Capa Pedagogia das competŒncias: autonomia ou padronizaçªo? noticias... · 2015-06-30 ·...

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4 RET-SUS novembro de 2005 Capa V ocŒ, que trabalha numa Escola TØcnica do SUS, jÆ estÆ fami- liarizado com as chamadas competŒncias profissionais. Mas, se, em todos os tempos, todo mundo sem- pre quis ser competente, por que, nos œltimos anos, essa idØia invadiu as ins- tituiıes formadoras e virou nome de pedagogia? O parecer 16/99, do Conselho Nacional de Educaªo, que propıe diretrizes para a educaªo profissional no Brasil, define competŒncias como capacidade de articular, mobilizar e colocar em aªo valores, conhecimen- tos e habilidades necessÆrios para o desempenho eficiente e eficaz de ati- vidades requeridas pela natureza do trabalho. Em outro trecho, o docu- mento explica: Pode-se dizer, portan- to, que alguØm tem competŒncia pro- fissional quando constitui, articula e mobiliza valores, conhecimentos e ha- bilidades para a resoluªo de proble- mas nªo s rotineiros, mas tambØm inusitados em seu campo de atuaªo profissional. Assim, age eficazmente diante do inesperado e do inabitual, superando a experiŒncia acumulada transformada em hÆbito e liberando o profissional para a criatividade e a atuaªo transformadora. Eu quero ser assim. E vocŒ?. A provocaªo Ø de Marise Ramos, vice- diretora de ensino da Escola PolitØcnica de Saœde Joaquim Venncio e uma das principais estudiosas do tema no pas, que foi consultora do Profae e Ø autora do livro Pedagogia das competŒncias: autonomia ou adaptaªo?. Claro que ela reconhece que um trabalho bem feito envolve as competŒncias das pessoas. Mas chama atenªo para a necessidade de se identificarem as concepıes de so- ciedade e educaªo que estªo por trÆs desse discurso tªo bem articulado. E as conclusıes a que os estudos dela chegam sinalizam um caminho peri- goso. Do ponto de vista poltico-so- cial, a pedagogia das competŒncias vem reforar uma visªo de mundo ba- seada nas relaıes que classificam, va- lorizam e julgam as pessoas exclu- sivamente a partir das suas com- petŒncias individuais, explica. Essa leitura situa as competŒncias num contexto mais amplo, como parte do que ela chama de sociabilidade contempor- nea, que se manifesta na substituiªo dos direitos polticos por contratos indi- viduais; na cultura do imedia- tismo e dos fragmentos; e na flexibilizaªo do trabalho e das relaıes. Mas como? Vamos por partes: em primeiro lugar, segundo Marise, competŒncia Ø processo e nªo produto. Segundo, Ø individual e subjetiva. Para ela, aqui jÆ surge um problema: como uma Escola pode listar competŒncias como aquilo que quer atingir na forma- ªo se elas s se desenvolvem em cada sujeito, diante da situaªo de trabalho? Mais importante do que isso, para ela, Ø o que nªo fica explcito. Nessa concep- ªo, a realidade no caso, o processo de trabalho Ø pa- radoxalmente abordada como algo estÆtico, jÆ dado, naturali- zado. A experiŒncia dos indiv- duos Ø que precisa ser modificada, diz. Moral da histria? Todo o resto vai bem, s o sujeito vai mal. JÆ do ponto de vista pedaggico, Marise acha que a teoria das compe- tŒncias Ø contraditria quando fala de capacidade de agir em situaıes inu- sitadas. Isso porque, segundo ela, para fugir do conteudismo, as competŒncias correm o risco de cair no outro extremo, o do tecnicismo, quando defendem que o conhecimento seja tratado de Pedagogia das competŒncias: Estudiosos colocam em discussªo documentos do M revista 13.pmd 5/12/2008, 12:32 4

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Você, que trabalha numa EscolaTécnica do SUS, já está fami-liarizado com as chamadas

competências profissionais. Mas, se,em todos os tempos, todo mundo sem-pre quis ser competente, por que, nosúltimos anos, essa idéia invadiu as ins-tituições formadoras e virou nome depedagogia?

O parecer 16/99, do ConselhoNacional de Educação, que propõediretrizes para a educação profissionalno Brasil, define competências como�capacidade de articular, mobilizar ecolocar em ação valores, conhecimen-tos e habilidades necessários para odesempenho eficiente e eficaz de ati-vidades requeridas pela natureza dotrabalho�. Em outro trecho, o docu-mento explica: �Pode-se dizer, portan-to, que alguém tem competência pro-fissional quando constitui, articula emobiliza valores, conhecimentos e ha-bilidades para a resolução de proble-mas não só rotineiros, mas tambéminusitados em seu campo de atuaçãoprofissional. Assim, age eficazmentediante do inesperado e do inabitual,superando a experiência acumuladatransformada em hábito e liberando oprofissional para a criatividade e aatuação transformadora�.

�Eu quero ser assim. E você?�. Aprovocação é de Marise Ramos, vice-diretora de ensino da Escola Politécnicade Saúde Joaquim Venâncio e uma dasprincipais estudiosas do tema no país,que foi consultora do Profae e é autorado livro �Pedagogia das competências:autonomia ou adaptação?�.

Claro que ela reconhece queum trabalho bem feito envolve ascompetências das pessoas. Mas

chama atenção para a necessidade dese identificarem as concepções de so-ciedade e educação que estão por trásdesse discurso tão bem articulado. Eas conclusões a que os estudos delachegam sinalizam um caminho peri-goso. �Do ponto de vista político-so-cial, a pedagogia das competênciasvem reforçar uma visão de mundo ba-seada nas relações que classificam, va-lorizam e julgam as pessoas exclu-sivamente a partir das suas com-petências individuais�, explica. Essaleitura situa as competências numcontexto mais amplo, como partedo que ela chama de�sociabilidade contemporâ-nea�, que se manifesta nasubstituição dos direitospolíticos por contratos indi-viduais; na cultura do imedia-tismo e dos fragmentos; e naflexibilização do trabalho e dasrelações. Mas como?

Vamos por partes: emprimeiro lugar, segundo Marise,competência é processo e não produto.Segundo, é individual e subjetiva. Paraela, aqui já surge um problema: comouma Escola pode listar competênciascomo aquilo que quer atingir na forma-ção se elas só se desenvolvem emcada sujeito, diante da situação detrabalho? Mais importante doque isso, para ela, é o que nãofica explícito. �Nessa concep-ção, a realidade � no caso, oprocesso de trabalho � é pa-radoxalmente abordada comoalgo estático, já dado, naturali-zado. A experiência dos indiví-duos é que precisa ser modificada�,diz. Moral da história? �Todo o resto

vai bem, só o sujeito vai mal�.Já do ponto de vista pedagógico,

Marise acha que a teoria das compe-tências é contraditória quando fala de�capacidade de agir em situações inu-sitadas�. Isso porque, segundo ela, parafugir do conteudismo, as competênciascorrem o risco de cair no outro extremo,o do tecnicismo, quando defendemque o conhecimento seja tratado de

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forma associada ao contexto em que éaprendido � no nosso caso, a atuaçãonos serviços de saúde. Ela diz que, namelhor das hipóteses, essa fórmula for-ma pessoas que lidam bem com os co-nhecimentos, mas nunca vai formarpessoas capazes de produzir novosconhecimentos, exatamente porque oconteúdo é valorizado na sua utilidadeprática, sem que se ensine a �dinâmica

da ciência�.Claudia Marques, que faz parte

da equipe do Setor de Certificação deCompetências (SCC), do Profae,Deges/SGTES/MS, acha que tudodepende de como se define o conceitode competência. Para ela, esse novocaminho só pode significar uma mu-dança positiva se expandir a formaçãopara além da tarefa, superandoexatamente a visão tecnicista. �Enten-do competência como o desenvolvi-mento da capacidade de mobilizar osvários saberes que um sujeito tem paraa realização da ação; a competência,no caso da saúde, se expressa na capaci-dade de um ser humano cuidar de outro,articulando conhecimentos, atitudes,valores e tecnologias necessárias ao atode cuidar. Essa visão enfatiza o saber-ser, superando o foco no fazer. A compe-tência, na nossa visão, envolve a dis-

cussão sobre o conceito desaúde como qualidade de vi-da, ética, valorização da au-

tonomia dos usuários para deci-dir sobre sua própria saúde, traba-lho em equipe, interação e comu-nicação entre profissionais e usuá-rios, processos de produção e detrabalho na saúde�, define.

Divaneide de Souza, peda-goga do Cefope, do Rio Grande doNorte, diz que o importante é oeducador ter clareza da sua in-tencionalidade para não seringênuo e acabar trabalhandopara reforçar o status quo. �A via-

bilização das propostas que es-tão por trás de qualquer pedagogiadepende da compreensão de quemfaz�, diz. Mesmo achando que as

competências valorizam o sujeito e

propõem uma sociedade mais igua-litária, ela diz que é preciso ter muitocuidado para não enfatizar mais ashabilidades do que os conhecimentos,exatamente para não voltar ao tecni-cismo. �As habilidades dependem deconteúdos, não na perspectiva da re-produção, mas da reflexão, para que osalunos possam se colocar no mundo fa-zendo escolhas, conscientes das suasopções�, avisa.

Diferença entre trabalho e Escola

Claudia fala das competênciastambém como uma opção pedagógicapara ajudar na aproximação entre omundo da escola e o do trabalho, pos-sibilitando trazer o processo de traba-lho para dentro da formação. �As pes-soas vão continuar aprendendo no tra-balho, mas nós podemos trazer boa par-te disso para a Escola�, explica.

Nesse ponto, Marise chamaatenção para a diferença entre ter o pro-cesso de trabalho como referência daprática pedagógica � o que, segundoela, é imprescindível para a educaçãoprofissional � e querer reproduzir, naEscola, o espaço de trabalho. Em ou-tras palavras, na opinião dela, as com-petências não se formam dentro da es-cola, mas sim no enfrentamento da rea-lidade: à escola cabe proporcionar oacesso aos conhecimentos, articulandotrabalho, ciência e cultura.

Mas esse debate não precisasoar como uma bomba nem gerar umacrise total de identidade do seu traba-lho porque, mesmo que não tenhamelaborado dessa forma, provavelmentealgumas Escolas já promoveram mu-danças nesse modelo em função da sua

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vivência. Para exemplificar, Mariselembra a fala de Ruth Gouveia, dire-tora da ETSUS de Pariquera-Açu, deSão Paulo, durante uma oficina sobreavaliação de competências promovidapela SGTES/MS no último Senaden.No trabalho de grupo, Ruth relatouque, nos certificados de cursos emiti-dos pela Escola que dirige, ela nuncaescreve que o aluno desenvolveu as com-petências requeridas para aquelafunção. O texto diz que o aluno foi for-mado para desenvolver essas com-petências. Parece uma sutileza? ParaMarise, faz toda diferença: é uma cla-reza que vem da constatação de que acompetência só vai se manifestar defato nas situações reais de trabalho.

Segundo ela, no entanto, essaconfusão é histórica. A noção de com-petências nasce, principalmente, noambiente da Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT). E, de formacoerente, se desenvolve primeiro no es-paço das indústrias e dos serviços, che-gando, em países como França e Ale-manha, a ser apropriada em benefíciodos trabalhadores, pela percepção deque o sujeito tem saberes próprios, quefogem à linha de montagem e fazem adiferença no trabalho. Surge, primeiro,como teoria. Depois, se transforma, porum lado, em modelo de gestão para asempresas e, por outro, em pedagogia,entrando no espaço da escola. Para ela,aí é que começa o problema.

Na Saúde, por exemplo, antesde existirem as ETSUS, a formação detrabalhadores, quando havia, se res-tringia a treinamento, feito diretamen-te nos serviços. Para Marise, o movi-mento de criação planejada de Escolasque dessem conta desse processo é umsintoma de que a formação pelo serviçoé insuficiente, mesmo para os objetivosde puro desenvolvimento técnico. Oproblema é que, ao invés de repensar anoção das competências, que estavapresente nesse momento, mesmo queainda não fosse nomeada, tentou-selevá-la para dentro dos muros da es-cola. O próximo passo necessário, naopinião de Marise, é o que as ETSUSvêm fazendo ao longo desses anos: as-sumir-se como lugar de formação. �Senão estiver comprometida com a

produção de conhecimento, não éEscola, é outra coisa�, diz.

Adaptação e resistência

Independentemente de você terconcordado ou não com as discussões queforam apresentadas até aqui, essapolêmica deve ter despertado pelo me-nos uma curiosidade: por que a peda-gogia das competências se difunde comtanta velocidade e ganha tanta adesãonão só no Brasil, mas no mundo todo?

Primeiro porque o discurso dascompetências enfoca a valorização daexperiência dos alunos, o que é umgrande avanço em relação a um tempoem que só se reconhecia a importânciado saber científico, centrado na figurado professor. Mas também aqui Marisefaz um alerta: �A experiência é válidacomo ponto de partida. Só não podemosachar que o papel da Escola é aper-feiçoar os conhecimentos que as pes-soas já têm. Na minha opinião, a Escolatem que ir além, precisa dialogar comesses conhecimentos, mas buscandosuperá-los em direção à compreensãocrítica�, diz. Isso porque, para ela, ofoco individual das competênciassomado à supervalorização da expe-riência pode resultar numa formaçãode sujeitos prontos a se adaptarem àrealidade e não a transformá-la.

Marise aponta ainda outra razãopara o sucesso da pedagogia das com-petências. �Muitas pessoas se sentemacolhidas pela idéia de competênciasporque, com elas, parece mais fácilsaber aonde querem ir. Mas quem éEscola já deveria saber antes�, opina.

Por fim, há o aspecto legal. Se-gundo interpretação geral, as diretrizescurriculares nacionais exigem que,para serem aprovados pelos conselhosde educação, os currículos sejam feitospor competências. Mas nem por issotodos esses aspectos críticos estão sen-do reproduzidos indistintamente noBrasil e no mundo. Muitas institui-ções, seja de forma consciente, por re-sistência, seja de modo inconsciente,por dificuldade técnica, listam as com-petências, de acordo com a lei, mascomo se fossem objetivos. A diferença?�Os objetivos são acordos coletivos, são

uma indicação de horizontes comunsà Escola, aos alunos e aos professores.Já as competências são sempre indi-viduais�, explica Marise. E completa:�Como posso dizer que, no trabalho, osujeito vai ser de um jeito ou de outro?Se eu tentar objetivar e listar essescomportamentos pessoais, passo a mepreocupar com condutas e desem-penhos e corro o risco de tentar pa-dronizar as pessoas�, diz.

Na Saúde: perspectiva contrahegemônica

Apesar de todos esses estudose debates, a Saúde vem tentandoconstruir uma nova leitura e apli-cação para as competências. E tudocomeçou no Profae. Cláudia Marquesafirma que o esforço do Ministério daSaúde tem sido o de elaborar ins-trumentos que sirvam de subsídios àsinstituições formadoras na orga-nização e implementação dos pro-cessos de educação profissional. É nes-se sentido que estão sendo elaborados,pactuados e validados perfis pro-fissionais de competência. �Mas asestratégias pedagógicas para viabilizara formação é responsabilidade das es-colas. O que temos defendido ao longodos últimos 20 anos é que a formaçãoseja problematizadora, utilizando-sedo currículo integrado, de forma a ga-rantir a contextualização da formaçãoe a integração ensino-serviço-comu-nidade�, diz.

Neize Deluiz, professora e pes-quisadora da Unesa, no Rio de Janeiro,na área de educação, que foi consultorano início do Profae, junto com Marise,naquela época identificava o Projetocomo uma primeira experiência deutilização contra-hegemônica da pe-dagogia das competências. Claudiatambém acha que o MS tem ressigni-ficado o conceito de competências pa-ra a área da saúde. Segundo ela, a con-cepção que vem sendo adotada e utili-zada é muito mais ampla, por exemplo,do que aquela trazida pelos docu-mentos do Ministério da Educação.

Mas ela admite que boa parteda construção teórica que hoje o Mi-nistério tem acerca das competências

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ainda não existia quando o Profae foipara as ruas. Isso quer dizer que a maio-ria dos cursos implementados pelo Pro-fae não está sintonizada com a relei-tura que a equipe do SCC fez e que es-tá orientando, por exemplo, a criaçãodo sistema de avaliação. Por isso, elesjá pensam na realização de seminárioslocais, que envolvam o máximo possí-vel de professores, para discutir essenovo referencial das competências.

Embora reconheça as adaptaçõesde resistência que muitas instituiçõesjá fazem � como listar objetivos e cha-mar de competências �, Marise não a-credita mais numa perspectiva contra-hegemônica dessa pedagogia. �Acho ascompetências dispensáveis como algodefinidor do currículo�, diz. Fora daprática da escola, a história é outra. �Aidéia de competência é uma grandecoisa: significa que o sujeito sabe, tem

conhecimentos formais e autonomiaintelectual, lê, questiona e age sobre arealidade, faz bem as coisas. Mas ariqueza dessa noção exige que ela fiquelivre, que não se aprisione numa rotaformativa, que não enquadre o sujeito esua criatividade numa linha demontagem�, opina. Viu a confusão?Agora, você está convidado a participardesse debate.

Avaliação de competências: o esforço do Profae

O SCC/Profae, após a rea-lização do teste-piloto da certifica-ção, em setembro de 2002, está agoratestando uma nova proposta meto-dológica para avaliação de compe-tência. A perspectiva é de que oresultado desses esforços seja maistarde apropriado pelas EscolasTécnicas do SUS em outras áreasalém da enfermagem. O grande de-safio, no entanto, é como avaliar, deforma integrada, o saber-saber, osaber-fazer e o saber-ser, três dimen-sões que compõem as competências.Podemos dizer que o saber-saber dizrespeito à aquisição de conhecimen-tos; o saber-fazer, à habilidade, por-tanto, aplicação prática desses co-nhecimentos; e o saber-ser, às atitu-des e valores. Mas Claudia Marques,que está coordenando esse processo,explica que esses níveis não podemser trabalhados separadamente, nemna formação nem na avaliação.

Então, é isso: com a mudançada formação, a avaliação também setornou mais complexa. Marise Ra-mos diz que a escola deveria avaliaros conhecimentos formais que o alu-no apreendeu e o quanto ele é capazde utilizá-los e criticá-los, emborasempre haja o risco de avaliar apenasa capacidade do sujeito de reproduzire transmitir conteúdos.

No esforço de ser coerente coma concepção de competências e deavaliação assumida pelo Profae, oMinistério da Saúde já concluiu queé preciso um conjunto de instrumen-tos para avaliar a competência. Esse

modelo, que será testado em breve, te-rá, primeiro, uma avaliação escrita ob-jetiva, que está sendo construída coma ajuda da Fundação Cespe, da UnB.Depois, haverá uma prova prática, rea-lizada virtualmente, já que a avaliaçãoem situação real de atendimento, se-gundo Claudia, se mostrou inviável, porvários motivos, sendo que o mais im-portante foi a exposição dos usuários ariscos desnecessários. Quem está mon-tando essa ferramenta virtual é umaequipe da Telemedicina da USP, queconstruiu o homem virtual. A terceiraavaliação é de psicomotricidade, utili-zando bonecos sensorizados confeccio-nados especificamente para essa fina-lidade. E, por fim, uma prova-oficinacom dinâmica de grupo focal paraavaliar principalmente o saber-ser.

O saber-ser é, provavelmente, adimensão mais difícil de ser avaliada.Segundo o documento intitulado �pla-nejamento estratégico da validação dametodologia de avaliação de com-petências profissionais de auxiliaresde enfermagem egressos dos cursos �Profae�, elaborado pela SGTES/MS,no caso específico do auxiliar de enfer-magem, �o saber-ser é demonstradoprincipalmente nas relações estabele-cidas com os usuários, com as equipes,com os familiares e com a instituição�,e se expressa �por atitudes de solida-riedade, civilidade, compartilhamen-to, responsabilidade e ética�. Comocritério, o documento aponta nove in-dicadores: �interagir com o usuário eseus familiares; estar atento à lingua-gem corporal do usuário; respeitar va-

lores e direitos do usuário; buscar al-ternativas frente a situações adversas;recorrer à supervisão para a solução (ouencaminhamento) dos problemas i-dentificados; executar com pertinên-cia, oportunidade e precisão as açõese os procedimentos sob sua respon-sabilidade; interagir com a equipe pa-ra a organização do trabalho de enfer-magem; reconhecer e exercer seus di-reitos e deveres como trabalhador; si-tuar-se como sujeito social na presta-ção do cuidado em enfermagem�.

Para Marise, os métodos tra-dicionais já procuravam dar conta de�medir� conteúdos teóricos e sua a-plicação. Já o saber-ser pretende ser a�grande inovação� da pedagogia dascompetências. �Não acredito que essadimensão possa ser medida. Isso émuito perigoso porque podemos nosaproximar muito do doutrinamento.Mas, se a Saúde está conseguindo es-tabelecer com clareza qual o seu cam-po de valores, sem correr esse risco,estou aberta ao diálogo�, diz.

Esse projeto está sendo levadoadiante como parte do componente 2do Profae, que tratava da moderniza-ção das Escolas Técnicas do SUS. Por-tanto, essa fase de testes está sendodesenvolvida com amostras de alunosde algumas ETSUS, selecionadas porregião geográfica. Se tudo der certo, ametodologia será difundida para asEscolas. Mas, retomando o tema prin-cipal desta reportagem, antes de se a-propriar desse caminho de avaliação,vai ser preciso discutir o conceito decompetências: como instrumento,teoria ou pedagogia.

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