Camila Fernandes - o Chifre Negro

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    O ChifreNegro

    umcontodefadasadulto

    escritoeilustradopor

    CamilaFernandes

    Marode2006

    Respeite o direito autoral. No utilize este texto sem o prvio

    consentimento daautora. Caso desejefazer uso do referido texto, entreemcontato:[email protected]

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    Introduo

    O ChifreNegroteve seus 5 captulos publicados pela primeiravez emmeublogliterrio, O Demo Sentado emMeuOmbro. Estelivro digital, oue-book, traz avoco texto completo.

    Este o primeiro deuma sriede contos de fadas incomuns. O queos diferenciadas histrias clssicas quevoc ouviu na infncia? simples:estas so histrias para adultos deixem-nas forado alcance das crianas.Recheadas de simbolismo, magia, intrigas e, inevitavelmenteviolncia, so

    metforas para nossas prprias vidas. Falam do desabrochar para arealidade, daperdadainocncia, das decises certas eerradas, do amor e,claro, do dio.

    Aqui no hcensura, prncipesencantadosoufadasbenfeitoras. Aquiestamos ns seres humanos, com nossa beleza e nossa crueldade trilhando caminhosdeluz edesombra.

    Espero, leitor, que aprecie esta aventura metade sonho, metadepesadelo.

    CamilaFernandes

    escritora e ilustradora, co-autora dos livrosNecrpole histriasdevampirose Necrpole histriasdefantasmas(www.necropole.com.br). Conheaseuportflio em: www.camilailustradora.ubbi.com.br

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    Captulo1:Seasbelassoferas.

    O Rei ancioressonava pesado. Ohomem de p, nem tomais moo, tomou-lhe denovo apulsao. Pousouapalma leve da mo no

    peito quesubiaedescia. Seu corao est

    exausto falou numsussurro. Trabalhouduro por muitos anos equerdescansardevez.

    Ao seu lado, olhosse arregalaram em

    desesperana. Eramazuis, talvez demais, epertenciam moaque, sentada cabeceira do doente, afofava seu travesseiro. Filha, Princesa, cabelosdourados epelemuito claracoradapormanhs desol bom. Meninabelaameio caminho debelamulher.

    Ento ele vai morrer ela disse sem conformar-se. Nada maispodeser feito?

    O homemdebarba, sembigodes, franziuo cenho triste.

    Suaaltezafariamelhor em procurar o consolo nafelicidadedeumbomcasamento. Seriabomapressar-se, paraqueo reino no fiquesemumrei.

    E como queamortedeumpai podepermitirafelicidadedafilha,aindaque como melhor dos noivos? A Princesa selevantou, fugindo daidia. Alm disso... os pretendentes no me agradam confessou emmeia-voz.

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    Mas poderealizar o sonho deseu Rei, fazendo a paz como Reinoao Lado. Desposeo Prncipe Inimigo e terminarcoma guerraquefez deseupai umvelho to cedo.

    A meninaj no ouvia. Tinhaos pensamentos alm da janelaaberta,porondeencaravao horizonte.

    No disse. O dia bonito demais para um funeral. L... emalgumlugar, algo queno temosouno sabemos. Algo devecurarmeupai.Mdico, filsofo, Conselheiro o senhor sempre serviu bem a meu pai.Seja tambm meu Conselheiro, mas no me fale em npcias. Diga-mecomo salvaro Rei, poisno desejo outracoisa.

    O sbio pigarreou, vacilou; tinha as mos s costas, pensando seescondia ou revelava o que ia em sua cabea. Aproximou-se tambm dajanela.

    H uma coisa disse , outalvez no haja. No sei ao certo. Masseeupudesseperguntaraosantigos elesdiriamqueh.

    O que? O chifredeumunicrnio. O clicefeito do chifredeumunicrnio

    tornar o vinho em seu interior no remdio absoluto, curador de qualquermal. Contudo resmungou sem nimo , em todos os meus anos deestudoseujamaisvi um, nemconheoquempossuasemelhanteartefato.

    Poisento conhea. Consiga-meumchifredeunicrnio.O homemsuspiroulongamente. Um velho no pode obter isso. Um soldado, tampouco, nem um

    exrcito, nem um decreto real. E agora o homem ria um riso discreto,meio tosse, meio amargo, masparoueolhouaPrincesanosolhoscujo azul

    desafiavao do cu. Os unicrnios so criaturas raras, belas como corcisdivinos, mas ferozes como bestas do inferno. No, no; oshomens podemguerrear para arrancar seu poder e beber no seu chifre, mas um dessesanimais magnficos, se importunado, pode pr fim a uma legio. Assimdiziam os antigos, antes de eu nascer, no tempo em que meu prpriomestre era menino. Apenas um outro ser, seu rival em beleza, dignidade epureza, seriacapaz dedom-lo.

    E quecriaturaseriaessa? Umadonzela sorriuo Conselheiro.

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    A Princesavoltou-seemdesafio. Poruminstanteo velho imaginou-aofendida. Maselao encarounaseriedadedeumtmulo.

    Serei essa donzela falou. Diga o que preciso fazer para ter opoder do chifre do unicrnio. Diga-me aonde devo ir, o que devo dizer,cantarousacrificar.

    O sbio tinha uma tristeza aflita no rosto muito franzido quando atocouporinstinto nosombros.

    No dissecomfirmeza. Suaaltezaanicaherdeirado trono.Seo Rei morrereudevo zelarporsuasegurana. Acredite: essacriaturaquese parece comum sonho na verdade um pesadelo vivo. Se elaolhar em

    seus olhos e no a considerar digna, ir destru-la sem pena. No devecorrer perigo. Eu lhe peo: deixe que outra pessoa v em seu lugar. Hcentenas dedonzelas no Reino Daqui quecertamentesearriscariam felizespelavidadeseusoberano...

    No! respondeu a menina. Eu sou a filha do Rei. Quemmorreriaporelecommaisalegria?Queamorpodesermaisfortedo queomeu? E quem poderia acrescentou com um sorriso ligeiro de triunfo sermaisdignadoqueumaPrincesa?

    O Conselheiro a fitou demoradamente. Por fim, ps os olhos nocho.

    Com ou sem o Rei, em breveeu serei sua rainha disse ela numtomcontrolado. Por isso, faademeupedido umaordem. Diga-meondeencontrar o unicrnio e como devo me preparar para arrancar o chifre desuacabea.

    Assim, no dia seguinte, muito cedo, a Princesa partiu para a floresta

    acompanhadademetadedaguardareal, comitiva estranha e agressivaparaumamanhto suave. Lideravao grupo armado umCapito heri, homemdemuitas batalhas epoucas palavras. Ia triste: amavao Rei epensavaqueaPrincesa, na iminncia deperder o pai, enlouquecera. Procurar unicrnios!Mas ela ia de queixo erguido, montada na gua mansa cor de canela, olongo vestido de linho branco acenando na brisa, a cabeleira de ourorivalizando como sol. Umanoivapredestinada, pensariamos viajantes que

    a vissem. Mas a comitivano tomoua Estrada Real. Seguiram em filapelatrilha que levava ao Bosque Escuro, primeiro larga, percorrida na boa

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    estao por nobres caadores com seus ces e arcos e criados, depoisestreita e hostil, fazendo as espadas sarem das bainhas para abriremcaminho comfora.

    O Conselheiro devia ficar, velar o Rei em agonia, e daquela janelaobservou o cortejo ser engolido, soldado aps soldado, pela folhagem doBosque. Suspirou uma prece aos espritos das rvores para que dessembomtermo misso daPrincesa.

    Sepreciso, arrancarei o chifreda bestacomminhas prprias mos jurara, cruel, adonzela efarei comsuapeleumcasaco deinverno.

    A Princesa tinha flores silvestres em feio de coroa em torno da

    cabea. As ptalas frescas perfumavam seus cabelos. O orvalho da noiteainda brilhante nas folhas do bosque colocou diamantes de gua em suasbochechaseclios. Ossoldadossuspiraramfelizespor escoltarumanjo.

    A mataeradensa, mas acomitivachegou por fimaumaclareira, eaPrincesa ergueu a mo: bom lugar para apear. Os guerreiros sabiam o quefazer. Ocultaram-se como animais de caa no Bosque Escuro, no muitolonge, no muito perto,eaPrincesasentou-seentreasrazesdeumarvorefrondosa, suas pernas muito juntas, joelhos arqueados, as saias brancasespalhadassobreasfolhassecas, tapetequeestalava.

    E esperou.

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    Captulo2:A caaaotesouroalheio.

    Viu o sol subire vazar em raiosluminosos entre ascopas das rvores esentiu fome, e nadaaconteceu que no o

    salto de uma lebre eo vo dos pssaros,mas ela no quispartir. Seu pai, o Rei,esperava por ela nocastelo: estavadeterminada. OCapito, seu servofiel, zelava por elaentre os arbustos:

    estavasegura.Viu tambm o sol ir desmaiando lento em sua cama no oeste,

    estendendo no cu umlenol prpura. Mas aindaassimno seergueu parapartir. Foi quando ouviuo estalo, aquelequefez seu corao saltar. Ouviuoutro estalo, eestefez deseupeito umtambor.

    Os sons delicados da mata em movimento logo revelaram o rudoseco dos cascos. Vacilaram, desconfiados talvez, mas se avizinharammesmo assim.

    A grande cabea surgiu do verde do bosque. Era negra, espantosa;erguia-se no topo de um pescoo longo e forte e patas poderosas cujostornozelos arrastavam longas franjas negras sobre os cascos. O corpo serevelou alto, reluzente. A criatura deteve o passo, como se soubesse dos

    olhos que dissimulados a admiravam. E o chifre feito de grossos anis,

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    reto, muito agudo e lustroso como uma adaga de obsidiana rebateu umraio desol ecegoutodasasvistas.

    A Princesa levou a mo aos olhos para proteg-los, mas era tarde.ForatocadapelabelezadoUnicrnio.

    O grandeanimal negro aproximou-se, o somdeseus passos fazendoeco no corao dadonzela. Parouaumadistnciadecisiva, emquepoderiatoc-la com o focinho de veludo ou trespassar seu corpo com a lana emsua testa. Bufou impaciente. Mas a Princesa no temeu, nem piscou.Sustentou o olhar nos olhos muito pretos da criatura: de to pretos, quaserubros.

    Sentiu a pontado chifre roar perigosa em seu rosto, e no tremeu.Ento o animal baixoudevez o pescoo, arqueouumaperna, depoisoutra,epor fimrepousouapesadacabeano colo daPrincesa. Elamergulhouosdedos delicados na sua crina selvagem. O nobre animal se rendera; erarefm da beleza de uma donzela, e o tempo parara naquele colo branco,naquelacrianegra, etudo erasilncio.

    Mas um novo estalo sefez ouvir, e outro, eoutro, e logo uma dziadeguerreiros armadosseerguia, metal entrefolhas, saltando paraaclareiraecercandoo idlico par.

    O Unicrnio retesou-se, fera acuada, quando um lao vooupara seupescoo. Seguiu-se outro, e ento mais outro, e o animal teve sua cabeapresa por grossas cordas. A Princesa gritou, subitamente desperta,subitamente arrependida do crime que antes desejara ardentementecometer. O Unicrnio devia morrer para que seu pai vivesse. Mas elagritava, oh, no, oh, no, e os soldados, fiis misso, eram surdos sua

    splica.O animal aquietou-se, resfolegando do esforo pela liberdade, e

    julgaram-no derrotado. Um ou dois suspiros dealvio eassobios devitriaseergueramnaclareira. Maso olhardo corcel secruzoucomo daPrincesa,eelachorava, easlgrimasemseusolhoseramto genunas quanto o dionosdele.

    De repente, o Unicrnio empinou-se, ento, corcoveou e suas patas

    traseiras atingiram o peito deum soldado, atirando-o deumavez no cho.O animal o pisoteou, umato calculadoqueesmagouo pescoo do homem,

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    e uma chuva de coices seguiu-se. A fera bufava, relinchava furiosa,arremetiacontra os soldados. Derrubou dois, pisando com fora por cimade seus escudos, escoiceando e se contorcendo. Um arqueiro lhe acertouumaflechano flanco direito, eo animal correuparaeleeo golpeoucomaspatas dianteiras. O sangueescorreu farto daferida, mas seu dio eramaiordo que sua dor. Outro guerreiro investiu contra ele empunhando umaespada; o gil garanho escapou do golpe curvando-se e usando o prpriocorpanzil paraesmagaro inimigo contraumarvore. Umaum, ossoldadosda Guarda Real sofreram a fria do animal trado. Mas ele reservou suaarmamaisletal parao ltimo, o lder, o Capito.

    O Unicrnio raspou o cho com a pata esquerda, o pescooarqueado, os olhos fixos no combatente. O Capito, cienteda nobrezadocorcel, curvou-se em reverncia, mas manteve a espada em punho,reconhecendo a luta iminente. Ento, homem e besta correram deencontro um ao outro, e a lmina colidiu contra o chifre negro. O animalganhoudistnciaeinvestiumais umavez, s mais uma, contrao guerreiro.Mas seu chifre no procurou a espada. Encontrou o peito do Capito e,rompendo metal, carne e osso, perfurou seu corao. Uma morte dignaparaumdigno adversrio.

    O corpo do homem tombou quando o Unicrnio retirou depressa,ato nico, seu chifre do peito rompido. Bufou e ofegou, e seu olharpercorreu a clareira. O sangue banhava seu peito, sangue dele edeoutros.Os inimigosjaziamno cho. Restavaum, porm, eestesoluavaagarradoauma rvore, os grandes olhos azuis comprimidos no rosto, as moscrispadasjunto ao peito. A Princesachorava.

    Atreveu-se a olhar nos olhos da negra besta, e no desviou os seus.Deviamorreragora. Queo fizesseento decabeaerguida.

    Mas o animal no se aproximou, no corcoveou, nem a alcanoucom a lana que tinha por chifre, agora vermelha do sangue de um heri.Ele a encarou por um longo instante de mgoa; ento, deu-lhe as costas.Galopouparalonge.

    A donzela viu confusa o corcel se afastar. Depois, levantou-se e

    olhou ao seu redor: o horror da matana e dos corpos espalhadosfinalmente a tornara insensvel. J no conseguia chorar ou gritar. Tentou

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    andar, e suas pernas demoraram para cumprir sua vontade. Os passosmidos se afastaram devagar daquele local de morte. Devia voltar para ocastelo e conformar-se; prantearia o pai e vestiria preto, ento vestiriabranco outra vez e enviaria emissrios ao Prncipe Inimigo, solicitando-ocomo aliadoemarido. Assimdeviaser.

    Olhou ao seu redor, porm, e no reconheceu a mata. Correu paraum lado, depois para outro; a trilha aberta pelos soldados fora como queengolidapelasrvores. Ento, comumgemido, admitiuqueestavaperdida.

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    Captulo3:A serventiadavirtude.

    Andou e andou por sobre pedriscos e lama, buscando sinais doprprio caminho. Os raios do sol j no passavam pela folhagem. O cuescurecia e ela no conhecia as estrelas, no sabia traar seu percurso porelas como um cavaleiro ou navegante. Ento, realmente sentiu medo. Suaboca estava seca e seu estmago se contorcia. Era uma Princesa, nascidaentrebordadosecriados, enadasabiadoBosqueEscuro.

    De manh, pensou, veria o sol e por ele saberia seguir para o leste.

    Mas era noite, e teria de salvar-se de tudo o que se movia nas sombras.Ouviusonsno fundo damataesentiuseucorpo gelar defrio etemor. Masviu tambm uma luz e assim teve certeza de que eram homens. Sim:cavalheiros, decerto vassalos do Rei! Eles a conduziriam em segurana aocastelo. Porisso, semmuito pensar, elacorreuparaaluz.

    Os homens se sobressaltaram ao ver surgir dentre as rvores adonzelaresfolegante, o vestido sujo de barro esangue, agrinaldade floresdesmanchada nos cabelos eriados. Olharam para ela com indecifrvel

    interesse. Era um pequeno grupo, um senhor bem vestido e quatro

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    empregados que recolhiam o pesado corpo de um javali morto haviapouco. A luz vinha do candeeiro que um deles carregava. Por fim o ldersorriu. Masno eraparaelaquesorria.

    Vejam disseparaseus homens, umpresentedo bosqueparaoscaadores.

    E osservosriram, masadonzelaofendidarespondeucomfirmeza: SouaPrincesado Reino Daqui!Ento oshomensgargalharamcommaisgosto. Uma Princesa no anda sozinha na mata disse o senhor nem

    vesteroupas imundas. E dizendo isso deu um puxo nabarradasuasaia

    jdesfeita, queafez gritaremprotesto. Sou a Princesa e exijo que me levem ao castelo Daqui! O Rei os

    recompensarcommuitagenerosidade. Sefossemesmo aPrincesa, saberiaqueo Rei estmorto. mentira! gritou em lgrimas. Ele vive! E ainda viver

    quando... No viver muito tempo de qualquer jeito. O homem se

    aproximoudelacomum sorriso maldoso, eelasemquerer recuou. Almdo mais, no estamos no Reino Daqui. Voc cruzou a fronteira h muitotempo, Princesa dos Mendigos. Estamos no glorioso Reino ao Lado. Eaqui a lei do seu Rei lixo. Falando assimelesevirouparaseus homense, sem olhar para elaumasegunda vez, repetiu: Uma pequena ddiva damataparaoscaadores.Faambomuso dela.

    Sim, meuPrncipe responderamos servos.A donzela gritou, vociferou, xingou e suplicou, mas naquela noite,

    naquele lugar, suas palavras nadaeram. Os homens tentaram silenciar seusprotestos com golpes no rosto. Depois, desistiram disso ou passaram aachar graa nos seus gritos. Eles violaram sua honra e se divertiram comseu corpo repetidas vezes antes de ordenar que fosse embora se noquisesse morrer. Apenas o Prncipe Inimigo no quis toc-la, pois nogostava de mulheres sujas, e enquanto os homens riam e a empurravamentresi eletambmsorria, chamando-aPrincesadosPorcos. Foi umanoite

    muito longa.

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    Naquela manh o sol tinha uma luz morta, enlutada num vu denuvens, e o cu ficou cinzento. A Princesa abriuos olhos e no estavaemsua cama. No sonhara. Naquela noite, havia realmente perdido muito;coisas depouca importncia, como os sapatosdepelica, quemesmo assimfaziam faltaaos seus ps descalos sobrepedras eespinhos; e coisas caras.Muito caras.

    Tocouos prprioslbios esentiuo sanguequesecarasobreeles; suaboca latejava. Ento, levouamo ao baixo ventre eao toquedos prpriosdedos ela sentiu dor outra vez. Uma dor que j no estava ali, no corpo,masnaalma, equeno passaria.

    Podiaser Princesa, mas jno eradonzela, eumacoisadenadavaliasemaoutra. Nobrealgumadesposariaagora.

    Tinhaamenteperdidaemmil dilemas edores; mal sedeu contadossons que se aproximavam depressa. Homens namata. Seu corpo todo sepreparou para a fuga, para a proteo; mas acabou por reconhecer que asvozespertenciamasoldadosequeessessoldadoschamavam... porela.

    Sim. Todo umdiasepassaradesdequedeixarao castelo. Certamenteo Conselheiro decidira mandar uma tropa em busca da que partiraescoltando a Princesa. Naquele momento, j deveriam ter passado pelosguerreiros mortos erecolhido seus corpos. Mas ainda precisavam devolverao Rei sua querida filha, mesmo que para isso devessem atravessar oBosqueEscuro atoslimitesdoReino ao Lado.

    Quando percebeuasvozesperto demais,escondeu-se.O Prncipe Inimigo dissera que seu pai enfim morrera. Se fosse

    verdade, ento tudo estava perdido. O Rei morto, o Capito desua guarda

    assassinado, a Princesa desaparecida: o reino logo seria reclamado poralgum duquevizinho ou invadido pelas tropas do Reino ao Lado. Se fossementiraeseu pai aindavivesse, dequeadiantariavoltar ao castelo?Falharaemobter acuraparaseumal eestavadesonrada. Trariavergonhaao ReinoDaqui, viveriaenclausurada, morreriasozinha.

    No voltaria; no podia. Que por todo o reino acreditassem que elaperecera, como osbravosqueaacompanhavam, sobaspatasdaferadeum

    s chifre, buscando a curapara o Rei. Que seu nome fosse lembrado comhonraetristezaeno comvergonha.

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    Deixouqueos homens passassem por perto sem responder aos seuschamados. Depois, afastou-senadireo contrria.

    Mas que faria de si mesma? Que destino teria, perdida em terrasinimigas? Buscar uma vila, quem sabe, e imiscuir-se entre os miserveis,entreos doentesearruinados, efinalizar assimsuadesventura?Desgraada,vender o corpo, havia pouco virginal, por um pedao de po? No... oh,no.

    Haviaumdeserto emsuagarganta. O sabor amargo nabocatambmpediagua. Elavagoulentamente, procurando ondematarsuasede. E foi beiradeumpequenolago queencontroumaisdo queesperava.

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    Captulo4:Nomal,acura.

    Ali, naoutra margem,oculto nassombras das

    rvoresfrondosas como

    um rei sob odossel de suacama. Ali estavaele. Negro,ainda vigoroso,mas combalido.Estava deitado

    emsuasprpriaspatasdobradas, acabeabaixa, como asuportaro peso deum grandesofrimento. Seus olhos estavam fechados; seu peito, perfuradoaindapelaflecha.

    Por um instante ela no se moveu e nada disse. Seria o Unicrniocapaz depercebersuapresena?Teriaeleagoraumdio ferino, mortal, porsuafigura?Perguntasqueadistnciaeo silncio no poderiamresponder.

    A Princesa ps um p na gua, sentiu-a fresca; depois, o outro, episou com cuidado as pedras lisas do leito do lago, experimentando sua

    profundidade. Logo suas pernas sumiram e suas roupas, se ainda erapossvel chamar roupas aos trapos que arrastava, se enfunaram nasuperfcie da gua. Seu corpo afundou at a altura do peito e ela sentiu ofrescor afagar sua carne ferida. O que restara do seu vestido s faziatranstornar-lhe o passo. Livrou-se ento dos andrajos, que escorregarambrancos e leves no espelho prateado do lago feito nuvens no cu cinzento.Quando alcanouamargemrasa, estavanua; sentia-selimpa.

    O Unicrnio finalmenteergueu a cabea e a viu, mas nada fez paradefender-seouatac-la. Observou enquanto elasaadagua. Seuolhar no

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    falava de traio ou vingana. Apenas fitava. O peito estremecia com arespirao sfrega. A ferida no sangrava mais, mas a flecha estava ali,fincada, dolorosa.

    A Princesa seaproximou e seajoelhou devagar diante da criatura. Oanimal que ela desejara domar e matar e pelo qual se embrenhara noBosque Escuro e perdera sua virtude agora estava ali, uma vez mais disposio desuacompaixo oudesuacrueldade.

    Na clareira ela murmurou eu o tra, e voc me deixou viver.Voc deveria me odiar, mas no vejo dio em seus olhos. Eu perdi tudocaando-o. Tambmdeveriaodi-lo. Mas...

    Ela detevea prpriavoz, tocando na flecha comosdedos finos quelentamente a envolveram e com fora comearam a pux-la. O Unicrniobufou e se remexeu, mas no se ergueu ou saiu do lugar. A dor arrancoudeleum relincho sofrido, e o esforo fez a Princesa grunhir, mas a flechapor fim soltou-se do corpo negro. Respingos de sangue pintaram o rostodamenina eum fio ainda escorreu da ferida. No entanto, livreda flecha, acarnedo forteanimal securariasozinha.

    A Princesaento terminousuasentena: No o odeio. Queria dom-lo, mas fui domada. Como voc, fui

    atrada, emboscada eferida no corpo enaalma. S agora compreendo oquedissemeuConselheiro.Ns somos iguais.

    Ergueu-se e acariciou a testa aveludada do animal, que esticou opescoo emsuadireo. A pontadoperigoso chifrepousoucomsuavidadeno queixo da menina; depois, deslizou para o ventre. O toque a envolveunumcalormomentneo ebem-vindo. E elano sentiumaisdor.

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  • 7/23/2019 Camila Fernandes - o Chifre Negro

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    Captulo5:Final.Feliz?

    No quarto escuro o Rei ergueu devagar a mo. O Conselheirosentou-seao pdacamaeapanhou-a; foraforteevigorosa, masagoraeraamo deum ancio exaurido pelos anos edevorado peladoena. Os lbiosse moviam, mas o Rei j no tinha voz. O sbio homem ao seu lado,

    porm, percebeuqual eraasuaperguntamuda. No, sua majestade sussurrou. Os soldados ainda no a

    encontraram. Eulamento muito.Seus olhos e ouvidos subitamentesevoltaram para um somabafado

    que vinha de longe. O som transformou-se em baques surdos e por fimfortes,prximos,constantes,velozes:umgalope.

    O Conselheiro teve apenas tempo delevantar-se antes que as portas

    do quarto se escancarassem num estrondo sob o choque de cascos erevelassem o corpanzil de um belo corcel negro. O velho nada fez, por

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    vontadeprpriaou incapacidade, quando viuo animal adentrar o aposentotendo em seu dorso uma menina. Ou antes, uma mulher: nua como umbeb, apenas os longos cabelos cor de ouro cobrindo mal e mal suasvergonhas. Elereconheceu em seu rosto as feies daPrincesa. Mas afilhado Rei era uma criana inocente e impetuosa, com a meiguice que a boavidano castelo conferia; estamulhertinhanafaceadurezadeumguerreiroeadeterminao deummonarca.

    Suaalteza guaguejouo homem. Aindavive. Abenoadaseja!Mas elao olhou apenas por um instanteantes de deslizar do lombo

    doanimal parao cho, ondeospsdescalosmal soaramao pousar.

    Meu pai disse, debruando-sesobreacama. O velho reconheceuavoz dafilha, masconteveo esforo desemoverao avistaracabeanegraqueseaproximavadasua.

    O chifredo Unicrnio reluziuparcaluz dasvelasesuapontatocouatestado Rei. Repousouali porummomento; o enfermo ento sugouo arcom fora, seu corpo magro se retesou e suas mos se crisparam noslenis. Desabousuavementenacama. Seusolhos seabrirammorosamenteeabocatremeu, masnadadisse. Eleestavaassombrado.

    s vezes ns tentamos tomar pela violncia aquilo que nos seriaconcedidodebomgrado disseaPrincesa, afagando complacenteasrugasdo soberano. Perde-se, assim, ahonra. Perde-seasanidade.

    Ento, voltou-separao Conselheiro. Meupai estcurado faloucomautoridade. Logo, estardepe

    forte como um varo. Mas precisa repousar ainda um pouco mais.Devemosdeix-lo.

    Apanhou as cortinas do dossel e cerrou-as, isolando o reiconvalescente.

    Sua alteza... O velho enrubescia diante do corpo nu da mulher,maselajno sentiavergonhadesuanudez.

    Voc desejava casar-me com o Prncipe Inimigo. Bem, eu oconheci, e no acredito que daria um bom esposo para qualquer mulher.Traga-mepoispapel, tintaepena; irei descrever, ato porato, tudoo queele

    e seus homens me infligiram. Quando meu pai acordar, voc entregarminhacartaaele. O Rei faro quedesejarcomesseconhecimento.

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    OsolhosdoConselheiro cresceramaindamaisdeespanto eangstia. Suaalteza, o queele... Apenasprometa. Euprometo, minhaPrincesa respondeu, submisso.A mulher sorriu para ele um sorriso desconhecido: entre esperto e

    amargo. SuaPrincesaestmorta disse. Subiugil parao dorso do corcel e

    acarinhou seu pescoo, deixando que suas mos afundassem na crinadensa. Assim como o Prncipe Inimigo logo estar, se o Rei ainda for ohomemquejfoi.

    O Conselheiro observou mudo enquanto a dupla saa a galope nomesmo caminho pelo qual haviachegado. Ficou vendo aPrincesa, mulher,no mais menina, afastar-se pelo corredor montada no imenso Unicrniodeplo negro, oscabelosdourados, livres, selvagens, varrendo as costasdoanimal.

    Ele ento olhou para a janela, pensando que o paraso de uns oinferno deoutros. O sol acenoudetrsdasnuvens, concordante.

    Fim.