Campesinato e Relações de Gênero Em Comunidade Rural Da Amazônia

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8/16/2019 Campesinato e Relações de Gênero Em Comunidade Rural Da Amazônia http://slidepdf.com/reader/full/campesinato-e-relacoes-de-genero-em-comunidade-rural-da-amazonia 1/8 Gênero, Etno-conhecimento e Meio Ambiente. ST 31 Daiana Brito Martins Universidade Federal do Amapá - UNIFAP Instituto de Estudos Sócio Ambiental - IESA Palavras-chave: Campesinato; trabalho extrativista e gênero. Campesinato e relações de gênero em comunidade rural da Amazônia . Campesinato e Estudos de Gênero Os estudos sobre campesinato no Brasil são significativamente recentes, com tradição maior de estudos nas regiões sudeste e nordeste do país, em que as mudanças ocasionadas pela mecanização do campo e a industrialização das cidades demonstraram a fragilidade do homem do campo no que diz respeito à propriedade da terra e ao trabalho agrícola. Os primeiros estudos realizados a partir de fins do século XIX, buscavam compreender os modos de vida específicos deste meio. Alguns desses estudos foram fortemente influenciados pela interpretação de teorias raciais dedicadas ao entendimento da “evolução dos povos” (determinismo racial e geográfico). Isso influenciou o pensamento de autores como: Euclides da Cunha, Oliveira Vianna e Sylvio Romero. A mudança de perspectiva no sentido até então atribuído às pesquisas sobre essa temática acontecem por volta de 1950, quando os estudiosos passaram a estudar as sociedades rurais sob novas perspectivas (não havendo, ainda, um rompimento total com o que até então vinha sendo produzido), através de estudos específicos em determinadas localidades, superando a tradição de teorias marcadas pela influência do meio e da raça demonstrando que as idéias a respeito do isolamento geográfico e das determinações biológicas não passavam de impressões equivocadas. Segundo Queiroz (1973), identifica-se a essa linha de pensamento, Jacques Lambert; Manoel Corrêa de Andrade; Nice Lecocq Müller; Antonio Cândido; dentre outros. Outros trabalhos importantes que contribuíram para essa mudança de olhar e passaram a apontar novos caminhos às pesquisas sobre o espaço rural brasileiro, nas ciências sociais, nas décadas de 1960 e 1970, são as produções de autores como Caio Prado Jr., José de Souza Martins, Octavio Ianni, dentro outros. De modo geral, seus estudos trataram de aspectos referentes à realidade agrária nacional, à exploração do trabalhador do campo, ao caráter capitalista da produção rural. Mais recentemente, década de 1990, os estudos que tratam do contexto agrário brasileiro, e mais especificamente, a respeito das sociedades rurais e do campesinato, voltam-se para uma reflexão sobre a problemática de valorização de outras formas de agricultura, dentre elas, a agricultura familiar, os assentamentos de reforma agrária e a agricultura caipira ou cabocla.

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Gênero, Etno-conhecimento e Meio Ambiente. ST 31Daiana Brito MartinsUniversidade Federal do Amapá - UNIFAP

Instituto de Estudos Sócio Ambiental - IESAPalavras-chave: Campesinato; trabalho extrativista e gênero.

Campesinato e relações de gênero em comunidade rural da Amazônia .

Campesinato e Estudos de GêneroOs estudos sobre campesinato no Brasil são significativamente recentes, com tradição maior

de estudos nas regiões sudeste e nordeste do país, em que as mudanças ocasionadas pelamecanização do campo e a industrialização das cidades demonstraram a fragilidade do homem docampo no que diz respeito à propriedade da terra e ao trabalho agrícola. Os primeiros estudosrealizados a partir de fins do século XIX, buscavam compreender os modos de vida específicosdeste meio. Alguns desses estudos foram fortemente influenciados pela interpretação de teoriasraciais dedicadas ao entendimento da “evolução dos povos” (determinismo racial e geográfico). Issoinfluenciou o pensamento de autores como: Euclides da Cunha, Oliveira Vianna e Sylvio Romero.

A mudança de perspectiva no sentido até então atribuído às pesquisas sobre essa temáticaacontecem por volta de 1950, quando os estudiosos passaram a estudar as sociedades rurais sobnovas perspectivas (não havendo, ainda, um rompimento total com o que até então vinha sendo produzido), através de estudos específicos em determinadas localidades, superando a tradição deteorias marcadas pela influência do meio e da raça demonstrando que as idéias a respeito doisolamento geográfico e das determinações biológicas não passavam de impressões equivocadas.Segundo Queiroz (1973), identifica-se a essa linha de pensamento, Jacques Lambert; ManoelCorrêa de Andrade; Nice Lecocq Müller; Antonio Cândido; dentre outros.

Outros trabalhos importantes que contribuíram para essa mudança de olhar e passaram aapontar novos caminhos às pesquisas sobre o espaço rural brasileiro, nas ciências sociais, nasdécadas de 1960 e 1970, são as produções de autores como Caio Prado Jr., José de Souza Martins,Octavio Ianni, dentro outros. De modo geral, seus estudos trataram de aspectos referentes àrealidade agrária nacional, à exploração do trabalhador do campo, ao caráter capitalista da produçãorural. Mais recentemente, década de 1990, os estudos que tratam do contexto agrário brasileiro, emais especificamente, a respeito das sociedades rurais e do campesinato, voltam-se para uma

reflexão sobre a problemática de valorização de outras formas de agricultura, dentre elas, aagricultura familiar, os assentamentos de reforma agrária e a agricultura caipira ou cabocla.

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Podemos citar entre estes autores Ellen e Kllas Woortmann, Regina Novaes, Maria Emilia Pachecoe tantos outros.

Aproximando o tema da realidade estudada, no caso a região Amazônica, maisespecificamente das comunidades rurais da Amazônia, percebe-se a importância desta mudança de

pensamento sobre o ruralidade e sobre o campesinato brasileiro. Um país como o Brasil, queapresenta uma diversidade cultural, geográfica e espacial tão grande, necessita de visõesdiferenciadas sobre cada realidade que se apresenta, seja ela no meio rural ou urbano. Em estudosmais recentes, a realidade camponesa é entendida, em um primeiro, plano a partir de sua sujeição aomeio urbano em relação ao capital; e em plano secundário o caráter tradicional de utilização daterra, o trabalho agrícola de subsistência. No caso da Amazônia é importante destacar que não podemos separar essas duas visões, haja vista o tradicional, ainda presente, conviver diariamente

com o moderno, mesmo que de maneira não harmoniosa. O que se verifica, segundo Woortmann, éque na Amazônia coexistem tanto“(...) concepções sobre a terra que chamo de morais (terra

enquanto valor-de-uso) com concepções utilitaristas mercantis. Não encontramos, então,

camponeses puros, mas uma campesinidade em graus distintos de articulação ambígua com a

modernidade.” (K. WOOTMANN, 1990:14).Quanto às especificidades do contexto amazônico, um ponto a ser discutido é como a mulher

se encaixa neste conjunto. Para tanto, considera-se relevante uma abordagem a respeito das relaçõessociais entre os gêneros e como se organizam e assumem determinadas posições em uma dadasociedade ou grupo social.

Essas relações são percebidas, neste trabalho, a partir da perspectiva de uma construçãohistórica e social dos papéis e identidades masculino e feminino, possibilitando, assim,compreender mais claramente, a atuação da mulher no grupo ao qual pertence, seja ele rural ouurbano. As atribuições dos modos de ser determinados para cada sexo refletem uma hierarquizaçãodos gêneros, que estruturam o conjunto das relações sociais, apresentando uma (não) sujeição damulher em relação ao homem, seja no mundo do trabalho, ou em outros campos da vida social,como a cultura e a política, por exemplo.

O contexto da pesquisa: A Pancada do Camaipi

Inserida na realidade amazônica, e tentando entender o modo de vida das comunidadesrurais da região e principalmente o mundo que envolve o trabalho, a produção e as relações sociaisque se estabelecem neste meio, foi pesquisada a região conhecida por Pancada do Camaipi - umaglomerado de pequenas comunidades, cinco no total, a saber, Vila da Pancada, Agrovila, Ponte doVila Nova, Ramal da Pancada e Curumuri, espalhadas ao longo de uma extensa área da floresta

amazônica, circundada por rios, igarapés e quedas d’água. Localizada no quilometro 85, da BR 156,rodovia federal que liga a capital do Estado do Amapá – Macapá – ao município de Laranjal do Jarí,

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abrange uma área aproximada de 40.000 ha, compreendendo parte do nordeste do município demazagão, sul do estado de Porto Grande e oeste de Santana, referindo-se ao sul do estado, onde nadécada de 90 o INCRA instalou o Projeto de Assentamento Pancada do Camaipi.

A Pancada do Camaipi é um espaço de ocupação recente. Os primeiros habitantes chegaram

na década de 30 do século passado, a partir da exploração econômica de uma área significativa decastanhais1 nativos, de onde se extraía a castanha-do-brasil, produto comercializado intensamente,nesse período, tanto no Brasil quanto no exterior. Esses migrantes foram trazidos a região pelos patrões2, homens que se denominavam donos de uma determinada área de floresta, rica em produtosextrativistas como a seringueira, castanha-do-pará, ou madeira, de onde extraiam sua riqueza a partir da exploração da mão-de-obra de famílias inteiras que eram deslocadas nos regatões3 decomunidades ribeirinhas do interior do estado do Pará, principalmente de Breves e Cametá – região

das ilhas, com tradição no trabalho extrativista – até os castanhais ou seringais da região sul doAmapá. Segundo os moradores mais antigos, Sr. João Cantídio e Pedro Ribeiro, primeiro chegaramos homens para trabalhar nos castanhais, retornando a comunidade de origem no final da safra,formando inicialmente uma população flutuante.

Nos primeiros anos de trabalho, esse foi o único produto explorado, mas percebendo aquantidade de riqueza existente naquelas matas, logo o regime de trabalho foi alterado pelos patrões. Agora os homens permaneciam nos períodos posteriores para extrair madeira, sementesoleaginosas como a andiroba e copaíba, o látex da seringueira e tantos outros produtos de valoreconômico facilmente comercializados nos mercados locais e no porto de Belém, para onde eradestinada toda a produção de castanha-do-pará.

Com a intensificação no trabalho extrativista, começa o processo de fixação destestrabalhadores na região, ao longo dos rios vila nova, e de seus afluentes, camaipi e curumuri. Aos poucos os familiares dos extrativistas já fixados ao longo dos rios foram chegando e formaram o primeiro vilarejo, no ano de 1961, a vila da Pancada (nome oriunda de uma cachoeira da região) nas proximidades dos castanhais. Com a introdução da família no processo extrativo, o trabalhofeminino passa a ser fundamental para a reprodução econômica, e sócio-cultural da região, dessaforma, surge um novo ciclo para a região, o da agricultura, trazido pelos migrantes, e introduzido pelas mulheres, uma vez que estas permaneciam mais tempo em casa e na comunidade, pois otrabalho extrativo nos castanhais dependia de longos períodos de afastamento dos homens dacomunidade. As famílias aos poucos vão introduzindo culturas como o milho e a mandioca - para afabricação da farinha de mandioca, base alimentar das comunidades rurais do Amapá. O trabalho daroça e quase exclusivamente feminino, os homens só trabalham na preparação da área, as demais

tarefas, como plantio, limpeza, colheita e beneficiamento (no caso da mandioca), é tarefa feminina.

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A economia extrativista e o trabalho Em estudos realizados por Filocreão (2002) e Benjamim (2004), no sul do estado, foi

identificada a importância desta atividade para a formação do sul do Estado, sendo esta uma área deextrativismo antiga. Desde o final do século XIX esta região já sofria as influências da economia

extrativista do ciclo da borracha, onde as populações tradicionais trabalhavam nos“seringais caboclos – que (...) localizava-se preferencialmente nas ilhas,

inclusive o Marajó, alcançando o Xingu, o Jari (...). As populações ali

residentes eram eminentemente mestiça ou tapuias, e aos poucos vinham

abandonando as tarefas agrárias para se dedicar aos seringais”

(Filocreão; 2002, 46).

Segundo Souza (2001), é com a quebra do monopólio brasileiro na exploração de borracha nativa

(látex) por plantações racionalizadas do sudeste da Ásia e a queda do preço da borracha no mercadointernacional a partir do fim da primeira guerra mundial, que Amazônia brasileira conheceu umaforte crise econômica.

É a partir desta crise econômica que outros produtos passam a ser explorados na Amazônia,como a castanha-do-pará, sementes oleaginosas e essenciais florestais, as conhecidas drogas dosertão, procurados e valorizados desde o inicio da colonização amazônica. Segundo Filocreão(2002) a economia extrativista da castanha-do-pará, foi uma das“atividades que mais contribuiu

para a sustentação da economia da Amazônia após a perda do monopólio brasileiro da borracha” . No estado do Amapá não foi diferente. Todo o vale do Jari sofreu este processo de

exploração por seringalistas vindos do Pará, de onde trouxeram parte da mão-de-obra, que se juntouaos amapaenses para desenvolver o extrativismo na região. Dessa forma, a Pancada do camaipi seinsere no ciclo extrativista do sul do estado. A produção da região juntava-se à produção do vale doJari, Maracá e Cajari4, e transportada até os portos do Pará, de onde era escoada para as regiõessudeste do Brasil e/ou para o exterior (Europa), de onde o produto era exportadoin natura (Filocreão; 2002, 118).

Com a queda dos preços da castanha-do-pará e o aumento da população na região doCamaipi, atraídas pela presença da mineração do ouro (década de 70) e da extração ilegal demadeira região (década de 80), o interesse dos extrativistas pelo trabalho nos castanhais vai seacabando. A maioria dos homens da região se aventurou na busca por riquezas na extração do ouro.Segundo relato dos moradores mais velhos a população local triplicou neste período, e os castanhaislogo foram abandonados, os patrões também iniciaram atividades no garimpo ou na extração demadeira de lei. Estas atividades que se desenvolveram na região trouxeram enormes prejuízos

sócio-econômicos e ambientais a comunidade. Com o garimpo, o rio Camaipi - principal afluentedo rio Vila Nova - que dava acesso ao garimpo, teve seus recursos pesqueiros esgotados devido à

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utilização indiscriminada de mercúrio, e a exploração da madeira dizimou uma extensa área defloresta, árvores como o Acapú, são dificilmente encontrados hoje na região.

Diante destes problemas, a comunidade sofreu empobrecimento, uma vez que os maioresexploradores eram agentes externos, que vinham para a localidade apenas com intenção de

enriquecer e explorar a mão-de-obra local. Esse processo é refreado a ausência de compradores demadeira em grande porte e com o esgotamento do ouro na região na década de 90. A comunidadesofreu uma retração populacional, parte das famílias saiu da localidade em busca de trabalho nacapital, e os que ficaram na região, passaram a trabalhar novamente no extrativismo, agoraexplorando os Açaizais nativos5 e a madeira de lei vendida para atravessadores, em menor escala.

A criação do Assentamento Pancada do Camaipi

No final da década de 90, acontece outra mudança significativa na região, através da portaria

INCRA/SR-(21)/nº 16, do dia 16 de setembro de 1998, é criado o Projeto de Assentamento Pancadado Camaipi, localizado em áreas remanescente da GLEBA MAZAGÃO, até então consideradasterras devolutas da união, onde esta localizada a referida comunidade da Pancada do Camaipi. Oassentamento, com capacidade para 400 famílias de agricultores, inseriu nas famílias dacomunidade uma perspectiva de mudança de vida.

Com a fundação do Assentamento, a comunidade percebe a necessidade de uma organizaçãoformal, em associações, sindicatos e/ou cooperativas até então inexistente na comunidade. Omodelo de organização social experimentado até o momento se resumia as experiências religiosas –nos trabalhos realizados pelas mulheres junto as Comunidades Eclesiais de Base, CEB’s da igrejacatólica - uma organização baseada em atributos moral e em práticas de reciprocidade e laços devizinhança e parentesco, tendo nas mulheres as primeiras lideranças na comunidade.

Em 1998, após a instalação do Projeto de Assentamento da Pancada do Camaipi, instala-se aCooperativa Agropecuária dos produtores dos Municípios de Macapá e Santana - CAPEMAG,criada em 1997 no município de Macapá, com objetivo de adquirir lotes em assentamentos doINCRA naquela região para desenvolver a pecuária. Sua atuação não atendia as necessidades dosassentados locais, levando-os a criar a Associação dos Produtores Rurais do Vila Nova – APRVN.Com esta entidade, os assentados iniciam sua luta por melhores condições de trabalho, discutindo oacesso a credito agrícola, infra-estrutura para as comunidades e modelo de assistência técnica queatenda suas necessidades especificas de trabalhadores agroextrativistas. Mulheres e homenstrabalham no intuito de melhorar a vida e as condições de trabalho na região.

Após três anos de trabalho junto APRVN, as mulheres estavam insatisfeitas com a atuaçãoda associação, não se sentiam beneficiadas nas ações e discussões realizadas. Todas as conquistas

eram atribuídas aos homens. Sentindo que não estavam sendo ouvidas, e necessitando de um espaço para discutir suas necessidades, a principal liderança feminina da região, Dona Maria José,

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conhecida apenas por “Dona”, decidiu fundar a Associação de Mulheres do Rio Vila Nova –AMRVN no ano de 2002.

A mulher como agente público

É através desta associação que as mulheres da região conheceram suas primeiras conquistas,

conseguindo implantar uma escola de 1° e 2º graus, ter enfermeiro na região, e principalmenteacesso a crédito rural, com projetos agrícolas específicos para elas, garantindo assim renda própria emaior autonomia. É também através da Associação que surge outras lideranças femininas nascomunidades. Este processo do empoderamento feminino na Pancada do Camaipi é fruto de anos deluta das mulheres na comunidade, através das CEB’s, mas invisibilizadas e silenciadas pela únicaliderança masculina da região, que sendo o homem mais velho e fundador da primeira vila, sempreteve todos os benefícios das conquistas atribuídos para si. Com a associação estas mulheres saíram

de suas casas, passaram a circular nos territórios considerados masculino, o das discussões políticas.Agora essas mulheres vão até a capital para falar das carências da comunidade, apresentam seus projetos, e já conseguem mostrar a importância do acesso ao conhecimento, e de sua liberdade paraentrar e sair nos mais diferentes espaços públicos.

Essas lideranças são atualmente os principais agentes políticos da região. Seu trabalho éreconhecido pelos moradores locais, homens e mulheres, que vêem no trabalho, na força e na lutade mulheres, como “Dona”, a esperança em novas conquistas, e o fortalecimento comunitário. Essasmulheres têm sido as protagonistas de um processo demorado e lento da organização das mulheresno meio rural no Amapá, e têm demonstrado que é possível superar as barreiras sociais impostas pelas relações de gênero, pela dominação masculina e pela hierarquização dos sexos.

Guisa de Conclusão

As comunidades rurais da Amazônia brasileira sejam elas ribeirinhas, caboclas, quilombolasou apenas tradicionais, têm em sua formação histórica fatores específicos de produção e reproduçãode sua cultura, no que diz respeito ao mundo do trabalho e da sobrevivência. Neste sentido realizarestudos nestas comunidades se faz necessário à medida que percebemos o quão diversas são as práticas e modos de vida de cada uma delas. A comunidade da Pancada do Camaipi, inicialmenteuma área de exploração extrativista, e transformada atualmente assentamento da reforma agrária, éo exemplo de como tem sido tratada essas comunidades desde o inicio da colonização da região -sem respeito por sua cultura, seus valores e conhecimentos. A necessidade de adaptar-se a novarealidade imposta diariamente pela modernização, têm mostrado que estes homens e mulheres sãocapazes de adaptar-se e superar as adversidades imposta pelos agentes externos, desvelando no seiodestas comunidades os verdadeiros agentes políticos locais, que com muita luta, buscam a mudança

e empoderamento da comunidade frente ao externo, no caso da Pancada do Camaipi, as liderançasfemininas.

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Referência Bibliográfica:

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1 Mata de castanheira ou, castanha-do-pará. Árvore conhecida cientificamente como Bertholetia excelsa , de grande porte. Seus frutos fornecem amêndoas, que representam um dos valores econômicos nas exportações dos estados daregião norte do Brasil, conhecidas internacionalmente como Brazil Nutis , ou “castanha-do-brasil”2 Nome dado aos donos dos regatões que traziam os trabalhadores até a região para realizar a atividade extrativa dacastanha-do-pará. Ficaram assim conhecidos por terem iniciado um longo processo de exploração do trabalho dessesmigrantes, praticando o sistema de aviamento do período de exploração da borracha na Amazônia brasileira.3 Embarcação motorizada que navegava os rios da Amazônia transportando pessoas e produtos industrializados –mercadorias – que seriam trocados com a produção dos extrativistas, castanha-do-pará, látex da seringa ou madeira.

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4 Maracá e Cajari são duas áreas de castanhais intensamente exploradas por seringalistas desde meados do século XIX.Com o intuito de preservar a riqueza vegetal ainda existente na região estas áreas foram transformadas em ReservasExtrativistas, agora exploradas apenas pelas comunidades que ali estão fixadas.5 Área mata de açaizeiros, de onde se extrai o fruto do açaí, muito valorizado na região norte do Brasil. O vinho extraídodos frutos é a base alimentar das comunidades ribeirinhas e da a maioria das famílias amapaenses.