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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO ROSELY DE FÁTIMA JURADO A MÍDIA TELEVISIVA A SERVIÇO DA ARTE E DA IDENTIDADE NACIONAL: HOJE É DIA DE MARIA Marília – SP 2008

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMARFACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

ROSELY DE FÁTIMA JURADO

A MÍDIA TELEVISIVA A SERVIÇO DA ARTE E

DA IDENTIDADE NACIONAL:

HOJE É DIA DE MARIA

Marília – SP

2008

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ROSELY DE FÁTIMA JURADO

A MÍDIA TELEVISIVA A SERVIÇO DA ARTE E

DA IDENTIDADE NACIONAL:

HOJE É DIA DE MARIA

Universidade de Marília - UNIMAR

Marília – SP

2008

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ROSELY DE FÁTIMA JURADO

A MÍDIA TELEVISIVA A SERVIÇO DA ARTE E

DA IDENTIDADE NACIONAL:

HOJE É DIA DE MARIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação, Área de

Concentração em Mídia e Cultura, da

Universidade de Marília – UNIMAR, para

obtenção do Título de Mestre em Comunicação.

Área de Concentração em Mídia e Cultura – Linha

de Pesquisa: Ficção na Mídia, sob a orientação da

Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory

Universidade de Marília - UNIMAR

Marília – SP

2008

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Universidade de Marília – UNIMAR

Reitor Dr. Márcio Mesquita Serva

Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação

Pró-reitora Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory

Programa de Pós-graduação em Comunicação

Coordenadora

Rosângela Marçolla

Orientadora

Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA – UNIMAR

Rosely de Fátima JURADO

A MÍDIA TELEVISIVA A SERVIÇO DA ARTE E DA IDENTIDADE NACIONAL:

HOJE É DIA DE MARIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação, Área de

Concentração em Mídia e Cultura, Linha de Pesquisa Ficção na Mídia - Universidade de

Marília – UNIMAR – para a obtenção do Título de Mestre em Comunicação.

Data da Defesa: 15 de dezembro de 2008.

Banca Examinadora

Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory Instituição: UNIMAR

Avaliação:___________________________ Assinatura:_______________________

Profª. Drª. Ana Maria Gottardi Instituição: UNIMAR

Avaliação:___________________________ Assinatura:_______________________

Profª. Drª. Nelyse Apparecida Melro Salzedas Instituição: UNESP - Bauru

Avaliação:___________________________ Assinatura:_______________________

Avaliação Final:_________________________________________________________

Marília, 15 de dezembro de 2008.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom do Amor, que sustenta a existência humana!

À orientadora, Profª. Drª. Suely Fadul Villibor Flory, pelo apoio, incentivo e orientação

durante toda a pesquisa e pela confiança depositada.

Aos Professores Drª. Rosângela Marçolla, Dr. Romildo Sant’anna, Drª. Nícia R. D’Ávila, Drª.

Lúcia Marques e Drª. Maria Cecília Guirado, pela ajuda, orientação e as valiosas

contribuições ao longo do cumprimento das disciplinas que contribuíram para a construção

deste trabalho.

Aos meus amados filhos, Tatiana e Marco Aurélio, que são a razão do meu viver, das minhas

conquistas, pela compreensão, carinho demonstrados em todas as horas, pelas diversas vezes

em que não foi possível dar-lhes a atenção merecida, tendo que me dedicar ao trabalho.

À minha mãe, pelo exemplo de trabalho, dedicação, generosidade, doação, especialmente por

ter me ensinado o valor do estudo. E à minha irmã, pela amizade, apoio e compreensão.

À minha amiga Clara, com quem por ironia ou força do destino, compartilhei dúvidas e

acertos. Estivemos juntas nos apoiando do princípio ao fim e em todos os momentos.

À Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, por fornecer o Projeto Bolsa Mestrado,

junto à Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas e Diretoria de Ensino de Botucatu,

garantindo o sustento financeiro necessário à realização desta dissertação de mestrado.

Especialmente à gentil e atenciosa funcionária Renata.

Aos alunos, colegas, funcionários e direção das escolas “Baida” e “Imessm” pela amizade,

compreensão, paciência e apoio incondicional em todos os momentos.

Às professoras Drª. Ana Maria Gottardi e Drª. Andréia C. F. B. Labegalini pelas consideráveis

contribuições no Exame de Qualificação de Mestrado.

À professora Drª. Nelyse Apparecida Melro Salzedas pelo grande incentivo, confiança e

contribuições.

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Salmo 121

1 Elevo os meus olhos para os montes; de onde me vem o socorro?

2 O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra.

3 Não deixará vacilar o teu pé; aquele que te guarda não dormitará.

4 Eis que não dormitará nem dormirá aquele que guarda a Israel.

5 O Senhor é quem te guarda; o Senhor é a tua sombra à tua mão direita.

6 De dia o sol não te ferirá, nem a lua de noite.

7 O Senhor te guardará de todo o mal; ele guardará a tua vida.

8 O Senhor guardará a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre.

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JURADO, Rosely de Fátima. A MÍDIA TELEVISIVA A SERVIÇO DA ARTE E DA

IDENTIDADE NACIONAL: HOJE É DIA DE MARIA. 2008. 176 f. Dissertação

(Mestrado em Comunicação). Universidade de Marília - UNIMAR, Marília, 2008.

RESUMO

Esta pesquisa procura demonstrar que a produção televisiva pode ser um vetor de

disseminação da arte e cultura, como se pode verificar por meio da análise da microssérie

Hoje é Dia de Maria, tanto em seus aspectos temáticos quanto nos processos estruturais da

construção do texto narrativo. Este trabalho estrutura-se em quatro capítulos e mostra que a

microssérie coloca-se a serviço de um processo antropofágico dos contos de fadas e de outros

elementos da cultura brasileira, apresentados num repertório, cujo espaço utiliza-se da

intertextualidade. Configura-se um jogo de participação em que as personagens saem de uma

história a fim de participarem de outras, interagindo de modo a integrarem uma visão

conjunta de nossa identidade nacional. A constituição do repertório promove o resgate da

cultura popular num diálogo com a mídia televisiva, permitindo que ela passe a ser encarada

como fato da cultura contemporânea e como um fenômeno de massa, que abre oportunidades

para que o receptor possa alçar vôos pela imaginação, identificando-se com as narrativas do

cotidiano e com as tradições folclóricas. O constante enfrentamento entre o bem e o mal,

numa relação audiovisual e musical, adquire papel significativo entre os mistérios que

envolvem o homem nos diversos momentos de sua existência. As tradições são reexaminadas

pela recepção, nas relações que se estabelecem entre emissores e receptores, pois os estudos

culturais legitimam as práticas sociais e culturais. Os espaços domésticos e os contextos

socioculturais formam a conexão das operações de sentido ou ainda da saturação deste,

sublinhando a construção de um texto televisivo de qualidade, provando que há espaço para a

arte e para a cultura na mídia televisiva e do quanto essa constatação pode ser útil no espaço

escolar para a construção de sentidos para a busca de uma identidade nacional.

PALAVRAS-CHAVE: Mídia; Televisão; Cultura; Identidade; Educação; Interação -

Recepção.

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JURADO, Rosely de Fátima. THE TELEVISION MEDIA ON THE SERVICE OF ART

AND OF NATIONAL IDENTITY: TODAY IS MARY’S DAY. 2008. 176 f. Dissertation

(Master’s in Communication). University of Marília, UNIMAR - Marília, 2008.

ABSTRACT

This research has demonstrated that the television production may be a dissemination vector

of art and culture, as it can be verified by means of analysis of micro-series “Today is Mary’s

Day”, as in its thematic aspects as in structure processes of the construction of narrative text.

That paper has structured in four chapters and has shouved that the micro-series is placed to

the service of an anthropophagic process of fairy tales and other elements of Brazilian culture,

shouved in a repertory, whose space uses the intertextuality. It is formed a participation play

in which the characters leave out a story in order to participate to other ones, interacting so as

to integrate conjunct view of our national identity. The constitution of the repertory has

promoted the ranson of popular culture in a dialogue with the television media, allowing that

it passes to be seen as a fact of a contemporary culture and as a phenomenon of mass that

opens opportunities for that the receptor can raise flights by imagination, identifying with

everyday narratives and folkloric traditions. The constant facing between the good and the

bad in relation to the audiovisual and musical one acquires significative role among the

misteries that involve the man in several moments of its life. The traditions have been

reexaminaded by means of reception in relations that establish among senders and receptors,

so the culture studies legitimate the cultural and social practices. The homely spaces and

sociocultural contexts have formed the links of the sense operations or else of this saturation,

underlining the construction of a television text of quality, proving that there is a space for art

and culture in television media and of all that this evidence may be useful in the school space

for the formation of senses to get a national identity.

KEY WORDS: Media; Television; Culture; Identity; Education; Interaction - Reception.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Despejados (1934) – Portinari................................................................................ 17

Figura 2 – Maria peregrina – Hoje é Dia de Maria (2005) – TV Globo................................. 17

Figura 3 – Domo – cenário de 360 graus em Hoje é Dia de Maria......................................... 24

Figura 4 – Milharal.................................................................................................................. 25

Figura 5 – Terra do Sol a Pino................................................................................................. 25

Figura 6 – Fornalha.................................................................................................................. 25

Figura 7 – Vilarejo....................................................................................................................25

Figura 8 – Bosque.....................................................................................................................25

Figura 9 – Lavoura de Trigo.....................................................................................................25

Figura 10 – Casa de Maria........................................................................................................25

Figura 11 – Casa da Madrasta...................................................................................................25

Figura 12 – Paisagem com Corvos – Vincent Van Gogh.........................................................26

Figura 13 – Cenário da Morte de Dom Chico Chicote.............................................................26

Figura 14 – Menina com Tranças e Laços – Cândido Portinari...............................................26

Figura 15 – Brodowsky – Cândido Portinari............................................................................26

Figura 16 – Retirantes – Cândido Portinari..............................................................................26

Figura 17 – Robert Rauschenberg – Movimento Art Pop…………………………….….…..27

Figura 18 – Obras de Arthur Bispo do Rosário........................................................................28

Figura 19 – Alguns dos figurinos de Maria adulta e de Rosicler..............................................28

Figura 20 – As marionetes sem fio de Catin Nardi...................................................................29

Figura 21 – Mecânica que movimenta o relógio.......................................................................29

Figura 22 – Jean Tinguely – Arte Cinética...............................................................................29

Figura 23 – O Bibliotecário, de Giuseppe Arcimboldo............................................................30

Figura 24 – Dom Chico Chicote...............................................................................................30

Figura 25 – Maria criança por Carolina de Oliveira e, adulta por Letícia Sabatella.................36

Figura 26 – O Pai - por Osmar Prado,.......................................................................................36

Figura 27 – A Madrasta, por Fernanda Montenegro.................................................................37

Figura 28 – Joaninha criança – filha da madrasta – por Thainá Pina.......................................37

Figura 29 – Joaninha adulta – por Rafaella Oliveira................................................................38

Figura 30 – Pássaro Incomum – o Amado encantado...............................................................38

Figura 31 – Amado, por Rodrigo Santoro.................................................................................38

Figura 32 – Nossa Senhora da Conceição, por Juliana Carneiro da Cunha, protetora............ 39

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Figura 33 – Zé Cangaia – por Gero Camilo..............................................................................39

Figura 34 – Quirino, o saltimbanco, por Daniel de Oliveira.....................................................40

Figura 35 – Rosa, por Inês Peixoto, faz a irmã de Quirino.......................................................40

Figura 36 – O Maltrapilho, por Rodolfo Vaz............................................................................41

Figura 37 – Homem de Olhar Triste, por Rodolfo Vaz............................................................41

Figura 38 – Mendigo – mais uma interpretação de Rodolfo Vaz.............................................42

Figura 39 – Mascate, o Salim – por Rodolfo Vaz.....................................................................42

Figura 40 – Vendedor, Senhor Morruga – por Rodolfo Vaz....................................................43

Figura 41 – Retirante, por Nanego Lira....................................................................................43

Figura 42 – Menina Carvoeira, por Laura Lobo.......................................................................44

Figura 43 – Asmodeu Original, por Stênio Garcia...................................................................45

Figura 44 – Asmodeu Bonito, de João Sabiá............................................................................45

Figura 45 – Asmodeu Sátiro, de Ricardo Blat..........................................................................46

Figura 46 – Asmodeu Brincante, por Antônio Edson...............................................................46

Figura 47 – Asmodeu Mágico, por André Valli.......................................................................47

Figura 48 – Asmodeu Velho, por Emiliano Queiroz................................................................47

Figura 49 – Asmodeu Poeta, por Luiz Damaceno....................................................................48

Figura 50 – Da esquerda para a direita, os Asmodeus: Sátiro, Bonito, Poeta, Brincante, Velho,

Mágico e à frente, Asmodeu Original.......................................................................................48

Figura 51 – Os Cangaceiros, por Mauro Ricca, Ilya São Paulo e Aramis Trindade.................49

Figura 52 – Os Executivos, por Charles Fricks e Leandro Castilho.........................................50

Figura 53 – A Camponesa, por Mônica Nassif, indica à Maria ...............................................50

Figura 54 – O Príncipe, por Rodrigo Rubik..............................................................................51

Figura 55 – Mucama, por Denise Assunção.............................................................................51

Figura 56 – Ceição, por Juliana Carneiro da Cunha.................................................................52

Figura 57 – Ciganinho, por Philipe Louis.................................................................................52

Figura 58 – Cortejo que acompanha o casamento da Madrasta com o Pai.............................111

Figura 59 – Folia Reisado Flor do Oriente.............................................................................111

Figura 60 – Um dos tradicionais estandartes da festa, que tem origem ibérica......................111

Figura 61 – O rabequeiro Mestre Salustiano e seu filho Pedro..............................................112

Figura 62 – Mestre Salu e Pedro participam da cena em que Maria encontra os

Retirantes................................................................................................................................112

Figura 63 – Chegada de Maria ao vilarejo; celebração da festa de São José..........................112

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Figura 64 – Participação da banda Santa Cecília e dos Cirandeiros de Parati na cena da Festa

de São José..............................................................................................................................112

Figura 65 – Reza das mulheres da Umbigada Paulista antes da gravação..............................113

Figura 66 – Os integrantes dançam batendo de leve o ventre uns nos outros.........................113

Figura 67 – Enquanto uma integrante da Umbigada entoa os cânticos os demais

dançam....................................................................................................................................113

Figura 68 – Índios Xavantes da Aldeia Pimentel Barbosa, em Água Boa – MT ...................114

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES

INICIAIS..............................................................................................15

1. HOJE É DIA DE MARIA: A MICROSSÉRIE COMO ESPAÇO DE QUALIDADE

NA

TELEVISÃO.....................................................................................................................20

1.1- Hoje é Dia de Maria – a arte e a cultura popular na

TV...................................................20

1.2- Cenários, personagens, originalidade e identidade

regional..............................................23

2. DIALOGANDO COM A CULTURA

POPULAR...........................................................54

2.1- A construção do repertório da microssérie Hoje é Dia de

Maria......................................54

2.2- A qualidade na TV para uma cultura de

massa.................................................................55

2.3- A linguagem regional – identificação do

receptor.............................................................58

2.4- Os

desafios.........................................................................................................................59

2.5- Crenças populares (ditados e

provérbios)..........................................................................65

2.6- Danças e músicas

populares..............................................................................................71

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3. REVESTINDO-SE DE MITOS: OS CONTOS DE FADA E O

MARAVILHOSO..................................................................................................................

..93

3.1- Contos de fada e mitos

europeus.......................................................................................93

3.2- O maravilhoso: mitos indígenas e

africanos....................................................................110

3.3- Um processo de emancipação através da arte e das raízes

populares..............................115

4. A MÍDIA TELEVISIVA E A CULTURA POPULAR: AS POSSÍVEIS

LEITURAS............................................................................................................................

119

5.1- Contos de

fada.................................................................................................................119

5.2-

Folclore............................................................................................................................131

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Hoje é Dia de Maria – o encontro possível da mídia

televisiva e da arte...................................................................................................................139

REFERÊNCIAS....................................................................................................................143

APÊNDICE – SEGUNDA JORNADA - PELOS CAMINHOS DA ARTE: O CONTO

MARAVILHOSO, DOM QUIXOTE, PORTINARI,DEGAS E TOULOUSE......................154

ANEXO 1 - Ficha Técnica – Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada.................................159

ANEXO 2 - Ficha Técnica – Hoje é Dia de Maria – Segunda Jornada.................................167

ANEXO 3 - ESTRUTURAS POÉTICAS DOS DESAFIOS (Versos e Estrofes).................174

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ANEXO 4 - REISADO – As Danças são Numerosas............................................................180

ANEXO 6 - CONTOS DE FADAS: uma conexão entre Literatura e Matemática nas Séries

Iniciais (Exemplo de atividade aplicada)................................................................................183

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Jurado, Rosely de Fátima J95m A mídia televisiva a serviço da arte e da identidade nacional: Hoje é Dia de Maria./ Rosely de Fátima Jurado -- Marília: UNIMAR, 2008. 191f.

Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de Comuni- cação, Educação e Turismo, Universidade de Marília, Marília, 2008.

1. Mídia 2. Televisão 3. Cultura 4. Identidade 5. Educação 6. Interação-Recepção I. Jurado, Rosely, de Fátima Jurado II. A mídia televisiva a serviço da arte e da identidade nacional: Hoje é Dia de Maria.

CDD – 302.23

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa foi concebida a partir da observação e seleção de programas

televisivos de qualidade e do quanto essa constatação pode ser útil aos alunos e professores no

espaço escolar para a construção de sentidos para a busca de identidade nacional, para

perceber e analisar os diferentes pontos de vista, resultantes de diferentes leituras. É muito

comum ouvir das pessoas que este ou aquele programa é um “horror”, e que televisão “é

somente para quem não tem o que fazer”, porém é possível perceber uma contradição muito

grande nestas manifestações.

Se as programações fossem tão ruins assim, como explicaríamos o significativo

aumento na venda de aparelhos de televisão cada vez maiores e de alta tecnologia?

Certamente, um fato liga-se a outro. Nas residências, o mais comum é encontrar um aparelho

de televisão em cada quarto, por isso não se computa mais apenas um aparelho por família;

muitos espaços como salas de espera de consultórios, clínicas, rodoviárias, aeroportos,

hospitais, bares, lanchonetes, restaurantes, entre outros estabelecimentos, possuem aparelhos

de televisão e os mantém ligados, prova de que o número de telespectadores vem aumentando

a cada dia e o investimento em novas tecnologias também.

O alcance da comunicação televisiva amplia-se cada vez mais, tornando-se necessário

analisar e incrementar a qualidade da programação televisiva. Nosso trabalho propõe-se a

mostrar, primeiramente, a microssérie Hoje é Dia de Maria1, como espaço de qualidade na

televisão, apresentando suas características artísticas e culturais, com cenários e personagens,

que se inserem no contexto cultural brasileiro, a partir de uma identidade regional.

O repertório contribui para mostrar a qualidade na TV para uma cultura de massa,

compondo-se de diálogos que incorporam as crenças, os desafios, os ditados, os provérbios,

as danças e as músicas populares, apoiando-se na linguagem regional.

As narrativas desenvolvidas na microssérie configuram-se a partir de mitos, contos de

fada, contos folclóricos e populares incorporados na trama narrativa num processo de

emancipação. Emancipação esta, que proporcionou a criação de Hoje é Dia de Maria –

Segunda Jornada, mostrando novos percursos, quebrando expectativas por analogias e

diferenças e expondo a exploração do homem pelo homem e a situação perigosa de uma

criança numa sociedade violenta.

1 Tenho o objetivo de destacar o título da microssérie, de modo que toda vez que referenciá-lo o farei em itálico:Hoje é Dia de Maria. As demais obras, a título de destaque, seguirão o mesmo padrão.

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As diferentes manifestações de identidade que compõem a história cultural de um

povo são mostradas num jogo de diálogos e de montagens pela mídia televisiva, tornando

possíveis diferentes e novas leituras em sala de aula. Acrescente-se, ainda, que as análises das

duas jornadas de Hoje é Dia de Maria permitem estudos críticos, enfoques comparativos, o

resgate da memória cultural brasileira, ampliando os horizontes de jovens e adultos.

A microssérie, como texto da moderna literatura brasileira baseada nas raízes mais

profundas do imaginário popular, mistura as pinturas de Portinari e as cantigas de Villa-

Lobos. Além de operar com formas populares, utiliza-se também das idéias de escritores

clássicos da literatura universal, construindo um repertório complexo, ligado a uma busca de

identidade regional e nacional.

O autor da microssérie mostra a miscigenação, através dos traços fisionômicos e

anatômicos que marcam a composição das personagens, além de estabelecer um conflito

entre diversas formas culturais produzidas em tempos diferentes. O repertório resgata

contos de fada, crenças populares, desafios, ditados, provérbios, mitos cristãos, indígenas

e africanos, o conto maravilhoso, as telas de Portinari, a exploração e a robotização do ser

humano.

A Rede Globo de Televisão buscou nos contos infantis, na oralidade e nas

manifestações culturais do nordeste brasileiro, o tema para compor sua trama. O cenário, as

vestes dos personagens são frutos de reciclagem de produtos fora de uso. As histórias

narradas interpenetram-se e permitem novas leituras do passado no presente e do imaginário

no contexto da realidade cotidiana. Com isso, a microssérie, além de fazer uma bricolagem

com os contos infantis e com as manifestações populares, atenta para o meio ambiente e opera

com a poética do imaginário, fazendo em muitas cenas um trabalho com as telas de Portinari

entre outros.

Na era da eletrônica, ocorre muitas vezes um processo entre as produções artísticas e a

cultura de massa. Os contos infantis e as telas de Portinari comunicam-se com o receptor, as

manifestações populares constroem a verossimilhança que permite a fusão de horizontes de

expectativa entre o texto televisivo e seus receptores. Convencem? Transportam o expectador

para o imaginário? Constroem uma obra de arte midiática?

O objetivo desse estudo é analisar a construção do repertório da microssérie Hoje é

Dia de Maria que traz o mítico, o religioso, a cultura popular e a arte para o espaço

televisivo, demonstrando que mídia televisiva e qualidade não são excludentes. Para tanto,

serão analisadas as duas jornadas da microssérie Hoje é Dia de Maria, com a finalidade de

discutir o processo midiático, pesquisar os processos simbólicos e estudar os processos

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intertextuais como produtores de sentido e da história, inseridos no contexto da identidade

nacional.

Os programas televisivos têm buscado na arte e na cultura popular temas para elaborar

a trama da história, utilizando-se da mitologia, dos contos de fadas e da arte como elementos

produtores de sentido. Isso aconteceu com a série da Rede Globo de televisão, Hoje é Dia de

Maria. A construção do repertório, que configura o espaço textual, utiliza-se da

intertextualidade com várias histórias contidas em livros infantis, fazendo com que os

personagens saiam de uma história a fim de participarem de outras, construindo um processo,

algumas vezes de intratextos, intertextos e metatextos que afloram nos diálogos ainda que

singelos e aparentemente ingênuos.

A produção, ao trabalhar os cenários e as personagens, buscou uma coerência interna

sustentada pela verossimilhança. Uma das táticas trabalhadas foi a da metamorfose e da

metaforização dentro dum tempo imaginário, no qual tudo é possível.

Circulando o olhar pelas imagens pictóricas, num primeiro momento elas se

apresentam silenciosas aos nossos olhos. No entanto, levam-nos a discursar e exprimir

palavras, que surgem da nossa interioridade, do nosso pensamento. Olhamos para a imagem,

também ela nos olha, nos perscruta, nos desvenda, nos desnuda e nos questiona.

De repente, essa mesma imagem esfacela-se na imaterialidade do nosso imaginário.

Ela não é mais única, torna-se um folheado de imagem-lembrança.

Exemplificando uma tela de Portinari marcará a metamorfose e a metaforização com a

criação de um espaço que mimetiza a pobreza e a opressão social, marcantes na pintura do

artista e determinantes na configuração do espaço social da microssérie.

Figura 1 - Despejados (1934) Portinari Figura 2 - Hoje é dia de Maria (2005) TV Globo

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A construção artística e a desconstrução tornam-se uma arma poderosa, um

instrumento de capacidade inesgotável que o texto procura, na medida do possível, acobertar

para que ninguém veja.

Desde a década de setenta, a televisão tem se mostrado hábil ao tematizar a realidade

nacional, a qual tem sido motivo de discussões e comentários entre os autores e diretores da

ficção televisiva.

A idéia de ligação da microssérie com o popular, de ser essa fonte determinante da

montagem, da concepção artística e do texto televisivo é que explica a resistência ao

existente, ao estabelecido como regra, é garantido pela criação de imagens, o que nos são

proporcionadas em Hoje é Dia de Maria.

A metodologia utilizada apóia-se na pesquisa folkcomunicacional2, bem como no

aparato teórico da Estética da Recepção, de Wolfgang Iser (1996; 1999) e Hans Robert Jauss

(1979), do conto maravilhoso, do estudo de caso, da pesquisa bibliográfica, e da leitura e

análise da linguagem verbo-visual, tendo como ponto de chegada a microssérie Hoje é Dia de

Maria.

A obra O Ato de Leitura, de Wolfgang Iser (1999), valoriza a consciência imaginativa

do leitor, lembrando que é no momento da leitura que o receptor entra em contato com

experiências que ainda não conhecia para viver uma transformação. É o momento em que

se envolve com os pensamentos do outro, configurando-se o dialogismo (BAKHTIN,

1987) através da concretização da alteridade autor/receptor. Este baseia sua leitura em

suas experiências de vida, assumindo papel atuante e não apenas de decodificador.

Edgar Morin (1997) analisa as conseqüências sociais, psicológicas e espirituais da

penetração da cultura de massas no mundo ocidental durante os anos 60 – 65, focalizando

os mitos, produzidos industrialmente, que condicionam os valores existenciais do público

consumidor, transformando a mitologia da felicidade numa problemática da felicidade. O

termo neurose ganha um novo sentido na obra, passando a designar um compromisso

entre o mal e a realidade, através de fantasias, mitos e ritos, propondo um passeio pelas

avenidas da cultura de massas.

Arlindo Machado (2001) propõe-se a examinar a programação televisiva brasileira em

comparação com a de outros países, para mostrar que há uma televisão de qualidade,

embora, geralmente, ela seja apresentada como um meio degradado e degradante, como

2 Folkcomunicação é o estudo dos processos comunicacionais das manifestações da cultura popular e do folclore.É possível saber mais sobre o assunto com a leitura de:BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos eexpressão de idéias. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

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reflexo da própria sociedade em que está inserida. Para o autor, deve-se pensar em

televisão sob uma perspectiva valorativa, e para isso é preciso analisar programas, que

podem desempenhar um papel positivo dentro da cultura, seja como um fenômeno de

massa, seja como uma forma de expressão da civilização ocidental. Intelectuais e o

próprio público recusam-se a perceber que há inteligência, criatividade e espírito crítico

no que é produzido pela televisão, e que a demanda comercial e o contexto industrial não

impedem a existência de produção de qualidade, embora, por contingências econômicas,

nem sempre seja possível fazer muitos programas para um público mais exigente, mas

pouco numeroso.

A análise da microssérie Hoje é Dia de Maria far-se-á em quatro capítulos e, têm a

intenção em abordar a originalidade e a identidade regional na constituição dos cenários e

personagens utilizando-se da arte e da cultura popular em constante diálogo. Assim, será

possível a identificação do receptor pela presença da linguagem regional, de desafios,

crenças populares, danças e músicas populares. O popular reveste-se ainda de mitos

através de contos de fadas de contos maravilhosos numa constante busca da emancipação

utilizando-se da arte e das raízes populares. E para finalizar, conclui-se que a microssérie

é um programa televisivo de qualidade, que apresenta inúmeras leituras, as quais devem

enriquecer o processo de ensino e aprendizagem nas escolas para a formação de leitores e

indivíduos mais críticos e mais presentes do cotidiano.

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CAPÍTULO 1

HOJE É DIA DE MARIA: A MICROSSÉRIE COMO ESPAÇO DE QUALIDADE

NA TELEVISÃO

1.1- Hoje é Dia de Maria – a arte e a cultura popular na TV

A televisão brasileira vale-se da criatividade e do empenho dos profissionais que

trabalham com essa mídia para criar e desenvolver seus programas, que devem ser atrativos

para o mercado publicitário, que financia os negócios da área, bem como para os profissionais

de roteirização, produção e direção, que formam o primeiro grupo especializado. Outro grupo

de profissionais são os especialistas na manipulação e operação de equipamentos e demais

recursos técnicos da televisão, que atuam nas áreas de áudio, vídeo, luz, câmera, edição, entre

outras. Muitas outras categorias profissionais colaboram na elaboração e desenvolvimento dos

programas, recrutados para atender a determinados gêneros de produção. Com esse leque de

profissionais, “a televisão brasileira conquistou projeção mundial, exportando programas para

mais de uma centena de países, o que traduz o reconhecimento da competência e criatividade

dos nossos produtores audiovisuais” (MELO, 2003). Qualquer que seja a categoria de um

programa de televisão, ele deve sempre entreter e pode também informar e educar. Pode ser

informativo e educativo, mas deve também ser de entretenimento.

Os programas televisivos são formados de representações que podem ser verdadeiras

ou ficcionais. São verdadeiras quando correspondem a um fato e o dia-a-dia é o principal

elemento para a imagem representada por presentificar os objetos ausentes, mas existentes. Se

ficcionais, não correspondem a fatos, porém o repertório e as estratégias são referenciais, o

objeto imaginário não existe empiricamente, mas se apóia em dados previamente

estabelecidos, que possuem função reguladora, não são presentificados pela representação,

mas devem ser descobertos ou produzidos. Os roteiros ficcionais, vários advindos de obras

clássicas e de programas com interfaces com o cinema e com o teatro, são exemplos do

estreito relacionamento da TV com as artes: literatura, artes plásticas, artes cênicas e música.

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Percebe-se também, o contínuo intercâmbio de informações entre os diferentes canais

de comunicação, de muitos conteúdos creditados, originalmente, à cultura popular, que são

apropriados pelas mídias, tornando cada vez mais tênues as fronteiras entre os produtos

culturais produzidos pelos diferentes agrupamentos sociais. Portanto, o trânsito desses

elementos culturais não ocorre automaticamente, nem é destituído de mediações e de

sensíveis alterações, quer na forma, quer no conteúdo. Os novos conteúdos são incorporados

por uma negociação simbólica e, assim, ganham importância na compreensão das identidades

grupais e das dinâmicas culturais, devido à divulgação feita pelas mídias.

A microssérie Hoje é Dia de Maria, do roteiro de Carlos Alberto Sofredini, adaptada

por Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho, direção geral de Luiz Fernando

Carvalho, foi veiculada em duas jornadas pela Rede Globo de Televisão. A Primeira Jornada

estreou em 2005, no dia 11 de janeiro e terminou no dia 21, apresentada em 8 capítulos, de

terça à sexta, às 23h00. Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada retrata a vida de Maria que,

órfã de mãe, incentiva o pai, que bebe muito, a casar-se novamente para livrar-se de seus

assédios, porém passa a ser explorada e maltratada pela madrasta. Decide ir embora de casa e

sair em busca das franjas do mar. Enfrenta as dificuldades do sertão, o sol a pino, inclusive as

maldades de Asmodeu3, que tenta de todas as maneiras, impedi-la de seguir sua jornada, mas

Maria não se deixa vencer pela maldade e, cheia de fé, de bondade e de inocência, ajuda a

quem pode pelo caminho. Asmodeu adianta o tempo e Maria transforma-se numa linda

jovem. Desperta o amor e para o amor, mas um encantamento a impede de viver por completo

esse amor, pois seu amado é pássaro durante o dia e homem à noite. O pai a reencontra, pede-

lhe perdão, porém já está no limiar de suas forças. Morre. Maria sofre muito com a morte do

Pai e com o desaparecimento do Amado. Encontra-o, porém Asmodeu faz o tempo voltar e

Maria, criança novamente, reencontra sua família, agora completa, pai, mãe e irmãos. E então,

com a ajuda de Ciganinho, um garoto que ajuda no sítio, alcança as franjas do mar. A ficha

técnica mostra que a composição do elenco da microssérie contou com atores contratados,

atores convidados e ainda com um elenco de apoio. Confira-se a ficha técnica no Anexo 1.

A idéia original de Hoje é Dia de Maria - Segunda Jornada foi de Luiz Fernando

Carvalho, escrita por Luís Alberto de Abreu e por Luiz Fernando Carvalho, direção de Luiz

Fernando Carvalho. Foi veiculada pela Rede Globo de Televisão de 11 a 15 de outubro do

mesmo ano, com 5 capítulos, de terça à sábado, às 23h00. A obra oferece ao espectador a

oportunidade de entrar em contato com o processo de produção literária da série, e de reviver

3 Asmodeu é a representração do Satanás, isto é, do mal. Ele transforma-se em outras seis personagens namicrossérie e tenta ludibriar Maria e todos que a cercam. Falarei mais sobre a personagem no sub-item 1.2.

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na jornada de Maria, carregada de simbolismo, as raízes mais profundas do imaginário

popular. Nessa jornada, a história de Maria sofre uma atualização em seu percurso e em suas

dificuldades. Maria foi engolida pelo mar e chega à cidade. Reencontra a menina carvoeira ao

ser engolida pelo gigante e descobre a realidade do mundo nos destroços dentro do gigante.

Um binóculo é o ponto de passagem de Maria até a cidade e lá recomeça uma nova jornada.

Reencontra Asmodeu, agora com diferentes disfarces. Enfrenta as explorações e as

dificuldades do mundo urbano. Encontra Dom Chico Chicote, uma leitura do Dom Quixote,

de Cervantes, um herói da literatura que passa a ser o responsável pela sua proteção a partir de

então. Asmodeu traveste-se de Asmodéia. Dom Chico Chicote apaixona-se por Alonsa, e

chama-a de Rosicler. Ela ajuda Maria e Dom Chico Chicote a enfrentarem as injustiças,

porém desaparece com a chegada da guerra e retorna no final da história quando deixam

Maria seguir o que lhe resta sozinha. Sempre recorrendo ao mundo da imaginação e à fé em

Nossa Senhora Aparecida, Maria segue sua jornada. Como tudo não passou de ilusão e

alucinação, Maria, sob os pedidos e orações da avó, sobrevive a forte febre. O elenco de Hoje

é Dia de Maria – Segunda Jornada também contou com um grande grupo de atores e

especialistas, como se pode constatar no Anexo 2.

Na microssérie Hoje é Dia de Maria, a arte e a cultura popular são as imagens representadas

que presentificam os objetos ausentes, mas existentes e que possibilitarão ao telespectador um

novo conhecimento e, para quem já o possuir, uma ampliação, ou renovação, isto é, um novo

olhar pela diferenciação dialógica e intertextual.

Carlos Rodrigues Brandão, professor e pesquisador da UNICAMP, atua na área de

Antropologia, principalmente nos temas: cultura, cultura popular, educação popular

educação ambiental e é autor de diversos livros. Numa entrevista, durante o programa

Salto para o Futuro (http://www.tvebrasil.com.br – s/d.), é perguntado a Brandão - “Qual

seria o papel da escola e da mídia, se elas pudessem trabalhar a favor dessas classes

populares, dessa cultura popular, no sentido de estar junto, de promover, de incorporar, de

se reconhecer...” - quanto ao papel da mídia, ele responde:

Brandão: Essa é uma questão muito complexa. Eu poderia responder a você com aminha própria experiência. Eu poderia dizer o seguinte: Alguns dos melhoresaprendizados que eu tive e sigo tendo a respeito de culturas populares, inclusive deoutros povos, de lugares onde eu nunca fui, foi através da mídia, foi através devídeos, de filmes, de programas culturais na televisão. Eu mesmo tenho umacoleção de discos de músicas etnográficas de povos indígenas do Brasil. E deoutros lugares, vários do mundo, músicas indígenas, de camponeses. Não fossemesses recursos, eu nunca ouviria essa música. Algumas dramatizações de culturaspopulares, às vezes, prestam um serviço muito grande, porque trazem e colocam a

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frente de milhões de pessoas alguma coisa que é uma “retradução” de experiênciasculturais. Mas, por outro lado, muito das piores coisas que eu tenho vistoacontecerem no mundo das culturas populares também, através, não só da mídia emsi, mas de uma associação entre o interesse de apropriação das culturas popularescomo mercadoria, esse que é o problema fundamental. E, misturada com umaespécie de domesticação midiática das culturas populares, há uma tendência, porexemplo, a tomar grupos de Bumba-Meu-Boi, de São Luiz do Maranhão, quesecularmente se apresentam em suas comunidades, em dias próprios e com todauma significação ritual, e colocar aquilo na porta do hotel. Ou colocar aquilo paraser filmado pela televisão e, de repente, ser cortado e aparecer em 3 minutos, comose tudo aquilo acontecesse segundo o olhar do programador da televisão. O que nóschamamos transformar o ritual, o que uma comunidade cria e vive, alguma coisaque ela cria a respeito dela mesma para ela mesma vivenciar num espetáculofragmentado, deslocado, muitas vezes até perdido do seu sentido original para umaplatéia assistir. (BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Entrevista concedida aoprograma Salto para o Futuro – TVE BRASIL.)

O trecho citado, da entrevista de Brandão no programa Salto para o Futuro, mostra de forma

clara a importância da presença da arte e da cultura na mídia televisiva. A construção da

protagonista “Maria” em Hoje é Dia de Maria faz uma transcodificação que expõe a milhares

de pessoas a diversidade cultural brasileira, pois a extensão territorial de nosso país

impossibilita, à grande maioria da população, a troca de experiências e o conhecimento das

diferentes manifestações culturais regionais, por isso a mídia televisiva é um importante

veículo para essa expansão cultural.

Tanto os cenários, como os personagens revestem-se da originalidade e identidade

regionais do nordeste brasileiro, do encontro das riquíssimas fábulas e contos populares e

ainda das cirandas infantis de Villa-Lobos. A cultura popular, a dramaturgia e o talento dos

artistas envolvidos na produção televisiva uniram-se, criando e recriando emoções,

profundamente arraigadas às nossas tradições, em busca de um roteiro que possibilitasse à

Rede Globo de Televisão a apresentação de uma microssérie que fosse representativa da

cultura regional brasileira e primasse pela qualidade, provando que é possível fazer trabalho

artístico na televisão.

1.2- Cenários, personagens, originalidade e identidade regionais

A microssérie Hoje é Dia de Maria era um projeto que percorreria o país, contando

histórias populares. Por esse motivo esperou dez anos para ser colocado em prática, pelo

alto custo que teria em viagens. O diretor Luiz Fernando Carvalho começou a estudar uma

opção teatral mais acessível ao público e mais envolvente. O domo é uma cobertura

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hemisférica, usado no Rock in Rio, em Jacarepaguá e foi a solução para a criação de um

cenário de 360º, o que possibilitou um efeito de animação, com os cenários sendo

mudados conforme os lugares por onde Maria, a protagonista, ia passando. As oficinas

foram montadas ao redor da estrutura, nelas é que aconteceram as criações do mundo

maravilhoso com a pequena Carolina Oliveira vivendo a saga de Maria, que sai em busca

das “franjas do mar” para fugir dos maus tratos da madrasta.

A iluminação necessitou de equipamentos específicos, que foram fabricados a partir da

reforma dos que estavam em desuso na emissora. Montaram um ciclorama, um painel que

circundou o domo por dentro com cenários desenhados, pintados à mão pela equipe do

pintor Clécio Régis. A cada uma das sete principais mudanças de paisagem previstas –

Milharal, Terra do Sol a Pino, Fornalha, Vilarejo, Lavoura e Bosque -, o ciclorama é

repintado sem ser desmontado. Em determinadas paisagens, a cenografia é objeto

principal dentro do domo, como a casa de Maria, e a pintura encarrega-se dos elementos

que dão perspectiva àquele cenário. Em outras, o jogo se inverte. A casa da Madastra, por

exemplo, foi pintada no painel e a cenografia ficou incumbida de fazer a ligação com

elementos tridimensionais. O portão e o jardim da casa pintada, por exemplo, eram

materiais – madeira, capim e flores – e foram montados dentro do domo. Também foi

construído um grande balão de luz central, no formato de cebola, e outros três menores,

todos pendurados no alto, além de lâmpadas especiais. Foi construída uma passarela no

alto para a luz “passear” pelo ciclorama, sem risco de sombras.

A estrutura do domo é de ferro, o que produz eco. Para solucionar esse problema foi

preciso montar uma cortina de madeira forrada com espumas grossas nas laterais e esticar

um lençol branco no alto, feito uma espécie de tenda árabe. Os figurinistas utilizaram

lona, palha, metal, os mais diversos materiais, inclusive reciclaram muitas peças do acervo

da emissora.

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Figura 3 – Domo – cenário de 360 graus em Hoje é Dia de Maria

Figura 4 – Milharal Figura 5 – Terra do Sol a Pino

Figura 6 – Fornalha Figura 7 – Vilarejo

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Figura 8 – Bosque Figura 9 - Lavoura de Trigo

Figura 19 – Casa de Maria Figura 11 – Casa da Madrasta

Percebe-se a influência de obras de arte no cenário e em alguns personagens. Para

exemplificar é possível observar que a obra “Paisagem com Corvos” de Vincent Van Gogh,

aparece como pano de fundo na cena da trágica morte de D. Chico Chicote. De acordo com a

crítica, considera-se esta paisagem um presságio do suicídio de Van Gogh. A composição do

quadro mostra caminhos divergentes que se perdem ao longe e a presença dos corvos acentua

a sua expressividade trágica.

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Figura 14Menina com Tranças e Laços -12/1955 - Desenho a grafite, crayon e lápis de cor/papel 34.5 x 20cm / Rio de Janeiro, RJ

Figura 16Retirantes 12/1959Pintura em óleo e madeira 90x 70,5cm / Rio de Janeiro, RJ

Figura 15Brodowsky 1932Pintura em óleo e madeira.47 cm/ Rio de Janeiro, RJ

Figura 12 - Paisagem com Corvos – Vincent Van Gogh

Figura 13 - Cenário da morte de D. Chico Chicote

A personagem Maria - criança é inspirada no quadro “Menina com tranças e laços”, de

Cândido Portinari, de 1955. Sob o mesmo título e similares, Portinari produziu

aproximadamente 297 obras, nas quais expressa a vida de nossa gente e nossa cultura, o que

sugere a diversidade étnica. As obras de Cândido Portinari estão repletas do tema “infância” e

temas sociais do povo brasileiro.

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Os objetos cenográficos são constituídos de materiais recicláveis ou objetos já

utilizados, em frangalhos, que, quando colocados lado a lado, possibilitam o nascimento de

um novo objeto. Essas idéias são partilhadas por aqueles artistas que, na segunda metade do

século XX, trabalharam com objetos da indústria de consumo. Mesmo descartados pelo uso,

esses objetos carregam sua história, forma ou alma. Um exemplo de artista que trabalha sob

essa concepção é Robert Rauschenberg, do movimento Art Pop, que utiliza objetos prosaicos

do cotidiano em justaposições incomuns, re-processando imagens da cultura de massa.

Figura 17 – Obras de Robert Rauschenberg - Movimento Art Pop

A obra de Arthur Bispo do Rosário4 também atribui destaque especial aos objetos do

cotidiano, criando novas idéias e novos significados, através da forma como eram arranjadas

na composição. O uso de materiais como papel, sucata, fibra de vidro, tecidos, marmitas de

4 Arthur Bispo do Rosário nasceu em Japaratuba, Sergipe, (1911 ou 1909 – 1989) Sua vida foi escolhida comoenredo para o filme “O Senhor do Labirinto”, obra homônima do livro da escritora Luciana Hidalgo.

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alumínio etc., demonstra uma concepção Dadaísta presente nas cenas da “Gata Borralheira e

o Sapatinho Encarnado”, da Primeira Jornada e nos figurinos de Maria adulta. O uso desses

materiais é, segundo depoimento de Luiz Fernando, uma tentativa de representar as

contradições do mundo moderno.

Figura 18 – Obras de Arthur Bispo do Rosário

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Figura 19 – Alguns dos figurinos de Maria adulta e de Rosicler

A presença de bonecos manipuláveis, criados pelo tradicional grupo mineiro de teatro

Giramundo, as marionetes sem fio de Catin Nardi, o uso do stop motion para dar vida a

objetos inanimados e os efeitos de animação do cenário remetem às concepções artísticas da

arte Cinética de Jean Tinguely que trabalha com obras mecânicas que se movimentam

(Métamécanisme). Essas concepções artísticas alinham-se, visualmente, na produção

televisiva criando novas possibilidades de leitura para o telespectador.

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Figura 20 - As marionetes sem fio de Catin Nardi

Figura 21 – Mecânica que movimenta o relógio Figura 22 - Jean Tinguely - Arte Cinética

O figurino de D. Chico Chicote, personagem da Segunda Jornada, tem a cabeça

formada por um livro aberto que nos lembra a obra “O bibliotecário”, de Giuseppe

Arcimboldo, artista do século XVI, cuja idéia principal se refere ao homem como parte da

importância da obra de Cervantes na literatura ocidental e do livro no mundo contemporâneo.

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Figura 23 - O Bibliotecário, de Giuseppe Arcimboldo Figura 24 – Dom Chico Chicote

Toda história pressupõe um texto narrativo, o que situa o homem na temporalidade de

uma produção textual marcada pela narratividade. É uma existência recíproca. Um texto

narrativo, independentemente do(s) sistema(s) semiótico(s) presente(s) na sua estrutura, relata

eventos reais ou fictícios. As restrições modais que dependem da intencionalidade, sucedem-

se no tempo e no espaço, representando estados sofridos por agentes individuais ou coletivos,

situados no espaço de um mundo empírico ou possível. Alguns autores classificam os textos

narrativos em naturais e artificiais, naturais os que representam o real e, artificiais, os

inspirados no real.

O espaço, um dos elementos estruturais da narrativa, indispensável no mundo narrado,

é um espaço físico e social, seja realista ou fantástico, constituindo-se em cenários onde

ocorrem os fatos e situam-se os agentes. O outro elemento estrutural relevante do texto

narrativo é o tempo:

Tempo – cronologia, que marca a sucessão dos eventos; tempo concreto, do tempocomo dureé na acepção bergsoniana deste termo, que modela e transforma osagentes; tempo histórico, que subsume o tempo – cronologia e o tempo concreto,que configura e desfigura os indivíduos e as comunidades sociais. (AGUIAR ESILVA, 2002, p. 204).

Uma história para ser contada precisa ser criada, inventada, ou ainda, reinventada. O

texto de Field (2001) aponta critérios que mostram o processo que possibilita o

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desenvolvimento de uma obra. A pesquisa inicia-se pelo assunto, e sucessivamente a ação, os

personagens, os objetos e cenários também são definidos. Encontrando a história e

personagens, os roteiros seguirão uma linha de ação narrativa e, cada cena, cada fragmento

leva a algum lugar, movendo-se para frente em termos de desenvolvimento da história. Um

roteiro lida com imagens visuais, um romance, com a vida interior, uma peça teatral, utiliza-se

de diálogos, e a estrutura, é um contexto que “segura” tudo em seu lugar, é uma “ferramenta”

que ajuda a construir a história sob a forma dramática.

O capitulo 5, do livro de Field (2001) - “O que compõe um bom personagem?”,

mostra que o “bom personagem é o coração, a alma e o sistema nervoso do seu roteiro,” e

completa dizendo que os espectadores experimentam emoções e são sensibilizados por meio

dos personagens, pois exprimem suas esperanças, sonhos e medos.

Ao falar sobre a vida de um homem, os filósofos falam que esta é medida pela soma

total de suas ações; então “ação é personagem”, porque uma pessoa faz o que ela é e, não o

que ela diz. Para essa observação é necessário analisar quatro elementos: a necessidade

dramática, que é o modo como o personagem quer vencer, ganhar, conseguir ou alcançar

durante o transcurso no roteiro. Os obstáculos que surgem para alcançar a necessidade

dramática geram o conflito, que é essencial para o enredo; o ponto de vista, a maneira como o

personagem vê o mundo, a partir daí é ativo e vai agir de acordo com o seu ponto de vista, e

não simplesmente reagir; a mudança, é a transformação que o personagem atravessa ao longo

do roteiro; e a atitude, que pode ser positiva ou negativa, superior ou inferior, crítica ou

ingênua, alegre ou triste, fraca ou forte, boa ou má, corajosa ou covarde, pessimista ou

otimista.

Ao analisar a necessidade dramática de Maria durante a primeira jornada, percebe-

se que ela quer alcançar o seu tesouro e, para tanto, guarda uma “chavinha” e precisa chegar

até as “franjas do mar”. É uma menina alegre, ingênua e cheia de sonhos. O pai é viúvo, e

Maria, bonita e muito nova, é assediada por ele, como no conto infantil Pele de Asno, pela

falta de lucidez provocada pela bebida. É o obstáculo que dá inicio aos conflitos do enredo.

Ela sugere ao pai que se case com a vizinha viúva, assim surge o segundo obstáculo. Com o

casamento do pai, Maria ganha uma madrasta, como a sugerida pela história de Cinderela.

Começa a ser escravizada pela madrasta, fazendo os trabalhos no campo, os afazeres

domésticos e não lhe sobra mais tempo para brincar. Suas forças se esgotam e ela morre.

Renasce ao ser encontrada pelo pai, mas sai para sua jornada em busca de seu tesouro pois

não consegue mais conviver com a madrasta e sua filha Joaninha. Enfrenta muitas

dificuldades, a seca do sertão, o sol forte, a sede, a maldade das pessoas, o desânimo de quem

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desiste, a falta da noite, o cansaço, as meninas carvoeiras que venderam a sombra ao demônio

e cuja sina é trabalhar. Acrescente-se, ainda, as artimanhas de Asmodeu – o diabo -, que se

apresenta de diferentes formas para atrapalhar sua jornada. É desafiada e desafia Asmodeu

que quer sua sombra. Maria perde sua chavinha, Asmodeu encontra-a e apodera-se dela,

fazendo o tempo avançar. Maria perde a infância.

De repente, vê-se adulta e continua sofrendo com as artimanhas de Asmodeu. Começa

a trabalhar como bóia-fria na derrubada da cana, reencontra-se com a madrasta e Joaninha. O

príncipe desaparecido, filho do fazendeiro, retorna, e este faz uma grande festa para

comemorar o retorno do filho e para que este escolha uma esposa. A Madrasta e Joaninha

vestem-se em trajes de domingo e vão, porém Maria não tem o que vestir e nem o que calçar.

Maria consegue um belo traje, porém só poderá usá-lo até meia-noite. Ao fugir do baile perde

um pé do sapatinho. Maria é a escolhida pelo príncipe para ser sua esposa, mas para isso terá

que passar por uma prova de servidão, como lavar, passar, cozinhar. Passa pela difícil prova e

deverá casar-se com o príncipe. Porém, não está feliz! Na hora do casamento ouve o piado do

Pássaro Encantado, como querendo impedí-la de casar-se. Desiste do casamento.

Maria dá seu vestido e seu sapato à Joaninha e sai em busca do Pássaro Encantado.

Encontra-o ferido com uma flecha cravada em seu corpo. Porém seu amado tem a sina de ser

pássaro durante o dia e um belo rapaz somente depois que o sol se põe. Maria encontra os

saltimbancos, aceita o convite em acompanhá-los e desperta o amor de Quirino, mas não pode

correspondê-lo, pois ela ama o Pássaro Encantado e ele também a ama. Quirino, enciumado e

com inveja desse amor, prende o Pássaro numa gaiola. O Pai reencontra Maria e morre pouco

tempo depois. Asmodeu, senhor dos descaminhos, inconformado com o fato de não conseguir

impedir Maria de ser feliz, chora e faz suas lágrimas transformarem-se em gelo e neve até que

Amado fique preso no gelo e venha a falecer. Asmodeu, revoltado, devolve a infância de

Maria, assim que ela consegue trazer de volta à vida o Pássaro Incomum. Maria sente-se

perdida, sem rumo, Asmodeu continua a persegui-la. Ela faz o caminho de volta e reencontra

sua família, mas Asmodeu quer jogar uma maldição em Maria e no Ciganinho.

Maria, psicologicamente, apresenta-se como inocente, sonhadora, alegre e sempre

acreditou em seu sonho, o que configura o ponto de vista5, segundo Field (2001). Generosa ao

perdoar o assédio do pai, justificando-o diante da imagem de Nossa Senhora Conceição

dizendo “É que ele é assim de lua, de rompante, de brabeza...” e ainda pede proteção a ele e à

5 FIELD (2001) apresenta em seu livro Os exercícios do roterista: exercícios e instruções passo a passo paracriar um roteiro de sucesso, uma abordagem prática, das páginas 43 – 49; as categorias que compõem um bompersonagem: a necessidade dramática, o ponto de vista, a mudança e a atitude, são elementos importantes para aanálise do desenvolvimento das personagens.

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mãe falecida. Sua inocência não a deixa perceber a verdadeira intenção da vizinha, quando se

aproxima oferecendo-lhe mel, nem mesmo quando seu pai lhe diz “Pui a tarzinha agora te dá

mel? Pui ao despois há de te dar fel...”. Maria crê na Senhora que aparece sobre uma pedra do

outro lado do ribeirão, onde lava uma enorme pilha de roupa, que diz poder ver a imagem de

sua mãe na superfície das águas do rio e ainda diz palavras como “Arreda a tristeza que seu

dia há de chegar”, é quando Maria fala de seu sonho e ouve atenta o que a Senhora diz:

“Entonce põe tenção nelas: Escuite! Num é deitando pranto que elas vão pro mar... Escuite

bem: elas vão cantando!.....”, neste momento reforça a sua fé e acredita ainda mais em seu

sonho de chegar às franjas do mar. Maria não tem mais a alegria de antes, mas mesmo diante

das dificuldades da seca e do sol intenso, não desiste de seu sonho. Aceita e acredita nos

encantamentos que a acompanham em sua jornada. Só não se deixa levar pelas aparências e

nem pelas ofertas tentadoras do Demônio, logo o reconhece e tenta impedi-lo de fazer mal às

pessoas. Desperta para o amor, continua a buscar seu sonho, mas quer a companhia de seu

Amado Encantado. Não aceita o amor de Quirino, é sincera com ele e com o Amado. Não

desiste, e enfrenta as dificuldades sem se revoltar, continua sonhadora, alegre e sempre em

busca da realização do seu sonho.

A mudança mostra que a personagem Maria, durante o roteiro, tinha uma vida alegre,

brincava, ajudava o pai nos afazeres da casa, tinha o seu carinho. Depois que sofre o assédio

do pai fica assustada, com medo, insegura e preocupada. Fica ainda mais abatida depois que o

pai se casa com a vizinha viúva. Suas forças são vencidas pelo cansaço do trabalho escravo

que lhe é imposto e, nem seus sonhos, ou suas orações são suficientes para levá-la a suportar

tanto. Depois de renascida, ao ser encontrada pelo pai, continua boa, meiga e ingênua, firme

em sua fé e em seu propósito enfrenta com coragem e inteligência as dificuldades encontradas

durante sua jornada. Devido à sua bondade, interrompe seu caminho para ajudar Zé Cangaia,

um amigo que conhecera no mesmo momento em que ele se deixa levar inocentemente pela

tentação do Demônio. Asmodeu avança o tempo, Maria transforma-se numa bela jovem e

começa a ter sensações novas. Começa a trabalhar na lavoura, mas não perde sua bondade e

sua meiguice, não se entregando à luxúria e à riqueza. Descobre o amor com o Pássaro

Encantado. Fica muito feliz por reencontrar o pai. A angústia e a tristeza tomam conta de

Maria com a ausência do Pássaro Encantado. Sai sozinha à procura do Amado. Asmodeu a faz

retornar à infância e ela descobre que é o Ciganinho o seu anjo protetor e seu grande amor que

virá a ser o Pássaro Encantado. Maria sofre apenas mudanças físicas e sentimentais, porém

seu caráter e seus princípios continuaram os mesmos.

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A atitude mostra que Maria, apesar de toda sua fragilidade, inocência e ingenuidade,

mostra-se forte e corajosa ao buscar uma saída para deixar de sofrer o assédio do pai. Não

desiste de seu sonho – encontrar seu tesouro nas franjas do mar. Suporta toda a humilhação e

os serviços pesados impostos pela madrasta e não deixa de ser uma pessoa boa. Apesar de

oscilar entre momentos de alegria e tristeza, vitórias e derrotas, suas atitudes são sempre

corajosas e boas, Maria não deixa, em nenhum momento ou circunstância, de ser solidária e

justa. Enfrenta o Demônio com inteligência, sabedoria e coragem. Fragiliza-se com o novo

corpo e com os novos sentimentos e, mesmo assim, consegue perceber que o Príncipe, apesar

de rico, não é seu verdadeiro amor. Desiste do casamento, encontra no Pássaro Encantado, seu

verdadeiro amor. Segue seu caminho mesmo diante de tantas angústias, pois seu sentimento

de amor e de fé supera qualquer obstáculo, mesmo nos momentos de insegurança. O amor que

sente e sua bondade não lhe permitem suspeitar que Quirino tenha sido o responsável pelo

desaparecimento do Amado, e sai à procura do Pássaro. Reúne todas as suas forças, suporta a

morte do pai e a fúria do Demônio. Para salvar o Amado enfrenta, com coragem, o Demônio,

e consegue reaver sua chavinha. Com esta, com o calor da fogueira e seu sentimento de amor,

traz seu Amado de volta à vida. O Demônio, enfurecido, faz o tempo voltar para Maria. Ela,

novamente criança e sem a memória do tempo de antes, não perde sua coragem, sua

inocência, sua ingenuidade, sua alegria e encontra Ciganinho, e em sua companhia seguem

juntos e finalmente alcançam as franjas do mar. Maria, em todo o percurso da microssérie

mantém do princípio ao fim a atitude alegre de uma criança, a atitude positiva de uma pessoa

do bem e, apesar de sua ingenuidade, apresenta-se forte, otimista e corajosa, como toda

pessoa que tem convicção do que quer e sabe o que busca.

Na microssérie Hoje é Dia de Maria, a personagem “Maria”, oferece ao espectador a

oportunidade de entrar em contato com o processo de produção literária da série, e de reviver

na jornada de Maria, carregada de simbolismo, fundada nas raízes mais profundas do

imaginário popular.

É uma obra de dramaturgia, por isso é um exercício intelectual e de imaginação

(BACHELARD, 1989) que ao longo da história criou personagens inesquecíveis, referenciais

no arcabouço de significados de cada cultura, que reconstroem e revitalizam o inesgotável

manancial criativo das lendas e narrativas brasileiras.

Apresentada em oito episódios, a primeira jornada começa com a perda da mãe. Maria

conhece logo cedo a dor e sua primeira vida não resiste à maldade, morrendo devido às

maldades da madrasta. Sopra o vento sobre o milharal que cobre sua cova, como ocorre num

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conto popular A Menina e o Figo6 bastante conhecido. A lágrima do pai devolve-lhe a vida.

Ela renasce para buscar seu destino. Protegida por Nossa Senhora vira santa peregrina,

atravessando o Brasil. Um pássaro a acompanha. Conhece o Demônio, que, com sua magia,

escraviza crianças, explora os ingênuos e tenta destruir a alegria de Maria roubando-lhe a

infância. Maria resiste. Tem fé e busca a imensidão. No corpo da mulher adulta, ainda é

seguida pelo Pássaro Encantado, o amor que, com seu apoio e constância, dá-lhe forças para

manter a fé cristã. Maria desvenda a farsa de um casamento que a uniria ao poder e à riqueza,

sonho da madrasta. Quase no altar, percebe que o noivo não é gente e que todo aquele luxo

decora o castelo da mentira. Foge. O Pássaro encantado é perseguido e ferido, mas ela

consegue livrar-se da armadilha sedutora da ascensão social. Dois artistas do povo a acolhem

com criatividade e afeição - são os mambembes, a alma dos nossos artistas. O saltimbanco

Quirino apaixona-se por Maria, mas descobre que seu amor não é correspondido porque ela

ama o Pássaro. Enlouquecido pelo ciúme, seqüestra o Amado. O Demônio faz o resto e o

enterra na neve. Com o calor de seu corpo e seu sentimento de amor, Maria ressuscita o

Amado. Continua seu caminho e retorna ao tempo em que a mãe era viva.

Tudo foi sonho? Nada aconteceu? Depende do coração e das asas da imaginação. Na

dureza do trabalho, e pior, no desemprego, no sofrimento, na violência, mas também no

aconchego do lar, na poesia, na amizade, na gentileza, na simplicidade, sempre existe uma

Maria.

Hoje é dia de Maria é a viagem num só tempo, poética e trágica, da inocência de uma

menina rumo à maturidade e às descobertas da vida moderna, com toda a corrupção e o

sofrimento que ela contém. Partindo do nosso folclore, sua peregrinação ultrapassa

fronteiras e encontra outros povos, o que é importante e verdadeiro, é universal. Sua

mensagem é o esforço humano para manter vivos o amor e a esperança, apesar de tudo.

Maria é apresentada em duas fases, criança e adulta. Quando criança é representada por

Carolina de Oliveira. Sagaz, esperta e viva. Maria é decidida e tem uma coragem bastante

temerária. Sua trajetória do interior sertanejo em busca do mar coincide com o rito de

passagem da infância para a idade adulta, do mundo lúdico à descoberta do amor. Com sua

infância roubada por Asmodeu, Maria se torna um pouco mais reflexiva e emotiva. Quando

adulta Maria é representada por Letícia Sabatella. Contudo, sua vivacidade e perspicácia

infantis insistem em não deixá-la.

6 O conto popular que retrata a história de uma menina que é enterrada e que nasce sobre seu corpo um capinzalé recontado de diferentes formas e por diferentes autores como: A menina e o figo (COELHO, 1879, in 1985, p.198-9); A menina enterrada viva (CÂMARA CASCUDO, 2000); A menina dos cabelos de capim(GUILHERME (2000). Será apresentado no Capítulo 3 – 3.1, p. 80).

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Figura 25 – Maria criança por Carolina de Oliveira e, adulta por Letícia Sabatella

O Pai é interpretado por Osmar Prado, homem fraco, é incapaz de persistir em seus objetivos.

Sua trajetória consistirá na busca da filha para se redimir dos maus tratos da madrasta e do

assédio dele à filha. Em sua acidentada caminhada, acaba sempre sucumbindo às tentações de

Asmodeu.

Figura 26 – O Pai, por Osmar Prado

A Madrasta, de Fernanda Montenegro, é a face nociva e obscura da figura materna.

Extremamente avarenta e completamente egocêntrica, seu sonho é enriquecer e, para isso, está

disposta a fazer qualquer coisa. Seu lado negativo é contrabalançado por sua inabilidade em

fazer com que suas tramas dêem certas, o que a torna cômica. No fundo, é uma tola contra a

qual tudo parece conspirar.

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Figura 27 – A madrasta, por Fernanda Montenegro

Joaninha é uma personagem apresentada também em duas fases. Quando criança, interpretada

por Thainá Pina, filha da Madrasta, sua existência resume-se a comer e comer. É um estorvo

na vida da mãe.

Figura 28 – Joaninha criança – filha da madrasta - por Thainá Pina

Depois de crescida, representada por Rafaella Oliveira, continua comendo sem parar. Sempre

acompanhada da mãe, morre de inveja quando o Príncipe se apaixona por Maria.

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Figura 29 – Joaninha adulta – por Rafaella Oliveira

Amado, representado por Rodrigo Santoro, é aquele que Maria busca sem perceber e que

esteve sempre ao seu lado, encantado como Pássaro Incomum. Dividindo o papel de par

romântico de Maria adulta, o Pássaro causou verdadeiro rebuliço entre os integrantes do

Giramundo. Sua confecção exigiu um verdadeiro trabalho de equipe: enquanto Ulisses

Tavares desenvolveu o corpo e Sophia Felipe articulou patas, garras, cabeça e crista, Eduardo

Félix suou para encontrar a asa ideal em formato de “leque” e o rabo da ave. Todos esses

elementos são manipulados através de 20 fios. A marionete ostenta pesados 12 kg para um

boneco que “voa”. Seu peso é sustentado pela mesma grua que eleva os manipuladores

durante as evoluções da ave. Encarna a melhor paixão, a juvenil.

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Figura 30 – Pássaro Incomum – o Amado encantado Figura 31 – Amado, por Rodrigo Santoro

Nossa Senhora da Conceição – por Juliana Carneiro da Cunha. Protetora, sua imagem consola

Maria nos momentos de tristeza e saudades. Diz à Maria que continue buscando, sempre

seguindo o seu coração.

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Figura 32 – Nossa Senhora da Conceição, por Juliana Carneiro da Cunha

Zé Cangaia – Gero Camilo representa o sujeito tolo de tão ingênuo e bom-caráter, vê o mundo

com os olhos lúdicos e irresponsáveis de uma criança. Vende apitos de barro num vilarejo, o

que mal dá para a comida. Troca sua sombra – o que equivale a vender sua alma ao demônio

por um sanduíche, mas depois consegue recuperá-la com a ajuda de Maria.

Figura 33 – Zé Cangaia – por Gero Camilo

Quirino, o saltimbanco, interpretado por Daniel de Oliveira, é ágil com as palavras e gestos, e

provoca a todos na platéia. Apaixona-se por Maria à primeira vista. De palhaço alegre e vivaz,

torna-se melancólico e ciumento, pois seu amor não é correspondido.

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Figura 34 - Quirino, o saltimbanco, por Daniel de Oliveira

Rosa, por Inês Peixoto, faz a irmã de Quirino, é sua companheira no palco e na vida

mambembe. Improvisa e faz graça para platéia com sua sanfona. Transforma-se em grande

amiga de Maria e vê a sorte das pessoas nas cartas de tarô.

Figura 35 - Rosa, por Inês Peixoto

No figurino do Maltrapilho, havia acessórios pendurados, aleatoriamente, o que deu a idéia de

que ele carregava o mundo. Como na obra de Arthur Bispo do Rosário que criava novas

idéias e novos significados com objetos do cotidiano, através da forma como eram arranjadas

na composição. Assim como o Mendigo, o Homem de Olhar Triste, o Mascate e o Vendedor,

são alguns dos guardiões que acompanharão Maria em sua trajetória. São figuras atemporais e

líricas, que têm linguajar metafórico, poético e cômico, próprio dos poetas e narradores

populares. Todos eles representados por Rodolfo Vaz.

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O Maltrapilho, depois de ter o ferimento na perna cuidado por Maria, desaparece

deixando uma corda feita de trapos de pano.

Figura 36 - O Maltrapilho, por Rodolfo Vaz

O Homem de Olhar Triste ajuda Maria a livrar o Morto de ser espancado pelos

Executivos.

Figura 37 – Homem de Olhar Triste, por Rodolfo Vaz

O Mendigo pede água à Maria, que mata a sede dele com o único “tantinho” de água que

levava em sua cabaça e ele conta a ela que a noite está com os Índios.

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Figura 38 - Mendigo – também por Rodolfo Vaz

O Mascate, mais um dos protetores de Maria, dá a ela o belo vestido e os sapatos

encantados com os quais ela vai ao baile de comemoração pelo regresso do Príncipe.

Figura 39 – Mascate, o Salim - por Rodolfo Vaz

O Vendedor, Senhor Morruga, é um Português, esse vendedor ambulante vende as mais

diversas bugigangas. Como protetor do Pai, dá-lhe coragem para que não desista de seguir o

seu caminho, escutar o seu coração e reencontrar Maria para pedir-lhe perdão.

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Figura 40 – Vendedor , Senhor Morruga – Rodolfo Vaz

O Retirante, por Nanego Lira, acompanhado de sua família, desiste de ir à direção ao

mar, pois, como a noite foi roubada, não consegue atravessar o sertão.

Figura 41 – Retirante, por Nanego Lira

A Menina Carvoeira – representada por Laura Lobo, assim como outras crianças trabalha

cortando lenha para a fornalha. Maria percebe que nenhuma das crianças carvoeiras tem

sombra. Dentre as várias obras já citadas nesta pesquisa, não poderia deixar de incluir a poesia

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de Manuel Bandeira – Meninos Carvoeiros7 -, que também retrata a exploração da mão-de-

obra infantil e uma vida de miséria.

Figura 42 - Menina Carvoeira, por Laura Lobo

O Asmodeu, o talzinho que persegue Maria, apresenta-se de sete formas, e o que não

falta são apelidos para o diabo. Coisa-ruim, Tinhoso, Lúcifer, Cramulhão, Satanás, Belzebu,

entre outros. Asmodeu é a matriz que origina outras seis personagens, todas loucas atrás da

sombra da menina. Na Bíblia, é citado em Tobias como o demônio que se apaixona por Sara e

mata todos os maridos dela, não a deixando consumar o casamento. Mas Sara conhece Tobias,

que é ajudado pelo anjo Rafael e consegue vencê-lo. Já o Asmodeu persa, considerado o chefe

dos demônios e tem a missão de encher os corações humanos de raiva e inveja. Na

demonologia, é um dos reis do inferno e seu mês correspondente é Novembro. O nome

Asmodeu vem do hebraico Asmoday ou Acheneday e aparece no zoroastrismo, antigo sistema

religioso-filosófico que influenciou o cristianismo, islamismo e judaísmo e tem o princípio

básico de que o bem e o mal estão inerentes a todos os elementos do universo. É uma figura

que surge em diferentes aparências, que sempre enganam. Em Hoje é Dia de Maria, o

Asmodeu original, representado por Stênio Garcia, é manco e tem um andar curvado.

Aparenta ser um bicho primitivo, tem chifres, pés de bode e tronco de homem. É muito

animalesco e trabalha com os sentidos, o tato e o olfato. É arrogante e se crê mais poderoso e

perspicaz do que é de fato. Costuma comprar a sombra das pessoas que, ingenuamente, não

7 A poesia “Meninos Carvoeiros”, de Manuel Bandeira pode ser lida no sitehttp://www.jornaldepoesia.jor.br/manuelbandeira02.html. Acesso em 05 nov. 2008.

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sabem que estão vendendo a alma ao diabo. Depois de ser enfrentado por Maria, tenta a todo

custo desviá-la de seu caminho. Para ludibriar a menina e aos que a cercam, é capaz de

transformar-se em outras personalidades. No ápice de sua crueldade, chega a roubar a infância

dela. Os outros seis Asmodeus têm um figurino menos demoníaco, mas todos são tinhosos,

com um elemento sedutor que os caracteriza.

Figura 43 - Asmodeu Original, por Stênio Garcia

O Asmodeu bonito, de João Sabiá, impressiona as mulheres pela sua beleza, chega a

enganar a Madrasta.

Figura 44 - Asmodeu Bonito, de João Sabiá

O Asmodeu sátiro, de Ricardo Blat, aproveita-se da tristeza do Pai e oferece

companhia em troca de sua sombra.

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Figura 45 - Asmodeu Sátiro, de Ricardo Blat

O Asmodeu brincante, interpretado por Antônio Edson, tem como arma a simpatia e a

alegria, que quase enganam Maria.

Figura 46 - Asmodeu Brincante, por Antônio Edson

O mágico, interpretação de André Valli, por sua vez, com seus jogos performáticos

enrola o Pai, diz a ele que a filha está morta.

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Figura 47 – Asmodeu Mágico, por André Valli

Asmodeu velho, de Emiliano Queiroz, assedia o Pai, quase coloca o encontro dele com

Maria por água abaixo com suas palavras de desestímulo.

Figura 48 – Asmodeu Velho, por Emiliano Queiroz

O Asmodeu poeta, representado por Luiz Damasceno, tem a palavra como arma de

sedução, que usou com simplicidade para conquistar a simpatia de Maria.

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Figura 49 - Asmodeu Poeta, por Luiz Damasceno

Figura 50 – Da esquerda para a direita, os Asmodeus: Sátiro, Bonito, Poeta,Brincante, Velho, Mágico e à frente, Asmodeu Original

Os cangaceiros, inspirados nos samurais, usaram roupa metalizada. A lona deu idéia de

couraça. Não houve compromisso em situá-los no tempo e no espaço. Os cavalos foram feitos

em resina e colocados sobre rodinhas, o principal deles foi revestido do tecido de uma manta

feita à mão por uma tribo do Norte da África, doada pelo próprio Luiz Fernando Carvalho. Os

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outros foram recobertos com materiais reciclados, como tampinha de garrafa, marmitas de

alumínio, chapas de off set, adereços de carnaval e feltros que sobraram de figurinos da

emissora. Os animais da história são bonecos, são marionetes, feitos de madeira, pintados ou

revestidos com fios de linha ou placas de alumínio. O grupo Gira Mundo se encarregou da

confecção e manipulação de aves, pássaros e répteis, também pelas cenas em que as sombras

ganharam vida própria. Trata-se de um boneco chapado, de papel, com varinhas fininhas, que

foi manipulado com luz atrás. Sua criação foi baseada em desenhos de cordel. A maior parte

das peças ligadas ao cenário e à arte foram feitas à mão e foram comprados com encomenda

especial 40 apitos de barro, que não são mais feitos no Nordeste. Representados por Marco

Ricca, Ilya São Paulo e Aramis Trindade, os Cangaceiros ameaçam matar o Pai quando esse

se recusa a pagar propina para cruzar o sertão, mas desistem quando se dão conta de que o

fardo que aquele homem carrega já é pesado demais.

Figura 51 – Os Cangaceiros, por Marco Ricca, Ilya São Paulo e Aramis Trindade

Os Executivos são representados por Charles Fricks e Leandro Castilho, com feições de

boneco. Proíbem que o Morto seja enterrado e o espancam até que algum parente pague sua

dívida.

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Figura 52 – Os Executivos, por Charles Fricks e Leandro Castilho

A Camponesa ( Mônica Nassif), indica a Maria como invocar o Demo, para que esta

possa reaver a sombra do amigo Zé Cangaia.

Figura 53 – A Camponesa, por Mônica Nassif

O Príncipe, Rodrigo Rubik, se encanta por Maria no baile e a pede em casamento. Usa uma

máscara, pois não tem rosto.

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Figura 54 – O Príncipe, por Rodrigo Rubik

A Mucama, Denise Assunção, trabalha na fazenda do Príncipe.

Figura 55 – Mucama, por Denise Assunção

Conceição, a Ceição, também representada por Juliana Carneiro da Cunha, é a mãe de Maria,

mesmo aparecendo viva somente no final da microssérie, esteve presente desde o início na

figura de Nossa Senhora Conceição e da Camponesa.

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Figura 56 – Ceição, por Juliana Carneiro da Cunha

O Ciganinho, representado por Philipe Louis, aparece como tal somente na jornada de

Maria criança e a ajuda a alcançar as franjas do mar. Somente nesse momento Maria

percebe que ele é seu Anjo da Guarda.

Figura 57 – Ciganinho, por Philipe Louis

A microssérie Hoje é Dia de Maria apresenta uma brasilidade associada a uma

ideologia de heterogeneidade com outras literaturas em que a principal característica é a

oralidade e os detalhes aparecem para ilustrar a narrativa e para ser a narrativa num constante

diálogo intertextual que valoriza a diversidade com um formato estético totalmente inovador.

A trilha sonora composta pelas cirandas de Villa-Lobos, é também um elemento que constitui

os momentos vividos e as ações praticadas pelas personagens; outra marca de brasilidade é o

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chorinho Carinhoso, do mestre Pixinguinha, os repentes, os desafios, os jogos de linguagem,

as cantigas de roda infantis, são elementos que mostram a cara do país e fazem referência à

nossa história como nação. A trama gira em torno da menina Maria que em sua jornada

metaforiza o percurso do herói em busca pelo conhecimento do mundo e de si (JOLLES, A.

1976). Os elementos da dura realidade mostrados pelos contos, as cantigas, os folguedos, os

cangaceiros, as vítimas do trabalho infantil nas carvoarias, índios em cerimônias dançantes e

os demais contrastes sociais da vasta cultura brasileira são alguns dos recursos empregados na

busca de uma identidade nacional espelhada em nossa cultura. Trata-se de uma criação de

estrutura e linguagem televisivas novas que promovem o resgate da cultura popular de grande

diversidade e identidade, muitas vezes tão esquecida entre nós brasileiros, como mostra o

próximo capítulo.

CAPÍTULO 2

DIALOGANDO COM A CULTURA POPULAR

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2.1 - A construção do repertório da minissérie Hoje é Dia de Maria

A construção de um repertório estabelece critérios de seleção que permitam a elevação

dos níveis de audiência, pois mesmo o produto mais sofisticado e seletivo encontra na

televisão um público de massa, o que desloca o conceito de “elitismo”8. É o resgate da

inteligência, a criatividade e o espírito crítico que deixaram de ficar reprimidos em

abordagens tradicionais, permitindo que a televisão passe a ser encarada como fato da

cultura contemporânea.

A heterogeneidade do meio social dificulta o consenso sobre a interação entre

produtores e receptores. A equacionalização da grande variedade de valores e a oferta de

um número maior de “qualidades” é produzir “TV de qualidade”. Segundo Geolf Mulgan

(apud MACHADO, 2001), a boa utilização dos recursos expressivos do meio, explorando

os recursos da linguagem, inovando-os; e a promoção, como num ritual coletivo, de

diferentes aspectos pedagógicos, de valores morais, construtores de conduta juntamente

com a comoção nacional em torno de grandes temas coletivos e a valorização das

diferenças, respeitando as individualidades, as minorias e os excluídos, é produzir TV de

qualidade.

O repertório de Hoje é Dia de Maria apóia-se nos contos de fada e nos contos

maravilhosos, revestidos de criatividade e atualizações. Os contos de fada é uma variação

do conto popular ou fábula, transmitidas oralmente, e o herói ou heroína tem de enfrentar

grandes obstáculos antes de triunfar contra o mal. Envolvem, pelas suas próprias

características, algum tipo de magia, metamorfose ou encantamento.

É nessa diversidade que ocorre a expressão de uma sociedade multicultural, porém não

são cânones, apenas oferecem pontos de ancoragem para a reflexão e avaliação do que a

TV produz. Hoje é Dia de Maria é um repertório pensado especificamente para a TV,

levando em consideração questões próprias do meio, uma perfeita síntese do popular e do

erudito, do simples e do sofisticado, da inovação de linguagem e da acessibilidade a um

público mais amplo.8 “O Elitismo provém, não da prosperidade ou de funções sociais específicas, mas de um vasto e complexo corpode símbolos, inclusive de condutas, estilos de vestimenta, sotaque, atividades recreativas, rituais, cerimônias e deum punhado de outras características. Habilidades e aptidões que podem ser ensinadas são conscientes, enquantoo grande vulto de símbolos que forma o verdadeiro elitismo é inconsciente.” (REZK, 2000)

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2.2- A qualidade na TV para uma cultura de massa

A qualidade na televisão é uma questão de mudança de enfoque, é um fenômeno de

massa de grande impacto na vida social moderna, que produz com criatividade,

inteligência e causa inquietação. A TV é a oportunidade de expressão dos anseios, das

dúvidas, das crenças, das descrenças, das inquietações e das descobertas de uma

civilização, inclusive abrindo oportunidades para que o receptor possa alçar vôos pela

imaginação.

Muitas são as teorias ligadas à vida cotidiana, à cultura popular, ao espaço público e

aos mecanismos de mediação entre emissores e receptores, que apresentam uma idéia de

televisão com a qual nos identificamos e ainda possibilita a formação de mentalidades

criativas para a televisão do futuro; como diz Arlindo Machado (2001, p. 13), a TV “[...] é

e será aquilo que nós fizermos dela”.

A discussão sobre a qualidade da TV começou nos anos 80, quando a expressão

“quality television” aparece pela primeira vez no contexto intelectual britânico, com Jane

Feuer (Apud MACHADO, 2001, p. 22), devido ao seriado Hill Street Blues; mas ninguém

define, de forma clara, o que seria “qualidade”. Porém, não é possível fazer analogias com

as tradições culturais literária, teatral, musical ou de artes plásticas, pois a TV é uma

produção em série de objetivos comerciais, apesar de contar com a função respeitável de

sua contribuição em difundir obras de uma cultura secular e legítima, produzidas por um

passado respeitável a um público leigo e que não tem acesso à cultura, aos estudos e à

fruição erudita da arte.

Cada evento televisivo constitui um enunciado diferente, segundo semioticistas, pois

dependem da intencionalidade, da economia, de diferentes campos de acontecimentos e de

segmentos de telespectadores, apesar de a TV ter em comum a imagem e o som,

constituídos eletronicamente, inclusive a transmissão. A produção desses enunciados

necessita de diferentes modos de trabalhar a matéria televisual. Esses modos de trabalhar

são chamados de gêneros por M. Bakhtin (1981). Para ele, o gênero é o que garante a

comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma junto às comunidades

futuras, pois organiza idéias, meios e recursos expressivos bem definidos numa cultura.

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Os gêneros televisuais são muitos, e a microssérie Hoje é Dia de Maria tem sua forma

fundada no diálogo e oferece um amplo leque de possibilidades aos realizadores,

demandando diferentes modalidades de recepção.

A TV é herdeira direta do rádio, por isso se funda, primordialmente, no discurso oral.

Apesar de falar-se muito em “civilização das imagens”, a partir da segunda metade do

século XX ela ainda é um meio bem pouco visual. Ultimamente os recursos gráficos

computadorizados são mais utilizados, mas a maioria dos programas utiliza-se de uma

talking head (cabeça falante) como suporte para a fala de algum protagonista além de que

é uma forma mais barata e que oferece menos problemas para a transmissão e para a

produção, podendo apresentar-se em diferentes formas de diálogo.

Segundo Bakhtin (1981), o diálogo surgiu na Grécia antiga com Sócrates, para quem o

diálogo é o alicerce da verdade. “A verdade não nasce, nem se encontra na cabeça de um

único homem; ela nasce entre os homens, que juntos a procuram no processo de sua

comunicação dialógica”. (BAKHTIN, 1981, p.94) O processo dialógico apresenta

procedimentos variados, como a síncrese, que é a confrontação de dois ou mais pontos de

vista sobre um mesmo assunto, e a anácrese, que é o método de provocar a palavra do

interlocutor, forçando-o a colocar-se e externar a própria opinião.

Há diferentes formas de narrativas, a seriada surgiu nas formas epistolares de literatura

e nas míticas. Mais tarde, com o folhetim e também com o radiodrama (ou radionovela)

firmou-se uma narrativa fragmentada em capítulos e que despertou grande adesão por um

público cada vez maior, sem acesso a bens culturais por questões econômicas e regionais.

A primeira versão audiovisual foi com os seriados do cinema, que configurou-se como

modelo básico da serialização audiovisual para a televisão.

Diferentemente do cinema, a recepção da TV não assume uma forma linear,

progressiva, com efeitos de continuidade, pois o espaço de recepção da TV leva o

espectador a desviar a atenção com muita freqüência da tela, o que é comum em espaços

domésticos, fazendo com que o espectador perca o fio da meada. Por esse motivo, as

programações da TV são recorrentes, circulares, reiteram idéias e sensações a cada novo

plano, usam a técnica da “collage”. O intervalo comercial, o “break”, além de existir por

razões econômicas, tem o papel de explorar os “ganchos de tensão” para absorver a

dispersão e provocar o suspense – técnica do folhetim -; tanto o corte como o suspense

abrem brechas para a participação do espectador, convidando-o a prever o posterior

desenvolvimento do entrecho.

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Segundo Lorenzo Vilches (Apud MACHADO, 2001), cada novo episódio na serialização,

repete elementos já conhecidos e que fazem parte do repertório do receptor, e ao mesmo

tempo introduz algumas variantes ou até mesmo elementos novos.

A repetição é vista, segundo Kivy (Apud MACHADO, 2001), em seu livro The Fine

Arts of Repetition, como uma forma íntima que utiliza a música e a repetição dos temas

ligados às personagens, configurando-se como a técnica de repetição de padrões

geométricos na arte da tapeçaria. Para Iuri Lotman (1978), a repetição no verso poético

(fonológica, rítmica) é um recurso de produção de sentido. Já para Umberto Eco (1979,

p.286) “[...] a graça, a ternura ou o riso nascem somente da repetição, infinitamente

cambiante, dos esquemas, nascem da fidelidade à inspiração básica e requerem do leitor

um ato contínuo e fiel de simpatia”. Entre tantas definições do uso da repetição, Osmar

Calabrese (Apud MACHADO, 2001) afirma que a produção seriada é uma espécie de

“estética da repetição”, baseando-se na forma dinâmica que brota da relação entre os

elementos invariantes e os variáveis. Essa “estética da repetição” agrupa-se em três

categorias: as que são fundadas nas variações em torno de um eixo temático; as baseadas

na metamorfose dos elementos narrativos e as estruturadas na forma de um

entrelaçamento de situações diversas. (Apud MACHADO, 2001, p. 90)

Em cada episódio das narrativas seriadas é extraído o maior número de jogos entre as

variantes e invariantes em torno do tema central, ao longo do processo de repetições,

quase como se fossem encenações diferentes da mesma história.

Os papéis que personificam o bem e o mal, no plano temático, também vão sofrendo

contínua redefinição ao longo do seriado. A metamorfose que ocorre nessa personificação

modifica ou ameaça modificar o rumo posterior dos acontecimentos, a memória dos

episódios anteriores ou a própria unidade temática e estilística da série. Há uma estrutura

fortemente repetitiva, de um lado, mas de outro, a falta de estabilidade garante a

variabilidade infinita das combinações iconográficas, temáticas e narrativas.

O entrelaçamento de um grande número de situações paralelas ou divergentes resulta

numa complexa trama de acontecimentos não necessariamente integrados. A produção dá-

se ao mesmo tempo em que a recepção, ou com uma pequena diferença de tempo – que

permite incorporar ao programa os acidentes do acaso e as demandas da audiência, através

da expansão, enxugamento ou supressão das tramas paralelas.

Os processos de fragmentação e embaralhamento da narrativa proporcionam a riqueza

da serialização televisual, pois é uma busca de modelos de organização mais complexos,

menos previsíveis e mais abertos ao papel ordenador do acaso.

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Em Hoje é Dia de Maria percebemos uma narrativa seriada teleológica, pois apresenta várias

narrativas entrelaçadas e paralelas que se sucedem mais ou menos linearmente ao longo dos

capítulos. Resume-se num único conflito, estabelece um desequilíbrio estrutural no início e

evolui tentando restabelecer o equilíbrio perdido que só é atingido nos capítulos finais. A

menina perde a mãe e para livrar-se do assédio do pai, provocado pela bebida, incentiva-o a

casar-se, pensando que isso resolveria seus problemas. Porém, engana-se. Com os maus tratos

da madrasta decide sair de casa em busca das franjas do mar. Enfrenta com amor e inocência

as dificuldades do sertão, a fúria e as tentações do demônio. Nunca desiste do seu sonho, não

perde a esperança.

Essa diversidade é um processo dialógico de um gênero televisivo com as crenças populares e

será mostrada no próximo item.

2.3 - A linguagem regional – identificação do receptor

As narrativas são freqüentes no dia-a-dia e têm grande importância na vida humana.

Integram um universo de palavras e de outros símbolos e deles se valem para atuar sobre

os indivíduos. O homem recorre à narração como forma de traduzir impressões e

sentimentos, de registrar acontecimentos banais ou de grande impacto, de formalizar ritos

sagrados ou profanos. Os relatos se caracterizam pelo verídico e têm finalidade utilitarista.

Há outros que se distinguem por serem ficcionais e por traduzirem a compreensão que a

humanidade tem a respeito do mundo e de si mesma. Nesse grupo se incluem as narrativas

provenientes da oralidade e as produzidas pela tradição literária, cujas semelhanças não

apagam as diferenças que existem entre elas. As fábulas, lendas, casos de assombração

trazem, em sua origem, a espontaneidade e anonimato próprio de produções coletivas; as

narrativas estéticas – romances, novelas, contos – sublinham a artificialidade de sua

produção e apontam para a existência de um sistema que agrega as obras literárias.

A escrita de narrativas literárias (BENJAMIN, 1993) resulta de um ato deliberado do

escritor que demonstra sua preocupação com o emprego da linguagem, com a estrutura do

texto, com a receptividade de sua produção. O escritor, ao fazer suas escolhas, reafirma ou

contesta convenções literárias e depende para sua divulgação e publicação, além do

produtor do texto, editores e distribuidores de livros, críticos literários e promotores da

leitura, entre os quais estão os professores.

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Ao comparar as narrativas orais com as literárias, a complexidade destas são ressaltadas, mas

não diminui a importância daquelas. Ambas as modalidades integram a cultura de um povo,

de um país ou de uma região e têm a função de evidenciar, criticar e renovar comportamentos

sociais ou individuais. Assim, podem ser um eficaz instrumento de leitura do outro e do

mundo, sobretudo pela sedução que exercem sobre ouvintes e leitores.

A estrutura narrativa da microssérie baseia-se na tradição oral e os personagens apresentam

uma dicção que parece ser a soma de todos os regionalismos nacionais. Apresenta um

trabalho que é um verdadeiro desafio, a linguagem e a identificação do personagem e do

receptor está na fala, nos gestos, na expressão corporal e comportamental, que extrapola

qualquer possibilidade de estereotipação e proporciona a interação com o espectador. Esse

espírito inovador que valoriza a cultura popular brasileira e sua diversidade é exercício pleno

da função social da televisão.

2.4 - Os desafios

O desafio, de origem medieval, é uma tradição folclórica, também conhecido como

“repente”, é uma mescla entre poesia e música na qual o improviso é predominante – a

criação de versos “de repente”. Presença marcante no nordeste brasileiro, possui diversos

modelos de métrica e rima, e seu canto costuma ser acompanhado de instrumento musical.

Quando o instrumento usado é o violão, denomina-se cantoria; quando é o pandeiro, o

repente é chamado de Coco de Embolada, como é o caso em Hoje é Dia de Maria quando

esta desafia Asmodeu.

Os primeiros repentistas não tinham qualquer compromisso com a métrica e muito

menos com o número de versos para compor as estrofes, todavia o interlocutor respondia

rimando a última palavra do seu verso com a última do parceiro.

O repente deu origem à literatura de cordel no Brasil (LUYTEN, 2005), o que não

ocorreu de forma harmoniosa, pois a oralidade, precursora da escrita, buscou de maneira

penosa uma forma estrutural. Atualmente a literatura de cordel é escrita em composições

que vão desde os versos de quatro ou cinco sílabas ao grande alexandrino, de 12 sílabas.

Até mesmo os princípios conservadores defendidos pelos nossos autores ortodoxos

referem-se a uma tradição brasileira e não portuguesa ou espanhola. Os textos dos autores

contemporâneos apresentam um cuidado especial com a uniformização ortográfica, com o

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primor das rimas, com a beleza rítmica e com a preciosidade sonora. Era o início de uma

literatura tipicamente nordestina e por extensão, brasileira, não havendo mais, nos nossos

dias, qualquer vestígio da herança peninsular.

Quanto ao número de versos e sílabas que os desafios apresentam, isto pode ser

verificado no Anexo 3.

Na microssérie Hoje é Dia de Maria a pequena enfrenta Asmodeu, este sugere que ela

o desafie depois que respondesse suas três perguntas, que são as adivinhas: têm conteúdo

dúbio e desafiador, também chamado de “O que é, o que é?”

Asmodeu:Uma casa tem quatro cantos, cada canto tem um gato; cada gato vê três gatos.Quantos gatos tem na casa?

Maria:Quatro!

Asmodeu:Onde é o centro do mundo?

Maria:É aqui mesmo onde a gente tá. Das dereita tem metade do mundo, das esquerda temoutra metade.

Asmodeu:Quantos dias se passaram desde Adão até hoje?

Maria:Sete dias! Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo!

Em seguida é a vez de Maria, que cantará um desafio, baseado em trecho da peleja de

Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Mutum. Zé Cangaia, que é justamente o motivo que levou

Maria a desafiar Asmodeu, toca um pandeiro. A esse desafio dá-se o nome de Coco de

Embolada, Embolada ou ainda Coco; surgida no nordeste brasileiro, é uma arte especialmente

popular. Consiste em uma dupla de cantadores que, ao som enérgico e batucante do pandeiro,

montam versos bastante metrificados, rápidos e improvisados, onde um tenta denegrir a

imagem do que lhe faz dupla com versos ofensivos, famosos pelos palavrões e insultos

utilizados. O ofendido deve improvisar uma resposta rápida e ao mesmo tempo bem bolada.

Caso não consiga, seu par é coroado triunfantemente. Não deve ser confundido com o repente,

onde a música e a resposta são lentas, melodiosas e o tema principal é a vida cotidiana.

Maria, usando a sextilha, começa o desafio. Asmodeu responde aos versos usando

quatro versos de sete sílabas:

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Maria:Seu demo nunca encontreiQuem desmanchasse esse enredoÉ quadra que mete medoEssa que eu vou cantá.Quem a paca cara compraCara a paca pagará.

Asmodeu:Menina, tô apertadoQue só um pinto num ovoMenina, a história da pacaPode repetir de novo?

Maria:Digo uma e digo dezNo falar eu tenho pompaPresentemente num achoA quem meu martelo rompaCara a paca pagaráQuem a paca cara compra.

AsmodeuEita, hoje num é meu dia,Nem meu ano, nem meu mêsMenina, se faiz favorRepete a paca outra vez!

(Zé Cangaia começa a tocar mais rápido. Maria apressa o ritmo.)

MariaArre, que tanto pedidoDesse demo capivaraNum tem quem cuspa pra cimaQue não lhe caia na cara...Quem a paca cara compraPagará a paca cara...

AsmodeuMenina, agora aprendiCantarei a paca jáOcê pra mim é passarinhoNo bico de um carcará...Quem a paca... capa... pacaPapa... pa... ca... pacará

Percebe-se que Maria usa um trava-línguas em seu desafio. Os trava-línguas fazem

parte das manifestações orais da cultura popular, são elementos do nosso folclore. Trava-

línguas é um conjunto de palavras formando uma sentença que seja de difícil articulação em

virtude da existência de sons que exijam movimentos seguidos da língua que não são

freqüentemente utilizados. Além de aperfeiçoadores da pronúncia, servem para divertir e

provocar disputa entre amigos. São embaraçosos, provocam risos e caçoadas.

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Maria faz a inversão dos versos a cada vez que repete os versos para Asmodeu,

dificultando cada vez mais a articulação devido à semelhança sonora produzida pela

combinação das palavras:

Quem a paca cara compraCara a paca pagará

Cara a paca pagaráQuem a paca cara compra

Quem a paca cara compraPagará a paca cara

A jornada de Maria, carregada de cultura popular, ainda lhe reserva outros momentos

com desafios. Como, por exemplo, ao encontrar-se com os saltimbancos é notada e desafiada

por Quirino; novamente o improviso toma conta da cena, agora com a sanfona de Rosa como

instrumento musical:

Quirino:Maria! Eu sô rapaz direito, de bom preceito, que nunca tira proveito...

Maria:Ocê é sujeito mal feito, muito desfeito e mal satisfeito!

Quirino:É esse o meu conceito?

Maria:É, não!Ocê é cabra sem jeitoUm cinturão sem fivelaUma casa sem ter genteUma porta sem tramelaUm sapato sem ter donoUm anzol sem ter barbela

As Décimas – dez versos de sete sílabas, presentes também na microssérie, são usados

por Maria e Quirino, requerem longo fôlego deles, é uma das modalidades mais usadas pelos

poetas de bancada e pelos repentistas.

Quirino:Uma casa gotejentaDuas menina chorandoTrês criada acalentandoQuatro mulher ciumentaCinco molho de pimentaSeis relho de couro cru

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Sete praga de urubuOito xale de parteiraNove velha cozinheiraDez cantora como tu.

Maria:Dez cantador como tuNove velha cozinheiraOito xale de parteiraSete praga de urubuSeis relho de couro cruCinco molho de pimentaQuatro mulher ciumentaTrês criada acalentandoDuas menina chorandoUma casa gotejenta

Rosa, além de tocar, é chamada por Quirino para participar do improviso junto dele e

de Maria. Elas cantam e dançam. A música e a dança são alegres, com um leve duplo sentido.

Quirino:Essa roseira o que é que dá?Ô, Rosa!

Rosa:Dá laranja e manacá,Gabiroba e limão,Dá goiaba e dá mamão,Mas a Rosa ela não dá!

Quirino:Ô, Rosa!Assim ocê qué me matá!Ô, Rosa!Essa roseira o que é que dá?

Maria:E dá caju e dá cajáDá folha, talo, espinhoEla dá até carinhoMas a rosa ela não dá.

Sob o som da sanfona tocada por Rosa, Quirino e Maria declamam:

Quirino:Recolhei agora vosso risoPurque no caminho do paraísoA emoção também já foi prantada.Das veis, tristeza tá no rumo da alegriaE a dor do dia-a-diaEnsina o prazer de conquistáA coisa amada.

Maria:A minha história num tem nada diferente.É igual a tanta genteQue é nascida nesta terra.

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Gente da roça, com coragem pro trabaio.Na vida num tem ataioNem descanso nessa guerra.

Inda menina,Perdi minha mãe querida.Foi-se embora dessa vida.No coração fez ataio fundoE num rompante se desfezToda famia.Cada vez um irmão partia,Triste me larguei no mundo.

Mai num perdi nunca uma esperança nobreQue é o alimento do pobreQuando tudo lhe falta.Trago na alma verdade que num esqueço:Num importa o mau começoSe o final posso mudá!

E assim fui caminhando pelos anos,No mundo peregrinando,Buscando as franjas do mar,Mai ante disso curo o coração ferido.Reencontro o amor perdidoE meu pai hei de encontrá.Purque o que vale tanta luta sem amô...Tanta terra sem uma frô...No sertão desabrochá...Eu num seui bem qualé a grandeza do universo...Mai num hai palavra ou verso...Que é maior que... o verbo... amar.

Todos os povos possuem suas tradições que são transmitidas pela oralidade e pela

imitação de geração em geração. A essa cultura de origem popular dá-se o nome de folclore,

que significa saber tradicional popular, com status de história não escrita de um povo. À

medida que a ciência e a tecnologia se desenvolveram, todas essas tradições passaram a ser

consideradas frutos da ignorância popular; entretanto, o estudo do folclore é fundamental de

modo a caracterizar a formação cultural de um povo e seu passado, além de detectar a cultura

popular vigente, pois o fato folclórico é influenciado por sua época. As características de

tradicionalidade, oralidade e anonimato podem não ser encontradas em todos os fatos

folclóricos (MELO, 2001) como no caso da literatura de cordel, apesar de ser originariamente

oral, o autor é identificado e a sua transmissão deixou de ser somente oral. Hoje é Dia de

Maria apresenta a caracterização da cultura popular de modo a nos fazer pensar e valorizar

essa cultura pela sua espontaneidade e criatividade.

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2.5- Crenças populares (ditados e provérbios)

Os provérbios e os ditados populares constituem uma parte importante de cada cultura,

são expressões que através dos anos se mantêm imutáveis aplicando exemplos morais,

filosóficos e religiosos. Em Hoje é Dia de Maria os provérbios, ditados e crenças

populares são integrados aos diálogos e explicam, muitas vezes, o desenvolvimento da

ação dramática com caráter prático e popular, expressando de forma sucinta uma idéia, um

pensamento e um ensinamento. Ninguém sabe quem os escreveu. De uma forma geral os

provérbios mais longos e complexos têm origem em passagens históricas ou literárias,

procedem de pensadores consagrados ou de poemas famosos, e são eruditos. Já os mais

curtos e simples, são muitas vezes de origem desconhecida, de tradição oral, são os

provérbios populares.

A definição de provérbio que encontramos nos dicionários o apresenta como uma frase

curta, de origem popular que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social

ou moral; ditado popular; sentença moral; máxima expressa em poucas palavras; anexins,

rifão etc. São definições que nos conduzem a algumas verdades: a moral, por exemplo, é um

conjunto de valores como a honestidade, a bondade, a virtude, considerados universalmente

como norteadores das relações sociais de conduta dos homens. Os provérbios são, em geral,

moralizantes. O ditado popular: ditado é uma verdade de valor geral, que unido à palavra

popular, tem-se como a verdade do povo, a voz do povo; máximas são regras ou princípios

morais. Devido ao caráter popular dos provérbios, estes são considerados a “voz do povo”, a

“voz da verdade”, o qual se pode comprovar com um provérbio bastante comum: “A voz do

povo é a voz de Deus”. A origem dos provérbios se fixa na sabedoria popular e por isso fazem

parte do folclore cultural de cada povo. Os provérbios não possuem data nem autor. Suas

manifestações vêm de geração a geração concretizando-se do passado ao presente. São formas

cristalizadas pela comunidade, conhecidos por uma coletividade e, não podem ser abreviados,

nem reformulados; além do provérbio, como uma máxima, há a figura de Deus como

autoridade, que denota valores de verdade, expressando a voz do povo, manifestando a

sabedoria popular num determinado meio social.

Os enunciados proverbiais constituem um tipo de gênero discursivo, formado, em sua

maioria, por estruturas curtas e binárias, o que facilita a memorização, pois possuem, além da

estabilidade temporal, rimas, figuras de linguagem e simetria sintático-semântica. Para que o

provérbio não perca sua verdade absoluta e seu caráter de citação de autoridade, é preciso ser

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reconhecido e compartilhado por seus interlocutores, que devem ser capazes de desvendar os

implícitos para revelar seu sentido. Destarte para que os provérbios sejam entendidos como

tais é preciso que haja uma competência discursivo-pragmática, inclusive naqueles que

possuem operadores argumentativos, uma vez que, assim como os provérbios, uma verdade é

institucionalizada num lugar comum.

Para exemplificar, cito algumas passagens da microssérie.

Quando Maria tenta convencer o Pai a casar-se com a vizinha viúva diz:

Maria:Ah, mó de que ela é boazinha a conta inteira. Puis se inté me deu mel pra cume!Pai:Pui a tarzinha agora lê dá mel? Pui ao despois há de te dar fel...

No momento do casamento do Pai:

Molecada:Sol e chuva, casamento de viúva!

Quando Nossa Senhora aparece no ribeirão para dar forças à Maria:

Senhora:Porque das veiz bondade tem de sê fortaleza, tem de tê gana de lutá pra numfenecê! O que há de ser tem muita força, Maria. Arreda a tristeza que seu dia há dechegar.

A madrasta chamando a atenção de Maria ao vê-la descansando e brincando com uma

bonequinha depois dos afazeres:

Madrasta:Ocê precisa de coro como eu preciso de oro! (...)Larga essa porqueira e vem comigo. Ócio é pai do vício e trabaio é benefício!

O Pai tenta agredir a madrasta quando percebe que ela fora a causa do desaparecimento de

Maria. Ao levantar a mão ela diz:

Madrasta:Sua alma é sua palma! Encosta um tico de dedo n’eu e ocê vai vê onça!

Maria vai embora de casa em busca das franjas do mar, no caminho encontra o Maltrapilho,

ajuda-o e ele faz uma recomendação:

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Maltrapilho:E ocê tome tento, menina, que esse é um mundo que ta pra ser feito e, no fundo detudo, um defeito é degrau importante na escada do perfeito. Torto, pobre oumalfeito, todo vivente pode andar reto, porque humano não é ruim nem bom,humano é ser incompleto.

O Pai decide seguir em busca de Maria, a Madrasta vocifera:

Madrasta:Vorta pra trás, já! Reboco de igreja veia! Sapé pobre de tapera! Pau torto que deucupim! Vorta! Vorta! e vorta!

No País de Sol a Pino, Maria encontra o Mendigo e dialogam:

Mendigo:Tô aqui desde que o mundo é mundo. Você é que não percebeu. Tenho sede.Maria:Cada um é que sabe da sua sede.Mendigo:É verdade. E quem decide quem tem mais sede é quem tem a água.(...)Vou lhe dar coisa mais preciosa que a água. Vou lhe dar o rumo: segue o sol e sol esol até encontrar os índios... É eles que têm a noite!

Ao chegar ao povoado Maria tenta impedir Asmodeu de ludibriar Zé Cangaia para conseguir

sua sombra:

Asmodeu:Menina que num fecha o bico num casa com rico!Maria:Fecha o bico já morreu! Quem manda no que digo sou eu!(...)Me arrespeite primeiro, comprador de sombra, varapau de galinheiro!(...)Entonce tira o seu pé de bode de riba da minha (sombra)!

Ainda no povoado, Maria tenta convencer Zé Cangaia a desfazer o trato com Asmodeu:

Maria: Eu vô lá querê pão que o diabo amasso?(...)Quando a cabeça num pensa, o corpo padece. Ocê vai vê!

Depois de conseguir a sombra de Zé Cangaia, despedem-se e Maria continua sua jornada:

Zé Cangaia (sobre a amizade):

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Ó, menina, e foi das mio! Daqueles que já num tem muito uso hoje em dia... Épedra que num tem muito uso hoje em dia... É pedra que n um gasta... e é tomemdelicado de flor... Amizade nossa palavra é que não sei dizê... Sei sentir só. (...)

Asmodeu que observa a cena diz pra si:

Asmodeu:Vai cantando, vai... Proveita o curto tempo que é seu! O lote de tempo mais longovai ser é meu! Purque eu sou aquele que entorta os caminho, que amarga as águanos pote, que azeda o vinho e que pranta a mágoa no fundo do coração humano!Proveita seus ano de menina, e essa alegria boba de vida. Proveita purque suainfância já tem dono e num demora desaparecer! Despois vai sê só ocê, eu e omundo! Ai de ocê, que cruzô os meu caminho!

Asmodeu tenta novamente enganar Maria, esta percebe e se afasta dele. Ele não desiste, e vai

até o Pai:

Asmodeu:Se ocê é vivaiz e com esperteza não lê pego, vou batê prego onde a madeira racha:seu pai! Primeiro lê deixo só no mundo, despois ocê num se sustenta!Pai:Dia! Assim tenho vivido: precurando remanso, corro estrada e vereda semdescanso. E o seor? Por que anda sozinho?Asmodeu:Vinho que tenho bebido é amargo! Eu me largo por esses caminhos, por circos efeira, fazendo truque e magia. Sem eira nem beira vivo meus dia!Pai:Entonce, senta a meu lado, amigo, que esperança também é abrigo. O que morrerenasce: isso é preceito certo. Óia e vê: esse córgo que agora corre já foi deserto.

A Madrasta alia-se a Asmodeu para conseguir a tal “chavinha do tesouro”, negocia

informações com ele:

Madrasta:Ocê mais um baita bolo de dinhero, que boniteza é bom, mai cansa e num enchepança!

Quirino apaixona-se por Maria, porém esta não pode correspondê-lo por já ter dono o

seu coração. Asmodeu aproveita-se da tristeza de Quirino e tenta influenciá-lo:

Asmodeu:... insista na disputa! Veja, palhaço, o que a vida ensina: vence na guerra quemmelhor peleja, vence no amor quem melhor domina.

Amado e Maria conversam e ela está com maus presságios.

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Amado:Não deixa o coração com seus presságios te prenunciar alguma coisa ruim, porqueo destino pode te escutar e realizar o teu temor assim. Quem mantém vivo o seuamor nunca terá o tormento de partir.

Rosa vê o futuro de Maria na borra de café e fala sobre alegria e tristeza na vida de Maria:

Maria:Na minha vida, o mal e o bem parece coisa que é unha e carne.

Depois que Quirino prende Amado, durante a apresentação da trupe, ele e Maria declamam:

Quirino:Recolhei agora vosso riso purque no caminho do paraíso a emoção também já foiprantada. Das veiz, tristeza tá no rumo da alegria e a dor do dia-a-dia ensina oprazer de conquistá a coisa amada.(...)Maria:Mai num perdi nunca uma esperança nobre que é o alimento do pobre quando tudolhe falta. Trago na alma verdade que num esqueço: num importa o mau começo seo final posso mudá!

Durante a apresentação o Pai reconhece a filha, pede-lhe perdão, Maria, emocionada, em

lágrimas:

Maria:Razão num tenho, motivo argum. Amor meu, pai, é empenho de apagá erro,dissorvê mágoa. Amor é água pura que lava.

Asmodeu insiste para que Quirino aceite sua ajuda para ter o amor de Maria:

Asmodeu:Pra se consegui um amor sem tamanho num se fica medindo os meio. Num se temcoisa grande com corage pequena, rapaiz. Vai, Quirino! Atiça a vontade que jácomeçô morá dentro de ocê! Vai, cumpre e ta feito!

Quirino confessa o feito a Maria e pede-lhe perdão. Maria decide ir embora à procura de

Amado:

Maria:Depois do fim tem sempre mais caminhá! E amizade é riqueza que num se perde.

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Asmodeu faz o tempo retornar, Maria volta a ser criança e ao fazer o caminho de volta

encontra o Mascate e Maria escolhe um de seus produtos:

Mascate: Escoieu bem! O que está encoberto é mistério, e o mistério tem sempremaior valor.

Maria reencontra o maltrapilho na estrada de Sol a Pino e fala pra ele de sua tristeza

em não chegar às franjas do mar e que estava voltando pra sua vida de antes:

Maltrapilho:Se o sór nasce toda manhã num qué dizê que ele traz sempre o mesmo dia! E se ocêvorta pelos caminhos já trilhado ocê vorta diferente. E nem os caminhos num sãomais os mesmo. Arrepare bem.

Sentada à beira de um rio Maria vê a imagem da Nossa Senhora da Conceição e faz

suas lamentações sobre seu caminho de volta:

Senhora:Menina, na vida tem duas época boa, época de oro! A primeira ta lá nos começo davida e a gente recebe de graça. A segunda a gente tem de buscá, tem de fazê...

Maria segue o caminho olhando e reconhecendo a paisagem, enquanto Asmodeu segue

as pegadas de Maria:

Asmodeu:Custo, mai lê dobrei! Demorô, mai venci. Vorta pra quela vidinha, vorta pra quelecachaceiro que é seu pai. Vorta pra sua madrasta e aprende na pele que quemnasceu pra roê sabugo nunca há de prová broa de mio!

Asmodeu percebe que fez o tempo voltar demais, pois Maria reencontra toda sua família:

Asmodeu:Diacho! Ô, réiva! Será que meti os pé pelas mão! Nas gana de impedi a união como amado dela, devorvi a infância de Maria in ante da mãe morrê! Mai deixe’stá! Vôfazê tudo de novo. E dessa vez num erro!

Além do grande número de ditados e provérbios com presença marcante e muito bem

colocados nas situações da microssérie, o autor explora a oralidade acentuada no povo que

representa. Numa dosagem espetacular apresenta ainda danças e músicas populares, as quais

serão tratadas a seguir.

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2.6- Danças e músicas populares

O espaço liga-se à realização musical, que dialoga com o seu entorno ganhando um

sentido de tridimensionalidade. Assim o sistema Kinésico, que é o conjunto dos elementos

motores invocados pelo intérprete durante a performance, proporciona a relação

audiovisual que acompanha toda a interpretação musical.

O espaço e os gestos adquirem papéis significativos na interpretação musical. O palhaço é um

bom exemplo de estereopercepção. Exprime o trágico da condição do artista popular, que

deve transformar a sua própria humilhação em motivo de riso da platéia o que é possível pela

fusão intersemiótica dos elementos plásticos e sonoros, da montagem dos cenários e do uso de

objetos com alta carga semântica e mítica: como por exemplo a caracterização de Dom Chico

Chicote na segunda jornada e os espaços em que aparece.

A série foi baseada no trabalho de Câmara Cascudo, Heitor Villa-Lobos e Portinari.

Luís da Câmara Cascudo foi o maior folclorista deste País, além de historiador, antropólogo e

jornalista dos mais eminentes. Apesar de sua infância ter sido de guardada entre cuidados

exagerados, o contato durante a juventude com os modernistas abriu-lhe os olhos e os ouvidos

para o homem comum nas suas crenças e costumes, seus cantos e suas danças, suas músicas e

suas técnicas, sua vida e sua morte, passou a ser uma legenda no estudo do saber do povo.

Heitor Villa-Lobos é um dos artistas brasileiros mais conhecidos no mundo, um compositor

erudito que bebeu em fontes populares para criar uma obra universal; sua trajetória musical se

confunde com a história musical do Brasil; sua vida representa a mistura de todas as culturas

brasileiras, graças às viagens com a família, que o colocou em contato com o folclore musical

brasileiro, universalizado em suas obras. Cândido Portinari foi o pintor brasileiro a alcançar

maior projeção internacional. Manifestou sua vocação artística desde criança, e a opção pela

temática social foi o fio condutor de sua obra, que retrata o povo brasileiro, a aldeia, as

brincadeiras de menino, as plantações de café, o sofrimento provocado pela natureza, as

conseqüências trazidas aos camponeses devido às grandes secas no Nordeste. Suas pinturas

têm caráter expressionista e figurativista. Destacou-se também nas áreas de poesia e política.

Baseando-se no trabalho desses grandes nomes, a série utilizou como avanço a linguagem

televisiva. Esse avanço não significou a perda de brasilidade, usou intervenções musicais,

cantadas em solo, duetos e em coros. Foi uma narração diferente, sem deixar de lado a noção

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de fabulação e de espetáculo. Ver a microssérie passou a idéia de um folhear de livros da

carochinha e o texto cantado assume a função de contar a história. Rescala compôs a música

com base nas tradições das cantigas e cirandas do cancioneiro popular brasileiro e o que

contou na obra não foi o virtuosismo vocal dos intérpretes, foi a narrativa através da música,

que torna a saga de Maria mais cativante. A prática social de contar nas sociedades do século

XXI (LOPES, 2004), no que concerne aos atos de comunicação, é produto de uma

transformação que envolve agentes propulsores de recriação das práticas realizadas desde as

origens da arte de contar. A linguagem exerce uma ação, tanto na produção científica e

técnica como na produção artística, e o produtor tem suas amarras nos condicionamentos da

sociedade em que vive.

A cantoria é uma tradição oral que nos veio, primordialmente, da Idade Média

européia. Desde a época das cruzadas, tivemos os trovadores, menestréis e jograis que iam

de uma localidade a outra, cantando seus longos poemas, os quais eram de amor, de fatos

passados ou recentes, que relatavam a história dos povos na época de formação da

nacionalidade. A cantoria da microssérie é exatamente isso, mostra ainda que os

cantadores sempre foram os comunicadores ideais do povo, pois além da mobilidade e

conhecimento da arte de versejar, têm prestígio e credibilidade no meio popular. É uma

aproximação cada vez mais perceptível entre os meios de comunicação de massa. Há um

interesse crescente em divulgar as coisas relacionadas com o povo, e nota-se uma maneira

natural de interação. Sem dúvida, os grandes folcloristas do passado tiveram um imenso

valor e contribuíram muito para a divulgação das coisas inerentes ao povo brasileiro, mas

a televisão tem o poder de divulgar a uma audiência extremamente ampla, a memória

cultural de nosso povo.

Essa memória cultural é muito bem representada no trabalho desenvolvido por Heitor

Villa-Lobos, foi somente com ele que a música nacionalista introduziu-se e consolidou-se

pra valer. A música erudita, no Brasil dos primeiros séculos de colonização portuguesa,

vinculava-se à Igreja e à catequese, teve um grande impulso com a chegada de D. João VI

ao Brasil, quando José Maurício Nunes Garcia destacou-se como o primeiro e grande

compositor brasileiro. Mesmo com as salas de concerto e manuscritos apontando o

crescimento das atividades musicais, ainda no século XIX, falar em música erudita

brasileira era motivo de riso. Nessa época, ignoravam-se compositores como Alberto

Nepomuceno e Brasílio Itiberê da Cunha, pela brasilidade presente em suas composições,

e admitia-se Carlos Gomes graças ao sucesso europeu. É a partir de Villa-Lobos que o

Brasil descobre a música erudita e o país passa, desde então, a produzir talentos em série:

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Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone, Radamés Gnatalli, Camargo Guarnieri, Guerra-

Peixe, Cláudio Santoro e Edino Krieger são alguns desses expoentes.

Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959), carioca, foi incentivado a cursar medicina, mas a

música, o empecilho para os planos de sua mãe, esteve sempre presente em sua vida desde

a infância. Seu contato com a música nordestina se deu quando, durante a infância,

acompanhava seu pai à casa de Alberto Brandão e presenciou várias reuniões de

cantadores e seresteiros. Foi inevitável seu fascínio pela arte popular; apesar da proibição

dos pais, Heitor fez seus estudos às escondidas. Com a morte do pai e a difícil situação

financeira que a família tivera que enfrentar, Villa-Lobos acabou conquistando grande

liberdade, aproximou-se dos chorões e pagava-os com doses de pinga, que eram pagas

com a venda de exemplares da biblioteca do falecido Raul Villa-Lobos. A partir daí fez

grandes amizades importantes para sua carreira musical. Dos 18 aos 23 anos, viajou pelo

Brasil apresentando-se como músico e teve um contato intenso com o folclore brasileiro.

Ao retornar ao Rio de Janeiro avoluma suas composições sob a influência folclórica e

sertaneja. Foi um dos mais importantes participantes e atuantes da Semana da Arte

Moderna de 1922. O teatro Municipal de São Paulo foi o primeiro palco erudito a receber

as obras de Villa-Lobos. Vai para a Europa, mostra seu trabalho e em 1930, regressa ao

Brasil com maturidade e com consciência de seu valor; fez uma turnê pelo país

percorrendo 66 cidades, organizou a Cruzada do Canto Orfeônico no Rio e teve

importante atividade como educador e divulgador musical. Quando Secretário da

Educação Musical, no governo de Getúlio Vargas, tornou obrigatório o ensino de música

nas escolas.

A microssérie começa apresentando a pequena Maria brincando de balanço feito em

uma árvore, rindo, e bailando ao som da cantiga do grandioso Villa-Lobos - Que lindos

olhos. É interrompida ao ser chamada pelo Pai. Inicia-se a história. A partir daí temos um

desfile de cultura popular musical.

Que lindos olhosQue lindos olhos

Tem você

Que ainda hojeQue ainda hoje

Eu reparei

Se eu reparasseSe eu reparasse

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Há mais tempo

Eu não amavaEu não amavaA quem amei!

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O cortejo do casamento da Madrasta com o pai de Maria é realizado pelo grupo Reisado Flor

do Oriente, de Duque de Caxias, Baixada Fluminense. É um grupo tradicional que faz parte

da Folia de Reis, uma das manifestações folclóricas mais ricas e mais apreciadas em

diferentes estados brasileiros, como em Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Paraná, Espírito

Santo, Guanabara, Rio de Janeiro, e principalmente, no Nordeste. O Reisado tem sua origem

primária na Festa do Sol Invencível, comemorada pelos romanos e depois adotada pelos

egípcios. A festa romana era comemorada em 25 de dezembro (calendário gregoriano) e a

egípcia em 6 de janeiro. No século III, ficou estabelecido que dia 25 de dezembro fosse

festejado o nascimento de Cristo e 6 de janeiro o dia de reis. No Brasil, foi introduzido no

Brasil - Colônia pelos portugueses no século XIX. É um espetáculo popular das festas de natal

e de Reis, cuja ribalta é a praça pública, a rua, às vezes, as residências. No interior é uma

dança do período natalino em comemoração ao nascimento do menino Jesus e em

homenagem aos Reis Magos: Gaspar, Melquior e Baltazar, que levaram ouro, incenso e mirra,

que representam as três dimensões de Cristo – realeza, divindade e humanidade.

O Reisado caracteriza-se pelo uso de muitos adereços, trajes com cores quentes e

chapéus ricamente enfeitados com fitas coloridas e espelhinhos. Todos acompanham uma

bandeira, estandarte da folia, um quadrado de madeira com a adoração dos Magos,

ornamentada com flores e espelhos, carregada pelo alferes. É composto de 4 a 6

mascarados que dão vida, hilaridade e rebuliço à brincadeira. Eles também devem

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proteger o Menino Jesus e confundir os soldados de Herodes. Os acrobatas e

declamadores representam os soldados perseguidores do Menino. O Reisado tem ainda

rei, mestre-sala, alferes, a burrinha, o boi, o Jaraguá, o caipora, a ema. Dependendo da

região podem aparecer personagens diferentes. Uma orquestra de violas, banjos, violões,

zabumba, triângulo, pandeiros, maracás e sanfonas pulsam na regularidade de um

organismo, com acordes que orientam as vozes e ordenam a evolução do espetáculo. As

músicas são chamadas de toadas e têm características próprias, geralmente compostas

pelos próprios membros, às vezes chegam a ser gravadas por grandes nomes da Música

Popular Brasileira, como Milton Nascimento, que gravou "Calix Bento", Martinho da Vila

("Folia de Reis"), Mazaropi ("Tristeza do Jeca"), e Trio Parada Dura ("Viagem dos

Magos"), com o nome de Folia de Reis. As danças são numerosas e variadas, constam

alguns exemplos no Anexo 4.

Reza um costume que, no "Dia de Reis", deve-se escrever o nome dos três reis magos em um

pedaço de papel branco e colocá-lo na porta de entrada da casa, para que haja durante todo

ano, fartura, saúde e felicidade. O Dia de Reis também é conhecido como o "Dia de

Gratidão". Integra também os costumes a confecção do Bolo Rei - O bolo-rei teria surgido no

tempo de Luís XIV, o Grande, Rei Sol, rei da França de 1643 a 1715, para as festas do "Ano

Novo" e do "dia de Reis".

A história narrada nos cantos é contada por um solista e um coro responde a ele em uníssono

por repetidas vezes. Na microssérie Hoje é Dia de Maria o Mestre Tião fez versos sobre a

trama por se tratar de um evento que não comportaria as composições já existentes.

Após o casamento, a pedido da Madrasta, o Pai vai para os rumos da cidade em busca

de empréstimo bancário. Maria começa a realizar os afazeres de casa, com um regador

molha sua roseira, enquanto entoa a música de Villa-Lobos – “Rosa Amarela”.

Olha a rosa amarela, RosaTão bonita e tão bela, Rosa

Olha a rosa amarela, RosaTão bonita e tão bela, Rosa

Iá Iá meu lenço, oh Iá IáPara me enxugar, oh Iá Iá

Que essa despedida, oh Iá IáJá me faz chorar, oh Iá Iá

Iá Iá meu lenço, oh Iá IáPara me enxugar, oh Iá Iá

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Essa despedida, oh Iá IáJá me faz chorar, oh Iá Iá!

Exausta, entra na casa, pega sua bonequinha começa a cantar “Formiguinha”, também de

Villa-Lobos. Acaba por cochilar. É brutalmente despertada pela madrasta que pede-lhe que

fique tocando os pássaros para que não biquem as frutas.

Ah! Ah!Formiguinha da roça endoideceuCom a dor de cabeça que lhe deuAi pobre! Ai pobre formiguinha

põe a mão na cabeçae faz assim!e faz assim!

Ah! Ah!Formiguinha da roça endoideceuCom a dor de cabeça que lhe deuAi pobre! Ai pobre formiguinha

põe a mão na cabeçae faz assim! e faz assim!

Enquanto toca os pássaros canta “Xô, xô, passarinho”, de Villa-Lobos, porém exausta,

adormece ali mesmo. A madrasta, quando a vê dormindo, agride-a. Maria foge correndo,

mas falece. Sobre ela, nasce um capinzal.

O pai retorna da viagem, ao saber do acontecido sai desesperado e inconformado à procura da

filha. Guiado por uma borboleta e pelos seus instintos começa a ouvir a voz de Maria

entoando a canção “Xô, xô, passarinho” – Villa-Lobos. Acaba por encontrar o corpo da

pequena recoberto pelo capim.

Jardineiro do meu paiNão me corte os cabelos

Que meu pai me penteavaMinha madrasta me enterrou

Jardineiro do meu paiNão me corte os cabelosPelos figos da figueira

Que o passarinho bicou

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Maria decide sair em busca de seu “tesouro” sem se importar em enfrentar a Terra do

Sol a Pino. Enquanto caminha, seguida por um Pássaro estranho, canta “Constante”, de Villa-

Lobos.

ConstançaMeu bem constança

Constante sempre sereiConstante até a morteConstante eu morrerei

ConstançaMeu bem constança

Constante sempre sereiConstante até a morteConstante eu morrerei

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Ao aproximar-se de um rio Maria ouve a música “Sapo Jururu”, de Villa-Lobos: é um

Maltrapilho que canta e toca uma sanfoninha com os pés. Ela aproxima-se com receio, porém

participa da cantoria.

Sapo Jururu na beira do rioQuando o sapo grita: ó, Maninha

é porque tem com frioA mulher do sapo, também tá lá dentro

Fazendo rendinha, ó Maninha, pro seu casamento(última vez)

Sapo Jururu na beira do rioQuando o sapo grita: ó, Maninha

é que tá com frio!

O Pai decide sair à procura da filha, enquanto anda um tanto desconsolado, canta a

música “Chuá, chuá”, de Pedro de Sá Pereira e Ari Pavão.

--------------E --------Db7---- Gbm ------B7------- Gbm--- B7------ EDeixa a cidade formosa morena /--- Volta pro ameno e doce sertão------------Abm7----- Db7---- Gbm -----B7-------- Gbm---- B7------- EBeber a água da fonte que canta /--- Que se levanta do meio do chão

-----------------------Db7------ Gbm ------B7 --------Gbm --B7- Bm7-- E7Se tu nasceste cabocla cheirosa /----- Buscando o gozo do seio da terra

---------------A------ D------ Abm --------Db7----- Gbm---- B7------ EVolta pra vida serena da roça /----- Daquela palhoça do velho sertão

---------------------Db7 ----Gbm -----B7------- Gbm---- B7------ EA lua branca de cor prateada /---- Faz a jornada no alto dos céus

--------------Abm7------ Db7------ Gbm--- B7 ------Gbm----- B7-------- EComo se fosse uma pomba altaneira / ---Da cachoeira fazendo escarcéus-----------------------------Db7----- Gbm ----B7----- Gbm ----B7 -Bm7- E7

Quando essa lua lá na altura distante /---- Lira ofegante no poente a cair-------------------A ---------D -------Abm7 ---------Db7------ Gbm --------B7----- E

Dá-me essa trova que o pinho descerra / Que eu volto pra serra, que eu quero partir

-----------------Gbm7 --B7 ----Gbm7----- B7--------- E------------- Bm7E a fonte a cantar: chuá . . .chuá / E as águas a correr: chuá . . .chuê . . .

------E7 ----------A---------- -D ------Abm7 -------Db7 ------Gbm7 ----B7-------- EParece que alguém que cheio de mágoa / Deixasse quem há de dizer que a saudade--------

Abm7 --Gbm----- B7------ ENo meio das águas rolando também (bis)

Maria encontra-se com os Retirantes. Eles estavam cantando uma música triste – “Valei-nos”,

composição de Tim Rescala para a microssérie. A cena contou com a participação dos

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rabequeiros Mestre Salustiano e de seu filho, o percussionista Pedro Salustiano, integrando o

quadro de personagens, ambos tocam bumbo e rabeca.

Maria segue pelo caminho indicado pelo Mendigo, adormece e acorda ao ouvir um

compasso ritmado de sons produzidos por chocalhos presos aos tornozelos, bater dos pés

no chão com o passo caidinho, um som estranho de uma flauta que o primeiro da fila toca

e de gritos. São os índios. Eles se apresentaram mostrando a própria cultura.

Depois de encontrar a noite, Maria entoa “Cai, cai balão”, de Villa-Lobos, e encontra

um grupo de crianças que trabalham sem cessar numa carvoaria.

Cai cai balãoCai cai balão

Na rua do sabãoNão cai nãoNão cai nãoNão cai não

Cai aqui na minha mão

(3vezes)

Chegando ao Vilarejo, Maria acompanha a festa celebrada para São José – padroeiro

das chuvas; os personagens cantam durante uma procissão a música “Meu Divino São

José” – de domínio popular, contando com a participação da Banda Santa Cecília e

Cirandeiros de Parati.

Maria e Zé Cangaia caminham pela estrada depois de vencerem o desafio com Asmodeu, ela

canta os primeiros versos de “Constante” – Villa-Lobos. É o momento em que se despedem e

Maria segue seu rumo.

Sozinha, mas sob o olhar de Asmodeu, Maria segue sem percebê-lo, cantando a

música “Alecrim”, de domínio popular.

AlecrimAlecrim dourado

Que nasceu no campo sem ser semeado(Bis)

Foi meu amorQuem me disse assimQue a flor do campo

É o alecrim(Bis)

AlecrimAlecrim aos molhos

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Por causa de tiChoram os meus olhos

(Bis)

Foi meu amorQuem me disse assimQue a flor do campo

É o alecrim(Bis)

AlecrimDo meu coração

Que nasceu no campoCom essa canção

(Bis)

Foi meu amorQuem me disse assimQue a flor do campo

É o alecrim(Bis)

Ao amanhecer, depois de dormir recostada a uma árvore, Maria desperta e ouve ao longe um

som de viola. Vai até ele, apenas um violeiro canta e dança um fandango ao redor de uma

fogueira à beira da estrada, em homenagem a São João, a música é de cunho popular. A maior

parte das músicas cantadas no fandango não possue autor conhecido, são consideradas muito

antigas pelos tocadores. O fandango (http://www.museuvivodofandango.com.br. Acesso em

25 abr 2008)) tem uma história controversa e longa. Para alguns pesquisadores teria origem

árabe, que viriam da Península Ibérica, quando Espanha e Portugal ainda não eram reinos de

fronteiras definidas. Existe ainda uma vertente que identifica a origem do fandango na

América Latina, de onde teria partido para a Espanha no início do século XVIII. Uma de suas

definições mais antigas e de uso generalizado é a de fandango como um baile ruidoso.

Encontramos referências a baile e conjunto de danças chamadas por esse nome, ao longo de

Portugal, Espanha e França. No Brasil, teve suas origens e influências ibéricas miscigenadas

com outras matrizes culturais, assumindo regionalmente, com o mesmo nome de fandango,

aspectos e características completamente diferentes. O termo fandango designa, em terras

brasileiras, o auto marítimo do ciclo natalino, encontrado em alguns estados nordestinos, e o

baile sulista, encontrado no Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. No interior de São Paulo,

na região de Sorocaba, há também uma variante de dança sapateada, herdada dos tropeiros,

assemelhada à catira ou cateretê. O fandango encontrado nos litorais paulista e paranaense,

independente de suas origens, não seria apenas fruto de uma herança musical chegada ao sul

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do Brasil pelos portugueses. Essa teria se miscigenado com a música que aqui já havia,

também de violas e rabecas, nas vilas e caminhos desde os tempos da capitania de São

Vicente. Sua musicalidade transitou por terra e mar, pelos canais e ilhas que interligam o

litoral paranaense ao de Cananéia e Iguape, em São Paulo, na região conhecida como

Lagamar, estendendo-se até o litoral norte de São Paulo. O fandango aqui apresentado é

compreendido então como uma manifestação cultural popular brasileira, fortemente associada

ao modo de vida caiçara, onde dança e música são indissociáveis de um contexto cultural

mais amplo. Sua prática sempre esteve vinculada à organização de trabalhos coletivos -

mutirões, puxirões ou pixiruns - nos roçados, nas colheitas, nas puxadas de rede ou na

construção de benfeitorias, onde o organizador oferecia como pagamento aos ajudantes

voluntários, um fandango, espécie de baile com comida farta. Para além dos mutirões, o

fandango era a principal diversão e momento de socialização dessas comunidades, estando

presente em diversas festas religiosas, batizados, casamentos e, especialmente, no carnaval,

onde comemoravam-se os quatro dias ao som dos instrumentos do fandango. As coreografias,

uma grande roda ou pequenas rodas de fileiras opostas, pares soltos e unidos. Os passos

podem ser valsados, arrastados, volteados, etc., entremeados de palmas e castanholar de

dedos. O sapateado vigoroso é feito somente pelos homens, enquanto as mulheres arrastam os

pés e dão volteios soltos.

Maria passa por homens e mulheres que trabalham ao longo da estrada que param o

trabalho para vê-la passar pulando e cantando “Que lindos olhos”, de Villa-Lobos; é o

momento em que perde a chavinha numa poça d’água. Sem se dar conta, segue seu caminho.

Que lindos olhosQue lindos olhos

Tem você

Que ainda hojeQue ainda hoje

Eu reparei

Se eu reparasseSe eu reparasseHá mais tempoEu não amavaEu não amavaA quem amei!

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A Madrasta se deixa levar pelos encantos de um belo rapaz, que nada mais é que o Asmodeu

disfarçado, que, com gestos galantes, a toma pela mão e começa a dançar ao som de “Senhora

viúva, viuvinha”, de Villa-Lobos.

Dizei senhora viúvaCom quem quereis se casarOu é com o filho do conde

Ou é com o seu generalGeneral, general

Morreu meu maridoNo meio das flores

Acabou-se a alegriaAcabou-se os amores

Morreu meu maridoNo meio das flores

Acabou-se a alegriaAcabou-se os amores

Não é nenhum desses homensEles não são para mim

Eu sou uma pobre viúvaIchi, coitada de mim

Ai de mim! ai de mim!To reto de lutoDe luto fechado

Semanas inteiras eu tenho chorado

To reto de lutoDe luto fechado

Semanas inteiras eu tenho chorado

Dizei senhora viúvaCom quem quereis se casarOu é com o filho do conde

Ou é com o seu generalGeneral, general!

À beira do precipício, o Pai está prestes a tirar a própria vida quando ouve em seus

pensamentos o canto “Xô, xô passarinho”, a mesma que ele ouvira quando encontrara Maria

enterrada.

Maria, agora adulta pela magia de Asmodeu, segue seu rumo e nele encontra-se com

bóias-frias que trabalham na colheita do trigo, entoando a canção “Na corda da viola”, de

Villa-Lobos.

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Na corda da viola todo mundo bate,Na corda da viola, todo mundo bate,Na corda da viola todo mundo bate,Na corda da viola todo mundo bate;

As costureiras fazem assim...Os carpinteiros fazem assim...Os marceneiros fazem assim...

Na corda da viola todo mundo bate,Na corda da viola, todo mundo bate,Na corda da viola todo mundo bate,Na corda da viola todo mundo bate;

As costureiras fazem assim...Os carpinteiros fazem assim...Os marceneiros fazem assim...

O moço de nome Príncipe retorna, e seu pai decide fazer uma grande festa para que o filho

possa escolher uma jovem para desposá-la. Todas as moças do vilarejo comparecem,

inclusive Maria. A animação da festa, a música e a dança ficaram por conta do grupo da

Umbigada Paulista. A dança é uma pancada, de leve, nas danças de roda e que significa o

convite ou a intimação para que o umbigado substitua o dançarino encarregado do solo, do

canto. No fandango e no lundu, em Portugal, a umbigada tem o mesmo propósito, como

também acontece na dança da punga, no Maranhão e nos cocos de roda ou bambelôs e até

mesmo em certos sambas. Já no batuque paulista a umbigada aparece durante a dança e não

como um convite à substituição de quem está cantando na dança de roda. A umbigada foi

trazida para o Brasil pelos bantos, escravos africanos, que também trouxeram o batuque e o

samba.

Antes, porém, da realização do casamento Maria passa por um teste enquanto isso a Mucama

canta para Maria uma música que fala sobre as qualidades da esposa para merecer o marido,

foi composta especialmente para a microssérie narrando as cenas que mostram Maria no teste

dos afazeres de casa.

Depois de encontrar seu Amado, o Pássaro encantado, Maria entoa uma melodia que

fala sobre o desabrochar do amor enquanto acompanha saltitante a trupe em seu trajeto. A

música foi composta especialmente para a cena da microssérie.

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O sexto episódio inicia com a cena em que Maria canta a música “Candeeiro” – Villa-Lobos,

andando e pulando por entre as árvores, enquanto a narradora direciona os futuros

acontecimentos.

Candeeiro entrai na rodaEntrai na roda sem pararQuem pegar o candeeiro

Candeeiro há de ficar

Co-có-ró-cóCandeeiro sinhá

Eu não sou castiçalCandeeiro sinhá!

(Bis)

Depois de encontrar-se com o Amado e terem sido observados por Quirino sem que

percebessem, Maria canta para uma pequena platéia atenta na abertura do espetáculo uma

canção de amor e saudade composta especialmente para a trama.

Maria não consegue dormir, está com maus pressentimentos. Amado, preso na gaiola

começa a cantar com muita paixão e sentimento, uma cantiga de ninar. A música é “A

Floresta Amazônica”, também conhecida por Melodia Sentimental, de Heitor Villa-

Lobos. Maria levanta-se, começa a caminhar e entoa a mesma música que seu Amado,

cheia de doçura.

Acorda, vem ver a luaQue dorme na noite escura

Que surge tão bela e brancaDerramando doçuraClara chama silenteArdendo meu sonhar

As asas da noite que surgemE correm o espaço profundoOh, doce amada, despertaVem dar teu calor ao luarQuisera saber-te minhaNa hora serena e calma

A sombra confia ao ventoO limite da espera

Quando dentro da noiteReclama o teu amor

Acorda, vem olhar a luaQue dorme na noite escuraQuerida, és linda e meigaSentir meu amor e sonhar!

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O Pai apresenta-se como Palhaço Bendegó na trupe de Rosa e Quirino e, canta a música “A

paz do meu amor” (Prelúdio n.2), de Luiz Vieira, agradando a todos e, principalmente, a

Maria.

Você é issoUma beleza imensaToda recompensa

De um amor sem fimVocê é isso

Uma nuvem calmaNo céu de minh’alma

É ternura em mim

Você é issoEstrela matutina

Luz que descortinaUm mundo encantador

Você é issoParto de ternura

Lágrima que é puraPaz do meu amor

Você é issoEstrela matutina

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Luz que descortinaUm mundo encantador

Você é issoParto de ternura

Lágrima que é puraPaz do meu amor!

Quirino confessa a Maria que ele é culpado do desaparecimento de Amado. Ela decide ir

embora à procura de seu amor. Como despedida de Maria da trupe, Quirino canta de

improviso a música “Amargura”, de Eduardo Souto, em homenagem a Maria.

Maria segue pela estrada à procura do Amado cantando a música “Constante”, de

Villa-Lobos.

Quando Maria desvencilha-se de Asmodeu que continua perseguindo-a, ela continua

sua jornada e recomeça a cantar a música “A Floresta Amazônica” (ou Melodia

Sentimental), de Heitor Villa-Lobos, como se esperasse uma resposta de seu Amado.

Durante a caminhada Maria reencontra as crianças carvoeiras, que se aproximam

cantando alegremente “De dia o galo canta na crista do sol nascente pra todo mundo

acordar, é de manhã, é de manhã, de manhazinha...”, de domínio popular. Elas ficaram

livres do poder de Asmodeu depois que ele fez o tempo voltar pra infância de Maria.

Despede-se da menina carvoeira e segue sua jornada cantando “Constante”, de Villa-

Lobos.

Enquanto caminha, já muito próxima de sua casa, Maria entoa a música “Você diz que

sabe tudo”, de Villa-Lobos, pulando e cantando muito feliz por perceber os primeiros

flocos de polvilho no ar e que poderá reencontrar sua família completa.

Você dia que sabe tudoMas não sabe namorar

Quero que você me diga olê lê!Quantos peixes tem o mar

Quero que você me diga olê lê!Quantos peixes tem o mar

Quantos peixes tem o marEu não posso te dizer

Que o mar é muito grande olê lê!Tenho medo de morrer

Que o mar é muito grande olê lê!Tenho medo de morrer!

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Apesar da felicidade de Maria em reencontrar sua mãe, seu pai e seus irmãos, não

desiste do seu sonho em encontrar as franjas do mar. Ciganinho, o menino que conhecera e

que soube ter sido o seu protetor durante toda sua jornada, oferece-se e a acompanha até as

franjas do mar. Enquanto deslumbram-se com a paisagem, a microssérie encerra-se ao som do

coral de Villa-Lobos com a música “Vida Formosa”.

O moreno é meuNão é de mais ninguém

Quem tiver invejaOra faça assim também

Menina, minha meninaEntre dentro desta roda

Diga um verso bem bonitoDiga adeus e vá-se embora

Ai JuquinhaJuquinha meu bemA vida é formosa

Para quem amores tem

Ai JuquinhaJuquinha meu bemA vida é formosa

Para quem amores tem

Um, dois, trêsQuatro, cinco, seis

Sete, oito, novePara doze faltam três.

Ter obras de Villa-Lobos na microssérie é valorizar o popular no erudito, ele era um

amante da natureza do Brasil, e isto pode ser verificado em seu pensamento: “O Brasil é um

dos países mais privilegiados do mundo. O povo tem uma intuição musical profunda. Tudo

canta sem querer. O mar, o rio, o vento, a criatura” (PRESENÇA DE VILLA-LOBOS, v. 7,

1972. p. 89) Luiz Fernando Carvalho usa o termo “ancestralidade” quando define suas

inspirações artísticas na produção de Hoje é Dia de Maria. E é essa definição que

possibilitou-nos levantar trabalhos valiosos da nossa cultura musical e de algumas

manifestações populares de danças. Como é um entrelaçamento cultural, o próximo capítulo

possibilitará uma viagem por alguns contos de fada e o maravilhoso e o quanto

enriquecedores são em nosso cotidiano.

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CAPÍTULO 3

REVESTINDO-SE DE MITOS: OS CONTOS DE FADA E O MARAVILHOSO

3.1- Contos de fada e mitos europeus

De origem celta (NOVAES COELHO, 1987), os contos de fadas são uma variação do conto

popular ou fábula. Por serem narrativas curtas, são transmitidas oralmente, e o núcleo

problemático é existencial, é a busca da realização pessoal Os obstáculos ou provas

constituem-se num verdadeiro ritual de iniciação, para que o herói ou heroína tenham de

enfrentá-los antes de triunfar contra o mal. Caracteristicamente podem contar ou não com a

presença de fadas, mas envolvem algum tipo de magia, metamorfose ou encantamento.

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As fadas são entidades fantásticas, características do folclore europeu ocidental. Apresentam-

se como mulheres de grande beleza, imortais e dotadas de poderes sobrenaturais, capazes de

interferir na vida dos mortais em situações-limite.

As primeiras referências às fadas surgem na literatura cortesã da Idade Média e nas novelas de

cavalaria do Ciclo Arturiano, tomando por base textos-fontes de origem reconhecidamente

céltico-bretã que destaca o amor mágico e imortal conforme destaca Novaes Coelho (1987, p.

34):

Na maioria das tradições, as fadas aparecem ligadas ao amor, ou sendo elaspróprias as amadas, ou sendo mediadoras entre os amantes. A partir dacristianização do mundo, foi esse último sentido que predominou, perdendo-secompletamente aquela outra dimensão “mágica”, sobrenatural.

Ao longo dos últimos 100 anos, os contos de fadas e seu significado oculto têm sido

objeto da análise dos seguidores de diversas correntes da Psicologia. Para Cashdan (2000, p.

25), "embora o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade de encantar

e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar as crianças a lidar com os conflitos

internos que elas enfrentam no processo de crescimento", sugere que os contos seriam

"psicodramas da infância" espelhando "lutas reais", vinculando os contos de fadas aos

conflitos internos infantis:

Cada um dos principais contos de fadas é único, no sentido em que trata de umapredisposição falha ou doentia do eu. Logo que passamos do "era uma vez",descobrimos que os contos de fada falam de vaidade, gula, inveja, luxúria,hipocrisia, avareza ou preguiça - os "sete pecados capitais da infância". Embora umdeterminado conto de fada possa tratar de mais de um "pecado", em geral um delesocupa o centro da trama. (CASHDAN, 2000, p. 28)

Ainda, segundo Cashadan (2000, p.31), as crianças podem utilizar os contos de fadas na

resolução de seus próprios problemas:

O modo pelo qual os contos de fada resolvem esses conflitos é oferecendo àscrianças um palco onde elas podem representar seus conflitos interiores. Ascrianças, quando ouvem um conto de fada, projetam inconscientemente partes delasmesmas em vários personagens da história, usando-os como repositóriospsicológicos para elementos contraditórios do eu.

Cashadan (2000, p. 48), apresenta quatro etapas na jornada do ser existencial no conto

de fadas, a travessia, o encontro, a conquista e a celebração, cada etapa é uma estação no

caminho da auto-descoberta:

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A TRAVESSIA: "leva o herói ou heroína a uma terra diferente, marcada poracontecimentos mágicos e criaturas estranhas";o ENCONTRO: "com uma presença diabólica – uma madrasta malévola, um ogroassassino, um mago ameaçador ou outra figura com características de feiticeiro";a CONQUISTA: "o herói ou heroína mergulha numa luta de vida ou morte com abruxa, que leva inevitavelmente à morte desta última";a CELEBRAÇÃO: "um casamento de gala ou uma reunião de família, em que avitória sobre a bruxa é enaltecida e todos vivem felizes para sempre".

Os contos nascem e renascem a cada encontro para contar histórias em processos

comunicativos construídos pelas pessoas que deles participam. É um convívio de tradição e

inovação, apresenta variações que se diferem quanto às palavras empregadas, à seqüência, à

introdução de novos elementos e quanto ao próprio conteúdo das histórias. O contador

também é autor, pois existe certo grau de criatividade com doses de originalidade.

Narrar é intercambiar experiências, por isso, as melhores narrativas escritas são as que

menos se distinguem das histórias orais e o senso prático é uma das características de muitos

narradores natos. O narrador é visto como um homem que sabe dar conselhos, isto é, sugere

uma continuação da história narrada, é uma arte - a sabedoria, hoje em extinção. Figura entre

os mestres e os sábios, sabe dar conselhos, não para alguns casos, como o provérbio, mas para

muitos casos, como o sábio. Assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir

dizer. É o homem que tem o dom de contar sua vida e a dignidade de contá-la inteira. É a

figura na qual o justo se encontra consigo mesmo.

“Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo” (BENJAMIN, 1993, p.205),

e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. A história se gravará na memória

do ouvinte quando esse a assimila com sua própria experiência, e ainda poderá recontá-la à

sua maneira. Diferente da informação, que só tem valor no momento em que é nova, a

narrativa conserva suas forças e, depois de muito tempo, ainda é capaz de se desenvolver.

Quem escuta uma história está em companhia do narrador, mesmo quem a lê

compartilha dessa companhia, pois o grande narrador tem sempre suas raízes no povo,

principalmente nas camadas populares. O conto de fadas, exemplo disso, sobrevive

secretamente na narrativa e revela as primeiras medidas tomadas pela humanidade para

libertar-se do pesadelo mítico; ensinou e continua ensinando, que o mais aconselhável é

enfrentar as forças do mundo mítico com astúcia e arrogância.

A média de mensagens recebidas por dia é muito grande e a lembrada é muito

pequena, por isso, os comunicadores profissionais de quaisquer áreas tomam muito cuidado

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na transmissão daquelas julgadas de real importância. Estudos revelam que, para obter os

efeitos desejados, a mensagem deve estar na razão direta do interesse suscitado.

Os meios de comunicação de massa demonstram grande interesse em divulgar as

coisas relacionadas com o povo. Os jornais e revistas abrem suas páginas e o cinema, a

televisão e o rádio dedicam mais tempo à cultura popular. Diversas novelas de televisão e

filmes baseiam-se em assuntos que, antes, eram considerados campo de ação exclusiva de

pesquisadores folcloristas. Há muitas críticas a essa atuação da imprensa por acharem que

essas ações irão concorrer para o desvirtuamento das manifestações “puras”.

Muitos escritores deram atenção à cultura popular de seu tempo, especialmente a partir

da década de 30, apresentavam seus personagens como eles realmente poderiam ter sido,

procuravam incluir em seus romances todos os elementos culturais próprios às suas condições

sociais.

Jovens pesquisadores da cultura popular no Brasil interessam-se não apenas pelos

fatos em si, mas também, pelo que eles podem significar como expressão de vivência de um

grupo social. Analisar as manifestações folclóricas de um povo ou de uma comunidade pode

trazer muitos benefícios para ambas as partes: o pesquisador e o pesquisado. O meio de

comunicação que garante a sobrevivência das histórias de tradição oral é o “de boca a boca”,

transmitindo de geração em geração.

A literatura é única, como arte e exercício humano de comunicação e interpretação do

mundo. Independente de classificações e denominações, as narrativas inserem-se como

literatura infantil ou como formas culturais de expressão, didaticamente divididas para

estudos de diferenças e de conteúdos em: literatura – estudada pelos gêneros narrativos

(épico, lírico e dramático); narrativas – romance, novela e conto. O romance apresenta uma

narrativa com vários fios condutores e tramas que se completam com vários personagens em

enredos entrelaçados; a novela é uma narrativa com uma linha cujo desenvolvimento caminha

para um ponto comum: o clímax da história, a revelação da verdade. O conto é uma narrativa

com poucos personagens, conflito bem condensado, com unidades de tempo, espaço e ação.

Possui pouca profundidade psicológica e é um corte na vida da personagem, enfocando uma

situação limite, não permitindo grandes divagações, ou um número muito grande de

personagens. A narrativa mais utilizada pela literatura infantil é o conto, que se subdivide

segundo o conteúdo e finalidades de ensinamentos recebidos em formas de tradição oral.

No século XVII, a sociedade era, sobretudo, formada por camponeses. Eles

trabalhavam e se distraíam juntos. Os contos ditos em voz alta eram, antes de tudo, destinados

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aos adultos (que, na sua maior parte, não sabia ler). Para o povo, era a ocasião de exprimir a

dura realidade, mas também de sonhar e mudar de vida durante uma história.

Naquela época, a palavra oral ainda primava sobre a escrita, sendo o livro de difícil

aquisição. Alguns contos, porém, vieram a público em pequenos libretos azuis a baixo preço.

Vendidos pelos mercadores ambulantes, eles ficavam ao lado dos objetos da vida cotidiana.

Ocorre que as crianças mais ricas passavam a infância com as amas, provenientes do povo.

Estas últimas relatavam em língua popular esses contos que se transmitiam oralmente de

geração em geração.

As histórias de tradição oral classificam-se em: contos de fadas, contos maravilhosos,

fábulas, lendas e mitos. André Jolles (1976, p.145) define outras categorias literárias advindas

das histórias de tradição oral e as classifica como: legendas, sagas, mitos, contos, chistes,

anedotas, lendas. Chega a afirmar que “[...] talvez as formas simples constituam a base da

teoria literária [...]”. Para ele, formas simples fazem parte de um resgate das raízes dos povos,

são as criações coletivas de autoria desconhecida, nascidas da natureza humana e sustentadas

pela linguagem.

As formas cultas são artificiais, podem ser derivadas das simples, com personagens,

ambiente, espaço e tempo determinados por um autor identificado, responsável pela obra; as

formas simples guardam para si a naturalidade, e cumprem um papel folkcomunicacional na

sociedade, que é manter essas formas através do tempo e do espaço.

Segundo o mesmo autor, os contos populares são os que se referem à moral ingênua

do ser humano, são eles: contos maravilhosos, de encantamento, de fadas ou fábulas.

Os contos maravilhosos, originários do Oriente, além de muito antigos eram

apreciados pelos adultos e mais tarde foram adaptados para as crianças e incorporados à

literatura infantil. Semelhantes aos contos de fadas, os contos maravilhosos apresentam

situações que ocorrem fora da nossa compreensão de tempo e espaço; designa tudo o que não

é explicável pela razão; os fenômenos não obedecem às leis naturais do planeta; possuem

características mágicas sem a presença de fadas; dá ênfase aos aspectos materiais, sensórios e

sociais do homem. Os temas referem-se sempre à satisfação dos desejos do corpo, o

enriquecimento e a conquista do poder.

Nelly Novaes Coelho (1981, p.153), diz que a literatura nasceu do “maravilhoso”, e

dele também nasceram personagens com poderes sobrenaturais que se deslocam, contrariando

as leis da gravidade, sofrem metamorfoses contínuas, defrontam-se com forças do Bem e do

Mal personificadas, sofrem profecias que se cumprem, são beneficiadas com milagres,

assistem a fenômenos que desafiam as leis da lógica.

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A metamorfose mais marcante como representação do Mal, em Hoje é Dia de Maria, é

a presença de Asmodeu Original, o Sete Peles. Ele aparece no caminho de Maria no momento

em que explora o trabalho infantil das crianças carvoeiras, negocia as sombras das pessoas

sempre em troca de algo que elas necessitam, tornando-as suas escravas. Maria o reconhece

pela sua atitude no vilarejo, quando quer a sombra de Zé Cangaia. É o momento em que trava

uma batalha com Asmodeu por tentar ajudar Zé Cangaia, para que não seja trapaceado.

Asmodeu começa a persegui-la e impedi-la de seguir seu caminho para chegar às franjas do

mar, tenta atrapalhá-la de todas as formas, inclusive em constantes metamorfoses: Asmodeu

Bonito, Asmodeu Velho, Asmodeu Mágico, Asmodeu Brincante, Asmodeu Sátiro e Asmodeu

Poeta. Outra representação do Mal é a Madrasta, fingindo-se de boazinha convence Maria de

que deveria ser a nova esposa de seu Pai, porém transforma-se numa vilã, explora os serviços

da menina a ponto de levá-la ao esgotamento.

O Bem é representado por Maria, tanto criança quanto moça, pois ela perdoa, tem fé,

ajuda a todos que encontra pelo caminho. Sofre as profecias, mas é beneficiada pela magia,

com os personagens que surgem em sua trajetória, o Maltrapilho, o Homem de Olhar Triste, o

Mendigo, o Mascate e o Vendedor, inclusive outras pessoas que a ajudam: os cangaceiros e os

índios. A presença de Nossa Senhora é marcante do princípio ao fim da microssérie.

O Pássaro Encantado, também representante do Bem, é protetor, companheiro, e ama

Maria. É vítima de uma profecia, durante o dia é pássaro e à noite um belo rapaz.

Os contos, tanto os de fadas como os maravilhosos, proporcionam o amadurecimento

da criança para entender o mundo, através das mensagens transmitidas pelas histórias.

Perrault (2004), entre outros, fez desses contos um gênero literário. Ele dizia que não

os inventava, mas que buscava os contos nas fontes francesas, recuperando componentes

medievais e do Renascimento italiano. Tais fontes, segundo ele, eram bastante ricas para que

se parasse de uma vez por todas de copiar os Antigos. Ele não copiava, ele interpretava, pois

seus relatos eram muito mais elaborados do que os contos populares orais, e assim, mostrava

como renovar as fontes de inspiração.

Revisitando a história de Charles Perrault – Pele de Asno – percebe-se facilmente as

características do conto maravilhoso, a presença das forças do Bem e do Mal em busca da

satisfação dos desejos do corpo e da conquista do poder. No conto, após a morte da mãe, a

filha vê-se assediada pelo rei, seu pai, que a queria desposar custasse o que custasse, porque

conta a história que a rainha ao morrer pede ao rei que prometa casar-se novamente apenas

com uma mulher que se igualasse a ela em beleza e virtude. Parecia que a rainha, esperava

que ninguém fosse melhor do que ela e que o rei ficaria viúvo para sempre. Mas este era

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pressionado pelos ministros para casar-se novamente, pois a princesa, uma mulher, sua única

filha, poderia vir a casar-se com um príncipe estrangeiro, já que o rei não tinha filhos que o

sucedessem, e o povo preocupava-se com a sucessão da coroa.

O rei procurou por toda parte aquela que pudesse substituir sua esposa, mas foi tudo

em vão, ninguém se igualava a ela em beleza e virtude. Foi então que notou que sua filha era

extraordinariamente bela e inteligente, ficou irremediavelmente atraído e declarou seu

interesse em desposá-la. A jovem princesa desfaleceu com tão horrível proposta e lançou-se

aos pés do rei, seu pai, suplicou-lhe para não cometer tamanho crime. Para evitar a situação é

beneficiada com o milagre.

A microssérie “Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada” -, apresenta o pai, fora de si

por encontrar-se na situação de viúvo, saudoso, lamentando-se da vida, abandonado pelos

outros filhos mais velhos, vê-se sozinho com a filha mais nova “Maria”, que brinca sozinha

no quintal. Conduzido pela embriaguez, chama Maria aos gritos e aos berros e este atende

prontamente ao chamado do pai, vai para dentro da casa, e ao entrar, o pai toma-a para si; a

partir daí começa a notar a beleza e formosura de Maria. A jovem menina, cheia de virtude e

pudor, implora ao pai para não fazer isso, dirige-se ao seu quarto e conversa com a imagem de

Nossa Senhora da Conceição. Quando novamente é assediada pelo pai, como que por um

milagre é salva por um pássaro.

O que se lê nas histórias é o que se conhece de relatos de vítimas da erotização de

relações pai-filha e a consciência de estarem sendo arrastadas a uma situação criminosa. E em

ambos os casos, as meninas tentam fugir do trágico destino. Em “Pele de Asno”, a jovem

princesa o faz disfarçando-se na pele de um asno que a torna irreconhecível para que possa

fugir e mais tarde poder encontrar sua felicidade.

A microssérie também nos remete ao conto “Pé de Zimbro”, de Philipp Otto Runge

(1777 – 1810), mais conhecido pelo estranho título “Minha mãe me matou, meu pai me

comeu”, em que a madrasta da história mata o menino e o transforma em um ensopado,

saboreado inocentemente pelo pai. A irmãzinha, Marlene, junta os ossinhos da criança e

enterra junto ao pé de Zimbro onde está também a mãe. Da mesma forma como em Hoje é

Dia de Maria, depois de morrer o menino se transforma em um elemento da natureza, uma

ave (Maria vira um capinzal), e depois renasce em sua forma humana para seguir seu

caminho. Na microssérie o conto foi adaptado pelo dramaturgo Luiz Alberto de Abreu em

parceria com Luiz Fernando Carvalho, que por sua vez, é reescritura do conto popular “A

menina enterrada viva”, recolhido por Câmara Cascudo (1986), no Rio Grande do Norte. O

escritor Ricardo Guilherme (2000) também reescreveu o mesmo conto, porém sob o título “A

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Menina dos cabelos de Capim”; baseando-se no conto popular “Os Figos da Figueira”, ele

recria com extrema sensibilidade e poesia esta narrativa ibérica que atravessou o Atlântico e

foi incorporada pela tradição oral brasileira. A primeira versão portuguesa foi registrada por

Coelho (1879, in 1985, p.198-9), intitulada “A Menina e o Figo”. A trama representada em

Hoje é Dia de Maria fica bastante clara no conto A Menina Enterrada Viva, recolhido por

Câmara Cascudo, como podemos observar na reprodução a seguir.

A Menina Enterrada VivaEra um dia um viúvo que tinha uma filha muito boa e bonita. Vizinha ao viúvoresidia uma viúva, com outra filha, feia e má. A viúva vivia agradando a menina,dando presentes e bolos de mel. A menina ia simpatizando com a viúva, emboranão se esquecesse de sua defunta mãe, que a acariciava e penteava carinhosamente.A viúva tanto adulou, tanto adulou a menina que esta acabou pedindo que seu paicasasse com ela.- Case com ela papai. Ela é muito boa e me dá mel!- Agora ela lhe dá mel, minha filha, amanhã lhe dará fel. Respondia o viúvo.A menina insistiu e o pai, para satisfazê-la, casou com a vizinha.Obrigado por seus negócios, o homem viajava muito e a madrasta aproveitou essasausências para mostrar o que era. Ficou arrebatada, muito bruta e malvada, tratandoa menina como se fosse a um cachorro. Dava muito pouco de comer e a faziadormir no chão em cima de uma esteira velha. Depois mandou que a menina seencarregasse dos trabalhos mais pesados da casa. Quando não havia coisa algumaque fazer, a madrasta não deixava a menina brincar. Mandava que fosse vigiar umpé de figos que estava carregadinho, para os passarinhos não bicarem as frutas.A pobre menina passava horas e horas guardando os figos e gritando:- Xô! Xô! Passarinho! Quando algum voava por perto.Uma tarde estava tão cansada que adormeceu e quando acordou os passarinhostinham bicado todos os figos. A madrasta veio ver e ficou doida de raiva. Achouque aquilo era um crime e, no ímpeto do gênio, matou a menina e enterrou-a nofundo do quintal. Quando o pai voltou da viagem a madrasta disse que a meninafugira da casa e andava pelo mundo sem juízo. O pai ficou muito triste.Em cima da sepultura da órfã nasceu um capinzal bonito. O dono da casa mandouque o empregado fosse cortar o capim. O capineiro foi pela manhã e quandocomeçou a cortar o capim, saiu uma voz do chão, cantando:

Capineiro de meu pai!Não me cortes os cabelos...Minha mãe me penteou,Minha madrasta me enterrou,Pelo figo da figueiraQue o passarinho picou...,Xô! passarinho!

O capineiro deu uma carreira, assombrado, e foi contar o que ouvira. O pai veiologo e ouviu as vozes cantando aquela cantiga tocante. Cavou a terra e encontrouuma laje. Por baixo estava vivinha, a menina. O pai, chorando de alegria, abraçou-ae levou-a para casa. Quando a madrasta avistou de longe a enteada, saiu pela portaafora, e nunca mais deu notícias se era viva ou morta. O pai ficou vivendo muitobem com sua filhinha. (CÂMARA CASCUDO, 2000)

Em “Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada”, Maria fragilizada pelo assédio do pai

deixa-se convencer pela vizinha viúva, que observa de longe as cenas de assédio, de que as

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atitudes do pai são devidas à sua viuvez, que ele está necessitando de uma esposa, e que ela, a

vizinha viúva, é uma boa pessoa e a mais adequada para ele. Trata a menina com muito

carinho e atenção. A menina então, convence o pai a casar-se com uma viúva, como mostram

as cenas a seguir:

Ao fugir, Maria se esconde no meio do milharal e a madrasta se aproxima.

Madrasta:Ah, mai me dá um dó...

Maria assusta e se encolhe:Ai, ai, num judia não...

Madrasta:Ah, mai que medo é esse nesses tantão de tanto? Teje serena que nóis num veio natenção de lê fazê ninhuma judiaria...

A madrasta oferece a Maria um favo de mel embrulhado em palha:Tó.

Maria nem se mexe.

A madrasta insiste:É mel... Ara, pegue... E vancê cuida que quem ta querendo lê dá mel ta nargumprepósito de lê fazê marvadeza? Pegue logo isto daqui vai ponha argum doce noamargo do seu choro...

Enquanto Maria chupa o favo de mel, a madrasta intencionada fala:Puis é isso... Um home feito o nhor seu pai... ainda tão moço... num haverá de ficáviúvo nesses tanto de tempo... Haverá de arrumá uma cumpanhera mó de acarma ofacho... E adespoi vancê, uma crilinha ainda tão fracotinha, pra dá conta suzinha decuidá dos arranjo dum sitião que nem esse, tá certo?... Havera de tê mais braço, móde lê ajudá na sirviçana, tá certo? Antão...Maria, convencida pela vizinha viúva, muito tímida e cautelosa tenta convencer opai em casar-se.

Maria:Tava querendo lê preguntá por que causo é que o nhor pai num ajusta casamentocom aquela viúva dali?

Pai, surpreso:Foi?

Maria:Quela que mora ali pertico, naquela tapera da curva do estradão.

Pai:E por que havera?

Maria:Ah, mó de que ela é boazinha a conta inteira. Puis se inté me deu mel pra cumê!

Pai:Pui a tarzinha agora te dá mel? Pui ao despois há de te dar fel...

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O casamento ocorre e com muitos festejos. O Pai sai de viagem para a cidade embusca de empréstimo bancário. No momento de sua partida, Maria está regando suarosa amarela, só pára para acenar ao Pai. Quando ainda se via o Pai ao longe, numacurva do estradão, imediatamente a Madrasta, transforma-se em outra pessoa,aproxima-se de Maria.

Madrasta:Mai ói pra isso gente! Se tem argum cabimento ficá cuidando dessa bobage de rosa.Vancê inté parace que é meio já-já da cabeça, Maria. Vá bamo vê. Pare de ficá meoiando com esses ói granado e vai já cuidá da roça de milho que é de muito maiorserventia. E trate de ponha pressa no trabaio que vancê inda tem muito que fazê. (Enum tom bem carinhoso, vira pra Joaninha e diz) Vá, Joaninha, vamo descansá maium pouco, que o sór inda nem se levanto dereito...

E assim, a Madrasta continua explorando os serviços de Maria. Ela cozinha, dábanho em Joaninha, lava enormes pilhas de roupas nas margens do ribeirão, cuidadas plantações, sequer pode parar para brincar, pois a Madrasta não lho permite e,manda Maria ficar espantando os passarinhos de uma árvore frutífera para que nãobiquem os frutos. Maria canta a música Xô, xô, passarinho , de Villa-Lobos,enquanto os espanta, porém, suas foras se esgotam, ela dorme, e os passarinhos sepõem a bicar os frutos. A Madrasta aproxima-se.

Madrasta:Ah, siá mãe da preguiça!... Eu não lê falei que era pra num deixá os bicho bicá asfruitas? Sojeitinha treme-treme... Eu não le falei que a Joaninha tem ojeriza demamão bicado de passarinho? Pui agora vancê vai vê... (Bate em Maria) Leve,Sinhá desavergonhada... Tome...

Maria:Num fai ansim cumigo... Num fai... Num fai ansim... Ai, ai, ai...

Maria se põe a correr para um descampado, gritando em pânico.

Madrasta:Vorte aqui, peste, e é já e já! Vorte nos pé que é pra mó de eu te ensiná,desgracionada...

Maria, absolutamente exaurida, com a respiração difícil, cai de costas no chão, edesfalecendo vai dizendo “Num fai ansim cumigo... num fai...”, e uma borboletaamarela pousa em seu peito, enquanto lá na casa a velinha, que representa sua alma,tremula, quase apagando, e a Madrasta aproxima-se, com um sopro forte a apaga.Sobre o local onde morreu Maria, nasce um lindo capinzal da cor do cabelo dela.

A situação fica ainda mais complicada para a pequena Maria, permanentemente

explorada pela madrasta, decide fugir dali em busca do seu tesouro.

Nas duas histórias, a de Charles Perrault – Pele de Asno e em “Hoje é Dia de Maria –

Primeira Jornada” as jovens sacrificam-se com a atitude tomada para se libertarem do

assédio de seus pais e poderem buscar a felicidade. São contos populares que mostram as

difíceis condições de vida de uma população despossuída de direitos e que enfrentam toda a

sorte de violência no cotidiano. Mostram a fragilidade da mulher diante da intenção e do

desejo carnal masculino do próprio pai, quando buscam desculpas para a atitude deles.

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Por isso, a única maneira que as jovens têm para enfrentar tamanho problema é fugir

para bem distante do pai, mesmo que para isso tenham que se expor às inúmeras dificuldades,

como as que se apresentam nas duas histórias.

Outra história de Charles Perrault, com presença marcante na microssérie é a de

“Cinderela”, que apesar de apresentar algumas diferenças por ter sido recontada e recriada

diversas vezes e por diferentes autores, em todas as versões – “Cinderela”, “Sapatinho de

vidro” ou “Gata Borralheira” – uma linda menina passa pela perda da mãe e o novo

casamento do pai – como conseqüência ganha uma “madrasta”, que mostra o seu mau caráter

assim que se casara. Ela tem duas filhas de caráter semelhante ao dela. Não suportava as boas

qualidades, bondade e beleza de Cinderela, por isso a explora, encarregando-a dos afazeres

domésticos e privando-a de conforto.

O mesmo ocorre em Hoje é Dia de Maria, assim que a Madrasta casa-se com o Pai de

Maria começa a explorá-la nos afazeres da casa e do sítio, porém poupa sua filha, uma garota

que só come e brinca, além de não possuir a mesma beleza e nem o mesmo caráter de Maria.

Ainda em “Cinderela”, acontece o baile em que filho do rei convida as jovens nobres

do reino, porém são dois dias de baile. Cinderela demonstra interesse em ir ao baile, mas é

ridicularizada pela madrasta e suas filhas, que ficaram sem comer por dois dias para caberem

melhor em suas vestes. A madrinha, que era a fada, ajudou Cinderela providenciando com

uma varinha de condão e alguns objetos, o transporte e a roupa, um vestido de ouro e prata,

todo enfeitado com pedras preciosas e um par de sapatinhos de vidro, porém com a

recomendação de que deveria retornar antes da meia-noite, pois o encanto seria desfeito.

Chegando ao baile, sua beleza chamou a atenção de todos, inclusive a do jovem Príncipe que

a convidou para dançar, porém antes da meia-noite foi embora como sua madrinha lhe havia

recomendado. No dia seguinte, mais enfeitada do que a primeira vez, Cinderela foi a baile, o

Príncipe não saiu do seu lado, no entanto ela somente lembrou-se da recomendação da

madrinha ao ouvir a primeira badalada da meia-noite; saiu correndo e acabou perdendo um

dos seus sapatinhos de vidro, que o príncipe pegou e tentou segui-la, sem sucesso. Alguns

dias depois ele, apaixonado, anunciou que se casaria com aquela cujo pé coubesse no

sapatinho. Durante os testes, depois de fazerem o possível para que o pé das filhas da

madrasta entrasse no sapatinho, mas não conseguirem, Cinderela quis prová-lo, pois o

reconhecera. Foi motivo de riso e zombaria, mas, para surpresa de todos, o sapatinho entrou

sem nenhum esforço. Cinderela as perdoou, casou-se com o príncipe e abrigou-as no palácio.

A microssérie Hoje é Dia de Maria recria a história de Cinderela. Maria, adulta, pela

maldição lançada sobre ela por Asmodeu, começa a trabalhar na colheita do trigo numa

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fazenda cujo filho do proprietário tinha desaparecido misteriosamente e todos tinham a

esperança de seu retorno por nunca terem encontrado seu corpo. Na microssérie o jovem

apenas tem o nome de Príncipe. Eis que ele retorna ao casarão e seu pai decide fazer um baile

para comemorar seu retorno e convida as pessoas do vilarejo, inclusive as moças para que seu

filho escolha uma delas para ser sua esposa. Como em Cinderela, Maria deseja ir ao baile,

mas não tem trajes adequados para isso.

Maria:Donde é que vão ansim, tuda embronecadas?

Madrasta:Donde é que vamo?! Na festa, e donde haverá de sê?

Maria:Festa?!

Madrasta:Mai só mermo uma borralhera feito vancê é pra num sabê da festa que vai tê hojeno terrero da casa-grande... Comes, bebes e danças e tudo...

Maria:Pra mó de quê, si inda nem tamo no São João?!

Madrasta:O nhô fazendero é que ta dando esse fandango pra mó de festejá a vorta do nhôPríncipe... E o povo tudo ta dizendo que é nessa festa que o moço Príncipe vaiescoiê uma moça distinta pra mó de se casá, né, bem?Maria:É mermo?! Pui tomem vô!Madrasta:Ansim?! Pui vai fazê um figurão... Nesses feitio o nhô Príncipe vai mermo garrauma baita paixão por riba de vancê...

A sua madrinha na microssérie é representada pelo Mascate, de forte sotaque árabe,

denominado “Salim”, vem andando pelo carreirinho, oferece a Maria um lindo vestido e um

par de sapatinhos para que ela possa ir ao baile, porém avisa-a de que o encantamento

acabaria à meia-noite.

Mascate:Batarde, morena bonita! Qué um laço de fita, um pano bordado, um pente de ossoou qu’eu leve um recado prum moço direito que traz junto ao peito um cravoencarnado?

Maria:Só queria saber se por um acauso o nhor num haverá de trazê aí nesse seu bauzão,que é um delúvio de grande, né verdade? O nhor num haverá de trazê aí um vestidolindo como os amor...? E tomém um par de sapatinho encarnado.

O Mascate tira do baú um embrulho e o entrega a Maria.

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Mascate:Adeus, moça bonita... Só guarde esse aviso: meia-noite acaba a dança, acaba o riso.Na primeira badalada, juízo! Na segunda, corre, e na última em casa esteja!Salamaleikum, assim seja!

Maria abre o embrulho e dentro dele há um vestido da cor do céu, com todas as suas

estrelas, e um par de sapatinhos encarnados. Foi ao baile, a sua presença chamou a atenção de

todos pela sua beleza, inclusive a do rapaz de nome Príncipe, que a convidou para dançar.

Despertou a inveja de todos. Ao soar a primeira badalada do relógio anunciando meia-noite,

Maria desespera-se, foge. Na fuga perde um dos pés do sapatinho. O Príncipe o pega, com

muito carinho guarda-o, porém na manhã seguinte seu capataz sai à procura da jovem que o

encantara. Quando o Capataz aproxima-se do casebre segurando o sapatinho encarnado a

Madrasta o agradece e chama Joaninha, sua filha, dizendo que o ele havia encontrado o

sapatinho que ela havia perdido no fandango. Porém, ele desconfia e pede o outro pé, a

Madrasta confusa, diz que ele também está perdido. Nesse instante surge Maria com o outro

pé nas mãos perguntando se era aquele e é acusada pela Madrasta de roubo, e arranca-lhe o

sapatinho das mãos. Tenta calçá-los em Joaninha, sem sucesso. O capataz desconfia. Enfim, é

em Maria que sevem os sapatinhos. Ela segue até o casarão calçada nos seus sapatinhos

encarnados.

Em Hoje é Dia de Maria, ela precisa passar por três provas, a da cama, da mesa e do

banho. Maria, desconfiada, cumpre todas as provas: lava uma quantidade absurda de roupas

no rio, passa com ferro a carvão uma pilha de roupas, cozinha um enorme caldeirão de

comida, leva um enorme balde cheio de água até a banheira em que se encontra o Príncipe e,

põe-se a esfregar as costas do rapaz com uma esponja. Quando está acabando de forrar uma

enorme cama de casal, muito cansada, e sempre sob os olhos vigilantes da Mucama que canta

o tempo todo versos sobre a servidão da esposa para com o marido, senta-se na cama. A

Mucama aproxima-se de Maria, canta os últimos versos, o que significa que Maria fora

aprovada:

Mucama:Servidão é o segredo,Menina, do bom proceder.

Ao contrário da história de Cinderela, que se casa com o príncipe e “foram felizes para

sempre”, em Hoje é Dia de Maria, quando chega o momento do casamento, Maria aceita a

mão do Príncipe e é por ele conduzida até o Padre. Ao ouvir os piados de dor e tristeza

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emitidos pelo Pássaro, no momento da troca das alianças, mostra-se indecisa, e sob o olhar de

todos, abandona a sala em passos largos para estupefação dos presentes e corre em direção ao

seu casebre.

Em Hoje é Dia de Maria a história continua, e uma nova história surge. O filme O

Feitiço de Áquila (EUA: Ladyhawke, pt: A Mulher Falcão), produzido em 1985, dirigido por

Richard Donner, foi baseado no romance de Joan D. Vinge que conta a história de um amor

proibido, segundo uma lenda européia do século XIII, que tem o mesmo nome e apresenta

todos os elementos de uma boa fantasia, romance, aventura, coragem, amizade e como não

poderia faltar, um vilão. Na história, Isabeau, uma linda jovem, e Charles Navarre, capitão da

guarda, se amavam em segredo. O Bispo de Áquila, um homem de má índole, também

apaixonou-se pela jovem, porém não foi correspondido. Ao saber do romance e da fuga do

jovem casal durante a confissão do monge Imperius, um religioso de bons princípios e

cumpridor de seus deveres, porém beberrão, lançou uma terrível maldição sobre o casal, que

"Enquanto houver dia e noite, Isabeau e Navarre estarão sempre juntos, mas eternamente

separados", Navarre seria um lobo negro durante a noite e Isabeau um falcão durante o dia.

Phillipe Gaston, um ladrão conhecido por Rato pela sua irreverência, o único a conseguir

fugir do calabouço de Áquila, ao ser perseguido pelos guardas do castelo é salvo por Navarro

que o intima a ajudá-lo a entrar em Áquila para que possa vingar-se do Bispo. Gaston

descobre sobre a maldição e como poderia ser desfeita, pois Imperius diz que foi instruído por

Deus, de que bastaria Navarre e Isabeau estarem diante do Bispo durante o eclipse total do sol

para romper a maldição e se empenham para isso:

Imperius:- Dentro de três dias, na Catedral de Áquila, o Bispo ouvirá a confissão do clero.Basta que vocês o enfrentem – ambos, como homem e mulher, em carne e osso.Então a maldição será cortada. O Maligno recolherá seu prêmio e vocês doisestarão livres. (...) Impossível, enquanto houver noite e houver dia. Contudo, dentrode três dias, você terá sua chance. Dentro de três dias, haverá em Áquila um diasem noite e uma noite sem dia!

Após inúmeras peripécias, conseguem. A maldição é quebrada e todos são redimidos.

O Bispo transforma-se num lobo bem velho na história do livro, no filme ele apenas morre

pela espada de Navarre. Nas laterais da catedral, Phillipe viu que os sacerdotes reunidos

também sorriam de rostos aliviados e comemorando, ao verem o casal feliz que se abraçava,

envolvido pela luz do sol - sabendo que haviam testemunhado a derrota do mal e o triunfo da

fé, a vitória do amor.

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Na microssérie Hoje é Dia de Maria o Pássaro é ferido por uma das flechas atiradas

pelos guardas do casarão por ter se aproximado da janela no momento do casamento e emitir

piados como se quisesse impedí-lo de acontecer. O Pássaro Encantado foge ferido, Maria

ouve seus piados e isso a incomoda. Desiste do casamento e sai desesperadamente à procura

do Pássaro. Encontra-o ferido, ainda com a flecha crivada em seu peito, emite uns gemidos

estranhamente humanos e pia dolorosamente. Ela cuida dele com um carinho muito especial

enquanto profere palavras de conforto. Quando Maria retira por completo a flecha do corpo

do Pássaro, este se transforma num lindo rapaz, nu, cai de fraqueza, enquanto Maria sufoca

um grito de susto e espanto e se afasta perguntando:

Maria:Quem é ocê?

Amado:Sou aquele que velei seu sono e segui seus passos. E não vi encanto em voar livreno espaço, nem em estar perto do manto das estrelas, nem no canto dos pássarosnas manhãs. Quis andar... pela terra...(...)

Maria:E pur que minha voiz pergunta quem é ocê, se meu coração já lê conhece?

Amado:Ainda não sou nada! Nem ave que era nem homem completo. Sou o fruto dessaqueda que tanto sonhei. Por você quis ser homem. E agora estou perdido!Maria:Me diz: foi ocê que esperei sem sabê? Foi ocê que sonhei à noite sem lembrá demanhã? É aquele que meu coração... Cala, cala, coração meu! Aquieta, minhaalma! Ah!, o peso tão leve do amor me esmaga! Vem!

Amado:Não sou homem inteirado, completo ainda...

Maria:Inté to achano que um é a parte que falta ao outro.

Amado:Preciso de falá. Logo quebra a barra do dia, e com o sol vem a minha tristeza.Homem só sou na sombra da noite. Na luz do dia, minha sina é sê pássaro.

É o momento em que se percebe o cumprimento de uma profecia que se assemelha ao

feitiço de Áquila. A partir deste momento encontram-se todas as noites, instintivamente e sem

saber o porquê e se amam incondicionalmente.

Amado:Tua presença é bálsamo para esse meu castigo.

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Maria:Num diz isso! Deus num haverá de colocá nóis dois no mermo caminho pra mó desê, pra mim ou procê, um castigo... Nóis recebemo a bênção do amor divino...Apois num foi dos confim do céu que ocê veio?

Amado:Do céu... que escreve teu nome com as estrelas... Maria, o que sou, de onde vim,tão pouco sei!... Na vaga lembrança de mim mesmo, me perco! Só o que sei é quete amo, com amor profundo... e que esse amor, esse, sim, puro encanto, me liberta,como agora, do peso da longa jornada, da busca, que pensei desenganada.

O amor que sentem um pelo outro é o que motiva Amado a querer livrar-se do

encantamento, num de seus encontros Maria pergunta-lhe para onde iria com o nascer do sol,

e Amado responde:

Vou voar o mais alto que minhas forças me levarem e, lá, vou perguntar ao sol damanhã como é que um pássaro ganha substância humana. Pra sempre! E, amando,não perca nunca a lembrança do vôo.

Quirino descobre a quem Maria entrega o seu amor e revoltado por não tê-lo pra si

planeja separá-los, influenciado por Asmodeu faz uma gaiola para prender o Amado. Este e

Maria têm maus presságios, porém fazem juras de amor.

Amado:O seu amor não deve me abandonar no dia em que eu caminhar sozinho com o frioe com a morte.Maria:O que ocê ta falando?Amado:Falo dessa sina que teima em nos separar. Eu, metade homem e metade pássaro,sou escravo desse destino.Maria:E até quando vai esse destino?Amado:Até quando um novo sol chegar e sua força quebrar o encanto que me mantémpreso.(...)Maria:Entonce, promete que o amor da gente inda há de ser inteiro, no dia e na noite?

Quirino faz uma armadilha com um lenço de Maria para que o Pássaro se aproxime e

consegue prender o Amado, ainda em Pássaro. Dentro da gaiola, Amado faz uma prece à lua.

Amado:

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Lua, minha senhora. Você que rege os caminhos do mundo, que amadurece osfrutos da terra, que levanta as águas do mar... Você, tão linda, que lava a terra deluz, não me castigue por amar.

Rosa segue Quirino e encontra o Amado preso na gaiola, aproxima-se e ele pede-lhe

ajuda. Ela consegue o material pedido por ele. Entrega-lhe e quando a aurora começa a se

insinuar no escuro da noite, Amado asperge o sal sobre a tranca, as dobradiças e os ferros da

gaiola, depois, molha-os com o conteúdo de uma garrafa e faz uma invocação. O preparado

místico reage com o sol, escancarando a porta de ferro, que cai e Amado pode, enfim, livrar-

se daquela gaiola.

Amado:Sou atado ao destino, prometido a Maria desde muitas eras. Minha mãe lua, osventos todos do céu, os caminhos da terra, tudo o que vive e o que não vive sejuntou para que a gente se encontrasse. É sacrilégio ir contra esse amor. Longe deMaria vou morrer. De desamor, de tristeza, de falta de vontade de viver! Destinonosso, meu e de Maria, ou é amar ou é morrer.Rosa:Que é que posso fazê?Amado:Se quer me ajudar, traz o mais fino e puro sal do mar, dissolvido no orvalho danoite... quando soprar o vento leste com a força sagrada, eu vou me libertar e com asua ajuda.(...)Amado:Que os olhos impuros não vejam, porque aqui vai morar o que é sagrado. Senhoraminha, lua, soberana de todos os ciclos, de tudo que morre e renasce... Senhora mãeda terra, soberana dos ventos, dos metais, das águas e do mistério da vida... Vemsol, pai de tudo que é força, de toda transformação... Oh, noite, chega de segredos,que uniu amado com amada... Escuta-me, por fim, agora! E liberta-me a alma. Oh,dia cheio de graça, revela-me o mistério, a estranha sina dolorosa... de me perder doamor de minha amada. Oh, noite abençoada... Oh, dia enfeitiçado... Liberta-me!

Asmodeu, inconformado com os acontecimentos, faz nevar. O Pássaro fica congelado,

morre. Maria o encontra, aquece-o. O calor de seu corpo e de seu amor faz com que o coração

do Pássaro volte a bater. O gelo vai derretendo e Maria percebe uma fechadura na altura do

peito dele e se dá conta de que é do tamanho de sua chavinha. Abre, vê o coração do Pássaro

que bate ainda muito fraco, o pega em suas mãos, beija-o e devolve-o ao peito do Amado. O

Pássaro renasce e logo se transforma no Amado.

Amado:Ainda que toda noite durma e nenhum vivente possa presenciá esse milagre,ninguém há de duvidá: o Deus que acendeu a chama do amor num foi pra despoisapagá.Maria:Meu coração sabia e me guiô.

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São muitas as histórias que se entrelaçam na microssérie de modo a valorizar a cultura

popular e suas crenças, e como não poderia deixar de ser, Maria traz consigo uma chavinha,

que guarda com muito carinho, pois fora presente de sua mãe, sempre dizendo que é a

“chavinha do tesoro”. Quando o pai a assedia, ela recorre à imagem de Nossa Senhora da

Conceição e segura firme numa pequena chave que traz junto ao peito, pendurada em seu

pescoço por um cordão e diz “[...] e com essa chavinha hei de encontrar meu tesoro que se

esconde em argum dos caminho das franja do mar.”

A chave é um elemento simbólico presente em diversos contos, significa mudança,

passagem de um estado para outro. Ela está presente na fábula “Barba Azul” como o principal

símbolo da verdade, ela abre a porta que mostra a verdadeira índole daquele horrível homem,

um assassino de suas mulheres, além de simbolizar também a desobediência da mulher, que

curiosa, abre a porta do quarto onde se encontram os corpos das esposas anteriores

assassinadas. Porém em Hoje é Dia de Maria, a chave abre o coração de Maria para o amor.

O contador tem consciência de seu papel social, mostra, com formas e intensidades

diferentes que tem uma relação mítica com a tradição, e coloca-se em jogo para reconstruir a

forma de transmitir o seu repertório usando o imaginário para além do cotidiano. Permite uma

reflexão social, traz um ponto de vista crítico e profético sobre o tempo presente e o que está

por vir, faz-nos viajar no tempo e no espaço.

Se narrar é colher os fatos da própria experiência transformando-os em experiência para os

ouvintes, o ato de narrar significa também o encontro com os mistérios que envolvem o

homem e a vida nos diversos momentos de sua existência. É uma herança de conhecimento,

memória coletiva, um conjunto de valores, de práticas simbólicas nos quais estamos

estabelecidos e regulados por regras vitais de comportamento para criar e re-criar.

3.2- O maravilhoso: mitos indígenas e africanos

Mito é a ação constante e individualizada de seres e de coisas que se dão no céu e na

terra (WILLIS, 2007). O mito transfigura os seres e os fenômenos naturais,

transformando-os em totens e tabus. Num sentido mais amplo o mito tanto se refere às

personagens sobrenaturais, como a objetos extraordinários ou regiões fantásticas, que

existem na mentalidade de tribos e povos. Eles contêm símbolos de sentido oculto ou

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manifesto que coordenam os anseios e temores humanos com os grandes fenômenos

naturais. Existem mitos zoológicos, aquáticos, florestais e minerais, estes últimos relativos

a pedras e montanhas. Os mitos podem ser gerais, regionais, ou locais.

A lenda é uma narrativa popular inspirada em fatos históricos, transformados pela

imaginação ou pela tradição. Seus heróis são sempre homens ou mulheres consagrados na

história de um país, de uma cidade, ou nas diversas religiões. Elas estão sempre ligadas ao

tempo e ao espaço e geralmente se referem a fatos reais, em torno dos quais a fantasia cria

uma série de coisas irreais e até mesmo inverossímeis. Entre nós, figuras de cangaceiros,

de beatos e de heróis vivem cercados de um mundo de coisas imaginárias. Antônio

Conselheiro e Padre Cícero são exemplos elucidativos. O diabo é a grande personagem

das lendas, porque, embora ele não seja personagem histórico, simboliza a luta entre o

bem e o mal e, de acordo com a sabedoria popular, nas estórias o demônio sai sempre

derrotado.

A cultura popular nacional em Hoje é Dia de Maria apresenta-se através de expressões

vivas e dinâmicas do nosso folclore. O diretor Luiz Fernando Carvalho acredita em um

patrimônio genético do Brasil, e tenta resgatá-lo na microssérie. “Suas histórias, suas

raças, suas línguas, seus sons; tudo ainda vive, tudo me dá a sensação de que, como um

arquétipo, está à espera de reencarnar para continuar suas missões éticas e estéticas”

(CARVALHO, 2006).

Ao dar espaço para a participação de manifestações da cultura branca, negra e indígena, como

a Folia de Reis, o ritual dos Índios Xavantes, o batuque e a dança da Umbigada Paulista, a

rabeca de Mestre Salustiano e seu filho Pedro, entre outras, o diretor parece conseguir

reencarnar este arquétipo, tão renegado e esquecido pela sociedade moderna.

A Folia de Reis apresenta-se no cortejo que acompanha o casamento da Madrasta com

o Pai, é um grupo vestido de trajes vistosos e munido de belos estandartes. Declamam

versos, cantam e dançam. É o Reisado Flor do Oriente, de Duque de Caxias, Baixada

Fluminense. Eles fazem parte da Folia de Reis, folguedo religioso de origem ibérica em

que as pessoas visitam amigos e familiares e trocam presentes, para comemorar o fato de

o Menino Jesus estar entre os homens. O “Flor do Oriente” tem mais de 130 anos de

tradição passada de pai para filho e não costuma sair fora de época, mas os participantes

se envolveram de tal maneira com a gravação, que Mestre Tião chegou a fazer versos

sobre a trama. A Folia de Reis é uma festa conhecida em todo o país e ainda é comum nas

cidades do interior.

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Figura 58 - Cortejo que acompanha o casamento da Madrasta com o Pai

Figura 59 - Folia Reisado Flor do Oriente Figura 60 - Um dos tradicionais estandartes da festa,

que tem origem ibérica.

Mestre Salustiano é considerado um dos maiores rabequeiros da América Latina. Mestre

Salustiano e seu filho percussionista Pedro Salustiano participam da cena em que Maria

encontra um grupo de retirantes. Ambos interpretam personagens e tocam bumbo e rabeca,

enquanto todos cantam "Valei-nos”, de Tim Rescala. Mestre Salustiano e Pedro também

tocaram forró ao vivo durante a gravação da cena em que Asmodeu brincante (Antônio

Edson) dança com uma boneca de pano para atrair a atenção de Mariazinha. Também foi

Pedro quem preparou os atores Antônio Edson e Carolina Oliveira para essa dança, assim

como deu aula de pandeiro para Gero Camilo, que interpreta Zé Cangaia.

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Figura 61 - O rabequeiro Mestre Salustiano e seu filho Pedro Figura 62 - Mestre Salu e Pedro participam da cena

em que Maria encontra os retirantes.

Quando Maria chega ao Vilarejo onde ela encontra Zé Cangaia, está sendo celebrada a

festa de São José e conta com a participação da Banda Santa Cecília e Cirandeiros de

Parati. As Festas de São José acontecem em todo o país, principalmente nas cidades

pequenas, e contam com a parte religiosa (novena, missa solene, procissão) e festejos

populares (leilão de ofertas, rifas etc.).

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Figura 63 – Chegada de Maria ao Vilarejo; celebração Figura 64 – Participação da banda Santa Cecília e os da festa de São José Cirandeiros de Parati, na cena da Festa de São José.

A Umbigada Paulista é uma dança da comunidade negra de origem africana, o grupo participa

das cenas da volta do Príncipe, fazendo contraponto às festas da nobreza branca, o baile e o

casamento. Possuem uma dança sensual que, assim como o batuque e o samba, foi trazida ao

Brasil pelos escravos africanos. A dança é uma pancada, de leve, que se dá com o ventre nas

danças de roda. A Umbigada é também chamada de Samba Rural Paulista e influenciou o

carnaval da região.

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Figura 65 – Reza das mulheres da Umbigada Paulista antes de Figura 66 - Os integrantes dançam batendo de leve o

gravação ventre uns nos outros.

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Figura 67 - A integrante da Umbigada entoa os cânticos e os demais dançam.

Os dez índios que participam da cena em que Maria liberta a noite presa dentro de um coco

são da Aldeia Pimentel Barbosa, em Água Boa (MT). É uma tribo que ainda mantém suas

tradições e remetem aos primórdios da civilização brasileira. Apesar da resistência inicial, já

que costuma ser uma tarefa feminina, os índios Xavantes montaram suas próprias tangas com

arranjos de palha. No resto do corpo, usaram uma pintura tradicional da cultura indígena.

Figura 68 – Índios Xavantes da Aldeia Pimentel Barbosa, em Água Boa – MT

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A Lenda da Noite é um mito indígena tipicamente brasileiro, é uma lenda que pode ser

encontrada em diferentes versões, porém em todas elas a presença do coco (ou caroço de

tucumã) é fundamental no desenrolar da narração, como na reprodução a seguir:

“No começo do mundo só havia o dia. A noite estava adormecida nas profundezasdo rio com Boiúna, cobra grande que era senhora do rio. A filha de Boiúna, umabela jovem, tinha se casado com um rapaz de um vilarejo nas margens do rio. Seumarido, um jovem muito bonito, não entendia porque ela não queria dormir comele. A filha de Boiúna respondia sempre:

- É porque ainda não é noite.- Mas não existe noite. Somente dia! - Ele respondia.Até que um dia a moça disse-lhe para buscar a noite na casa de sua mãe

Boiúna. Então, o jovem esposo mandou seus três fiéis amigos irem pegar a noitenas profundezas do rio.

Boiúna entregou-lhes a noite dentro de um caroço de tucumã, como se fosseum presente para sua filha. Os três amigos estavam carregando a tucumã quandocomeçaram a ouvir barulho de sapinhos e grilos que cantam à noite. Curiosos,resolveram abrir a tucumã para ver que barulho era aquele. Ao abri-la, a noitesoltou-se e tomou conta de tudo. De repente, escureceu.

A moça, em sua casa, percebeu o que os três amigos fizeram. Então, decidiuseparar a noite do dia, para que esses não se misturassem. Pegou dois fios. Enrolouo primeiro, pintou-o de branco e disse:

- Tu serás cujubin, e cantarás sempre que a manhã vier raiando. Dizendo isso,soltou o fio, que se transformou em pássaro e saiu voando. Depois, pegou o outrofoi, enrolou-o, jogou as cinzas da fogueira nele e disse:

- Tu serás coruja, e cantarás sempre que a noite chegar. Dizendo isso, soltou-o, e o pássaro saiu voando. Então, todos os pássaros cantaram a seu tempo e o diapassou a ter dois períodos: a manhã e a noite.”(A LENDA DA NOITE. Autor Desconhecido; Origem: Brasil.

<http://www.fontedeluz.com/main.php>. Acessado em 28 mar. 2008)

3.3- Um processo de emancipação através da arte e das raízes populares

Falar de cultura popular é levar em conta as tramas das criações, dos símbolos e dos

significados que realizam as conexões entre as várias manifestações populares, os

diferentes modos de ser e de representar-se. A relação entre as várias culturas mostradas

na microssérie leva-nos a refletir criticamente num processo de emancipação, inclusive

sobre a responsabilidade da educação e da escola na transmissão de um saber e de

vivências mais críticas e mais criativas a respeito de nossas culturas populares

(HOLANDA, 1995).

A cultura nada mais é do que um sistema de significados que expõem atitudes e

valores, nos quais expressam suas formas simbólicas, num processo constante de re-

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criação; basta olharmos ao nosso redor para perceber a incorporação que ocorre nesse

processo de emancipação através saber cultural do qual somos parte e também o

partilhamos (CALADO, 2002). Somos naturalmente humanos, porém objetos de uma

natureza socializada pela cultura. A cultura habita as diversas tramas, saberes, sentidos,

significados, sentimentos que criamos, preservamos e com os quais transformamos nossas

maneiras de viver e de sobreviver, atribuímos identidades a quem somos. Isso só é

possível por compartilharmos palavras, saberes, idéias, visões de mundo, sistemas de

crenças, religiões, filosofia, artes, teorias e práticas.

Ao longo de nossa sinuosa história buscamos respostas às nossas perguntas, estabelecemos

sentidos para as nossas vidas, consagramos princípios para a nossa múltipla convivência e nos

impomos códigos e regras para podermos viver numa sociedade humana com tantas

divergências culturais. Cada um de nós é um elo, e um feixe de interações no aprender –

ensinar - aprender. Somos detentores de algum conhecimento singular a respeito de uma ou

algumas áreas do saber humano e, ao interagir com a própria vida e com o mundo,

aprendemos e re - aprendemos.

É preciso lembrar que a cultura desenvolveu-se a partir da possibilidade da

comunicação, o que significa que tudo o que o homem faz, aprendeu com os seus

semelhantes e sem imposições. A comunicação é um produto da cultura, mas ao mesmo

tempo não existiria cultura se o homem não tivesse a possibilidade de desenvolver meios

para expressar-se. A cultura serve de lente através da qual o homem vê o mundo e

interfere para a busca de sua satisfação.

Para poder falar em “emancipação” decidi consultar a definição do verbete, comecei pela

leitura do termo no Dicionário do Pensamento Marxista, editado por Tom Bottomore, e nele

Marx e os marxistas tendem a ver a liberdade em termos de eliminação dos obstáculos à

emancipação humana, isto é, “ao múltiplo desenvolvimento das possibilidades humanas e à

criação de uma forma de associação digna da condição humana” (BOTTOMORE, 1988,

p.123/124), assim cada indivíduo teria os meios de cultivar seus dotes e possibilidades em

todos os sentidos. As análises de Marx sobre a liberdade pessoal esbarraram nos limites da

sociedade capitalista, fincada nas leis de mercado.

Na Teoria Crítica (ADORNO, 2000) a cultura nas sociedades modernas ocidentais é destruída

pela produção capitalista para o mercado. Nesse ambiente, a cultura e a arte assumem um

papel ambíguo, servem de sustentáculo aos desejos de liberdade e felicidade, que são

inviabilizados nas sociedades modernas, mas projetam-nos em uma esfera ilusória que tenta

pacificar um desejo rebelde.

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Num de seus últimos trabalhos, Garcia-Canclini (2008) observa que por mais acessível,

heterogênea e múltipla que seja a cultura mundializada não será capaz de construir pontes

num mundo rompido, ou seja, ela não é capaz de emancipar.

Diante de diferentes pontos de vista, ainda é possível mostrar há autores como Freire (2002) e

Santos (2003) que apontam práticas pelas quais o ser humano pode expressar seus potenciais,

suas capacidades e ter suas diferenças valorizadas. Nessa perspectiva institui-se um processo

de emancipação num contexto multicultural, busca-se nutrir uma sociedade emancipada.

O atual momento nos apresenta uma sociedade cada vez mais globalizada e tecnologicamente

avançada, porém, com a maioria da população exposta à exclusão e à violência. O

desenvolvimento da ciência atende mais aos interesses do mercado do que aos da espécie

humana, é a banalização do ser.

Paulo Freire apresenta uma reflexão quanto ao papel e o compromisso da ciência e da

tecnologia e propõe “A todo avanço tecnológico haveria de corresponder o empenho real de

resposta imediata a qualquer desafio que pusesse em risco a alegria de viver dos homens e das

mulheres” (FREIRE, 2001, p. 147), isto é, uma ciência e uma tecnologia que se coloquem a

serviço do processo de emancipação. E, Santos (2003), defende uma globalização condizente

com um projeto de sociedade que respeite as culturas locais, multicultural e emancipada.

Discorrer sobre emancipação é escrever sobre um conjunto de ações, utopias, lutas,

sonhos, projetos e ações humanas em busca da felicidade, da justiça, da liberdade e da

fraternidade, que só acontecerão pela conquista humana numa luta ininterrupta. Para isso,

a liberdade é condição imprescindível, como cita Freire (1989, p.35) “A libertação, por

isto, é um parto [...]. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na

e pela superação da contradição opressores - oprimidos, que é a libertação de todos”.

A primeira jornada da microssérie Hoje é Dia de Maria remete-nos para essa

libertação. Ao apoiar-se no conto Pele de Asno, revela o valor da mulher no seio da família, e

a força de um sentimento que leva à superação da dor. Cinderela (Gata Borralheira) mostra-

nos a libertação da mulher diante da violência doméstica quanto aos maus tratos, da busca do

verdadeiro amor e não a espera de um príncipe encantado. A fé está presente em todos os

momentos difíceis, de dor, de perda, de solidão, inclusive de decisão, ela representa

segurança, paz, acolhida, amor, o bem, companheirismo, solidariedade, confiança, todos na

figura de Nossa Senhora da Conceição. Asmodeu representa o mal, traz tristeza, provoca

discórdia, dor, insegurança, exploração do trabalho infantil, desgraças, inveja, perseguição.

Em Feitiço de Áquila temos a busca incessante do amor, uma busca que não mede esforços,

demonstra perseverança e paciência. Representada na pessoa de Maria, que já não é uma

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Maria qualquer, como um “Zé Ninguém”, a mulher é a superação de um preconceito de

fragilidade, fraqueza e submissão, cada “dia” de Maria, é uma dificuldade vivida, porém,

enfrentada e vencida, são ações que demonstram a libertação, por isso, uma nova Cinderela,

aquela não se deixa abater pelas dificuldades e que crê, mesmo na mais primitiva sabedoria

popular, supera, traz a noite estrelada, traz a chuva pro sertão, desafia e vence Asmodeu, é

solidária, encontra e vive o amor.

O processo de emancipação é a superação, que traz ao mundo novos seres, não mais

opressores, nem oprimidos, mas a libertação. Como diz Freire (1989, p.30) “E aí está a grande

tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores”.

Em seguida Freire (2002) fala sobre a desumanização que é amplamente mostrada na

Segunda Jornada de Hoje é Dia de Maria.

A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada,mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção davocação do ser mais... Na verdade, se admitíssemos que a desumanização évocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar umaatitude cínica ou de total desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre,pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como “seres para si”,não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmoque um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma“ordem” injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos. (FREIRE,2002, p. 30)

Nessa perspectiva, a emancipação é ter a condição humana de cada um ser o

protagonista de sua história, é apropriar-se e experimentar o poder de pronunciar o mundo, a

vivência. A emancipação consiste num fazer cotidiano e histórico permeado de desafios,

sonhos, utopias, resistências e possibilidades.

Maria foi a protagonista de sua história, a narradora deixa claro esse processo de

emancipação na trama de Hoje é Dia de Maria, quando finaliza dizendo “virou, mexeu, lutou

e mereceu” e faz referência à inocência como renovadora do mundo. E, “Tenho muita

história na gibeira, me encontro co ceis numa festa lá na beira das franjas do mar. Atrasá até

pode, só não pode é faltar. Inté.”. Nesse momento, a narradora remete-nos à Segunda Jornada,

na qual o autor expõe Maria a novos desafios, as personagens representam como se fossem

bonecos, como se atuassem mecanicamente, e a tecnologia é presença marcante na

robotização do ser humano. Porém, a Segunda Jornada de Hoje é Dia de Maria, é uma

indicação para um estudo futuro. A Segunda Jornada faz algumas analogias e aponta

diferenças que quebram expectativas sobre o novo ambiente e seus desafios; apresenta a

pequena Maria na cidade grande, esta com todos os seus encantos e desencantos; onde ocorre

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a exploração do homem pelo homem e a criança exposta diante da violência da sociedade.

Coloco uma mostra deste estudo no Apêndice.

O próximo capítulo mostrará algumas das possíveis leituras que o professor,

independente da área de atuação e do nível de ensino, pode realizar em sala de aula

utilizando-se da mídia televisiva, mais especificamente, da tão rica obra como Hoje é Dia de

Maria. O professor poderá valer-se de todos os elementos que compõem a obra, desde

cenários, personagens, músicas, histórias, cultura popular, folclore, linguagem, entre outros,

inclusive num trabalho interdisciplinar.

CAPÍTULO 4

A MÍDIA TELEVISIVA E A CULTURA POPULAR: AS POSSÍVEIS LEITURAS

4.1- Contos de fada

Durante a execução desta pesquisa minha reflexão foi sobre a importância dos contos

de fadas na sala de aula e como utilizar este instrumento transformando-o em mais um

meio de entretenimento no cotidiano das crianças. Nesta reflexão considero de grande

valor salientar que os contos de fadas têm um grande poder lúdico sobre as crianças, bem

como em desenvolver a imaginação, a criatividade e momentos de reflexão. Para

Bettelheim (1985), nenhum tipo de leitura é tão enriquecedor e satisfatório do que os

contos de fadas, pois eles abordam os problemas interiores dos seres humanos e

apresentam soluções e ajudam a formar a personalidade, além de ampliar o repertório de

conhecimento sobre o mundo e possibilitar a transferência dos principais dramas das

crianças aos personagens, portanto, não podem faltar na educação.

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Em todo trabalho com contos de fadas o professor deve, inicialmente, apresentar

primeiro as obras que mais se aproximam dos originais, traduzidos por escritores

conhecidos, somente depois apresentar as novas versões para que os alunos sejam levados

a diferentes reflexões. O professor deve explorar a “hora do conto” com criatividade e

criar um universo de magia e curiosidade, como por exemplo, sair do espaço da sala de

aula no momento da leitura; sentarem-se no chão, ou ainda forrar o chão com tapetinhos

“mágicos”, talvez manufaturados pelos próprios alunos numa aula de Educação Artística e

apresentar a história aos poucos, para criar mais suspense.

Os contos de fadas não devem ficar restritos apenas às séries iniciais, deve estender-se aos

adolescentes, pois esse tipo de leitura vislumbra um mundo que sabemos não ser real, mas

que sempre tem algo a ensinar, alertar, refletir e contribui para a formação de leitores críticos.

O conto mostra, de maneira subjetiva e algumas vezes objetiva, que a vida traz algumas

dificuldades, que mesmo o herói ou a heroína passam por diversas provas e essas devem ser

realizadas por eles mesmos, como diz Bettelheim (1985, p.173) “A única forma de nos

tornarmos nós mesmos é através de nossas próprias realizações”.

A escola também deve abordar nos contos de fadas o confronto entre o bem e o mal, pois

tanto as crianças como os adultos deparam-se com pressões da sociedade, e suas escolhas

devem ser pautadas de acordo com o pré-estabelecido por ela. Nesse instante surgem questões

como narcisismo, conflitos edipicos, rivalidades fraternas, egocentrismo, perdas, entre outras.

Nos contos de fadas, o confronto entre o bem e o mal se diferencia de outros textos, pois as

personagens, quando lidam com o mal, não usam a força bruta, mas sim a esperteza ou a

astúcia. O maniqueísmo1 que divide as personagens em boas e más, belas ou feias, poderosas

ou fracas, facilita a compreensão de certos valores básicos de conduta humana ou convívio

social. Isso tudo é transmitido através de uma linguagem simbólica e, durante o período

escolar, pode contribuir para a formação de uma consciência pautada na ética. Os alunos

necessitam de uma educação moral que de modo sutil e implícito os conduza às vantagens de

se ter um bom comportamento, não através de conceitos éticos abstratos, mas naquilo que lhes

parece correto e conseqüentemente significativo. No entanto, não é o fato de o malfeitor ser

punido no final da história que faz com que os contos maravilhosos e de fadas se tornem uma

experiência em educação moral. Neles, como na vida, a punição ou o medo dela é apenas um

meio de intimidação ao crime. A convicção de que o crime não compensa nos contos é1 O maniqueísmo é uma filosofia dualística que divide o mundo entre Bem, ou Deus, e Mal, ou Diabo. A matériaé intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom. Com a popularização do termo, maniqueísta passou aser um adjetivo para toda doutrina fundada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal. Sugestão de leitura, oartigo: LIMA, Raymundo. O Maniqueísmo: o Bem, o Mal e seus efeitos ontem e hoje. Psicanalista e professorda UEM, no site: http://www.espacoacademico.com.br/007/07ray.htm. Acesso em 04 nov. 2008.

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mostrada de modo que a pessoa má sempre perde. Não é o fato de a virtude vencer no final

que promove a moralidade, mas de o herói ser mais atraente para o leitor.

A presença do narrador nos contos de fadas assume um papel fundamental para o

desenvolvimento do enredo e também para prender a atenção do leitor, no caso da televisão, o

telespectador. A microssérie Hoje é Dia de Maria apresenta uma narradora onisciente, na voz

de Laura Cardoso, além de fazer a apresentação durante a trama, leva o espectador a uma

viagem no tempo e no espaço. O cenário apresenta um espaço castigado pela seca, porém uma

menina ri descontraidamente enquanto brinca num balanço em uma árvore, a voz da narradora

dá início à trama dizendo “Longe, num lugar ainda sem luz, havia uma pobre família desfeita.

E... era uma vez uma menina chamada Maria...”.

A cada final ou começo de episódio a narradora está presente, como ao final do

primeiro episódio a narradora conclui e chama o espectador a interagir com a cena:

Antonce, de maneira que foi ansim por essa forma. Maria ganho estrada, envergocaminhada sem querer ver fim. E fingia que não sabia de nem da Terra do Sol aPino que secava bicho, homem ou menino. E... mai fecha a janela do zóio, dorme esonha... Que a noite lhe seja risonha e amanhã a gente continua quando caí o sol,arribá a noite e suspendê a lua. Inté.

Iniciando o segundo episódio a narradora retoma o final do anterior e apresenta o novo

personagem que, a partir de então acompanhará Maria. Mesmo assim, o leitor é convidado a

acompanhar “Antonce Maria foi tentar sua sorte no mundo, mai como no fundo ninguém ta

sozinho um Pássaro Estranho foi seu amigo. Antonce, caminha comigo, repara e vê o que

assucedeu. Então...”. A cena mostra Maria cantando e entrando na Terra do Sol a Pino

seguida pelo Pássaro Incomum. Nesse episódio Maria vive inúmeras aventuras, o encontro

com o Maltrapilho, com o Homem de Olhar Triste, com os Executivos, com os Retirantes,

com o Mendigo, com os Índios, com a menina Carvoeira e com Asmodeu, enquanto seu Pai

sai a sua procura e também vive cenas inusitadas. Para finalizar esse episódio a narradora diz:

E assim foi e assim será. Vai daí que Maria caminho, caminho. Seu pai se entortono seu rastro, mai como o mundo é também parte do bem e do mal, o bem encontroa sombra de um moço, entonce Maria arriscando o pescoço... Já desceu a noitenegra, o dia hoje foi luta e amanhã é outra escuta. Inté.

No início do terceiro episódio a narradora chama o espectador para que fique atento

aos acontecimentos, pois apesar de Maria viver momentos mágicos no anterior, agora tem

Asmodeu em seu caminho. A cena começa com Maria entrando num vilarejo no momento em

que acontece uma procissão em louvor a São José. A narradora:

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Antonce, acerta os óio, alerta os ouvidos porque amigo é tesouro que nem por ourose faça trato com o Demo e nem coma no seu prato. Não sei, nem sempre é bão,mai num custa prestá atenção. Não sei como foi, como num foi, ta mai com ar dequem contou que viu e que mentiu, antão...

Finalizando o terceiro episódio, a narradora chama a atenção sobre as atitudes de

Maria para com Asmodeu, reforça a luta travada entre o bem e o mal.

Ai, ai, ai, ai, que Maria comprô richa com Asmodeu, o coisa ruim, e esse um numai de sussegá enquanto não embaraça com mil nó cego o caminho dela, tanto que...Mai é tarde, que sem alarde o tempo voa. Amanhã, amanhã quando fecha a luz dodia, de novo vai nascê a flor Maria no jardim de nossa história. Inté.

A narradora dá uma diretriz do que ocorreu para dar uma seqüência lúdica ao que se

segue, sempre inserida no contexto, inclusive pela linguagem utilizada. Introduz o quarto

episódio

Ah, de modos que Maria e as coisas já foram seguindo desse jeitinho, assim mesmocomo eu tô contando. Maria há de perdê e de ganhá coisa de muito amor, sua vida...mai peraí... cada coisa a seu tempo, cada tempo em seu canto, porque uma históriase faz de certeza e também de espanto... antão...

Maria é perseguida por Asmodeu, que também impede o pai de encontrá-la pelas suas

artimanhas. Maria perde sua chavinha. Asmodeu faz a roda do tempo girar e Maria perde sua

infância. A narradora finaliza o quarto episódio “E assim foi e como as coisas na vida que mal

me pergunte, a sorte vem, mas essa é pra outro dia. O que digo é só sinal que a história de

Maria segue e ainda ta longe o seu fim.”

O quinto episódio começa sem a presença da narradora, apenas as cenas bastam para a

história. Mas, ao finalizar a narradora comenta “Desculpe se na história pesa a tristeza, mai

nessa melancolia há requinte de beleza, de amor errado e sincero, mai não tarda não, amanhã

a história segue. Inté.”

Ao iniciar o sexto episódio a narradora o introduz com “Antonce que de manera que se

tô bem lembrada o desatino de Quirino, mai essa história anda a revelia e ai que se tem que

temperá a água fria da tristeza com o calor da interia, pois é assim que uma emoção boa vai

tocar o coração de Maria. Antão...”.

A narradora chama a atenção do espectador pelo grande número de cenas de dor,

tristeza e desencontros, porém “Se a gente chegou junto até aqui, agora tem que ir junto até o

final. Que posso fazê se das veiz na vida provação parece que não tem fim. Só dô um aviso,

prepara o coração. Amanhã a sorte, a roda da fortuna irá rodar. Inté.”

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O começo do sétimo episódio dá-se com a indagação da narradora “Provação não tem

fim, a roda da fortuna virá ou não?”. Para finalizar a narradora faz analogias com a realidade

do mundo “A pois assim, a história mudô o rumo, parece inté que saiu do prumo e

inguarzinho que a vida as veiz faiz. E agora, como é que se labora com tanta reviravorta. Eita,

que a vida parece que é torta. O futuro de Maria é um presente que amanhã desembruio pros

ceis. Inté.”

Enfim, o oitavo e último episódio da primeira jornada de Hoje é Dia de Maria. A

narradora prepara o telespectador

Antonce, coração pronto, ouvido e zóio atento e alma sem desalento. Maria tantoprocuro, tanto busco que quase conseguiu. Quem seguiu passo a passo meu relato,comeu o melhor do prato e viu, quem não viu nem te viu sabiá, vai ver agora e nãohá de se esquecê. Antonce...

Finaliza como em todo conto de fadas... mas com uma diferença...

É a inocência que renova o mundo. Maria virou, mexeu, lutou e mereceu e até hojevive feliz com seu amado. Tenho muita história na gibeira. Me encontro co ceisnuma festa lá na beira das franjas do mar. Atrasá até pode, só não pode é faltar.Inté.Antonce, de maneira que foi ansim que tudo assucedeu. Êta que lá no fundo todomundo sabe que não é a espada, é a inocência que renova o mundo.

As histórias são compartilhadas tanto pelo narrador como pelos ouvintes num processo

de reelaboração, desde que aceito pela comunidade, pois esta seleciona, o povo participa da

criação e da transformação da cultura popular, da mesma forma como participa da criação e

da transformação de sua língua natal, assim as variações farão parte do repertório coletivo da

tradição.

Os indivíduos não se cansam de narrar, de ouvir, de vivenciar narrativas, há um

universo de histórias constituído pela tradição oral e literária. A escola deve apropriar-se

dessa atividade milenar e enriquecer o processo de ensino e aprendizagem. A interação dos

alunos com relatos populares e eruditos é a via para a formação de leitores e de indivíduos que

preservam o prazer de pensar, descobrir, interrogar, criticar e inovar. Essa formação transita

pela experiência de ouvinte e narrador de histórias do cotidiano.

Hoje é Dia de Maria reúne em seus episódios contos de fadas passados de mães e avós

para filhos e netos ao longo dos séculos, às vezes seguindo a moral das histórias, outras,

subvertendo-a. A mais significativa “subversão” está na personalidade de Maria, uma heroína

que passa longe das princesas passivas das fábulas tradicionais, que esperam seus príncipes

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para salvá-las de todos os males. Maria escapa da Madrasta, enfrenta o diabo, diz não ao

Príncipe e se apaixona pelo Pássaro, seu protetor. Mas apesar destas diferenças, a saga de

Maria assemelha-se a de muitos heróis universais: há uma partida, uma tarefa a ser realizada e

um retorno - roteiro básico da experiência de todo ser humano. Este rito de passagem2,

chamado pelo mitólogo Joseph Campbell (1995) de “O Herói de Mil Faces”, está presente em

diversas culturas.

Na microssérie, como no conto de fada, há uma madrasta ruim, que toma o lugar da

mãe boa após a morte desta. Também expõe Maria aos trabalhos mais pesados, a maltrata, a

escraviza até que chegue ao esgotamento.

MADRASTAVá bamo vê. Pare de ficá me oiando com esses oi granado e vai já cuidá da roça demilho que é de muito maior serventia. E trate de ponha pressa no trabaio que vancêinda tem muito que fazê.(...)Deu conta de tudo? Entonce, xispa fazê a janta que Joaninha ta verde de fome.(...)enquanto poupa a própria filha.Madrasta (outro tom)Vá, Joaninha, vamo descansá mai um pouco, que o sór inda nem se levantodereito...(...) dirigi-se à Maria:Ocê precisa de coro como eu preciso de oro! Bem que a Joaninha foi me falar queocê tava forgando.MARIATô brincando um cadinho causa de que já terminei todas obrigação. Panela areada,louça lavada, roupa passada, criação tratada.MADRASTACarcule... E as prantação?(...)(Aproximando-se por trás) Ah, siá mãe da preguiça!... Eu não lê falei que era pranum deixá os bicho bicá as fruitas? Sojeitinha treme-treme... Eu não lê falei que aJoaninha tem ojeriza de mamão bicado de passarinho? Pui agora vancê vai vê...(Bate) Leve, Sinhá desavergonhada... Tome...MARIANum fai ansim cumigo... Num fai... Num fai ansim... Ai, ai, ai...MADRASTAVorte aqui, peste, e é já e já! Vorte nos pé que é pra mó de eu te ensiná,desgracionada...

A mãe volta depois na figura da fada madrinha, no caso da microssérie, a Nossa

Senhora da Conceição e a Camponesa.

2 Rito de passagem é uma celebração que marca mudança de status de uma pessoa no seio de sua comunidade. Otermo foi popularizado pelo antropólogo alemão Arnold Van Gennep no início do século vinte. Tambémchamado por monomito por Campbell no livro O Herói de Mil Faces, divide-se em três seções, valendo-se dedoze estágios para compor a Jornada do Herói.

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SENHORAQue foi que lê fizero, pra vancê padecê tanta tristeza ansin, Maria?(...)MARIAUm tanto de tristeza, um tanto maió de sodade.SENHORASodade da mãe, né, não?MARIAA seora cunheceu a mãe? Como ela era? Gostava de quê? Ela era boa, num era?SENHORAEra boa como a terra que fai brotá tuda qualidade de semente; gostava dospassarinho, dos alimar, de ri e de cantá quando caía chuva miúda. E ela era assim...como calor de um abraço, como gosto sumoso de fruta madura... (...) Sua mãe lhevê de donde está: um lugar de onde toda vida brota, um lugar sem fim como aságuas do mar.MARIAE por que bondade assim, como a da mãe, tem de morrê?SENHORAPorque das veiz bondade tem de sê fortaleza, tem de tê gana de lutá pra numfenecê! O que há de ser tem muita força, Maria. Arreda a tristeza que seu dia há dechegar.(...)

MARIAB’a tarde, siá dona! A pergunta é sem preceito, mai a seora pode me indicá dereitoonde posso topá com um veio que é o cuisa-ruim?CAMPONESAIsso num é pregunta que se faça, e se fizé num hai resposta que se dê!MARIANum é por mal que procuro.CAMPONESAOcê tem o zóinho limpo como cristal de luz. Deus assim le conserve.CAMPONESAOutro! E ocê, menina, muito cuidado com o que seu coração lavora, porque o riscoé conseguir no futuro ou agora. segue inté a próxima encruziada e faz invocação.

Também há um baile, onde um Príncipe pretende encontrar sua amada. Maria,

auxiliada pela magia, recebe um vestido da cor do céu e sapatinhos encarnados, encanta o

nobre rapaz e deixa pasmas a Madrasta e sua filha, Joaninha. O sapatinho perdido é a forma

de o Príncipe reencontrar Maria, que, ao contrário das princesas dos contos, foge bem na hora

do casamento.

Na história de Charles Perrault – Pele de Asno – as forças do Bem e do Mal

demonstram na trama a busca da satisfação dos desejos do corpo e da conquista do poder. No

conto, o rei, viúvo, para atender ao pedido da esposa em seu leito de morte queria desposar a

filha, custasse o que custasse, pois apesar de procurar por toda a parte não encontrou uma

mulher que se igualasse em beleza e virtude à sua esposa, e notou que sua filha era

extraordinariamente bela e inteligente, ficou irremediavelmente atraído e declarou seu

interesse em desposá-la. Para evitar a situação a jovem é beneficiada com o milagre.

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(...) Certo dia, sentindo que ia morrer, a rainha chamou o marido e lhe disse, aosprantos:- Meu fiel esposo e amigo, quero fazer-lhe antes de ir-me um pedido: se de novocasar...Nesse ponto, o rei a interrompeu, apertando-lhe as mãos e desfazendo-se emlágrimas, como que para dizer-lhe que jamais sequer pensara nisso.- Não, não, minha fiel esposa e amiga, em vez disso, peça-me que a siga na tumba!- O reino – continuou a rainha com tranqüila firmeza – precisa de sucessores e eusó lhe dei uma filha. Portanto, terá que se casar de novo, e eu lhe peço que só secase se encontrar uma princesa mais bonita e mais bem-dotada do que eu. Se mejurar isso, morrerei feliz e em paz.Parece que a rainha tinha muito amor-próprio, e que se forçou o marido a essapromessa, foi porque não cogitava que pudesse haver outra princesa que aexcedesse em beleza e dotes. Porém, o rei jurou a ela, alguns minutos depois,morreu.(...) O rei sofreu imensamente. Durante vários dias, só chorou e se lamentou. Mas,com o tempo, se foi conformando, e, certo dia, os seus ministros lhe mandaramuma representação, pedindo-lhe que se casasse de novo.(...) Enfim, não conseguindo mais esconder os seus sentimentos, declarou que só secasaria com ela.A jovem princesa, que era muito virtuosa, quase desfaleceu quando ouviu adeclaração do rei seu pai. Lançou-se-lhe aos pés e lhe suplicou eloqüentemente anão cometer aquele crime hediondo.(...) - Mas o que há, menina? Pois fique sabendo que isso foi ótimo. Envolva-se napele do asno e saia pelo mundo. Deus recompensa quem tudo sacrifica pela virtude.Vá. Tudo o que lhe pertence a acompanhará, eu lhe garanto. Fique com a minhavarinha de condão. Sempre que a bater no chão, verá surgirem as coisas de queestiver precisando.A princesa deu um abraço apertado na madrinha, suplicando-lhe que não aabandonasse jamais. Em seguida, envolveu-se na pele de asno, passou fuligem norosto e saiu do palácio despercebida.

A microssérie “Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada” apresenta o pai, fora de si

com a situação de viúvo, saudoso, lamentando-se da vida, abandonado pelos outros filhos

mais velhos, vê-se sozinho com a filha mais nova “Maria”, que brinca sozinha no quintal.

Conduzido pela embriaguez, chama Maria aos gritos e aos berros, que atende prontamente ao

chamado do pai, vai para dentro da casa, e ao entrar, o pai toma-a para si; a partir daí começa

a notar a beleza e formosura de Maria. A jovem menina, cheia de virtude e pudor, implora ao

pai para não fazer isso, dirigi-se ao seu quarto e conversa com a imagem de Nossa Senhora da

Conceição. Quando novamente é assediada pelo pai, como que por um milagre é salva por um

pássaro.

Casa do Sítio / Pátio / Exterior / ManhãzinhaO PAI, fraco, conduzido pela embriaguez e por uma saudade infinita dos bonstempos, começa a ter visões. O passado de sua história surge à sua frente, tãofresco e vívido como se tudo ali novamente estivesse. Os outros folhos, ainda

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crianças, brincavam por ali. O PAI, ainda fraco, se ergue para avistar sua própriahistória, vivinha, diante de seus olhos:

PaiVorta, meus fio, e tudo... Vorta, minha... Vorta, minha muié... O que foi feitod’ocê, meus óio d’água? Ô, Deus, se o Senhor existe de verdade verdadera, por queé que o Senhor me levô ela de nóis? O que eu fiz pra merecê este castigo? Me levara mãezinha de Maria, meu amor... O mundo desandou que inté pareceu que sartôfora dos eixo. Tudo ficou ao desgoverno, desarvorado como planta sem raiz, casasem teto e corpo sem alma... Vorta, minha moça... minha senhora, minha rainha,cadê? Vorta, minha amada...

Casa do Sítio / Janela / Exterior / DiaVistas pela janela, sombras projetadas pela luz amarela do lampião escorregampelas paredes. A sombra do PAI agarra a sombra de MARIA, que se debate:

MariaAi, ai, ai... Num fai ansim, nhor pai... Num fai...

Casa do Sítio / Quarto de Maria / Interior / ManhãzinhaMARIA, com o rostinho inchado de chorar, conversa com a imagem de NossaSenhora da Conceição. Ela traz a mão fechada junto ao peito, ocultando umpequeno objeto que pende de um cordão preso em volta do pescoço.

MariaNum deve de sê curpa dele não, minha santa venerada. É que ele é ansim de lua, derompante de brabeza... A seora guarde ele com seu manto, me guarde tomem. Eguarde a mãezinha adonde ela ta. Diz pra ela que a farta é muita e que a sodade étanta...

Casa do Sítio / Roça de Milho / Exterior / ManhãzinhaMARIA está colhendo as espigas dos pés de milho. Está cansada, e as folhas domilho arranham seu rosto bonito. Largado ao lado da roça, o PAI bebe...O PAI percebe MARIA e se enternece.

PaiE só me sobrô a Maria tão-somente...

MariaLevanta, pai, bamo!

PaiOcê é a única coisa que eu tenho, Maria. A única frô que resto. Ocê é um cristal, ainocência num mundo de ruindade... uma moça fremosa, menina-muié...

Subitamente, o PAI segura MARIA e tenta beijá-la na boca. MARIA grita.

MariaNão! Pára, pai! Num fai isso!

Casa do Sítio / Roça de Milho / Exterior / Dia(...) o PAI agarra MARIA, que se debate, desesperada.

MariaAi, nhor pai... Num fai ansim cumigo não, nhor pai...

Pai(Violento, tentando beijá-la) Tome tenência que eu sô seu pai. Mi obedeça, siáMariquinha... Eu sô seu pai e sô seu dono...

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E assim, lutando, o PAI derruba MARIA entre os pés de milho. A menina choradeseperadamente.

MariaNão, nhor pai...

Pai

Pui vancê vai ficá sabendo quem é que manda...

A MADRASTA e JOANINHA estão atentas... De repente, como um anjo alado,surge um PÁSSARO, que, com seu bater de asas e seu vôo rasante, assusta o PAIcomo num safanão. MARIA se liberta do PAI e corre por entre as espigas demilho, chorando, desesperada. Assim como surgiu, o PÁSSARO desaparece. OPAI fica lá, enroscando-se nos pés de milho:

PaiVorta aqui já e já, minina fia do coisa-ruim...

O que se lê nas histórias é o que se conhece de relatos de vítimas da erotização de

relações pai-filha e a consciência de estarem sendo arrastadas a uma situação criminosa. E em

ambos os casos, as meninas tentam fugir do trágico destino. Em “Pele de Asno”, a jovem

princesa o faz disfarçando-se na pele de um asno que a torna irreconhecível para que possa

fugir e mais tarde poder encontrar sua felicidade.

- Minha menina, não se desespere! Nem tudo está perdido! – disse-lhe ela. – O reiestá obcecado e os nossos estratagemas falharam. Mas acho que se pedir a pele doasno que fornece todo o ouro que é o sustento da riqueza desta Corte, ele negará.Vá pedir-lhe a pele do asno.A jovem, alegre e cheia de esperanças, correu e foi pedir ao pai a pele do asno. Orei ficou espantado com aquele capricho, mas na hora ordenou que sacrificassem oasno, cuja pele foi dada à princesa.

Em “Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada”, a jovem menina convence o pai a

casar-se com uma viúva, que a ludibriara para o feito. A situação fica ainda mais complicada

para a pequena Maria, que decide fugir dali em busca do seu tesouro.

Nas duas histórias – Pele de Asno e Hoje é Dia de Maria - as jovens sacrificam-se

com a atitude que tomam para libertarem-se do assédio do pai e poderem buscar a felicidade.

São contos populares que mostram as difíceis condições de vida de uma população

despossuída de direitos e que enfrenta toda a sorte de violência no cotidiano. A fragilidade das

mulheres é mostrada diante da intenção e do desejo carnal masculino do próprio pai, quando

buscam desculpas para a atitude deles. Em “Pele de Asno” – o rei

(...) como já não estava muito no seu juízo perfeito, começou a sentir pela filha umamor profundo e forte, que não se assemelhava ao amor paterno (...)

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E em “Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada” – a cena mostra

(...) MARIA, com o rostinho inchado de chorar, conversa com a imagem de NossaSenhora da Conceição.(...)

e diz:(...) Num deve de sê curpa dele não, minha santa venerada. É que ele é ansim delua, de rompante de brabeza... A seora guarde ele com seu manto, me guardetomem. E guarde a mãezinha adonde ela ta. Diz pra ela que a farta é muita e que asodade é tanta... (...)

Tomando-se ao pé da letra o ditado popular “Quem conta um conto... aumenta um

ponto”, descortina-se o mundo dos contos populares. Contos que foram criados e narrados

pelo povo, que nasceram da oralidade e do espírito inventivo de muitos. Suas idéias

contribuíram para alargar o campo da literatura oral. Não se sabe precisar quando esse

costume de contar histórias se instituiu como prática social, porém pode-se afirmar que é

muito antigo, de ordem universal, ocorrendo, portanto, em todas as civilizações, como vem

sendo comprovado por diferentes estudos etnográficos. Nas comunidades populares esses

contos eram e são, mesmo hoje, normalmente narrados não só para relaxar e divertir, para dar

conta de acontecimentos que escapam ao entendimento racional, assim o conto maravilhoso,

com seus elementos mágicos, explica o que a razão desconhece, mas para fazer as pessoas

refletirem sobre suas vidas pessoais e o contexto social em que estão inseridas.

A escola pode levar aos alunos a convergência entre o prazer de ouvir e de contar

histórias que, simultaneamente, enfatizem a natureza artesanal da produção, privilegiando a

história pessoal dos alunos, a percepção renovada de mundo e as possibilidades significativas

de uma história, levando a outras histórias como um convite ao passatempo e à fuga do

cotidiano. Isso exige o envolvimento reflexivo do leitor para que ele recrie a história que está

recoberta sob a que é narrada, sempre sugerindo novos e inusitados sentidos a cada nova

releitura. É uma opção de leitura da atualidade que pode ser recomendada aos alunos das

séries finais do Ensino Fundamental por apresentar a atemporalidade do conto, o tema, o

enigma inicial, a crítica à sociedade, o tom irônico do narrador e as diferentes etapas de

leitura, como entender, analisar, interpretar e aplicar, as quais fazem parte de um mesmo

exercício hermenêutico, devendo os alunos serem estimulados a narrarem episódios que

tenham por base problemas gerados no seio familiar e na sociedade em que vivem. Como

exemplo, ver com os alunos algumas cenas de Hoje é Dia de Maria e explicar os contos que

estão na base da trama. Fazer exercícios e entrevistas para que os alunos verbalizem seus

pontos de vista e suas atividades.

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Cabe ao professor dinamizar a discussão, centrando-a na temática do conto

estimulando seus alunos a criarem seu próprio conto para apresentarem personagens ou

situações mediante as quais desmascarem condutas inaceitáveis, sob o ponto de vista da

convivência humana, da moral e da ética. Para fechar o circuito, que integra a manifestação de

narrativas orais e escritas, deve-se dar oportunidade ao aluno de apresentar sua narrativa e

que, já revisada pelo professor, seja divulgada entre a comunidade escolar.

Com a finalidade de completar a recepção, recomenda-se que o professor traga

exemplos de outras narrativas da tradição oral ou literária que se aproximem, sob o aspecto

temático, do conto. Inclusive, buscar complementar a interpretação com dados da biografia do

autor e do contexto estético-histórico-cultural de sua produção, para relacioná-los aos valores

e ideologias expressos no conto.

As atividades de transferência e aplicação, além de garantirem o espaço da produção

escrita e oral do aluno, visam responder às seguintes perguntas: Com que textos é possível

relacionar essa microssérie? Que diálogo há entre o texto televisivo e o contexto estético-

histórico-cultural do momento de sua produção?

Coloco como exemplo de atividade aplicada, um trabalho intitulado “Contos de Fadas:

uma conexão entre Literatura e Matemática nas Séries Iniciais”, Marina Alves da Cruz

Damião, Carlos Adriano Martins e Vivilí Maria Silva Gomes, do Centro de Ciências

Humanas, Universidade do Grande ABC – SP. <http://www.sbempaulista.org.br/epem/anais/

Comunicacoes_Orais%5Cco0071.doc. > (Anexo 5)

Diante de seu papel de dinamizador da aprendizagem e como participante da história

pessoal e da história de leitura de seus alunos, cabe ao professor enriquecer as experiências

que vivenciam coletivamente no espaço da sala de aula. Uma das formas de fazê-lo é

interligar o universo de narrativas, acolhendo as decorrentes de experiências pessoais e da

tradição oral para vinculá-las às narrativas de natureza estética. A leitura de diferentes contos,

que conseguem reunir o coloquial e o formal e esboçar a realidade humana em eventos

ficcionais, favorece esse trânsito, oportuniza o contato dos alunos com importantes

personalidades literárias e contribui para sua formação de leitores e de sujeitos críticos.

Incentivar os alunos a criarem novas histórias para a travessia de Maria com base em histórias

populares. Cada aluno lê suas sugestões, discute em pequenos grupos e no dia seguinte cada

grupo dramatiza seu roteiro.

Parlenda (do verbo parlar) ou trava-línguas, é uma forma literária tradicional, rimada

com caráter infantil, de ritmo fácil e de forma rápida. Usada, em muitas ocasiões, para

brincadeiras populares. Normalmente é uma arrumação de palavras sem acompanhamento de

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melodia, mas às vezes rimada, obedecendo a um ritmo que a própria metrificação lhe

empresta. A finalidade é entreter a criança, ensinando-lhe algo. Algumas vezes, é chamada de

trava-línguas, quando é repetida de forma rápida ou várias vezes seguidas, provocando um

problema de dicção ou paralisia da língua, que diverte os ouvintes. Assim, pede-se a alguém

que repita uma parlenda, em prosa ou verso, de forma rápida - "fale bem depressa" - "diga

correndo" - ou que a repita várias vezes seguidas - "repita três vezes". As parlendas não são

cantadas e, sim, declamadas em forma de texto, estabelecendo-se como base a acentuação

verbal. Os portugueses denominam as parlendas cantilenas ou lengalengas. Na literatura oral é

um dos entendimentos iniciais para a criança e uma das fórmulas verbais que ficam,

indeléveis, na memória adulta.

Os trava-línguas são outro instrumento importante para ser utilizado na escola, pois

fazem parte das manifestações orais da cultura popular, são elementos do nosso folclore,

como as lendas, as parlendas, as adivinhas e os contos. O que faz as crianças repeti-los é o

desafio de reproduzi-los sem errar. Entra aqui também a questão do ritmo, pois elas começam

a perceber que, quanto mais rápido tentam dizer, maior é a chance de não concluir o trava-

línguas. Esse tipo de poema pode ser um bom recurso para trabalhar a leitura oral, com o

cuidado de não expor alunos com mais dificuldades. É nessa leitura que melhor se observa o

efeito do trava-línguas e, dependendo da atividade, passa a ser uma brincadeira que agrada

sempre. Os trava-línguas podem ainda ser escritos para criar uma coletânea de elementos do

folclore e pesquisados em diferentes fontes: livros, sites na internet ou revistas de

passatempos.

4.2- Folclore

O homem, “em sua verdadeira essência, é um homo festivus”, diz Havey Cox (1974, p.

20), busca sua caracterização identitária no cultivo dos folguedos, das aspirações visionárias e

na capacidade de fantasiar. São muitos e diferentes os registros que mostram a fabulosa

mistura de povos milenares e festeiros, como o indígena, o europeu e o negro vindo da África,

e o Brasil não poderia fugir a essa universalidade. Aqui fazemos festa por qualquer motivo e é

isso que não nos reduz a uma tribo de robôs.

Pensando na festa como experiência educativa, o olhar volta-se para as festas

populares, entendendo-as como momentos privilegiados das pequenas cidades e das

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populações das periferias das grandes cidades brasileiras, que interrompem a rotina de

trabalho para festejar com os vizinhos, amigos, co-participantes da mesma crença e das

mesmas tradições como num ritual. Para a antropóloga Mônica Wilson (apud Turner, 1974, p.

19), “os rituais revelam os valores no seu nível mais profundo (...) os homens expressam no

ritual aquilo que os toca mais intensamente”.

Desse modo, quando uma criança olha uma manifestação folclórica – dança ou música

-, assim que lhe for dada ocasião, saberá fazer o mesmo, é uma “situação de aprendizagem”,

termo usado por Carlos Brandão (1995) em seu livro O que é Educação. É comum ver muitas

crianças à volta de um grupo se apresentando, absortos em cada gesto e palavra, é o momento

em que se fazem aprendizes daquele ritual. Enquanto algumas crianças estão olhando e

querendo aprender, outras já estão inseridas nos grupos, o que possibilita a continuidade de

cada um dos grupos e da tradição que ele expressa e que o fundamenta.

É dessa forma que o povo escreve suas memórias, seus valores, seus códigos de

regras, suas crenças, suas angústias pelo árduo trabalho, suas esperanças e fantasias. Os

ingredientes que compõem a festa popular são também textos por meio dos quais as pessoas

simples manifestam tudo o que lhes toca mais profunda e intensamente. Proporcionam uma

outra forma de trabalhar, que se reveste de muita profundidade e importância nas festas

populares, pois as pessoas e os grupos populares não têm o domínio da escrita como forma de

expressão. Os textos são feitos em forma de dança, de cânticos rimados para facilitar a

memorização, são troças, lendas, ditados e muita comida gostosa.

Por isso, uma criança ou adolescente aprendendo a tocar um instrumento ou ensaiando

um passo numa dança, para também fazer parte da festa da sua família, vizinhança ou

comunidade, é uma pessoa que está aprendendo, assimilando uma compreensão de mundo e

buscando uma forma de nele se inserir. Participar de um ritual ou de uma festa supõe fazer a

sua parte, sempre intercalada com a parte do outro, ou dos outros. E isso tem muita

importância, em se tratando de educação. A vida também é assim: supõe diálogo, cooperação,

esperar a vez do outro, acreditar no outro. Ninguém é tão pobre e impotente diante da vida

que não lhe possa acrescentar um pouco de encanto. Ninguém é tão seguro e auto-suficiente

para poder encantá-la unicamente com suas forças e seus conhecimentos. Os Parâmetros

Curriculares Nacionais (1997), volume 7, referente à Educação Física, aborda o

desenvolvimento do ser humano inserido num contexto cultural, como produtor e reprodutor

de cultura, aprendendo valores, conhecimentos e representações, ressignificando suas

intencionalidades e formas de expressões que podem ser chamadas de cultura corporal. O

professor deve localizar nos jogos, esportes, danças, entre outras manifestações, seus

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benefícios fisiológicos e psicológicos e as possibilidades de utilização como instrumentos de

comunicação, lazer e cultura. Nos jogos, nas brincadeiras, nas danças, os alunos interagem

com os adversários e poderão desenvolver o respeito mútuo, a participação de forma leal e

não violenta, o desenvolvimento da capacidade de julgamento de justiça, atitudes de

solidariedade e dignidade. Cada região, cada cidade, cada escola tem uma realidade que deve

ser explorada e ressignificada de modo a contemplar os jogos, como bocha, malha, taco,

boliche e outros; as brincadeiras populares como amarelinha, pular corda, elástico, bambolê,

bolinha de gude, pião, pipas, esconde-esconde, pega-pega, coelho sai da toca, duro-ou-mole,

mãe-da-rua, cabo-de-guerra entre outros e as danças brasileiras (samba, baião catira etc.),

danças urbanas (rap, funk, pagode, danças de salão etc.), danças eruditas, danças

coreográficas, lengalengas, brincadeiras de roda, cirandas etc.

A escola tem responsabilidades e atribuições no que tange o assédio sexual e o

desenvolvimento sexual na infância e adolescência. A microssérie Hoje é Dia de Maria

apresenta três momentos importantes referentes à sexualidade na infância e na adolescência.

A personagem Maria é uma criança que representa a bondade, a solidariedade, porém, em

diferentes momentos e manifestações, a menina apresenta-se em cenas de demonstração de fé

e perdão, depois de sofrer o assédio do pai, tanto que, ajoelha-se diante da imagem de Nossa

Senhora da Conceição, e diz: “Num deve de sê curpa dele não, minha santa venerada. É que

ele é ansim de lua, de rompante de brabeza... A seora guarde ele com seu manto, me guarde

tomem. E guarde a mãezinha adonde ela ta. Dia pra ela que a farta é muita e que a sodade é

tanta...”. É uma cena trágica aos nossos olhos, mas infelizmente é do conhecimento da

maioria da população que esse tipo de assédio ocorre com muita freqüência, só que raramente

são denunciados. O que cabe à escola? No volume 10 dos Parâmetros Curriculares Nacionais

(1997), que trata da Pluralidade Cultural e Orientação Sexual nos Temas Transversais, o

professor deve, inicialmente, propiciar um ambiente respeitoso, acolhedor, que inclua a

possibilidade de o aluno trazer para a sala de aula seu próprio repertório lingüístico e cultural;

deve abrir espaço para que a pluralidade de concepções, valores e crenças possam se

expressar, porém, não compete à escola, julgar como certa ou errada a educação que cada

família oferece. A única exceção refere-se às situações em que haja violação dos direitos das

crianças e dos jovens, como por exemplo, as situações de violência sexual contra crianças por

parte de familiares devem ser comunicadas ao Conselho Tutelar (que poderá manter o

anonimato do denunciante) ou autoridade correspondente. O professor, num trabalho com

crianças menores, deve realizar o estudo do corpo comparando o infantil e o adulto, o homem

e a mulher, incluindo os órgãos envolvidos na reprodução e zonas erógenas privilegiadas, em

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sua anatomia externa, as reações corporais diante de estimulações sensoriais. O estudo será

ampliado e aprofundado de acordo com a idade, pois os alunos vão canalizando suas dúvidas,

às vezes polêmicas, sobre sexualidade, principalmente a partir da puberdade, e apresentarão

melhores condições de refletir sobre temáticas como aborto, virgindade, homossexualidade,

pornografia, prostituição e outras. Também analisar e comparar a abordagem dada ao corpo

pela ciência e o que veicula na mídia. No caso da microssérie Hoje é Dia de Maria, pode-se

trabalhar dúvidas, medos e informações ligadas à personagem Maria. É importante que se

possa oferecer um espaço dentro da rotina escolar para essas finalidades.

A boa formação do cidadão contempla, além de conteúdos convencionais, temas

morais que referenciem o princípio da dignidade do ser humano. É grande a diversidade das

pessoas que compõem a população brasileira, e esse é um dos motivos de preconceitos,

discriminações, que resultam em conflitos e violência. Por isso, o cotidiano da escola deve

priorizar o respeito mútuo, a justiça, o diálogo e a solidariedade. As atitudes da personagem

Maria revelam um comportamento ético, ela é solidária quando sai de casa em busca das

franjas do mar e encontra o Maltrapilho à beira do riacho, percebe que ele geme e tem um

ferimento na perna. Maria molha na água do riacho um pedaço do próprio vestido, limpa e

cuida do ferimento do rapaz. Justa e solidária, ao encontrar o Homem de Olhar Triste, e ao

seu lado um Defunto, tenta impedir os Executivos de baterem no morto por não ter saldado

uma dívida antes de morrer. De forma mágica, Maria usa a corda colorida encontrada no lugar

do Maltrapilho, consegue pegar o dinheiro dos Executivos e com esse mesmo dinheiro salda a

dívida do Defunto para, com a ajuda do Homem de Olhar Triste, enterram o corpo, inclusive

colocam uma cruz feita de gravetos.

O respeito mútuo, a justiça, o diálogo e a solidariedade estão presentes na cena em que

ainda no País de Sol a Pino no mesmo momento em que tira do embornal uma cabaça d’água

para beber ouve o pedido de um Mendigo que surge na beira da estrada “Dê um gole d’água

pr’amor de Deus.”. Depois de trocarem algumas palavras Maria leva a cabaça à boca, mas

pára indecisa, num gesto brusco, entrega a água ao Mendigo, que bebe até a última gota.

Agradece e também informa à Maria como conseguir encontrar a noite. Outro momento é

quando Maria chega num vilarejo em que acontece uma festa em louvor a São José, percebe a

presença de Asmodeu disfarçado num belo rapaz que tenta comprar a sombra de Zé Cangaia,

Maria tenta impedi-lo, porém não obtém êxito, pois Zé Cangaia se deixa levar pela vontade de

comer um sanduíche. Mesmo assim, quando Zé Cangaia percebe o erro que cometeu, Maria o

ajuda a enfrentar Asmodeu para obter a sombra de volta. Orientados por uma Camponesa que

diz a Maria “Ocê tem o zóinho limpo como cristal de luz. Deus assim lê conserve.” e diz a ela

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que tome cuidado com o que faz. Maria vence Asmodeu no desafio e consegue a sombra de

Zé Cangaia de volta. Também o momento do casamento de Maria com o Príncipe, ela vê o

Pássaro Incomum ser atingido por uma flecha atirada pelo capataz do Príncipe. Desiste do

casamento e sai à procura do Pássaro ferido. Encontra-o no chão perto da margem do rio,

abaixa-se com extremo cuidado, pega-o e traz junto ao colo, diz: “Ruidade que fizero co’essa

criatura de Deus! Corage, meu amigo, que vou curar essa ferida!” E começa a tirar a flecha

enquanto o consola e acarinha suas penas dizendo: “Tuda dor passa... Tuda dor se esquece.

Agora já te falta tão pouco. Corage, que tuda dor termina.” Esses são exemplos que

possibilitam ao professor analisar juntamente com seus alunos a identificação de situações em

que a solidariedade se faz necessária; as formas de atuação solidária em situações cotidianas e

em situações especiais; as providências corretas, como alguns procedimentos de primeiros

socorros; a sensibilidade e a disposição para ajudar as outras pessoas, quando isso for possível

e desejável, inclusive possibilitar aos alunos o conhecimento da possibilidade dos serviços

públicos existentes, como postos de saúde, corpo de bombeiros e polícia, e formas de acesso a

eles e o uso do diálogo como instrumento de comunicação na produção coletiva de idéias na

busca de solução de problemas.

Apesar das inúmeras manifestações culturais populares temos na microssérie Hoje é

Dia de Maria algumas festas, como a do casamento do Pai de Maria com a Madrasta, a festa

em louvor a São José, a festa do Príncipe para a escolha de uma noiva e a festa do casamento

de Maria com o Príncipe. São situações as quais nos leva a pensar em festa como uma grande

escola, na qual se aprende, antes de outras tantas coisas, como a vida em sociedade acontece –

seus valores, seus conflitos e suas possibilidades de interação e sociabilidade. “Enquanto

ritual, a festa reproduz de forma simplificada a sociedade que a produziu; ela desenvolve uma

espécie de pedagogia social”, diz Ribeiro Júnior (1982, p. 42). Uma criança que começa a

freqüentar uma festa começa, pois, a descobrir o que terá que fazer para melhor se inserir na

vida em sociedade.

Uma festa é uma representação da vida em sociedade, e entre seus componentes está a

conflitividade, diz ainda Ribeiro Júnior (1982, p. 45-48). A luta pelo exercício do poder

perpassa todas as instituições da sociedade e o mesmo ocorre com a festa. Também não é

possível pensar uma festa de 30 anos atrás sendo repetida hoje da mesma maneira. A história

muda, as pessoas incorporam novas visões de mundo e, por isso, “a cultura é dinâmica”,

lembra o antropólogo Roque Laraia (1986, p. 98-99): “os homens, ao contrário das formigas,

têm a capacidade de questionar os seus próprios hábitos e modificá-los”. É nesse ponto que se

percebe a dimensão educativa das manifestações da cultura popular, ao mesmo tempo em que

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marca os valores, as normas sociais e as tradições de um grupo, demonstra inovações,

mudanças, novas descobertas e novas concepções. É aprender o quanto há de riqueza e de

sabedoria a preservar e, ao mesmo tempo o quanto se aprende com as transformações da

história e coma lenta mudança das mentalidades.

“A festa popular é o grande e fecundo momento a nos ensinar que a arte de viver ede compreender a vida que nos envolve está na perfeita integração entre o velho e onovo. Sem o novo, paramos no tempo. Mas sem o velho nos apresentamos aopresente e ao futuro de mãos vazias”. (Pessoa, 2005, p. 39)

As práticas educativas da escola têm muito a aprender com as festas populares. Um

exemplo é apontar as festas populares em Hoje é Dia de Maria, ilustrando com as cenas e

conversando com os alunos. Tenta-se “prender” a criança na escola e “prender” sua atenção

no que se quer ensinar, desenvolvem-se diferentes e diversas teorias pedagógicas, apresenta-

se ultimatos aos pais, além de barganhar a presença por compensações financeiras (bolsas).

As festas populares não precisam de nada disso. As crianças e adolescentes as procuram,

espontaneamente e até às escondidas. Vão por gosto pela música, pela dança, pelo convívio

ou, quem sabe, numa hipótese ainda mais otimista, por um sentimento de pertença. Como

poderá a escola chegar a esse mesmo gosto e a esse mesmo sentimento? Os professores, que

estão “com a mão na massa” e, ainda, que estão muito mais próximos de cada uma das

diferentes realidades sociais e festivas, é que têm condições de responder a esta e a outras

perguntas. Principalmente, saber da importância de levar o aluno a valorizar a cultura de sua

região e país.

Pensando na inevitável indagação sobre o “como fazer”, Jadir de Morais Pessoa

(2005) apresenta três indicações substanciais:

A primeira é que a comunidade escolar tenha ocasiões concretas de conhecimento dasfestas, como elas realmente acontecem. Quem aprende, para depois passar a gostar,precisa aprender o certo. Assim acontecendo, os alunos e professores terão aoportunidade de compreender toda a fundamentação mítica, religiosa, artística,estética daquela festa. Esta primeira indicação pode acontecer, também, com ummovimento inverso: a festa indo à escola. Nesse caso, esses componentes dafundamentação da festa vão estar irremediavelmente diminuídos, por se tratar não doacontecimento da festa, em data e local próprios, mas de uma apresentaçãoexcepcional da festa. Mas, pelo menos, alguns elementos da festa (história, dança,música, vestimenta) poderão ser vistos pelos alunos e explicados pelos própriossujeitos que a constituem.A segunda indicação é quanto à possibilidade de serem desenvolvidas, nas escolas,releituras ou recriações das festas populares, seja por grupos de teatro ou pelospróprios alunos. Aqui vale o alerta dos folcloristas, no sentido de que essas recriaçõessão consideradas “para-folclore”. Ou seja, elas não são o fato folclórico em si, comono caso de um grupo de Reisado fazendo seu ritual próprio, sempre ensaiado,

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corrigido e avalizado por seus mestres, os guardiões daquela tradição. Mas, como oobjetivo é sempre pensar sobre o que a escola e seus sujeitos podem aprender com afesta, a reprodução desta, mesmo se feita por outros sujeitos, pode ser de grandeoportunidade. Recomenda-se, obviamente, que esses esclarecimentos sejam semprefeitos e que seja estimulado que, em outras ocasiões, as festas populares sejamconhecidas em seu ambiente e período próprios de realização.A terceira e última indicação é que, por um ou por outro caminho, depois deconhecida, a festa seja tomada também como situação de potencialização (ampliação)do conhecimento sobre a diversidade cultural brasileira (por meio de discussões,debates, reflexões, entrevistas, encenações, atividades de leitura e escrita, etc.). Se asfestas populares forem abordadas como momento de ócio, de lazer, de folga, debrinquedo, etc., já será um ganho, pois elas expressam a grande riqueza cultural denosso país. Mas elas podem “dar” muito mais: elas podem contar, de diversas formas,em diversas linguagens, em múltiplas cores, como nos tornamos uma nação e como ocapital está querendo nos fazer crer que não somos mais uma nação. Se a escola tomarparte nesta dramática tensão e, em especial, na forma como a cultura popular avivencia, aí o reconhecimento quanto ao seu papel de instituição produtora ereprodutora de conhecimentos, social e culturalmente referenciada, chegará à suaformatação mais completa.Concluindo por uma perspectiva um pouco mais didática – como classificar e falardas festas populares – salta logo à mente a clássica divisão das festas em ciclos, sendoos mais citados: ciclo das festas natalinas, ciclo carnavalesco, ciclo quaresmal e ciclodas festas juninas. É inegável o quanto esta classificação ajuda a organizar nossa idéiasobre as festas existentes nesse imenso Brasil. (PESSOA, 2005.)

A microssérie tem a presença marcante da Música de Heitor Villa-Lobos, o grande

responsável pela música e o Canto Orfeônico nas escolas na década de 30, foi um projeto

importante, consistente e sistemático. O Canto Orfeônico difundia idéias de coletividade e

civismo, princípios condizentes com o momento político de então, porém eram de caráter

folclórico, cívico e de exaltação. Ele também esbarrou em dificuldades práticas na orientação

de professores. Novas teorias sobre o ensino de Arte favoreceram o rompimento com a

rigidez estética reprodutivista da escola tradicional. A Educação Musical contrapôs-se ao

Canto Orfeônico e, o ensino de música passa a ter um novo enfoque, a música pode ser

sentida, tocada, dançada, além de cantada. Passou a utilizar jogos, instrumentos de percussão,

rodas e brincadeiras, proporcionando o desenvolvimento auditivo, rítmico, a expressão

corporal, a socialização e a improvisação e criação.

A editora Moderna publicou como sugestão, um projeto intitulado “Villa-Lobos e o

Folclore”, que pode ser trabalhado de 1ª. a 4ª. série do Ensino Fundamental com os objetivos

de ressaltar a importância de Villa-Lobos para a cultura brasileira, que os alunos conheçam o

folclore brasileiro a partir da música de Villa-Lobos e de sensibilizar os alunos para a

apreciação da música erudita nacional. Sugere, inicialmente, a leitura de textos informativos

sobre a vida e a obra de Villa-Lobos, inclusive um levantamento sobre o folclore brasileiro,

seus personagens, histórias, festas, vestimentas, alimentos, músicas etc., pelas obras de

Câmara Cascudo. Para a 5ª. série, um estudo mais profundo, relacionando a trajetória de

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Villa-Lobos e a era de Vargas. A imaginação criadora permite ao ser humano conceber

situações, fatos, idéias e sentimentos que se realizam a partir da manipulação da linguagem. É

função da escola fornecer instrumentos aos alunos para a compreensão de que o universo da

arte contém além da experiência estética, o conhecimento gerado pela necessidade de

investigar o campo artístico como atividade humana. Para que a aprendizagem da música

possa ser fundamental na formação de cidadãos é necessário que todos tenham a oportunidade

de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e

fora da sala de aula, isto é, incentivando a participação em shows, festivais, concertos, eventos

da cultura popular e outras manifestações musicais. Isso levará o aluno a valorizar os

momentos importantes em que a música se inscreve no tempo e na história.

Pensar na formação de uma memória do povo brasileiro é pensar obrigatoriamente nos

elementos culturais que já fazem parte da nossa história e, as produções culturais têm a

capacidade de dirigir-se a um público mais amplo, que se envolve, se emociona e se identifica

com seus atores, dessa forma ajudam a compor a memória desse povo. Um dos objetivos

desse trabalho é compreender o processo de integração entre a cultura e a formação da

identidade coletiva. A memória é um elemento essencial e nos introduz no universo das

lembranças sociais, nas memórias que representam a formação, a preservação da cultura e da

identidade de um povo.

Cada indivíduo carrega suas lembranças pessoais, porém ele está inserido em um

contexto, vivendo em uma sociedade, e é nesse contexto que ele consolida suas lembranças. A

memória individual sofre influências das diversas memórias que nos rodeiam (MAFFESOLI,

2001). A junção dessas memórias tem um caráter prático. Para retomar seu próprio passado, o

ser humano freqüentemente precisa buscar apoio nas lembranças dos outros, reportando-se a

pontos de referência que existem fora dele, e que são fixados pela sociedade. O

funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos, que são as

palavras e as idéias que o indivíduo não inventou e que emprestou de seu meio.

É curioso observar como as lembranças históricas construídas na infância são

influenciadas pela presença das lembranças das outras pessoas. Se o indivíduo se lembra de

um fato de infância, mesmo sem compreender num momento imediato seu sentido histórico, é

porque, naquela época, sentia que os outros indivíduos ao seu redor, os adultos, preocupavam-

se com aquilo. Mais tarde, então, ela passará a compreender melhor a importância de tal

acontecimento. As lembranças são reconstruídas no presente, pois retomam os fatos do

passado com a ajuda de dados emprestados do presente. Com o distanciamento temporal dos

acontecimentos, a lembrança destes parece ocorrer em conjuntos, mas a precisão vai se

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perdendo, bem como a individualidade de cada fato. A imagem, muitas vezes, é reconstruída

a partir de relatos e depoimentos, sem que o indivíduo se dê conta de que aquela não é uma

lembrança fiel, conservada pela sua memória. É importante observar, entretanto, que, ao lado

do efeito de atualização da memória do telespectador, é uma nova forma de recepção, pois

lembranças mais antigas juntam-se às mais novas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

HOJE É DIA DE MARIA – O ENCONTRO POSSÍVEL DA MÍDIA TELEVISIVA E

DA ARTE.

O ser humano é movido pelos imaginários que engendra e, Maria tem um percurso

construído coletivamente, isto é, agrega imagens, sentimentos, lembranças e experiências que

mergulham o homem em correntes imaginárias que o impulsionam às ações. O imaginário

ganhou espaço na mídia. Para Bachelard (1989), o termo imaginário é uma metáfora do

encontro entre natureza e homem; já para Maffesoli (2001), é uma força, um catalisador, uma

fonte comum de sensações, de lembranças, de afetos e de estilos de vida.

A exemplo de Maria, que viveu Pele de Asno, A Gata Borralheira, Pedro Malasartes,

Cinderela, fez desafios, cantorias, assim como uma geração inteira já sonhou o sonho dos

Beatles, divulgado pela indústria cultural. A idéia pode ser incorporada, distorcida, ampliada

ou imitada, pois no imaginário há sempre desvio no momento da identificação. É uma fonte

racional e não-racional de impulsos para a ação, é pelo imaginário que o ser constrói na

cultura. Maria sofre, é peregrina, tem o livre arbítrio, sonha, ama e acredita, acima de tudo, na

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esperança. Desde o início de sua jornada ela acredita e espera encontrar “gente completinha,

das boa e purinha como os amor, há de existi nesse mundo, sim sinhô...”.

Os cenários e as personagens revestiram-se da originalidade e da identidade nacionais

recriando os contos populares, apoiando-se nas cirandas infantis de Villa-Lobos criou um

roteiro representativo da cultura regional brasileira e dos demais contrastes sociais que

promoveu um resgate cultural identitário, muitas vezes tão esquecido entre nós.

A construção desse repertório levou em consideração as questões próprias do meio,

numa perfeita harmonia do popular com o erudito, num gênero fundado no diálogo que, além

de ampliar as condições dos realizadores, demandou diferentes modalidades de recepção. A

personificação do bem e do mal se redefine ao longo do seriado numa constante metamorfose,

e é justamente nesse processo de fragmentação e embaralhamento que paira a riqueza da

serialização televisual, recorrendo sempre à narração, marcada pela oralidade, nos gestos, na

expressão corporal e comportamental, como um verdadeiro desafio para a identificação das

personagens.

A imitação é um grande trunfo da tradição popular, apesar dos avanços científicos e

tecnológicos o estudo do folclore se faz necessário, pois é ele que caracteriza a formação

cultural de um povo, como a literatura de cordel, por exemplo, antes utilizava-se somente da

oralidade, com o tempo passou a utilizar-se também da escrita, mas não perdeu sua

característica de espontaneidade e de criatividade. Da mesma forma, ocorre com os

provérbios e ditados, ninguém sabe quem os escreveu, mesmo assim expressam

cotidianamente, de forma prática e popular, idéias, pensamentos e ensinamentos. Na

microssérie, os desafios, repentes, provérbios e ditados são explorados pelo autor de modo a

caracterizar a vivência popular numa dosagem espetacular.

As músicas e as danças trazem à microssérie um sentido tridimensional, proporcionam

um diálogo entre cenários, personagens, movimentos, narração e sonoridades que, além de

valorizar o erudito em conjunto com o popular, a nossa cultura musical, provoca um

entrelaçamento com as manifestações populares de danças.

Além dessas manifestações culturais populares, a microssérie apresentou muitas

histórias entrelaçadas que valorizaram as crenças, apresentou desde o início uma chave, cuja

simbologia é levar Maria em busca de seu sonho, e como todo bom contador, o autor teve

consciência de seu papel social, mostrou com formas e intensidades diferentes a relação

mítica com a tradição usando o imaginário para além do cotidiano. Permitiu uma viagem

reflexiva no tempo e no espaço, que envolve o homem e a vida em diferentes momentos de

sua existência coletiva, assim como os mitos, as manifestações da cultura branca, negra e

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indígena, apresentados na microssérie que também estão sempre ligados ao tempo e ao espaço

e geralmente se referem a fatos reais, em torno dos quais a fantasia cria uma série de coisas

irreais, até mesmo inverossímeis.

A comunicação é um produto da cultura, e a cultura é a lente pela qual o homem busca

suas satisfações e faz as interferências, porém o desenvolvimento da ciência atende a

interesses mercadológicos, o que provoca a banalização do ser, para isso, a pesquisa tentou

mostrar a importância em se conhecer e valorizar a cultura popular para que o homem possa

perceber que precisa interagir com a própria vida e com o mundo num processo de

emancipação.

Paulo Freire nos possibilita um projeto de educação popular que almeja a libertação,

humanização e emancipação humana. Sua pedagogia caminha “em torno de uma ontologia

social e histórica. Ontologia que, aceitando ou postulando a natureza humana como necessária

e inevitável, não a entende como uma a priori da História. A natureza humana se constitui

social e historicamente”. (FREIRE, 2002). “Vocacionado à Liberdade, o ser humano busca

responder através de sua disposição de cavar, sem cessar, espaços de autonomia, em vista de

um renovado compromisso com a causa emancipatória, seja no plano pessoal, seja no âmbito

coletivo” (CALADO, 2002). Freire busca ainda, realizar o sonho político a favor da

emancipação humana. Esta tarefa, no entanto, “não pode ser proposta pela classe dominante.

Deve ser cumprida por aqueles que sonham com a reinvenção da sociedade, a recriação ou

reconstrução da sociedade”. (FREIRE, 2001)

Nesse sentido, a emancipação humana não acontecerá por eventualidade, por

concessão, mas será uma conquista efetivada pela práxis humana, que demanda uma luta

ininterrupta. Assim, Freire não defende uma libertação enquanto ponto ideal, fora dos

homens, ao qual inclusive eles se alienam. A liberdade é condição imprescindível ao

movimento de busca em que estão inscritos os homens como seres inconclusos... “A

libertação, por isto, é um parto [...]. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só

é viável na e pela superação da contradição opressores - oprimidos, que é a libertação de

todos” (FREIRE, 2002). De tal modo que a superação dessa contradição é um processo que

traz ao mundo novos seres, não mais opressores, nem oprimidos, mas homens libertando-se.

A pedagogia do oprimido (2002), nesse contexto, constitui a pedagogia dos homens e

das mulheres empenhando-se na luta por sua emancipação. A origem da pedagogia do

oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, “deixa de ser do oprimido e passa a ser a

pedagogia dos homens em processo de permanente libertação”. (FREIRE, 2002)

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A presença dos veículos de massa nas sociedades modernas está provocando impactos com

relação aos modos de ver e sentir dos grupos humanos e influenciando as mais variadas

práticas sociais. Um dos espaços onde a questão dos veículos de comunicação e das novas

tecnologias tem se colocado é na escola.

Muitas das dificuldades operacionais, metodológicas, pedagógicas, de relação

ensino/aprendizagem vividas pela escola são apontadas por especialista em educação como

decorrentes de um desajuste nos modelos que regem certos padrões discursivos

tradicionalmente vinculados à sala de aula e calcados na centralidade da palavra do professor.

Costumam-se opor este tipo de prática pedagógica às formas de os alunos operarem a

informação e o conhecimento decorrentes da rapidez, da simultaneidade e da forte presença

da linguagem icônica. Pesquisas recentes têm mostrado, no entanto, que existe grande

dificuldade para o estabelecimento de um possível diálogo entre o discurso institucional

escolar e as formas de linguagem institucionalmente não-escolares, dentre as quais podemos

incluir, genericamente, os meios massivos de comunicação.

Pensar a comunicação e a educação além da visão restrita da tecnologia da informação é

considerar a educação como simples matéria a sofrer tratamento tecnológico. Sob o olhar

sócio-antropológico, deve-se articular educação, comunicação, cultura e imaginário numa

dimensão complexa capaz de dar conta de uma interatividade imaginária. Acredita-se que a

escola necessita desenvolver uma pedagogia interativa. Para tanto, parti-se da interatividade

social, valorizando a cultura como a teia de significados construída pelos homens, repleta de

simbolismo. A Escola deverá favorecer uma comunicação que desperte o homem para o

reencantamento do mundo. A educação necessita perceber a cultura como um instrumento

indispensável no âmbito das relações sociais, da comunicação e do processo educacional. No

caso específico da comunicação, é necessário valorizar além das expressões verbais comuns,

os gestos e os comportamentos.

Esse trabalho procurou mostrar que a televisão de qualidade é possível, e que ela é a

responsável pela democratização da cultura, faz a recuperação de contos infantis, contos

populares e contos folclóricos, além de recriar arte e cultura na mídia televisiva e aproximar

os brasileiros de suas origens.

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APÊNDICE

SEGUNDA JORNADA - PELOS CAMINHOS DA ARTE: O CONTO

MARAVILHOSO, DOM QUIXOTE, PORTINARI, DEGAS E TOULOUSE

Este apêndice é apenas uma mostra de um estudo futuro, pois o autor, utilizando-se da

voz da narradora ao finalizar a primeira jornada de Hoje é Dia de Maria quando diz

“Tenho muita história na gibeira, me encontro co ceis numa festa lá na beira das franjas do

mar. Atrasá até pode, só não pode é faltar. Inté.” proporciona ao leitor a certeza de que

outras histórias virão, e leva-nos a refletir a emancipação como processo, estudo este já

visto no terceiro capítulo desta pesquisa. Como todo processo não acaba o autor faz

algumas analogias e aponta diferenças que quebram expectativas sobre o novo ambiente e

seus desafios; o cenário é a cidade grande com todos os seus encantos e desencantos;

apresenta a exploração do homem pelo homem e expõe a criança diante da violência

social. É a mesma “Maria” em uma nova jornada com novos encontros, porém sempre

buscando respostas e sentidos.

1- Analogias e diferenças quebrando expectativas

A segunda jornada de Hoje é Dia de Maria foi ao ar com um elenco bem menor que a

primeira jornada; com cenários e figurinos de material reciclado, abordou temas como

desigualdade social e miséria, a corrupção entre os poderosos, a exploração do trabalho

infantil, a subjugação da condição feminina, porém com um diferencial, uma proposta

ousada: a narrativa musical. Com cerca de 50 músicas compostas originalmente para a

série, cantadas pelos próprios atores. O autor das canções é Tim Rescala, em parceria com

o escritor Luiz Fernando Carvalho.

O texto pode ser visto como teatro de bonecos, opereta infantil ou história em quadrinhos

travestida de cinema. Melhor classificar Hoje é Dia de Maria como um delírio estético

sonhado em partes pelo diretor Luiz Fernando Carvalho.

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Ver a microssérie é como folhear livros da carochinha, de onde salta uma cidade de brinquedo

que a televisão convencional jamais ousaria retratar: uma estrutura dos principais centros

urbanos com ângulos expressionistas.

A primeira imagem dessa série é inspirada nas pinturas de Paul Klee. Ele foi um artista da

essência, suas pinturas, muita delas de pequenas dimensões, parecem tímidas, mas, diante de

um olhar mais atento, revelam-se grandiosas em imagens e sensações. Diz-se que ele pintava

o que os olhos não enxergavam: por isso seus temas não podem ser vistos, apenas sentidos

com a alma e com o coração. Atento às energias e às vibrações, ele buscava o mundo interior,

aquele que estava além das aparências.

São vinte telas presas a estruturas com alavancas giratórias que simulam o vaivém das franjas

do mar. Trata-se de uma obra de arte que fala, ou melhor, canta, como o texto cantado que

assume a função de contar a história.

2- Lutando contra os moinhos de vento

Os novos desafios de Maria na segunda jornada acontecerão na cidade grande. Depois

de se deixar levar pelas águas do mar, perde sua chavinha no vai-e-vem das ondas. É jogada

na areia de uma praia desconhecida. Porém, ao iniciar sua jornada, muito assustada, é

encorajada por uma mulher, a Lavadeira, que na verdade, é Nossa Senhora Aparecida.

Maria se depara com um Pato frustrado por não voar e uma cabeça invejosa, fadada à

imobilidade, logo em seguida sentem um cheiro estranho, é o Gigante. Escondem-se. Depois

ouvem o cortejo da morte, encontram a Parca, ela indica o caminho para chegarem até o

Gigante. Convencida de que está perdida por causa do sonho do Gigante, Maria decide

acordá-lo, porém acaba sendo engolida por ele. Mais do que um bicho-papão, o tal Gigante é

uma inusitada metáfora sobre metrópoles. Sem entender, Maria encontra-se mergulhada em

lixo, fumaça e escuridão, e lá está a Menina Carvoeira que explica à Maria que lá é o local

onde fica tudo o que a cidade joga fora, inclusive as pessoas. São novas facetas do mau.

Apesar de Maria achar que o que está vendo é apenas um pesadelo do Gigante, a Carvoeira

alerta Maria que esta é a realidade do mundo. E oferece um binóculo à Maria, que vê uma

cidade por ele e segue atraída pelas luzes.

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Na cidade, a pequena Maria descobre a violência, a ganância e a guerra, porém tem

como alento a proteção de um nobre cavaleiro andante, Dom Chico Chicote, defensor da

poesia e da justiça, e ensina à Maria que “É pelo sonho que vamos!”.

Maria encontra Dom Chico Chicote quando foge de Asmodeu Cartola e de Asmodeu

Piteira e adormece recostada numa porta de geladeira enferrujada sem saber que lá vivia Dom

Chico Chicote, que ao perceber a invasão do beco onde vive tenta desafiá-la, porém ao

perceber que se trata de uma pequena garota, desculpa-se e se apresenta como nobre

cavaleiro, servidor dos sonhos, do amor e da poesia. Jura-lhe proteção. Maria sente fome.

Dom Chico Chicote tenta disfarçar à pequena a cruel realidade prometendo-lhe um banquete

inesquecível. Maria embarca na brincadeira que, só é interrompida pelo rapaz que leva sobras

de uma lanchonete ao andarilho. O encanto se quebra, Maria leva o sanduíche à boca, porém

percebe a fome dos demais e como compartilham da mesma fome e miséria, tira um pequeno

pedaço para si e divide o resto entre os companheiros.

Dom Chico Chicote é uma mistura de D. Quixote com Arthur Bispo do Rosário, um

mendigo poeta e sonhador que vive pelos becos da cidade. Maria continua criança e

Letícia Sabatella, que era sua versão adulta, será Alonsa, uma descendente de espanhola

suburbana por quem Dom Chico Chicote se apaixona.

A história de Dom Quixote mostra a fabulosa cena em que ele arremete contra um

gigante e é derrubado por um moinho de vento é, seguramente, a mais poderosa imagem

histórica de todo o período da primeira modernidade. O desencontro entre uma ideologia

senhorial, cavalheiresca, em que habita a percepção de Dom Quixote, à qual as práticas

sociais já não correspondem, senão de modo fragmentário e inconsciente de um lado, e de

outro, novas práticas sociais, representadas pelo moinho de vento, em vias de

generalização, mas às quais ainda não há correspondência de uma ideologia legitimadora

consistente e hegemônica. É como dizer que o novo não acabou de nascer e o velho não

terminou de morrer.

3- As telas de Portinari – a exploração do homem pelo homem, o homem – máquina

Os desenhos de Portinari representam um diário minucioso de todas as soluções e evoluções

imaginárias de sua obra. Mesmo naquele longo período em que esteve impedido de fazer uso

das tintas, por questões de saúde. Durante esse período, como única opção diante de sua

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voracidade inventiva, seus desenhos adquiriram momentos de explosão total. Eles eram seus

guias espirituais no desenvolvimento de temas imediatos e futuros, anotações anímicas para

soluções telúricas. Retratando os pés e as mãos da realidade árida, registra vidas,

desespiritualizadas pela luta da vida. Porém sua fé na alma do homem prevaleceu, em

realidade, como seu axioma primeiro. O homem foi desde sempre a questão fundamental de

Portinari. A preocupação mais nítida de seu expressionismo manifestou-se o tempo todo

dentro de seu veemente protesto social-humanista.

O diretor da microssérie representou essa diversidade na escolha do tipo de seu personagem,

como em Portinari, está repleta do tema “infância”, e da influência de temas sociais do povo

brasileiro.

A segunda jornada retrata um momento histórico que mostra a manipulação do homem pelo

homem num momento capitalista que só visa o poder e o dinheiro, explora o trabalho humano

como se o homem fosse uma máquina, é usado apenas para servir ao poder. Depois será

descartado como uma peça velha, ou quebrada, ou apenas o troca por um mais novo e mais

barato. O patrão deixa de ser para ter, e o empregado deixa de ser para servir.

4- A criança e a violência da sociedade

Na cidade, Maria começa enfrentando o frio, a fome, o desamparo. Apesar de estar

encantada com as luzes e os movimentos desse novo mundo, percebe que está sozinha nesse

caos urbano. Encontra o Boneco, que pergunta-lhe qual é o seu sonho, ela diz que o seu

desejo é encontrar o caminho de volta, mesmo assim ele mostra-lhe todas as ofertas, é

chamada a um consumo frenético, porém o que sente é saudades da família.

Cansada e com frio adormece sob uma marquise. Acorda assustada ao ser cutucada

por uma bengala, desculpa-se, é Asmodeu Cartola, que sem perder tempo explica que para

sobreviver é preciso de capital, oferece-lhe teto, roupas limpas e pede-lhe que confie nele. Ela

desconfia quase o reconhecendo, mas ela o segue até o fabuloso mundo do teatro de

Variedades. Nesse teatro percebe-se a grande influência das bailarinas de Degas (Edgar

Hilaire Germain de Gas ou Edgar Degas), este ficou conhecido por muito pintar bailarinas,

cenas do cotidiano parisiense e cenas domésticas, entre outros, porém as famosas bailarinas o

tornaram um pintor de renome. Também a influência de Henri de Toulouse – Lautrec, que

registrava de forma inconfundível em suas telas a sua vida urbana e agitada de Paris. Os

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artistas de circo, as dançarinas, os freqüentadores dos bares e cabarés, as prostitutas e as

pessoas anônimas, eram os que mais lhe interessavam. O cartaz 'Moulim Rouge, la Gouche' é

um bom exemplo das transformações espaciais em suas pinturas. Essas obras geralmente eram

feitas para divulgar os espetáculos das casas noturnas, mas muitas vezes despertavam

controvérsias quando eram levadas para as ruas. Um dos mais importantes cenários para a

produção do pintor foi o cabaré Le Moulin Rouge, com suas dançarinas e o ambiente

decadente do bairro de Montmartre. Seus trabalhos são banhados numa luz artificial bruta,

que revela a irrealidade do mundo que o atraía. Os lúgubres pilares da pobreza, crime e

exploração aparecem amiúde através das imagens e desmentem a alegria superficial, o garbo e

hipocrisia da Belle Époque.

Maria encanta-se, entretanto fica com medo ao perceber a agressividade de Cartola

com a bailarina principal, a Boneca. Maria aceita fazer a faxina no local, mesmo ressabiada,

torna-se amiga de Boneca e vê a ruindade de Cartola ao descartar a Boneca por conta de um

erro durante a apresentação. Boneca já não acredita no amor nem na beleza de sua arte, sente-

se um brinquedo velho. Dr. Copélius, um artesão, recolhe cada pedaço da Boneca e a monta

com carinho. Dá-lhe corda e ela ganha vida.

Agora Maria substitui Boneca no palco, faz uma apresentação inocente, irrita Cartola,

porém o público diverte-se. Torna-se estrela do Teatro de Variedades, a Piano-baby. Trabalha

um mês sem ganhar um tostão, quer ir embora, porém Cartola tenta convencê-la a cantar e

dançar para Asmodeu Piteira para fazer fortuna. Maria reconhece os “cafutes marditos”

(Asmodeu) e sai correndo pela cidade. Eles perseguem Maria pelas ruas, estão preocupados

com o prejuízo que terão. Ela esconde-se num beco e reza para Nossa Senhora Aparecida.

Adormece recostada numa porta de geladeira enferrujada.

Dom Chico Chicote torna-se um fiel protetor de Maria, dividem a miséria e a fome,

ela enfrentará muitas outras aventuras e desventuras na cidade grande, mas terá ao seu lado

um cavaleiro da mais nobre estirpe.

Alonsa e Dom Chico Chicote apaixonam-se. Dr. Copélius tem uma relação paternal

com Maria. Na cidade, ela se depara com novas formas do diabo Asmodeu e com problemas

mais mundanos, os quais são facilmente reconhecíveis no cotidiano do espectador.

Na segunda jornada os autores e o diretor ainda tiveram a preocupação em trabalhar

com um conteúdo educacional que não deixasse de lado a noção de fabulação e de

espetáculo.

158

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ANEXO 1

FICHA TÉCNICA – HOJE É DIA DE MARIA – PRIMEIRA JORNADA

ELENCO

Letícia Sabatella (Maria adulta)

Rodrigo Santoro (Amado)

Osmar Prado (Pai)

Daniel de Oliveira (Quirino)

NARRAÇÃO

Laura Cardoso

APRESENTANDO

Carolina Oliveira (Maria)

Emiliano Queiroz (Asmodeu velho)

André Valli (Asmodeu mágico)

Ricardo Blat (Asmodeu sátiro)

Marco Ricca (Cangaceiro)

Charles Fricks (Executivo)

Leandro Castilho (Executivo)

ATORES ESPECIALMENTE CONVIDADOS

Juliana Carneiro da Cunha (Mãe / Nossa Senhora da Conceição)

Gero Camilo (Zé Cangaia)

Stenio Garcia (Asmodeu original)

Rodolfo Vaz (Maltrapilho / Homem de Olhar Triste / Mendigo / Mascate / Vendedor)

Inês Peixoto (Rosa)

Mário César Camargo (Odorico)

Aramis Trindade (Cangaceiro)

Ilya São Paulo (Cangaceiro)

Antônio Edson (Asmodeu brincante)

Denise Assunção (Mucama)

João Sabiá (Asmodeu bonito)

Nanego Lira (Retirante)

Thaynná Pina (Joaninha)

Laura Lobo (Carvoeira)

Phillipe Louis (Ciganinho)

Luiz Damasceno (Asmodeu poeta)

159

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Suzana Faine (Velha Carpideira)

Rafaella de Oliveira (Joaninha adulta)

Tadeu Mello (Vendedor de apitos)

Fernanda Montenegro (Madrasta)

AUTOR

Carlos Alberto Soffredini

ADAPTAÇÃO

Luís Alberto de Abreu

Luiz Fernando Carvalho

DIREÇÃO GERAL

Luiz Fernando Carvalho

ELENCO DE APOIO

Grupo de Teatro “Tá na Rua”

Folia de Reis “Reisado Flor do Oriente”, Duque de Caxias – RJ

Índios Xavantes da Aldeia Pimentel Barbosa – MT

Cia. Circo Branco (As Pastorinhas)

Grupo de Umbigada Paulista

Banda Santa Cecília e Cirandeiros de Parati

Adilson Lacerda Neto

Carlos Machado Filho

Rodrigo Rubik

MENINOS CARVOEIROS:

Allison Benício

Amanda Mariana

Ana Carolina Augusto

Caio Guaraná

Caio Polizzo

Catarina Viamonte

Daruan Góes

Gabriel Lira

Gabriela Peluso

Haynnah Moura

Henrique Tinoco

Jéferson Amaral

Kauã Santiago

Kemly Moura

Loren Ferreira

160

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Lucas do Valle

Lucas Ramos

Luiza Monteiro

Maria Nasser

Olívia Torres

Stéphany Faria

Taluya Góes

Cauã Waismann

Gabriel Guilherme

Gabriel Lucas

Isabella da Cunha

Larissa Corrêa

Luisa Polizzo

Luiza Apolinário

Maria Gerk

Paulo Neviani

Sabrina Paraíso

RETIRANTES:

Ana Paula Secco

Ana Paula Pardal

Morena Cattoni

Zé Rescala

Nei Motta

Pedro Salustiano

Mestre Salustiano

MARIONETES:

Teatro de Bonecos Giramundo

MANIPULADORES:

Marcos Malafaia

Ulisses Tavares

Eduardo Félix

Sophia Felipe

Guilherme Amarante

Cássia Macieira

Maria Fontes

Giulianna Gamboji

Louisa Lopez

161

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DIREÇÃO DE ARTE

Lia Renha

CENOGRAFIA

Lia Renha

João Irênio

CENÓGRAFOS ASSISTENTES

Marcos Ranzani

Milton di Biazi

FIGURINO

Luciana Buarque

FIGURINISTAS ASSISTENTES

Aline Moreira

Maribel Spinosa

Maria Cláudia Costa

EQUIPE DE APOIO AO FIGURINO

Wagner Lousa

Jaciara Grbzybowski

Nelson Barbosa

Fátima de Paula

Ilma Rosalina

Lídia Maria

Railda Marques Lima

Sueli Barreto Castro

FIGURINOS DE PAPEL

Jum Nakao

Silvana Marcondes

DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA

José Tadeu

DIREÇÃO DE ILUMINAÇÃO

Paulo Roberto Miranda

EQUIPE DE ILUMINAÇÃO

Orlando Vaz Pereira

Alexandre Domingos Reigada

Luciano Martiniano

162

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Paulo Roberto Miranda

Eduardo de Freitas

André Luís da Silva

Alan Vargas

José Luiz da Silva

PRODUÇÃO DE ARTE

Jussara Xavier

PRODUTOR DE ARTE ASSISTENTE

Aline Esteves

EQUIPE DE APOIO A ARTE

Ricardo Cerqueira

PINTURA DO PAINEL

Clécio Regis

EQUIPE CLÉCIO REGIS

Cleber Regis

Cássio Murilo

Bruno Costa

Paulo Maurício

ARTISTA PLÁSTICO

Raimundo Rodrigues

EQUIPE DO ATELIÊ

Orlando Brasil

Tarcísio Ribeiro

Ofeliano

Maurício Santos

Helder Araújo

Dida Nascimento

PRODUÇÃO DE ELENCO

Nelson Fonseca

COREOGRAFIA

Denise Stutz

163

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PREPARAÇÃO CORPORAL

Tiche Vianna

Ésio Magalhães

PREPARAÇÃO DE ATORES

Maria Clara Fernandez

PREPARAÇÃO VOCAL

Agnes Moço

PRODUÇÃO MUSICAL

Tim Rescala

DIREÇÃO MUSICAL

Mariozinho Rocha

CARACTERIZAÇÃO

Vavá Torres

EQUIPE DE APOIO A CARACTERIZAÇÃO

Pina Junior

Glória Maria

Mário Crivelli (máscaras e perucas)

Jadilson Cruz

Susete Duarte

EDIÇÃO

Carlos Thadeu

Pedro Duran

Paulo Leite

SONOPLASTIA

Iraumir Mendes

Irla Leite

EFEITOS VISUAIS

Toni Cid

Eduardo Halfen

Carlos Gonçalves

Alexandre Areal

Rafael Ambrósio

164

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DIREÇÃO DE ANIMAÇÃO

César Coelho

ANIMAÇÃO

Pedro Iuá

Luciano do Amaral

Aída Queiroz

Alessandro Monnerat

Bruno Edde

Bernardo Mendes

EFEITOS ESPECIAIS

Marcos Soares

Marco Paula

CÂMERAS

Murilo Azevedo

Sebastião de Oliveira

EQUIPE DE APOIO À OPERAÇÃO DE CÂMERA

Luiz Bravo

Arismar Ferreira

EQUIPE DE VÍDEO

João Norton

Tiorbe de Souza

EQUIPE DE ÁUDIO

Carlos Roberto Moreira

Rogério Vasconcelos

Arione Nazário

GERENTE DE PROJETOS

Douglas Araújo

EQUIPE DE CENOTÉCNICA

Docacildo Viana

Edir Correia

SUPERVISÃO DE CONTRA-REGRA

Ronaldo Buiú

165

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PESQUISA

Íris Gomes da Costa

Edna Palatnik

CONTINUIDADE

Lucia Fernanda

ASSISTENTES DE DIREÇÃO

Wanessa Machado

Mariana Pinheiro

PRODUÇÃO DE ENGENHARIA

Ilton Caruso

EQUIPE DE PRODUÇÃO

Luciana Vinco

Margareth Azeredo

Anderson Diniz

Marcos Pereira

Bárbara Duffles

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO

Guilherme Maia

GERÊNCIA DE PRODUÇÃO

Maristela Velloso

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO

César Lino

DIREÇÃO DE NÚCLEO

Luiz Fernando Carvalho

166

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ANEXO 2

FICHA TÉCNICA – HOJE É DIA DE MARIA – SEGUNDA JORNADA

IDÉIA ORIGINAL

Luiz Fernando Carvalho

ESCRITO POR

Luís Alberto de Abreu

Luiz Fernando Carvalho

DIREÇÃO

Luiz Fernando Carvalho

ELENCO

Letícia Sabatella (Alonsa / Asmodéia)

Rodrigo Santoro (Dom Chico Chicote)

Osmar Prado (Dr. Copélius)

Daniel de Oliveira (Boneco / Policial / Soldado Desertor / Cavaleiro Branco / Cavaleiro de Fogo / Cavaleiro da

Noite / São Jorge)

Carolina Oliveira (Maria)

Laura Cardoso (Avó / Senhora dos Dois Mundos / Narradora)

Ricardo Blat (Asmodeu piteira / Gato)

André Valli ( Boneco / Asmodeu Rábula)

Rodolfo Vaz (Pato / Bêbado / Soldado)

Inês Peixoto (Boneca)

Rosa Marya Colin (Lavadeira / Nossa Senhora Aparecida)

Charles Fricks (Executivo / Soldado / Policial)

Leandro Castilho (Executivo / Soldado / Policial)

Denise Cabral (Participação nos coros)

Janaína Prado (Participação nos coros)

Maria Fernanda Vianna ( Participação nos coros)

Denise Assunção (Parca)

João Sabiá (Asmodeu Marinheiro / Soldado)

Tadeu Mello (Bêbado / Rapaz lanchonete)

Maria Clara Fernandez (Guardiã do Limiar)

Laura Lobo (Carvoeira)

Phillipe Louis (Ciganinho)

167

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ATORES ESPECIALMENTE CONVIDADOS

Juliana Carneiro da Cunha (Mãe)

Stenio Garcia (Asmodeu Cartola / Asmodeu Juiz / Asmodeu Original / Zé do Riachim)

Carequinha (Tocador de realejo)

NARRAÇÃO

Laura Cardoso ( Narradora)

Fernanda Montenegro (como Dona Cabeça)

MARIONETES:

Teatro de Bonecos Giramundo

MANIPULADORES:

Guilherme Amarante

Thiago Reis

DIREÇÃO DE ARTE

Lia Renha

CENOGRAFIA

João Irênio

CENÓGRAFOS ASSISTENTES

Fernando Schmidt

Milton di Biasi

Marcus Ranzani

FIGURINO

Luciana Buarque

FIGURINISTAS ASSISTENTES

Patrícia Barbeitas

Maribel Spinoza

Flavinha Bittencourt

Silvana Marcondes

Andréa Ourivio

FIGURINISTAS ASSISTENTES

Derô Martin – aderecista

Adriana Emy Huruta – contramestra

Ilma Rosalina – guarda-roupeira

Carlos Eduardo – camareiro

Odilon Tavares – camareiro

168

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Daniela de Sousa A. Silva – camareira

Fátima de Paula – camareira

Railda Lima – costureira

Regina Dallegrave – aderecista

Sueli Barreto – costureira

Denir Dominici – bordadeira

Lysandra Miguel – aderecista

COREOGRAFIA

Patrícia Taranto

DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA

José Tadeu Ribeiro

DIREÇÃO DE ILUMINAÇÃO

Paulo Roberto Miranda

EQUIPE DE ILUMINAÇÃO

Orlando Pereira

Alan Vargas

José Luís da Silva

Alexandre Frutuoso

Rodrigo H. de Araújo

Daniel Luiz de Carvalho

Renato Schimit

PRODUÇÃO DE ARTE

André Soeiro

PRODUTOR DE ARTE ASSISTENTE

Ricardo Cerqueira

EQUIPE DE PRODUÇÃO DE ARTE

Ricardo Nascimento

Genilson dos Santos

PINTURA DE ARTE E ADEREÇOS

Marília Paiva – supervisão de arte cenográfica

Toni Kemper – assistente de supervisão de arte cenográfica

Gilmar Muniz – confecção de bonecos articulados

Bigode – confecção de bonecos articulados

Newton Galhano – confecção de bonecos articulados

Antônio Lopes – confecção de bonecos articulados

169

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Carlos Alexandre – confecção de bonecos articulados

Roger dos Santos – confecção de bonecos articulados

Pedro Paulo – pintor de arte

Sidnei Lessa – pintor de arte

Sebastião Renato – pintor de arte

Jaime dos Santos – pintor de arte

Adriano Silva – pintor de arte

Cláudio Moura – pintor de arte

Lysandra Miguel – aderecista

PINTORES DE ARTE

Clécio Regis

Cleber Regis

Cássio Murilo

Bruno Costa

Vicente Mota da Silva

ARTISTA PLÁSTICO

Raimundo Rodrigues

EQUIPE DO ATELIÊ

Maurício Santos da Silva

Helder Araújo

Dida Nascimento

Renata Richard

Chang Chi Chai

Renato Spinelli

Marcus Lima

Cláudio Moura

João Diório

René Amaral

Bruno Scarani

Sandro Scarani

Bruno Barros

PRODUÇÃO DE ELENCO

Nelson Fonseca

PREPEARAÇÃO CORPORAL

Luís Louis

Tiche Vianna

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PREPARAÇÃO DE ELENCO INFANTIL

Maria Clara Fernadez

PREPARAÇÃO VOCAL

Agnes Moço

MÚSICOS

Vitor Gonçalves

Maurício Moço

Marcelo Caldi

PRODUÇÃO MUSICAL

Tim Rescala

DIREÇÃO MUSICAL

Mariozinho Rocha

CARACTERIZAÇÃO

Vavá Torres

EQUIPE DE CARACTERIZAÇÃO

Lindalva Veronez

Marli Toledo

EDIÇÃO

Paulo H. Farias

Carlos Kerr

SONOPLASTIA

Aroldo Barros

Irla LeitePedro Belo

EFEITOS VISUAIS

Capy Ramazzina

Eduardo Halfen

EFEITOS ESPECIAIS

Marcos Soares

Glauco Falcci

ABERTURA

Hans Donner

Alexandre Pit Ribeiro

Alexandre Romano

171

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DIREÇÃO DE ANIMAÇÃO

César Coelho

EQUIPE DE ANIMAÇÃO

Gizella Werneck – Assistente de direção de animação

Pedro Iuá – animador

Luciano do Amaral – animador

Paula de Andrade – animador

Gabriel Vieira – animador

Rosária Moreira – animador

Erica Vale – animador

Marão – animador

Henrique Kopke – animador

Ary Monteiro Junior – animador

Alessandro Monnerat – animador

CÂMERAS

Murilo Azevedo

Sebastião de Oliveira

EQUIPE DE APOIO À OPERAÇÃO DE CÂMERA

Antônio Cordeiro

William Lopes Sarzedas

EQUIPE DE VÍDEO

João Norton

EQUIPE DE ÁUDIO

Carlos Roberto Moreira

Rogério Vasconcelos

Pedro Amorin

Paulo César Wenceslau

GERENTE DE PROJETOS

Douglas Araújo

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO DE CENOGRAFIA

Ronaldo Buiu

EQUIPE DE CENOTÉCNICA

Edir Correia

Elba Regina

Julio Batista

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PESQUISA

Edna Palatnik

Íris Gomes da Costa

CONTINUÍSTAS

Lucia Fernanda

Regina Wygoda

PRODUÇÃO DE ENGENHARIA

Ilton Caruso

EQUIPE DE PRODUÇÃO

Rodrigo Leão

Karla Moreira

Ana Milani

Anderson Diniz

Bárbara Duffles

GERÊNCIA DE PRODUÇÃO

Roberto Costa

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO

Guilherme Maia

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO

César Lino

DIREÇÃO DE NÚCLEO

Luiz Fernando Carvalho

173

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ANEXO 3

ESTRUTURAS POÉTICAS DOS DESAFIOS (VERSOS E ESTROFES)

Quanto ao número de versos e sílabas os desafios apresentam:

a) Parcela ou verso de quatro sílabas - é o mais curto, a própria palavra não pode ser longa do

contrário ela sozinha ultrapassaria os limites da métrica e o verso sairia de pé quebrado. É

uma modalidade que caiu em desuso. Quando os repentistas cantavam a parcela os versos

brotavam numa seqüência alucinante, cada um querendo confundir mais rapidamente o

oponente.

Exemplo:

Eu sou judeuPara o dueloCantar marteloQueria euO pau bateuSubiu poeiraAqui na feiraNão fica genteQueimo a sementeDa bananeira.

b) Verso de cinco sílabas – é uma parcela mais recente, embora não haja registro de sua

presença antes de Firmino Teixeira do Amaral, era cantada também em ritmo acelerado,

exigindo do repentista, grande rapidez de raciocínio. O exemplo a seguir é de autoria de

Firmino Teixeira do Amaral, e integra a peleja do cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum,

os mesmos que serviram de base para a microssérie Hoje é Dia de Maria:

Pretinho:No sertão eu pegueiUm cego malcriadoDanei-lhe o machadoCaiu, eu sangreiO couro tireiEm regra de escalaEspichei numa salaPuxei para um becoDepois dele secoFiz dele uma mala

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Cego:Negro, és monturoMolambo rasgadoCachimbo apagadoRecanto de muroNegro sem futuroPerna de tiçãoBoca de porãoBeiço de gamelaLeque ladrão

c) Estrofes com quatro versos de sete sílabas – estas modalidades não foram as primeiras na

literatura de cordel, ao contrário, elas vieram quase um século depois das primeiras

manifestações mais rudimentares que permitiram, inicialmente, as estrofes de quatro versos de

sete sílabas:

O Mergulhão quando cantaIncha a veia do pescoçoParece um cachorro velhoQuando está roendo osso.

Não tenho medo do homemNem do ronco que ele temUm besouro também roncaVou olhar não é ninguém.

A evolução desta modalidade, a última estrofe de quatro versos acrescida de mais dois, o que

forma a nossa atual sextilha, se deu naturalmente:

Meu avô tinha um ditadoMeu pai dizia também:Não tenho medo do homemNem do ronco que ele temUm besouro também roncaVou olhar não é ninguém.

d) Sextilhas – esta modalidade passou a ser a mais indicada para os longos poemas

romanceados, principalmente a do exemplo acima, com o segundo, o quarto e o sexto versos

rimando entre si, deixando órfãos o primeiro, o terceiro e o quinto versos. É a modalidade

mais rica, obrigatória no início de qualquer combate poético, nas longas narrativas e nos

folhetos de época. Também muito usadas nas sátiras políticas e sociais. Uma prova de que a

sextilha é uma modalidade relativamente recente está na ausência quase completa dela na

grande produção de Leandro Gomes de Barros. A beleza rítmica que oferece ao declamador

fez com que os grandes poetas não conseguissem fugir à tentação de produzi-las. Para alguns,

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as sextilhas, estrofes de seis versos de sete sílabas, foram criadas por José Galdino da Silva

Duda, 1866 - 1931. A verdade é que o autor mais rico nessas composições, talvez por se tratar

do maior humorista da literatura de cordel, foi José Pacheco da Rocha, 1890 - 1954. É uma

modalidade que apresenta nada menos de cinco estilos: aberto, fechado, solto, corrido e

desencontrado.

Aberto:Felicidade, és um solDourando a manhã da vida,És como um pingo de orvalhoMolhando a flor ressequidaÉs a esperança fagueiraDa mocidade florida.

Fechado:Da inspiração mais pura,No mais luminoso dia,Porque cordel é culturaNasceu nossa AcademiaO céu da literatura,A casa da poesia.

Solto:Não sou rico nem sou pobreNão sou velho nem sou moçoNão sou ouro nem sou cobreSou feito de carne e ossoSou ligeiro como o gatoCorro mais do que o vento.

Corrido:Sou poeta repentistaFoi Deus quem me fez artistaNinguém toma o meu fadárioO meu valor é antigoMorrendo eu levo comigoE ninguém faz inventário

Desencontrado:Meu pai foi homem de bem Honesto e trabalhadorNunca negou um favorAo semelhante, tambémNunca falou de ninguémEra um homem de valor.

e) Oito pés de quadrão ou Oitavas – são estrofes de oito versos de sete sílabas. A diferença

das estrofes de cunho popular para as de linha clássica é apenas a disposição das rimas, as

quais nas de cunho popular não há um único verso órfão, já nas clássicas sim, como no

exemplo a seguir de Casimiro de Abreu (1837 – 1860):

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Como são belos os diasDo despontar da existência- Respira a alma inocênciaComo perfumes a flor;O mar – é lago sereno,O céu – um manto azulado,O mundo – um sonho dourado,A vida um hino de amor.

Na estrofe popular aparecem os primeiros três versos rimados entre si; também o

quinto, o sexto e o sétimo, e finalmente o quarto com o último, não havendo, portanto um

único verso órfão. Assim:

Diga Deus OnipotenteSe é você realmenteQue autoriza, que consenteNo meu sertão tanta dorSe o povo imerso no lodoApregoa com denodoQue seu coração é todoDe luz, de paz e de amor.

f) Décimas – são dez versos de sete sílabas, desde sua criação no limiar do nosso

século, as mais usadas pelos poetas de bancada e pelos repentistas. Excelentes para glosar

motes, esta modalidade só perde para as sextilhas, especialmente escolhidas para narrativas de

longo fôlego. As décimas foram escolhidas por Leandro Gomes de Barros para compor o

longo poema épico de cavalaria “A batalha de Oliveiros com Ferrabraz”, baseado na obra do

imperador francês Carlos Magno:

Eram doze cavalheirosHomens muito valorososDestemidos, corajososEntre todos os GuerreirosComo bem fosse OliveirosUm dos pares de fiançaQue sua perseverançaVenceu todos os infiéisEram uns leões cruéisOs doze pares da França.

g) Martelo Agalopado – estrofe com dez versos de dez sílabas, é uma das modalidades

mais antigas na literatura de cordel. Criada pelo professor Jaime Pedro Martelo (1665 –

1727), as martelianas não tinham, como o nosso Martelo Agalopado, compromisso com o

177

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número de versos para a composição das estrofes. Alongava-se com rimas pares, até

completar o sentido desejado. Para exemplificar, os alexandrinos a seguir:

“Visitando Deus a Adão no ParaísoAchou-o triste por viver no abandono,Fê-lo dormir logo um pesado sonoE lhe arrancou uma costela, de improvisoEstando fresca ficou Deus indecisoE a pôs ao Sol para secar um momentoMas por causa, talvez dum esquecimentoChegou um cachorro e a carregou,Nessa hora furioso Deus ficouCom a grande ousadia do animalQue lhe furtara o bom materialFeito para a construção da mulher,Estou certo, acredite quem quiserEu não sou mentiroso nem vilão,Nessa hora correu Deus atrás do cãoE não podendo alcançar-lhe e dá-lhe caboCortou-lhe simplesmente o meio raboE enquanto Adão estava nas trevasDeus pegou o rabo do cão e fez a Eva.”

Com tamanha irresponsabilidade, totalmente inaceitável na literatura de cordel, o

estilo mergulhou, desde o desaparecimento do professor Jaime Pedro Martelo em 1727, em

completo esquecimento, até que em 1898, José Galdino da Silva Duda dava à luz feição

definitiva ao nosso atual Martelo Agalopado, tão querido quanto lindo. Pedro Bandeira não

nos deixa mentir:

Admiro demais o ser humanoQue é gerado num ventre femininoEnvolvido nas dobras do destinoE calibrado nas leis do SoberanoQuando faltam três meses para um anoA mãe pega a sentir uma molezaEntre gritos lamúrias e espertezaNasce o homem e aos poucos vai crescendoE quando aprende a falar já é dizendo:Quanto é grande o poder da Natureza.

Há, também, o martelo de seis versos, como sempre, refinado, conforme veremos

nesta estrofe:

Tenho agora um martelo de dez quinasFabricado por mãos misteriosasEnfeitado de pedras cristalinasDas mais raras, bastante preciosas,Foi achado nas águas saturninasPelas musas do céu, filhas ditosas.

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h) Galope à Beira Mar – estes, de autoria de Joaquim Filho, versos de onze sílabas,

portanto mais longos do que os de Martelo Agalopado.

Falei do sopapo das águas barrentasDe uma cigana de corpo bem feitoDa Lua, bonita brilhando no leitoDa escuridão das nuvens cinzentasDo eco do grande furor das tormentasDa água da chuva que vem pra molharDo baile das ondas, que lindo bailarDa areia branca, da cor de cambraiaDa bela paisagem na beira da praiaAssim é galope na beira do mar.

À feição do Martelo Agalopado, há o Galope Alagoano, com dez versos de dez sílabas

cuja única diferença é a obrigatoriedade do mote “Nos dez pés de galope alagoano”.

i) Meia Quadra – versos de quinze sílabas, as rimas são emparelhadas e os versos são

assim compostos:

Quando eu disser dado é dedo você diga dedo é dadoQuando eu disser gado é boi você diga boi é gado Quando eu disser lado é bandavocê diga banda é ladoQuando eu disser pão é massa você diga massa é pão

Quando eu disser não é sim você diga sim é nãoQuando eu disser veia é sangue você diga sangue é veiaQuando eu disser meia quadra você diga quadra e meiaQuando eu disser quadra e meia você diga meio quadrão.

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ANEXO 4

REISADO – AS DANÇAS SÃO NUMEROSAS E VARIADAS

Exemplificando, a dança do gingá com o entremeio da mãe velha apresenta os

seguintes passos:

1º passo: os figurantes acocoram-se e balançam e remexem os traseiros para os lados;

2º passo (da máquila): é um passo também exibido nos guerreiros e caboclinhos. Sua

execução é muito bonita e consiste num pequeno pulo, seguido por cruzamento das

pernas, com balanços alternados do corpo para os lados;

3º passo: costas com costas - os dois cordões colocam-se de costas um para o outro e, em

seguida, se ajoelham;

4º passo: os figurantes sapateiam na primeira parte da cantiga, depois executam evoluções

sincrônicas de voltas completas para um lado e a seguir para o outro. Esta figura é seguida

por ligeiros e também sincrônicos movimentos em que ora apóiam nas pontas dos pés, ora

nos calcanhares, finalizando com quatro rápidos tropéis;

5º passo: o dançarino faz pião com o calcanhar esquerdo e de uma volta rápida para o

mesmo lado. Em seguida, apoiando-se sobre o outro calcanhar, gira inversamente,

imitando o movimento de um corrupio;

6º passo, os dançarinos cruzam as pernas, ora a direita à frente da esquerda, ora esta

última à frente da direita, enquanto os pés se movimentam;

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7º passo: idêntico ao passo anterior, executado, porém, não de modo lento e compassado,

mas com movimentos rápidos e quase pulados;

8º passo: consiste de sapateados, apresentando muitas variantes com diferentes nomes,

dos quais podemos citar os seguintes: a) passo 40 ou marcha três tropéis, batidos sem os

dançarinos saírem de seus lugares; b) três tropéis, batidos como antes, porém sendo três

para a frente e três para trás; c) quatro tropéis para frente e quatro para trás, de acordo com

o ritmo;

9º passo: é a dança mais comum e consiste em dois passos dirigidos para um lado e um

pouco para a frente, e dois outros dirigidos para o lado contrário e um pouco para trás,

com requebros do corpo para os lados aonde se dirigem os passos. O corpo vai virando

continuamente, de modo que os figurantes volteiam em movimentos independentes.

A Guerra: O mestre apita e o primeiro embaixador atende. Cruza espadas e iniciam

embaixadas de guerra, primeiro com o mestre, depois com o rei. Quando chega a vez do

segundo embaixador, as embaixadas já se tornam cansativas, repetindo-se as batidas de

espadas. Por fim, todos os figurantes, inclusive o rei e o mestre se empenham na luta e o

combate se torna geral.

As sortes: Todos os figurantes, até o próprio rei, atiram seus lenços aos donos da casa e à

assistência. Estes os devolvem com dinheiro dentro. Recolhidas as sortes, o mestre apita e

as filas de dançarinos se afastam para os lados. Então começam os entremeios. Estes são

composições teatrais, jocosas, burlescas, como o bumba-meu-boi, o cavalo-marinho etc.

Encerrados os entremeios, voltam às danças e cantorias de peças, sucedem-se as

embaixadas até que sejam apresentados novos entremeios. Note-se, de passagem, que os

personagens dos entremeios não tomam parte nas danças das embaixadas. São os

entremeios que dão maiores brilhos a esta dança dramática e são tão apreciados que

alguns são apresentados mesmo fora de sua época como, por exemplo, (o famoso bumba-

meu-boi, o boi simboliza o do presépio) que, inicialmente, era o principal entremeio do

reisado e é levado agora também nas Festas Juninas. Muitos destes entremeios, deliciosos

quadros independentes, revelam um espírito chistoso, outros se inspiram em motivos

míticos ou totêmicos, como o Zabelê.

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Folharal: Nesta dança, o personagem oculta a cabeça sob uma cabaça donde pendem

longas folhas de samambaia, traja um camisolão coberto de folhas e capim. Aumenta seu

fantástico aspecto quando os longos cabelos de samambaia esvoaçam nos continues

rodopios dados pelo bailarino.

Zabelê: O dançarino disfarçado num saco pintado, usando máscara com bico, dança e

assobia, imitando o pássaro jacu.

Curiabá: O dançarino imita o macaco, se coça dançando e faz mil trejeitos engraçados.

Sapo Cururu: Agachado no chão, o dançarino coaxa e dá estranhos pulos.

Alma, Diabo e Miguel: É um entremeio que deixa a assistência suspensa e trêmula de medo.

A alma, envolta em lençol branco, desfiando um rosário, gemendo, aparece. Foge do Diabo

que, todo vestido de vermelho com rabo e garras afiadas, a persegue. Agarra-a, mas quando já

a arrasta para o inferno, interpõe-se no seu caminho o anjo São Miguel, geralmente

representado por uma moça, de asas brancas e espada em riste. Trava-se uma luta entre ele e o

Diabo que é vencido. Há um forte estouro de pólvora na sala e o Diabo aproveita a

oportunidade para desaparecer da cena. Suspiros de alívio na assistência. Entre inúmeros

outros, podem-se ainda citar o Lobisomem, o Matuto e o Fantasma, o Capitão de Campo, o

Pescador e a Sereia. E assim, os artistas que representam os entremeios aproveitam cada

embaixada para correrem aos baús por eles trazidos no cortejo, de onde tiram febrilmente suas

fantasias inesgotáveis.

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ANEXO 5

Contos de Fadas: uma conexão entre Literatura e Matemática nas séries iniciais

Marina Alves da Cruz Damião1, Carlos Adriano Martins2 e Vivilí Maria Silva Gomes3

Centro de Ciências Humanas, Universidade do Grande ABCAv. Industrial, 3330, 09080-511 Bairro Campestre, Santo André, SP

Tel. (0XX11) 4991-9800 email: [email protected]

RESUMO

Este trabalho é o relato de experiência didático-pedagógica conectando o conto de fadas

Cinderela com algumas atividades relacionadas a conteúdos matemáticos. O público-alvo foi

uma turma de 37 alunos de 4ª série de uma escola pública municipal localizada no município

de São Paulo, cuja professora é uma das autoras deste relato. O envolvimento das crianças

com as situações-problema propostas foi o ponto alto da experiência que, além de

relacionarem o conto com a Matemática, permitiram o manuseio de material de mídia, como

jornais e revistas, com preços de objetos de vestuário associados ao seu cotidiano. Os

resultados despertaram na escola o interesse de outras professoras e da direção mostrando a

viabilidade da experiência que estimulou nas crianças o senso crítico, a autonomia e a

socialização do conhecimento, bem como um aprendizado matemático vinculado à sua

realidade.

1. INTRODUÇÃO1 Formanda do Curso de Pedagogia no 2º semestre de 2003 e professora da EMEF Olival Costa no Município deSão Paulo, SP.2 Mestre em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo; professor de Educação Ambiental, Biologia daEducação e Metodologia de Ensino e orientador de Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia da UniABC 3 Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo; ex-professora-assistente doutora do Instituto de Física daUniversidade de São Paulo; professora efetiva de Física da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo;professora adjunta de Estatística Aplicada à Educação do Curso de Pedagogia da UniABC e supervisoracientífica no mesmo Curso.

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O relato aqui apresentado é parte do trabalho de conclusão de curso efetuado por um

grupo de alunas do último semestre do Curso de Pedagogia da Universidade do Grande ABC

- UniABC, no 2º semestre de 2003, sendo uma delas a primeira autora deste artigo e a

professora da turma com a qual foi realizada a experiência4. Seguindo as orientações dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 2000) e sugestões de Smole e outros (2001) foi

proposta uma atividade que relacionasse a Literatura Infantil, no caso, um conto de fadas, com

conteúdos de Matemática. De acordo com Machado:

É certo que a Matemática apresenta dificuldades específicas, assim como qualquer

outro assunto. Tais dificuldades, no entanto, não parecem suficientes para justificar

tanta nitidez na diferenciação das pessoas no que se refere à postura diante da

Língua Materna e tão discriminadoras no caso da Matemática. A julgar pelas raízes,

as disciplinas em questão deveriam apresentar muito menos dissonância do que as

costumeiras, em questão de ensino.(2001, p.17)

2. METODOLOGIA

A experiência ocorreu no ano de 2003 com uma turma de alunos de 4ª série da

professora Marina em uma escola pública municipal localizada no Jardim Sapopemba na

cidade de São Paulo. A escola foi inaugurada em 1971, e é composta por 24 salas de aula das

quais quatro de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental. A turma contava com 37 alunos, a

maioria entre 10 e 11 anos de idade, sendo um aluno com necessidade especial de 16 anos e já

alfabetizado. O número de meninas somava 20 e de meninos 17. No dia da realização da

atividade, três não compareceram. A professora Marina trabalha há quatro anos na escola,

fazendo rodízio entre 3ª e 4ª série, com outra professora, já há 17 anos no magistério público.

O projeto para a realização da experiência foi proposto à escola e aceito e o objetivo era

estimular a criatividade dos alunos, seu senso crítico, sua autonomia e socialização através de

uma atividade interdisciplinar.

Primeiramente, foi solicitado aos alunos que trouxessem folhetos de propaganda,

revistas ou jornais que mostrassem objetos de vestuário, em geral, como roupas, sapatos,

bijuterias, etc, de preferência com preços, para o dia da realização da atividade. Nesse dia, o

material trazido foi recolhido e juntado ao que as professoras também trouxeram, a sala foi

organizada de forma a serem formadas duplas e, em seguida, a professora Marina expôs aos

alunos o que seria feito, conforme a seqüência a seguir.

4 Marina Alves da Cruz Damião, Regina Helena do Nascimento, Solange Sanches Defendi, Tâmara Alessandrade Souza e Vanessa de Brito Silva.

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O material trazido foi distribuído para as diversas duplas, juntando de preferência um

menino e uma menina, e foi solicitado que o deixassem reservado embaixo da carteira. Antes,

porém, um tempo foi dado para que os alunos manipulassem o material e explorassem seu

instrumento de trabalho.

A história escolhida foi a de domínio de muitas crianças: o conto de fadas Cinderela.

Tal conto sempre chamou a atenção da professora desde menina o que lhe conferiu mais

facilidade na criação das situações-problema.

Iniciada a narração abriu-se espaço para intervenções e manifestações dos alunos

procurando-se incorporá-las o mais possível à narrativa. Ao término da narração foram

propostas aos alunos algumas situações-problema que contextualizassem as passagens da

história e onde a Matemática estivesse presente e que se relacionasse ao cotidiano do aluno.

Foram propostas várias situações-problema. A primeira envolveu a preparação da

Cinderela para o baile em um salão de beleza onde três tipos de salão eram fornecidos aos

alunos incluindo seus diversos serviços que deveriam ser escolhidos pelas duplas com os

respectivos preços, achando o total da despesa a ser paga pela fada madrinha da Cinderela. Na

segunda e terceira, deveriam se colocar no lugar da Cinderela e do Príncipe e escolher no

material trazido as diversas peças de vestuário e acessórios a serem utilizados no baile,

colocando os respectivos preços em cada um. Os alunos poderiam escolher em lugar de quem

gostariam de se imaginar. Na quarta, os alunos deveriam escolher os sapatos da Cinderela e

atribuir-lhe um valor, o que alguns já poderiam ter feito na situação anterior. Na quinta, foi

considerada a possibilidade de Cinderela utilizar todos os serviços fornecidos pelos salões.

Neste caso, os alunos deveriam fazer a conta dos gastos para cada salão e verificar em qual

salão gastaria mais. Feitas as contas, colocariam esses valores num gráfico de colunas – que já

havia sido trabalhado com as crianças, anteriormente - para comparar o preço total em cada

salão. Na sexta, os gastos totais com vestuário feitos por Cinderela e o Príncipe deveriam ser

representados em um gráfico. No que segue explicitam-se as situações na forma em que foram

colocadas para as crianças. Resumindo:

Situação-Problema 1: Para lavar, hidratar , escovar os cabelos, fazer um penteado, o

pé e a mão, quanto gastaria Cinderela? Escolha um salão de beleza dos três propostos e faça

as contas.

Situação-Problema 2: A Cinderela do conto de fadas vestia-se com deslumbrante

vestido cheio de tecidos e fitas. Imagine que você irá ao baile. Escolha nos folhetos as roupas

que irá vestir como: “lingerie”, calças, saias, blusas, vestidos, sapatos, bijuterias. Recorte com

o preço e calcule quanto você gastaria.

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Situação-Problema 3: Além de Cinderela, todos no baile estavam bem vestidos,

principalmente o Príncipe. Escolha uma roupa nos folhetos, imaginando que você seja o

Príncipe que acompanhará a Cinderela ao baile. Faça as contas de quanto gastaria.

Situação-Problema 4: O Príncipe estava à procura da dona do sapatinho de cristal.

Escolha nos folhetos qual sapato ou sandália você gostaria de usar no baile e coloque o valor.

Situação-Problema 5: Faça as contas para saber o total de gastos em cada um dos

salões que Cinderela poderia escolher e coloque num gráfico. Em qual gastaria mais e em

qual gastaria menos?

Situação-problema 6: Nas compras, Cinderela e o Príncipe gastariam um valor cada.

Represente, em um gráfico, esses gastos. Quem gastou mais?

A atividade foi feita em duas aulas. Na primeira aula, foram resolvidas as três

situações iniciais. Na segunda aula, foram consideradas as restantes. Após, foi aberto um

espaço para discussão conjunta dos alunos. Os resultados são apresentados no próximo item.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na distribuição dos folhetos, muitos trazidos pelos próprios alunos, estes já

demonstraram interesse na sua manipulação. Alguns folhetos apresentavam amostras de

perfumes, muito comuns em revistas femininas, que eram passados no pulso pelos alunos.

Estavam, assim, explorando e reconhecendo o seu material de trabalho. Como já conheciam a

história, faziam intervenções durante a narração do conto. É hábito da professora Marina

contar histórias variadas para os alunos, portanto, já estão acostumados a esse tipo de

atividade. O que não era costume era a inter-relação com a Matemática, fato novo para eles,

por isso na coleta de material foi colocado que fariam uma atividade diferente preparando-os

para isso.

Mesmo assim, os alunos mostraram-se ansiosos e mais agitados que de costume.

Houve a preocupação em escolherem os objetos mais bonitos e também de procurarem preços

que valessem à pena. Estavam atentos em encontrar no seu material os objetos necessários ao

vestuário da Cinderela e do Príncipe. Para isso, foi estimulada a troca de materiais entre as

duplas, o que provocou maior interação entre os alunos.

Depois da seleção e recorte do material, esses foram colados em folha de papel sulfite

e partiram para a etapa de contas. Alguns alunos tiveram muitas parcelas na conta o que

tornaram-nas um pouco difíceis com relação à obtenção do total gasto. A organização das

parcelas de acordo com o seu valor posicional e a localização da vírgula, foram outras

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dificuldades observadas, pois trabalhavam com valores em reais e, portanto, com os decimais

até segunda casa. Nesses casos, a professora intervinha relembrando algumas estratégias já

antes trabalhadas com os alunos, orientando-os a desmembrarem as contas ou a usarem a

multiplicação para facilitar os cálculos.

A Figura 1 mostra os valores dos serviços fornecidos pela professora para os três

salões de beleza hipotéticos e registrados pela dupla de alunas Jéssica e Eloise. As alunas

escolheram o salão Center e o resultado para o total de gastos da Cinderela (situação-

problema 1) é apresentado na Figura 2. As alunas justificam a escolha por ser mais barato o

fornecimento dos serviços no salão.

Figura 1 – Opções de salão de beleza dadas aos alunos e registradas pelas alunas Jéssica e Eloise

Figura 2 – Registro e total de gastos a serem feitos por Cinderela no salão escolhido pelas alunas Jéssica e

Eloise

As Figuras 3 e 4 mostram as escolhas de vestuário feitas pela dupla de alunos Liliane

e Gabriel, para a Cinderela e o Príncipe, respectivamente, com o resultado da soma de Gabriel

na Figura 4 (situação-problema 2 e 3). Com a seleção, os alunos entraram em contato com os

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valores de mercado das roupas, seus desejos em relação à vestuário e, ao calcular o total de

gastos, a avaliação do seu custo final.

Figura 3 – Vestuário de Cinderela para o baile e escolhido pela aluna Liliane

Figura 4 – Vestuário do Príncipe para o baile escolhido pelo aluno Gabriel

A solução dada para a situação-problema 4 pela dupla de alunos Camila e Israel está

na Figura 5. A dupla escolheu os sapatos com os respectivos preços, reproduzindo o preço de

cada um.

Figura 5 – Escolha de sapatos para o baile feita pelos alunos Camila e Israel

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A dupla Caroline e Jacsuel deu a solução gráfica para as situações–problema 5 e 6 e

mostrada na Figura 6.

(a) (b)

Figura 6 – Resposta gráfica para o (a) gasto efetuado em cada salão se todos os serviços fossem utilizados e (b)

gasto total com vestuário de Cinderela e o Príncipe dados pelos alunos Caroline e Jacsuel

Ao final da aplicação da atividade a professora abriu espaço para a conversa e o debate

ouvindo a opinião de cada aluno. Alguns disseram que gostaram muito de trabalhar dessa

maneira. Outros disseram que acharam bem diferente e que por isso gostaram. Quanto ao que

aprenderam, disseram que foi de grande importância, pois puderam fazer escolhas de seus

próprios objetos, montando sua própria roupa para o baile e decidir sobre os valores dentro de

várias possibilidades.

Nas figuras que se seguem são apresentadas fotografias tiradas na sala de aula em

diversos momentos da realização da atividade, que também foi registrada em fita VHS. A

Figura 7 mostra a professora narrando a história para os alunos. A Figura 8 apresenta as

crianças envolvidas na seleção do material para solução das situações propostas, sob a

orientação da professora. A Figura 9 revela o momento da confraternização ao final do

trabalho.

Figura 7 – A professora narrando o conto de fadas

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Figura 8 – Os alunos em atividade na sala de aula

Figura 9 – A confraternização final

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os contos de fadas são muito apreciados pelas crianças sendo de fácil entendimento,

despertando o seu imaginário e os valores associados às suas vidas e também proporcionando

entretenimento. Sua associação com conteúdos, matemáticos, nesta particular experiência,

possibilitou um aprendizado mais envolvente onde a integração entre os alunos, tanto na troca

de conhecimentos como na discussão de valores, foi fundamental. O exercício do senso crítico

através da colocação de seus desejos, na escolha de sua roupa para um baile, em

contraposição às possibilidades, tanto de roupas como de preços, nas quais pudessem se

posicionar diante dos gastos a serem efetuados, resgatam valores relacionados à sua condição

familiar e social. Essas conexões reforçam o aprendizado matemático atribuindo-lhe

significado, um sentido. Os resultados dessa experiência foram tão positivos na escola em

que foi realizada que foi incorporada em seu projeto pedagógico.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, ParâmetrosCurriculares Nacionais: Matemática. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

DCL . Difusão cultural do Livro. Conto: Cinderela, s/d

MACHADO, N. J. Matemática e Língua Materna: análise de uma impregnação mútua.5.ed. São Paulo: Cortez, 2001.

SMOLE, K.C.S.; ROCHA, G.H.R.; CÂNDIDO, P.T. e STANCANELLI, R. Era uma vez naMatemática: uma conexão com a Literatura Infantil. 4.ed. São Paulo: CAEM-IMEUSP,2001.

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