma
constitucional indicadacomoparadigmaapartirdaanlisededoiselementos,umconceituale
outrotemporal203.
O primeiro, considerada a improficuidade de uma Constituio puramente formal,
consiste na determinao do esprito da Lei Fundamental, exigindose para tanto uma anlise
sistemticadasnormasexplcitaouimplicitamenteporelacontempladas.Aqui,oparmetrode
constitucionalidade mais vasto do que as normas e princpios constantes das leis
constitucionais escritas, devendo alargarse, pelo menos, aos princpios reclamados pelo
espritooupelosvaloresqueinformamaordemconstitucionalglobal204.Anoodeblocode
constitucionalidade desenvolvida pelos tratadistas constitucionais prendese mais ao contedo
material da Constituio do que ao seu aspecto formal205. Essa idia resta clara no sistema
constitucional brasileiro, quando o 1 do art. 102 da Constituio prev a competncia do
SupremoTribunalFederalparaapreciaraargiodedescumprimentodepreceitofundamental
deladecorrente206.Alis,a idiadeumaConstituiomaterialestesculpidatambmno3
doart.5daConstituio(acrescentadopelaEmendaConstitucionaln.45/2004),atribuindose
hierarquia constitucional aos tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos que
sejamaprovados, em cadaCasa doCongressoNacional, emdois turnos, por trs quintos dos
votosdosrespectivosmembros.
O segundo elemento a ser considerado na fixao do padro de cotejo entre o ato
estatal e a Constituio diz respeito contemporaneidade de ambos. Da se conclui, por
exemplo, que o ato normativo ordinrio anterior contrrio nova ordem constitucional
considerarse revogado, no se tratando, pois, de uma questo de constitucionalidade207.
com base, tambm, nesse elemento temporal, que se poder defender a possibilidade de
declaraodeumaleiaindaconstitucionalemfacedemodificaesfticasoujurdicasnoseio
dasociedade208.
ImpossvelseriaadmitirqueaConstituiodeumEstadosocialdemocrticodedireito
defendesse valores antisociais, tendo em vista que o seu fundamento est justamente na
promoodobemdetodos.ConformeassentadoporBonavides,
odireitoou libertaounoDireito.No lhereconhecemosoutra funo,outra filosofia,outro
escopo,outravalidez.Noimportadiscutirlheaorigem,masofimofimnaconcretudesocial
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contempornea,sobretudoquandoseatentaqueajbaixamsombrasespessassobreofuturoe
odestinodospovos.AquelefimavocaodasConstituies.Nopodemelas,empasesda
periferia,apartarse,porconseguinte,doconstitucionalismodirigente,vinculante,programtico.
Fazloseriacondenlasineficcia,obsolescncia,fatalidade,desatandoasdeseuslaos
comoEstadosocial209.
No sepode, pois, conceber aConstituio Jurdica como umamera folha de papel
ConstituioJurdica,emborasereconhea,conformecrticadeLassalle210,queeladeva,sim,
corresponder aos fatores reais de poder Constituio Real211. Segundo Hesse, nem sempre
estes se verificaro emdesfavor daquela.Humnecessrio condicionamento recpro.co entre
ambos.Oquenosepoderpermitir,todavia,amodificaodaConstituioacadaalterao
provocada pelas foras que atuam na sociedade. possvel preservarlhe a fora normativa,
sem se esquecer da realidade ftica, por meio da interpretao constitucional212. Assim, o
mnimo de eficcia que a Constituio possuir sobre a realidade dever ser convertido no
mximopossvel,comoreconhecimentodas forassociaispoliticamenteatuantescapazesde
modificar, com rapidez e freqncia, o sentido das normas constitucio.nais, maleveis e
adaptativasnamedidaemquepossamcorresponder, demaneira satisfatria, sprementese
fundamentaisexignciasdomeiosocial213.
O controle da constitucionalidade das leis instrumento que garante no apenas a
exclusodanormaincompatveldiretamentecomaConstituiocomotambmdaquelasnormas
que impedem a efetividade dos direitos nela enunciados, porquanto a realizao do programa
constitucionalresponsabilidadedetodososPoderesdoEstado.Apropsito,Canotilhoobserva
queoprincpiodamximaefetividadedasnormasconstitucionais
umprincpiooperativoemrelaoatodasequaisquernormasconstitucionais,eembora a sua origem esteja ligada tese da actualidade das normas programticas(Thoma), hoje sobretudo invocado no mbito dos direitos fundamentais (no caso dedvidas deve preferirse a interpretao que reconhea maior eficcia aos direitosfundamentais)214.
A ordem social democrtica impe, assim, a atuao do Estado como garantidor dos
direitos fundamentaisnamedidaemquesituaesepoderesextraestatais, comoos raciais,
eclesisticos e, especialmente, os poderes econmicos215tambm atingem as liberdades
individuais.Aquestonoest,pois,apenasemdefenderocidadoemfacedoEstado,masem
defendlo, tambm, frente aos demais indivduos. Nesse contexto, surgem as normas
programticas comomarca das constituies contemporneas, de que exemplo a brasileira,
comprometidas com as conquistas liberais e com um plano de evoluo poltica de contedo
social216. Embora os direitos individuais e sociais tenham sido conquistados em momentos
diferentes,nohumarelaodeexclusoentreelesmuitoantespelocontrrio,oquesev
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umaevoluodos direitos de liberdade.Osdireitos sociais somamse aos direitos individuais,
que,paraseremfrudosdependemdeumainiciativadoindivduo.Estesexigemumaomissoe
aqueles,umaaoestatal,nosentidodesuprirasdeficinciasdaordemsocialexistente.Nas
palavras de Raul Machado Horta, os direitos individuais foram instrumentos contra o Poder,
aprofundandoodissdioentrealiberdadeeaautoridadedoEstado.Osdireitossociaissuperam
oconfrontoentreliberdadeeopoder.ConverteramseeminstrumentosdoPoder,paraqueeste
possarealizardireitoscoletivos217.
Vse, pois, que a expresso excepcional interesse socialse coaduna com a Nova
Hermenutica constitucional, fundada em critrios que no aqueles clssicos de Savigny
gramatical, lgico,histrico,sistemticoeteleolgico.Aaberturaeageneralidadedasnormas
constitucionais e, especialmente, dos direitos fundamentais, torna imperativa a utilizao de
mtodosdistintosdaquelesadotadosnahermenuticadasleis218.
O intrprete constitucional exerce um papel de concretizao da Constituio, cujo
contedomaterial,paraHesse,serdeterminadosempreemfacedeumproblemaconcreto219.
Paraasteoriasconcretizadoras,aquelequeinterpretaanormaconstitucionalestabeleceruma
compreensoprviadestasemsedesvinculardoproblemacujasoluosebusca.Essaanlise,
noentanto,pecaaodesconsideraraConstituiocomoumsistemahierrquicoaxiolgico,tendo
em vista o carter emprico da metodologia adotada e o isolamento da norma constitucional
interpretadaparaocaso220.
AsoluodeKlausStern,paraquemosmtodosdeconcretizaonodevemexcluiros
mtodos tradicionais de interpretao, parece estar mais apta a dar efetividade aos direitos
fundamentais. Aqui, a unidade do sistema constitucional funciona como excludente de
contradies,namedidaemqueasnormasisoladamenteprevistasnaConstituiosubordinam
seaosprincpiosque,comoumtodo,deladecorrem221.
O esprito da Constituio concretizase namedida em que as suas normas possuem
legitimidade,representandoosinteressesdasociedade.Nessesentir,observaBonavidesque,
assimcomohaVorvertndnissingular, a saber, a prcompreenso individual dosqueaplicamaleieodireito,damesmaformahtambm,concorrendoparaaplenaeficciadaConstituio, umaVorvertndnis da Sociedade, ou seja, uma prcompreenso socialpertinenteCartaMagna222.
Arelevnciadointeressesocialser,portanto,analisadapormeiodaponderaoentre
o princpio constitucional que embasa o aclame social e outro tambmprevisto ou decorrente
dos direitos expressos na Constituio, ambos em face dos princpios que definem a ordem
constitucionalglobal.
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Sabese que a Constituio no se presta a elencar de maneira exaustiva todos os
direitosdoscidados,mesmoporque, talseria impossvel. Justamentepor issoquenormas
ordinrias pautadas em princpios constitucionais exercem o papel de concretizao da Lei
Fundamentale,ademais,quandoimbudasnapromoodobemestarsocial,adquiremespecial
relevncia.