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CAMPO PARA O AGRONEGÓCIO OU CAMPO PARA O CAMPONÊS? OS IMPACTOS DO AGRONEGÓCIO SOBRE AS RELAÇÕES CAMPESINAS NO
ESTADO DE GOIÁS
Ana Michelle Ferreira Tadeu dos Santos Universidade Estadual de Goiás-UFG/Unidade Universitária de Goiás
Francilane Eulália de Souza Universidade Estadual de Goiás-UFG/Unidade Universitária de Formosa
Qual projeto de campo queremos? SOUZA
Resumo O campo tem sido palco de grandes disputas e transformações, e nesse cenário estão inseridos os sujeitos que vivem do campo (camponês) e os sujeitos que vivem dos lucros do campo (latifundiários). Diante desse quadro, o objetivo desse trabalho é analisar os impactos do agronegócio sobre as relações campesinas no Estado de Goiás, dando ênfase ao impacto que esse modelo gera para a produção de alimentos. Assim foi realizada análise bibliográfica sobre a modernização, Revolução Verde e a expansão do agronegócio no Cerrado e no Estado de Goiás. Também, realizamos coleta de dados no sítio da Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informação de Goiás (SEPIN-GO), para levantamento dos dados referentes a diminuição da área colhida de arroz e feijão. Desse modo, averiguamos que o agronegócio tem se apropriado de terras que produz alimentos de primeira necessidade para o cultivo que visem à exportação. Palavras-chave: Campesinato. Agronegócio. Impactos.
Introdução O campo brasileiro tem vivido mudanças na sua estrutura ao ponto que o modelo
capitalista tem adentrado na dinâmica por meio do agronegócio e tem tentado construir
um modelo de campo voltado para os lucros. Nesse sentido, o campo tem si tornando
território de lutas e disputas, cujos sujeitos envolvidos são os autores do agronegócio e
os camponeses. Então, estamos diante de um questionamento fundamental: qual projeto
de campo queremos? Um campo para o agronegócio ou um campo para o camponês?
Nesse quadro, a luta pela terra, a luta pela educação no/do campo tem trazido a tona
discursões consistentes que se estabelecem para a preservação do sujeito principal do
campo, que é o camponês. Assim, o objetivo desse artigo é analisar os impactos do
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agronegócio sobre as relações campesinas no Estado de Goiás, dando ênfase ao impacto
que esse modelo gera para a produção de alimentos.
Para tanto utilizamos o levantamento e a análise de bibliografias referentes a
modernização da agricultura, o capital e o agronegócio. Ainda, analisamos o Cerrado
como celeiro do território do agronegócio e o Estado de Goiás como espaço de
expansão desse modelo. Desse modo, realizamos análise bibliográfica sobre a
modernização, Revolução Verde e a expansão do agronegócio no Cerrado e no Estado
de Goiás. Foi feita também coleta de dados na Superintendência de Estatística, Pesquisa
e Informação (SEPIN-GO) para levantamento dos dados referentes a diminuição da área
colhida durante o período 2000 a 2009.
Assim, iniciaremos esse trabalho com as discursões acerca dos elementos que
contribuíram para a modernização, para a industrialização da agricultura configurando o
agronegócio no campo. Posteriormente apresentamos o impacto da produção do
agronegócio para a produção de alimentos no Estado de Goiás.
A agricultura moderna para quem? Para que se possa analisar o agronegócio como elemento desarticulador do campesinato,
antes é preciso retomar os elementos que contribuíram para a modernização, que
culmina na industrialização da agricultura configurando o agronegócio no campo.
Dentre esses elementos a Revolução Verde se destaca como constituinte desse processo
de mudança empreendido na agricultura brasileira.
A partir de 1943 foi iniciada a Revolução Verde, empreitada pelo grupo financeiro
Rockeffeler. Esse grupo apresentou para o mundo um pacote composto por técnicas
agrícolas, das quais se baseavam em produzir em grande escala, e melhorar
geneticamente as sementes para ser possível produzir em solos pouco férteis.
De acordo com Brum (1988) a bandeira levantada por esse grupo foi o de que com o
uso dessas técnicas chegaria ao fim da fome mundial. Essa utopia criada em torno da
modernização da agricultura, de fato não ocorreu e até os dias atuais a fome persiste.
Isso é comprovado com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO, 2011) que divulgou que há no mundo aproximadamente um bilhão
de pessoas que são acometidas por desnutrição crônica, ou seja, pessoas famintas,
sedentas de comida. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO, 2011) ainda destaca que dessas pessoas famintas, 75% vivem no campo.
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Essa expressiva porcentagem no campo nos revela que todos os aparatos, maquinário,
técnicas de melhoramento genético possibilitou uma maior produtividade no campo e
maior rentabilidade para os grandes produtores rurais, mas não para a população do
campo. Nesse sentido, pode-se produzir mais, entretanto, essa produção financiada pelo
Estado orientada pela dinâmica do agronegócio, tem como eixo vertiginoso e estrutural,
excluir, em grande parte, os camponeses e tirar o foco da produção de alimentos,
produzindo produtos para o mercado com vistas à lucratividade.
Os objetivos intrínsecos, mascarados dessa revolução eram o de criar arranjos com
dependência de insumos e sementes agrícola, enfatizando assim as relações presentes
nos complexos agroindustriais com base na dependência estrutural da produção
agrícola. Segundo Kageyama et al (1990) a partir desse momento completa-se o
processo geral de industrialização, e se inicia um processo específico de industrialização
da agricultura com a lógica da indústria e os aparatos industriais, que eram
características da cidade, direcionando a produção agrícola no campo. Esse quadro
estabelece um novo modelo agrícola e do proletariado rural, que responderão pelo
fornecimento de capital e força de trabalho, que sustenta a nova dinâmica da
acumulação de capital no campo. Visto que esse padrão agrícola que se estabelece foi
produzido por uma classe voltada aos seus próprios interesses e por isso não favorece ao
camponês e nem ao campo.
Com a dinâmica dos Complexos Agroindustriais (CAIs), esse período foi caracterizado
pela intensa industrialização, onde a agricultura estava se transformando, em
consequência desse processo. Guimarães (1979, p.114) afirma que “à medida que se
industrializa, a agricultura passava de um nível inferior a um nível superior de
desempenho, mas isso também significava uma perda progressiva de sua autonomia e
de sua capacidade de decisão”.
Sobre a modernização da agricultura Kageyama et al diz que:
[...] por modernização se entende basicamente a mudança na base técnica da produção agrícola e que é representado pela introdução de máquinas, como tratores, além do uso de elementos químicos (fertilizantes, defensivos, etc.). (KAGEYAMA ET AL, 1990, p.133).
Então essa modernização se deu, em relação aos modos de produção, a maneira de
transformar e apropriar da natureza, sintetizando esse processo no apuramento de
técnicas e não de criação de novas técnicas. Nessa vertente de pensamento, concluímos
que a modernização, nesse parâmetro, representa uma alteração apenas do ponto de
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vista formal e da aparência da produção agrícola. Altera-se a forma (o maquinário, a
quantidade produzida, o tempo de safra), mas não se alteram as relações sociais de
produção.
Assim, tal modernização foi um processo que modificou as bases produtivas da
agricultura e impulsionou a novos patamares não só na produção, mas no modo de
produzir. Nesse cenário o camponês é visto como parte desse processo, entretanto é
visto ora como empecilho e ora como elemento normatizador de toda uma lógica do
capital.
Concomitante à modernização, surge a industrialização da agricultura. É esse processo
que modifica a lógica produtiva da agricultura, promovendo a ideia que “a agricultura
acaba se transformando em um ramo de produção da indústria”. (KAGEYAMA ET AL,
1990, p.113).
A modernização da agricultura também foi marcada, essencialmente, pelo
desenraizamento e a mutação espacial sem o comprometimento com as raízes dos
indivíduos e com grupos, promovendo o constante surgimento de novos objetos
tecnológicos. Assim, a modernização do campo, da agricultura brasileira é um projeto
feito a partir de um discurso ideológico desenvolvimentista, do progresso e da
racionalidade.
Não se afirma que a modernização é prejudicial, visto que por si só modernizar-se é
algo natural do homem, porém a coisa muda de figura quando essa modernização entra
na frente do ser-humano e o coloca em uma posição desigual. Essas mudanças oriundas
da modernização e da industrialização da agricultura são profundas a ponto desse
processo representar a subordinação da natureza ao capital, e de principalmente a
subordinação do trabalhador.
Diante das evidências deduzimos que o processo de transformação tecnológica do qual a
agricultura brasileira foi submetida, incorporando crescentemente insumos industriais
modernos e máquinas ao processo produtivo, só atendeu exclusivamente aos interesses
do capital que visa aumentar a produtividade, a lucratividade, reduzir os custos de
produção e apropriar-se da mais-valia.
Ainda segundo Brum (1988, p.104) nesse período “a agricultura foi forçada a integrar-
se na economia monopolista, de forma subordinada e dependente, transformando-se em
mero apêndice dos poderosos monopólios ou oligopólios industriais”, consolidando-se
os consórcios industriais: com as indústrias de cultivo, de processamento, de transporte
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e distribuição para o mercado. Sobre isso, Kageyama et al (1990, p.115) afirma que na
verdade, “pode-se dizer que hoje não existe mais apenas uma agricultura; existem vários
complexos agroindústrias, sendo que esse termo é utilizado para identificar conjuntos de
atividades fortemente relacionadas entre si”.
No tocante ao processo de modernização e de industrialização, cabe destacar que não
devemos apreender somente na perspectiva das mudanças na base técnica ou das
inovações tecnológicas, mas, sobretudo das mudanças ocorridas na relação homem-
natureza e nas relações sociais de produção e de trabalho, ou seja, capital x homem.
Nesse sentido, abordamos na próxima seção o capitalismo que se expressa no campo
por meio do agronegócio.
A tampa e o balaio: o capital e o agronegócio Sobre a dinâmica do capital no campo no Brasil, Oliveira (2009) ressalta que a
integração dos segmentos modernos da agropecuária às indústrias fornecedoras de
equipamentos, máquinas e insumos, foi um passo importante para o desenvolvimento do
modelo que é denominado de agronegócio. Tal modelo de produção tem sido defendido
como se fosse a única medida para manter o peso das exportações e sustentar a
economia brasileira.
Oliveira (2009) partindo-se da invalidade da argumentação de que o agronegócio é a
solução para o desenvolvimento do país, para o aumento da participação no comércio
exterior e para a manutenção da riqueza do país levanta questionamentos acerca da
verossimilhança desse discurso que visa criar uma figura de “bom moço” do
agronegócio convencendo a sociedade de seus benefícios, para que essa aceite todos os
impactos causados por esse modelo de produção visando os “lucros” que o agronegócio
gera.
Desse modo devemos reconhecer que o agronegócio com as suas especificidades têm
acentuado as suas bases e fortalecido as suas características no Brasil, ou seja, o
agronegócio tem traços mais fortes no final século XX e início do século XXI do que na
década de 1950, ano do seu surgimento.
No Brasil no final da década de 1990, o termo Complexo Agroindustrial, é substituído
pelo termo agronegócio. Souza (2011a) afirma que nesse período houve a ampliação do
território do agronegócio, no Brasil o que tem impulsionado as dualidades no campo,
marcadas pelas relações de domínio e conflitos. Essas relações passaram por muitas
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modificações ao longo do tempo, mas a sua característica básica que é a exploração da
terra, a dependência da agricultura, subordinando-a lógica do capital e a exploração do
campo e do camponês, não se perdeu, ao contrário, se intensificou travestida com novas
roupagens.
Como discurso predominante para se manter, o agronegócio tenta convencer todos de
que é só o agronegócio que é modelo ideal para o desenvolvimento do país, pois além
de gerar emprego e renda é responsável pela maior parte da produção e das exportações
brasileiras é moderno, eficiente e competitivo, além de ser uma atividade próspera e
rentável. A mídia também reforça a importância do agronegócio, pois ao divulgar os
resultados das safras anuais credita-os exclusivamente a este modelo.
Esse discurso frequentemente disseminado é fruto da ideologia dos grandes produtores
que, na sua maioria, buscam pressionar o governo, com seus “fantásticos” números que
é o agronegócio, e somente ele gera crescimento econômico para a agricultura do país.
Como exemplo percebemos que segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA, 2011), o agronegócio é responsável por 34% do PIB, por 36%
do total de exportações e por 37% dos empregos gerados no Brasil. Outra notícia
vinculada na revista eletrônica do Globo Rural, afirma que:
Os seis primeiros meses de 2011, a balança comercial do agronegócio registrou superávit de US$ 34,7 bilhões. De acordo com o Ministério da Agricultura, que divulgou nesta quarta-feira (13/7) os dados, houve um aumento de 20,5% em relação ao saldo do mesmo período do ano passado, que chegou a US$ 28,8 bilhões. As exportações somaram US$ 43,1 bilhões, um crescimento de 23,4%, e as importações, US$ 8,3 bilhões, um aumento de 36,8%. (REVISTA GLOBO RURAL, 2011).
A revista supracitada destaca que o principal responsável pelo resultado positivo da
balança foi o aumento das exportações do complexo de soja (grão, farelo e óleo), de
carnes, do complexo sucroalcooleiro (etanol e açúcar), de produtos florestais e de café.
Juntos, esses produtos representam 82,4% do total das exportações no período.
Esses números têm a finalidade de representar o agronegócio fixando-o como
responsável pelos números positivos da economia brasileira cujo foco é apresentar que
os grãos produzidos para a exportação sustentam toda a dinâmica econômica brasileira.
Todavia, entendemos que a produção do agronegócio que visa o mercado externo,
diante da produção campesina não daria conta de sustentar a economia e a mesa da
população brasileira. O fato é que os números não sustentam os vários financiamentos
do governo para esse sistema.
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Entendemos então que a modernização assim bem como a industrialização do campo de
maneira geral, não beneficiou ao homem do campo, mas sim ao grande latifundiário, ao
capitalista voraz e a própria ordem do capital. Visto que enquanto o camponês vive no
campo e do campo esses autores do agronegócio vivem dos lucros do campo sem
apresentar qualquer relação além da lucratividade com esse território.
Diante dessa afirmação fica claro que a agricultura moderna com a presença da indústria
não esta para todos e não é para todos confirmando-se como um modo de produção
excludente. Assim sendo a agricultura dita moderna caracterizada pela gerencia de
empresários do agronegócio, personificada por meio do complexo agroindustrial, onde a
grande empresa rural é artífice de uma nova dinâmica no campo, de um novo
reordenamento econômico na agricultura que prejudica o campo e aqueles que dele se
mantêm.
Como percebemos o campo brasileiro mudou, o rural de hoje não é o mesmo de ontem.
Sobre essas mudanças reconhecemos que os aspectos econômicos, culturais e sociais
seguiram essa dinâmica. Nesse contexto estas transformações não foram suficientes
para melhorar a realidade dos sujeitos do campo, uma vez que o trabalhador convive em
uma disputa constante para se manter.
Nesse sentido discutiremos na próxima seção mais sobre o agronegócio que se
estabelece no campo para promover lucros e rentabilidade para poucos.
Agronegócio: rentabilidade e lucratividade para poucos Partindo do pressuposto que o capital agroindustrial tem produzido um conjunto de
mudanças no campo, das quais se expressam do ponto estrutural da sua dinâmica que
gera conflitos entre capital x homem, procuraremos averiguar os postulados teóricos do
agronegócio, assim como seu processo de gestação para analisar sua influência no
estágio atual de desenvolvimento tecnológico e produtivo no campo que constrói
relações desiguais de produção e superexploração do campo em desordem do camponês.
Ressaltamos que percebemos o agronegócio não somente como um termo utilizado
como modismo, utilizado para definir um modelo desenvolvimentista econômico
agroindustrial, mas também como um modelo que possui uma carga ideológica para
estabelecer a personificação do capitalismo na agricultura, explorando por meio do
trabalho exploratório o homem.
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Acrescentamos ainda que o agronegócio se “veste” de um discurso vazio disseminando
que é um modelo produtivo, que gera emprego, maior produtividade, novas tecnologias,
rentabilidade e ainda, que é necessário para o campo, tentando assim mascarar o que
traz na sua essência, que é a lógica industrial de produção e acumulação de riqueza por
meio da expropriação e da exploração do trabalhador no campo.
Analisamos então que na sua dinâmica estrutural o agronegócio só existe porque
desterritorializa os indivíduos, desconstruindo territorialmente os sujeitos que possuem
relação de sobrevivência com o campo, ou seja, o agronegócio explora o outro como
sendo isso parte da sua lógica de construção e soberania. Sintetizando isso Martins
(1995, p. 160) afirma que “[...] o capital, monopolizando os meios de produção, impede
que o trabalhador trabalhe por sua conta; só lhe resta trabalhar para o capital”.
É importante também salientar que nesse sistema econômico, social, cultural e
ideológico do agronegócio, a mídia tem papel importante para difundir resultados
atribuindo-os à “façanha” agroindustrial. Oliveira (2009) refletindo sobre a influência
que a mídia exerce para a valorização do agronegócio afirma que estrategicamente o
agronegócio se apropria dos resultados da produção agropecuária, como se o mérito da
produção neste país fosse só seu, negando a agricultura camponesa, que é responsável
por grande parte da produção de alimentos básicos.
Desse modo constatamos que o agronegócio não é fruto interno de si mesmo. Esse
modelo de organização da produção e das relações que se estabelecem a cerca do
campo, é reflexo de uma dinâmica produzida pelo capital, no modo de produção
capitalista. Assim sendo, o agronegócio é uma vertente do capitalismo, onde a sua
“tendência é dominar tudo, subordinar todos os setores e ramos da produção e, pouco a
pouco, ele o faz”. (MARTINS, 1995, p. 160).
No tocante ao processo de modernização e de industrialização, cabe destacar que não
devemos apreendê-lo somente na perspectiva das mudanças na base técnica ou das
inovações tecnológicas, mas, sobretudo das mudanças ocorridas na relação homem-
natureza e nas relações sociais de produção, ou seja, capital x homem.
Portanto, essa é a dinâmica concebida pelo capital, que não visa o fortalecimento
político, social e cultural do camponês, mas o subalterniza, numa relação desumana e
cruel.
Nesse sentido, Fernandes (2011) afirma que:
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[...] no mundo inteiro o campesinato esta sendo desapropriado, o campesinato esta sendo expulso da terra, mas também no mundo inteiro esse campesinato esta se recriando, esse campesinato tá lutando pela terra. [...] a resistência do campesinato esta na luta contra o capital, quer dizer é na luta contra o capital, é na luta contra o capitalismo que o camponês se recria [enfático], porque a lógica do capital é a destruição do próprio camponês, mas é uma contradição nesse processo, a contradição é que o capital também recria o camponês. (FERNANDES, 2011, p.182).
O campo brasileiro mudou e o Cerrado e o Estado de Goiás seguem essa ordem. Assim
discorreremos mais sobre a expansão do território do agronegócio no Cerrado.
O Cerrado como celeiro da expansão do território do agronegócio Até meados da década de 1970 predomina a ideia de que o Cerrado não possuía
capacidade de produção agrícola que atendesse aos interesses comerciais, prestando-se
tão somente à pecuária extensiva de baixa intensidade e ao extrativismo, em especial ao
de madeira para produzir carvão. Era propagado o discurso ideológico de que o Cerrado
não era terra produtiva, criando assim uma fala que denegria as espécies vegetais e
animais que estão nesse ecossistema.
Assim sendo, é necessário explanar que a ocupação de áreas dos Cerrados que foi
elaborada a partir de uma construção ideológico para assegurar os interesses do capital
industrial, garantindo assim a implementação da modernidade. Sobre isso Mendonça
(2004) destaca que foi criada uma ideologia de que o Cerrado era uma região pobre e
sem condições para oferecer subsídios naturais. Esse artifício serviu para anos depois o
Cerrado ser vítima da tecnologia e da modernização para plantações extensivas e
cultivos visando o mercado externo.
Esse fato iniciou-se a partir dos anos de 1970, pois foram implementadas políticas
públicas de incentivo ao setor agropecuário e ocorreram avanços tecnológicos que
possibilitaram novas formas de exploração do Cerrado no Estado de Goiás. Dentre
esses programas destacam-se os de maior expressividade como o Programa para o
Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO) e o Programa de Cooperação Nipo-
brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER).
Souza (2011a) afirma que POLOCENTRO e o PRODECER formam o processo de
consolidação do agronegócio no Estado de Goiás que também foram escolhidos para
programar a modernização da agricultura, a partir da produção de produtos para a
exportação e para a geração de “negócios” no campo.
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Além desses a implementação do modelo agroindustrial se consolidou com
investimentos na pesquisa desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA) e a Empresa de Assistência Técnica (EMATER) que
estruturou pesquisas sobre as variantes de sementes e técnicas com a finalidade da
produção em grande escala no bioma Cerrado.
Concluindo a influência desses programas para os Cerrados, Souza (2011a) constata
que: A implantação desses programas potencializou a expansão da fronteira agrícola nessa região, ligada, principalmente às commodities. No primeiro momento, houve mudança nas técnicas de produção com a adoção de implementos químicos e industriais, e ainda, a forte produção de grãos, especialmente de soja. Posteriormente, houve a formação de cooperativas, agroindústrias locais e deslocamento das agroindústrias multinacionais, que objetivavam aproveitar o potencial agrícola da região, além das indústrias de maquinários, tecnologia e vários outros aparatos que consolidaram o território do agronegócio. (SOUZA, 2011a, p. 101).
Essa ocupação do Cerrado descrita é fruto de investimentos do Estado e impulsos do
pacote tecnológico da Revolução Verde, o que constituiu um território material, que
reflete o modo como os indivíduos ou grupos poderosos dominam a organização e a
produção do espaço mediante recursos legais e ilegais. Esse domínio do território, de
acordo com Souza (2011b, p.57) “demostra também a desterritorialização do
campesinato, a redução das relações campesinas e do modo de vida camponês”.
Esses programas não tinham a finalidade de fomentar o Cerrado nem tão pouco
valorizar as potencialidades presentes nesse bioma para a preservação dos aspectos
físicos naturais e socias, a intenção do POLOCENTRO e o PRODECER são de
financiar e investir nas empresas privadas, fomentando a indústria e apropriação dos
recursos do Cerrado para a obtenção de lucros, consolidando assim no território do
Cerrado o território da dinâmica do capital do agronegócio.
Programas assim existem para permear o campo como lugar de produção para o capital,
fortalecendo o território do agronegócio em detrimento das relações campesinas,
negando as contribuições do camponês para a sociedade. Nesse sentido, o camponês
cada vez mais é posto em posição de subalterno no modo de produzir capitalista.
O Estado de Goiás se inseriu nesse contexto e se torna território do agronegócio. Na
próxima seção discorreremos mais sobre essa expansão no estado.
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O Estado de Goiás: expansão recente do território do agronegócio O modelo de produção com base no agronegócio alimenta e impulsiona toda a dinâmica
mercadológica da produção para o capitalismo no campo, ao ponto desse novo cenário
abranger o Estado de Goiás como território do agronegócio.
Esse contexto esta configurando o Estado de Goiás como território agrícola importante
para o agronegócio. Isso constrói cada vez mais um campo mecanizado e com
plantações tomadas por grãos. Diante desse cenário em que o campo toma outras
conotações, podemos indagar com Souza (2011b, p. 60) que questiona: “[...] qual
projeto de campo queremos?”.
Pensar sobre isso é pensar que enquanto o campo do agronegócio tem sido marcado por
aparatos tecnológicos, o campo do camponês esta sendo submetido à combinação de
fatores, tais como pouco acesso a desenvolvimento tecnológico e concentração das
terras agricultáveis nas mãos dos grandes latifundiários. Esse tem sido o campo que esta
sendo construído com base na instituição das relações do capitalismo na agricultura,
configurando assim a submissão das famílias dos camponeses á relações de
extremamente expropriatórios: expropriados das terras; do modo de vida campesino e
dos direitos inerentes aos cidadãos.
Percebemos que existe uma disputa entre o território do agronegócio e o território da
produção de arroz e feijão. Fica claro que nessa disputa conflituosa a produção de
alimentos tem sido impactada pela produção das lavouras de soja e cana, promovendo
assim reflexos na alimentação do estado.
Esse fato vem reafirmando os direcionamentos agroexportadores na dinâmica do Brasil
sintetizando uma relação de apropriação de territórios com base na afirmação do
agronegócio como elemento fundamental para a agricultura, não para a produção
alimentícia, mas para a produção visando a exportação. Essa “disputa” entre
agronegócio e produtos alimentícios pode ser comprovada quando se observa o gráfico
1.
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Gráfico 1-Diminuição da área colhida (ha) de arroz no Estado de Goiás entre 2000 a 2009
Diminuição da área colhida (ha) de arroz no Estado de Goiás entre 2000 a 2009
050000
100000150000200000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Ano
Áre
a co
lhid
a (h
a)
Fonte – SEPIN-GO (2011) Org.- SANTOS A. M. F. T. dos. (2011). Esse gráfico aponta que no Estado de Goiás a quantidade de arroz produzida por hectare
no ano de 2000 era de 294.629 e reduzi no ano de 2009 para 252.582 hectares, sofrendo
assim uma redução de 14% no intervalo de nove anos.
Sobre a produção de feijão, podemos visualizar no gráfico 2.
Gráfico 2- Diminuição da área colhida (há) de feijão no Estado de Goiás entre 2000 a 2009
Diminuição da área colhida (ha) de feijão no Estado de Goiás entre 2000 a 2009
0
50000
100000
150000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Ano
Áre
a co
lhid
a (h
a)
Fonte - SEPIN-GO (2011) Org.-SANTOS, A. M. F. T. dos. (2011).
Com base no gráfico e nos números disponíveis no site da Goiás (2011) a produção de
feijão demostrou aumento de 23% na área colhida por hectare, passando no ano de 2000
de 200.415 (ha) para 261.929 (ha) no ano de 2009. Isso pode ser explicado por que essa
cultura é utilizada para exportação e possui valor atrativo no mercado. Contudo se
pensar no aumento de 22% da população no Estado de Goiás, esse aumento chega a ser
irrisório,
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Tal fato não é mera coincidência, pois percebemos ainda mais o recuo considerado da
produção de alimentos quando observamos que muitas terras que eram utilizadas para
produzir arroz e feijão. Desse modo, impõe-se uma estrutura, onde, o cultivo de
produtos de primeira necessidade são substituídos por cultivo para exportação.
Isso demostra que o campo é lugar de produção alimentícia e referência de “fartura”,
tem perdido a conotação de território de produção e de trabalho para território de
produções com monoculturas e de máquinas agrícolas.
Souza (2011b) atenta sobre a visão reducionista que é pensar no campo como um viés
da sociedade apenas do patamar econômico. Pensar em um campo voltado meramente
para a economia é simplesmente esquecer os sujeitos que constroem o campo nas
variadas dimensões que incluem a econômica e principalmente a social e cultural.
Diante disso levantamos algumas considerações acerca de todas as discussões
realizadas.
Considerações finais O campesinato é uma porção da população que luta para viver e para continuar
reproduzindo seu modo de produzir mercadoria no campo. Nesse contexto, cada vez
mais o agronegócio tende a desarticular o modelo campesino, reafirmando os preceitos
do capitalismo por meio de programas criados para fortalecê-lo.
Nesse quadro que se estabelece numa perspectiva quase que mundial, o Estado de Goiás
tem sido palco de apropriação de território para o agronegócio de grãos, uma vez que
segundo dados de Goiás (2011) é o 2° colocado na produção de soja e tem destaque na
produção de grãos voltado para a exportação. Isso tem gerado impactos para as relações
campesinas e para a produção de alimentos no estado, como o recuo da produção de
arroz e o pouco avanço da produção de feijão.
O fato é que diante dessa realidade em que o campo se torna palco de uma disputa da
produção de alimentos e preservação dos sujeitos que se relacionam com o campo, com
o agronegócio e o capital. Assim, o campesinato tem sido responsável por uma grande
parcela da produção de alimentos para a sociedade. Daí o capitalismo “suportar” esse
modo de produção.
Mesmo sendo uma luta que não cessa, o campesinato tem resistido e se mostra como
uma classe à parte, pois não depende diretamente do modo politico ou econômico
vigente, já que a sua lógica esta além disso. Confirmando isso, Souza (2011b, p. 62)
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outrora afirma que “o camponês vem reagindo e se recriando a partir da luta pela terra e
se reterritorializando mediante os assentamentos o Estado de Goiás”. Ainda, a autora
constara que desse modo, o agronegócio encontra resistência para se expandir. E é por
meio dessa resistência, dessa luta territorial que é preciso pensar que campo queremos?
Se é um campo com máquinas, com soja e cana a perder de vista ou um campo que
produz para a vida, não para a subsistência, mas para a existência.
Em meio a essa trincheira é preciso pensar no campo e na cidade como um território de
vida e de perpetuação de um modo de produzir que contribua significativamente para a
sociedade e para a produção de alimentos. Pensando assim, estaremos projetando um
campo e uma cidade com ênfase na valorização e não no massacre.
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