Capa de livro: O design para um produto de valor cultural...
Transcript of Capa de livro: O design para um produto de valor cultural...
Capa de livro:
O design para um produto de valor
cultural no contexto nacional*
Vladimir de Abreu Braga Barbosa**
Resumo
O design da capa dos livros no Brasil vem sendo aperfeiçoado através de um longo
processo que começa nos primeiros anos do século XIX e se estende até os tempos hodiernos.
Para tanto, o empreendedorismo de alguns editores, dentre eles Monteiro Lobato, foi
imprescindível ao processo que conduziu o projeto gráfico até o reconhecido nível atual, a
ponto de termos profissionais especialistas em criação de capas. Acrescido a este fato, nota-se
como os movimentos culturais, ao longo das décadas, moldaram e transformaram o visual dos
livros e como tantos artistas brasileiros de sua geração fizeram parte da construção do design
editorial e da identidade visual das editoras.
Palavras-chave: Livro. Capa. Design gráfico.
1 Introdução
O desenvolvimento do objeto livro no cenário nacional, desde seus primórdios, tanto
economicamente quanto graficamente, nos concede uma perspectiva de como o valor do
design para este é importante, bem como o próprio é para o design editorial brasileiro.
Muitos nomes moldaram ricamente a história da indústria editorial no Brasil,
trataremos brevemente sobre algumas personagens e editoras que se tornaram referência em
publicações de elevado nível de qualidade gráfica para sua época.
* Este artigo constitui-se no Trabalho de Conclusão de Curso da Pós-graduação Lato Sensu em Gestão, Design e Marketing, cursada, pelo autor, no Instituto Federal Fluminense Câmpus Campos-Centro, desenvolvido sob a orientação da Prof. M.Sc. Luiz Claudio Gonçalves Gomes. ** Tecnólogo em Design Gráfico pelo Instituto Federal Fluminense Câmpus Campos-Centro. E-mail: [email protected].
2
O livro passou a ser tratado não só como instrumento cultural, mas também
comercial, sendo produzido em grandes tiragens e recebendo atenção peculiar em sua
apresentação. No universo competitivo que se formou desde então, os produtores de livros
encontraram no design gráfico um diferencial de qualidade para torná-los mais competitivos e
obter vantagens sobre os concorrentes (NUNES e BARBOSA, 2009).
Este trabalho procura evidenciar a importância fundamental no cuidado com a
apresentação do livro, principalmente no que se refere a sua capa, o primeiro “painel” que se
comunica com o consumidor; buscando evidenciar as estratégias exploradas para tornar as
características gráficas do livro atrativas ao mesmo tempo em que procura evidenciar a
essência da obra.
2 Primeiros editores, primeiras livrarias, primeiras edições.
No ano de 1821, com o fim do monopólio da Imprensa Régia¹, surgiram nas
províncias brasileiras as primeiras oficinas tipográficas particulares e teve início a impressão
de livros1. A idolatria brasileira pela cultura francesa estimulou editores-livreiros desse país a
virem para cá instalar filiais de suas livrarias. Alguns desses profissionais tiveram
participação excepcional no meio literário brasileiro. Pierre Plancher, em cuja tipografia foi
impressa a constituição do Império do Brasil, foi um dos primeiros a utilizar impressão em
litografia no país. Os irmãos Eduard e Heinrich Laemmert também montaram uma tipografia
e eram donos da livraria Universal, que, ao lado da livraria Garnier dominava o mercado de
livros no Rio de Janeiro.
A livraria Garnier, de Louis Baptiste, é tida como a principal responsável pelo início
do desenvolvimento editorial do país, tendo editado muitos romancistas brasileiros da época.
Baptiste mandava imprimir seus livros na Europa, em Paris e Londres, o que lhe rendeu a
antipatia dos gráficos brasileiros. No entanto, a Casa Garraux representava a maior oferta de
livros da cidade, servindo também como ponto de encontro da elite cultural local.
Dentre os editores brasileiros de meados do século XIX, Machado de Assis, destaca
Francisco de Paula Brito como “o primeiro editor digno desse nome que houve entre nós”
(HALLEWELL apud MARIZ 2005, p.22). Inclusive, este, contava com o apoio do imperador
D. Pedro II, grande incentivador da literatura nacional.
1 Órgão da Coroa Portuguesa responsável pelas impressões no Rio de Janeiro
3
Mesmo com os avanços e melhorias introduzidos por esses editores e suas respectivas
casas, no final do século XIX e no início do XX, a qualidade dos livros publicados era baixa.
A indústria de papel ainda estava nascendo e os equipamentos gráficos mal existiam por aqui.
Dois dos aspectos que mais pecavam eram a impressão e a editoração, uma vez que as
“editoras” não possuíam um bom repertório de tipos, sofriam com a restrição de tipos de
papéis e os tipógrafos não tinham o hábito de imprimir livros. O fato é que um grande número
de livros eram impressos em tipografias de jornais e revistas. Imprimir um jornal e fazer um
livro exigem técnicas inteiramente diversas e demandam pessoal diferente.” (MORAIS apud
MARIZ, 2005, p. 23)
Nos primeiros anos do século XX, o padrão visual das edições brasileiras carecia de
cuidados apropriados. O produto que chegava às mãos do leitor recebia pouca atenção, pois
somente alguns editores e tipógrafos se preocupavam com a boa qualidade visual.
Isabella Perrota em seu livro “Victor Burton” (2006, p. 27) lembra que até o início do
século anterior o que era vendido, na verdade, era o “miolo” do livro, onde uma folha de rosto
tratava de identificar autor, título e editora. Era o assim chamado “padrão francês” que
correspondia a brochuras impressas em papel branco (cuja cor, na verdade, era creme, cinza
ou amarelo) contendo apenas texto impresso tipograficamente. A diagramação que se
encontrava no interior do livro era a mesma da folha de rosto. Após a compra, o próprio leitor
encomendava a capa rígida a um encadernador profissional. Nessa capa, os adornos variavam,
mas não incluíam o nome do livro. O título ficava na lombada para facilitar a localização na
estante. O nível de sofisticação da capa estava diretamente ligado ao status social do
encomendador.
Figura 1. Aparência externa dos livros do século XIX
4
Apesar das deficiências do setor editorial, as ações no sentido de modernizá-lo não
demorariam a chegar, acompanhando as mudanças pelas quais a sociedade brasileira estava
passando, sobretudo a proclamação da república, que deu forma à idéia do país como nação
próspera e independente. Com a riqueza gerada pelo café, a cidade de São Paulo cresceu de
modo vertiginoso, estabelecendo-se como o principal pólo industrial do país. Outro fator que
fortaleceu o processo de industrialização foi a Primeira Guerra Mundial que obrigou o
mercado brasileiro a depender menos do exterior e a buscar maior autonomia no campo
tecnológico e no de bens e serviços.
O progresso e a modernização se estendiam por toda a indústria e é esse ambiente que
propicia o surgimento de editores cujo pioneirismo faria o negócio de livros dar grandes
passos.
2.1 Visão de Monteiro Lobato, início das capas.
Visionário, Monteiro Lobato é um marco no mercado editorial nacional, seu
empreendedorismo aliado ao zelo pelo bem que tanto estimava, num ambiente de
modernização, divide a história do setor em antes de depois dele. Lobato soube aproveitar o
momento próspero da cidade de São Paulo para fazer crescer a produção de livros.
Já famoso pelo livro de contos Urupês, Monteiro Lobato ingressou na carreira de
editor em 1918 ao adquirir a editora Revista do Brasil, da qual já era colaborador. Uma vez à
frente dos negócios, e em companhia do seu sócio Octalles Marcondes Ferreira, passou a
adotar práticas inovadoras para contornar os problemas que se apresentavam.
É fato atestado pelos estudiosos da história do livro e da leitura no Brasil que o Brasil dos anos 20 não oferecia as melhores condições para a indústria do livro: país de poucos leitores; oficinas tipográficas antiquadas e sem a tecnologia suficiente para a edição de livros; baixo investimento no ramo das edições; alto preço dos livros; circulação restrita; edições pouco atraentes, pouca publicidade (HALLEWELL apud DUTRA, 2004, p. 4).
Algumas dessas práticas foram:
• Lançamento de novos autores. Dentre eles, alguns participantes do
Movimento Modernista, responsável pela renovação cultural da época.
5
• Aumento dos pontos de venda para livros. Ao perceber que havia
pouquíssimas livrarias no Brasil (a maioria delas em capitais), Lobato lançou mão de
uma estratégia inusitada para melhorar a distribuição e comercialização de livros.
Escreveu para vários estabelecimentos país afora solicitando que vendessem livros em
consignação com a editora. De menos de trinta, os pontos de venda subiram para dois
mil.
• Pagamento de direitos autorais compensadores.
• Publicidade em jornais.
Monteiro Lobato agia a partir de dois pontos de vista, o intelectual e o do
empresário. Como intelectual acreditava que a formação de uma “cultura da leitura” traria
benefícios ao país, provendo-o com uma população mais culta e bem informada. Como
empresário, compreendeu que não bastava só alcançar um grande número de pessoas. Para
aguçar o desejo de compra, era preciso fazê-las achar seus produtos atraentes, bonitos,
chamativos. Com isso em mente, começou a investir na estética dos livros, dando-lhes capas
ilustradas e melhorando sua aparência interna.
No livro “Momentos do livro no Brasil”, Fernando Paixão nos conta que, Monteiro
Lobato foi autor de várias frases que traduziam a convicção de que o produto devia ser bem
tratado para encher os olhos dos leitores: “editar é fazer psicologia comercial” (PAIXÃO,
1995), e outras que enfatizavam a sua postura empresarial no negócio de livros: “faço livros e
vendo-os, exatamente o negócio do que faz vassouras e vende-as, do que faz chouriço e
vende-os” (DUTRA, 2004).
Essa postura mostra que Lobato, ainda que escritor, conseguia desassociar-se da
figura do autor que enxerga a obra de um ponto onde se crê que não se faz necessário o apelo
comercial, uma vez que por si só já possui todo valor em seu conteúdo. Esse trabalho não
afirmar que o design ou a estética vão ditar o valor da obra literária, mas entendemos que o
design é uma ferramenta que viabiliza ao consumidor perceber o que lhe é negado pela
ignorância ou pelo desinteresse. Ninguém melhor que um dos mais renomados escritores
nacionais para deixar esse legado de como é importante investir em design gráfico para as
capas dos livros e como isso contribuiu na evolução do país mercadologicamente, e também,
intelectualmente.
O resultado foi que a editora que já se chamava Monteiro Lobato e Cia., prosperou
espantosamente nesse período; a produção crescia mais e mais a cada ano. As estratégias para
6
ganhar mercado e a aquisição de máquinas novas, possibilitaram que fosse agregado ao livro
o trabalho de artistas de talento a exemplo de Anita Malfati, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti
e outros; todos contribuíram ilustrando as capas de forma a cativar leitores e a quebrar a
“monotonia” habitual do precário e antiquado padrão de edição até então vigente no Brasil
(HALLEWELL apud DUTRA, 2004).
Por limitação tecnológica da época, as capas da Monteiro Lobato e Cia nos
primeiros anos da década de 1920 eram impressas em duas cores sobre papel branco ou
colorido. Essas restrições, contudo, não foram obstáculo para resultados estéticos chamativos.
Com certeza, o uso de cores em tons intensos e as belas ilustrações passaram a despertar mais
atenção do que o “padrão francês”.
2.3 Pioneirismo
Na década de 1930, num período cultural de valorização do genuinamente brasileiro
em oposição ao que era europeu, surgir outra editora importante para a indústria do livro: a
Editora José Olympio.
Cinco anos depois, verificado ser necessário mudar, Olympio contratou o artista
alagoano Tomás Santa Rosa para cuidar dos projetos gráficos e das ilustrações dos livros da
sua editora. A parceria entre eles duraria bem mais de vinte anos, com Santa Rosa responsável
por quase todos os projetos gráficos da editora.
Os feitos desse artista foram devidamente reconhecidos, pois é considerado um dos
pioneiros do moderno design gráfico brasileiro, revolucionou o conceito estético no mercado
editorial e promoveu uma renovação do livro nacional nos anos de 1930 e 1940. Ainda que se
preocupasse com o livro como um todo, acompanhando-o em todas as fases de produção até a
gráfica, dava especial importância à capa:
Nem prosa, nem poesia, nem obra de qualquer espécie se beneficiam da ausência de gosto, da violação das leis de harmonia, que regem todas as artes. A capa do livro é a apresentação do livro ao leitor. (CUNHA LIMA e FERREIRA apud MARIZ 2005, p. 42)
As ilustrações de Santa Rosa, ora influenciadas pelo modernismo figurativo, ora
com inspiração cubista, estavam em harmonia com a temática do livro, dando nova cara ao
livro brasileiro. Sua exigência por qualidade fez com que as gráficas comprassem novas e
7
variadas famílias tipográficas, o que deu a outras editoras a possibilidade de aperfeiçoar o
projeto de seus livros. Ainda assim, alguns dos tipos eram desenhados à mão. E as capas eram
impressas em duas e três cores.
Outra característica importante dos livros projetados por Santa Rosa para a editora
era o sistema de identidade visual unificado, no qual cada exemplar de uma determinada
coleção era projetado dentro das mesmas características dos demais do conjunto a que
pertencia. Esse exemplar fazia parte de um sistema maior, já que todos os livros da editora
apresentavam características em comum (FERREIRA e LIMA, 1998).
Figura 4. Capa de Santa Rosa para a Editora José Olympio. A influência do estilo cubista na ilustração é visível.
Figura 5. Capas variadas de Santa Rosa
8
Ressalta-se que a editora José Olympio também contava com artistas como
Portinari, Gustavo Doré, Osvaldi Godi, Poty Lazzaroto, Darel Valença, Luis Jardim, entre
outros. Jardim assumiria a produção gráfica e a diagramação dos livros da editora com o
falecimento de Santa Rosa. A preocupação em valorizar o produto nacional, como também à
existência de um público leitor apreciador desses trabalhos, viabilizou uma atenção especial a
parte visual dos livros.
Nota-se, mesmo nesse curto período da história do livro no Brasil, final do século XIX
e as duas primeiras décadas do XX, que o movimento cultural se encontrou estampado na
capa dos livros, ou seja, a arte presente em suas manifestações e estilos na obra literária na
forma de ilustração das capas e que essa associação foi uma estratégia dos editores
empreendedores para cativar leitores, e posteriormente, mais que isso, também para externar a
essência da obra. Pode-se dizer que antes, o “padrão francês” identificava o dono do volume e
denotava status, com a iniciativa de tornar o livro mais democrático, um grupo maior de
leitores teve mais acesso às obras e as editoras adquiriram uma identidade visual cada vez
mais sólida.
2.4 Capas para agredir
Nos anos 60, a editora carioca Civilização Brasileira trouxe outra renovação gráfica
quando Ênio Silveira assumiu totalmente a editora e contratou o artista gráfico austríaco
Eugênio Hirsch. Este defendia uma divulgação abrangente dos livros, com propagandas em
outdoors, por exemplo, com o objetivo de desmistificá-los junto ao público e fazê-los serem
consumidos não só pela elite, mas por qualquer pessoa, independente de classe e poder
aquisitivo. Essa postura desagradava até José Olympio, que acusava o revolucionário editor
de estar transformando o livro em objeto vulgar. Recebeu lugar de destaque na moderna
cultura brasileira, onde figura como importante incentivador da renovação do design gráfico
nacional, graças a sua ousadia.
Isabella Perrota (2006) destaca que seu trabalho é forte nas cores, nos contrastes e no
traço insolente e agressivo. Às vezes, detalhava, às vezes apenas sugeria. A tipografia
raramente seguia uma linha horizontal. Torce, entorta, recorta. Queria agredir, não agradar.
Força e intensidade são palavras recorrentes para se descrever a linguagem visual
que Hirsch utiliza nos livros da editora. Sempre captando a essência da obra e mantendo a
sofisticação, procurava dar a ideia de movimento com o uso freqüente do texto em diagonal e
9
montava composições expressivas por meio de cores vibrantes, contrastes acentuados e
ilustrações estilizadas, ora realistas, ora abstratas.
Figura 8. Variadas e chamativas capas de Eugênio Hirsch para a Civilização Brasileira.
Após Hirsch aceitar um convite internacional, em 1965, Thiago de Mello e Marius
Laurizen Berns ficaram responsáveis por continuar a consolidação do projeto visual da
editora.
As capas diferentes e ousadas ajudaram a Civilização Brasileira na criação de uma
identidade visual forte e marcante, acima do que as demais conseguiram na época, a tal ponto
de os leitores reconhecerem os livros da editora apenas por elas. Em entrevista concedida a
10
Ana Sofia Mariz, publicada no artigo “Uma nova abordagem para o design de livro brasileiro:
a experiência da editora Civilização Brasileira, 1950-60”, Thiago de Mello comenta a respeito
desse fato:
Eu fiquei muito feliz no dia em que um funcionário da Civilização, o Dantas, chefe da livraria na Sete de Setembro, chegou e disse: - Os leitores já estão sabendo, mesmo sem ver o logotipo, sem ver o nome, só pela capa, eles sabem quais são os livros da Civilização. Isso me deixou muito contente porque eu sabia que a gente tinha criado uma identidade própria.
Figura 9. Capas de Marius Laurizen Bern.
2.5 O design de livros contemporâneo
O mercado editorial brasileiro evoluiu no que diz respeito ao aspecto visual dos
livros. Todos os elementos que são capazes de tornar esse objeto transmissor de conhecimento
mais vistoso aos olhos do público ganharam atenção merecida e não seria exagero afirmar que
parte da nossa produção poderia estar nas prateleiras de boas livrarias estrangeiras.
Um dos grandes responsáveis pela evolução recente do livro é o designer Victor
Burton, que iniciou seu trabalho em 1979 na Nova Fronteira e que, através das capas, criou
uma identidade para a editora, a exemplo de Santa Rosa e Eugênio Hirsch.
11
A Nova Fronteira era a editora com o melhor catálogo da época e já com alguma
tradição na sua apresentação gráfica. Já havia passado o apogeu dos antigos capistas2 e
tampouco surgira a nova leva de designers que atualmente estão no mercado editorial.
Três são os elementos mais evidentes do estilo que o projetou na Nova Fronteira,
fazendo-o se tornar o profissional do “sonho de consumo” dos editores:
• Uso de tipografia tradicional, com preferência por tipos serifados e/ou italizados.
Viam-se ligaduras entre caracteres, espaços entre letras diminutos, extremidades cortadas e hastes prolongadas. Gostava de utilizar também a variação brusca de corpos entre nome e sobrenome do autor.
• Ícones da história da arte. Burton preferia utilizar pinturas clássicas em seu trabalho uma vez que admitia que sua ilustração não estaria de acordo com qualquer capa.
• Grande repertório de ornamentos. Fios, molduras, vinhetas antigas e outros tipos de adornos apareciam na composição das suas capas. [...] os fios têm função de separar, estruturar, amarrar e preencher espaços. Ora emolduravam imagens, ora toda a composição da capa. Ora transformavam-se em tarjas largas coloridas, ora multiplicavam-se em intrincadas composições (Perrota, Isabella, 2006, p. 39-40).
Figura 10. Algumas capas de Victor Burton para a Nova Fronteira.
2 Termo utilizado para designar o profissional que geralmente cuida de todo o projeto editorial do livro, com destaque para a capa.
12
Um fato curioso é que, apesar de ter se consagrado com o estilo empregado na Nova
Fronteira, hoje em dia os briefings que recebe solicitam que ele não use tal estilo. Com o
tempo sua linguagem visual foi sendo imitada e copiada por outros profissionais, em parte no
intuito de se criar uma nova tendência gráfica diferente da que era ensinada nas escolas de
design, e em parte como solução fácil, que muitas vezes, mascara a falta de talento do
imitador.
Figura 11. Trabalhos recentes de Victor Burton
A partir da Companhia das Letras, muitos dos capistas atuais se estabeleceram no
mercado e começaram a prestar serviços para outras editoras, que cada vez mais valorizam o
aspecto visual das suas publicações. Nomes respeitáveis como Ettore Bottini, João Batista da
Costa Aguiar, Moema Cavalcanti e Hélio de Almeida foram de grande importância no salto
de qualidade que a Companhia das Letras promoveu. Foram eles os responsáveis pela
concepção das capas, da diagramação dos livros e dos projetos das várias coleções.
Hoje existe um boom do designer gráfico. De seis anos pra cá. Profissionalmente, minha única vantagem é que já não preciso mais explicar meu trabalho. Antes ninguém sabia direito o que era uma capista. Antigamente o Jaime Leão ilustrava um livro, escolhia uma das ilustrações, botava na capa e pronto. A capa era, portanto, uma conseqüência do que se fazia dentro do livro. Depois a capa começou a ser pensada como um produto independente. Não basta pegar uma ilustração que está no miolo, escolher qualquer letra e colocar o título. Não é assim. (DENSER e MARANI, 2000, p. 20-21)
13
3 A economia do livro
O mercado do livro tem clientela segmentada e nichos especializados. Desta maneira,
o que interessa é que os títulos cheguem ao pequeno número de pessoas que tem interesse no
assunto, ao invés de chegar a todos os leitores.
O livro, ao contrário de revistas e jornais, é um manufaturado viável em pequena
escala gerando uma imensa riqueza cultural se apenas três mil livros forem comprados nos
valores equivalentes aos dos países desenvolvidos.
O problema com o qual esse mercado lida é que pela viabilidade mencionada, cria-se
uma imensa oferta global para uma limitadíssima capacidade de absorção do consumidor
individual (Earp, 2005)
Mas, se elevarmos o número de leitores para 30 mil, um só sucesso pode pagar alguns
fracassos. Isso leva à busca de títulos que possam vender milhões de exemplares, daí o
crescimento de algumas firmas.
Os consumidores podem ser classificados de duas formas: os que querem acumular
livros (bibliotecários) e os que querem ler. Dos que querem ler, dividem-se em duas
categorias, os de necessidades profissionais e os que querem ler em seu tempo livre (como
opção de lazer). A esmagadora maioria dos leitores se enquadra neste último caso.
A pesquisa Retratos da leitura no Brasil3 (2011, p. 43) mostra que 28% dos entrevistados de
um total de 178 milhões de brasileiros declaram gostar de ler em seu tempo livre, uma queda
de 10% desde 2008, ficando atrás de assistir televisão (85%), ouvir música ou rádio (52%),
descansar (51%), reunir com amigos ou família (44%), assistir vídeos/ filmes em DVD (38%),
sair com amigos (34%), dos 28% que declararam ler, 58% leem frequentemente em seu tempo
livre. Com o tempo mais limitado o leitor opta por buscar, dentre os títulos que estejam
facilmente ao seu alcance os que mais lhe interessam, dentre esses o de menor custo, tanto de
dinheiro como de tempo (ZAID apud EARP, 2005).
3 Pesquisa executada pelo IBOPE Inteligência e coordenada pelo Observatório do Livro e da Leitura para o Instituto Pró-Livro (IPL). Disponível no site: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=48. Média de atividades por entrevistado foi 5,3.
14
3.1 Características dos consumidores de livros
Constatamos então que o maior obstáculo para circulação do livro não é o preço, mas
os diferentes interesses do autor e do leitor, as características do texto e as dificuldades da
leitura e da escrita. O problema não é ter pouco ou nenhum poder de compra, pode-se ter
dinheiro para comprar, o que falta muitas vezes é interesse ou treinamento para apreender seu
conteúdo.
Lembrando que a capa do livro teve como objetivo inicial a função de protegê-lo, e
posteriormente, a de envoltório publicitário também. Essas duas finalidades se enquadram na
definição que Missila Cardozo dá a embalagem, no seu artigo A Atratividade da capa do livro
no meio online: A embalagem é o primeiro contato do consumidor com o produto e a sensação que ela provocar poderá decidir uma compra, independente do conteúdo desta embalagem. Isto porque se supõe o conteúdo pela embalagem. São sensações não totalmente conscientes, mas que norteiam as ações humanas, seus hábitos e consumo (2005, p. 12).
Compete às livrarias focalizarem a oferta para os clientes que frequentam suas lojas no
que eles mais procuram e é vantajoso para o leitor procurar as livrarias que vendam títulos
que lhes interessam quando estão decididos a comprá-los. Uma vez que “o problema do livro
é, acima de tudo, de distribuição, que depende, sobretudo, de informação – que é ainda mais
importante em uma sociedade (que se pretende) da informação” (EARP, 2005, p. 18).
Com essa enorme oferta, é notório que o investimento da editora na capa do livro, que
funciona como ferramenta de promoção de si mesma com a qual o leitor tem um primeiro
provável contato visual e posteriormente um possível contato tátil, é necessário, uma vez que
75% da percepção humana é visual.
3.2 Processo do livro
Da criação do texto até a publicação do livro, muitos são os profissionais envolvidos,
essa fabricação é o resultado de um processo colaborativo que envolve trabalho de equipe,
conforme nos instrui Andrew Haslam no livro O livro e o Designer II (2007). Ele ainda
acrescenta que para o designer, conhecer as funções dentro da indústria editorial o ajudará a
compreender seu contexto de trabalho.
15
3.3 Aspectos do desenvolvimento de uma capa
Através do briefing que o designer terá a base assentada para poder construir. Ele
deve ter um volume de informações grande sem deixar de ser preciso, contudo é aconselhável
o designer acompanhar o mais próximo possível a visão de cada pessoa que tem influência
direta e decisiva em relação à capa, que é uma preocupação dos autores, que desejam que a
capa represente o conteúdo da sua obra antes de tudo, e os editores, que precisam considerar a
visão do departamento de arte assim como o de marketing.
O briefing será gerado numa reunião que envolve o autor, editor, diretor de arte, e o
diretor de marketing. Quanto ao designer, é importante que ele participe também, e não
somente para ouvir e anotar, pois sua formação lhe dá respaldo para expor ideias para o
projeto.
Considerando que: “o design é a mistura de decisões racionais e conscientes que
podem ser analisadas e decisões subconscientes que não podem ser deliberadas tão
prontamente, uma vez que derivam da experiência e da criatividade do designer” (HASLAM,
2007, p.23), concluímos que uma parte do processo de design é peculiar a cada designer, e
não é definida pela analise prática.
Essas decisões subconscientes no processo de design pertencem à memória cinética
de cada indivíduo, assim como as atividades que desenvolvemos pela prática, como andar de
bicicleta. Faz-se sem se dar conta de cada etapa do processo. Enfim chegamos à seguinte
condição, se por meio da prática, de forma subconsciente (também) fazemos design, então, é
interessante encontrar características do processo do design que possam ser implementadas
por meio da prática, educando e trazendo benefícios ao designer em seu design.
3.4 O Design das capas
Criar uma capa posicionando-a estrategicamente agrega valor ao produto, mesmo
sendo um produto de valor cultural, o que para muitos é o que basta e é o mais importante. O
design da capa do livro não vai tornar o livro melhor ou pior, mas influencia o
comportamento do consumidor uma vez que afeta sua percepção em relação ao valor do
produto.
16
Não é apropriado mascarar o produto, e essa não é a função do design, ao contrário
disso, ele deve transmitir com clareza, ao publico, o real caráter do produto para que, desta
forma, as pessoas possam compreender e ter a expectativa correta em relação a ele,
certamente, supondo-se que este produto se enquadra dentro das qualificações necessárias
para, no mínimo, se sustentar no mercado.
O projeto gráfico criado para a capa do livro, ou qualquer outro produto, deve estar
em concordância com sua real natureza, assim não causará no consumidor a sensação de
frustração ao adquirir este bem. Uma vez se sentindo enganada, a pessoa dificilmente voltará
a comprar este produto e tampouco o indicará a outros.
O valor agregado gerado pelo design se dá em se comunicar claramente com o
público alvo, e em ter um diferencial para que possa garantir reais vantagens em relação aos
concorrentes, e isso significa não camuflar, distorcer e mascarar. O consumidor não gosta de
ser passado para trás e o efeito disso pode trazer prejuízos maiores do que os benefícios
advindos de um design consciente, funcional, eficaz e comprometido.
Conforme está citado no artigo A Atratividade da capa do livro no meio online de
Missila Cardozo, a função da embalagem está relacionada a dois aspectos:
• Físico: tem maior importância para o comércio, sendo um atributo fundamental para o transporte e distribuição. • Psicológico: varia de um mercado para outro em função de fatores socioeconômicos e culturais; influenciando consumidores através do formato, uso de cores, logotipos e ilustrações (SEMENIK apud CARDOZO, 2005, p. 1).
Atualmente a primeira capa, quarta capa, lombada e orelhas têm sido vistas como
um todo, e a disposição dessas peças deve ser harmoniosa, porquanto, formam a primeira
experiência de leitura do indivíduo que toma o livro em suas mãos.
3.4.1 Ferramentas e estratégias de marketing
Conscientizando-nos da importância que a capa tem para o livro e quanto de retorno
o design gráfico pode trazer para a promoção da obra, importa discutirmos as características
gráficas que a torna atrativa.
Ir ao ponto de venda não é um trabalho exclusivo para os que projetam embalagens
para os seguimentos de mercadoria que encontramos, tradicionalmente, nos supermercados e
lojas de departamento, embora essas duas categorias de varejo atualmente também apreciem
17
vender livros, principalmente os bestsellers, e tantos outros títulos que geralmente já estão
vinculados na mídia televisiva, porque, afinal, mesmo as lojas de departamento também
devem focar num público alvo. O fato é que importa ao designer que deseja ter sucesso em
suas criações, observar os designs dos livros assim como o comportamento e as necessidades
do consumidor. Ver como a trajetória do cliente foi interrompida para olhar outra obra
enquanto passa pelos corredores, se a capa o ajudou a encontrar o título desejado facilmente
ou não, como ele manuseia o livro, o que realmente o influenciou a adquirir aquele item e se a
capa foi importante para a decisão da compra.
A tendência é que o designer relacione as capas dos segmentos, como
administração, ficção, terror, poesia e etc. com o seu público específico, notando os padrões
de idade, sexo, e vestimenta, fugindo de cair na cilada dos estereótipos (HASLAM, 2007). De
qualquer maneira, a capa sempre vai ser o primeiro contato do cliente com o livro, a princípio,
visual, depois, tátil. Afinal, a posse do produto começa quando os sentidos do comprador
começam a obter o produto, de acordo com Underhill (1999), que ainda declara que se
fôssemos às lojas somente quando precisássemos comprar algo e se, uma vez lá, só
comprássemos aquilo de que precisamos, a economia ruiria. Partindo dessa premissa o design
estratégico se faz necessário e é por isso que estamos falando de analise do ponto de venda,
pois assim podemos concretizar uma tática persuasiva para chamar a atenção dos clientes das
lojas e influenciarmos o cliente a comprar num repente que ele percebe um livro pela capa e
resolve tomá-lo em suas mãos. Conforme Escorel (2000), os produtos que se destacam num
mercado de muitas ofertas (e já mencionamos que a super oferta chega a ser um problema
para o mercado do livro), são aqueles que além de suas qualidades intrínsecas possuem uma
imagem forte, sintonizada com o desejo e as expectativas do público para o qual foram
concebidos. O capista ou o designer deve, sobretudo, conhecer história da arte, e em particular a da literatura, para estar habilitado a distinguir estilos e influências. Cultura é uma boa base para promover um encontro harmônico entre o verbal e o visual, sem banalizações ou reduções mediocrizantes (FERLAUTO, 2001, p. 65).
Um conjunto de técnicas aliado ao conhecimento advindo da psicologia, das ciências
cognitivas, da semiótica e da ergonomia aliados ao conhecimento sugerido por Cláudio
Ferlauto, faz o espectador compreender instantaneamente o fluxo lógico dos elementos da
mensagem visual e apreender seu conteúdo, assim, reforçando e intensificando as intenções
expressivas e controlando as respostas a serem alcançadas para que os elementos visuais
18
ressaltem o conteúdo e a forma, permitindo controlar significados (GONÇALVES;
LICHESKI, 2002).
4 Conclusão
Este trabalho se ocupou em demostrar através do acompanhamento da evolução
cronológica do mercado editorial brasileiro, o quanto o design gráfico agregou valor ao
instrumento cultural que é o livro, bem como os movimentos artísticos estiveram presentes na
transformação desse objeto e o identificando como um produto de elevado valor cultural.
Como também, reciprocamente, as obras literárias, em sua essência artística abasteceu o
design editorial de recursos para sua evolução, configuração e amadurecimento.
O empreendedorismo foi imprescindível para se começar a projetar o livro gráfica e
estrategicamente, como também podemos notar que a capa recebeu maior cuidado do que o
miolo desde os tempos do “padrão francês”, onde nela cuidava-se transmitir status do dono.
Posteriormente a capa recebeu a função de chamar a atenção para o objeto, e sobre essa base,
tornou-se uma rica fonte para apresentar a essência da obra e a identidade da sua editora. Por
conseguinte, o projeto gráfico do miolo foi adquirindo mais importância, e o livro foi tratado
como uma única peça, um único projeto.
É importante também ressaltar que, devido a grande oferta de volumes literários,
para criar uma capa eficaz e com valor cultural, é apropriado explorar o lado artístico peculiar
da obra literária, pelo seu valor cultural/intelectual e sua longevidade nas prateleiras dos
leitores e bibliotecas.
19
Book cover:
The design for a product of cultural value
Abstract
The book cover design in Brazil is being improved through a long process that begins
in the early years of the nineteenth century and extends to our times. Thus, the
entrepreneurship of some publishers, including Monteiro Lobato, was essential to the process
that led up to graphic design recognized the current level, the point of having experts in
creating covers. Added to this fact, note how cultural movements, over the decades, have
shaped and transformed the look of the books and how many Brazilian artists of their
generation were part of the construction of editorial design and visual identity of publishers.
Keywords: Book. Cover. Graphic Design.
20
5 Referências CARDOZO, Missila Loures. A atratividade da capa do livro no meio on-line. In: NP 04 – Produção Editorial, do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. 2005. DENSER, Márcia, MARANI, Márcia. As mil capas de Moema Cavalcanti. Revista D’Art, São Paulo, n. 7, p. 16-23, set. 2000. DUTRA, Eliana de Freitas, Companhia Editora Nacional: Tradição Editorial e cultura nacional no Brasil dos anos 30, In: I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial – Brasil. 2004b.Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: UFF, 2004. EARP, Fábio Sá. A economia da cadeia produtiva do livro. Rio de Janeiro: BNDES, 2005. ESCOREL, Ana Luisa. O efeito multiplicador do design. São Paulo: Ed. SENAC, 2004. FERLAUTO, Cláudio Augusto da rosa. O Livro da gráfica. São Paulo: Rosari, 2001. GONÇALVES, B. S.; LICKESKY, L. Percepção e cognição: alguns aspectos envolvidos no projeto de sinais gráficos. In: P & D 2002 - I Congresso Internacional de Pesquisa em Design-Brasil e V Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 2002, Brasília. Anais do P & D 2002 - I Congresso Internacional de Pesquisa em Design-Brasil e V Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 2002. HASLAM, Andrew. O livro e o designer II: como criar e produzir livros. São Paulo: Edições Rosari, 2007. IBOPE. Retratos da leitura no Brasil. Disponível em: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=48 [acessado em 22 de agosto de 2014]. LIMA, Edna Lúcia Cunha, FERREIRA, Márcia Christina, Santa Rosa e o design do livro modernista, In: P&D Design – Brasil. 1998b. Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: PUC – Rio, 1998. LIMA, Guilherme Cunha, MARIZ, Ana Sofia, Uma nova abordagem para o design do livro brasileiro: a experiência da editora Civilização Brasileira, 1950-1960, In: I International Conference of Information Design – Brasil. 2003b. Recife. Anais. Recife: SBDI, 2003. MARIZ, Ana Sofia, Editora Civilização Brasileira: O design gráfico de um projeto editorial (1959-1970), 2005. Dissertação de Mestrado em Design, PUC – Rio, Rio de Janeiro, RJ, 2005. NUNES, Alex dos Santos, BARBOSA, Vladimir de Abreu Braga, Quando o design projeta a capa: o design das capas de livros como ferramentas de promoção de vendas, 2009. Monografia em Design Gráfico, Instituto Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, RJ, 2009.
21
PERROTA, Isabella. Victor Burton. Rio de Janeiro: Viana & Moseley Editora, 2006. PAIXÃO, Fernando. Momentos do livro no Brasil. São Paulo: Ed. Ática, 1995. UNDERHILL, Paco. Vamos às compras! : a ciência do consumo. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.