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Zelma R. Bosco Linguagem e letramento em foco A criança na linguagem A fala, o desenho e a escrita

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Zelma R. Bosco

Linguagem e letramento em foco

Linguagem e letram

entoem

foco

A coleção "Linguagem e Letramento em Foco"

compõe-se de 10 livros, distribuídos entre seis

diferentes áreas. Esses 10 volumes foram espe-

cialmente desenvolvidos para os cursos do Cefiel –

Centro de Formação de Professores do Instituto de

Estudos da Linguagem da Universidade Estadual

de Campinas (Unicamp), apoiado pela Rede

Nacional de Formação Continuada de Professores

(SEB / MEC).

As áreas e os títulos da coleção:

Linguagem e educação infantil ■ A criança na linguagem

Linguagem nas séries iniciais■ Meus alunos não gostam de ler...■ Preciso “ensinar” o letramento?

Língua portuguesa■ Aprender a escrever (re)escrevendo■ Multilingüismo■ O trabalho do cérebro e da linguagem

Formação do professor indígena■ Línguas indígenas precisam de escritores? ■ O índio, a leitura e a escrita

Letramento digital■ Letramento e tecnologia

Ensino de línguas estrangeiras■ LEs no Brasil: histórias e histórias.

A criança na linguagemA fala, o desenho e a escrita

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Zelma R. BoscoDoutora em Lingüística pelo IEL/Unicamp

Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Aquisição de

Linguagem — IEL/Unicamp

A criança na linguagemA fala, o desenho e a escrita

Linguagem e letramento em focoLinguagem na Educação Infantil

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Nota: A baixa qualidade gráfica de algumas das reproduções apresentadas neste livro se deve à naturezado material originalmente utilizado na realização dos trabalhos pelas crianças.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Presidente: LUIS INÁCIO LULA DA SILVA

Ministro da Educação: TARSO GENRO

Secretário de Educação Básica: FRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES

Diretora do Departamento de Políticas da Educação

Infantil e Ensino Fundamental: JEANETE BEAUCHAMP

Coordenadora Geral de Política de Formação: LYDIA BECHARA

Cefiel - Centro de Formação de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem*

Reitor da Unicamp: Prof. Dr. José Tadeu Jorge

Coordenação do Cefiel: Angela B. Kleiman

Coordenação da coleção: Angela B. Kleiman

Coordenação editorial da coleção: REVER - Produção Editorial

Projeto gráfico, edição de arte e diagramação: A+ comunicação

Revisão: REVER - Produção Editorial; Elizabeth B. Frizzo

Pesquisa iconográfica: Vera Lucia da Silva Barrionuevo

* O Cefiel integra a Rede Nacional de Centros de Formação Continuada do Ministério da Educação.

Impresso em setembro de 2005.

© Cefiel/IEL/Unicamp, 2005-2010

É proibida a reprodução desta obra sem a prévia autorização dos detentores dos direitos.

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Introdução / 5

Por que refletir sobre o tema “linguagem” na escola? / 7

De que maneira os trabalhos com leitura e escrita têm lugar naEducação Infantil? / 9

Por que é necessária uma prática baseada em textos no cotidianoda Educação Infantil? / 13

Devemos nos preocupar com a questão da alfabetização e do letramento já na Educação Infantil? / 19

A linguagem e seu processo de aquisição / 22

A criança na linguagem: a questão da fala / 23

Como a fala, o desenho e a escrita se relacionam / 36

E a escrita encontra-se com a oralidade... / 51

Considerações finais / 59

Bibliografia / 61

Sumário■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

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Introdução

As indagações que surgem durante o convívio diário com criançasna escola muitas vezes não encontram explicações imediatas ou

soluções possíveis nos textos teóricos que os profissionais que nelaconvivem têm acesso. Em diversas conversas que tivemos com edu-cadores atuantes no cotidiano escolar foram apresentadas algumasdúvidas e questões, e nelas nos baseamos ao realizar as discussõesque apresentamos neste volume da coleção “Linguagem e Letramen-to em Foco”.

A maneira como essa discussão será feita pode, contudo, se reve-lar inédita para os nossos leitores — profissionais envolvidos com cri-anças na Educação Infantil. Alertamos para o fato de que as noçõessobre as quais se sustentam nossas reflexões afastam-se da con-cepção do processo de aquisição da linguagem que o encara como daordem do desenvolvimento. Ao assumir a perspectiva interacionistadefendida inicialmente por De Lemos (1995, 2002, entre outros),nosso objetivo é propiciar um espaço novo de discussão, que permitaao profissional envolvido com a Educação Infantil refletir e até refor-mular certos conceitos e idéias já em circulação em seu cotidiano,para, a partir daí, redefinir a relação do sujeito (aluno/professor) comas práticas linguageiras no universo pré-escolar.

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Iniciaremos nossa reflexão enfatizando a ação da língua sobreo sujeito, seja ele aluno ou professor. Essa ação, no cotidiano daescola, acaba sendo esquecida ou mesmo negligenciada poralguns profissionais do ensino, quando se reduz a linguagem —especialmente a escrita — à condição de mais um conteúdo esco-lar a ser transmitido por alguém que conhece mais sobre ela — nocaso, o professor — para alguém que se acredita pouco ou nadaconhecer a seu respeito — a criança. Retirar a linguagem dessacondição e dar ênfase aos movimentos da língua e seus efeitossobre o sujeito, alcançados na interação dele com os textos (oraise escritos), passam a ser nossos objetivos iniciais.

Começaremos pela apresentação de algumas idéias e con-ceitos que, em geral, dão sustentação às atividades realizadas naEducação Infantil, para, posteriormente, nos afastar deles e apre-sentar uma outra maneira de se olhar a linguagem e o seu proces-so de aquisição.

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Por que refletir sobre o tema“linguagem” na escola?

Uma reflexão sobre a linguagem impõe-se cada vez mais comonecessária na escola. Essa necessidade, sabemos, é enfatizada

à medida que se expõe a dificuldade em alcançar maiores resultadosna tarefa institucionalmente atribuída a ela: iniciar as crianças nomundo da leitura e da escrita. Nesse momento, os envolvidos em suaexecução voltam-se para a questão da linguagem e de sua aquisição— especialmente a escrita. Os trabalhos realizados na EducaçãoInfantil deveriam, então, ganhar destaque na discussão, consideran-do-se que é nela que se daria o início da escolarização. No entanto,ao nos voltarmos para as atividades geralmente realizadas pelos pro-fissionais envolvidos com crianças entre 0 e 6 anos que vivem nocotidiano escolar, verificamos que essas atividades dão visibilidadeao modo parcial e, às vezes, até equivocado, dirigido sobre os pres-supostos que sustentam, na maioria das vezes, essa reflexão entreeles. É isso que discutiremos a seguir.

No que se refere à linguagem oral, acredita-se que a criança venhanaturalmente a falar; por isso, não há preocupação com um ensinosistemático a seu respeito, nem um questionamento sobre o melhor

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momento de se começar a falar com a criança — é do sensocomum que se deve falar com a criança desde o instante em queela vem ao mundo. Essa naturalidade reconhecida na aquisição dalinguagem oral faz com que, na escola, a fala da criança somente

venha a ser colocada como objeto de discussãoentre os educadores quando algo nela falha oufalta, expondo patologias, existentes ou não.Nesse momento, evoca-se a necessidade de umespecialista — geralmente um fonoaudiólogo, umpsicólogo ou um psicopedagogo — para apresen-tar encaminhamentos a respeito.

A preocupação inicial do educador é com o fato de essas pato-logias poderem causar dificuldades futuras para a criança, afetan-do suas relações na sociedade em que vive e, particularmente, oseu processo de aquisição da linguagem escrita. Esta, sim, confi-gura-se como o centro das preocupações escolares, sendo alvo deum ensino sistematizado que envolve trabalhos pedagógicos maisespecíficos já na Educação Infantil. Começam, neste ponto, a seexpor as diferentes abordagens da linguagem oral e da escrita ede sua aquisição no desenvolvimento das atividades cotidianas naEducação Infantil.

A linguagem oral e a escrita são, então, enca-radas a partir de pressupostos diferenciados já naEducação Infantil: a primeira adquire-se natural-mente e a segunda necessita de uma ação peda-gógica específica para que seja possível adquiri-la.Evidencia-se, nessa perspectiva, a crença de quea uma aquisição natural da linguagem oral segue-se um aprendizado dirigido da escrita. (Reflexãobaseada nos comentários de De Lemos, 1998,sobre a aquisição da escrita.)

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Veja, sobre esseassunto, o volume O

trabalho do cérebro e da lin-guagem. A vida e a sala deaula, de Maria Irma HadlerCoudry e Fernanda M. Pe-reira Freire, nesta coleção.

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Assim, por um lado, aposta-se de certo modo no diálogo comos adultos e com outras crianças, na interação, como se fosse osuficiente para que uma criança adquira a fala. Ou seja, acredita-se que é na relação dela com a linguagem em funcionamento quese funda a aquisição da oralidade, não havendo por parte daque-les que com ela interagem preocupações com metodologias oucom o momento adequado para seu ensino. Por outro lado, quan-do se trata da escrita, o olhar sobre o processo sofre um desvio.Tomada como mais um objeto de conhecimento a ser adquiridopela criança, a linguagem escrita passa a ser alvo de preocupa-ções pedagógicas entre os profissionais envolvidos, que se voltampara discutir não só sobre qual é o melhor método de ensino paraa criança mas, também, sobre qual é o momento mais convenien-te para apresentar a linguagem escrita a ela.

Ganha destaque, neste ponto, a crença na necessidade da pre-paração da criança para poder receber e produzir a leitura e a escri-ta e, com base nela, começam as discussões sobre o melhor traba-lho pedagógico a ser realizado e o melhor momento para iniciá-lo.

De que maneira os trabalhos com leitura e escrita têm lugar naEducação Infantil?

Na verdade, é possível encontrar um certo consenso sobre ofato de um dos papéis da Educação Infantil ser o de propiciar umespaço para vivenciar a linguagem em suas várias possibilidades,considerando-se a criança como um sujeito envolvido na história ena sociedade. Sendo assim, indagamos se faria sentido realizarem seu cotidiano tarefas preparatórias, voltadas para o futurodessa criança na escola.

É possível, no entanto, constatar a dificuldade dos profissionaisenvolvidos em desviar-se totalmente dessas tarefas na prática diá-

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ria na Educação Infantil. Mesmo em escolas nas quais existe umapreocupação em contextualizar as atividades realizadas no dia-a-dianos chamados “projetos” (baseados em temas escolhidos comopropulsores dos trabalhos a serem realizados por um período detempo), acaba-se por, de uma maneira ou de outra, incluí-las.

Atividades de recorte, de seriação, de estimulação com cores,sons e letras, entre outras, terminam, de maneira direta ou não,por fazer parte do cotidiano da Educação Infantil. Exercícios quebuscam o desenvolvimento da percepção, da coordenação motora,da discriminação visual e auditiva, da lateralidade e da cogniçãochegam a ser elaborados e introduzidos de algum modo na práti-ca diária, por se acreditar serem necessários, especialmente, àpreparação da criança para o ler e o escrever.

Ao contrário da aquisição da linguagem oral, então, quando o pro-pósito é a aquisição da leitura e da escrita, identifica-se a introdu-ção dessas atividades preparatórias, nas quais a ênfase é colocada

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não na linguagem em funcionamento nos textos, mas, sim, em ver-dadeiros exercícios sobre os fragmentos que os compõem, taiscomo os apresentados pela Figura F-1.

Se no que se refere à aquisição da linguagem oral não se chegaa julgar necessário preparar a criança para a fala nem ensinar a elaos sons, os fonemas, para depois juntá-los em segmentos até formaruma palavra, agregar esta a outras, formando frases e, posteriormen-te, verdadeiros textos orais, um ensino nessa direção é, aparente-mente, considerado necessário quando o foco é a linguagem escrita.

Em função disso, na seqüência dos trabalhos, uma das tarefasque essa escola vai realizar é, por exemplo, a apresentação des-contextualizada das letras, uma a uma, a fim de que a criançaatente para sua forma, discriminando-as posteriormente, o quenos leva a supor que a simples apresentação das letras e suaconstante retomada seriam, de algum modo, consideradas sufici-entes para futuros reconhecimentos.

O texto, por sua vez, quando chega a ser utilizado nessas cir-cunstâncias, oferece-se como um objeto a partir do qual se retiramos fragmentos — as letras, as sílabas, as palavras — para queestes e a própria escrita se tornem passíveis de um trabalho peda-gógico. Com isso, deixa-se de lado, justamente, a linguagem escri-ta como um funcionamento que se revela para a criança num

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texto, a fim de favorecer uma atividade que se crê facilitadora daaprendizagem e que prevê que as unidades do escrito sejam assi-miladas apenas por suas propriedades perceptuais positivas.

Convém esclarecer que os pressupostos que sustentam ativida-des desse tipo não deixam espaço para o reconhecimento dos efei-tos da língua como um sistema em funcionamento nos textos (oraise escritos). E isso impede, de certo modo, a identificação da natu-reza lingüística do processo de aquisição da linguagem escrita.

A criança vive em um mundo que se significa na linguagem epela linguagem e nele tanto a oralidade quanto a escrita apresen-tam-se de diversas maneiras em seu cotidiano — e sempre con-textualizadas. A escola que dá ênfase às tarefas preparatórias queprivilegiam exercícios com fragmentos isolados (letras, sílabas,palavras) acaba por esquecer que, quando se trata de linguagemescrita, está lidando com uma outra realização de língua — dematerialidade distinta da linguagem oral mas, ainda assim, lingua-gem — cujo funcionamento se dá em textos, a serem lidos e/ouescritos pelo educador e/ou aluno.

Ao dar destaque a atividades que retirem do texto os elemen-tos que compõem o escrito, o que está sendo colocado em evidên-cia não são propriamente a leitura e a escrita, enquanto processosque envolvem o sujeito na interação, mas os pré-requisitos julga-dos necessários à sua aquisição — pré-requisitos esses que, con-vém observar, não são lingüísticos, mas físicos e psicológicos. Poressa perspectiva, explicar-se-ia a crença corrente em muitas esco-las de Educação Infantil na necessidade de se empreender açõespedagógicas específicas a fim de propiciar o desenvolvimento dalinguagem na criança — ações essas que, geralmente, resultamno esquecimento do texto no dia-a-dia da sala de aula. Mas se aescola pretende promover a linguagem escrita, é a interação comtextos que vai abrir as portas para ela, e não o ensino descontex-tualizado dos elementos que compõem seus segmentos.

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Esclarecemos que essas observações têm como objetivo ime-diato fazer com que o profissional envolvido com a EducaçãoInfantil reavalie a real necessidade de um trabalho com itens iso-lados — descontextualizados — e busque ir além de uma concep-ção de ler e escrever como decodificação e codificação geralmen-te em jogo no início da escolarização. A idéia que aqui defendemosparte do pressuposto de que a aquisição da linguagem, seja oralou escrita, exige a relação da criança com textos (orais e escritos).

Por que é necessária uma prática baseada em textos no cotidia-no da Educação Infantil?

A intenção facilitadora das tarefas preparatórias parece, contu-do, ser suficiente para justificar, em algumas escolas de EducaçãoInfantil, a retirada das letras, das sílabas ou das palavras do textoem que se articulam, embora seja nele que elas ganham estatutocomo tais. Ao agir desse modo, aposta-se também na supostatransparência desses fragmentos para a criança que ainda nãosabe ler, no sentido estrito desse termo, e, por conseguinte, numacerta suficiência obtida pela simples apresentação ou exposiçãodas relações entre letras ou blocos de letras e sons por aquelesque já o sabem.

Concordamos com De Lemos (1998) quando diz que a pressupo-sição de transparência da escrita (e de seus elementos) explica, aomenos em parte, a dificuldade do alfabetizado/professor em reconhe-cer um saber sobre a escrita no alfabetizando/aluno. Ao projetarsobre este último sua própria relação com a escrita, o alfabetiza-do/professor não consegue mais reconhecer a opacidade que a escri-ta exerce sobre aqueles que não sabem ler. Essa ausência de trans-parência da escrita para o não-alfabetizado torna-se evidente nos pró-prios avanços e retrocessos no percurso da relação da criança com

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ela, ou, ainda, na dificuldade, sempre detectada no cotidiano escolar,relacionada à realização de uma tarefa de cópia, por exemplo, oumesmo nos exercícios, realizados no início do processo de escolari-zação, que buscam transformar um escrito em letras de fôrma em umem letras manuscritas (F-2), além daqueles que buscam orientar adireção dos traçados servindo-se de setas indicativas (F-3).

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F-2

F-3

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A suposta transparência atribuída à escrita e aos seus segmen-tos pelos já alfabetizados é reveladora da especificidade do ler edo escrever e de seus efeitos estruturantes no sujeito, que apon-tam para o caráter irreversível — e transformador — dessas ope-rações que o atinge em seu cerne: capturado pela escrita, o sujei-to se transforma em alguém que lê e escreve e fica impossível aele abandonar essa condição. Em função disso, não lhe será maispossível deixar de ler um escrito que a ele se apresente, tampou-co recuperar a sua experiência com a escrita antes que soubesseler e escrever.

A partir do exposto, cabe refletir sobre outro ponto.

Entendemos que não — e a esse respeito podemos tambémquestionar até que ponto, de fato, essas atividades facilitam o tra-balho do professor. As dificuldades na realização de tais atividadespodem ser reconhecidas no dia-a-dia da Educação Infantil, duranteas tentativas de concretizá-las. O grande número de crianças emcada grupo e a diversidade das faixas etárias, às vezes no mesmogrupo, podem ser tomados como elementos que complicam suaexecução e chegam a impedir a homogeneização dos resultadospretendidos.

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Para reflexão

Como obter resultados semelhantes nas atividades realizadas pelas diferentes cri-anças, de diversas idades, com diferentes conhecimentos de mundo? Como envolvê-las, provocando em todas elas interesses semelhantes, que venham ao encontro dosresultados pretendidos? Quando surgem dificuldades para a criança alcançar essesresultados, como proceder com cada uma delas?

Para reflexão

Atividades que visam primeiro a aprendizagem das letras, para depois juntá-lasem segmentos maiores, sem grande preocupação com a inserção desses seg-mentos em textos, estariam realmente garantindo ou mesmo facilitando à crian-ça a entrada no universo da leitura e da escrita?

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A insuficiência do espaço físico e dos materiais pedagógicosnecessários à realização das tarefas mencionadas também podechegar a ser arrolada, em alguns casos, para justificar as dificul-dades encontradas, mas os pressupostos sobre os quais se sus-tentam, seus objetivos e sua validade não chegam a ser, de fato,questionados. Na escola que enfatiza a realização desse tipo deatividade mantém-se a crença em sua real eficácia. Ao tomar aescrita como um objeto de conhecimento — como um outro qual-quer — a ser adquirido, vê-se, nessa escola, a necessidade deexercitar e estimular o corpo da criança, para promover o seudesenvolvimento físico e psicológico, com a finalidade de propiciara apropriação futura da escrita por ela.

A despreocupação com que se aborda a linguagem oral, cujopercurso de aquisição é visto como natural, abre espaço paraum trabalho pedagógico diferenciado que se acredita facilitadorda entrada da criança no universo da leitura e da escrita. É difí-cil negá-lo totalmente nas tarefas cotidianas na EducaçãoInfantil. Mesmo porque há uma expectativa dos próprios pais deque na escola aconteçam atividades que dêem visibilidade àexecução de um trabalho pedagógico que eles esperam estarsendo feito, e que, de alguma maneira, prepare a criança paraseu futuro escolar.

Sabemos, no entanto, que nas salas da Educação Infantil acirculação da criança na linguagem escrita não é facilitada nemgarantida por esses exercícios. Além disso, entendemos que arealização de tarefas tidas como preparatórias para a escritaacaba por colocar em segundo plano o fato de que a linguagemescrita, no dia-a-dia, não se apresenta às crianças por letras ousegmentos soltos no espaço em que vive, mas encontra-seorganizada em textos, e estes são submetidos ao funcionamen-to da língua — funcionamento esse que dá evidência ao lingüís-tico e ao discursivo, que sustenta todas as manifestações lin-

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guageiras, e que se encontra marcado nos textos pelos quais acriança circula, sejam eles orais ou escritos.

As tarefas julgadas facilitadoras do acessoà escrita, ao desconsiderar a inserção de seuselementos em textos, acabam, a nosso ver, jus-tamente por encobri-la como um funcionamen-to lingüístico-discursivo no qual a criança jáestá inserida em sua vida cotidiana — funcio-namento esse que aponta para a historicidadeconstitutiva de todo texto (oral ou escrito).Queremos dizer a esse respeito que um texto,seja ele de qualquer natureza ou extensão, liga-se a outros textos, e estes são evocados, pos-tos em cena na leitura e/ou na escrita — é suaprópria história que insiste em retornar, reve-lando uma historicidade que lhe é constitutiva.Por isso também, entendemos que nenhumtexto é transparente e sua interpretação não éúnica nem fechada nele mesmo, mas dependeda história de leitura de cada sujeito — esta édecisiva em sua interpretação.

Façamos aqui um parêntese apenas com o intuito de explicitarminimamente o que chamamos de historicidade de um texto. Paraisso, optamos por trazer a narrativa de Thiago, 6 anos, realizadaem uma sala de aula de Educação Infantil, cujos trabalhos acom-panhamos. Ela foi escolhida por apresentar a produção inicial deuma criança considerada já alfabetizada e, por isso, permitir maiorvisibilidade dos aspectos que queremos apontar.

“Era uma vez um cavalo que vivia em uma fazenda sonolenta onde

todos viviam dormindo e daí ninguém mais dormiu. O cavalo se

machucou e o cavalo gritou e daí todo mundo acordou.”

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Funcionamento lingüísti-co-discursivo. Assumimosaqui que há um funciona-mento que é próprio da lín-gua, que diz respeito aogramatical, ao semânticoe ao pragmático. Esse fun-cionamento se faz em con-comitância com um outro,que é discursivo, que dizrespeito a uma rede detextos (orais e escritos)com a qual cada fragmen-to de fala ou escrita se(inter)relaciona. De fato,não é possível separar oque é da ordem da línguae o que é da ordem do dis-curso. Ambos se apresen-tam entrelaçados na lin-guagem — oral ou escrita— em funcionamento.

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É fácil constatar a relação dessa narrativa com a história A

casa sonolenta, de Audrey Wood (Ed. Ática), uma das preferidas deThiago. Ela encontra-se marcada inclusive materialmente no textodo menino, com a colagem de todo um fragmento — “onde todosviviam dormindo” — que é repetido em várias passagens do livroinfantil mencionado.

O próprio caráter desse escrito como uma produção textual é,no nosso entender, reforçado pela relação que se estabelece entreo texto da criança e o do livro — um permite significar o outro comouma narrativa. Os outros elementos que surgiram no texto — ocavalo e a fazenda — foram propiciados não só pelo passeio a umachácara realizado pela turma da Educação Infantil, mas também poroutros textos lidos pela professora e pela própria criança, que tra-tavam de passeios ao campo realizados pelos personagens.

Convém dar destaque, também, ao papel dos livros infantis esuas ilustrações. Houve uma seleção prévia de livros, feita pelaprofessora, que enfatizava o tema da proposta desenvolvida porela para a turma: a vida no campo. Esses livros encontravam-sedisponíveis na sala de aula e na biblioteca, o que permitia aoaluno interagir com freqüência com eles e, inclusive, levá-los paraleitura em casa.

Esses textos deixaram os seus rastros na escrita de Thiago, per-mitindo uma composição marcada por fragmentos que deles se des-tacaram e se ressignificaram, estabelecendo novas relações, numnovo texto. Nesse deslocamento de dizeres, de um texto para outro,

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revela-se um movimento da linguagem sobre a lin-guagem possibilitado pela interação da criançacom textos (orais e escritos).

Note-se o quanto a escrita desse texto deThiago dependeu disso. Por isso também, julga-mos imprescindível a interação da criança comuma gama variada de textos (imagens, filmes,músicas, jornais, gibis, propagandas, embala-gens, cartas, bilhetes, livros, entre outros). Essematerial deve ser adequado e estar disponívelpara as crianças, com o propósito de possibilitara constituição de uma rede textual que lhes per-mita ler e escrever outros textos.

Chamamos a atenção para o fato de queessa interação com textos de natureza diversadeve ser propiciada mesmo entre crianças que ainda não saibamler e escrever, no sentido estrito desses termos, uma vez que acre-ditamos que a “captura” da criança pela escrita depende da rela-ção dela com a materialidade dos textos escritos.

Devemos nos preocupar com a questão da alfabetização e doletramento já na Educação Infantil?

Uma indagação desse tipo, sabemos, promove calorosos deba-tes entre os envolvidos no cotidiano pré-escolar, arregimentandopartidários em posições favoráveis ou contrárias a seu respeito.Mas, mesmo que se considere que a alfabetização não deve sercolocada como preocupação da Educação Infantil, não há, contu-do, como negar os efeitos da escrita em funcionamento nos textoscom os quais a criança convive, de alguma maneira, em seu coti-diano fora da escola. Imersa num mundo dominado pela escrita,

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Veja também, nestacoleção, os volumes

Meus alunos não gostamde ler... O que eu faço?, deMarisa Lajolo, que tratada elaboração de projetosde leitura, discutindoquestões práticas parasua implementação noespaço escolar, e Preciso“ensinar” o letramento?Não basta ensinar a ler e aescrever?, de Angela B.Kleiman, que discute oconceito de letramento esuas implicações para aprática pedagógica.

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não é possível a ela escapar de seus efeitos, que se fazem pre-sentes seja através da interação com a fala de um adulto letrado— já marcada pela linguagem escrita — seja pelo envolvimentocom diferentes tipos de materiais escritos (por meio da televisão,dos cartazes de propagandas, das embalagens de produtos, entreoutros) comuns nas sociedades letradas.

É, portanto, impossível supor a ausência total de letramento.Numa sociedade letrada como a nossa, mesmo entre adultos e cri-anças considerados não-alfabetizados ou pertencentes a gruposque têm pouco contato com textos escritos propriamente ditos, nãoé possível acreditar na ausência completa de uma relação com aescrita. É certo, contudo, que o fato de vivermos numa sociedadeletrada não é suficiente para que, pela simples exposição à escrita,sua aquisição aconteça para um sujeito, uma vez que, tanto ao falarquanto ao ler ou escrever, o que está em jogo é um funcionamentolingüístico-discursivo, e este, como tal, não é transparente.

Cabe ao profissional da educação que interage com a criançafavorecer o encontro dela com os textos, promover sua imersãoneles, a fim de possibilitar o reconhecimento das funções da lin-guagem escrita. Transitar por diferentes textos orais e escritos vaipermitir a emergência na escrita da criança de representações doque é e do que não é possível na linguagem escrita, propiciando,desse modo, a sua aquisição.

Note-se que estamos incluindo o texto (oral ou escrito) comofator “chave” na relação da criança com a linguagem — um ele-mento que tem, de fato, ficado de fora dos trabalhos desenvolvi-dos na Educação Infantil. Trazemos aqui uma concepção de textoque inclui também o diálogo, de acordo com Pereira de Castro(2001) e De Lemos (1995). Por essa perspectiva, consideramosque tanto no diálogo como no texto atuam restrições que possibi-litam a organização de uma unidade e esta promove efeitos desentido para ao menos um sujeito.

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Ao enfatizar a interação com textos, voltamo-nos para a relaçãoda criança com a linguagem, e, então, não é mais possível desvi-ar de uma abordagem do lingüístico e do discursivo em jogo emcada atualização de língua apresentada pela criança, e que confir-ma a historicidade constitutiva de um texto. Para encaminharmosnossas indagações nesse sentido, propomos deixar de lado dis-cussões sobre metodologias de ensino, para, enfim, focalizarmosa linguagem e seu processo de aquisição.

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A linguagem e seu processo deaquisição

Iniciamos este segmento buscando dar ênfase ao funcionamento dalinguagem que se revela na interação da criança com o outro, no diá-

logo, e com os textos (orais e escritos) pelos quais ela transita.Começaremos por dar destaque à fala do adulto em interação com acriança, para, em seguida, assinalar sua importância na constituiçãoda fala da criança. Apontaremos para o papel estruturante do sujeitona linguagem exercido pela fala dos pais, que nomeiam a criança ebuscam interpretar todos os seus gestos e produções linguageiras,justamente por reconhecer e antecipar nela um sujeito, semelhante aeles mesmos. Pretendemos com isso imprimir um outro olhar sobre aconstituição da fala, para, posteriormente, afastá-la da condição a elageralmente atribuída na escola de “primária” em relação à escrita.

Essa outra maneira de a criança estar na linguagem — a escri-ta —, tomada não como um objeto em si mesmo, mas em funçãodo funcionamento lingüístico-discursivo que implica, vai suscitardiversas indagações. Questões de ordem lingüística e discursivapodem vir a se colocar entre os profissionais envolvidos com aEducação Infantil:

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P Qual o papel da fala na relação da criança com o universo grá-fico, incluída aí a escrita?

P Em que medida a escrita se relaciona com o desenho?P Escrever é apenas transpor a fala na escrita?P Considerando-se que há especificidades entre essas duas reali-zações de língua — a fala e a escrita —, até que ponto pode-mos considerá-las nas tarefas cotidianas realizadas na escola?

P Podemos pensar a escrita, em sua relação com o desenho,sem deixar de considerar suas especificidades?

P A aquisição da escrita pode ser tomada como um processode ordem lingüística, em que a oralidade, ao encontrar-se comela, a ressignifica?

Nosso objetivo, a partir deste momento, é encaminhar uma dis-cussão que aborde essas questões, uma vez que elas afetam adecisão sobre uma prática em sala de aula. Para isso, trazemos arelação do sujeito com a linguagem para o centro das reflexões,além de buscar mostrar o papel desta última na constituição dosujeito como ser falante e “escrevente” de uma língua. Isso neces-sariamente conduz a uma discussão sobre o percurso da criançana linguagem — percurso esse que vai resultar em mudanças emsua fala e em suas manifestações gráficas.

Considerando que nossos leitores são profissionais da Educaçãoenvolvidos com crianças entre 0 e 6 anos, entendemos que a discus-são deva também abordar, além da linguagem escrita, a questão dafala da criança, a fim de fornecer alguns elementos que lhes possibi-litem refletir sobre suas práticas com crianças muito pequenas.

A criança na linguagem: a questão da fala

Neste segmento, buscamos dar destaque à relação entre afala da criança e a do outro. Isso se deve ao fato de, como vie-

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mos salientando, acreditarmos na necessidade da interação como outro e com os textos (orais e escritos) para que a aquisição dalinguagem aconteça.

Enfatizamos, então, a importância do diálogo, que, como umtexto, não deve ser esquecido no dia-a-dia da criança naEducação Infantil, não importando sua faixa etária. Conversarcom a criança, brincar, cantar, ler, desenhar e escrever com ela epara ela são atividades que não devem ser desvalorizadas naprática escolar, mesmo que essa criança ainda não fale nemescreva, no sentido estrito desses termos. No entanto, as ativi-dades nesse sentido devem ser tomadas como propiciadoras dainserção e da circulação da criança numa ampla rede textual ediscursiva, e não apenas como pretexto para a realização deexercícios que pouco ou nada dizem respeito à linguagem emfuncionamento.

Nossa intenção neste segmento é trazer aos nossos leitoreselementos que lhes permitam refletir sobre a fala da criança, aindaem constituição, a partir do reconhecimento de sua estreita rela-ção com a fala do adulto. Esperamos com isso dar visibilidade aomovimento de constituição mútua entre a fala do adulto e a da cri-ança no diálogo, para, posteriormente, aproximar a relação que seestabelece entre elas — a fala do adulto e a da criança — daque-la que se dá entre os textos (orais e escritos) e a escrita da crian-ça. Acreditamos poder estabelecer essa relação, por considerar-mos que oralidade e escrita são duas realizações da língua, que,embora formadas por materialidades distintas — a oralidade pormatéria sonora e a escrita por matéria gráfica —, constituem-semutuamente no e pelo funcionamento da linguagem.

Comecemos, então, por um fato conhecido por todos os nos-sos leitores: o bebê humano não fala ao nascer, e, posteriormen-te, passa a falar uma língua que será considerada sua línguamaterna. Da condição de “ser que não fala” à de “ser falante”, há

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uma mudança que, a nosso ver, se dá como efeito de linguagem,e se faz na interação com o outro.

Quando nos referimos a esse “outro”, vamos além de uma con-cepção do “outro” como um parceiro, um falante mais experientecom o qual a criança vai interagir: seu lugar é o de intérprete dacriança. Submetido ele também ao funcionamento da língua, o“outro” vai significar tudo aquilo que a criança diz, e a simples pre-sença dela, seus gestos, olhares, choros, sorrisos e balbuciosserão interpretados por ele como demanda de significação.

Indo nessa direção na abordagem da relação que se estabe-lece entre a fala do adulto e a fala da criança, Pereira de Castro(1998, 2001, entre outros) dá ênfase à interação. E considera-mos, com essa autora, que há interação na medida em que acriança é significada no sistema lingüístico do “outro” ou que osfragmentos incorporados por ela são por este interpretados.Queremos dizer com isso que o “outro”, pelo seu submetimen-to à ordem da linguagem, está inscrito numa rede de filiaçõesdiscursivas, nas quais e pelas quais os fragmentos da fala dacriança vão ganhar sentido.

A criança já nasce inserida numa língua em atividade na falados pais — seus principais interlocutores — e sofre, desde o iní-cio, os efeitos promovidos por essa fala. É possível observar, nodiálogo que se estabelece entre eles, que fragmentos da fala dospais são incorporados pela criança, migrando para sua fala. Essafala retorna, em seguida, para os pais, dando visibilidade às pri-meiras relações materiais e estruturais entre ambas, em que apossibilidade de significação das manifestações lingüísticas infan-tis está no adulto, instância de funcionamento da língua dita cons-tituída (de acordo com Pereira de Castro, 1998, a partir de DeLemos, 1995).

Os pais, ao tomarem a criança como um ser falante — um ser,como eles, indissociável da linguagem —, lançam-se num movi-

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mento interpretativo que arranca a criança do silêncio inicial emque a ausência de uma fala a situa. Pouco a pouco, vão ganhandovisibilidade as relações materiais e estruturais entre a fala da cri-ança e a do adulto, sendo possível observar, no diálogo entre eles,as mudanças na relação da criança com a linguagem.

É na relação entre os dizeres da criança e os do adulto que osfragmentos que emergem na fala da criança adquirem sentido; aomesmo tempo, nela se revelam as rupturas, que iluminam os cru-zamentos, substituições, segmentações e novas relações que afala da criança exibe.

Os episódios que apresentaremos a seguir têm como objetivomostrar essa relação entre a fala do adulto e a fala da criança.São trechos de diálogos entre uma criança e um adulto — geral-mente sua mãe —, objetos da análise de De Lemos em diversostrabalhos (1995, 2002, entre outros.)

Nosso interesse em mostrar aqui esses episódios justifica-sepela intenção de, em princípio, dar destaque à interação comosendo necessária à aquisição da linguagem e apontar os efeitos dafala do outro sobre a fala da criança, e vice-versa. As situações inte-rativas apresentadas, como será possível observar, revelam-se bas-tante próximas daquelas vividas no dia-a-dia da Educação Infantil,no diálogo envolvendo um adulto e uma criança — às vezes, bempequena —, cujos dizeres compõem-se por fragmentos.

Chamamos a atenção para o fato de o adulto em interação coma criança não assumir uma postura de alguém que sabe falar eque vai ensinar a quem não sabe — ele simplesmente fala comela e busca interpretar cada fragmento dito. O adulto, de modogeral, conversa com crianças que ainda não falam como se elas jáfossem falantes, e, quando alguns fragmentos emergem na faladelas, atribui a eles uma certa consistência ao interpretá-los comoverdadeiros enunciados da língua. Convém enfatizar neste pontoque em nenhum momento são esboçadas tentativas de corrigir a

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criança, como mostram os episódios que apresentaremos, tam-bém porque, geralmente, ela se revela impermeável às correçõesporventura feitas (veja De Lemos, 2002, entre outros).

Sugerimos ainda ao nosso leitor que tente imaginar o que seriade uma criança a quem ninguém dirigisse a palavra. Vários casosconsiderados famosos já foram contados em filmes e livros — decrianças perdidas ou abandonadas pelos pais e trancafiadas emambientes isolados — e, em todos eles, temos como efeito aausência da fala.

Acreditamos, pois, na necessidade da interação entre ambos— adulto e criança — no diálogo para que a aquisição da lingua-gem oral se faça. E essa aquisição acontece dessa maneira por-que a língua não é um objeto de conhecimento cujas característi-cas são passíveis de ser tranqüilamente formalizadas e ensinadascomo as de qualquer outro objeto — embora ela seja muitas vezescolocada nessa condição em trabalhos escolares, quando o obje-tivo é ensinar a escrita (correta).

Observe com atenção este episódio:

Episódio 1 (L. está sentado no chão com brinquedos.)

Mãe: Você vai brincar?L: humMãe: Hum?L: intáMãe: Do que você vai brincar?L: nenê/nenêMãe: Nenê, ahm?L: nenê intáMãe: Nenê vai bintá?L: é/nenê bintá.

(L, 1 ano e 9 meses)

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Pedimos, agora, a realização de uma nova leitura do episódioacima, mas, desta vez, considerando-se apenas os dizeres de L.Note-se que a fala dessa criança, em si mesma, é fragmentada equase não deixa espaço para significação, mas, incluída no diálo-go, ganha nova dimensão, ressignificando-se e adquirindo umacerta consistência que sozinha não possuía. Convidamos o leitora acompanhar, passo a passo, a reflexão feita a seguir, voltandosempre que julgar necessário ao episódio apresentado e obser-vando a interpretação da mãe e a maneira como, com ela, vão seconstituindo a forma e o sentido dos dizeres da criança.

A situação interativa em que a fala da mãe e a fala da criançase apresentam convoca, na primeira, a pergunta “Você vai brin-car?”. O resmungo da criança é retomado no tom de indagaçãopela mãe, o que leva, na continuidade do diálogo, a criança a pro-ferir “intá”. Esse fragmento aparentemente revela-se ser a retoma-da do termo “brincar”, falado anteriormente pela mãe, que retor-na, modificado, na fala da criança. A mãe identifica esse fragmen-to como tal, o que a leva a prosseguir o diálogo, introduzindo umaoutra pergunta: “Do que você vai brincar?”.

“Nenê” é o fragmento que comparece em seguida na fala dacriança. A mãe, novamente, retoma o enunciado da criança e arti-cula a ele um outro fragmento em tom de pergunta. “Nenê”, quecomparece na fala da criança e é, neste momento, retomado nafala da mãe, apresenta-se como uma nova realização, a seguir, nafala da criança, adquirindo, na composição, o estatuto de sujeitode um verbo: “intá”. Este, por sua vez, também se apresenta comoefeito do termo “brincar” presente, em dois momentos do diálogo,no enunciado da mãe produzido anteriormente e que é repetido,deslocado, pela criança: “intá”.

Assim, “intá” vai compor com “nenê” o enunciado: “nenê intá”.A mãe, na continuidade do diálogo, coloca uma outra pergunta emque “brincar”/“intá” aparece ressignificado em sua fala por

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“bintá”: “Nenê vai bintá?”. Esse deslocamento promove efeitossobre a criança, e “bintá”, produzido pela mãe, ao retornar na falada criança, revela uma substituição — de “intá” por “bintá” — noenunciado infantil seguinte: “nenê bintá”.

É possível, pelos fragmentos destacados por nós do diálogoacima, apontar as relações materiais e estruturais entre a fala dacriança e a fala da mãe, ou seja, a fala da mãe fornece os elemen-tos necessários para a constituição e a estruturação da fala da cri-ança, uma vez que é dela que vêm os fragmentos incorporados. Seureconhecimento pela mãe, como vimos no episódio apresentado, vaipermitir a continuidade do diálogo. A mãe, então, ressignifica os frag-mentos da fala da criança, ancorando-os em uma história de textos(já-ditos, já-vistos, já-escutados), o que vai possibilitar, com essa ati-vidade interpretativa, a estruturação e a categorização dos fragmen-tos como elementos que pertencem e se organizam segundo a lín-gua na qual a criança é significada/interpretada.

Convém salientar que não se trata, simplesmente, de imitaçãoe repetição pela criança dos termos que comparecem, de imediato,na fala da mãe. Há uma relação de semelhança entre eles, mastambém de dessemelhança, pelos deslocamentos que os fragmen-tos sofrem na fala de ambos em cada atualização. Tudo aquilo quepermite, de alguma maneira, fazer ligação entre a fala da criança ea do adulto está em jogo no reconhecimento da substituição de umfragmento — “brincar” em “intá” e “bintá”, por exemplo.

Atentemos para o movimento da criança na linguagem: ela des-loca, em sua fala, os fragmentos incorporados da fala da mãe, eque a mãe, por sua vez, persegue na interpretação. E a interpreta-ção da mãe dá-se numa tensão entre a identificação de um já-dito,de uma língua que lhe soa como familiar na fala da criança, e deum estranhamento promovido pelos deslocamentos que os novosarranjos entre os fragmentos provocam (veja Pereira de Castro,1998, 2003, entre outros).

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No funcionamento da linguagem, os efeitos se dão da fala damãe sobre a fala da criança e também vice-versa. Ambos, adultoe criança, estão inseridos num funcionamento lingüístico-discursi-vo que lhes permite uma escuta de suas falas, possibilitandoancorar, em textos, cada enunciado produzido, cada gesto, cadaolhar e cada movimento. Em cada interpretação deles feita, osfragmentos dispersos e não-categorizáveis na fala da criança sãoressignificados e ganham estatuto lingüístico.

Os fragmentos que migram, modificados, da fala da mãe paraa da criança oferecem-nos, por sua vez, os efeitos da contingên-cia, que barra a previsibilidade em aquisição de linguagem. Nãohá, pois, garantias sobre aquilo que, na fala da criança, vai fazerefeito sobre o adulto, assim como não é possível prever que frag-mentos, que palavras, que enunciados ou argumentos do adultoserão incorporados pela criança. A esse respeito, Pereira deCastro complementa:

“não é a saliência perceptual, não é uma determinação cognitiva; é

a própria articulação do sujeito na língua.” (1998: 250)

Estamos, pois, dando ênfase ao papel da língua em funciona-mento nos textos (orais e escritos) com os quais o sujeito intera-ge. A aquisição da língua materna é considerada por nós o percur-so singular de uma criança em sua relação com essa língua.Percurso esse que dá visibilidade aos movimentos que articulam,desestruturam e reestruturam o já-dito (já-visto, já-escutado antes,de alguma maneira, em algum lugar, e esquecidos), dando lugar a“erros” e relações não previstas na língua normatizada. O fato dehaver desde sempre uma língua em funcionamento e um sujeitosempre singular em relação com ela impede que se pense em umacoincidência plena entre a fala da criança e a fala do outro.

Note-se, a esse respeito, o episódio dialógico apresentado aseguir. Chamamos a atenção para o retorno, na fala da criança, de

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parte dos enunciados da mãe que surgem na situação de leiturade revistas entre ela e a criança.

Episódio 2 (M. entrega para a mãe uma revista tipo Veja.)

M: ó nenê/ ó auauMãe: Auau? Vamo achá o auau? Ó, a moça tá

tomando banho.M: ava? eva?Mãe: É. Tá lavando o cabelo. Acho que essa revista

não tem auau nenhum.M: auauMãe: Só tem moça, carro, telefone.M: Alô?Mãe: Alô, quem fala? É a Mariana?

(Mariana, 1 ano, 2 meses e 15 dias)

A fala da mãe e a fala da criança mostram-se vinculadas a umasérie de dizeres produzidos em situações anteriores de “ler revis-ta”, apresentando-se como recorte delas, que retornam ressignifi-cados. Note-se, pelos segmentos destacados, a relação que seestabelece entre os fragmentos da fala da mãe e da fala da crian-ça e vice-versa. O enunciado inicial de Mariana — “ó nenê/ óauau” — permite-nos, contudo, ir além da semelhança que o vin-cula à fala da mãe em situações anteriores.

Se podemos depreender pela fala subseqüente da mãe no diá-logo que não há nenhum “nenê” ou “auau” na revista que a crian-ça lhe entrega, é possível, então, interpretar esses fragmentoscomo uma espécie de senha, que cifra uma relação com umadeterminada cena, e que abre para um pedido de leitura, em con-junto com a mãe, da revista. O importante, neste ponto, porém, édar destaque ao fato de sua opacidade apontar para a não-coinci-dência — como vimos acima, não se trata de simples repetição

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por imitação — entre aquilo que a mãe diz e aquilo que a criançadiz (de acordo com De Lemos, 2002).

A esse respeito, convém atentar para a relação que se estabele-ce entre “tomando banho” na fala da mãe e “ava” na fala da crian-ça, e entre “telefone” na fala da mãe e “alô” na fala da criança.Revela-se aí a escuta que a criança faz da fala da mãe e que parece,de alguma maneira, não privilegiar propriamente o significado que apalavra dita por ela convoca. Desse modo, podemos dizer que o frag-mento recortado da fala da mãe — “telefone” — faz referência, nãoao significado da palavra “telefone”, mas ao texto de uma outra brin-cadeira familiar — a de “falar ao telefone” — evocando-o, o que con-duz a criança para, de “telefone”, deslizar para “alô?”.

De maneira semelhante, podemos situar o deslizamento de“tomando banho” para “ava? eva?” na fala da criança, apresentan-do, novamente, a não-coincidência entre a fala da mãe e da crian-ça (a partir de De Lemos, 2002). Ao mesmo tempo em que serevela, nas relações apontadas acima, a historicidade constituti-va de cada fragmento — é a história dele que insiste em retornara cada vez que se atualiza no diálogo.

Nem sempre, porém, é possível apontar para relações imedia-tas entre os enunciados produzidos pela mãe e aqueles da crian-ça, o que permite, já vimos, reconhecer uma certa dependência dafala da criança de sua inserção no diálogo, e que parece, aomenos parcialmente, caracterizar a entrada de novos elementosem sua fala e, por conseguinte, a sua constituição como tal.Episódios que dêem visibilidade a essa relação com elementosnão presentes imediatamente na fala do adulto poderão ser apre-sentados e discutidos virtualmente, no site interativo do grupotemático “Linguagem na Educação Infantil”, do Cefiel/Unicamp.

Interessa-nos, neste ponto, destacar a escuta da fala da mãeque se revela na fala da criança. No que se refere ao episódio 2,é um fragmento recortado da fala da mãe — “telefone” — que vai

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evocar “alô” em sua fala, isto é, o texto de uma brincadeira fami-liar — a de falar ao telefone. Note-se que não se trata aí propria-mente de uma referência a uma situação interativa. Trata-se deuma relação que se constitui intertextualmente, e que aponta paraum funcionamento lingüístico-discursivo em que mãe e criançainterpretam e são interpretadas.

É geralmente a mãe que, como adulto já significado no funcio-namento da linguagem escrita, vai inserir a criança em situaçõesde ler/mostrar livros, nas quais as primeiras histórias serão con-tadas para a criança. Partimos, neste ponto, da constatação deque as narrativas orais e/ou escritas, que se fazem presentes nacultura dos povos (nos mitos e contos de fada, por exemplo), sur-gem na interação entre mãe e criança, nas diversas comunidades.

No entanto, como observa De Lemos (2001), nada se mostramais distante do cotidiano suposto no “aqui-agora” do que as his-tórias infantis que, mais cedo ou mais tarde, comparecem na falada mãe para seu filho, constituindo um universo, atemporal e fic-tício, feito de linguagem, e que captura a criança para ele. Versõesdiferentes das histórias contadas articulam-se em sua fala, cru-zando fragmentos de textos de origem variada, constituindo,desse modo, novos textos.

A relação da criança com os livros de histórias infantis surgegeralmente em situações de interação nas quais se apontam e senomeiam figuras de um livro, por exemplo. A narrativa apresenta-da oralmente pelo adulto, se existente, chega a recriar parcialmen-te aquela apresentada no texto escrito. Quando a participação dacriança nesses momentos torna-se mais efetiva, o adulto geral-mente passa para textos mais longos, dos quais realiza a leituraparcial ou total. Juntamente com as histórias apresentadas emlivros, ela passa também a interagir com histórias contadas naescola, com filmes e desenhos passados na televisão, cujos efei-tos também vão atravessar suas narrativas.

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Vamos, agora, observar um outro episódio apresentado por DeLemos (1989). Como fizemos nos episódios anteriores, procuramosreproduzir a fala da criança da maneira mais próxima possível.

Episódio 3 (R. contando, a pedido da mãe, o filme Branca de

Neve.)

R: A Banca de Neve é só um caçadoi que é/quepegou a faca lá na cozinha e/ e coitá a Banca deNeve.

Mãe: Hum. E cortou? E daí?R: E éia fugiu.Mãe: E depois?R: A buça deu maçã.Mãe: Pra Branca de Neve comer? E ela comeu?R: Comeu. E ela doimiu no são. Doimiu assim.

(R, 2 anos, 5 meses e 5 dias)

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Sem pretender esgotar a discussão desse episódio nesteespaço, note-se, por um lado, que os enunciados da criança vãoconstituindo um esboço textual da história da Branca de Neve.Por outro, a fala da mãe, com suas indagações, vai “puxar” nafala da criança uma história, cuja referência é, em princípio, ofilme assistido por ela, mas que não se restringe a ele. Sua his-tória vem marcada pela heterogeneidade textual e discursiva,que podemos identificar, por exemplo, na entrada de um mate-rial alheio à história, oriundo de um outro domínio discursivo,como o fragmento “pegou a faca lá na cozinha e/ e coitá aBanca de Neve”. Trata-se de fragmentos provenientes do discur-so cotidiano familiar — a cozinha é o lugar onde se guarda afaca e esta corta (e machuca) — que irrompem na fala da cri-ança e nela se textualizam.

Chamamos a atenção para o fato de o adulto não se mostrar pre-ocupado com a compreensão da história pela criança — compreen-são que se acredita, no meio escolar, passível de ser verificada namaneira como a criança a atualiza em sua produção. Parece-nos,contudo, que a criança vai compondo sua narrativa através de “cola-gens” (de acordo com Perroni, 1983, e também Oliveira, 1995) defragmentos provenientes de outros textos orais e escritos.

Não nos deteremos aqui na discussão sobre a relação entrelíngua e discurso implicada na trajetória da criança na linguagematravés da narrativa. Cabe, contudo, mencionar, conforme notaDe Lemos (2001), que as mudanças nessa trajetória não dife-rem substancialmente daquela da criança na aquisição da lin-guagem em geral. Além disso, de nossa parte, cabe também rea-firmar os efeitos dos textos lidos ou contados oralmente peloadulto, que promoverão na fala da criança ares de uma fala“letrada”, ou seja, uma fala já afetada pelo funcionamento daescrita, apontando para uma relação da criança com esta últimaatravés da fala do adulto letrado com o qual interage.

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Os efeitos das histórias infantis lidas para a criança podemser notados desde muito cedo na sua narrativa oral, através doritmo marcado de sua fala ao contar histórias, e que repete, emtom de narrativa, a cadência rítmica instalada pela fala do adul-to ao narrar. Certos elementos lingüísticos que pontuam a narra-ção do adulto, tais como “era uma vez”, “um dia”, “então”, “daí”ou mesmo “e viveram felizes para sempre”, vão, aos poucos,entrando na narrativa oral da criança e marcando lugares espe-cíficos nela.

Obedecendo à cadência ritmada própria do padrão narrativo,a criança irá compor suas histórias orais a partir do arranjo sin-gular que realiza de enunciados provenientes de sua interaçãocom o outro em situações muito diversas entre si, de maneirasemelhante à que ocorre nos diálogos apresentados anterior-mente. Desse modo, evidencia-se, ainda mais uma vez, o papelconstitutivo da fala do outro e dos textos orais e escritos quecirculam na interação.

É essa estruturação própria de um texto narrativo, já marcadana fala da criança, que posteriormente vamos identificar nos tex-tos escritos pela criança. E isso é revelador do lugar da fala emrelação à escrita: ela permite a interpretação da escrita e de todasas realizações gráficas para a criança.

Como a fala, o desenho e a escrita se relacionam

Iniciamos este segmento dando encaminhamento às principaisquestões apresentadas anteriormente.

Para reflexão

Qual o papel da fala na relação da criança com o universo gráfico, incluindo aescrita?

Em que medida a escrita se relaciona com o desenho?

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É fato que, quando a criança vai para a escola, o papel de seuprincipal interlocutor transfere-se, em certa medida, para a profes-sora ou para aquele profissional diretamente envolvido em seuscuidados diários. É na interação com eles que geralmente ocorrea relação da criança com os textos (orais e escritos) que lá circu-lam. E, nesse momento, não pode ser esquecido que a criança jáé um ser falante, e sua fala, ainda que fragmentada e hete-rogênea, já constitui uma relação desse sujeito com sua línguamaterna — que chega, inclusive, a vir marcada pela fala letradado adulto. Sua relação com a escrita já se faz notar, de algumamaneira, também nos traçados indiferenciados das realizaçõesgráficas que ela produz sempre que solicitada.

Para dar maior visibilidade à fala como lugar de interpretaçãodas realizações gráficas produzidas, recorremos às crianças emséries iniciais da Educação Infantil, na faixa etária entre 2,5 e 3anos. Ao disponibilizarmos lápis, giz de cera e papéis para essascrianças, observamos a realização de uma atividade gráfica queenvolve todo o corpo delas. Elas se debruçam sobre o papel e nelerealizam traçados indiferenciados que, em princípio, respondemigualmente, enquanto produção gráfica, tanto ao pedido de dese-nho como ao de escrita.

Um dos momentos seguintes à realização das atividades grá-ficas é, geralmente, sua entrega para a professora. Nessemomento, a professora pode perguntar à criança o que ela dese-nhou. Ao responder a essa indagação, um grupo de crianças pos-sibilitou-nos as observações que faremos a seguir, e que nos for-necem elementos para refletir sobre esse momento rotineiro naEducação Infantil.

As atividades apresentadas pelas crianças à professora conti-nham, todas elas, traçados indiferenciados — rabiscos, garatujas— comuns nas realizações gráficas pré-escolares. Ao falarem paraa professora sobre o que desenharam, as crianças revelaram sua

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relação com os textos orais e escritos pelos quais transitaram: ashistórias contadas pela professora, o universo de seus heróis pre-feridos ou mesmo os elementos do projeto “Répteis”, que, paraaquela turma, começava com os dinossauros, que tanto fascina-vam as crianças.

Observemos as respostas apresentadas por um grupo de cri-anças, que são reveladoras de que o dizer de uma criança evocaem outra outros dizeres estreitamente relacionados entre si. Aoapresentar, uma a uma, as produções gráficas realizadas e respon-der à pergunta feita pela professora sobre o que desenharam ascrianças deram respostas como:

Victor: “O lobo”Érico: “O fogo para queimar o lobo”Beatriz: “Os porcos e o lobo”...

Érico: “Batman e Robin”Breno Luís: “Batmóvel”...

Renato: “Um dinossauro e a aranha”Lucas: “Um dinossauro”Gabriel: “Dinossauro”João Pedro: “Piscina”Fernando: “Piscina”Isabela: “Um dinossauro dentro da piscina”

Nos dizeres das três crianças apresentados em primeiro lugar,notamos elementos da história do lobo e os três porquinhos; nasduas seguintes, ganham destaque os elementos ligados às histó-rias de heróis infantis; já na última seqüência, Isabela aparente-mente compôs a nomeação de seu desenho com elementos pro-venientes das falas imediatas de seus colegas.

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Sem querer entrar na complexa discussão sobre o fato de ascrianças terem, realmente, tido — ou não? — a intenção de repre-sentar em seus desenhos os objetos referidos em sua nomeação,enfatizamos o papel dos textos (orais e escritos) ao nomear asrealizações gráficas. Lembramos, neste ponto, que os textos origi-nados da fala do outro possibilitam uma primeira relação da crian-ça com a estrutura de textos narrativos, e, posteriormente, permi-tem uma organização inicial desses textos em sua realizaçãoescrita. De maneira semelhante, são também os textos já-vistos ejá-escutados em diversas situações interativas que retornam epossibilitam significar, de alguma maneira, os traçados por ela rea-lizados, dando sustentação à nomeação pretendida pela professo-ra e oferecida a ela pela criança.

Com essa apresentação, abrimos espaço para um outro olharsobre a aquisição da linguagem oral, dando destaque à relação dafala da criança com a fala do adulto na interação. Já situamos bre-vemente a fala como lugar de interpretação do universo gráficopara a criança e mencionamos a importância da relação da crian-

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ça com textos de natureza diversa. Com os elementos apresenta-dos até este momento, acreditamos ser possível uma discussãovirtual, através do site interativo, com base em perguntas que cer-tamente irão surgir entre os leitores.

Mantendo-nos nessa linha de reflexão, buscaremos agoraestender a interpretação propiciada por ela também para o campoda escrita, e dando continuidade à discussão, trazemos uma ques-tão que coloca em foco a relação entre fala e escrita.

Entendemos que, de algum modo, em colocações desse tipofaz-se presente novamente a crença na naturalidade da fala, sem-pre primeira, e a secundariedade da escrita no percurso da relaçãoda criança com a linguagem. Com ela, encontra-se uma concepçãode escrita como representação dos sons da fala, além da apostana transparência dessa relação.

Pressupostos desse tipo podem também afetar a abordagemda leitura e da escrita ainda na Educação Infantil, justificando aexistência em algumas delas de atividades que privilegiem, porexemplo, a silabação, como fornecedora dos fragmentos a seremrepresentados na escrita. Assim, tão logo seja possível à criançareconhecer com certa tranqüilidade as letras, o esforço do profes-sor volta-se para focalizar as sílabas nas palavras. Em algumasescolas que realizam essa abordagem da escrita, é possível notar,no entanto, um esforço em contextualizar o trabalho de silabaçãoem textos — ainda que este seja, em princípio, o nome da crian-ça. Mesmo assim, perguntamos até que ponto a especificidade daescrita como uma outra maneira de se estar na linguagem estariasendo levada em consideração nessas atividades.

Não pretendemos aqui entrar na discussão — extensa e comple-xa — sobre a escrita poder ser considerada ou não representação

Escrever é apenas transpor a fala na escrita?

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da fala. (Esta dicussão poderá ser feita no site interativo, a partir dequestões levantadas pelos leitores.) Não podemos, contudo, negara relação que se estabelece entre ambas — fala e escrita —, emespecial numa escrita alfabética como a nossa. Propomos, então,que o leitor, neste momento, deixe de se preocupar com a relaçãode fonetização e atribua à fala o lugar de interpretação da primeira,conforme discutido.

Esse lugar para a fala está pressuposto em nossas coloca-ções, a seguir, quando daremos destaque àquilo que considera-mos específico da escrita: sua materialidade gráfico-visual. Énesse lugar que desenho e escrita, enquanto marcas sobre opapel, vão se relacionar.

Para abordamos esse aspecto, daremos ênfase ao nome dacriança, como o primeiro enunciado a ser escrito por ela. Saberescrever o nome representa, para os pais e também para a esco-la, o primeiro grande triunfo da criança na aquisição da escrita, oque explica, ao menos em parte, a importância dada a ele no ambi-ente escolar, inclusive na Educação Infantil.

Nas salas da escola cujos trabalhos temos acompanhado, épossível observar a exploração do nome da criança em diversosmomentos. Muitas vezes encontramos um painel com o nome detodas as crianças da turma ao lado de suas respectivas fotografi-as ou de um desenho por elas realizado. A criança interage comcartões individuais com o próprio nome e os de seus colegas, quesempre estão acessíveis a ela. Todo o material escolar traz grafa-do o nome da criança a que pertence e às vezes é guardado emsacolinhas individuais, que são distribuídas diariamente pelas pró-prias crianças, o que lhes dá oportunidade de nelas lerem o pró-prio nome ou os dos colegas.

Esses nomes formam uma rede de elementos gráficos, consti-tuídos textual e discursivamente na relação das crianças com elesnas salas da Educação Infantil, que também vão contribuir com o

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encontro da criança com a linguagem escrita. Além disso, nas ati-vidades diárias, busca-se realizar brincadeiras em que, por exem-plo, a cada dia, uma criança da turma tenha o seu nome escritona lousa e suas letras nomeadas e contadas pela professora epelo grupo. Semelhanças e diferenças entre as letras dos nomesdas crianças são apontadas pela professora. Ao final de cada pro-dução gráfica realizada pela criança costuma-se pedir a ela queescreva o seu nome “do seu jeito”.

É nesse contexto que a escrita do nome vai se transformando:de rabiscos, traçados indiferenciados sobre o papel, passa, aospoucos, a ganhar corpo, forma, linearidade e ordem, num percursoque chega a levar entre dois e três anos. A escrita do próprio nomepela criança parte da escrita que o adulto faz desse nome e, numcerto momento, pode conter todas as letras, porém a permanên-cia destas na seqüência grafada não é garantida. A quantidade deletras, sua posição na seqüência e na folha de papel e sua linea-ridade estabilizam-se aos poucos. Pode haver desordem na orga-nização de seus elementos, mas há uma certa ordem na escolhadeles que, aos poucos, vão emergindo em sua escrita — todassão em geral letras do nome da criança —, apontando para umaescrita realizada “do seu jeito”, como solicita a professora, mas“não de qualquer jeito”, como mais tarde será restringido por ela.

No acompanhamento em salas da Educação Infantil, pudemosobservar, por um lado, que, assim como os traçados do desenhoentretecem-se com os da letra e reciprocamente, as letras donome revelam outras letras, pela relação de semelhança e desse-melhança que se estabelece entre elas. Fragmentos compostoscom as letras do nome da criança enodam-se com fragmentos deoutros textos escritos, condensando e deslocando materiais ver-bais, recombinando-os em formas inusitadas, regulados por umalógica que extrapola a língua normatizada.

Na escrita infantil dita inicial o sentido parece não ser impor-

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tante, ganhando destaque o movimento gráfico; enquanto marcassobre o papel, os traçados de fragmentos de desenhos, letras e,inclusive, números sobrepõem-se e entretecem-se, uns com osoutros, por um ponto qualquer que os coloquem em relação no pro-cesso associativo que se instaura, forjando os fragmentos das rea-lizações gráficas produzidas pela criança.

Diversas crianças e seus escritos foram apresentados e discuti-dos por nós em trabalhos publicados (Bosco, 1999/2002; 2001 a;2001 b, entre outros). Para iluminar para nosso leitor algumas dasrelações gráficas apontadas, trazemos aqui a assinatura de Rodrigo.Quando iniciava o seu segundo ano freqüentando a EducaçãoInfantil e contava com aproximadamente 4 anos, ele já a grafava line-armente, com elementos que podiam ser recorrentes na seqüência,sem, contudo, apresentar posições fixas. “Rodrigo Pecini” é o nomeque ele assina, conforme mostramos na figura R-1 a seguir.

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Uma das assinaturas realizadas por ele posteriormente vai

apresentar um elemento novo: um grande círculo, com um

“rabicho” interno (R-2, seta 1). Em seguida, o que parece ser

uma complicação desse traçado (R-3, seta 1, a seguir) também

se acrescenta à sua assinatura, aparentemente substituindo o

fragmento antes mencionado. Seu traçado lembra ao leitor que

compartilha o universo gráfico da criança um fragmento de seu

desenho emergindo entre as letras de seu nome, ocupando a

posição de uma delas na seqüência linearmente grafada.

Atentemos, neste momento, para a grafia da letra “G” do nomede Rodrigo, escrita às pressas pela professora (R-4, seta 1, adian-te). Na entrega da tarefa, a criança assiste várias vezes à realiza-ção desse escrito no verso da folha da produção feita. Parece-nosque o fragmento da assinatura de Rodrigo que mencionamosadvém como efeito da escrita da professora. Seu “G” escrito àspressas é incorporado pela criança, e retorna, deslocado, em suaescrita. Rodrigo recorta a sua letra “G” do bloco de letras de seunome grafado pela professora. Essa letra coloca-se em relaçãocom a letra “G” que compõe o seu nome, que se apresenta escri-to em vários lugares no cotidiano escolar (e não só nele), e o queemerge em sua produção revela-se um misto que não é nem dese-nho, nem letra, mas efeito da sua leitura da letra “G”. Esse ele-

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mento ganha estatuto de letra do nome de Rodrigo ao se inserirna seqüência escrita que corresponde à sua assinatura.

Observe-se aí a singularidade da escrita de um sujeito que seapresenta como efeito da relação dele com os textos, particular-mente aqueles pelos quais seu nome circula. Estamos apontandopara uma relação já verificada entre a fala da criança e a do adul-to, e que aqui se mostra entre a escrita da criança e a do adulto:a incorporação de fragmentos que vêm do texto do outro, que, aose repetir, com diferenças, em outro espaço textual, vai nele seressignificar, sendo interpretado em função da seqüência grafadana qual emerge. No episódio apresentado, revela-se também a“cola” da criança na escrita de seu nome pela professora, mos-trando uma relação de espelhamento que se faz, no plano gráficodo escrito, entre a escrita da criança e a do outro.

Chamamos a atenção para o fato de que não se trata de umasimples tentativa de cópia. Lembramos que esse escrito só é rea-lizado na folha pela professora após a entrega da tarefa pela cri-ança. Se o objetivo fosse a realização de uma cópia, esta seriapossibilitada pelas diversas etiquetas com o seu nome escritoexpostas ao seu redor, na sala de aula — o nome escrito ao ladode sua fotografia, a etiqueta na sua sacolinha de materiais, no seuestojo etc. —, recursos a que a criança não recorre nesse momen-

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to. A questão da cópia merece uma discussão que não será reali-zada neste livro. Acreditamos, porém, na complexidade que essatarefa exibe para um sujeito não-alfabetizado, e que poderá serdiscutida, posteriormente, através do site interativo.

Deslocando nossa abordagem do percurso da criança com alinguagem oral para o campo da linguagem escrita, convém, nestemomento, focalizarmos a especificidade deste domínio em relaçãoà fala. Esta última constitui-se por uma materialidade sonora quenão se deixa transpor facilmente para a escrita, cuja materialida-de é gráfico-visual. No entanto, enquanto processo, entendemosque a aquisição da linguagem escrita aproxima-se daquele em jogona aquisição da linguagem oral.

Por essa perspectiva, consideramos que a aquisição da escri-ta exige a interação da criança com textos escritos de naturezadiversa, pois ela é que permitirá a emergência dos aspectos gráfi-co-textuais nas produções iniciais da criança. Considerando quetodo sistema de escrita caracteriza-se como marcas, traçados rea-lizados sobre uma superfície — e a alfabética não foge disso —,apontamos para a existência de um movimento que lhe é constitu-tivo e que se faz no plano gráfico do texto.

Desse modo, as mudanças na escrita infantil pré-escolar, aindasem relação de fonetização com a oralidade, podem ser explicadascomo efeito de um funcionamento que se faz no plano gráfico dostextos. E lembrando que a escola pode vir a ser a única possibilida-de de a criança se relacionar, de maneira mais ampla e direta, coma diversidade textual, os trabalhos realizados na Educação Infantildevem considerar essa relação da escrita que se faz no plano grá-

Para reflexão

Considerando-se que há especificidades entre essas duas realizações de língua— a fala e a escrita — , até que ponto podemos considerá-las nas tarefas cotidianasrealizadas na escola?

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fico do texto, para além de focalizá-la como um sistema cujos ele-mentos vão estabelecer relações de fonetização com a oralidade.

Há um funcionamento próprio da escrita que se faz,especialmente, no plano gráfico do texto, semenvolver relações de fonetização com a oralidade, eque se dá como efeito da relação da criança comtextos escritos.

Queremos esclarecer que não estamos com isso negando àescrita a opacidade de “coisa” que resiste às tentativas de deci-framento. A escrita revela-se opaca para aquele que não lê e nãoescreve, e a própria relação da criança com o nome escrito, reve-ladora de avanços e retrocessos em seu processo de constituição,vai apontar para sua não-transparência (e também a de seus ele-mentos) para a criança não-alfabetizada. A esse respeito, lembra-mos que sua escrita — do nome — não se constitui imediatamen-te, mas depende da relação da criança com esse segmento, a par-tir dos textos pelos quais ele circula. A opacidade que menciona-mos também se mostra no episódio da assinatura de Rodrigo, naresistência que o traçado da letra “G” realizado pela professoraapresenta para a leitura e a produção da criança.

Lembramos também a esse respeito que a criança, de início,realiza uma leitura de seu nome que não se detém em segmentopor segmento — estes, a rigor, não são lidos: o nome é lido numbloco, como se a leitura se fizesse a partir de uma marca, de umtraço que dele emerge possibilitando a sua identificação e nãodependesse propriamente da organização de suas letras naseqüência grafada.

No que se refere à escrita pré-escolar, podemos dizer que os frag-mentos do seu nome escrito podem fornecer à criança os elemen-tos que lhe propiciam uma primeira relação com a escrita, em ter-mos de produção gráfica. Esses fragmentos, ao entrarem em rela-

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ção com outros textos, sofrem os seus efeitos e se ressignificam,afetando a constituição da escrita da criança; ao mesmo tempo,revela-se aí um funcionamento que se faz no plano gráfico-textual eque não passa, necessariamente, pela fonetização. Atentar paraesse funcionamento, nos leva a outro ponto de reflexão.

Nas realizações gráficas produzidas no cotidiano da EducaçãoInfantil, é possível observar fragmentos lidos, numa determinada rea-lização gráfica, como letras, compondo a cena de um desenho e vice-versa. O fato de um espaço específico na folha, por exemplo, seridentificado pela professora como o lugar do desenho, e outro espa-ço o da escrita, não impede que fragmentos das realizações gráficasinfantis migrem de um espaço para outro. A esse respeito, observe-se a produção de Giulianna (G), quando contava com aproximadamen-te 4 anos, realizada em sala de aula da Educação Infantil.

G-1

1 3

2

3

Para reflexão

Podemos pensar a escrita em sua relação com o desenho, sem deixar de con-siderar suas especificidades?

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Ao enfeitar um envelope que guardaria suas produções escola-res do bimestre, G traçou uma linha que serve de base para a mon-tanha (G-1, seta 1). Num certo momento, o traçado do desenho damontanha convoca a letra “B” inicial de seu sobrenome. Um deslo-camento aí se faz e do traçado da montanha emerge a letra “B” (G-1, seta 2) na cena grafada, sendo esta imediatamente identificadaoralmente pela criança como sendo a “letra da nossa família”.Embora a própria criança tenha se surpreendido com essa consta-tação, isso não é suficiente para interromper o seu gesto de grafaresse fragmento, e ele se repete, preenchendo vários espaços doenvelope, compondo a cena desenhada (G-1, setas 3).

Note-se que aí ocorre a descoberta, num insight, de algo fami-liar entre os elementos grafados, que advém como efeito da seme-lhança e dessemelhança entre esses fragmentos postos em rela-ção na repetição do traçado — no caso, o traçado da montanha eda letra “B” — e que, de certa forma, encoraja a criança a prosse-guir o movimento gráfico, sem atentar para o sentido ou mesmopara a “incoerência” provocada pela introdução de uma letra nacomposição da cena desenhada.

Essa letra decalca-se do seu nome, incorpora-se à cena dodesenho e nela se textualiza como “letra-desenho”. Ela não seapresenta para uma leitura da mesma ordem daquela que se fazquando aparece inscrita em um texto escrito. A letra “B” legitima-se como parte da composição desenhada, ao articular-se com osoutros elementos da seqüência gráfica em que emerge, e, comoefeito dessa articulação, vai ser lida como “letra-desenho”: a cenaque a inclui impede o seu valor escritural, sem, contudo, barrar sualegibilidade como letra do sistema alfabético de escrita.

Podemos, então, afirmar que G desenha quando realiza essaletra escrita, mas isso não quer dizer que ela confunde desenho eescrita. No processo associativo que se instaura no plano gráficodo texto, o traçado do desenho pode vir a entrar em relação com o

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da letra, permitindo lê-la; o inverso pode também ocorrer. De manei-ra semelhante, o traçado de uma letra pode vir a revelar outrasletras, e o “B”, letra do sobrenome da criança, chegar a possibilitara leitura de outras letras — “P”, “R”, “D”, por exemplo —, a partirde um traço qualquer que permita colocá-los em relação (veja maisa esse respeito em Bosco, 1999/2002).

Observe, a esse respeito, o episódio L-1. Trata-se da realizaçãográfica de uma outra criança — Laís B. Nela verifica-se a letra “B”de seu sobrenome sendo posta em relação, na cena grafada, comas letras “P” e “R”, possibilitando, no processo associativo que seinstaura, a emergência dos efeitos de semelhança e desseme-lhança entre elas e promovendo o alçamento dessas letras para aprodução de Laís.

Entendemos que as letras “B”, “P” e “R” são postas emrelação por uma série de correspondências homográficas inferi-das a partir das letras do nome da criança. Em função disso,podemos dizer que essas letras permitiram o início de uma série,em que uma letra vai ler uma outra letra, sem colocar em jogo aoralidade.

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Estamos, neste ponto, dando destaque a um funcionamentoque ocorre no plano gráfico-textual, sem envolver relações de fone-tização com a oralidade, e que se dá como efeito da relação da cri-ança com textos escritos. A ancoragem da criança nos elementosfornecidos pelos textos vai possibilitar a sua inserção na lingua-gem escrita que a precede na sociedade, permitindo a sua estru-turação como um sujeito na escrita.

Reconhecer um funcionamento nesse nível do texto é importan-te para aqueles que trabalham na Educação Infantil e lidam comrealizações gráficas, que, em geral, não estabelecem relações —de fonetização — com a oralidade. De fato, sabemos que a maiorparte dos escritos dessa fase apresenta uma relação da criançacom a escrita distinta daquela que prevê a língua normatizada.Nesse momento inicial, é possível verificar a elaboração de textosinteiros compostos por jogos de letras, especialmente as do nomeda criança, sem preocupação com o sentido do arranjo obtido comelas. Um encontro com a oralidade vai, contudo, ocorrer, e, nessemomento, uma certa estruturação do escrito é verificada com afonetização dos fragmentos da escrita infantil.

E a escrita encontra-se com a oralidade...

No encontro da escrita com a oralidade, os profissionaisenvolvidos diretamente no trabalho com escrita na EducaçãoInfantil podem verificar o momento em que a criança grafa, porexemplo, “HIA” para escrever “a galinha”; “PCO” para “pêssego”ou ainda “TKBO – UO” para “tem cabelo – curto” e “EOT DE – VA”para “Eu gostei da – vaca”.

Note-se aí o modo singular com que a fonetização vai se introdu-zir nos segmentos grafados pela criança: é a homofonia promovidapelos nomes das letras que vai, em princípio, propiciar a escrita des-

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ses fragmentos. Nessa escrita, as letras valem por aquilo que elaspermitem ler e não por aquilo que elas de fato escrevem.

O episódio de André (idade entre 4 e 5 anos), a seguir, possibili-ta observar um modo pelo qual a oralidade encontra o escrito no per-curso da relação da criança com a linguagem escrita. Trata-se da pro-dução feita durante uma situação de sondagem, na qual a professo-ra dita, silabando, as seqüências a serem grafadas pela criança.

Destacamos desse episódio (A-1) a seqüência “HIA”, apre-sentada na segunda linha. Para o ditado silabado de “ga-li-nha”efetuado pela professora, André escreve a referida seqüênciasilabicamente – HIA – e lê “agalinha”. Nessa leitura, revela-se onome da letra escrita, tomado homofonicamente, permitindoescrever um dos segmentos a serem grafados pela criança e, aomesmo tempo, a escuta singular da fala da professora, ao exi-bir uma segmentação díspar daquela apresentada na escritanormatizada.

Essa maneira de escrever a palavra silabada pela professora,tomando como base a correspondência homofonicamente inferidaentre o nome da letra e o segmento a ser escrito também é mar-cada pela imprevisibilidade, que dá evidência da relação sempresingular de cada criança com a língua. Isso explica, de certo modo,

A-1

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a entrada do “K” nessa outra maneira de escrever “galinha”:“KIA”, como grafa Eduarda, na mesma faixa etária (E-1).

Essas duas maneiras de escrever galinha — “HIA” e “KIA” — serepetem nos escritos de crianças da Educação Infantil, como tivemosoportunidade de observar em outras atividades em sala de aula. Decomum, entre essas realizações gráficas, detectamos a entrada desegmentos regulados pelas correspondências homofônicas entre osnomes das letras e os fragmentos a serem grafados.

Nosso esforço, neste trabalho, foi apresentar uma abordagemdo processo de aquisição da escrita, tendo-se em conta o lingüís-tico e o discursivo em jogo. O encontro da oralidade com a escri-ta, pela perspectiva apresentada, adquire uma outra dimensão. Aesse respeito, o episódio de Thomas Artur (THO), que apresenta-remos a seguir, merece destaque.

Como abordar os escritos que apresentaremos a seguir em ter-mos de um conhecimento adquirido? Como explicar os avanços eretrocessos? A descontinuidade marcada nos episódios de THO nãofornece elementos que permitem colocar em xeque uma concepçãode aquisição de escrita com base na noção de desenvolvimento?

THO realizou a tarefa seguinte em sala de aula, na última turmada Educação Infantil, quando tinha entre 5 e 6 anos. Foi solicitadoa ele que procurasse em revistas algumas figuras de objetos cujos

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E-1

Para reflexão

A aquisição da escrita pode ser tomada como um processo de ordem lingüís-tica, em que a oralidade, ao encontrar-se com ela, a ressignifica?

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nomes comecem com a primeira letra de seu nome — no caso, aletra “T”. THO recortou e colou na folha um conjunto de cinco figu-ras, organizando-as logo abaixo dos quadrados recortados quecomportam as letras de seu nome já ordenados na seqüência porele próprio (THO-1): troféu, touro, torneira, tomate e toalha.

THO escreveu, nas legendas que ocupam o espaço ao lado decada figura, os nomes das imagens representadas, da seguintemaneira: “SOAS”, “THMSA”, “HOOMAS” e “MOO”, respectivamen-te, deixando sem realizar — talvez por esquecimento — a escritade “tomate”. (Esclarecemos que a qualidade gráfica da reprodu-ção aqui apresentada deve-se à natureza do material originalmen-te utilizado na realização da proposta pela criança.)

De acordo com a instrução passada pela professora, esperava-se que THO levasse em consideração, na seleção dos itens, a letrainicial de seu nome, relacionando-a com a letra inicial do nomedaquilo que a figura representasse. No entanto, a criança, de certo

THO-1

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modo, frustrou essa expectativa, uma vez que não levou em consi-deração apenas a letra inicial — “T” — mas o segmento sonoroinicial de seu nome, no caso, [to]. Esse fato se verifica na homo-fonia que se estabelece entre o segmento inicial de Thomas e osde touro, tomate e toalha, e também na homofonia parcial de tor-neira e troféu.

Observa-se, porém, que essa homofonia não parece, num pri-meiro momento, se transferir para sua escrita: os blocos que eti-quetam cada figura compõem-se apenas por letras de seu nome(THO-1).

Ao receber a tarefa concluída, com todos os blocos escritoscom as letras do nome da criança — e certa de que essa criançaé capaz de escrever silabicamente, tal como nos escritos produzi-dos por ela, por exemplo, em situações de sondagem —, a profes-sora recusa a tarefa e pede a THO a “outra escrita” que, segundoela, ele já sabe.

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THO-2

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Ela senta-se com THO em um canto da sala e silaba cada umdos nomes das figuras escolhidas da seguinte maneira: tro-fé-u;tou-ro; tor-nei-ra; to-ma-te; to-a-lha (silabada pela professora comoto-a-li-a, dando ênfase aos dois últimos fragmentos, de maneira aacentuar o grupo “lha”). Ao término de cada palavra silabada, THOescreve-a em seguida, apresentando, nesse momento, a escritasilábica pretendida pela professora: TEU, TO, TEA, TME, TAIA, res-pectivamente (THO-2). Note-se: quem está silabando é a professo-ra; só a ela, enquanto sujeito já significado no funcionamento daescrita, é possível a realização dessa tarefa nesse momento darelação da criança com a escrita.

A descontinuidade marcada nesses episódios de THO fornece,a nosso ver, argumentos que permitem questionar uma concepçãode aquisição da escrita com base na noção de desenvolvimento. Amaneira como viemos apresentando a linguagem — seja ela oralou escrita — neste livro afasta-se de uma abordagem em termosde um objeto de conhecimento, do qual a criança, diante dele, seapropria, adquirindo-o gradativamente. Negamos essa aproxima-ção das manifestações lingüísticas infantis em favor das descon-tinuidades passíveis de serem verificadas no percurso da relaçãoda criança com a linguagem.

Apresentamos, neste ponto, a entrada da oralidade ressigni-ficando — e fonetizando — a escrita da criança, substituindo ummovimento que, antes, privilegiava o nível gráfico do texto. A par-tir desse momento aquela escrita pré-escolar, ilegível alfabetica-mente e muitas vezes constituída apenas por letras do nome dacriança, pouco a pouco vai sendo substituída por uma escrita, dealgum modo, já afetada pela fonetização. Com a entrada destaúltima, a escrita da criança vai assumir uma regularidade: ahomofonia permite a fixação de lugar/posição dos elementosgrafados na seqüência, possibilitando uma certa estruturação doescrito infantil.

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Para encerrar, trazemos uma narrativa escrita por Aline (A),quando tinha entre 5 e 6 anos. Sua história foi assim lida por ela:

“Um dia lá na árvore morava uma família dorminhoca. De repente

caiu a cama e daí ele acabaram (a)cordaram e viram lá na janela

uma árvore de maçã ele desceram da cama para a árvore e viveram

para sempre”.

Sem nos determos nos segmentos que marcam a estruturanarrativa desse texto — um dia, lá, de repente, e viveram (felizes)para sempre —, chamamos a atenção para a relação desse textocom o da história infantil A casa sonolenta, livro bastante conheci-do e disputado pelas crianças nas bibliotecas das escolas deEducação Infantil.

Destacamos, especialmente, a seqüência dos eventos “caiu acama” e “(a)cordaram”, que estabelece uma relação material eestrutural com o referido texto — na história original, a cama sequebra e aqueles que estão em cima dela, todos integrantes deuma mesma família, caem e acordam. Além disso, observe-se asubstituição que ocorre como efeito da relação que se estabeleceentre o título do livro — A casa sonolenta — e o fragmento “famí-lia dorminhoca” do texto de A.

Se atentarmos ainda para as ilustrações apresentadas nolivro, através da janela do quarto onde todos estão dormindoempilhados um sobre o outro (avó, menino, cachorro, gato, ratoe até uma pulga) é possível ver uma árvore e esta se mostrafrondosa na última figura do livro, em que todos estão felizes,

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A-1

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brincando fora da casa, no jardim. Eis mais um elemento que —arriscamos dizer — foi alçado do texto mencionado para a pro-dução de A, compondo a última parte de seu escrito — “e viramlá na janela uma árvore de maçã ele desceram da cama para aárvore e viveram para sempre”. Em função disso, apontamos,ainda mais uma vez, para a importância da interação da criançacom textos (orais e escritos) na escola, porque serão eles quepropiciarão a aquisição e a composição da escrita infantil.

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Considerações finais

Convém esclarecer que as polêmicas que envolvem as grandesquestões da aquisição da linguagem, seja ela oral ou escrita, conti-nuam abertas. Como a criança adquire a linguagem? Há particulari-dades a serem consideradas ao abordarmos o percurso da criançana oralidade e na escrita? Questões desse tipo continuam sendo atu-ais e bastante pertinentes para os estudiosos da linguagem infantil— e foram colocadas em discussão neste livro. Embora essas inda-gações façam vir à tona a complexidade do tema “aquisição da lin-guagem”, discuti-las é — acreditamos — de interesse dos profissio-nais que trabalham com crianças na escola.

A Educação Infantil é considerada o espaço institucional de inicia-ção da criança nas diversas formas de expressão (gráfica, gestual,plástica, cinestésica, musical, corporal, televisiva, informática etc.). Láela brinca, canta, dança, modela, pinta, recorta, cola, desenha... eescreve, realizando, pois, atividades que fazem parte de sua vida nasociedade. Atualmente, entende-se que a professora, interlocutoraprivilegiada da criança na escola, deve ter em conta a aquisição daescrita como um processo que, de certa maneira, se inicia desde quea criança vem ao mundo e não algo que caminha à margem de suavida cotidiana. A criança de nossa Educação Infantil vive numa socie-

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dade letrada, não sendo, portanto, possível ignorar sua inserçãodesde sempre na linguagem escrita em funcionamento nos textosde natureza diversa.

Sabe-se que é necessário refletir sobre a função da EducaçãoInfantil, repensar suas práticas pedagógicas e questionar suas cer-tezas. E, nesse movimento de reflexão, buscamos trazer nossacontribuição, ao incluir este texto na coleção “Linguagem eLetramento em Foco”, que aborda, de maneira ampla, o tema“letramento”.

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Bibliografia

BOSCO, Zelma R. No jogo dos significantes, a infância da letra.Campinas: Pontes/FAPESP, 2002/1999. 159 p.

___________ . “Um novo olhar sobre o desenho e a escrita”. Letras

de Hoje, Porto Alegre: PUCRS, v. 36, n. 3, p. 633-639, set. 2001 a.

___________ . “Sobre a infância da letra”. Boletim da Abralin,Fortaleza: UFC, v. 26, n. especial 1, p. 307-309, mar. 2001 b.

P São três textos que apresentam reflexões sobre a escrita dita inicial da crian-

ça, com ênfase na relação entre desenho e escrita. O primeiro deles é, na verda-

de, a dissertação de mestrado da autora, na área de Aquisição da Linguagem, no

Curso de Lingüística (defendida em 1999, no Instituto de Estudos da Linguagem,

da Unicamp). Esse livro inclui uma discussão equilibrada sobre a proposta cogni-

tivista piagetiana de Emilia Ferreiro, no campo da linguagem escrita, além de situ-

ar um outro lugar para se pensar as relações gráficas, em especial, entre elemen-

tos do desenho e os da escrita. Os dois textos seguintes são artigos que, de

certo modo, avançam nas discussões apresentadas no livro — o primeiro apre-

senta o desenho e a escrita relacionando-se no plano dos traçados; o segundo

mostra um elemento gráfico, misto de desenho e letra, exercendo o papel desta

última na seqüência escrita do nome de uma criança.

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DE LEMOS, C. T. “Uma abordagem sócio-construtivista da aquisi-ção da linguagem: um percurso e muitas questões”. Texto apre-sentado no Congresso da ANPOLL, em Caxambu, 1989, inédito.

___________ . “Língua e discurso na teorização sobre aquisição delinguagem”. Letras de Hoje, Porto Alegre: PUCRS, v. 102, p. 9-29,dez. 1995.

___________ . “Sobre a aquisição da escrita: algumas questões”.In ROJO, R. (org.). Alfabetização e Letramento. Campinas: Mercadode Letras, 1998. p. 13-31.

___________ . “Sobre o estatuto lingüístico e discursivo da narra-tiva na fala da criança”. Lingüística. México: Hedra, v. 13. p. 23-59, 2001.

___________ . “Das vicissitudes da fala da criança e de sua investi-gação”. Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas: IEL/Unicamp,n. 42, p. 41-69, 2002.

P Trata-se de uma seqüência de artigos, escritos em diferentes momen-

tos da vida acadêmica de De Lemos. Com eles, obtemos um breve histó-

rico do trabalho dessa autora que inaugura um novo lugar teórico para se

refletir sobre a fala da criança, que se apresenta como alternativa à

noção de desenvolvimento. Sua concepção de língua, linguagem, sujeito

e interação sustenta uma proposta interacionista em aquisição da lingua-

gem que toma o diálogo como unidade de análise e propõe uma concep-

ção estrutural de mudança lingüística. São, no mínimo, estimulantes as

reflexões apresentadas no texto “Sobre a aquisição da escrita: algumas

questões”, no qual a autora aponta, entre outros aspectos, para a opaci-

dade da escrita para a criança não-alfabetizada. O último artigo, embora

de difícil leitura, apresenta o percurso teórico da autora, analisado por

ela mesma.

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OLIVEIRA, P. B. Narrando por escrito: ao sabor da língua e do dis-

curso. Dissertação de mestrado em Lingüística, IEL/Unicamp, 115p., 1995.

P Este texto apresenta um estudo da aquisição de narrativas escritas de

crianças entre 7 e 10 anos, oriundas de escolas públicas, a partir de

uma perspectiva interacionista. É interessante observar a maneira pela

qual a instrução passada a elas sobre o desenvolvimento do tema pro-

posto vem restringir e direcionar a escrita da narrativa. Os episódios

apresentados, muitos extremamente fragmentários, mostram que ficção

e referencialidade são efeitos criados pelo texto, sem uma relação dire-

ta com a “realidade”.

PEREIRA DE CASTRO, M. F. “Língua materna: palavra e silêncio naaquisição da linguagem”. In JUNQUEIRA FILHO, L. C. U. (org.).Silêncios e luzes: sobre a experiência psíquica do vazio e da forma.São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. p. 247-257.

___________ . “A argumentação na fala da criança: entre fatos delíngua e de discurso”. Lingüística. México: Hedra, v. 13, 2001, p.61-79.

P No primeiro texto, a autora apresenta uma concepção de língua mater-

na que a situa como uma experiência inaugural e inesquecível, responsá-

vel, inclusive, pela estruturação psíquica do sujeito. A língua materna é

única para um sujeito e, desse modo, encontra-se impedida de fazer

número com as outras línguas. A aquisição da língua materna é entendi-

da como um percurso singular de uma criança na sua relação com a lin-

guagem. Já o segundo artigo apresenta uma discussão da autora sobre

um tema por ela analisado desde sua tese de doutorado (1985): a argu-

mentação na fala da criança. Nesse texto, ela é abordada pela análise da

relação entre fatos discursivos e fatos de língua, constitutivos do valor

argumentativo desse tipo de enunciado. A autora defende a hipótese de

que a compreensão dos fatos da ordem discursiva se dá pela sua relação

com a ordem da língua e reciprocamente.

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PERRONI, M. C. Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo:Martins Fontes, 1992. 247 p.

P Este livro apresenta um estudo longitudinal de duas crianças durante o

período entre 2 e 5 anos. O objetivo é reconstruir o processo de aquisição

do discurso narrativo oral dessas crianças. O trabalho representou um gran-

de avanço nos estudos sobre a aquisição da narrativa, não só porque a

autora elegeu o processo, e não o produto, como material de análise, mas

também por tê-lo analisado considerando a estrutura dialógica.

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