Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das...

download Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

of 16

Transcript of Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das...

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    1/16

     

    Educação e Pesquisa

    ISSN: 1517-9702

    [email protected]

    Universidade de São Paulo

    Brasil

    de Cássia Pereira Lima, Rita; Faria Campos, Pedro Humberto

    Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das

    representações sociais

    Educação e Pesquisa, vol. 41, núm. 1, enero-marzo, 2015, pp. 63-77

    Universidade de São Paulo

    São Paulo, Brasil

    Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=29835330005

      Como citar este artigo

      Número completo

      Mais artigos

      Home da revista no Redalyc

    Sistema de Informação Científica

    Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

    Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

    http://www.redalyc.org/revista.oa?id=298http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=29835330005http://www.redalyc.org/comocitar.oa?id=29835330005http://www.redalyc.org/fasciculo.oa?id=298&numero=35330http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=29835330005http://www.redalyc.org/revista.oa?id=298http://www.redalyc.org/http://www.redalyc.org/revista.oa?id=298http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=29835330005http://www.redalyc.org/fasciculo.oa?id=298&numero=35330http://www.redalyc.org/comocitar.oa?id=29835330005http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=29835330005http://www.redalyc.org/revista.oa?id=298http://www.redalyc.org/revista.oa?id=298

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    2/16

    63Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre

    Bourdieu e a teoria moscoviciana das representações sociais

    Rita de Cássia Pereira LimaI

    Pedro Humberto Faria CamposI

    Resumo

    O objetivo deste artigo é examinar a visão da realidade (ou doespaço) social no pensamento de Pierre Bourdieu e na teoria dasrepresentações sociais (TRS) de Serge Moscovici, tomando pordesencadeador uma discussão sobre a noção de campo, propostapor Bourdieu, particularmente quando expõe a sociologia do gosto,e a noção de grupo na TRS. Na sociologia de Bourdieu, o campo éorganizado por princípios como capital econômico e capital cultural,supondo lutas no espaço social, conforme posições sociais, habituse práticas culturais dos agentes. Na teoria das representações sociais(TRS), os grupos, em suas comunicações, voltam-se para o campode um objeto que os mobiliza, supondo igualdade na relação deseus membros ao construírem um conhecimento do senso comum,consensual, a respeito desse objeto. Em uma sociologia do gostodos artistas, por exemplo, o sociólogo de inspiração bourdiesianapode fazer também um quadro das práticas sociais desse grupo, nãosomente as referentes a um único objeto (arte). Porém, Bourdieuparece não se ater ao estudo de grupos. Paralelamente, pode-sereprovar os estudiosos de representação social por nem sempredarem importância suficiente à base dos objetos materiais. Os doisautores têm em comum o fato de privilegiarem a dimensão simbólicana construção da realidade social. Têm também como desafiocomum superar a dicotomia subjetividade x objetividade na relaçãoindivíduo-sociedade. Por meio dessa aproximação conceitual,o texto busca constituir um olhar psicossocial para a educação,particularmente a escola, sem adotar de antemão uma teoria(TRS) em detrimento da outra (Bourdieu), mas problematizando-asreciprocamente.

    Palavras-chave

    Teoria dos campos — Grupos — Teoria das representações sociais —Escola — Educação.I- Universidade Estácio de Sá

    (UNESA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Contatos: [email protected];

    [email protected]

    http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022015011454

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    3/16

    64 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    Field and group:  a conceptual approximation between Pierre

    Bourdieu and the social representation theory of Moscovici 

    Rita de Cássia Pereira LimaI

    Pedro Humberto Faria CamposI

     Abstract 

    The aim of this article is to examine the view of social reality

    (or social space) both in Pierre Bourdieu’s thinking and in Serge

    Moscovici’s social representation theory (SRT), starting from

    a discussion on Bourdieu’s notion of field, particularly when he

    explains the sociology of taste, and on the notion of group in SRT.

    In Bourdieu’s sociology, the field is organized by principles such

    as economic and cultural capital, assuming that struggles occur in

    the social space according to agents’ social positions, habitus, andcultural practices. In the social representation theory (SRT), groups

    orient themselves, in their communication, towards the field of an

    object that mobilizes them, assuming that there is equality in the

    relationships of members as they build consensual, common sense

    knowledge about this object. In a sociology of the taste of artists, for

    example, the Bourdieusian sociologist can also make a description

    of the social practices in this group, rather than describing only

     practices referring to a single object (art). However, Bourdieu does

    not seem to focus on the study of groups. On the other hand,

    social representation researchers could be criticized for not always

    giving enough importance to the foundation of material objects.

    Both authors have in common the fact of privileging the symbolic

    dimension in the construction of social reality. They also have in

    common the challenge of overcoming the subjectivity-objectivity

    dichotomy in the individual-society relationship. By means of such

    conceptual approximation, the article aims to build a psychosocial

    view of education, particularly of the school, without adopting in

    advance one theory (SRT) to the detriment of the other (Bourdieu). 

    Keywords 

    Field theory — Groups — Social representation theory — School —

    Education.

    I- Universidade Estácio de Sá(UNESA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Contacts: [email protected];

    [email protected]

    http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022015011454

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    4/16

    65Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    Introdução

    Há algum tempo, um mal-estar atormen-ta os estudos que se fundam na teoria das repre-sentações sociais (TRS) para tentar compreenderfenômenos no campo da educação. O incômodonão é menor do lado de alguns construtivismosatuais, muito zelosos da noção de subjetivida-de , contra os determinismos ditos não-críticos.Porém, considerando seu maior afastamento docampo próprio da sociologia, estes (os constru-tivistas sócio-históricos) parecem atualmenteensimesmados o suficiente para não apreciaremum debate interteorias  ou, como preferem ospós-modernistas, um debate transteórico.

    O mal-estar refere-se, não por acaso,ao desafio que se colocaram autores comoBourdieu e Moscovici quanto a superar adicotomia subjetividade x objetividade narelação indivíduo-sociedade. Em um primeiromomento, esse ponto comum pode conduzirpesquisadores da área da educação, incluindoestudantes de pós-graduação, a estabeleceremrelações próximas entre Bourdieu e a TRSproposta por Moscovici (1976), correndo o riscode simplificarem aquilo que não é simples.O presente artigo busca compreender melhorcertos princípios teóricos defendidos pelosautores, inseridos respectivamente na sociologiae na psicologia social, enfatizando a relevânciadessa aproximação conceitual para fundamentarquestões complexas ligadas à educação.

    Desde o início de suas respectivascarreiras acadêmicas, uma atitude é fundantedo pensamento de Bourdieu e de Moscovici:retomar o valor da dimensão simbólica naconstrução da realidade social, sem buscarestruturas de base  déjá là, como inspirariaa obra de Lévi-Strauss. Inspirados pelo, e emruptura com o, pensamento de Lévi-Strauss,assim podemos situar, não sem levantar algumdebate, as obras dos dois autores que oraenfocamos. A visão do espaço social comocomposto de campos nos quais estruturas eformações simbólicas constituem um todo,uma única realidade articulada, impõe-se em

    ruptura com o determinismo estruturante dasnoções de classe social e modo de produção.Ruptura, igualmente, com o determinismo ditode esquerda, sem retorno aos determinismosherdeiros de Hobbes, Durkheim e Weber.

     A atitude epistêmica dessa ruptura e aintenção de integrar subjetividade e objetividadenão bastam para fundamentar uma visãode realidade social. Estruturas, instituições,grupos,  habitus, práticas, papéis, identidade,podem se amalgamar em uma afirmativa queparece unir a todos: o social é uma construção.O cenário é de lusco-fusco: pode-se afirmarque enxergamos a realidade social, pois aindanão está escuro, mas a imagem que se ofereceà retina é fosca. Um olhar psicossocial seapresenta como fogo-fátuo que a sociologianão mede esforços para exorcizar, debatendo-secom os conceitos de identidade ou de trajetória(DUBAR, 2009; DUBET, 1994; LAHIRE, 2002).

    O mal-estar já referido pode serinterrogado em suas margens: como abordara escola como uma instituição social, maisprecisamente, como  evento  psicossocial? Aescola, com seu espaço, seu território, suascondições de trabalho, seus horários, rotinas,normas, seus procedimentos (planejamento,avaliação, ensino, atividades lúdicas, entreoutros). A escola pública em sua dupla injunçãoidentitária: instituição escolar (lócus da relaçãoensino-aprendizagem, da transmissão e daprodução de conhecimento) e a instituiçãopública, aparelho de Estado. Ou a escolaprivada, em sua tripla injunção identitária:escola, empresa e, também, aparelho de Estado.

     A escola pode ser estudada em sua dimen-são institucional, recortada em vários elementosque marcam seu peso de espaço ou de realidadesocial instituída. O problema é que, ao fazê-lo, as-sim, por partes, quebra-se qualquer possibilidadede ruptura, pois a descrição do instituído é a forçada reprodução. Como se a escola fosse o sítio mes-mo da desigualdade, a fonte da reprodução, da di- visão social do trabalho, da diferença de gênerose de toda dominação deles derivados. A narrativapossível, nessa perspectiva, seria de grande ironia:

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    5/16

    6666 Rita de Cássia P. LIMA; Pedro Humberto F. CAMPOS. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu...

    a escola pensada pelos iluministas como práticasocial de produção da nova ordem para combatero tradicionalismo e a aristocracia (l’ancien regi-me ), sonhada como aparelho da República paracriar e sustentar o novo, findaria por se tornara máquina da reprodução, para adaptar os indi- víduos à sociedade do contrato social (desigual!).

    Esse olhar para a escola permite interrogara distância entre o pensamento de Bourdieu (1979,1980, 1982, 1984a, 1984b, 1986, 1987, 1989, 1991,1994, 1998) e a teoria das representações sociais(MOSCOVICI, 1976, 1986, 2003), com a finalidadede alcançar um terceiro prisma de investigação,outro parâmetro para abordar a instituição escolarcomo componente de uma realidade social.Ou seja, buscamos a constituição de um olharpsicossocial, sem adotar de antemão uma dasteorias (TRS) em detrimento da outra (Bourdieu),mas problematizando-as reciprocamente. Duaschaves de leitura são introduzidas e anunciadas depronto: na visão (comum a ambos pensadores) doespaço social como espaço constituído por e atravésdo conflito social, o campo é necessariamentecampo de tensões; a segunda chave de leitura éa postulação, ou não, nos dois autores, de umaexplicação para a mudança social. O conflitosocial é o motor da mudança. Porém, o que nós vamos buscar como segunda chave de leitura éo entendimento e a explicitação da natureza dosprocessos de mudança, a partir de um conjunto deconceitos que cada teoria estabelece como o escopodessa mudança.

    Nesse quadro, o presente trabalho sepropõe a examinar a visão da realidade (oudo espaço) social na TRS e no pensamento deBourdieu, tomando por desencadeador umadiscussão sobre a noção de campo, propostapor Bourdieu (1979), particularmente quandoexpõe a sociologia do gosto, e a noção degrupo na TRS. Ambas serão interrogadas emreferência à importância da noção de campo(campo social, em Bourdieu; campo do objetode representação, em Moscovici).

    Podemos ainda avançar uma hipótesede trabalho, a qual justificaria um ganho nessaarticulação: a concepção de Bourdieu permite e

    incita à percepção do espaço social (com sua visãodo campo) como espaço de conflitos (tensões),mas não oferece os recursos conceituais paraevidenciar os processos de mudança, a dinâmicamesma da mudança, particularmente quandoesta concerne interações grupais; e, de modoinversamente complementar, a TRS apresentauma visão mais homogênea do espaço (com asnoções de campo do objeto de representações e“ancoragem1), na qual pode-se ou não explicitaros conflitos, porém permite identificar e examinaros processos de interação social (seja pela viados agentes indivíduos, grupos e instituições,seja pelo estudo das relações entre formaçõessimbólicas e estruturas, representações sociais egrupos), e evidencia a dinâmica do conflito e damudança. De modo sintético, podemos pensar,como hipótese de trabalho, que Bourdieu nosincita a olhar para a realidade social (a sociedaderecortada em campos de lutas), conquantoMoscovici nos instrumentaliza para olhar osconflitos em operação (mis-en-marche ), sob aperspectiva de indivíduos e grupos concretos, vivos, cotidianos.

     A sociologia do gosto: padrões

    de gostos, padrões de habitus , grupos

    sociais?

    Bourdieu (1987) faz referência a campos,no domínio da sociologia, associando-os ao quese nomeia comumente classes sociais, porém coma intenção de ampliar e avançar esse conceito deKarl Marx. De acordo com o autor (BOURDIEU,1994), as classes sociais são classes lógicasdeterminadas teoricamente pela delimitação deum conjunto de agentes que ocupam a mesmaposição no espaço social. Bourdieu contesta essaideia ao afirmar que o espaço social é construídopor diferentes tipos de capital – o econômico, ocultural, o social e o simbólico –, cuja distribuiçãoresulta em um espaço estruturado por campos

    1- Processo formador da representação social (em articulação àobjetivação), diz respeito ao enraizamento social da representação.Classifica algo, em princípio ameaçador, comparando-o com um protótipo

     já familiar aos sujeitos, como se algo perdido fosse ancorado no espaçosocial das pessoas (MOSCOVICI, 2003).

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    6/16

    67Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    concebidos como mercados onde se confrontamtais capitais.

    Segundo o autor (BOURDIEU, 1979),a noção de capital supõe primeiramente aabordagem econômica, devido à analogia comsuas propriedades: acumulação por operaçõesde investimento financeiro, transmissão porherança, o que permite aos agentes negociarrendimentos em diversos campos sociais.Quando se refere ao capital cultural, acumuladopor meio da aquisição de cultura, o autor retomaos diferentes tipos de capital que estruturam oespaço social: o econômico (renda, patrimônio,bens materiais); o social (relações sociais doindivíduo, que refletem sociabilidade, comoconvites recíprocos e lazer); o simbólico (rituais,protocolos ligados à honra). Bourdieu (1979)afirma que a acumulação de capital se reverte emluta no espaço social, pois tem papel relevanteem termos de reprodução social, principalmentena forma escolar, envolvendo lutas simbólicas,por meio das quais ocorre reconversão de capitaleconômico em capital cultural2.

    O filme  O gosto dos outros, de AgnèsJaoui3, permite inicialmente associação coma ideia de campos no âmbito da sociologia dogosto, de Bourdieu, particularmente no que serefere às reflexões teóricas que o autor expõeem La Distinction – Critique sociale du jugement  (1979), ao apresentar um estudo empírico sobrea cultura francesa há cerca de 40 anos. Nessaobra, o autor propõe que o gosto reflete lutasque acontecem no campo da classe dominante eno campo da produção cultural. O filme mostraconflitos que envolvem o gosto de pessoasde diferentes ambientes socioculturais – umempresário bem-sucedido economicamente e suamulher decoradora, uma atriz também

     

    professorade inglês, uma garçonete que complementa rendatraficando drogas, um motorista também flautistaamador, um guarda-costas –, especialmente asdificuldades do empresário detentor de capital

    2- Posteriormente, em La domination masculine , Bourdieu (1998) propõeoutro princípio que também sustenta lutas simbólicas no espaço social: ogênero, devido à dominação de homens sobre mulheres em nossa sociedade.

    3- Originalmente Le goût des autres , lançado nos cinemas francesesem 2000.

    econômico, porém sem capital cultural suficientepara ser aceito no ambiente artístico. A relaçãoentre o filme e a sociologia de Bourdieu já foipensada por alguns (VERGARA; MAGNI, 2008;GROGNET, 2008; BELLAVANCE; VALEX; RATTÉ,2004; DABÈNE, 2002), pois a estratificação socialdos gostos dos personagens pode se fundamentarna correlação entre práticas culturais e estruturasocial, fazendo pensar em conceitos como habitus e capital cultural e na teoria dos campos,propostos pelo autor.

     Ao propor uma sociologia do gosto,Bourdieu (1979) privilegia a análise dedisposições e de julgamentos estéticos,considerando-os produto de lutas entre grupossociais. De acordo com o autor, o gosto(preferências manifestadas) é o princípio do quetemos e do que somos para os outros, do paraque nos classificamos e somos classificados.É a afirmação prática de uma diferençareconhecida, sobretudo na aversão por estilosde vida diferentes, que se constitui em uma fortebarreira entre as classes. Em tantos espaços depreferências e universos possíveis de estilos –águas minerais, vinhos, carros, jornais, locaispara férias, móveis, decorações de casas e de jardins, programas políticos –, traços distintivosexpressam diferenças sociais, conduzindo àbusca da distinção.

    Bourdieu (1979) se refere à cultura emdois sentidos: obras culturais, por um lado,e maneiras de sentir e de fazer próprias doshomens, por outro lado. Ele faz referência aáreas culturais mais nobres (por exemplo, músicaclássica, pintura, literatura) e menos nobres que vão se legitimando socialmente (por exemplo,cinema, fotografia, jazz). Percebe-se aí umarelação entre capital econômico e capital cultural,que opõe estilos de vida diferentes, ou gostosdiferentes, um de mais luxo, associado ao capitaleconômico (posse de obras de arte, de carros deluxo) e outro de menos luxo, porém com ênfasena cultura (leitura, música clássica, teatro).Para o autor, o estilo de vida é um conjunto degostos, crenças e práticas característico de umadeterminada classe. Embora Bourdieu afirme

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    7/16

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    8/16

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    9/16

    7070 Rita de Cássia P. LIMA; Pedro Humberto F. CAMPOS. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu...

    classe. Em Bourdieu, as classes são categoriasou partes de um campo, sendo que o autor evitaconfrontar-se com o conceito de grupo. Casoo fizesse, talvez o estilo de vida pudesse seralgo aproximativo do grupo moscoviciano. EmBourdieu, um campo é constituído de classes(partes, categorias) que têm, cada uma, seuestilo diferente. A organização do campo nãoé dada por essa diferença (o que poderia ser ofoco da TRS), mas pela distribuição históricados princípios propostos por Bourdieu: capitalcultural, capital econômico e, posteriormente,gênero (BOURDIEU, 1998).

     A teoria dos campos é importantepara uma melhor compreensão do modocomo Bourdieu entende essa estrutura socialtão associada ao habitus.  De acordo com oautor (BOURDIEU, 1991), a herança culturalmaterializada e incorporada sob forma deum habitus, mesmo tendo leis próprias quetranscendem as consciências e vontadesindividuais, age somente nas lutas queacontecem nos campos, por agentes dispostosa reativá-la continuamente como espaço depossibilidades. Segundo Durand e Weil (1990),a noção de campo está ligada às relaçõessimbólicas situadas ao centro de mercadosdotados de uma lógica específica no espaçosocial, onde se trocam bens específicos, deacordo com interesses específicos.

     A relação indivíduo-sociedade queBourdieu propõe na sociologia pode se dar tam-bém no plano psicossocial, com base em umapsicologia social que considera como grupo umconjunto de sujeitos que partilham identidadese práticas comuns. Conforme a teoria dos cam-pos de Bourdieu, em que um tipo de formaçãocomo o gosto ou estilos de gostos, caracteriza-do por processos identitários, diferencia-se e/ou aproxima-se do grupo social marcado socio-logicamente? Do ponto de vista da teoria dasrepresentações sociais (TRS), situada na encruzi-lhada entre conceitos psicológicos e sociológicos(MOSCOVICI, 1976), como diferentes objetos derepresentação podem mobilizar as comunicaçõese os conflitos entre grupos socialmente situados?

     Ao se pensar em grupos, é importanterefletir sobre o fato de que Bourdieu (1987,p. 147), às vezes, refere-se a campos ou grupos eMoscovici (1976) frequentemente faz referênciaa indivíduo ou grupo na obra em que apresentaa TRS, entendendo que o indivíduo existeenquanto membro do grupo. Em ambos osautores, não há muita elucidação quando fazemalusão a grupos. Na sociologia de Bourdieu,o campo é organizado por princípios comocapital econômico e capital cultural, supondolutas em seu interior, conforme posições sociais,habitus, práticas culturais dos agentes. NaTRS de Moscovici (1976), os grupos, em suascomunicações, voltam-se para o campo deum objeto novo que os provoca, os ameaça,supondo igualdade na relação de seus membrosao construírem um conhecimento do sensocomum, consensual, a respeito desse objeto. Ou seja, na sociologia de Bourdieu, existemagentes dotados de habitus, situados em umcampo que se constitui como espaço socialde lutas; e, na TRS, há um campo do objetode representação que mobiliza grupos por eleafetados. Essa aproximação conceitual podecontribuir para o estudo de questões complexasligadas à educação, que envolvem relaçõesintra e intergrupais no âmbito de uma realidadesocial que tem como base as instituições.

    Os campos sociais e o campo do

    objeto de representação social

    Para Bourdieu (1984a), o espaço socialé multidimensional, com campos relativamen-te autônomos. Sua história se manifesta a cadamomento, sob a forma materializada (nas insti-tuições) e sob a forma incorporada (nas dispo-sições dos agentes que fazem funcionar essasinstituições ou as combatem). De acordo com oautor, essa concepção rompe com o objetivismo, visto que este desconsidera os diferentes camposcomo lugares de lutas simbólicas que engendramrepresentações do mundo social, assim como ashierarquias em cada campo e entre diferentescampos. Segundo o autor, o mundo social pode

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    10/16

    71Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    ser representado como espaço de várias dimen-sões, construído com base em princípios de dife-renciação e de distribuição de poder nesse uni- verso, expresso principalmente pelos diferentestipos de capital já citados. 

    Nesse sentido, a estrutura do camposocial é definida pela distribuição do capitale dos lucros característicos dos camposparticulares em diferentes momentos. Agentes egrupos de agentes são, assim, definidos por suasposições em um espaço que pode ser descritocomo um campo de forças, para o autor, umconjunto de relações de força objetivas que seimpõe aos que entram no campo, irredutíveisaos agentes individuais e às interações diretasentre esses agentes. Bourdieu (1984b) refere-seàs lutas simbólicas que visam a conservar outransformar a estrutura do campo, pois, para oautor, o mundo social é, em grande parte, algoque os agentes fazem a cada momento. Porém,esses agentes podem desfazê-lo e refazê-losomente com base em um conhecimento realistado que ele é, de suas possibilidades sobre ele, eem função da posição que ocupam.

    Na teoria de Bourdieu, um campo ésempre campo de forças:

     A sociologia não é um capítulo damecânica e os campos sociais são camposde forças mas também campos de lutas paratransformar ou conservar estes campos deforças. (BOURDIEU, 1982, p.47).

    Isso também fica destacado por autorespróximos a Bourdieu:

     A estrutura do campo é um estado das rela-ções de força entre os agentes ou as institui-ções engajadas na luta, ou, se preferirmos, dadistribuição do capital específico que, acu-mulado ao longo das lutas anteriores, orien-ta as estratégias posteriores. (ACCARDO;CORCUFF, 1986, p. 87).

    O que torna a noção confusa é que,em vários momentos, Bourdieu delimita um

    campo nomeando-o como campo de um grupoespecífico: o campo dos artistas, o campo dossábios, o campo dos governantes. Aquilo quequalquer leitor desavisado reconheceria, em certatradição, como um grupo, de fato, é confluênciade duas dimensões da realidade social:

    O princípio da ação histórica, aquela do artis-ta, do sábio ou do governante, como aquelado operário ou do funcionário público, não éa de um sujeito que se afrontaria à sociedadecomo um objeto constituído na exterioridade.Ele não reside nem na consciência, nem nascoisas, mas na relação entre dois estados dosocial, quer dizer, entre a história objetivadanas coisas, sob a forma de instituições, e ahistória encarnada nos corpos, sob a formadeste sistema de disposições duráveis que euchamo de habitus. (BOURDIEU, 1982, p. 38).

     Ao explicitar o que é o campo, novamenteo autor parece se referir a grupos. Bourdieu (1991)afirma que é no campo, como espaço de posições,que reside o princípio do espaço de tomadasde posição, ou seja, de estratégias visando atransformá-lo ou conservá-lo. Nesse sentido,o campo não é redutível a uma população, ouseja, a uma soma de agentes individuais ligadospor simples relações de interação e, maisprecisamente, de cooperação. O autor reforçao lugar das relações objetivas constitutivasda estrutura do campo, que orientam as lutas visando a conservá-lo ou transformá-lo. Assim,o campo do poder se constitui em espaço derelações de forças entre agentes ou instituiçõesque têm em comum o capital necessário paraocupar posições dominantes em diferentescampos, principalmente econômico ou cultural,revelando hierarquia nas relações sociais queenvolvem diferentes capitais e seus detentores.

    Um campo se define através da delimita-ção de vicissitudes4 e interesses específicos, os

    4- Optamos por vicissitudes face à dificuldade de se traduzir o termofrancês enjeux , aqui empregado no sentido de implicações, dada sua

    proximidade óbvia com a noção de interesses (interesses declinam emimplicações).

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    11/16

    7272 Rita de Cássia P. LIMA; Pedro Humberto F. CAMPOS. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu...

    quais são irredutíveis a vicissitudes e interessespróprios a outros campos. Nesse sentido, de umlado, considera-se um conjunto de vicissitudese interesses de cada um dos agentes e das agên-cias; estes sendo, entre si, distintos e, às vezes,opostos. Contudo, todos os elementos (vicissi-tudes e interesses) preservam certo número deinteresses fundamentais relativos àquilo quefunda o campo, à sua especificidade.

    É inevitável o paralelo com a TRS e ocampo do objeto de RS; um objeto, fenômenoou evento social, que aglutina em torno de si– em torno de sua especificidade de fenômenosocial – um conjunto de interesses. O recorte daTRS é operado pela existência de um objeto ede um conjunto de conhecimentos (marcadospelos conhecimentos anteriores e que regularãoos conhecimentos posteriores), que são engen-drados sobre a base da especificidade do novo (novo objeto social).

    Nos anos setenta, Moscovici (1976) defineas representações sociais como um conhecimen-to com três componentes: o campo do objeto, aatitude e as práticas comunicativas. Já em 2003,o autor acrescenta algo novo, sem causar rupturacom as afirmações anteriores, propondo que as

    [...] representações são prescritivas, isto é,elas se impõem sobre nós com uma forçairresistível. Essa força é uma combinaçãode uma estrutura que está presente antesmesmo que nós comecemos a pensar e deuma tradição que decreta o que deve serpensado (MOSCOVICI, 1976, p. 36).

     Na definição de 2003, o enfoque é outro,pois Moscovici apresenta as representaçõessociais como um conjunto organizado decrenças. O que vem em primeiro plano, nessemomento, é seu caráter de prescrição, ou seja,de normas; enfim, o caráter de regulação dascondutas. Podemos, então, começar a falar dasrepresentações como um sistema de crençasprescritivas, voltadas e ancoradas na ação.

    No estado atual da TRS, é plenamenteaceito que uma representação seja um sistema

    cognitivo que age ao mesmo tempo sobre osindivíduos que o elaboram e sobre a situaçãosocial na qual ela se insere. Tal sistema age sobreos indivíduos através de relações de significado,o que permite compreender significaçõesatribuídas a objetos por determinados grupossociais em situações sociais específicas. Umarepresentação dá significado a uma dadasituação social, bem como aos comportamentose condutas observados. Então, o estudo dasrepresentações permite aos pesquisadorescompreender qual o significado atribuído, porum determinado grupo social, tanto à situaçãopropriamente dita, quanto aos comportamentos(ABRIC, 2003; CAMPOS, 2005; RATEAU et al,2012).  Deixemos bem claro: a situação socialna qual um grupo constitui sua identidade comrelação a um objeto social específico é o campodesse mesmo objeto.

    Uma crença se refere a uma ideia ou auma hipótese sustentada por um grupo cultural,como base para um julgamento que carregaaceitação de algo considerado verdadeiro,mesmo na ausência de prova. As crenças sãoas convicções mentais que temos sobre os sereshumanos, suas relações com as suas sociedades,assim como os objetos sociais ou fenômenos quesão reificados coletivamente. Nossas crenças sãoconstruções sociais aceitas como verdade, nãobaseadas em evidências objetivas, mas, em vezdisso, adquiridas por meio de acordos sociais. A distinção entre crença e conhecimento sesitua precisamente no fato de que as crençasnão necessariamente podem ser demonstradaspor evidência empírica. Elas desempenham umpapel crucial, na medida em que dão significadoao descrever algum aspecto da nossa realidadesocial (PHILOGÈNE, 2002; MERTON, 1968;GILOVICH, 1991). Crenças estruturam nossaexperiência cotidiana, filtrando cognitivamenteas informações, de modo que os dados obtidosfaçam sentido. Assim, uma representaçãofunciona como um conjunto organizado decrenças para guiar um grupo, com relação aum objeto, no espaço social que é definido poresse mesmo objeto.

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    12/16

    73Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    Com base nos aspectos abordados, nãofaz o menor sentido estudar uma representaçãosocial sem estudar também o contexto quemarca a especificidade de seu objeto. Não sepode conceber o estudo de uma representação,para entender uma realidade social, semestudar sua ancoragem. Então, há similaridadeacentuada nas noções de campo em Bourdieue na TRS. Porém, o cuidado aqui está em nãoapressar as conclusões: ao fazer uma sociologiado gosto dos artistas, por exemplo, o sociólogode inspiração bourdieriana estaria fazendo, semdúvida, também um panorama (um quadro)com práticas desse grupo, mas não somentepráticas referentes a um único objeto, comoa arte, por exemplo. Paralelamente, pode-sereprovar os estudiosos de representação socialpor nem sempre darem a devida importância aartefatos ou à base dos objetos materiais, nosseus estudos (LAHLOU, 2011).

    Podemos afirmar que, em Bourdieu, nãohá dúvida quanto ao papel constitutivo do con-flito: o campo social é um campo de forças elutas. Já na TRS, esse entendimento somente setorna claro pela articulação de três obras, sendoque a segunda e a terceira não abordam direta-mente as representações sociais: A Psicanálise,sua imagem, seu público  (MOSCOVICI, 1976),Psicologia das minorias ativas (MOSCOVICI,1996) e Dissensões e consenso (MOSCOVICI;DOISE, 1991). A leitura exclusiva da primeiradas três obras acima remete à necessidade queindivíduos e grupos têm de dominar a realida-de: o sujeito é um produtor de significados e,face a um estímulo social (o objeto social), ela-bora uma representação, fazendo intervir nessaelaboração (nessa produção de significados) asideias, valores e modelos do seu grupo socialde pertença. O caráter de conflito está diluído,como se a elaboração de uma representaçãosocial fosse um processo cognitivo engendradoem um contexto simbólico que é o do seu grupode pertença; o interesse do grupo em dominar oobjeto não está direta e explicitamente inscritoem um contexto de conflito com outros grupos,não há menção à noção de lutas ou forças.

    Também há uma grande ênfase nosprocessos de comunicação. A elaboração deuma representação social responde a  umautilidade do objeto para um grupo (MOSCOVICI,1976; JODELET, 1984). Nas primeiras obrasda TRS, a visibilidade do espaço social comocampo de forças solicita, do leitor, umaatenção redobrada, pois essa concepção estádiluída e aparece ao menos em dois momentos.O primeiro é constituído pela leitura dosresultados empíricos, particularmente quandoMoscovici compara as visões da imprensacatólica e da imprensa comunista. Em segundolugar, ela aparece quando os textos falam daspráticas, apontando que elas se distinguem, ehá indicadores fortes de que essas práticas seinscrevem em um campo, sustentam normas e valores (sustentam as próprias representaçõessociais) e marcam posições.

    Quando os textos fundadores da TRS falamdas práticas, há um deslizamento, uma mudança,ainda que sutil, de linguagem (espaço, posições...).O leitor que desconheça o contexto acadêmicodas ciências sociais na França dos anos 50 a 70do século passado pode ter a impressão de queestá lendo um texto que recebe forte influência deBourdieu (DOISE; CLÉMENCE; LORENZI-CIOLDI,1992). Mais tarde, essa impressão se reforçarácom a abordagem posicional do estudo das repre-sentações sociais (DOISE, 2002).

    Porém, não se pode atribuir a visãodo espaço social como campo de forças, emMoscovici, à influência de Bourdieu. Sua raizpode ser encontrada em duas vertentes: aprimeira constituída pela inspiração da visãode grupos de Kurt Lewin e; a segunda, pelainserção dos seus trabalhos experimentais nocampo de estudos da influência social. É a leiturados trabalhos de Moscovici sobre a influênciasocial, mais tarde encorpada pelo seu trabalhoconjunto com Willem Doise sobre o consenso eos processos de decisão em grupos, que asseguraa concepção de conflito no espaço social.

    O campo de um objeto de representaçõessociais é um campo de forças, sobretudo porquetodo grupo está inserido em uma complexa

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    13/16

    7474 Rita de Cássia P. LIMA; Pedro Humberto F. CAMPOS. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu...

    dinâmica de influências (minorias x maiorias)intragrupo e intergrupos. É nesse segundosentido que se instala uma dinâmica grupo xsociedade, na qual as instituições representamas estruturas estabilizadas (funcionando para areprodução), conquanto os grupos configuram asestruturas flexíveis, que podem atuar tanto paraa manutenção quanto para a transformação.

    Se adotarmos uma visão do espaço socialcomo organizado ou recortado em campos deforças, pode-se afirmar que as representaçõessociais são forças de natureza simbólica, quemarcam as posições de cada grupo no conflito eregulam as possibilidades de ação dos coletivoschamados grupos sociais. Por outro lado, e demodo não idêntico, os habitus e os estilos dehabitus, os padrões de gostos (se é que seriapossível delimitá-los inequivocamente) tambémsão, mais que resultantes, forças simbólicas quetêm impacto direto na ação dos indivíduos. Essaaproximação conceitual entre campo e grupo,inspirada em fundamentos epistemológicosda sociologia e da psicologia social, pode seraprofundada em estudos empíricos envolvendodiversas temáticas da área educacional. 

    Conclusão

    O artigo procurou discutir a noção decampo de Bourdieu, visto como campo delutas, e a noção de grupo da TRS, associadaao que Moscovici chama “campo do objeto derepresentação”, que pode, ou não, envolvergrupos em conflito. Ambos os autores lutamcontra objetivismos e subjetivismos: o primeirobuscando uma sociologia dinâmica e o segundo,uma psicologia social dinâmica.

    Para Bourdieu, o campo social écomposto de agentes e agências, ou indivíduos einstituições, sendo que a ordem simbólica se dáno plano da relação entre instituições e habitus,este constituído de disposições individuaismarcadas por estilos de gostos e pela históriacoletiva, ficando negligenciado o problema dosgrupos. É importante mencionar que Bourdieu(1986) se refere a uma identidade social constante

    e durável, que garante a identidade do individuobiológico nos campos onde ele intervémenquanto agente, ou seja, em suas históriasde vida. Nesse contexto, o autor menciona anoção de trajetória, como uma série de posiçõessucessivamente ocupadas por um mesmoagente, em um espaço submetido a incessantestransformações. Os eventos biográficos sedefinem, assim, de acordo com os deslocamentosno espaço social ou, mais precisamente, conformea distribuição dos diferentes capitais no campoconsiderado. Segundo o autor, as trajetórias sãocompreendidas quando se constrói previamenteos estados sucessivos do campo dentro do qualelas se desenrolam, considerando o conjuntode relações objetivas que unem um agente aoconjunto dos outros, engajados no mesmocampo e confrontados ao mesmo espaço depossibilidades. Para Bourdieu (1986), a distinçãoentre o indivíduo concreto e o indivíduoconstruído se duplica da distinção entre o agente,eficiente em um campo, e a personalidade, comoindividualidade biológica socialmente instituída,portadora de poder que lhe assegura a capacidadede existir como agente em diferentes campos.Nesse contexto, o autor se refere à noção detrajetórias como posições sucessivamenteocupadas pelo mesmo agente no espaço social,de acordo com a distribuição de diferentes tiposde capital, presentes em um campo de lutas noqual as pessoas são confrontadas com váriaspossibilidades. Essa é uma temática que pode seraprofundada posteriormente, em aproximaçãocom a TRS, e, mais especificamente, em estudossobre interações grupais.

    Em relação ao campo do objeto paraMoscovici, o autor leva em conta as relaçõesentre indivíduos, grupos e instituições nasformações simbólicas que geram representações,ideologias, religião, mitos. A ordem simbólicaseriam modalidades de pensamento social, ourepresentações sociais como conceito carrefour, aglutinadoras de valores, normas, atitudes,ideologias, mitos dos grupos.

     Ao propor a aproximação entre a teoriados campos de Bourdieu e a noção de grupo na

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    14/16

    75Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    TRS, em seu conjunto, o presente artigo inci-ta reflexões sobre as bases de uma psicologiasocial da educação mais sociológica, dentro datradição europeia, como defendeu Moscovici(1976) ao apresentar a teoria das representa-ções sociais no âmbito de uma psicologia so-cial mais sociológica.

    Nesse quadro, a proposta aquiapresentada supõe uma tripla tarefa. A primeirafoi desenvolvida no texto: examinar a visãoda realidade (ou do espaço) social na TRS eno pensamento de Bourdieu, tomando pordesencadeador uma discussão sobre a sociologiado gosto e a noção de grupo, ambas interrogadasem referência à importância da noção decampo (campo social, em Bourdieu; campo doobjeto de representação, em Moscovici). Asduas outras, evidentemente interligadas, serãoelaboradas em trabalhos futuros. Uma se refereao estudo das noções de conflito e consenso,com seus papéis na constituição do campo e suadinâmica em relação à formação das posiçõessociais. Para tal, contamos, evidentemente,

    com o concurso dos trabalhos de WillemDoise e seus colaboradores, que instituíram achamada “abordagem posicional do estudodas representações sociais”. Quanto à terceira, vamos confrontar os conceitos de habitus, sensoprático, práticas sociais, ativação, incluindoum debate com sociólogos influenciados porBourdieu, através de um exame da noção detrajetória, mencionada acima.

    O artigo procurou mostrar a relevânciadessa aproximação conceitual para a área daeducação, especialmente a escola enquantounidade psicossocial, destacando a necessi-dade de se desenvolver estudos que envolvamconflitos entre indivíduos e grupos imersosnesse espaço social. Estabelecer relações entrea teoria dos campos de Bourdieu e a noçãode grupo na TRS pode, assim, contribuir parauma melhor compreensão de processos sim-bólicos e de práticas presentes nas interaçõeseducativas, que frequentemente acontecem nocontexto de lutas simbólicas operadas por di- versos grupos sociais.

    Referências

    ABRIC, Jean Claude. Abordagem estrutural das representações sociais: desenvolvimentos recentes. In: CAMPOS, Pedro H. F.;LOUREIRO, Marcos B. da S. (Orgs.). Representações sociais e práticas educativas. Goiânia: UFG/UCG, 2003. p. 35-56.

    ACCARDO Alain; CORCUFF Philippe. La sociologie de Pierre Bourdieu: textes choisis et commentés. Bordeaux: Le Mascaret,1986.

    BELLAVANCE, Guy; VALEX, Myrtille; RATTÉ, Michel. Le goût des autres: une analyse des répertoires culturels de nouvellesélites omnivores. Sociologie et Sociétés, Montreal, v. 36, n. 1, p. 27-57, 2004. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2013.

    BOURDIEU Pierre. Choses dites. Paris: Minuit, 1987.

    BOURDIEU Pierre. Espace social et genèse des “classes”.  Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52-53, p. 3-14,1984a. Disponível em: .Acesso em: 25 mar. 2013.

    BOURDIEU Pierre. Homo academicus. Paris: Minuit, 1984b.

    BOURDIEU Pierre. La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Minuit, 1979.

    BOURDIEU Pierre. La domination masculine. Paris: Seuil, 1998.

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    15/16

    7676 Rita de Cássia P. LIMA; Pedro Humberto F. CAMPOS. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu...

    BOURDIEU Pierre. La noblesse d’Etat. Paris: Minuit, 1989.

    BOURDIEU Pierre. Le champ littéraire.  Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 89, p. 3-46, 1991. Disponívelem: . Acesso em: 25 mar.2013.

    BOURDIEU Pierre. Leçon sur la leçon. Paris: PUF, 1982.

    BOURDIEU Pierre. Le sens pratique. Paris: Minuit, 1980.

    BOURDIEU Pierre. L’illusion biographique.  Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 62-63, p. 69-72, 1986.Disponível em: . Acessoem: 25 mar. 2013.

    BOURDIEU Pierre. Raisons pratiques: sur la théorie de l´action. Paris: Seuil, 1994.

    BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. La reproduction. Paris: Minuit, 1970.

    BOURDIEU Pierre; WACQUANT, Loïc J. D. Réponses: pour une anthropologie reflexive. Paris: Le Seuil, 1992.CAMPOS, Pedro Humberto F. As representações sociais como forma de resistência ao conhecimento científico. In: OLIVEIRA,Denise C.; CAMPOS, Pedro H. F. (Orgs.). Representações sociais: uma teoria sem fronteiras. Rio de Janeiro: Museu da República,2005. p. 85-98.

    DABÈNE, Olivier. Pierre Bourdieu: sociólogo e cidadão engajado. Rio Total: CooJornal, n. 266, 2002. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2012.

    DOISE, Willem. Da psicologia social à psicologia societal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 18, n. 1, p. 27-35, 2002.

    DOISE, Willem; CLEMENCE, Alain; LORENZI-CIOLDI, Fabio. Représentations sociales et analyses des données. Grenoble: PUG, 1992.

    DUBAR, Claude. A crise das identidades. São Paulo: EDUSP, 2009.

    DUBET, François. Sociologie de l’expérience. Paris: Seuil, 1994.

    DURAND, Jean-Pierre; WEIL, Robert. La dynamique de “l’habitus”. In: DURAND, Jean-Pierre; WEIL, Robert. Sociologiecontemporaine. Paris: Vigot, 1990. p. 185-204.

    GILOVICH, T. How we know what isn’t so: the fallibility of human reason in everyday life. New York: Free Press, 1991.

    GROGNET, Fabrice. Du sens perdu de l’autre et du semblable. L’Homme, Paris, n. 185-186, p. 455-477, 2008. Disponível em:. Acesso em: 10 mar. 2013.

    JAOUI, Agnès. Le goût des autres. France, 2000. Filme (112 min.).

    JODELET, Denise. Représentation sociale: phénomènes, cocept et théorie. In. MOSCOVICI, Serge (Ed.). Psychologie sociale. Paris:PUF, 1984. p. 357-377.

    LAHIRE, Bernard. Homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis: Vozes, 2002.

    LAHLOU, Saadi. A psicologia e a construção sócio-cognitiva dos objetos. In: REUNIÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA,41., 2011, Belém. Conferências..., Belém, 2011.

    MERTON, Robert K. Social theory and social structure. New York: Free Press, 1968.

    MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF, 1976.

  • 8/19/2019 Campo e grupo- aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representaçõ.pdf

    16/16

    77Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.

    MOSCOVICI, Serge. L´ère des représentations sociales. In: DOISE, W; PALMONARI, A. (Eds.). L´étude des représentationssociales. Lausanne: Delachaux & Niestlé, 1986, p. 34-80.

    MOSCOVICI, Serge. Psychologie des minorités actives. Paris: PUF, 1996.

    MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.

    MOSCOVICI, Serge; DOISE, Willem. Dissensões e consenso: uma teoria geral das decisões colectivas. Lisboa: Livros Horizonte,1991. Tradução de Maria Fernanda Jesuíno.

    PHILOGÈNE, Gina. Systems of beliefs and the future: the anticipation of things. Psychologie et Société, Aix-en-Provence,v. 5, n. 3, p. 111-120, 2002.

    RATEAU, Patrick, et al. Social representation theory. In: Handbook of theories of social psychology. Los Angeles: SAGE, 2012.p. 477-497.

    VERGARA, Daniel L. M.; MAGNI, Claudia T. “O gosto dos outros”: uma forma de analisar a noção de campo de Pierre Bourdieu. In:CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 17. E ENCONTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO, 10., Pelotas, 11 a 14 de novembro de 2008.

     Anais... Pelotas: Universidade Federal de Pelotas, 2008. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2013.

    Recebido em: 09.06.2013 

     Aprovado em: 19.02.2014 

    Rita de Cássia Pereira Lima é doutora em Ciências da Educação pela Université René Descartes   – Paris V. Professoraadjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá – UNESA/RJ.

    Pedro Humberto Faria Campos é doutor em Psicologia Social pela Université de Provence . Professor titular do Programa de

    Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá – UNESA/RJ.