CAMINHANTES SEM VOZ FOTOGRAFIAS DE CIGANOS DO … Catalogo 01 72... · (canção cigana)...
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Avistamo-los à distância, vivem entre nós, mas do
outro lado do caminho. Quem são eles, de onde
vêm? Os seus antecedentes históricos são vagos
e as razões das suas migrações obscuras. Sabe-
se que deixaram a Índia há cerca de mil anos e
foram chegando à Europa por volta do século
XII. À Península Ibérica terão entrado ao longo
do século XV. Calcula-se que o seu nomadismo
foi causado por animosidade e repulsa por parte
de outros povos que os rejeitaram e obrigaram a
fugir. No seu longo percurso de perseguições e
repressões, o povo cigano, caminhante sem voz
e sem repouso, companheiro perpétuo do incer-
to e do efémero, sobreviveu refugiando-se no in-
terior dos seus próprios grupos, no seu mundo
de normas diferentes da sociedade organizada à
sua volta. Considerados por uns como marginais,
conflituosos e ameaçadores, por outros simples-
mente como aventureiros e exóticos, por todos
em geral como perturbadores, estes nossos con-
cidadãos adaptam na luta diária pela subsistên-
cia uma postura de fechamento e oposição face
ao exterior. Numa constante vivência à margem
da sociedade, essa postura reflecte-se na sua ina-
daptação ao meio-ambiente, talvez como própria
defesa psicológica, com o fim de salvaguardar e
prosseguir os valores da sua identidade e cultura.
A palavra cigano é um dos nomes que lhes foi
dado pelos “de fora”. Errando pelo mundo intei-
ro, transportaram consigo essa denominação
devido a uma confusão original entre os povos
athigganos ou athinkanos (uma seita bizantina
no século XV, nome que também significa “gen-
te pobre”) e os povos nómadas originários da
Índia. Na sua migração para a Europa Ocidental,
afirmava-se nessa altura que a sua terra de ori-
gem era o Pequeno Egipto, zona da Grécia ha-
bitada por estes itinerantes, confundindo com
o Egipto, passando por esse motivo também a
ser chamados por alguns egípcios. Este primei-
ro grupo étnico autodenominou-se Rom, pa-
lavra indiana cujo significado original era “ho-
mem”. Além dos Rom, que vivem sobretudo nos
Países dos Balcãs, existem ainda os Sinti (nome
derivado da província de Sind ou do rio Sindhu,
na Índia), que se fixaram na Alemanha, Itália e
França (onde também são chamados Manousch),
e os Caló ou Calé (palavra derivada de zincaló,
que significa na sua língua “homem da planície”,
também é sinónimo de “preto”), instalados es-
sencialmente na Península Ibérica e América do
Sul, assim como os Romnichals, principalmen-
te presentes no Reino Unido, Estados Unidos e
Austrália. A língua base de todos é o “Romanês”
ou “Romanó”, idioma ágrafo, transmitido apenas
oralmente, de parentesco com o sânscrito, antiga
língua dos brâmanes, sacerdotes indianos da re-
gião de Brama. Com a sua paragem e passagem
por zonas diferentes do mundo, essa língua foi-se
modificando e ramificando, à medida que o povo
cigano assimilou vocábulos das diversas línguas,
dando origem a variados dialectos. Alguns deles
são inclusivamente inventados pelos próprios ci-
ganos, com a função de elementos identificado-
res de uma linguagem e comunicação secretas.
O dialecto falado na Peninsula Ibérica é o “Caló”,
mas hoje em dia a maioria deste povo já não o
fala fluentemente.
“Livres como o ar, livres como o vento, livres
como as estrelas do firmamento”… são os versos
duma canção cigana. Na verdade o modo de vi-
ver e entender o mundo, na comunidade cigana,
baseia-se na sua própria maneira de ser, pois “ser
cigano” e “ser nómada” não é só um facto, é tam-
bém um estado de espírito. Esse estilo de vida
aos solavancos, não pertencendo a parte alguma,
percorrendo caminhos, instalando-se, enfrentan-
do discriminações e proibições, muitas vezes vol-
tando a partir, funciona apenas segundo o seu
próprio código de vida : Não é o indivíduo em si
que conta, mas sim a solidariedade interna, a ins-
tituição familiar, sinónimo de força e segurança,
que é a unidade base da sua organização social
e é prioritária acima de tudo. E é esse universo,
estruturado de leis subjectivas, que tanto os une
como os afasta da civilização envolvente.
Estas imagens de ciganos do Alentejo não pre-
tendem ser uma reportagem social, desejam
apenas chamar a atenção para a dignidade de
um povo. Serão talvez uma tentativa de alerta
para os que persistem em fechar as suas portas
a esse mundo com modos de viver, crer e pensar
que nos são estranhos – porque esse mundo está
aqui entre nós, mas do outro lado do caminho.
Maria A. Falcão Malzbender
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Um elemento chave da matriz cultural cigana é o
culto e o respeito pelos mortos e o luto rigoroso
por eles. O cigano herdou da filosofia dos seus
antepassados hindús o conceito de que o espírito
do morto (o “muló”) continua a existir, além da
morte, noutro reino misterioso e desconhecido,
e o acompanha e protege de todos os males. O
mundo do sobrenatural é, portanto, constituído
pela presença de uma força benéfica. Contudo,
quando algum ente querido morre, apesar da
crença de que o morto se encontra ainda “pre-
sente”, a dor é sofrida por toda a comunidade ci-
gana e, como sinal de eterno desgosto, as viúvas
vestem-se totalmente de preto e cortam o cabe-
lo (pois existe um distinto simbolismo de fidelida-
de da mulher em relação ao marido, representa-
do pelo cabelo). Por seu lado, os homens deixam
crescer a barba e o cabelo, como sinal de luto, e
vestem-se igualmente de preto. O morto é vela-
do de dia e de noite, durante vinte e quatro ho-
ras, e o sofrimento pela sua perda é exteriorizado
excessivamente por todos com gritos, lamentos
e pranto.
Um aspecto singular na religiosidade da etnia ci-
gana : sem possuir uma convicção ideológica so-
bre Deus, nem uma religião própria, o cigano é
por natureza religioso, embora fé e surperstição
se confundam.
No decorrer da história regista-se nos Roma uma
adesão à fé ou à religião dominante dos países
que os hospedaram.
Maria Falcão Malzbender
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A música, para a qual os ciganos têm um especial
talento e intuição, é uma particularidade deste
povo e está sempre presente na sua vida quo-
tidiana, embora não exista uma música propria-
mente cigana.
Através da música o povo cigano manifesta os
seus estados de alma, as suas inquietudes, as
suas alegrias, os seus lutos. Esta é cultivada atra-
vés do canto e da dança, interpretada muitas ve-
zes por instrumentos fabricados pelos próprios
ciganos. As melodias revelam variadas influên-
cias, sobretudo do oriente. A paixão pela música
faz parte inclusivamente do processo de sociali-
zação primária da criança cigana e reflecte o seu
modo de viver.
Maria Falcão Malzbender
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A família é sagrada para os Ciganos. Sendo geral-
mente extensa, nela está, em lugar muito superior,
o amor e a estima profundos pelas crianças, que
representam a sua verdadeira fonte de subsistên-
cia. As crianças ciganas crescem livremente en-
tre os adultos e por eles são veneradas como o
maior bem da vida. Um papel muito importante
na etnia cigana têm também os idosos, chama-
dos por todos “tios”, pelos quais existe um respei-
to incontestado. As palavras e os conselhos dos
anciãos são sempre ouvidos e nunca são postos
em causa, sendo eles geralmente considerados
pelas suas qualidades de justiça e sabedoria, por
todos acarinhados e nunca abandonados, viven-
do na família até à morte, o que não é considera-
do um encargo mas um dever.
A mulher cigana tem uma função distinta no
seio da família, ocupando um lugar insubstituí-
vel de reconhecido valor, devido ao seu papel de
mãe e de companheira do homem cigano. Ainda
que submissa, a cigana, com toda a sua natural
superioridade e personalidade, goza, em geral, na
comunidade cigana de admiração.
Maria Falcão Malzbender
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ÍLIA
“Pelo olival desciam,
só bronze e sonho, os ciganos.
As cabeças levantadas
e os olhos semicerrados…”
Federico García Lorca
“Romance da lua, lua”
“Até nas flores se encontra
a diferença da sorte –
umas enfeitam a vida,
outras enfeitam a morte…”
Jerónimo Guimarães
(trovador cigano brasileiro do séc.XIX)
“A tua raça quer partir,
guerrear, sofrer, vencer, voltar.
A minha, não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar”
Cecília Meireles
… “Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada…”
Charles Baudelaire
“Ciganos em viagem”
Tudo o que voa é ave.
Desta janela aberta
a pena que se eleva é mais suave
e a folha que plana é mais liberta.
Nos seus braços azuis o céu aquece
todo o alado movimento.
É no chão que arrefece
o que não pode andar no firmamento.
Outro levante, pois, ciganos !
Outra tenda sem pátria mais além !
Desumanos
são os sonhos, também…
Miguel Torga
“Ciganos”
“Livres como o ar, livres como o vento,
Livres como as estrelas do firmamento…”
(canção cigana)
Exposições individuais
Na Alemanha, entre outras: Nikon Galerie, Duessel-
dorf. ¶ Em Espanha: Museu Municipal de Cáceres;
Escola de Artes, Mérida; Centro Universitário, Ba-
dajoz; Teatro Lopez Ayla, Plasencia. ¶ Em Portugal:
Mosteiro de Alcobaça; Palácio de Cristal, Porto;
Casa do Alentejo e Livraria “Ler Devagar”, Lisboa.
Em várias cidades e vilas do Alto e Baixo-Alentejo
: Câmara Municipal de Évora; Casa de Artes Mário
Elias, Mértola; Museu da Tapeçaria, Castelo e Ga-
leria de São Sebastião, Portalegre; Museu da Fo-
tografia, Elvas; Igreja de São Tiago, Monsaraz; Ce-
leiro da Cultura, Borba; Mosteiro de Flor da Rosa;
Cineteatro, Nisa; Casa da Cultura, Marvão e Caste-
lo de Vide; Casa do Povo, Granja.
Exposição colectiva
“Ciganos entre amigos”,
Universidade de Brasília, Brasil.
www.adalrichmalzbender.com
Nasceu em Berlim. É médico, casado com uma
alentejana de Portalegre. Foi a paixão pelo Alen-
tejo que o levou à fotografia, começando em 1976
a praticar essa arte, dedicando-se desde logo,
com muito entusiasmo, à fotografia tradicional a
preto e branco, técnica através da qual pensa po-
der melhor expressar o fascínio que sente pela
terra e gentes alentejanas.
O seu olhar escolhe, na verdade, muito em espe-
cial o povo alentejano no seu quotidiano, a pla-
nície, com toda a sua magia, solidão e silêncio,
os horizontes rasos, a luz e a alvura das vilas e
aldeias alentejanas e o povo cigano, com quem
contactou durante mais de 25 anos.
Outro tema fotográfico do seu agrado: a Escultu-
ra Românica em Portugal.
Publicou os livros “Alentejo”, Quetzal Editores, e
“Olhares ciganos”, Consejeria de Cultura de Ex-
tremadura, Espanha. Colaborou num livro sobre
pântanos e em variadas revistas na Alemanha, e
em Portugal, nas revistas Atlantis e Pormenores.
As imagens da exposição mostram ciganos que
vivem ou viveram nas seguintes vilas e cidades do
Alentejo: Alpalhão, Tolosa, Crato, Campo Maior,
Monforte, Estremoz, Cuba, Borba, Elvas e Beja.
Todas as fotografias foram feitas segundo o modo
tradicional, com máquinas fotográficas analógi-
cas, rolos e produtos químicos, segundo velhas
receitas, e reveladas numa câmara escura.
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