Capa - O Consumidor está no comando - demostenesfarias · Já a indústria química Rhodia foi...

21
Capa - O Consumidor está no comando Edição 156 - Março 2011 Qua, 23 de Março de 2011 17:03 Escrito por Roberto Meir, Thiago Borges e Valdir Antonelli ao longo dos últimos 20 anos, as empresas tive m de ent r na linha para se adaptar ao cdc. uma vez vítimas, os clientes passa m a ter direitos e poder de escolha nas relações de consumo. a sociedade b silei não tole , ou admite, mau serviço, indiferença e falta de compromisso na solução de seus problemas. nem tudo é perfeito: a constante evolução no setor privado ainda não pode ser comprovada nos serviços públicos. a busca da excelência, nos próximos anos, deve ser pautada para esse setor, pois o cdc deve valer para todas as áreas reguladas da economia Ao longo dos últimos 20 anos, asempresas tiverem de entrar na linha pase adaptar ao CDC. Uma vez vítimas, os clientes passam a ter direitos e poderde escolha nas relações de consumo.a sociedade brasilei não tolera ,ou admite, mau serviço, indiferença efalta de compromisso na solução deseus problemas. nem tudo é perfeito: aconstante evolução no setor privadoainda não pode ser comprovada nos serviços públicos. a busca da excelência,nos próximos anos, deve ser pautada paesse setor, pois o cdc deve valer patodas as áreas reguladas da economia Os Últimos 20 anos foram marcantes e decisivos no cenário político e econômico brasileiro. Após o malogro dos anos 80, com a expectativa de abertura política e a eleição de um presidente civil, uma série de experiências heterodoxas elaboradas por alquimistas econômicos surpreendeu a sociedade. Seus choques extraterrestres testaram os limites de resistência e pressão das cobaias ou súditos de plantão. Não havia consumidores. O clima de insegurança nas relações de consumo se materializava no frenesi da remarcação ininterrupta de preços e na total falta de respeito aos direitos mais elementares dos consumidores, vítimas constantes das mudanças das regras do jogo, das malfadadas tablitas, além da in ação que derretia o salário do trabalhador à razão de 2% ao dia, culminando no con sco de dinheiro logo no primeiro dia do governo Fernando Collor de Mello. Porém, a partir daí, talvez justamente como contraponto a tantos desajustes e desacertos, o Brasil começou a mudar e amadurecer. Em março de 1991, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), apesar de toda a resistência imposta pela imprensa e parte das empresas, o documento proporcionou ao consumidor o devido

Transcript of Capa - O Consumidor está no comando - demostenesfarias · Já a indústria química Rhodia foi...

Capa - O Consumidor está no comando Edição 156 - Março 2011

Qua, 23 de Março de 2011 17:03

Escrito por Roberto Meir, Thiago Borges e Valdir Antonelli

ao longo dos últimos 20 anos, as empresas tive m de ent r na linha para se adaptar ao cdc. uma vez vítimas, os clientes passa m a ter direitos e poder de escolha nas relações de consumo. a sociedade b silei não tole , ou admite, mau serviço, indiferença e falta de compromisso na solução de seus problemas. nem tudo é perfeito: a constante evolução no setor privado ainda não pode ser comprovada nos serviços públicos. a busca da excelência, nos próximos anos, deve ser pautada para esse setor, pois o cdc deve valer para todas as áreas reguladas da economia

Ao longo dos últimos 20 anos, asempresas tiverem de entrar na linha pase adaptar ao CDC. Uma vez vítimas, os clientes passam a ter direitos e poderde escolha nas relações de consumo.a sociedade brasilei não tolera ,ou admite, mau serviço, indiferença efalta de compromisso na solução deseus problemas. nem tudo é perfeito: aconstante evolução no setor privadoainda não pode ser comprovada nos serviços públicos. a busca da excelência,nos próximos anos, deve ser pautada paesse setor, pois o cdc deve valer patodas as áreas reguladas da economia

Os Últimos 20 anos foram marcantes e decisivos no cenário político e econômico brasileiro. Após o malogro dos anos 80, com a expectativa de abertura política e a eleição de um presidente civil, uma série de experiências heterodoxas elaboradas por alquimistas econômicos surpreendeu a sociedade. Seus choques extraterrestres testaram os limites de resistência e pressão das cobaias ou súditos de plantão. Não havia consumidores.

O clima de insegurança nas relações de consumo se materializava no frenesi da remarcação ininterrupta de preços e na total falta de respeito aos direitos mais elementares dos consumidores, vítimas constantes das mudanças das regras do jogo, das malfadadas tablitas, além da in ação que derretia o salário do trabalhador à razão de 2% ao dia, culminando no con sco de dinheiro logo no primeiro dia do governo Fernando Collor de Mello.

Porém, a partir daí, talvez justamente como contraponto a tantos desajustes e desacertos, o Brasil começou a mudar e amadurecer. Em março de 1991, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), apesar de toda a resistência imposta pela imprensa e parte das empresas, o documento proporcionou ao consumidor o devido

esclarecimento sobre os seus direitos e deveres como protagonista das relações de consumo. As empresas, enfim, tiveram de entrar na linha.

Um pouco de história

Eram os anos 1970, calças boca de sino e disco music tomavam conta do Brasil enquanto a economia crescia por volta de 10% ao ano. A Copa do México foi apenas uma desculpa, mas o número de televisores em cores vendidos cresceu no mesmo ritmo. Nos jornais, além das notícias cotidianas, imagens dos movimentos mundiais em defesa de consumidores insatisfeitos. Foi nesse clima que, em 1971, foi criado o Conselho de Defesa do Consumidor. Cinco anos depois, o governo paulista percebe as mudanças e cria o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor. Com isso, nasceu o primeiro Procon do Brasil, na cidade de São Paulo.

Os anos vão passando e em 1985 o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC ) foi criado. O sistema, coordenado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC ), integrava diversos órgãos públicos, Promotorias de Justiça, Defensorias Públicas, delegacias especializadas e associações de consumidores. No mesmo ano, a Lei da Ação Civil Pública é promulgada e possibilita ao Ministério Público, Estados e municípios a mover ações em situações que prejudiquem um grupo de pessoas.

As primeiras sementes para o Código de Defesa do Consumidor CDC ) foram jogadas e a Lei n° 8.078 foi sancionada em 11 de setembro de 1990, entrando em vigência seis meses depois. Com a sanção do CDC , os consumidores passaram a contar com a legislação em seu relacionamento com as empresas. O código trouxe inúmeras inovações como uma concepção nova de contrato de consumo, o controle das práticas abusivas, o direito de arrependimento, além de regras específicas para a publicidade e sanções administrativas.

Ato contínuo ao CDC , as empresas começaram a abrir os seus respectivos SAC s para atender reclamações e pedidos de consumidores. De forma bem rústica e amadora, diga-se de passagem.

Entre 1991 e 1995, o número de SAC s saltou de 20 para quase 300, deixando claro que as empresas perceberam o que os consumidores queriam. Hoje, de acordo com o Guia Brasileiro do Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC da revista Consumidor Moderno, são mais de cinco mil centrais de atendimento espalhadas por todo o País.

Passado e presente...

O código brasileiro nasceu como uma lei autorregulamentar e trouxe uma inovação importante: a inversão do ônus da prova, ou seja, a empresa tem de apresentar provas de que o problema de um produto foi causado por mau uso do consumidor. Depois de aprovado, as companhias passaram a ser responsáveis por quaisquer prejuízos causados por seus produtos e serviços; mas preocupado com o poder que estava dando ao

consumidor, o governo impôs um prazo máximo para que uma reclamação fosse feita, de 30 a 90 dias, mas com um senão: caso o cliente optasse pelo contato direto com a empresa, esse prazo simplesmente deixaria de existir.

Tais mudanças foram vistas como um incentivo à criação de canais de contato com o cliente, evitando, assim, que um problema simples fosse enviado à Justiça. O SAC se transformou então em um “mal necessário” para muitas empresas.

Apesar disso, algumas centrais de atendimento eram bem estruturadas, como a da Nestlé, que desde a década de 1960 mantinha um departamento para atender aos anseios de seus consumidores. A Sadia também se destaca quando, em 1982, cria o primeiro SAC gratuito do Brasil. Já a indústria química Rhodia foi responsável por nomear o primeiro ombudsman do País, Maria Lucia Zülker, em 1985. Mas a mais antiga central de atendimento do Brasil foi criada pela Johnson & Jonhson, na década de 1930, para tirar dúvidas sobre absorventes íntimos.

No setor financeiro, o Bradesco também se mostrava atento aos anseios de seus clientes e, em 1985, cinco anos antes de o CDC ser criado, criou o Alô Bradesco, primeiro canal de comunicação entre clientes e um banco do mercado financeiro brasileiro. E que, ainda hoje, é um importante instrumento estratégico da instituição.

Na Avon, o departamento responsável por receber as cartas dos consumidores foi instituído em 1959 e, desde 1993 a empresa adota o conceito de CRM e considera seu atendimento um referencial de mercado. “A Avon tem uma forte política global focada em relacionamentos, tanto com nossas revendedoras autônomas quanto com os nossos consumidores finais. Nos mais de cem mercados nos quais a companhia está presente, muitas vezes vamos além das leis que estabelecem a proteção ao consumidor. No caso específico do Brasil, temos um Código de Defesa do Consumidor que é exemplo para diversos países do mundo. É muito moderno e avançado se comparado com o dos Estados Unidos e o dos demais países da América Latina. É, principalmente, respeitado por empresas e pelo próprio consumidor, atingindo todas as camadas da população brasileira”, descreve Luiz Felipe Miranda, presidente da Avon Brasil.

“Esse cenário foi excelente para a Avon, uma vez que esclareceu os direitos e deveres das partes e possibilitou um diálogo ainda melhor com o consumidor. Somos uma empresa de relacionamento e todas as interações e feedbacks nos alimentam constantemente. Vale ainda dizer que o nosso código tem produzido impactos até fora do Brasil. A determinação do direito de desistência de produtos após sete dias, sem precisar apresentar motivação, por exemplo, foi adotada pela nossa política de relacionamento com o consumidor em nível global, independentemente da lei de cada país. Ou seja, o Brasil tem feito escola. E nós, como empresa presente em tantos mercados, tratamos de disseminar essa aprendizagem”, completa o executivo.

Mesmo com as mudanças, não bastava criar um SAC unicamente para atender à lei. Era necessário deixá-lo bem estruturado e até modificar processos internos das companhias. Com o amadurecimento do consumidor, as empresas que ofereciam o serviço apenas “por oferecer” eram rapidamente identificadas e corriam o risco de ver seus clientes migrando para os concorrentes.

Porém para isso acontecer foi necessário passarmos por um período de hiperinflação. Com a inflação chegando a absurdos 2.490,99%, em junho de 1994. O Plano Real foi lançado para tentar contê-la. As medidas implementadas pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, trouxeram o fim da inflação e a estabilidade da moeda.

Assim, em 1994, pode-se afirmar que o verdadeiro consumidor brasileiro começou a emergir. Com a estabilização dos preços, o consumidor readquiriu seu poder de comparar os preços relativos da economia e ser o árbitro que julga e decide quem vai prestigiar. Surgia o consumidor moderno que queria conhecer melhor e mais profundamente as empresas que prestigiava.

O maior benefício conquistado pelo cidadão brasileiro foi o poder de escolha nas relações de consumo. Ele poderia, caso quisesse, reivindicar as melhorias que achasse necessárias e com grande probabilidade de conseguir o que queria. Mas havia um entrave para a disseminação do conceito de relacionamento com o consumidor: o telefone. Em 1990, o telefone era um artigo de luxo. Uma linha de telefone fixo poderia custar cerca de US$ 10 mil e uma linha celular, muito mais. O acesso ao serviço era quase exclusivo das classes A e B. Até então, a maioria dos contatos feitos com as empresas era por carta.

Em 1998, foi dado um passo decisivo para a promoção da universalização do acesso com a privatização das teles. Saltamos de um patamar de 30 milhões de linhas xas e móveis para mais de 240 milhões em 12 anos. O consumidor não parou mais de se comunicar e fazer valer os seus direitos. A evolução do relacionamento entre clientes e empresas pode, assim, ser dividido em dois momentos: antes da privatização das teles e depois da privatização. O consumidor não tirou mais o fone do ouvido. Se antes só tinha direito quem tinha conhecimento, todos passaram a exigir esclarecimentos das empresas. As grandes companhias se estruturavam para atender à demanda de contatos feitos por telefone, mas também por fax, cartas e, mais timidamente, via e-mail.

SAC para todos

Com consumidores mais atentos – e com cada vez mais canais para falar –, as empresas passaram a ouvir o que tinham a dizer e a tomar atitudes. Por meio de pesquisas de satisfação em seus caixas eletrônicos, por exemplo, o Banco do Brasil aprimorou e criou serviços como o pagamento da fatura de cartão de crédito via internet no ano 2000. Também por conta do SAC, a Fleischmann Nabisco Royal (empresa que depois foi desmembrada em diversas outras) alterou a composição do an, do bolo pronto e do suco de caju Maguary. A Natura lançou a linha Mamãe e Bebê após cobranças das mães

consumidoras. Em outro caso, a Sadia foi informada das di culdades das pessoas para desgrudar a embalagem de papel do hambúrguer congelado e a Danone mudou a tampa de seu iogurte batido depois que consumidores relataram ser difícil abrir o produto sem derramá-lo.

O SAC se revelou, ainda, preparado para avaliar se uma ação promocional havia dado certo ou não. Em 1995, o Grupo Boticário disponibilizou um cupom que dava direito ao livreto “100 Truques de Beleza”. A empresa esperava receber 12 mil respostas. Chegaram mais de 84 mil cartas e o SAC foi responsável pela comunicação com esses consumidores.O Grupo Boticário, aliás, já tinha alguns anos de experiência com a central de atendimento antes mesmo de a lei entrar em vigor. Seu SAC foi lançado em 1989, dois anos antes do CDC começar a valer. “Essa iniciativa demonstra o respeito que sempre tivemos com os nossos consumidores, além de fortalecer as diversas ações que os colocam no centro de nossas ações e atenções. Além de cultivar esses relacionamentos, queremos também aumentar a fidelidade dos consumidores com as nossas marcas", atesta Artur Grynbaum, presidente do grupo.O comércio eletrônico também dava seus primeiros passos, apesar de o País ter apenas três milhões de usuários em 1998. Os poucos milhares que ousavam comprar pela rede enfrentavam um sistema que não era imune a falhas humanas. A estudante Silvia Molnár, de Vargem Grande Paulista, por exemplo, comprou um CD pela internet há 11 anos e, apesar de o endereço de recebimento estar correto, teve seu pedido expedido para outra cidade. A empresa responsável pela entrega confundiu as localidades e mandou a compra para Vargem Grande do Sul, a 300 quilômetros da casa da consumidora. E o Submarino, que no Natal passado virou o alvo preferido dos consumidores no Procon paulista, capengava desde aquela época. No Natal de 1999, o site subestimou a capacidade de consumo dos internautas e deixou milhares de clientes sem os presentes entregues na data prometida.

Jeitinho Brasileiro

Aos poucos, as informações sobre o histórico de contatos do consumidor, mais dados sobre seus hábitos e expectativas de consumo passaram a ser os maiores ativos das empresas. Diversas ferramentas tecnológicas começaram a chegar ao País para auxiliar nesse relacionamento. O grande desa o das companhias era colocar o cliente no centro dos negócios e os dados gerados no autoatendimento, na internet, por e-mail ou telefone, passaram a ditar o rumo da relação.

Esse esforço não seria apenas do marketing ou do SAC, mas de todos os funcionários da empresa, senão qualquer falha poderia fazer ruir todo o bom relacionamento. O SAC é o departamento que dá a “cara para bater”, não importa se o problema foi causado pelo segurança da empresa. Assim, no começo do século 21, o setor apostou em sua pro fissionalização e, principalmente, na tecnologia.

Menus eletrônicos (U s), scripts engessados, atendimentos robotizados. Na fase de estruturação de suas centrais de relacionamento com o cliente, as empresas brasileiras

adotaram padrões e tecnologias utilizados em escala mundial. Isso passava pela substituição de so ware e a implantação de sistemas integrados de gestão (ERP). Ainda assim, a naturalidade com a qual o atendente brasileiro servia aos clientes continuava sendo o principal diferencial.

Segundo Marco Simões, vicepresidente de comunicação e sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, o CDC ajudou a empresa a reavaliar a forma como oferece seus produtos, além de servir de referência para outros mercados. “A experiência de atendimento a milhões de consumidores em nosso SAC e o desenvolvimento de promoções massivas com resultados de qualidade, são alguns dos exemplos de como o Brasil contribui para nossos processos globais”, aponta.

Em 2001, por exemplo, o pessoal do SAC da Coca-Cola se sentiu “internacional”. Naquele ano, consumidores americanos, espanhóis, portugueses, ingleses e de outros países ligaram para a central brasileira. Eles ficavam sabendo de produtos lançados exclusivamente para nosso mercado e queriam receber em suas casas esses itens, além de brindes e latas comemorativas. Quando tinha em estoque, os brasileiros mandavam para lá.

Para Simões, o código fez com que as empresas entendessem suas responsabilidades. “A sofisticação crescente da economia brasileira nos últimos anos é resultado não apenas de fundamentos macroeconômicos bem aplicados, mas também da relação entre cidadãos e empresas mais conscientes de seus direitos e deveres”, diz.

Tecnologia ou marketing?

No ano seguinte, os executivos começaram a falar sobre um novo conceito, também de fora: o tal do CRM. Roberto Meir, publisher da Consumidor Moderno, foi um dos precursores do conceito no Brasil, em 1997. A sigla em inglês significava, originalmente, marketing de relacionamento com o cliente. Porém o que se viu nos Estados Unidos foi a substituição do “M” de CRM por “management”, ou gestão. O novo conceito consiste na compilação de informações sobre os hábitos de cada cliente em sistemas informatizados.

Desde o início, a Consumidor Moderno alertou aos executivos de que nada adiantaria adotar o CRM no Brasil sem antes existir uma filosofia corporativa de atendimento. Poucas companhias acreditaram no conceito logo de cara. Um estudo feito pela revista em 2002 revelou que, apesar de 73% das empresas investirem em pesquisas de satisfação, somente um quinto delas apostava na gestão de relacionamento com o cliente. Poucas delas também direcionavam recursos a ações de retenção (20%), lealdade (14%) e marketing de relacionamento (23%).

Um exemplo de relacionamento da época, ainda que discreto, foi o realizado pelo Sé Supermercados em pleno Carnaval. A rede lançou um e-mail marketing a milhares de consumidoras com um convite a comprar em sua loja virtual. De quebra, elas ganhariam

um porta-cervejas com três garrafas dentro. A campanha, também divulgada nas lojas físicas, superou as expectativas em 60% e teve um efeito inesperado: atingiu o público masculino, interessado nas loiras geladas.

Já a seguradora Icatu Hartford foi pioneira ao lançar seu Clube de Serviços – uma maneira de estreitar o relacionamento com o cliente antes que ele batesse o carro ou sofresse um assalto a sua casa. Válido para todos os segurados, o programa dava descontos em restaurantes, cinemas, hotéis e cursos de idiomas, e descontos de até 30% em medicamentos em 900 drogarias. Além dos clientes, os funcionários e corretores da Icatu também tinham acesso ao programa.

Se o CRM demorou a ganhar a adesão das empresas por aqui, seja para o bem ou para o mal, os consumidores se mostravam insatisfeitos e encontraram um novo canal para soltar o verbo: a internet. Ainda em 2002, o jornalista Maritonio Barreto comprou um veículo da Fiat que, mesmo após passar o prazo de entrega combinado, não mandou o carro ao comprador.

Barreto tentava contato via e-mail, pelo 0800 e até pessoalmente, mas não obtinha resposta. Insatisfeito, criou um site contando todas as agruras do processo e tirou fotos de si vestido de palhaço. Foram 330 mil acessos à sua página, o que surpreendeu até mesmo ele próprio. No fim, a Fiat devolveu o dinheiro ao cliente. Depois do episódio, mais e mais empresas começaram a vivenciar – e aprender – que a internet poderia representar uma pedra no sapato para os negócios.

De volta

Ignorado no início, o CRM retornou à pauta das mesas de reunião em 2003. Para checar periodicamente os processos abertos na central de atendimento e delizar o motoristas de sua Courier, a Ford criou comitês de qualidade e lançou o Clube do Picapeiro com 29 mil sócios apaixonados. Ainda que ganhasse importância, o conceito de gestão do cliente não se aplicava a todas as ações. Na Kra Foods Brasil, por exemplo, a direção sabia que tinha consumidores fieis à marca há 30 anos que não utilizaram canais de relacionamento. Por outro lado, alguns clientes recentes não paravam de entrar em contato.

Por meio do SAC, as empresas aprendiam dia a dia como satisfazer a clientela. A Gol, logo no segundo ano de operação no País, foi a primeira empresa aérea brasileira a criar um banheiro só para mulheres em suas aeronaves. O CDC é um dos aspectos que guiam a companhia. “Somos uma empresa de serviços, que transporta 90 mil passageiros por dia em uma atividade em que nem todas as variáveis de atendimento estão em nossas mãos. Dependemos do clima, que fecha aeroportos e interrompe o tráfego aéreo em todo o País. Por isso, estamos sempre trabalhando na busca da excelência”, argumenta Rogério de Castro Pereira Nunes, diretor de atendimento ao cliente.

O McDonald’s lançou o programa “Acessibilidade”, que institui preços reduzidos de produtos conforme o dia e horário. Foi também pela central que a Motorola tomou conhecimento de um lote de baterias de celular que apresentaram problemas de oxidação e, a partir daí, realizou a substituição delas. A maior parte dos contatos ainda era por telefone, mas o e-mail se tornava cada vez mais presente: 92% tinham um endereço eletrônico.

Nem só de flores foi o ano marcado como o primeiro da administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Surgiram os SACs com pre xo de telefone 4000 (em que o valor da ligação é compartilhado entre quem faz e quem recebe) e 0300 (cuja chamada é paga exclusivamente por quem faz). Tentativa de frear o consumidor disposto a reclamar?

Além disso, uma tendência satisfatória registrada anos atrás não se con rmava. Oito em cada dez companhias não tinham ombudsman, função iniciada no País em 1985 pela Rhodia e consolidada por Vera Giangrande, do Grupo Pão de Açúcar, entre 1993 e 2000, ano de sua morte. Destaque para os bancos e administradoras de cartões de crédito: 46,1% deles tinham alguém para apoiar os consumidores dentro das companhias.

Um novo padrão

Fale o que eles querem ouvir. Com esse pensamento, empresas ao redor no mundo mudaram suas estratégias de marketing. Elas não vendem mais produtos e serviços. Vendem prazer, prestígio e sucesso. O xampu Clear Head, da Origins, promete limpar não só os cabelos, mas também a mente; os spas deixaram de ser locais para perder peso e embelezar para se transformar em centros de relaxamento; a linha de risotos da Uncle Bean’s promete elevar o espírito; a Air France abandonou os aviões para colocar uma pessoa em pose de ioga em suas peças publicitárias.

Entretanto, no Brasil, a grande mudança ainda estava por acontecer: o surgimento de um novo consumidor, vindo das classes menos abastadas da população. Foi naquele ano que os olhares dos executivos se voltaram para a base da pirâmide. Todos deram razão a C. K. Prahalad, guru indiano que elegeu a Casas Bahia como um dos 12 cases de sucesso a serem retratados em seu livro sobre a importância de nanciar o consumo entre a baixa renda.

O negócio criado em 1952 pelo imigrante polonês Samuel Klein virou modelo para quem queria vender para as classes C e D. Sem acesso ao banco, e muito menos a crédito, esse público viu seus desejos de consumo atendidos – e nanciados – pela rede varejista. O índice de inadimplência, de 4%, era metade da média nacional.

A família Klein fez em larga escala o que o comércio de bairro já fazia localmente: a relação de con ança no cliente, o pagamento direto no local, em várias prestações. Todos queriam saber o que a Casas Bahia tinha de tão especial. A empresa se consolidou quando

ocupou o antigo prédio do Mappin, no centro de São Paulo e endereço de sua 394ª loja. Alguma dúvida de que o mercado estava se transformando?

Nos anos seguintes, o salário mínimo crescia, a renda média da população também, os juros caíam e a expectativa era de que o crédito teria um boom. O cenário se con rmou: enquanto em janeiro de 2001 o crédito equivalia a 27,4 % do PIB nacional, dez anos depois esse índice chegou a 46,5%. Diretores de empresas, estimulados pelo sucesso da Casas Bahia, também queriam chegar à camada de baixo do mercado. O Walmart criou bandeiras específicas para atender esse consumidor, especialmente no Nordeste.A Nestlé passou a vender seus produtos porta a porta. Os bancos criaram linhas de microcrédito sob medida. E, mais recentemente, empresas aéreas e agências de turismo – como TAM, Gol e CVC – abriram lojas ou criaram parcerias com varejistas da periferia para vender passagens e pacotes de férias a essas pessoas.

Mais consumista, esse público também passou a reclamar com maior frequência. De 359,8 mil atendimentos feitos pelo Procon–SP em 2005, o número saltou para 630,7 mil em 2010. Não por acaso as empresas elevaram seus investimentos em CRM. Finalmente o conceito ganhou mercado.

Uma pesquisa feita pela Accenture em 2006 apontou que 90,2% dos entrevistados aplicaram na área nos três anos anteriores, sendo que dois terços deles investiram mais de R$ 1 milhão. Cerca de 70% investiram em atendimento ao cliente, que recebeu maior parte dos recursos, conforme Consumidor Moderno previu anteriormente.

Um exemplo disso é o serviço implantado pela CPFL Energia em seu contact center. Logo após receber a ligação do consumidor, a URA identifica pelo número de telefone se houve falta de energia em seu bairro ou cidade e qual a previsão de restabelecimento. Também passou a ser valorizada a decisão do consumidor na produção dos itens.

A Dell trouxe para o Brasil seu modelo participativo, que permitiu pela primeira vez ao comprador optar pelos componentes e aplicativos de seu computador. É na informática que a história das relações de consumo tem outra reviravolta.

A era 2.0

Na década de 90, as empresas ianques, cansadas do consumidor “reclamão”, trabalhavam para reverter as expectativas da clientela. Pelas URAs e até nos pontos de venda, a ordem era fazer o consumidor esperar até que desistisse de falar mal. Os americanos viraram zumbis. Até aparecer a blogosfera – um dos primeiros pontos da web 2.0 – que deu aos internautas a chance de eles mesmos serem criadores, geradores e distribuidores de mídia.

Apesar das dificuldades, alguns não desistiram da luta. Jeff Jarvis, um blogueiro americano, teve uma experiência ruim com um equipamento da Dell. Cansado de pedir ajuda para a

empresa, que foi incapaz de oferecer ajuda, resolveu criticar a companhia em seu blog. Rapidamente, outros clientes insatisfeitos começaram a postar comentários negativos sobre a empresa na grande rede e o blog de Jarvis, rapidamente, tornou-se um dos mais acessados na web e chamou a atenção de grandes veículos de comunicação. Depois de toda a confusão, a Dell resolveu o problema do blogueiro e lançou o projeto IdeaStorm, comunidade que recebe ideias de consumidores para seus produtos.

No Brasil, com a aprovação da Lei do Bem pelo governo federal, que dá subsídios à indústria nacional de PCs, em 2005, o País vive um boom de vendas de computadores. Se, nos anos 90, o anseio coletivo invocava o direito a uma linha telefônica, agora o atraso reside na necessidade da inclusão digital para proporcionar para a população o acesso à banda larga. Atualmente são 76 milhões de internautas, sendo que apenas 14 milhões dispõem de banda larga – o que ainda hoje impede que a web 2.0 seja o principal SAC dos brasileiros.

Com conexão rápida ou não, o consumidor brasileiro reforçou o que Maritonio Barreto fez em 2002: utilizar a rede mundial de computadores para fazer valerem seus direitos. Pipocaram blogs e comunidades no Orkut do tipo “Eu odeio a empresa X”. Quanto mais rápida e acelerada for essa inclusão mais incêndios para apagar terão as empresas ao se confrontarem com tsunamis frequentes de comentários desabonadores ou situações embaraçosas escancaradas para conhecimento de todos, pelo poder viral das redes sociais.

Exemplo disso é o caso mais recente de um cliente insatisfeito com a Brastemp que gravou um vídeo, publicou no YouTube e foi um dos assuntos mais comentados no Twi er entre o nal de janeiro e o começo de fevereiro deste ano. Os executivos conheceram o consumidor 2.0.

Foi em 2007 que teve início essa era da transparência no relacionamento empresa–cliente. Os consumidores já não esperam que as empresas sejam perfeitas, mas exigem que sejam conscientes de suas falhas e que tomem atitudes para resolver os problemas dos produtos fabricados por elas.

A Unilever notou um aumento nos contatos via e-mail entre 2006 e 2007. O Bradesco percebeu a existência de um consumidor mais antenado e passou a monitorar suas ações nesses canais de compartilhamento, bem como o Grupo Boticário. A Ford passou a se comunicar com os consumidores via blogs e comunidades virtuais. A Claro reconheceu que a imagem do setor é muito ruim entre a população e também lançou seu blog, o primeiro de uma empresa de telecomunicações, em 2008. E daí por diante.

A Tecnisa é outra grande empresa que se destaca por ações inovadoras e relacionamento com o cliente. Foi a primeira grande empresa brasileira a criar um blog corporativo, além de atuar com podcasts, vídeos no YouTube presenças no Second Life e Flickr e atendimento 24 horas por chat. Foi também a primeira a apostar em nichos de mercado,

como o GLBT, o serviço de pós-venda é o único do mercado com 42 pontos de contato, da assinatura até a entrega das chaves. A companhia também investe em seus atendentes. Em 2008, criou as “pílulas descongestionantes”, palestras sobre qualidade de vida e até aulas de dança para descontrair o ambiente de trabalho e manter o bom humor de sua equipe.

Qualidade a qualquer custo

Dor de cabeça por um lado, oportunidade pelo outro. Em 2008, as empresas descobrem que as redes sociais não são um bicho-papão se forem bem geridas. Lançam blogs, monitoram comunidades, criam campanhas para fidelizar a clientela e conhecem o Twitter – que virou febre no ano seguinte. Enquanto alteravam a forma de se relacionar com seu público pelos meios digitais, outro desafio se avizinhava às companhias – novamente imposto pelo governo.

Dentro do processo de contínua evolução das relações de consumo, em 2008 o Decreto Lei nº 6523 regulamentou a qualidade dos serviços dos SACs de diferentes setores de serviços, como financeiro, aviação civil, abastecimento de água e energia elétrica, transportes terrestres, planos de saúde, telefonia móvel e fixa, acesso à internet e TV por assinatura. Nesse caso simplesmente não se encontra procedimento similar em nenhum outro país do planeta.

Muito mais do que a regulamentação, existe o anseio da sociedade brasileira e de seus consumidores, que simplesmente não toleram e não admitem um mau serviço, indiferença ou falta de compromisso das empresas na solução de seus problemas. Diga-se de passagem: todas essas práticas e técnicas de retenção de clientes ou dificuldades para cancelamentos ou atraso e demoras nas solicitações de reembolso e estornos são corriqueiras nos chamados países de Primeiro Mundo.

No mês de novembro, às vésperas da promulgação da lei do SAC, as empresas correm e investem no atendimento. Mesmo a lei valendo apenas para alguns segmentos do setor de serviços, os consumidores passaram a exigir tratamento igual quando entravam em contato com empresas fora da obrigação. Alguns, antes mesmo que a lei começasse a valer, já lançavam mão de artigos em seus contatos com o SAC. O alvoroço causado foi semelhante à época do CDC, que entrou em vigor em 1991.

No caso da nova lei, o atendente deixa de ser um simples funcionário para se tornar a própria personificação da empresa. Entre as normas da lei, estão a opção de o usuário poder falar com o atendente no começo da chamada e o limite de 60 segundos para espera na fila. Apesar das dificuldades, as empresas tiveram uma oportunidade única de qualificar seu atendimento.

A Nestlé, por exemplo, apesar de não ser obrigada a adotar os padrões exigidos pela lei, aproveitou o momento para reavaliar com base nos parâmetros legais quais pontos

poderiam ser melhorados. Empresas como a TAM se anteciparam e um mês antes já operavam no esquema 24 horas por sete dias da semana, o 24x7. No Bradesco, a ideia era utilizar os atendentes em outras áreas da corporação, porque eles já sabiam muito bem do produto do qual estavam falando e poderiam se encaixar facilmente em outros departamentos.

Qualquer foco de insatisfação, mesmo de uma minoria pouco significativa, poderá, em um futuro próximo, desencadear críticas e reclamações que, no limite, poderão até macular a própria reputação corporativa. Por isso, muitas empresas abriram mão de seus próprios direitos para satisfazer os consumidores. Por exemplo: produtos sem defeito, a não ser que vendidos a distância, não precisam ser trocados pelos vendedores e fornecedores. Por uma questão cultural de quem compra, as companhias fazem uso da liberalidade.

O varejo, por sua vez, ganhou uma nova cara. Para atender consumidores com menos tempo, farmácias como a Pague Menos aumentam o espaço nas gôndolas para não remédios; supermercados como Pão de Açúcar e Walmart oferecem serviços como rotisserie, sushibar, lan houses, bancos, correios e postos de gasolina; e os próprios postos de gasolina se transformam em minicentros comerciais, como os da rede Ipiranga, com loja de conveniência, oficina mecânica, borracharia e fast-food.

De acordo com Enéas Pestana, presidente do Grupo Pão de Açúcar, o foco está no cliente e na nossa gente. “Baseados nos valores – humildade, disciplina, determinação e garra e equilíbrio emocional. O Código de Defesa do Consumidor é fundamental nesse processo e há 20 anos faz parte do nosso compromisso e do cotidiano das nossas operações e do nosso atendimento. Da criação do cargo de primeira ombudsman do varejo brasileiro, em 1993, ao desenvolvimento de políticas e diretrizes da Casa do Cliente, temos muito orgulho de ter colaborado com a melhoria das relações de consumo no Brasil e de ainda poder evoluir nesse processo com uma participação ativa nas discussões e na modernização do código”, explica o executivo.

Em 2009, em plena vigência da lei do SAC, surge uma tendência que visa simplificar, harmonizar e humanizar o relacionamento com o cliente. A Portugal Telecom (PT), por exemplo, realizou o Brainshop, evento que reuniu parceiros, clientes e convidados para opinarem sobre como a empresa poderia ficar mais próxima de seus clientes.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também encarou como principal desafio de 2009 a melhora na qualidade na prestação de serviços e no atendimento das reclamações. Da mesma forma, o Banco do Brasil entendeu que é necessário responder à demanda do cliente e os Correios lançaram um segundo site de atendimento focado na customização do atendimento. Já a CPFL Energia muda a forma de atendimento e utiliza a palavra “relacionamento” ao lançar o projeto “Ligado no Cliente” que prevê 54 ações que impactam essa relação.

No setor de serviços, o Fleury Medicina e Saúde tem o relacionamento focado no cliente. “Na cultura de nossa empresa sempre tivemos um foco genuíno em prestar um bom atendimento aos nossos clientes, sejam eles médicos ou seus pacientes. Essa característica sempre norteou a nossa postura empresarial e, por isso, quando o Código de Defesa do Consumidor surgiu, já estávamos naturalmente adaptados à legislação”, garante Wilson Leite Pedreira Jr, diretor-executivo de medicina diagnóstica do Grupo Fleury.

A empresa é considerada um modelo de referência pelo atendimento personalizado oferecido aos seus clientes e chamou atenção dos americanos. Hoje, a empresa tem parcerias internacionais que lhe permitem trazer para seus clientes os serviços e know-how de centros de referência como a Clínica Mayo, em Minnesota, nos EUA. Em relação ao atendimento, o caminho é contrário, os americanos aprendem como atender o cliente com o pessoal do Fleury.

Já a Sky efetua uma série de treinamentos e deixa claro que é preciso tratar bem quem trata do seu cliente, além da utilização de tecnologia de ponta. A empresa detém um dos melhores níveis de serviço telefônico no Brasil. Para isso, mantém uma equipe com cerca de 1.600 posições de atendimento para atender os clientes da empresa. Hoje, a gestão da Sky é diferenciada, em vez do custo de algum problema com o cliente impactar no SAC, ele é direcionado para a área que causou a insatisfação do consumidor.

Vito Chiarella, vice-presidente de clientes da Sky, destaca que o CDC deu um papel ativo ao consumidor, deixando de ser apenas um mero comprador de bens e serviços conhecedor de seus direitos e exigente quanto à qualidade. Ele a rma ainda que o código é exemplo de como Estado, empresas e consumidores podem se aliar e construir uma relação em que todos saem ganhando.

As empresas também “descobriram” que é preciso interagir com o consumidor pelo canal que ele prefere. E-mail, Twi tter, telefone, não importa o canal, as centrais de relacionamento precisam agregar as novas formas de interação. A Fiat apostou na internet para colher palpites para a criação de um novo carro. O resultado foi o Fiat Mio. “Investimos na melhoria constante da qualidade dos nossos carros e no relacionamento com os consumidores, tanto por meio do melhor atendimento nos serviços de venda e de pós-venda nas nossas concessionárias, quanto nos diversos canais de comunicação que mantemos abertos”, aponta Lélio Ramos, diretor comercial da montadora.

Na Vivo, o presidente Roberto de Lima lançou seu perfil pessoal no Twitter (@robertodelima) para interagir pessoalmente com colaboradores, consumidores e futuros clientes. As grandes redes de varejo também descobrem o Twitter e passam a utilizá- lo de forma proativa, “indo atrás” do consumidor. O Walmart vai além e internaliza seu contact center, abrindo mão da terceirização.

Mas a maior mudança para o consumidor se deu na Telefônica. A empresa, que chegou a ser proibida de vender o Speedy por problemas em sua infraestrutura de rede, realizou o “Telefônica em Ação”, que melhorou o atendimento ao consumidor. De março a setembro de 2009, período das mudanças, as reclamações no Procon caíram 60%.

Para a Losango, braço de varejo do Grupo HSBC, o importante é dar valor às pessoas. Seu presidente, Hilgo Gonçalves, é um dos poucos a caminhar pela empresa para conversar com seus funcionários. Na opinião dele, é importante fazer com que os colaboradores busquem soluções simples e eficazes para os problemas. Isso reflete na forma que a empresa cuida de seus clientes. A Losango mantém uma área de customer experience que reavalia constantemente o script de atendimento e analisa as reclamações feitas no Procon.

“Nós, do Grupo HSBC, seguimos sempre o princípio que o cliente está no centro de tudo e atuamos em conformidade com o CDC”, explica Gonçalves. “A Losango tem como missão estar ao lado dos seus mais de 23 mil varejistas de todo o Brasil, oferecendo soluções de produtos e serviços financeiros para atender os consumidores finais. Há 40 anos no mercado, procura atuar de forma transparente, garantindo uma relação respeitosa e sustentável em toda a cadeia produtiva visando, com isso, levar benefícios a todos, especialmente ao consumidor”, completa.

Da mesma forma, o atendimento pelos contact centers melhorou como um todo em 2010. Um estudo feito pelo Portal Call Center, da Padrão Editorial, em parceria com a Associação Brasileira de Relações Empresa– Cliente (Abrarec) revelou que 77% das corporações já atendiam em um minuto, 93% mantêm um número 0800 e 83% possuem a alternativa de cancelar e falar com um atendente. Estima-se que mais de R$ 1 bilhão foi investido no setor com a lei do SAC e mais de cem mil empregos foram criados por conta disso.

Em 1998, a Atento entrou no Brasil e foi precursora no lançamento de um call center mais moderno no País ao trazer tecnologias de ponta para o atendimento ao consumidor. “Acreditamos que todas as regulamentações criadas após o CDC (como lei do SAC) fortalecem nosso setor e possibilitam uma evolução ainda maior na qualidade do atendimento e qualificação de seus profissionais. Por isso, nós mantemos nosso compromisso de melhoria contínua na prestação de nossos serviços. Somos uma companhia que continuamente avalia todos os serviços ofertados e atua diretamente no aprimoramento da qualidade, bem como no cumprimento da ética nos processos, do respeito ao consumidor e na razão principal, a completa satisfação do cliente”, explica Nelson Armbrust, diretor regional da Atento no Brasil.

Para a Liquigás, o compromisso vai além do código. “Somos pioneiros e únicos do setor a possuir uma ouvidoria”, observa Antonio Rubens Silva Silvino, presidente da distribuidora de gás que atende mais de 35 milhões de clientes. Além de treinar seus mais de quatro mil revendedores, a empresa também tem parceria com o Corpo de Bombeiros de diversos Estados em campanhas de prevenção de acidentes domésticos.

Ainda assim, algumas deficiências persistiam. A assistência técnica autorizada da Samsung em Porto Alegre, por exemplo, não atendia produtos da linha branca. Hoje, consultada por nossa reportagem, a loja já atende a esse tipo de produto. Já a Whirlpool, especialmente por conta da demanda das classes C e D, em 2009 ampliou em 35% sua rede de autorizadas para Brastemp e Consul no Norte e Nordeste. São cerca de 500 autorizadas no País.

“Um ponto primordial para a Whirlpool é oferecer ao consumidor um atendimento pós-venda especial e eficaz. Para garantir esse padrão de qualidade de atendimento, treinamos periodicamente nossa rede de serviços e os 400 operadores do SAC. Em 2010, também dobramos o nosso time de consultores que têm como foco orientar, supervisionar e apoiar a rede autorizada quanto aos produtos, atendimentos e serviços. Na empresa, os consumidores, e não apenas o CDC, definem nossas ações, processos e decisões”, comenta Fabio Armaganijan, diretor de serviços e peças da Whirlpool América Latina.

O setor privado aprendeu...

A evolução não parou. Se no início o exercício dos direitos do consumidor era privilégio de poucos, com o aprendizado constante, o noticiário e a forte presença da mídia, dando destaque e generosos espaços a assuntos de consumidores, pouco a pouco o conhecimento dos direitos do consumidor e do CDC foram se alastrando pelos quatro cantos do País e para todos os segmentos da economia.

A Net, maior operadora de TV a cabo do País, por exemplo, encontrou no código um aliado para refinar processos internos da empresa. “O reconhecimento da sociedade, da imprensa especializada e dos órgãos de defesa dos consumidores só vem a confirmar toda a dedicação da Net em oferecer ao cliente a melhor opção em serviços inovadores aliada a um atendimento de qualidade”, observa Vera Rennó, diretora de ouvidoria da empresa.

Não obstante esses avanços, o CDC causou também, por estranho que possa parecer, perplexidade e incredu lidade por parte de representantes de empresas globais no País. Muito provavelmente, algumas delas teriam repensado os seus investimentos nos trópicos, se tivessem conhecimento da abrangência, penetração e popularidade do código na sociedade brasileira.

Fruto do livre relacionamento com centenas de empresas no Brasil e no exterior, foi atestada a pouca familiaridade ou preocupação de empresas globais com o conceito de “direitos do consumidor”. E é aí que se pode reverenciar a magnitude da obra do CDC e dos juristas e notáveis responsáveis por sua redação e elaboração. A simples obrigatoriedade da rotulagem contendo o prazo de validade de todos os bens de consumo não duráveis comercializados no Brasil não é seguida na maior parte das nações ditas desenvolvidas, mormente nos Estados Unidos, o templo do consumo mundial.

Essa incrível evolução do consumidor, em processo de constante mutação, tem tirado o sono de muitos executivos e desconstruindo diferentes estratégias empresariais. Embora muitas empresas tenham se esmerado na arte de privilegiar e incentivar políticas de relacionamento e interatividade de forma cristalina e transparente, é necessário profetizar que a distância das melhores práticas disponibilizadas e a percepção do serviço recebido pelo consumidor irão aumentar cada vez mais.

Com base na experiência de quem acompanha e testemunha passo a passo cada etapa da evolução e transformação do consumidor, recomenda-se às empresas e seus estrategistas de marketing a priorização de investimentos para o aprimoramento dos níveis de serviço na busca da excelência aliada a uma comunicação transparente e interativa que propicie o engajamento dos consumidores.

Velhos hábitos e práticas devidamente enraizados nas estratégias de marketing devem ser literalmente aposentados ou abolidos, como: propaganda enganosa, falta de informações, contratos longos e repletos de entrelinhas, cobrança de taxas e serviços não contratados, mudanças unilaterais de contratos, extratos e boletos inconsistentes e uma série de outras iniciativas cujo objetivo implícito é facilitar a obtenção de vantagens para as empresas, a partir da ignorância ou desconhecimento dos consumidores.

Aos executivos (ou caçadores) que ainda insistem no uso destas artimanhas, um lembrete: em diversas situações, você também é um consumidor (ou caça) incauto e devolve, como pessoa física, aquilo que pratica na jurídica.

O aprimoramento notado desde a instituição do CDC, apesar do doloroso processo, fez bem às empresas. Elas aprenderam como satisfazer os clientes brasileiros e muitas conquistaram o mundo. Como exemplo, a Ambev, que se fundiu com a belga Interbrew em 2004 e, quatro anos depois, comprou a Anheuser-Busch – fabricante da cerveja-símbolo dos Estados Unidos, a Budweiser. Vale e Petrobras se tornaram players mundiais em seus setores. Outro caso é o do Burger King, que em meio à crise financeira viu seu valor de mercado despencar e foi comprado no ano passado pelo fundo brasileiro 3G Capital por US$ 4 bilhões.

Fora isso, ao longo da última década, uma onda de fusões e aquisições tomou conta do País. A PricewaterhouseCoopers registrou uma média de 384 transações entre 2002 e 2005 e 645 entre 2006 e 2009. Só em 2010, foram 787 uniões entre empresas no Brasil. Casos como a da Sadia com a Perdigão, que deu origem à gigante global BRF; a fusão entre a JBS e a Bertin; a compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil por US$ 2,2 bilhões; a venda do Banco Real ao ABN Amro e, anos depois, a compra do mesmo pelo espanhol Santander; a aquisição da Chocolates Garoto pela Nestlé; a fusão entre Itaú e Unibanco, originando o maior banco privado brasileiro; a compra do Ponto Frio pelo Grupo Pão de Açúcar e, depois, a fusão com a Casas Bahia, que deu origem ao maior conglomerado varejista nacional; a associação entre Ricardo Eletro, Insinuante e City Lar; entre outras.

... Agora falta o se tor público

Essas empresas tiveram, ou ainda têm, que adaptar seus sistemas e centrais de atendimento e integrar os processos internos para manter sua boa imagem no mercado. Não por acaso, o Brasil se tornou o segundo maior polo de relacionamento do mundo, com mais de 1,5 milhão de profissionais atuando no segmento – muitos deles, inclusive, que encontraram no setor seu primeiro emprego. Vale lembrar que, até 2008, uma a cada quatro vagas geradas no País era na área de relacionamento.

Por outro lado, o que se percebe, é que a constante evolução que constatada no setor privado durante os 20 anos de vigência do CDC não se notou nos serviços públicos.

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) paulistana tem apenas 30

funcionários em sua central de atendimento, que recebe cerca de duas mil chamadas por dia, e não pode contar, por exemplo, com um índice de satisfação capaz de mensurar os resultados do seu trabalho. A maioria das ligações é sanada pela URA e as reclamações chegam por diferentes canais: telefone 156 (da prefeitura), número oficial para contato 1188 (da CET) e o Fale com a CET (pelo site). A companhia tenta sanar algumas dificuldades com a inclusão de informações no site, como a situação em tempo real das vias monitoradas da cidade. Porém se o usuário perguntar em quanto tempo receberá uma resposta terá que se conformar com a frase: “daremos um retorno o mais breve possível”.

A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) – que atua em 200 municípios do Estado de São Paulo, nas áreas de saneamento, gás e energia elétrica – só passou a fiscalizar os serviços da Sabesp na capital no final do ano passado, quando a prefeitura a autorizou. Além disso, possui ouvidoria, mas não obtém dados precisos sobre as reclamações. Isto é, nem toda queixa é tabulada e nem tudo que se vê em suas amostras condizem com a realidade.

Órgãos como o Detran e outras agências de água e esgoto do País não possuem sistema automatizado e tentam, sem muitos recursos (investimento e funcionários), registrar os principais problemas em planilhas, manualmente.

Há ouvidorias recém-formadas, nas quais o papel de cada funcionário ainda não está claro e, por isso, não há uma tabulação das reclamações que recebem. Um exemplo clássico é o

que acontece com as principais companhias de água e esgoto do País. Como não há um órgão controlador de fato, que centralize ou acompanhe o que acontece com as instituições, cada uma das ouvidorias possui autonomia para administrar as demandas da maneira que achar melhor. Sendo assim, muitas alegam não fazer esse controle de reclamações e, por tabela, não sabem a quantidade e o fluxo das demandas que chegam.

Apesar de os governos federal, estaduais e municipais terem melhorado a questão das ouvidorias, ainda há o que fazer. Em 2010, eram 150 ouvidorias públicas para atender o cidadão, com mais de três milhões de atendimentos realizados. Porém apenas 200 municípios contam com uma ouvidoria.

Por outro lado, algumas agências seguem na contramão e controlamde fato as informações recebidas: Aneel (setor elétrico), Anac (aviação civil) e Anvisa (vigilância sanitária). A ANTT – que regula os serviços federais ferroviários, terrestres e rodoviários – inaugurou recentemente sua área de defesa dos usuários para apoiar mudanças administrativas internas e se esforçar para fazer valer, por exemplo, a lei do SAC estabelecida pelo CDC.

Outro ponto: o Código de Defesa do Contribuinte, de 1999, continua parado no Parlamento até hoje, mais de uma década depois de ser apresentado. O projeto de lei do então senador Jorge Bornhausen previa a criação do código que, entre outras coisas, obrigaria às empresas a informarem o porcentual de imposto recolhido sobre cada item no ato da compra e daria mais poder ao contribuinte para exigir, por exemplo, explicações sobre o racionamento de energia imposto pelo governo federal em 2001.

Os próximos 20 anos do CDC devem ser pautados pela busca da excelência nos serviços públicos. Enquanto os brasileiros evoluíram como consumidores ao longo desse período – e as empresas, a reboque –, como cidadãos ainda há um longo caminho pela frente. O CDC tem que valer para todos.

Disponível em http://consumidormoderno.uol.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3447:o-consumidor-esta-no-comando&catid=161:edicao-156-marco-2011&Itemid=73 Acessado em 30/04/2011.

=======================

Mudança de Papéis Edição 156 - Março 2011

Qui, 24 de Março de 2011 14:30

Escrito por Juliana Jadon

Ao contrário do que ocorre nos Estado Unidos, brasileiro vive seu melhor momento como consumidor

Filet Mignon, cinema, passagem área, hospedagem em hotéis, roupas de marca, faculdade e cursos de línguas do exterior. Itens que hoje fazem parte da cesta de compras da classe C ou a “nova classe média brasileira”, composta por mais de 103 milhões de pessoas, de acordo com o último dado divulgado pelo Ministério da Fazenda referente a outubro de 2010. O que ocorre no País é o inverso do visto nos Estados Unidos.

Enquanto por lá a classe média encolheu, por aqui o aumento do salário mínimo, o controle da in- ação, a geração de empregos, os benefícios sociais e, principalmente, o maior acesso ao crédito alteraram a concentração das camadas na pirâmide social brasileira, melhorando as condições de consumo. De acordo com um relatório do US News World Report, de 2008, quando a crise dos subprimes ganhava força, 50% dos americanos considerados da classe média tinham uma renda média anual de US$ 81 mil para uma famíliade quatro pessoas. A faixa de renda da classe média americana varía entre U$ 51 mil e U$ 123 mil por ano. Segundo aponta o estudo, esse rendimento pode ter caído de 5 a 7% devido à recessão de 2008.

No ano passado, o Brasil foi a terceira economia mundial que mais cresceu, com 7,3% de alta do PIB, conforme aponta o levantamento “Perspectiva econômica mundial”, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Havia seis anos que a família de Dayane Gomes era sustentada somente pela irmã, que ganhava cerca de R$ 400 por mês. Dayane estava no colegial e o pai e a mãe, desempregados.

Agora, aos 23 anos, Dayane é secretária e ganha R$ 1.050, quase 62% a mais que sua renda familiar no primeiro mandato do governo Lula. Já paga a própria faculdade de psicologia. Comida não falta em casa. A geladeira duplex, uma das primeiras conquistas nanceiras da família após o período difícil, está sempre cheia. Pagar as contas em casa voltou a ser responsabilidade do pai de família, que trabalha registrado num hortifruti. Com a verba restante, Dayane compra roupas, paga a condução e a parcela do cartão de crédito e come fora. Residente do bairro do Grajaú, extremo Sul de São Paulo, atravessa a cidade de condução para o trabalho, na Vila Mariana. “A minha vida melhorou muito. Se eu olhar uma roupa de marca na vitrine e me identicar, eu compro”, afirma.

Segundo Richard Vinic, coordenador dos cursos de pós-graduação e do MBA em marketing da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), o comportamento de consumo de Dayane, característico de brasileiros da classe em ascensão, ocorre pois o País durante muito tempo teve uma demanda reprimida em relação ao consumo. Não só a baixa renda era afetada. “Com a economia volátil em que produtos básicos mudavam de valor no dia seguinte, esse brasileiro se acostumou a viver o hoje. Vive o momento e gasta o que tem”, analisa.

O sonho Americano

O brasileiro compra roupas da americana Gap e se sente chique. Toma café no Starbucks, rede de cafeterias presente em quase toda esquina de Nova York, e se sente poderoso. Faz compras no Walmart, onde encontra itens importados e acha que não faltou nada. O sonho americano está presente na vida da nova classe média brasileira.

A lucratividade do Walmart em outros países superou os números da matriz americana. O lucro das unidades internacionais avançou 17% no segundo trimestre scal, enquando as lojas nativas apresentaram queda de 0,2%. No Brasil, a rede varejista está presente com 480 lojas, em 18 Estados, além do Distrito Federal, com as bandeiras de hipermercados, supermercados, lojas de vizinhança e o clube de compras Sam’s Club. Assim, atende a todas as faixas de renda.

Segundo Vinic, o consumidor brasileiro é in uenciado pelo que vê nos seriados americanos. “Quando visita os Estados Unidos, esse consumidor enche malas de mercadorias que possuem preços acessíveis devido à valorização da moeda nacional. Mas esse consumidor nem sempre é bem atendido”, considera Vinic. O principal motivo para o descaso, aponta o especialista, é a atual baixa estima do americano. Em janeiro, durante uma viagem de negócios a Nova York, Vinic - cou conectado de forma ininterrupta pelo iPhone, principalmente para saber da - lha que estava doente. Ao jantar no Hard Rock Café, perguntou para a atendente se ela poderia emprestar um carregador para o aparelho ou veri-ficar se alguém que trabalhava no local o teria. Ela o olhou com antipatia e achou absurda a solicitação. “Essa é uma atitude difícil de ser vista no Brasil”, compara.

Como consumidor brasileiro e especialista do setor de consumo, ele avaliou o atendimento e os serviços prestados não só na lanchonete, mas no metrô e em lojas de eletroeletrônicos e roupas. A experiência, analisa, foi igualmente ruim. “Por lá o que é previsto e programado, funciona. Mas os americanos não estão contentes em atender os brasileiros. Perceberam que agora é o nosso momento de consumo e não gostam disso”, a-firma.

Alerta de superendividamento

O brasileiro que gasta o que tem acaba se endividando mais que o americano. Segundo estudo da LCA Consultores, as famílias brasileiras gastam, em média, 18% da sua renda mensal para pagar prestações e juros dos - nanciamentos assumidos. Essa parcela é maior que a desembolsada pelos americanos, que consomem, em média, 15% do orçamento mensal com pagamento de dívidas com cartão de crédito, cheque especial e créditos imobiliários, entre outros.

“A crise gerou um processo de diminuição da classe média dos Estados Unidos. Já no Brasil, a economia tem crescido muito, impulsionada pelo crédito. À medida em que as pessoas possuem mais acesso a essa modalidade de compra em parcelas, cresce o superendividamento”, avalia Creomar Lima Carvalho de Souza, especialista em política

externa dos Estados Unidos e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

Ao ser questionada se guarda dinheiro para o futuro ou para comprar algum bem valor elevado, Dayane diz “não”, com tranquilidade. Só se esforça para guardar uma quantia quando possui viagem prevista.

Segundo Vinic, Dayane, que vive o hoje, é diferente do americano que vê os sinais de alerta, teme perder o emprego, pensa no futuro e ainda é assombrado pelo fantasma da crise de 1929. “O brasileiro, em geral, pensa na parcela que cabe e sabe que está pagando mais pelos produtos”, diz.

Os estudos alertam. De acordo com o “Indicador Serasa Experian de inadimplência do consumidor”, a variação da inadimplência do consumidor brasileiro cresceu 6,3% em 2010, na comparação com o ano anterior. A elevação foi superior à veri- cada em 2009, ano que sofreu os impactos da crise - nanceira internacional.

Na opinião de Vinic, as empresas presentes no País devem pensar na educação - nanceira, porém, as que já a colocam em prática por aqui, como os principais bancos com a criação de cartilhas, o fazem por si próprios. “Vender ovos de Páscoa em 12 vezes sem juros é um crime contra a economia. Uma pessoa que compra um produto desses, que será consumido em dez minutos, compromete parte de sua renda durante um ano inteiro”, julga. Até as crianças já são consumistas para serem aceitas pelos amigos. Os pais, que trabalham, as enchem de brinquedos para limpar a consciência.

Luz no fim do túnel

Mesmo assim, as expectativas para o Brasil são favoráveis. Para 2011, o FMI projeta que a economia global crescerá 4,5%, 0,25% a mais que no ano passado, impulsionada principalmente pelos países em desenvolvimento. E ainda nas estimativas da 25ª edição do “O mundo em 2011”, do “� e Economist”, considerando as taxas de crescimento anuais dos Estados Unidos (1,5%), da China (8%), da Índia (6%), do Japão (1%), da Alemanha (1%), da Rússia (4%) e do Brasil (5%), a economia nacional ultrapassaria a da Alemanha por volta de 2018, tornando-se a quinta maior em poder de compra.

Consciente, a aposentada dona Maria, mãe de Dayane, comprou um fogão novo em cinco vezes com parcelas que cabem com folga no bolso. Assim como ela, há uma massa de brasileiros otimistas, com dinheiro no bolso e os pés no chão. Sua empresa está preparada?