Camila Costa Zanetta - Jogos teatrais como colaboradores...
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE ARTES - CEART
LICENCIATURA EM MÚSICA
CAMILA COSTA ZANETTA
JOGOS TEATRAIS COMO COLABORADORES NO PROCESSO PEDAG ÓGICO
DO CANTO
Florianópolis, SC 2012
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CAMILA COSTA ZANETTA
JOGOS TEATRAIS COMO COLABORADORES NO PROCESSO PEDAG ÓGICO
DO CANTO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora como requisito parcial para obtenção de título de Licenciada em Música no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Orientadora: Profª. Ms. Daiane Dordete Steckert Jacobs Coorientadora: Profª. Ms. Alícia Cupani Fabiano
Florianópolis
2012
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CAMILA COSTA ZANETTA
JOGOS TEATRAIS COMO COLABORADORES NO PROCESSO PEDAG ÓGICO
DO CANTO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora como requisito
parcial para obtenção de título de Licenciada em Música no Centro de Artes da
Universidade do Estado de Santa Catarina.
Banca examinadora
Orientadora: _______________________________________________________ Profª. Ms. Daiane Dordete Steckert Jacobs UDESC Coorientadora: ____________________________________________________ Profª. Ms. Alícia Cupani Fabiano UDESC Membro: _______________________________________________________ Profª. Dra. Viviane Beineke UDESC Membro: _______________________________________________________ Profª. Dra. Janaína Träsel Martins UFSC
Florianópolis, Santa Catarina, 03 de dezembro de 20 12 (03/12/2012)
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Aos sempre presentes, em especial:
à família, ao Allan, e aos grandes
amigos Cleber e Eloise.
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AGRADECIMENTOS
À família, em especial a minha mãe, a quem tanto amo e considero exemplo
de superação e determinação.
Aos meus dois grandes e maravilhosos amigos, Cleber Rosa Floriano e Eloise
Hack Barbi, presentes há sete anos. Sem vocês minha vida perderia um tanto de
graça. Amo-os!
Aos colegas que conheci logo no início da graduação e que fizeram deste
período, além de muito agradável, bastante cômico: João Alexandre Stein, Franciely
Beckert, Guilherme Albanaes, Luísa Favero, Flávia Azevedo e Guilherme Wolff.
À Cecília Marcon Pinheiro Machado, pela colaboração nas filmagens durante
as semanas das práticas da pesquisa e pela gentileza ao se dispor para ajudar no
que fosse preciso.
Aos professores do Departamento de Música, em especial àquelas que me
impulsionaram a repensar o ensino e a aprendizagem da Música: Viviane Beineke,
Gabriela Flor Visnadi e Silva e Eliziany Perla Ferreira.
À professora Daiane Dordete Steckert Jacobs, pela parceria e aceite desta
orientação e por pacientemente orientar este trabalho, compreendendo os diversos
compromissos e situações que vivenciei neste semestre. Muito obrigada!
À professora Alícia Cupani Fabiano, que gentilmente cedeu o espaço de suas
aulas para a prática da pesquisa, além de coorientar este trabalho.
Finalmente, ao Allan Falqueiro, a quem amo e admiro. Obrigada pelo carinho,
compreensão, apoio em todas as circunstâncias e pelos momentos especiais vividos
juntos. Por estar sempre presente, ajudando-me em todas as situações e inclusive
pelas inúmeras participações neste trabalho: fotografando e filmando a prática da
pesquisa, revisando o texto, sugerindo acréscimos, criando comigo as ilustrações,
entre outras. Sem o seu apoio técnico, psicológico, dedicação e muitos abraços,
este trabalho não chegaria ao fim. Muito obrigada!
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RESUMO
ZANETTA, Camila Costa. Jogos teatrais como colaboradores no processo
pedagógico do canto . 2012. Monografia (Licenciatura em Música) – Universidade
do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2012.
Este trabalho procura investigar quais as possíveis contribuições dos jogos teatrais
no processo pedagógico do canto, a partir da perspectiva de estudantes e dos
autores pesquisados. Baseia-se na interdisciplinaridade e na ludicidade, tendo
possibilitado aos alunos da disciplina Grupos Musicais - Expressão Vocal II, do curso
de Licenciatura em Música da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
experiências que envolveram música, teatro e jogo. Foi realizada uma revisão
bibliográfica sobre o jogo enquanto contexto lúdico, os jogos teatrais, a educação
musical e, finalmente, sobre a técnica vocal e o processo pedagógico do canto.
Jogos teatrais foram criados ou reelaborados para esta pesquisa, sendo propostos
para uma vivência prática. A pesquisa-ação permitiu o desenvolvimento de tais
propostas com os universitários. Os meios utilizados para a coleta de dados foram
os registros em vídeo, entrevistas semiestruturadas e protocolos. Os estudantes
refletiram sobre a contribuição da ludicidade para as aulas de canto, sobre o
relaxamento, a descontração e a desinibição como fatores decorrentes de se estar
em jogo, além de terem recriado e sugerido alterações para os jogos teatrais
vivenciados. Discorreram diversas vezes sobre a maior facilidade em “se soltar”
possibilitada pelo jogo. Portanto, através das reflexões dos alunos, pudemos
argumentar sobre as contribuições dos jogos teatrais para o ensino e a
aprendizagem da voz cantada.
Palavras-chave: Jogos teatrais; Educação musical; Canto.
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ABSTRACT
ZANETTA, Camila Costa. Theater games as contributors in the singing’s
pedagogical process. 2012. Monograph (Graduation in Music) – Universidade do
Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2012
This paper investigates the possible contributions of theater games in the
pedagogical process of singing, by the perspective of students and researched
authors. The research is based on the interdisciplinarity and ludicity, providing to
students of the class Musical Groups – Vocal Expression II, from the graduation
course of music in the State University of Santa Catarina (UDESC), experiences that
involved music, theater and game. A literature review about games as ludic context,
theater games, music education and, finally, about singing technique and its
pedagogical process was made. Some theater games were created or reworked to
this research, being proposed to a practical experience. So, beyond the literature
review, an action-research was made to the usage of these proposals with
academics. The data collection methods were video recording, semi-structured
interviews and protocols. The students speculated about the contribution of ludicity to
the singings classes, about relaxation and the disinhibition as resulting factors of the
game usage, also creating and suggesting changes to the theater games
experienced. They discoursed several times about the easiness of “staying loose”
enabled by the game. Therefore, through the student’s thinking, we could argue
about the contributions of theater games to the teaching and learning of singing.
Key-words: Theater games; Music Education; Singing.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Estrutura do jogo "Circuito em pane" ........................................................ 64
Figura 2 - Modificações na estrutura do jogo "Circuito em pane" .............................. 65
Figura 3 - Estrutura do jogo "Espelhos ao lado" ........................................................ 67
Figura 4 - Protocolo de Astolfo (Aula 1). ................................................................... 96
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1 O JOGO ................................................................................................................. 14
1.1 DESDOBRANDO CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS .................................... 16
1.2 AS FUNÇÕES DO JOGO .................................................................................... 19
1.3 JOGO E EDUCAÇÃO MUSICAL ......................................................................... 22
1.4 JOGOS TEATRAIS ............................................................................................. 26
2 TRABALHANDO COM A VOZ CANTADA ................... ......................................... 34
2.1 O QUÊ CADA JOGO TRABALHA? ..................................................................... 35
2.2 TÉCNICAS PARA A VOZ CANTADA PRESENTES NOS JOGOS TEATRAIS .. 36
2.2.1 Atenção e escuta ............................ ................................................................ 39
2.2.2 Relaxamento, alongamento e aquecimento corpor al.................................. 40
2.2.3 Respiração .................................. .................................................................... 42
2.2.4 Ressonância ................................. .................................................................. 44
2.2.5 Articulação ................................. ..................................................................... 46
2.2.6 Afinação e ritmo ............................ ................................................................. 47
2.2.7 Interpretação ............................... .................................................................... 49
2.2.8 Integração voz-corpo-emoção ................. ..................................................... 50
3 POR UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR: O JOGO TEATRA L COMO
FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA AS AULAS DE CANTO ...... ........................ 52
3.1 EXPERIÊNCIA COM UNIVERSITÁRIOS: METODOLOGIA ............................... 52
3.2 DESENVOLVENDO OS JOGOS TEATRAIS NA DISCIPLINA GRUPOS
MUSICAIS - EXPRESSÃO VOCAL II ........................................................................ 59
3.3 OS JOGOS .......................................................................................................... 59
3.3.1 “Circuito em pane” .......................... ............................................................... 60
3.3.1.1 Alterações para “Circuito em pane” ........ .................................................. 64
3.3.2 “Espelhos ao lado” .......................... .............................................................. 66
3.3.2.1 Alterações para “Espelhos ao lado”......... ................................................. 68
3.3.3 “Um regente e cinco teclas: o piano cantado” ............................................ 69
3.3.4 “Jogo das placas” ........................... ............................................................... 71
3.4 ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE OS DADOS COLETADOS ............................. 72
9
3.4.1 No desenvolver dos jogos e nos momentos de re flexão ............................ 73
3.4.2 Entrevistas ................................. ..................................................................... 85
3.4.3 Protocolos .................................. ..................................................................... 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ...................................................... 100
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 103
APÊNDICE – Fotos da prática da pesquisa-ação ...... ......................................... 108
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho integra linguagens artísticas, unindo práticas teatrais às
musicais. Ambas as práticas serão analisadas no contexto do processo pedagógico
do canto.
A pesquisa baseia-se em perspectivas educacionais apontadas por Teca
Alencar de Brito (2001, 2004), Paulo Freire (2008, 2009) e Hans-Joachim
Koellreutter (1997a, 1997b), ao passo que entende os espaços de ensino e
aprendizagem enquanto ambientes nos quais os indivíduos podem ser ativos e
usufruir de liberdade e autonomia nos processos de educação musical.
Para tais resultados, o jogo é indicado enquanto ferramenta pedagógica e
ambiente lúdico favorável à espontaneidade e à liberdade em processos
pedagógicos. Fundamentamo-nos principalmente em Johan Huizinga (2000),
Antonio Januzelli (2003), Eugenio Tadeu Pereira (2012) e Viola Spolin (2007) para
apontar o jogo como espaço lúdico capaz de cativar o jogador, gerar descontração,
relaxamento, afinidade grupal, além de ser um caminho para se estimular no aluno o
que ele pode oferecer em termos de improvisação e criatividade, desenvolvendo sua
capacidade de tomar decisões.
Nesta pesquisa pensamos na ludicidade e na contribuição do jogo como
ferramenta pedagógica, além da importância de se abordar as linguagens artísticas
de forma não fragmentada, mas integrada, interdisciplinar, propondo o jogo teatral
como espaço para o aprendizado da técnica vocal. Assim sendo, o trabalho com
estudantes de canto passa a abranger não apenas aspectos técnicos de treinamento
muscular, respiratório ou de escuta e afinação, mas também questões a respeito do
trabalho corporal, da interpretação do cantor e da expressão, lidando com suas
atitudes em palco e contemplando os aspectos envolvidos no ato de cantar em
público.
Encontramos no jogo teatral a possibilidade de agregar, para o processo
pedagógico do canto, o trabalho do corpo, da voz e da emoção.
Na prática profissional do canto e na prática docente, pudemos desfrutar da
integração entre música e teatro, tanto através de apresentações artísticas e
participações em diversas oficinas, como levando para a sala de aula diferentes
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jogos aprendidos e estando atentas às reações dos alunos frente ao ato de jogar.
Percebemos que em jogo os alunos ousam fazer e criar aquilo que, fora de jogo,
muitas vezes não possuem coragem nem de tentar. Este foi o primeiro fator que nos
levou a pensar no jogo, especificamente no jogo teatral, enquanto prática a ser
inserida nas aulas de canto. Além disso, durante nossos estudos de canto, notamos
por diversas vezes que, para ministrar uma disciplina sobre a voz cantada, oficinas
de canto, palestras, entre outros, eram escolhidos aqueles reconhecidos como bons
intérpretes. Logo, os profissionais com boa técnica vocal e bela voz eram os
escolhidos enquanto professores de canto. Porém, os mesmos, quando colocados
frente ao ato de conduzir uma aula, muitas vezes encontravam dificuldade em obter
boa receptividade por parte dos alunos ou participantes do curso, oficina, etc. As
reclamações mais comuns partiam da seguinte frase: “ele/a não tem didática
alguma”.
Nem sempre é fácil para o aluno ser colocado para cantar diante de uma
turma ou de um grupo de alunos participantes da mesma oficina, masterclass, etc.
Portanto, destacamos a importância desta pesquisa à medida que aponta a
necessidade de termos como professor/a de canto não apenas bons cantores, mas
profissionais que levem em conta reflexões sobre o processo pedagógico, pensando
o estudo do canto de forma mais ampla, ao trabalhar o corpo, a voz e a emoção.
Em conversa com colegas que participavam dos mesmos eventos ou aulas
que as nossas, desde antes da entrada na universidade, ouvimos frases como:
“deveria haver alguma dinâmica para unir o grupo antes”; “eu estava constrangido/a
para cantar porque o clima estava muito formal”; “faltou integração entre o grupo
para tudo ficar mais descontraído e todos conseguirem cantar mais tranquilamente”;
etc. Todos estes apontamentos parecem se repetir a cada nova oficina, masterclass,
palestra, conversas...
Porém, bastante diferente foi a experiência na Oficina “Interpretação Vocal”1,
ministrada por Tatiana Parra2 com monitoria de Giana Cervi3. Não haveria tempo
1 Oficina pertencente à programação do 15º Festival de Música de Itajaí, realizada de 12 a 19 de abril de 2012. Instituições promotoras do evento: Prefeitura de Itajaí, Fundação Cultural de Itajaí, Conservatório de Música Popular/Cidade de Itajaí e Teatro Municipal de Itajaí.
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para levantarmos aqui os apontamentos positivos ouvidos dos colegas participantes
e refletirmos sobre a contribuição desta vivência que integrou corpo, voz e emoção.
Todos os dias após a Oficina (que durou uma semana), anotávamos as experiências
vividas naquele período, desde os trabalhos de escuta, apreciação, criação,
improvisação vocal, dinâmicas de aquecimento corporal, aspectos técnico-vocais,
exposição e comentários sobre diversos livros e autores que discutem o objeto “voz
cantada”, abordando-se as pesquisas sobre tal, entre muitas outras. Hoje podemos
perceber que, os jogos desenvolvidos por Tatiana Parra e Giana Cervi naquela
oficina, voltada para o trabalho da interpretação vocal, podem ser classificados
enquanto jogos teatrais e, outros ainda, enquanto jogos dramáticos4.
Percebemos que a experiência de ambas não apenas enquanto intérpretes,
mas enquanto professoras que pensam o processo pedagógico e a abordagem do
canto de modo mais integrado (corpo, voz, emoção e interpretação), foi fator
determinante para a oficina ter bons resultados e render excelentes comentários. A
afinidade entre o grupo foi bastante desenvolvida através dos jogos e o ambiente
tornou-se descontraído e propício para cantarmos tranquilamente e conseguirmos
desenvolver elementos interpretativos.
A partir de experiências como estas, vivenciadas durante nossos estudos,
propomos neste trabalho de conclusão de curso uma abordagem interdisciplinar e
lúdica para as aulas de canto.
Logo, através da parte prática da pesquisa-ação, desenvolvida na disciplina
Grupos Musicais II - Expressão Vocal, do curso Licenciatura em Música da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pretendeu-se investigar quais
as contribuições dos jogos teatrais no processo pedagógico do canto. A partir dos
dados coletados, foi possível pensar e argumentar a respeito da funcionalidade de
2 Tatiana Parra é intérprete e compositora paulistana, com vasta experiência em shows, turnês e projetos fonográficos. Maiores informações no site da artista: <www.tatianaparra.com.br>. 3 Giana Cervi é cantora e professora de Técnica Vocal e Interpretação da Canção no curso de Música/Bacharelado com ênfase em canto popular na UNIVALI (Universidade do Vale de Itajaí - SC), e no Conservatório de Música Popular Cidade de Itajaí - SC. Maiores informações no curriculum lattes da artista: <http://lattes.cnpq.br/9654114557485475>. 4 Discorreremos mais profundamente sobre estes conceitos no capítulo 1, no subcapítulo 1.4 (páginas
26-33).
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tais práticas para o estudante de canto. A coleta de dados foi realizada através de
filmagens, entrevistas e protocolos.
Assim sendo, o capítulo 1, intitulado “O Jogo”, trata do contexto lúdico do jogo
através de uma abordagem filosófica, baseada principalmente em Johan Huizinga
(2000). Abordagens educacionais do jogo também são trabalhadas, tais como as
propostas por Lúcia Maria Salgado dos Santos Lombardi (2005) e Eugenio Tadeu
Pereira (2012). Os espaços de educação musical são pensados a partir de autores
como Teca Alencar de Brito (2001, 2003) e Hans-Joachim Koellreutter (1997a,
1997b), levando-se em conta também as propostas de Paulo Freire (2008, 2009). O
jogo teatral será explicado e conceituado a partir de autores como Antonio Januzelli
(2003), Ingrid Koudela (2009) e Viola Spolin (2008).
O capítulo 2, “Trabalhando com a voz cantada”, aborda questões sobre a
técnica vocal para cantores. Os livros de Claire Dinville (1993) e de Mônica Marsola
e Tutti Baê (2000), são utilizados para situarmos os elementos considerados básicos
para o aprendizado do cantor.
O capítulo 3, “Por uma abordagem interdisciplinar: o jogo teatral como
ferramenta pedagógica para as aulas de canto”, trata da inserção de tais elementos
nos jogos teatrais, relatando a vivência realizada. Nele, são explicitadas ainda
questões a respeito da metodologia do trabalho, da abordagem qualitativa, da
prática da pesquisa-ação, além dos meios utilizados para a coleta de dados. A
análise e a reflexão sobre os dados obtidos durante as aulas nas quais
desenvolvemos os jogos, também são expostos.
Nas considerações finais, discorremos brevemente sobre como se configurou
a pesquisa-ação, quais os nossos apontamentos e reflexões sobre os dados
coletados na prática realizada, além de nossas perspectivas para a formação do
educador musical. Por fim, ressaltamos a importância das práticas lúdicas, dos jogos
teatrais no ensino e aprendizagem da voz cantada.
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1 O JOGO
Jogamos no dia-a-dia. Enquanto crianças, manipulamos a realidade nas
brincadeiras de faz-de-conta e em nossa imaginação. Ao crescermos,
permanecemos jogando, seja através dos esportes, dos games, tanto em jogos de
competição quanto em cooperativos, ou até mesmo nos papéis sociais que
performamos nas mais diversas situações.
Johan Huizinga (2000) expõe o jogo como anterior à cultura, presente desde
o nível animal e como categoria que abrange o mito, os rituais sagrados, o culto.
Pode-se perceber que o autor associa o jogo a algumas destas questões.
O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica. [...] Os animais brincam tal como os homens. Bastará que observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano. Convidam-se uns aos outros para brincar mediante um certo ritual de atitudes e gestos. (HUIZINGA, 2000, p. 5).
O autor cita o jogo enquanto categoria primária da vida, reafirmando que este
é identificável desde o próprio nível animal. Além disso, relaciona-o com o mito e o
culto. Para ele, o mito é “uma transformação ou uma ‘imaginação’ do mundo exterior
[...] O homem primitivo procura, através do mito, dar conta do mundo dos fenômenos
atribuindo a este um fundamento divino.” (HUIZINGA, 2000, p. 7).
Sobre o culto, permanece assumindo sua posição ao pensar a raiz deste no
jogo.
[...] as sociedades primitivas celebram seus ritos sagrados, seus sacrifícios, consagrações e mistérios, destinados a assegurarem a tranqüilidade do mundo, dentro de um espírito de puro jogo, tomando-se aqui o verdadeiro sentido da palavra. Ora, é no mito e no culto que têm origem as grandes forças instintivas da vida civilizada: o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primevo [primitivo] do jogo. (HUIZINGA, 2000, p. 7-8).
No decorrer do livro “Homo Ludens”, o autor discorre sobre a relação do jogo
com a cultura, sobre a presença constante deste fenômeno em nossas vidas, sobre
15
nos relacionarmos no dia-a-dia com o jogo. Seus apontamentos permitem
percebemos o quanto jogamos.
O autor levanta algumas questões e, através delas, desenvolve seu texto com
base no divertimento produzido pelo jogo.
Por que razão o bebê grita de prazer? Por que motivo o jogador se deixa absorver inteiramente por sua paixão? Por que uma multidão imensa pode ser levada até ao delírio por um jogo de futebol? [...] O mais simples raciocínio nos indica que a natureza poderia igualmente ter oferecido a suas criaturas todas essas úteis funções de descarga de energia excessiva, de distensão após um esforço, de preparação para as exigências da vida, de compensação de desejos insatisfeitos etc., sob a forma de exercícios e reações puramente mecânicos. Mas não, ela nos deu a tensão, a alegria e o divertimento do jogo. (HUIZINGA, 2000, p. 6).
Mas afinal: o que é o jogo? Quais as características que o definem como tal?
Quais seus objetivos e o porquê de o vivenciarmos?
Ao lermos pesquisadores que discorrem sobre o tema, encontramos diversas
respostas para estes questionamentos. Em geral, elas se complementam: cada
autor tende a focar em um ou alguns dos vários aspectos presentes no jogo para
explicá-lo enquanto fenômeno. É a junção destas explicações que nos aproxima das
conclusões. O processo é semelhante ao que ocorre quando diferentes pessoas
observam o mesmo objeto, mas cada uma opta por descrever mais especificamente
uma de suas características, seja a cor, o formato, o tamanho, o material do qual é
feito, entre outras características. Todos falam sobre o mesmo objeto, mas cada qual
ressaltando mais minuciosamente um dos aspectos nele presente.
Anthony Seeger (2008), trabalhando com a etnografia da música, mostra-nos
que um mesmo evento musical é descrito de diversas maneiras pelos diferentes
observadores, levando-nos a perceber a limitação humana: cada um produz a sua
própria visão do objeto. Logo, obtêm-se diferentes perspectivas de um mesmo
evento.
Anthony Seeger gosta de usar, em suas conferências, a metáfora do corte de uma banana: para se descrever uma banana pode-se cortá-la de várias formas, seja transversalmente, de comprido, ou em fatias, mas a banana descrita será sempre diferente. Ou seja, o objeto depende do olhar, o resultado depende do recorte. [...] somente uma abordagem com múltiplas perspectivas poderia dar conta de compreender a música [...] somente um
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trabalho conjunto pode revelar o objeto em suas várias faces. (PIEDADE, 2008, p. 234)
Da mesma forma, ao lermos as diferentes definições e teorias sobre o jogo,
encontramos diversos resultados. Porém, em geral, como dito por Huizinga (2000),
elas não divergem entre si, apenas se complementam, dando espaço para que
novos argumentos sejam expostos e considerados como corretos também. O autor
fala sobre isto ao discorrer sobre as hipóteses e teorias a respeito do jogo:
[...] todas elas [hipóteses] se interrogam sobre o porquê e os objetivos do jogo. As diversas respostas tendem mais a completar-se do que a excluir-se mutuamente. Seria perfeitamente possível aceitar quase todas sem que isso resultasse numa grande confusão de pensamento. (HUIZINGA, 2000, p. 6).
Portanto, uma abordagem mais ampla é o que permite, seja na música, seja
no jogo, a compreensão do fenômeno. Sendo assim, ao falarmos sobre o jogo e
seus fundamentos, não temos a pretensão de criar ou melhorar alguma definição,
mas de clarear as ideias e o entendimento sobre este fenômeno, unindo discursos e
apontamentos de diferentes pesquisadores para uma melhor compreensão acerca
das características do jogo. Como disse Huizinga:
Devemos, portanto, limitar-nos ao seguinte: o jogo é uma função da vida, mas não é passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos. [...] Teremos, portanto, de limitar-nos a descrever suas principais características. (HUIZINGA, 2000, p. 9).
Portanto, assumindo esta complexidade, não buscaremos uma definição
exata para o fenômeno em questão, mas seguiremos focando nas principais
características.
1.1 DESDOBRANDO CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS
Com base em Huizinga (2000), podemos dizer que o jogo é uma atividade
voluntária, livre, não é vida “real”, mas uma evasão desta, sendo um mundo
temporário dentro do mundo habitual. Possui regras, é limitado em tempo e espaço
e é permeado por um ar de mistério, imaginação, encanto, incertezas, tensão,
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arrebatamento, de modo a separar os que estão em jogo dos que estão “lá fora”.
Além disso, fixa-se como fenômeno cultural.
Eugenio Tadeu Pereira (2012, p. 74) aborda também a percepção de Roger
Caillois a respeito do jogo. Nela, o jogador tem liberdade para inventar e estar em
um espaço que permite, além da criação, a escolha de destinos.
Lúcia Maria Lombardi (2005) aponta Huizinga, Caillois e Brougère como três
autores que se dedicaram a pesquisar e discutir a natureza do jogo e as
características do mesmo. A pesquisadora apresenta de forma clara e organizada as
principais ideias de cada um dos autores acima, numerando-as. Através desta
estrutura, recordamo-nos de citar o jogo também como uma atividade que não gera
lucro, riquezas, e como fenômeno dotado de um fim em si mesmo.
Selecionamos o que definimos como dois coerentes resumos sobre o
conceito de jogo. O primeiro deles é proposto pelo próprio Huizinga (2000, p. 13-14):
Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.
Percebemos que algumas novas características surgem neste discurso,
complementando uma visão mais ampla sobre o jogo. Consideramos também o
conceito de Pereira (2012, p. 85):
Em síntese, o jogo é um conjunto de gestos, sons e significados que se friccionam e se integram em um determinado instante e lugar, nos quais o sujeito escolhe, relaciona, interage, experimenta, expressa, comunica e se declara como protagonista da ação. A situação lúdica é complexa e diversa em seu sentido. A cada jogo, dependendo do contexto, o sentido é dado por aqueles que o jogam. Na acepção exposta, o jogo é um acontecimento volitivo e conduzido por regras implícitas e explícitas, estruturado e delimitado em um espaço e tempo ficcionais, e que, no fluxo de sua existência, propicia escolhas e resultados incertos, gerando experiências aos jogadores e ocasionando vínculos e significados entre aqueles que jogam.
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Através destes discursos, procuramos um embasamento a respeito deste
complexo fenômeno que é o jogo. A complexidade deste não se encontra apenas
nas diversas tentativas de defini-lo, mas também ao se pensar sobre sua origem e
sobre o termo em si, considerando implicações conceituais e pragmáticas. Os
diferentes pesquisadores (antropólogos, filósofos, psicólogos, entre outros) que
estudam a origem do jogo e as formas que ele assume, tentam definir qual foi a sua
primeira forma de manifestação. Huizinga (2000, p. 37), por exemplo, acredita que:
[...] a cultura surge sob a forma de jogo, que ela é, desde seus primeiros passos, como que ‘jogada’. Mesmo as atividades que visam à satisfação imediata das necessidades vitais, como por exemplo a caça, tendem a assumir nas sociedades primitivas uma forma lúdica. A vida social reveste-se de formas suprabiológicas, que lhe conferem uma dignidade superior sob a forma de jogo, e é através deste último que a sociedade exprime sua interpretação da vida e do mundo.
Para Jesús Paredes Ortiz (2005, p. 9),
O jogo está intimamente ligado à espécie humana. A atividade lúdica é tão antiga quanto a humanidade. O ser humano sempre jogou, em todas as circunstâncias e em todas as culturas. [...] Atrevo-me a afirmar que a identidade de um povo está fielmente ligada ao desenvolvimento do jogo, que, por sua vez, é gerador de cultura.
Percebe-se que o autor supracitado compartilha da ideia de Huizinga (2000),
de que o jogo é um fenômeno cultural. Podemos ir adiante ao pensar que, não
bastando o incessante discurso sobre sua possível origem, o fenômeno “jogo” é
entendido de diferentes maneiras nas diferentes culturas. Sendo assim, sabemos
que, ao optarmos por uma definição sobre o jogo, devemos entender que esta, por
sua vez, funcionará dentro de um determinado contexto.
Brougère afirma que a noção que temos de jogo, assim como o conjunto da linguagem, funcionam [sic] dentro de um contexto das relações humanas, e que o uso dessa expressão deve ser analisado como um fato social, pois, ao denominarmos uma situação de ‘jogo’, nos referimos à imagem que lhe é atribuída no meio onde ela acontece. (PEREIRA, 2012, p. 70-71).
Logo, além das diferentes teorias e opiniões sobre seu surgimento, sabemos
que o jogo é um vocábulo polissêmico, ou seja, diversos significados são atribuídos
19
a ele. Devido a estes aspectos, podemos perceber a complexidade em se
estabelecer conceitos sobre o fenômeno em questão. Portanto, não iremos nos ater
a explicar a natureza e a origem do jogo, deixando esta tarefa para aqueles que se
dedicam ao estudo da existência deste fenômeno e seus múltiplos significados.
Abordamos este tópico rapidamente para não haver uma lacuna no trabalho, de
forma que possamos compreender sobre a origem não exata e os múltiplos
significados atribuídos ao jogo. Percebemos que esta mesma posição é tomada em
outros trabalhos lidos (tais como trabalhos de conclusão de curso, dissertações e
teses): em geral, abordam-se discursos sobre o que é o jogo, com a tentativa de
articular seus inúmeros conceitos e significados, e sobre as funções do mesmo, não
se atendo a um estudo histórico de sua origem, mas focando no objetivo pelo qual
estão o abordando em seus trabalhos. Como já dito por Huizinga (2000), devemos
focar nas principais características deste fenômeno, e não na busca por uma
definição exata. Da mesma forma, Lombardi (2005, p. 72-73) diz:
Não há como estabelecer uma definição única e essencial do que é jogo, nem limitar este fenômeno. Por conseguinte, para os objetivos deste trabalho foi utilizado um enfoque que permita analisar os jogos na perspectiva da formação de professores, a fim de investigar como eles podem auxiliar o futuro professor a, primeiramente, construir uma atitude lúdica, além de saber trabalhar a ludicidade junto a seus alunos.
Assim, após termos abordado alguns conceitos e características do jogo e,
depois, passarmos brevemente pela problemática de sua origem e conceituação,
daremos continuidade com uma análise de suas funções, afinal, são estas que nos
fazem propor o jogo como contribuinte em processos de ensino-aprendizagem.
1.2 AS FUNÇÕES DO JOGO
Assumimos o jogo como fenômeno que abrange as diversas características já
expostas no tópico anterior. A partir desta concepção, trataremos de suas funções e
do que ele pode suscitar nos jogadores.
Pereira (2012) relata o jogo nos sentidos sociais de frivolidade e lazer (com
função de descontração, relaxamento); como escape da intensidade da vida (para
20
uma fuga de si mesmo); como valor estético e poético; para inventividade,
construção e desconstrução de uma realidade; como oposição ao trabalho (como
não produtor de riquezas e, portanto, inútil, visão em que há um preconceito com a
situação lúdica); que não se opõe ao sério, mas à realidade (em que a fantasia e a
projeção de vontades estão presentes); como instrumento pedagógico e como
atividade, por excelência, da idade infantil.
Assumindo as mais diversas funções, podemos dizer que o jogo permite, ao
jogador, diferentes experiências e sensações, encantando os participantes que se
encontram neste ambiente lúdico. O jogo “lança sobre nós um feitiço: é ‘fascinante’,
‘cativante’.” (HUIZINGA, 2000, p. 12).
Afinal, por que o ser humano fascina-se com o jogo? Qual a causa deste
deslumbramento? A fim de entendermos um pouco melhor estas questões,
desejamos colocar em pauta o que pode ser vivenciado em jogo, quais as
sensações que este pode provocar e o quê pode ser gerado através do jogo nos
indivíduos que dele participam. Acreditamos que o desenvolvimento destas questões
permitirá uma melhor compreensão a respeito do fascínio exercido pelo jogo.
Podemos começar dizendo que “é no brincar, e talvez apenas no brincar, que
o indivíduo frui sua liberdade de criação e utiliza sua personalidade integral: e é
somente sendo criativo que ele descobre o eu.” (JANUZELLI, 2003, p. 57). A
possibilidade de sermos livres, deixando de lado nossos medos e receios, leva-nos
muitas vezes a experimentar, em jogo, o que não teríamos coragem de experimentar
na “vida real”. Este é, com certeza, um dos motivos pelos quais o jogo é cativante:
ele permite sermos o que desejamos. É um “espaço” em que podemos usar, sem
receio, nossa personalidade integral já que, dentro deste “espaço”, não seremos
julgados como na “vida real”. De certa forma, estamos protegidos por estarmos
“apenas” jogando.
O jogo produz esta sensação de “outro mundo”: nele colocamos nossa
imaginação, nossas fantasias, nosso eu. Patrícia Margarida Farias Coelho (2011, p.
305) fala sobre este universo recluso:
O jogo se apresenta ao jogador como a possibilidade dele (jogador) poder ter vários tipos de experiências sem que corra riscos reais, onde é possível que ele brinque e desenvolva suas atividades cognitivas em um universo
21
lúdico, em que não há a força e peso da realidade, ou seja, ao entrar no mundo do jogo, o jogador pode se sentir, mesmo que temporariamente, afastado da realidade em que vive e ir ‘viver’ de modo seguro em outro mundo que lhe dá prazer. Essa prática e imersão do jogador ‘de estar no jogo’ é o que caracteriza o jogo.
Mihaly Csikszentmihalyi (apud PAREDES ORTIZ, 2005, p. 21) também fala
sobre estas sensações:
O jogo leva a experimentar uma sensação de fluir que nos transporta a um entorno em que abstraímos a realidade e outras situações cotidianas, para passar a expressar-se como somos, com toda a personalidade, nossas carências e virtudes.
José Ortega y Gasset (apud PAREDES ORTIZ, 2005, p. 20) aborda o jogo
como “a arte ou a técnica que o homem possui para suspender virtualmente sua
escravidão dentro da realidade, para fugir, levar-se para o mundo irreal”. A
possibilidade de estarmos em um “outro mundo” é certamente um dos motivos pelo
qual nos encantamos com o jogo. Há espaço, “em jogo”, para criarmos,
experimentarmos, arriscarmos, ousarmos. Nele vivenciamos tensões e incertezas.
Pereira (2012, p. 75), ao falar sobre a situação lúdica, diz que a mesma se
caracteriza
[...] por uma alteração do sentido e da realidade, uma vez que, no jogo, as coisas não são, necessariamente, elas mesmas. Nessa ludicidade, o jogador não só transforma a realidade, readaptando-a e ressignificando-a; ele também transforma a si mesmo, pois ao mesmo tempo em que, por exemplo, um pedaço de toco vira um carrinho, o sujeito vira um motorista.
Logo, podemos perceber nos mais diversos discursos a absorção que pode
haver “em jogo”. Há intensidade e, “nessa intensidade, nessa fascinação, nessa
capacidade de excitar que reside a própria essência e a característica primordial do
jogo.” (JANUZELLI, 2003, p. 55).
Devido aos aspectos citados, propomos o jogo enquanto ambiente lúdico para
os processos de ensino-aprendizagem na educação musical, de modo a propiciar
um espaço suscetível à criatividade e a experiências significativas ao indivíduo.
22
1.3 JOGO E EDUCAÇÃO MUSICAL
A educação e as diversas temáticas de pesquisa que dela emergem, tais
como pedagogia crítica, abordagens interdisciplinares, processos pedagógicos,
planos de aula, entre outros, vêm sendo amplamente analisadas, discutidas e
repensadas. Paulo Freire (2009) aborda a pedagogia do oprimido, discutindo e
contrariando uma concepção de educação baseada na “prática bancária”. Critica a
falta de diálogo em sala de aula e expõe os aspectos políticos que se encontram
mascarados por uma “falsa educação”. Nesta, os indivíduos, segundo o autor, são
apenas receptores de “conhecimento”, agentes passivos e não ativos no processo
pedagógico. Reflexões e buscas por práticas educacionais que se preocupam em
primeiro lugar com o ser humano, priorizando a participação ativa de cada indivíduo,
o debate, o questionamento, o diálogo, também são apontadas por Hans-Joachim
Koellreutter (1997a, 1997b), Teca Alencar de Brito (2001), Frank Abrahams (2005) e
Celso Antunes (2008), entre diversos outros pesquisadores da educação e
educação musical, especificamente.
Brito (2001) trabalha com as ideias de Koellreutter como base para uma
educação musical funcional e significativa. As proposições pedagógicas do professor
Koellreutter, segundo a autora, vão ao encontro do pensamento de “pedagogos,
cientistas e filósofos contemporâneos que visam à construção de novos paradigmas
para a formação e o exercício da cidadania de um ser humano íntegro e integrado.”
(BRITO, 2001, p. 26). Ainda de acordo com a autora, Koellreutter propôs o que ele
chamou de educação musical funcional, ou seja,
[...] aquela voltada às necessidades da sociedade, do indivíduo, em ‘tempo’ real, atual, e não fundamentada em objetivos, valores, princípios e conteúdos que remetem a épocas passadas, em que viviam outros seres humanos, com necessidades e características próprias. (BRITO, 2001, p. 31).
É necessário que os processos pedagógicos sejam (re)pensados para os
seres humanos ao invés de vinculados a moldes rígidos, métodos antiquados,
estratégias pedagógicas que tinham funcionalidade em outras décadas ou séculos,
23
mas que, atualmente, não são eficazes, deixando de serem significativos aos
indivíduos.
Desta maneira, podemos refletir sobre a educação baseada em princípios da
aprendizagem significativa, em que o aluno consegue relacionar as novas
aprendizagens com as experiências que já possui, passando a construir seus
próprios conhecimentos. Para Virginia Viciana Garófano e José Luis Conde Caveda
(2005, p. 78), a aprendizagem significativa é aquela na qual
[...] o aluno, a partir do que sabe (pré-conceitos) e graças à maneira como o professor lhe apresenta nova informação (função mediadora), reorganiza seu conhecimento do mundo (esquema cognitivo), pois encontra novas dimensões, transfere esse conhecimento a outras situações e realidades, descobre o princípio e os processos que o explicam (significatividade lógica), o que proporciona uma melhora em sua capacidade de organização compreensiva para outras experiências.
Através desta interação entre o novo e aprendizagens anteriores, formam-se
novos conhecimentos, novas experiências e, através destas, novas aprendizagens.
Desta maneira, a educação torna-se funcional: voltada às necessidades dos
indivíduos, em tempo real, com conteúdos que remetem a sua própria vida.
Compartillhamos da visão de Koellreutter (1997a) e Brito (2001) ao contrariar
a utilização de métodos “antiquados” nas práticas pedagógicas, visando, portanto,
uma busca por caminhos mais atrativos e eficientes para a educação, voltando-a
para as necessidades da sociedade5.
5 Interessante apontarmos que nos últimos anos, na área da Educação Musical, o ensino e a
aprendizagem da música vêm sendo tema de muitos debates, reflexões e escritos, sendo
relacionados também à importância do lúdico e dos processos criativos na sala de aula. Portanto, os
autores citados neste parágrafo fizeram referência a um contexto em que o processo pedagógico da
música ainda era bastante norteado por concepções tradicionalistas. Ressaltamos que a partir de
alguns educadores e escritores, tais como Brito (2001, 2003) e Koellreutter (1997a, 1997b), por
exemplo, percebem-se novos paradigmas ao se pensar as aulas de música, destacando-se
concepções a respeito da importância da brincadeira, do jogo e das atividades de criação. Novos
pesquisadores e autores têm trabalhado nesta perspectiva, apontando a contribuição da ludicidade e
dos processos criativos e desencadeando mudanças no cenário da Educação Musical no Brasil.
24
A partir das perspectivas de Brito (2001), Freire (2009; 2008) e Koellreutter
(1997a, 1997b), visamos propor espaços de ensino-aprendizagem na educação
musical em que os indivíduos sejam sujeitos ativos, dialoguem, questionem,
usufruam de descontração, espontaneidade e liberdade de criação, não
considerando apenas aspectos técnicos musicais, mas a formação integral do
indivíduo.
Como artista e educador, Koellreutter jamais considerou a educação musical apenas um meio para aquisição de técnicas e procedimentos necessários à realização musical. Sua abordagem privilegia e valoriza a importância e o porquê da música (e da arte) na vida humana. (BRITO, 2001, p. 40).
Sobre Koellreutter, Brito (2001, p. 27) diz ainda que
Sua formação e seus campos de interesse levaram-no a traçar um caminho para a realização de um trabalho interdisciplinar em que a música, em constante diálogo com outras áreas do conhecimento, privilegiasse o ser humano.
Novamente percebe-se a preocupação com o ser humano, a preocupação
com a funcionalidade da educação. A proposta de lidar com a interdisciplinaridade,
com uma abrangência de conteúdos e diferentes linguagens em aula, “visa sempre
ao desenvolvimento de um trabalho relacional, questionador, transformador, que
estimula a criação.” (BRITO, 2001, p. 35).
A importância da interdisciplinaridade em processos educacionais é pautada
também como estímulo à criação, sendo que, para Sandra Makowiecky e Sandra
Regina Ramalho e Oliveira (2008, p. 80-81) “a própria natureza diversificada da Arte
requisita a presença deste conceito e desta prática educacional no âmbito da
disciplina.” As autoras também citam Pierre Bourdieu ao falar sobre diferentes
estudiosos que tratam as linguagens estéticas como semelhantes e pertencentes a
um mesmo sistema, sendo que, para o sociólogo, “os campos de produção e de
difusão das diferentes espécies de bens culturais – pintura, teatro, literatura, música
– são entre si estrutural e funcionalmente homólogos.” (BOURDIEU apud RAMALHO
E OLIVEIRA, 2008, p. 81). Desta maneira, a interdisciplinaridade é considerada
25
tanto como necessária nas linguagens artísticas quanto como meio de estímulos à
criação.
Tratando de uma educação que possibilite espaços para a criação, embasada
em propostas interdisciplinares e preocupada com processos de ensino-
aprendizagem que priorizem a formação integral do indivíduo, a sala de aula pode
ser pensada como ambiente para a abordagem de diferentes linguagens, para o
desenvolvimento da criatividade e para a ludicidade já que, como dito por Antonio
Januzelli (2003), é possivelmente apenas no brincar que o indivíduo frui sua
liberdade de criação, utiliza sua personalidade integral e, sendo criativo, descobre o
eu. Considerando este aspecto, a ludicidade pode ser trabalhada enquanto ambiente
propício para os processos de ensino-aprendizagem, colaborando assim para que a
sala de aula se torne espaço para a imaginação, para a espontaneidade, criação e,
consequentemente, para a descoberta do eu.
Através destes ideais e para tais fins, pensamos o jogo como ferramenta
pedagógica, como espaço lúdico capaz de gerar descontração, relaxamento e
afinidade grupal, além dos aspectos já citados até então. Enfim, o jogo como um
ambiente favorável a experiências significativas.
A arte teatral “está mais ligada que qualquer outra forma de criação artística
com os jogos” (VYGOTSKY apud LOMBARDI, 2005, p. 88). De acordo com a
pesquisadora, “Pavis reforça esta ideia ao dizer que a descrição do jogo como
princípio lúdico dada por Huizinga poderia ser a descrição do jogo no teatro”
(LOMBARDI, 2005, p.88). Logo, tratando também do aspecto interdisciplinar, citado
e defendido em parágrafos anteriores para que tenhamos processos de ensino-
aprendizagem de abordagem integradora, pensamos não somente o jogo, mas o
jogo teatral inserido nas aulas de estudantes de canto do curso de música da
universidade.
Portanto, devido aos diversos termos que permeiam a ludicidade, tais como
brincadeira, brinquedo, jogo, jogos tradicionais, jogos didáticos, jogos teatrais, entre
outros, discorreremos abaixo mais especificamente sobre o jogo teatral, a
modalidade de jogo que usaremos para o trabalho pedagógico com os alunos de
canto.
26
1.4 JOGOS TEATRAIS
O conceito de jogo teatral é amplamente debatido, principalmente por
existirem pesquisadores que consideram correta também a nomenclatura jogo
dramático, enquanto outros separam estes dois fenômenos, tratando-os como
desiguais e abordando suas especificidades.
Muitos são os debates a respeito da problemática da terminologia, já que o
conceito dado aos dois fenômenos (jogo dramático e jogo teatral) por diversas vezes
é o mesmo, ou, quando difere, é por considerar ou não a existência de uma plateia.
Ricardo Japiassu (2003), por exemplo, trabalha com a diferença destes dois termos
na perspectiva de haver ou não plateia.
Para entender a diferença entre o jogo teatral e o jogo dramático, é preciso lembrar que a palavra teatro tem sua origem no vocábulo grego theatron, que significa ‘local de onde se vê’ (plateia). Já a palavra drama, também oriunda da língua grega, quer dizer ‘eu faço, eu luto’. No jogo dramático entre sujeitos, portanto, todos são ‘fazedores’ da situação imaginária, todos são ‘atores’. No jogo teatral, o grupo de sujeitos que joga pode se dividir em equipes que se alternam nas funções de ‘jogadores’ e de ‘observadores’, isto é, os sujeitos jogam deliberadamente para outros que o observam. (JAPIASSU, 2003, p.19).
Olga Reverbel (apud ZANELLA; GARIENTI, 2008, p. 2), porém, diz que
“ambos significam a mesma coisa, e que a discussão é uma questão de
nomenclatura, no final das contas tudo é a mesma coisa...”. Andrisa Kemel Zanella e
Laisa Blancy de Oliveira Guarienti (2008) chegam a usar a nomenclatura “jogo
dramático e/ou teatral”. Libério Rodrigues Neves (2006), entretanto, aborda a
diferença, comentando em sua pesquisa sobre a escolha da terminologia:
Este trabalho opta pela expressão jogo teatral que, em particular, se define como explicitamente dirigido para observadores, ou seja, pressupõe a existência de uma platéia. Para tal, o grupo se divide em equipes que se alternam entre jogadores (atores) e observadores (platéia), enquanto, no jogo dramático, todos são participantes da criação imaginária, ou seja, todos são atores. (NEVES, 2006, p. 86).
Igualmente o faz Ingrid Koudela (2009), traçando diferença entre o jogo
dramático e jogo teatral. Porém, a autora também se propõe a explicar o processo
de transição entre um fenômeno e outro, mostrando que o jogo dramático antecede
27
o teatral. Para Koudela (2009, p. 44), “o processo de jogos teatrais visa efetivar a
passagem do jogo dramático (subjetivo) para a realidade objetiva do palco.” A autora
compara a passagem do jogo dramático (também chamado de jogo de faz-de-conta)
para o jogo teatral à transformação do jogo simbólico (subjetivo) em jogo de regras
(socializado). Nesta visão, o jogo dramático antecede ao teatral, estabelecendo-se
uma transição muito gradativa entre eles. Esta transição, de acordo com Koudela
(2009, p. 45), “envolve o problema de tornar manifesto o gesto espontâneo e depois
levar a criança à decodificação do seu significado, até que ela o utilize
conscientemente, para estabelecer o processo de comunicação com a plateia.”
Logo, assumiremos uma linha de pensamento e seguiremos o trabalho, sem
entraves na problemática da terminologia.
Escolhemos trabalhar com a perspectiva do jogo teatral enquanto dirigido
para observadores, acreditando que este procede o jogo dramático. Desta forma,
pode-se dizer, resumidamente, que o jogo teatral é um procedimento lúdico em que
há representações, em ações improvisadas, para uma plateia.
Podemos focar em aspectos mais específicos a respeito do jogo teatral, tais
como o estabelecimento de pontos de concentração para a atuação, estruturando as
ações.
De modo geral, a prática dos jogos teatrais inclui: o acordo grupal, a realidade a ser jogada, estabelecida entre os atores e a platéia, e a estrutura do jogo, geralmente determinada pelos aspectos onde (o ambiente em que se passa a ação), quem (os personagens) e o quê (as ações dos personagens). (NEVES, 2006, p. 86).
Estes aspectos (onde, quem e o quê) delineiam as ações dos jogadores. Eles
são os pontos de concentração propostos por Viola Spolin (2008) que, em
orientações para a realização de diversos exercícios, fala sobre o estabelecimento
do foco.
Faça uma discussão com o grupo para estabelecer o foco no Ponto de Concentração primário (Onde) e secundário (Quem e O Quê). Inicie discutindo o onde [...] Quando a discussão sobre o Onde estiver terminada, os pontos de concentração acerca do Quem e O Quê devem ser cobertos muito rapidamente [...] E assim o ator deve ter suas razões para manipular certos objetos no palco, para estar num certo lugar, para atuar de um certo modo. (SPOLIN, 2008, p. 82-84).
28
Assumiremos este foco para a realização dos jogos teatrais propostos nesta
pesquisa-ação. Quem estará coordenando o jogo, portanto, poderá propor espaços
fictícios onde ele ocorrerá (em uma fazenda, por exemplo), simulando também quem
os jogadores representarão (animais presos para o abate) e o quê farão (planejarão
uma fuga). Deste modo, alguns pontos podem ser esboçados por um coordenador,
porém como estas questões serão resolvidas em jogo ficará a critério dos jogadores.
Logo, o problema é proposto através da exposição da estrutura do jogo (onde, quem
e o quê), mas a solução deste problema será encontrada no desenvolvimento das
ações improvisadas pelos jogadores, no como.
Os jogos teatrais têm uma estrutura que permite a mudança de atitude por parte do professor, ou seja, dentro de um jogo, ele somente propõe o problema, pois a busca de solução é feita por todo o grupo. Sendo assim, não há, nessa situação, o detentor das respostas, mas a resposta pode ser dada por todos. (SANTOS; FARIA, 2010, s/p).
Neusa Raquel de Oliveira Santos e Moacir Alves de Faria discorrem sobre
esta estrutura que permite aos próprios jogadores resolver o problema “em jogo”. Os
autores trabalham na perspectiva de um diálogo entre o jogo teatral e as propostas
de Freire, justamente por perceberem na estrutura do jogo teatral um espaço para
destituição do modelo de separação professor – aluno. Nota-se que “é o par
educador-educando entrando em cena, como diria Paulo Freire.” (SANTOS; FARIA,
2010, s/p). Isto acontece justamente pelo fato do professor apenas propor algo
enquanto que, a solução, a resposta, pode ser dada por todos. Assim sendo, o jogo
teatral é também espaço para diálogos e construção de conhecimentos.
Refletindo sobre o jogo teatral enquanto ambiente lúdico de socialização,
experimentação, diálogos, debates, entre diversos outros aspectos, salientamos a
importância de sua vivência em processos pedagógicos. Deste modo, avançaremos
tratando mais especificamente de suas possíveis contribuições enquanto
experiência para aprendizagem, embasando assim a defesa de sua prática também
em espaços de educação musical, especificamente em aulas de canto.
Ressaltamos, porém, que não estamos propondo o jogo teatral apenas enquanto
vivência que contribui para o aprendizado de outras disciplinas, mas enquanto
experiência por si mesmo. Entretanto, não podemos negar que esta experiência
29
pode desencadear colaborações para as mais diversas áreas, além de acreditarmos
no jogo teatral como recurso para o ensino e trabalho de diferentes conteúdos.
Neves (2006), por exemplo, traça algumas abordagens sobre o jogo enquanto objeto
de estudo na área da psicologia. Após levantar diferentes autores e as
argumentações dos mesmos, a autora conclui:
[...] torna-se possível pensar que os jogos teatrais possam ser utilizados na educação com objetivos que extrapolem as questões pedagógicas, e possam atingir instâncias terapêuticas num sentido que favoreça a aprendizagem, ou até mesmo possam atuar sobre questões subjetivas que se mostrem relacionadas a alguns sintomas de fracasso escolar, diagnosticados nos estabelecimentos educacionais. (NEVES, 2006, p. 87).
Portanto, abordaremos algumas contribuições do jogo teatral enquanto
espaço lúdico inserido em processos de ensino-aprendizagem. Já tendo tratado
anteriormente dos aspectos e funções do jogo, além de seus efeitos nos jogadores,
passaremos agora a especificar as decorrências do jogo teatral em sala de aula.
Como dito, o jogo teatral é constituído de um problema a ser solucionado por
toda a equipe e, para se manter o foco e encontrar uma solução, Spolin (2008)
sugere o princípio da instrução. Este processo é baseado em intervenções
pedagógicas nas quais “o coordenador/professor e o aluno/atuante se tornam
parceiros de um projeto artístico.” (KOUDELA apud SPOLIN, 2007, p. 22). Isto
permite que o par educador-educando entre em cena, superando a separação dos
mesmos.
Algumas ideias-chave são essenciais para o entendimento do processo de Jogos Teatrais. A condição fundamental é a criação coletiva onde os jogadores fazem parte de um todo orgânico motivado pela ação lúdica. Aliada a essa condição está a eliminação dos papéis tradicionais aluno/professor, dicotomia superada pelo princípio de parceria. (KOUDELA, 2009, p. 148).
Este é o primeiro aspecto que trazemos sobre a contribuição dos jogos
teatrais para os processos de ensino e aprendizagem: eles proporcionam uma ação
conjunta, uma integração entre todos os participantes e o coordenador. A sala de
aula, além de tornar-se espaço de criação, improvisação, ludicidade, também
permite interações entre os sujeitos ali presentes, conduzindo a uma “construção
30
coletiva” de conhecimento. O espaço de problematização proposto pelo jogo teatral
supera uma mera transmissão de conhecimentos, já que os jogadores é que buscam
por soluções e constroem aprendizagens coletivamente. Santos e Faria (2010, s/p)
também discutem esta questão:
[...] acreditamos que os jogos teatrais possam ajudar na abordagem de temas que normalmente ficam ausentes do seu ensino, como a possibilidade de o conhecimento transformar situações de dominadores e dominados, questões sobre exclusão social ou ainda questões da ética na sociedade. Os jogos utilizam atividade que são originadoras de problemas, cujas soluções levam o grupo à reflexão e ao diálogo. Os problemas inesperados, propostos pelos jogos teatrais, para serem resolvidos de improviso, podem contribuir para a formação de indivíduos capazes de interagir nesse novo universo globalizado e em constante transformação.
Através de experiências assim, pode-se acreditar na formação de indivíduos
capazes de expor e defender ideias perante um grupo, trabalhar com a aceitação ou
não das mesmas, estar abertos a debates e reflexões e de respeitar as diferenças
dos outros. Fala-se novamente de uma educação não voltada apenas para aspectos
técnicos, mas sim voltada para a formação integral do indivíduo. Esta possibilidade
se encontra presente em meio a experiências com jogos teatrais. Morey (apud
SPOLIN, 2007, p. 27) diz que “os jogos teatrais vão além do aprendizado teatral de
habilidades e atitudes, sendo úteis em todos os aspectos da aprendizagem e da
vida.” Além disso, podemos destacar que, nos jogos teatrais “não existe
certo/errado, nem formas certas ou erradas para a cena.” (KOUDELA, 2009, p. 148).
Enfatizamos, portanto, esta abertura às ideias que o jogo possibilita, ao passo que o
jogador se sente à vontade para experimentar, sabendo que não há erros nisto.
Para Neves (2006), por exemplo, o aprendizado teatral envolve processos de
descoberta do corpo, descoberta e experimento do potencial criativo, atuação
enquanto vivência de pensamentos, emoções e ações do personagem proposto
para si, além da exposição a uma plateia. Estas são etapas a serem trabalhadas
através de jogos teatrais. Nota-se a prática do teatro na escola, segundo o autor,
objetivando o “crescimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos alunos, por
meio do domínio da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral, numa
perspectiva de improvisação ou ludicidade.” (NEVES, 2006, p. 86).
31
Augusto Boal (diretor, dramaturgo e referência em pedagogia teatral) visa à
superação da dicotomia opressor - oprimido através do teatro, apropriando-se
nitidamente de Freire (2009) ao propor o Teatro do Oprimido, cujas técnicas são
trabalhadas a partir de jogos teatrais.
Para Boal (1975), os jogos reúnem duas características essenciais da vida em sociedade: possuem regras, como a sociedade possui leis, e liberdade criativa, sem a qual a vida se transforma em servil obediência. Além disso, afirma que os jogos promovem a ‘desmecanização’ do corpo e da mente alienada às tarefas do dia-a-dia. Ou seja, os jogos facilitam e obrigam a essa ‘desmecanização’, funcionando como diálogos sensoriais, e estes, dentro da disciplina necessária, exigem a criatividade, que constitui sua essência. (NEVES, 2006, p. 93).
A criatividade é requerida durante o desenvolver do jogo, sendo que este
exige dos jogadores prontidão para improvisar e criar nas mais diversas situações. O
ato de improvisar, por sua vez, trabalha o jogador diante de uma situação-problema,
exigindo soluções espontâneas, assim como na vida real. Nesta perspectiva,
Richard Courtney (1980) enfatiza a importância do teatro improvisado. Este é um
fator importante para considerarmos o jogo teatral em sala de aula, visto que ele
possibilita um espaço para a improvisação, invenção e criação, meios através dos
quais a imaginação pode se manifestar de forma concreta. Ana Paula Teixeira e
Robson Côrrea de Camargo (2010, p.19) discorrem sobre isto ao dizer que o jogo
teatral
[...] transforma a imaginação jogada, vivenciada, em nova realidade. Transforma a imaginação em realidade cênica, construída, re-construída, vivida em sucessão/repetição, em forma coletiva, intergrupal (artistas e equipe técnica) e intragrupal (as várias platéias). Por isto sua continuidade como processo de conhecimento vivenciado só tem a acrescentar ao desenvolvimento do conhecimento humano.
Há espaço “em jogo” para a transformação da imaginação em realidade. O
improviso abre espaço à espontaneidade, permitindo ao jogador experiências
também no nível da intuição. Para Spolin (2008, p. 3), “experienciar é penetrar no
ambiente, é envolver-se total e organicamente com ele. Isto significa envolvimento
em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo.” A autora fala sobre o nível intuitivo
ser, dentre os três, o mais negligenciado já que, por muitas vezes, a intuição é
32
associada a uma dotação ou força mística. Porém, como ela mesma diz, “todos nós
tivemos momentos em que a resposta certa ‘simplesmente surgiu do nada’ ou
‘fizemos a coisa certa sem pensar’.” (SPOLIN, 2008, p.3). Assim sendo, Spolin
(2008) defende ambientes de ensino-aprendizagem em que a experiência -
enquanto envolvimento pleno, nos três níveis – se realize. Para isto, a autora fala de
atividades que possibilitem à espontaneidade acontecer, indicando a professores
como constituir ambientes assim de modo que, professores e alunos, juntos, iniciem
uma experiência inspiradora e criativa.
O intuitivo só pode responder no imediato – no aqui e agora. Ele gera suas dádivas no momento da espontaneidade, no momento quando estamos livres para atuar e inter-relacionar [...] A espontaneidade cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de referência estáticos, da memória sufocada por velhos fatos e informações, de teorias não muito digeridas e técnicas que são na realidade descobertas de outros. A espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a realidade e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa realidade, as nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico. É o momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa [...] É necessário um caminho para adquirir o conhecimento intuitivo [...] (SPOLIN, 2008, p. 4).
O jogo é um caminho capaz de “absorver” do aluno o que ele pode oferecer
em termos de intuição, espontaneidade e criatividade já que, ainda segundo a
autora, ele permite o envolvimento e a liberdade necessários para a experiência.
Justamente pela prática do jogo teatral possibilitar o trabalho dos mais diversos
aspectos, dos diferentes níveis da experiência, pesquisadores e professores o têm
utilizado. Neves (2006), por exemplo, percebeu nesta prática um modo de abranger
também decorrências psicológicas, sendo sua proposta a de “trabalhar na hiância
entre o saber pedagógico e o saber psicológico, médico ou outro, oferecendo ao
sujeito uma oportunidade de palavra, por meio dos jogos teatrais.” (NEVES, 2006, p.
202). Para o autor, devido à averiguação da aplicabilidade do jogo teatral, ele é
praticado com fins de aprendizagem, terapia e conscientização política.
Reconhecendo o jogo teatral enquanto espaço para a imaginação, intuição,
improvisação, invenção, liberdade, criatividade, resoluções de problemas,
construções coletivas, dentre diversos outros fatores já comentados e defendidos
por pesquisadores das mais diversas áreas (pedagogia, teatro, psicologia, etc.),
33
propomos sua vivência em aulas de canto. Janaína Träsel Martins (2008, p. 26) diz
que
[...] o jogo teatral eleva a imaginação à recriação de novas percepções da realidade. Assim, a ludicidade do jogo convida à [sic] vivências na dimensão da criatividade. Dentro desses pressupostos, abrem-se as portas para a entrada na sala de aula, para refletirmos sobre questões epistemológicas referentes ao jogo teatral, com foco nas práticas de corpo-voz.
Igualmente, pensamos as práticas com os jogos teatrais para trabalhar
aspectos corporais e vocais. Porém, nosso campo de pesquisa é uma sala de aula
do curso de licenciatura em música. Por se tratar de alunos de canto de um curso de
música, e não de estudantes do teatro, pensamos na proposta dos jogos teatrais
para integrar a cena ao trabalho de corpo e voz. Poderíamos propor aos alunos
vivências em jogos (tratando dos mais variados modelos), ou jogos tradicionais, por
exemplo, mas optamos por uma abordagem interdisciplinar com o teatro para
trabalhar a representação com os cantores. Consideramos este aspecto de extrema
importância, visto que os alunos de canto do curso frequentemente também se
apresentam artisticamente, alguns em palcos na própria universidade, em
avaliações e/ou provas de canto - presentes no planejamento da professora de
canto do curso - e, outros, em carreira artística, trabalhando profissionalmente.
Relacionando a necessidade de uma educação que se paute em processos
de ensino e aprendizagem lúdicos, visando todos os benefícios já citados, além da
preocupação com a interdisciplinaridade e com aspectos “extra-musicais”
necessários aos cantores em palco, pensamos para esta pesquisa não apenas no
jogo, mas no jogo teatral voltado para alunos de canto.
34
2 TRABALHANDO COM A VOZ CANTADA
O trabalho com a voz cantada é tema complexo e bastante divergente entre
os autores, educadores e ainda entre os pesquisadores da área. Ao pensarmos
sobre a amplitude e complexidade presentes neste campo de pesquisa, podemos
levantar algumas questões. Primeiramente, precisamos lembrar que há uma divisão
conceitual entre canto popular e canto lírico, que diz respeito a diferenças na
exigência de potência e intensidade vocal, extensão vocal, interpretação, etc.6 Esta
separação, por sua vez, gera conclusões diversas a respeito do trabalho técnico
para o canto, já que há a possibilidade de haver um mesmo processo para o ensino
e aprendizagem de ambos, ou de um trabalho da técnica vocal que abranja as
especificidades, maneiras diferentes para o processo pedagógico do canto lírico e
do canto popular.
Outro fator importante a ser considerado é o heterogêneo grupo de
profissionais que vêm se dedicando em produções a respeito do assunto, desde
fonoaudiólogos, atores, cantores, educadores musicais - tais como regentes de
corais, professores de canto, entre outros. Desta maneira, o tema voz cantada
permeia por diferentes focos, cada um de acordo com o interesse de cada
pesquisador, agregando assim complexidades. Vê-se, portanto, muitos temas de
pesquisa: aspectos de fisiologia vocal (GARCIA, 1972; NUNES, 1976), saúde e
higiene vocal (BEHLAU; PONTES, 2001), integração entre corpo e voz, tanto sobre
a voz falada quanto cantada (BÜNDCHEN, 2004; MARTINS, 2004, 2008; MAURO,
2011), aspectos sobre voz e emoção (BACKES, 2010; GONÇALVES, 2004),
interpretação do cantor (MARSOLA; BAÊ, 2000), palavra e voz (ZUMTHOR, 2001),
pedagogias da voz (SPECHT, 2007), corais (COELHO, 2003; FUCCI AMATO, 2005,
2007; MATHIAS, 2001; BÜNDCHEN; SPECHT, 2004), coro infantil (GORINI, 1983;
SCHIMITI, 2003), etc. Estes temas se desenvolvem de maneira ainda mais
6 Os artigos “Análise de cantores de baile em estilo de canto popular e lírico: perceptivo-auditiva,
acústica e da configuração laríngea” e “Registro e cobertura: arte e ciência no canto” são duas fontes
que colaboram para um maior aprofundamento destas questões.
35
minuciosa, com textos específicos sobre o trabalho de respiração do cantor,
relaxamento, ressonância, articulação, classificação vocal, extensão, registros,
afinação, vocalizes, performance, entre muitos outros.
A dimensão até então citada leva-nos a tomar um foco na escrita deste
capítulo. Considerando que esta pesquisa se baseia no uso de jogos teatrais em
aulas de canto, os próprios jogos que desenvolvemos na prática da pesquisa-ação
serviram para “peneirar” esta imensidão de temas, de modo a voltarmos nosso texto
aos aspectos trabalhados através dos jogos. Logo, se um dos jogos visou
desenvolver a respiração, por exemplo, então o tópico respiração passa a ser um
dos aspectos tratados aqui. Assim sendo, desenvolvemos o texto a partir dos
aspectos técnico-vocais que trabalhamos em sala através dos jogos teatrais.
2.1 O QUÊ CADA JOGO TRABALHA?
O aspecto primordial da escolha não apenas do jogo, mas especificamente do
jogo teatral para esta pesquisa, foi a possibilidade de se desenvolver um trabalho
que integrasse o corpo, a voz e a emoção, além da própria interpretação (esta
última, exigida do cantor em suas performances). Logo, sentimo-nos motivadas a
traçar neste capítulo a importância de um trabalho técnico-vocal que não se restrinja
a aspectos de fonação (olhando para os cantores enquanto “meras pregas vocais”
em funcionamento), mas que abranja também o corpo, a emoção e, por fim, a
interpretação. Estas inter-relações estão presentes em todos os jogos teatrais
selecionados para esta pesquisa-ação. Além da integração destes elementos, cada
jogo trabalhou aspectos específicos da técnica vocal, sendo necessário, portanto,
discorrermos a respeito destas especificidades.
O primeiro jogo visava, além da integração entre corpo, voz e emoção e
aspectos de interpretação, aperfeiçoar também a articulação e a respiração do
cantor. O segundo jogo procurou trabalhar a atenção, a escuta ao grupo, o
relaxamento e alongamento corporal e a projeção vocal. Ritmo e afinação foram
aspectos que buscamos desenvolver através do terceiro jogo. No quarto e último
jogo o foco esteve na interpretação. Os aspectos específicos desenvolvidos através
36
dos jogos anteriores contribuíram para que pudéssemos focar, no quarto jogo, a
integração do corpo, da voz e da emoção na interpretação de uma canção pelo
aluno.
Portanto, a partir do quê os jogos trabalharam de forma mais específica, os
tópicos sobre técnica vocal que serão descritos neste capítulo são: integração corpo-
voz-emoção; atenção e escuta; relaxamento, alongamento e aquecimento corporal;
respiração; ressonância; articulação; afinação e ritmo; interpretação.
2.2 TÉCNICAS PARA A VOZ CANTADA PRESENTES NOS JOGOS TEATRAIS
A técnica vocal procura trabalhar e aperfeiçoar a voz cantada, permitindo que
o aluno conheça seu instrumento e o utilize conscientemente. O estudo da técnica
vocal é, portanto, “fundamental para uma emissão da voz cantada com boa
qualidade e sem prejuízo para quem a produz.” (FUCCI AMATO, 2007, p. 85). Com
tal estudo, pode-se aprender a utilizar a voz de maneira mais adequada, atentando
para questões de saúde e higiene vocal, além da utilização do apoio respiratório
para o canto, prevenindo-se, assim, o cansaço vocal e a rouquidão, como também
possíveis patologias laríngeas.
As pregas vocais, músculos bastante pequenos situados na região laríngea,
não podem ser prejudicadas por ataques vocais bruscos, não apoiados
corretamente (para que não haja um início de fonação com muita pressão subglótica
e intensidade vocal, sem apoio muscular adequado). Sem um estudo da técnica
vocal, corre-se o risco da fala ou do canto serem produzidos com certa pressão na
garganta, gerando lesões. Portanto, é necessário aprendermos a direcionar tal
pressão para outro “local” de nosso corpo, configurando-se assim o apoio
respiratório ou apoio vocal. Este, por sua vez, trata-se de um domínio, uma dosagem
ou um controle sobre a entrada e saída de ar, sendo amparado pelo diafragma,
músculo da região abdominal, além de outros músculos do abdômen e assoalho
pélvico. Estudando a técnica vocal e realizando alguns dos muitos exercícios e
práticas propostos por profissionais do ramo, podemos compreender melhor tal
discurso e tais sensações em nosso próprio corpo, além de prevenirmos algumas
37
disfunções pelo uso incorreto da voz. Logo, faz-se necessário o uso da voz de modo
consciente, principalmente para os profissionais da voz (cantores, atores,
professores, locutores, etc.), buscando-se entender o funcionamento de nosso corpo
e suas relações com a produção vocal, estudando e praticando o apoio respiratório e
evitando possíveis patologias.
Para Mônica Marsola e Tutti Baê (2000, p. 13), “como qualquer instrumentista,
o cantor também necessita conhecer a fundo seu instrumento de trabalho, para que
ele possa usá-lo sem danos, preservando seu potencial vocal.” Para tanto, as
autoras abordam no livro questões sobre a descrição e o funcionamento do
instrumento vocal e a respiração, sendo estes capítulos acrescidos de imagens para
uma melhor compreensão do leitor. Tratam a escrita do trabalho de maneira
didática, a fim de “estabelecer uma relação mais empática e agradável com o aluno
de canto.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 9). Procuram, entretanto, voltar todos os
aspectos sobre a técnica vocal a um fim: a expressão do artista. Logo, capítulos
como “Corpo, voz e interpretação”, “Dicas aos cantores e profissionais da voz”,
“Cantar em público”, entre outros, também são desenvolvidos, visando o objetivo
final do trabalho do canto enquanto expressão, como indicado no próprio título do
livro.
Claire Dinville (1993) trata da voz enquanto instrumento, abordando, assim
como as autoras já citadas, a necessidade de o cantor conhecer e compreender o
funcionamento de seu instrumento. A autora fala também dos termos subjetivos
usados pelos professores em aulas de técnica vocal, mostrando-nos que uma das
diferenças do trabalho com a voz para as aulas de técnica de outros instrumentos é
a dificuldade de expressarmos os elementos não palpáveis e invisíveis. Para isso, o
professor passa a criar expressões como “coloque a voz nos dentes”, “jogue a voz
para a cabeça”, entre outras.
Quando se trata de técnica vocal, nada é fácil de explicar. Alguns mecanismos – os mais importantes – são inconscientes, involuntários. Eles não são palpáveis nem visíveis. Eles derivam de movimentos voluntários. É esta dificuldade de fazer compreender e realizar a voz cantada, que faz com que cada professor tenha um vocabulário pessoal, e não é fácil de criar um que possa ser o mesmo para todos, como acontece com outros instrumentistas. (DINVILLE, 1993, p. 132).
38
O ensino de técnica vocal, para a autora, é delicado e difícil. Ela comenta que,
“como cada aluno é um caso particular, nada deve ser sistemático. É preciso
adaptar-se constantemente, modificar os procedimentos, as descrições imaginárias
que podem provocar reações diversas conforme as pessoas.” (DINVILLE, 1993, p.
131-132).
Outros autores também relatam a dificuldade presente não apenas no ensino,
mas no próprio ato de cantar.
Cantar é um ato que envolve diversos recursos do aparelho fonador e impõe uma demanda sensivelmente maior quando comparada à fala natural. Para falar e cantar os mesmos órgãos fonoarticulatórios são utilizados, porém, no canto, os ajustes variam de acordo com as exigências impostas pela música e estilo em questão, como, por exemplo, os de sustentação da coluna sonora, os de igualdade tímbrica, de dicção, de fraseado e de interpretação. (GAVA JÚNIOR; FERREIRA; ANDRADA E SILVA, 2010, p. 552).
Justamente por essa amplitude que é o ato de cantar e pela dificuldade em se
entender alguns mecanismos envolvidos, vê-se a necessidade dos professores de
técnica vocal se valerem de diferentes meios para o ensino-aprendizagem. Para que
lacunas sejam superadas e para que se realize um trabalho mais abrangente e
completo com os estudantes de canto, a interdisciplinaridade está sendo proposta
tanto em nosso trabalho quanto em outros.
Rita de Cássia Fucci Amato (2007), por exemplo, também defende uma
perspectiva interdisciplinar para o canto devido à complexidade deste. A autora
comenta que “o conceito da interdisciplinaridade é de significativa relevância para a
compreensão da complexidade do ato de cantar.” (FUCCI AMATO, 2007, p. 85).
Ana Cláudia Specht (2007) fala sobre algumas destas questões:
Bairon (2002) assume que o objetivo da interdisciplinaridade é superar a lacuna entre as disciplinas e trabalhar o conhecimento através de interdependências e conexões recíprocas. Assim, ressalto a importância de propor uma interlocução do canto com outras disciplinas, buscando preencher elementos que não são abordados no ensino do canto. (SPECHT, 2007, p. 22).
Outra questão importante é o trabalho coletivo. Para a compreensão da
técnica vocal pelo aluno, como apontou Dinville (1993), os professores se utilizam de
39
recursos de vocabulário e descrições imaginárias. Porém, ainda de acordo com a
autora, estes recursos são entendidos de maneira singular, com reações diferentes
em cada aluno, devendo ser adaptados de acordo com o estudante. Imaginemos
então a complexidade da técnica vocal em aulas coletivas, sabendo-se que o uso de
determinadas metáforas não se aplica a todos. Além disso, independente de aulas
individuais ou coletivas, permanece a necessidade de se agregar no ensino da voz
cantada aspectos corporais e vocais, elementos de interpretação, expressão e
emoção. Do nosso ponto de vista, justamente por isso são necessárias as
adaptações, criações, reelaborações por parte do professor, de modo que o ensino
se volte às pessoas, levando em conta as subjetividades de cada uma delas, e que
se estabeleça uma abordagem da voz cantada de forma mais completa, integrando
os aspectos citados acima.
Longe de traçarmos um fim para estes apontamentos, seguiremos a escrita
sobre os aspectos técnico-vocais que foram trabalhados através dos jogos pensados
para a vivência prática realizada no decorrer desta pesquisa.
2.2.1 Atenção e escuta
A escuta é conceituada por diferentes autores, com abordagens específicas.
Em um coral, por exemplo, podemos relacioná-la à capacidade de perceber o grupo,
ouvir as vozes presentes no mesmo, afinar, estar atento às respirações do grupo, às
pausas, entre outros.
Marsola e Baê (2000) falam sobre a escuta enquanto aspecto importante para
a afinação, considerando que todos precisam aprender a ouvir, e que o cantor
necessita aprimorar uma escuta consciente, sendo a falta de atenção, para as
autoras, um dos fatores que interfere na afinação. Discorrem ainda sobre a
importância do cantor, ao ouvir um som, conseguir estabelecer diferenças, tais como
forte e fraco, agudo ou grave, timbres dos diversos instrumentos e até mesmo ouvir
a harmonia que o acompanha na canção. Para elas, “todo o estudo ligado à
percepção auditiva trará benefícios ao cantor, ampliando sua capacidade de criação,
execução, interpretação e afinação.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 48).
40
De acordo com Dinville (1993), é também através do controle auditivo que o
cantor muda a qualidade de sua voz. Para a autora, a escuta da própria voz é
importante, “já que o rendimento acústico é controlado pelo ouvido, o que permite
avaliar e apreciar a qualidade dos sons.” (DINVILLE, 1993, p. 21).
Interessante ressaltarmos, porém, que a escuta não se limita aos aspectos
até então apresentados. Murray Schafer (1991) comenta sobre uma Limpeza de
Ouvidos, tratando este título como uma parte de seu livro, Ouvido Pensante, e
abordando nesta uma expansão “dos conceitos tradicionais a respeito do
treinamento auditivo, de modo a preparar o aluno para as mais novas formas de
música de hoje e para o ambiente acústico como um todo.” (SCHAFER, 1991, p.13).
O autor amplia questões referentes à escuta e discorre sobre abrirmos os ouvidos,
de maneira que possamos notar os sons nunca antes percebidos.
2.2.2 Relaxamento, alongamento e aquecimento corpor al
Para que o corpo se mantenha relaxado durante o canto, alguns exercícios ou
técnicas corporais são empregados em aulas. A intensão destes não é a retirada
total de tensão, já que nunca conseguiremos ficar sem tensão para agir, mas um
trabalho para o equilíbrio da tonicidade do corpo.
Martins (2004), por exemplo, discorre sobre um direcionamento das tensões
musculares para regiões que não obstruam o canal vocal. Assim sendo, é
necessário o desenvolvimento de um trabalho corporal que permita uma correta
distribuição da tensão para que não se prejudique a projeção vocal, retirando a
tensão excessiva da região fonatória. A tensão impede que sejam acessados certos
ressonadores, influenciando no controle das frequências e intensidade.
Ênio Lopes Mello e Marta Assumpção de Andrada e Silva (2008, s/p) partem
do mesmo princípio, apontando que
Para o canto, necessita-se de tônus muscular, de propriocepção, de presença de palco com a música. Muitas vezes o relaxamento muscular acarreta desprendimento e/ou abandono das sensações do corpo. Essas atitudes podem levar a uma falsa percepção e até mesmo à falta de tônus
41
muscular. Isso pode provocar uma deficiência na resposta motora e comprometer a performance do cantor. Sabe-se que o excesso de tensão nos músculos, por exemplo, os músculos do pescoço, podem comprometer a qualidade vocal. Em contrapartida sabe-se que o relaxamento muitas vezes, leva à diminuição da tensão necessária para a realização do canto. Parte-se do princípio, que o corpo precisa de muita prontidão e energia para a elaboração do canto, nesse sentido o relaxamento não pode ser encarado com o propósito de preparar o corpo para o canto. O termo relaxamento nas atividades físicas direcionadas a preparação do cantor, deve ser entendido única e exclusivamente, como ausência de tensão excessiva nos músculos e nas articulações. Estar relaxado deve significar estar pronto para receber e decodificar qualquer estímulo. É estar de prontidão!
Alongamento, porém, “refere-se às situações que envolvem diretamente a
estrutura muscular e os tecidos moles que envolvem a articulação. As técnicas de
alongamentos resultam na elasticidade e melhoria da função muscular.” (MELLO;
ANDRADA E SILVA, 2008, s/p). Já o aquecimento, em atividades físicas, por
exemplo, é entendido como o período em que se promove o aumento das
frequências cardíaca e respiratória. Os aquecimentos permitem flexibilizar as
articulações, garantindo uma liberdade de movimentos.
A importância de um trabalho que conscientize o cantor de seu corpo,
mobilize sua musculatura e relacione equilíbrio psíquico e físico é colocada por Mello
e Andrada e Silva (2008, s/p):
[...] cantar é uma resposta da interação do corpo inteiro que envolve a coordenação e a dinâmica dos músculos. É uma ação que deve ser coordenada. A coordenação da musculatura intrínseca da laringe está atrelada à coordenação pneumofonoarticulatória, que está associada à coordenação motora do corpo todo. Outrossim, reflete-se que para a elaboração da voz, o corpo deve estar livre das tensões indesejadas, porém não significa estar com a musculatura relaxada, mas sim com o tônus muscular adequado para o gesto. Nesse sentido, a correlação entre o equilíbrio psíquico e funcionamento físico, pode ter significante resultado na qualidade vocal.
Marsola e Baê (2000) descrevem alguns exercícios de aquecimento corporal.
Para elas, exercícios de relaxamento e aquecimento do corpo devem anteceder o
momento da vocalização.
Estudando alguns métodos de técnica vocal e traçando aspectos semelhantes
e díspares entre eles, Specht (2007, p. 27) fala sobre o relaxamento enquanto
preparação, dizendo que “alguns métodos apresentam massoterapia aplicada à voz,
42
enquanto outros apresentam exercícios corporais. Ambos visam ao relaxamento
corporal que envolve principalmente ombros, costas, pescoço e face.”
Bündchen e Specht (2004) trabalham com a proposta de movimentos
corporais no canto coral. As autoras relatam que observaram, na integração corpo-
música,
[...] uma certa influência do movimento corporal na execução vocal de intervalos e trechos melódicos, ou seja, parecia clarear a compreensão da altura e a sustentação da afinação. Também as atividades que envolviam teatro, dança, expressão gestual livre, ajudaram segundo nossa avaliação, nas performances de apresentação do grupo, devido ao relaxamento vocal através dos movimentos corporais, onde observamos um acentuado controle sobre a expressão. (BÜNDCHEN; SPECHT, 2004, s/p).
Percebe-se, portanto, a prática de movimentos corporais associada a uma
melhor execução vocal e também enquanto meio para clarear o entendimento de
conceitos musicais, sendo útil no processo pedagógico da voz cantada.
2.2.3 Respiração
A respiração se constitui em dois movimentos básicos: inspiração e
expiração. Marsola e Baê (2000) descrevem o caminho do ar durante a inspiração
até a chegada aos pulmões: passando pelas narinas, traqueia, brônquios e alvéolos.
O movimento conjunto do tórax e do diafragma é que permite a entrada e saída do
ar dos alvéolos.
De maneira ampla, podemos pensar que o aparelho respiratório é constituído
pelas vias aéreas e pelos pulmões, localizados no tórax. O tórax é separado do
abdômen pelo diafragma: músculo que se movimenta durante a respiração: durante
a inspiração ele abaixa, comprimindo as vísceras abdominais e, na expiração, sobe
(logo, sobe durante a fala e o canto). Portanto, inspirar e expirar são movimentos
que contam com o auxílio do diafragma (conhecido como músculo-chefe da
inspiração, já que desce até o abdômen enquanto inspiramos, possibilitando a
entrada de ar nos pulmões). Na expiração o músculo apoia e pressiona a coluna de
ar. Esta coluna de ar passa pelas pregas vocais, que vibram e “geram” som. Por isso
43
a importância de usarmos corretamente o diafragma na respiração, “pois, caso
contrário, a garganta assume a função de apoio e com isso a voz sai com grande
esforço, dificultando a boa emissão.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 21).
De acordo com Marsola e Baê (2000, p. 21) a voz é, portanto, “o som
produzido pelas pregas vocais durante a expiração. O que faz as nossas pregas
vocais vibrarem é a passagem do ar. Sem ar não há som. Por isso saber respirar
corretamente é fundamental.” Para tanto, as autoras falam sobre a importância de
sabermos usar, dosar e controlar o diafragma, músculo que age em nossa
respiração, enfatizando que “respirar bem é meio caminho andado para se cantar
bem.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 22). No Renascimento já se ouvia algo parecido,
associando uma boa respiração ao canto, ao se falar do sopro enquanto fonte de
energia para o cantor, com a expressão “‘Il canto è fiato’: o canto é sopro.”
(DINVILLE, 1993).
Usar e controlar a respiração, a musculatura envolvida na mesma, também
são processos apontados por Dinville (1993, p. 53), ao dizer que “para o cantor, não
se trata de deixar o sopro escoar sem controle. Ao contrário, ele deve aprender a
economizá-lo, dosá-lo, isto é, regular constantemente o gasto de ar.” A autora ainda
afirma que, “aprender a cantar, é inicialmente aprender a respirar.” (DINVILLE, 1993,
p.51). Para ela, a respiração (no trabalho da técnica vocal) é vivida enquanto
sensação de resistência, de tonicidade muscular.
Para o canto, fala-se de uma respiração abdominal ou costo-diafragmática,
não envolvendo assim a região peitoral. Interessante apontarmos, porém, sobre a
ideia de que toda a respiração, independente do “tipo”, irá movimentar o corpo em
várias dimensões (vertical, horizontal e em profundidade), ainda que sutilmente. Por
isso Jerzy Grotowski (2007), ao falar sobre a voz, aponta que não há como evitar o
mínimo movimento que ocorre em nestas dimensões ao respirarmos. Ele comenta
que
O abdômen dá início ao processo de respiração, mas em certa medida o peito está um pouco envolvido. Não é a respiração que infla o peito, como se vê nas fotografias dos atletas. É um movimento sutil, que se pode verificar mais com o tato do que com a observação; porém é um movimento que de qualquer maneira existe. (GROTOWSKI, 2007, p. 137).
44
O trabalho regular da respiração permite um treino da musculatura, conduz a
um melhor controle dos movimentos respiratórios e permite que o aluno “memorize”
sensações a respeito do local onde ele deve concentrar certa pressão respiratória,
um local de tonicidade. Desta maneira, o aluno poderá “lembrar” do local de apoio
para a voz cantada, tornando-se automático, com o passar do tempo de estudo,
cantar sob este ponto de tonicidade. Assim, cantará sem esforços, sustentando a
voz não na garganta, mas na região memorizada, aprendida no desenvolvimento do
trabalho de treino respiratório.
Segundo Dinville (1993, p. 62), “o trabalho regular da respiração tem por
objetivo treinar a musculatura a fim de adquirir a agilidade e a tonicidade necessária
a toda atividade muscular.” Para que se desenvolva o trabalho da musculatura
respiratória, a autora diz ainda que a respiração deve ser diariamente treinada,
independente do canto. Além disso, fala que “a beleza do timbre, a afinação, a
facilidade da emissão e as possibilidades expressivas dependem, principalmente, da
técnica respiratória.” (DINVILLE, 1993, p. 60).
Encerramos este tópico ressaltando a importância de um estudante de voz
aprender sobre o funcionamento e adquirir o domínio técnico da respiração.
O conhecimento sobre o funcionamento do sistema respiratório, assim como o domínio técnico sobre ele são alguns dos elementos relevantes para a manutenção do bem estar vocal do profissional da voz. [...] a qualidade vocal e o comportamento respiratório e muscular estão inti-mamente relacionados. A arte do canto exige o controle da respiração e esse é o resultado de um sinergismo de todo o aparelho vocal. (GAVA JÚNIOR; FERREIRA; ANDRADA E SILVA, 2010, p. 552).
2.2.4 Ressonância
. O ar se transforma em som ao passar pelas pregas vocais, porém, este som
necessita de uma caixa de ressonância para ser amplificado. Funciona igualmente a
outros instrumentos musicais, tais como o violão, o violino, etc. O som produzido ao
se tocar as cordas de um violão, por exemplo, torna-se audível à plateia à medida
que encontra uma caixa de ressonância. Assim também percebemos com a voz
cantada: “No canto, o ar, ao fazer vibrar as pregas vocais, produz um som
45
insignificante, que necessita encontrar uma caixa de ressonância para poder
amplificar-se.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 16). O próprio corpo, com sua estrutura
óssea, pode ser considerado a grande caixa de ressonância da produção vocal,
havendo algumas cavidades mais específicas sobre as quais, ao direcionarmos o
som, alcançamos maior amplificação da voz.
Segundo Marsola e Baê (2000), praticamente todos os ossos do corpo estão
em vibração durante o canto, sendo muitos os ressonadores que poderíamos
considerar. Porém, podemos tratar dos que estão mais ligados a este trabalho de
amplificação e ressonância da voz: alguns autores os consideram enquanto
ressonadores e outros os subdividem em ressonadores inferiores e superiores.
Ainda de acordo com as autoras, a laringe, a traqueia, os brônquios e os pulmões
são considerados ressonadores inferiores, enquanto que as cavidades bucais e da
face são consideradas ressonadores superiores. Os ressonadores faciais, por sua
vez, são tratados como mais importantes, fazendo parte de uma região de
ressonância conhecida como “máscara”. Por isso a expressão “cantar na máscara”,
ou seja, cantar utilizando os ressonadores faciais. Esta expressão é conhecida entre
diversos professores de canto e usada em aulas para que, de maneira subjetiva, o
aluno possa imaginar esta máscara e projetar nela a sua voz. Percebemos aqui o já
dito por Dinville (1993): o uso de metáforas para que resultados sejam obtidos na
voz do aluno.
O aparelho ressonador “irá influir na cor (timbre), sonoridade e amplitude da
voz.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p.14). Por isso a importância de trabalhar-se a
abertura da boca, o afastamento dos maxilares, a imitação do movimento do bocejo,
entre outros, de modo a alcançarmos os sons de acordo com a estética que
desejamos (já que as qualidades vocais que procuramos enquanto cantamos, seja
uma voz doce, suave, metálica, agressiva, com brilho, entre outras, são obtidas pelo
bom direcionamento e controle do ar e pela articulação).
46
2.2.5 Articulação
“Através da articulação e das múltiplas modificações do colorido vocal, a voz
cantada tem excepcionais possibilidades e qualidades capazes de suscitar, aos que
são sensíveis, todo um conjunto de sensações e emoções.” (DINVILLE, 1993, p. 3).
Para a autora, modificando-se a tonicidade dos lábios e da bochecha, o som
fundamental pode ser enriquecido ou empobrecido. Assim sendo, a estética vocal
que buscamos pode ser trabalhada.
Dinville (1993) considera a língua o principal órgão da articulação, devendo
esta ser trabalhada para a execução de movimentos precisos em diferentes pontos
da cavidade bucal. A mandíbula, por sua vez, é considerada o órgão móvel da
articulação, comandando a atitude da laringe em sinergia com os movimentos da
língua e tendo também importante papel na coloração dos timbres.
Marsola e Baê (2000) também falam sobre a importância dos articuladores,
destacando duas funções destes: a de direcionamento do som para o aparelho
ressonador e a de ajudar na produção de fonemas. Consideram como articuladores
a mandíbula inferior, único osso móvel da face, a língua, o palato mole e os lábios.
Para as autoras, “A passagem fácil e sem defeitos do grave para o agudo depende
muito da posição correta da boca (articulação), que desempenha um papel
importante no aparelho ressonador.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 17).
A importância da articulação é comum às autoras citadas até então. O
trabalho da articulação também é desenvolvido, na técnica vocal, através de
vocalizes7. Estes, por sua vez, permitem-nos treinar a colocação dos fonemas (tanto
vogais quanto consoantes) na “máscara”. O som é projetado de maneira mais
adequada quando usamos os articuladores para direcioná-lo para o aparelho
ressonador.
Dinville (1993) ressalta a importância da articulação para o entendimento da
letra de uma canção por parte da plateia, lembrando-nos de que a voz é o
7 Exercícios vocais feitos, geralmente, com a utilização de vogais, consoantes nasais ou sílabas, dispostas melodicamente. Frequentemente usados em aula com o intuito do aquecimento vocal.
47
instrumento capaz de unir a palavra à música. Para ela, “Uma boa articulação
acrescenta muito à expressão e ao alcance da voz.” (DINVILLE, 1993, p. 67).
2.2.6 Afinação e ritmo
Quando se fala em afinação, trata-se de executar corretamente uma altura8
sonora proposta, atingindo a mesma frequência (MARSOLA; BAÊ, 2000). Por
exemplo: um professor toca no teclado uma determinada nota musical, pedindo que
o aluno reproduza aquele som com a voz. Porém, o aluno emite outra nota, outra
frequência, diferente da que está sendo solicitada no momento. Logo, há
desafinação. Caso o aluno fizesse soar com a voz exatamente a mesma nota tocada
pelo professor no teclado, haveria afinação. Portanto, um cantor, enquanto executa
uma canção, é considerado afinado caso alcance de maneira correta as alturas
escritas pelo compositor (desconsiderando aqui, obviamente, as modificações
melódicas intencionais que muitas vezes são propostas por cantores com intuito de
fornecer à obra novas interpretações, alterações, improvisos).
Para Marsola e Baê (2000) alguns fatores interferem na afinação, tais como a
falta de percepção - devendo o cantor aprimorar sua escuta -, a estrutura musical
não favorável, falta de atenção, repetição de um mesmo trecho, respiração incorreta,
falta de apoio diafragmático e notas nos limites da tessitura vocal9, além de questões
emocionais enfrentadas durante o ato de cantar.
O treino da afinação e também do ritmo é bastante realizado através de
vocalizes, como podemos ver em diferentes materiais e métodos de estudo escritos
para a aprendizagem da técnica vocal. Ao exporem alguns vocalizes em seu livro,
Marsola e Baê (2000, p. 85) dizem que “durante a execução dos exercícios, tudo
deve funcionar em conjunto – a respiração, ressonância, articulação, apoio do
8 Altura é a propriedade do som relativa à frequência, do grave ao agudo (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 43). Segundo Dinville (1993, p. 5), a alteração da altura se dá pela mudança na pressão expiratória. 9 Tessitura é o conjunto de notas, do grave ao agudo, que o cantor pode emitir com facilidade e homogeneidade, geralmente no âmbito de uma oitava mais uma quinta (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 33; DINVILE, 1993, p. 11).
48
diafragma, dinâmica, afinação e ritmo.” Portanto, é importante que se esteja atento
para se manter afinado e no ritmo proposto pelos exercícios.
Alguns autores, assim como Andréia Paris (2010), falam sobre a
aprendizagem do ritmo a partir da escuta do próprio corpo. Nesta perspectiva, é
possível perceber o ritmo pelas batidas do coração, do pulso, além de outros
trabalhos que podem ser desenvolvidos.
Schafer também fala sobre isso, discorrendo sobre a relação do ritmo e do
universo, do homem enquanto criatura que organiza e coloca o “acaso” em ordem,
do ritmo do coração, da respiração, das poesias declamadas, etc. Para o autor, “em
seu sentido mais amplo, o ritmo divide o todo em partes.” (SCHAFER, 2001, p. 315).
Logo, podemos pensar o ritmo como pequenas partes que se sucedem.
Paris (2010) expõe alguns dos conceitos sobre os quais trabalhou o conceito de
ritmo, tais como de alguns dicionários.
Esta noção de medida, de ordem e rigidez, por sua vez, sugere noções conceituais como estas que os dicionários trazem: ‘medida, compasso, movimento musical, processo sonoro que se repete com regularidade de tempo em tempo, de espaço em espaço, criando a cadência. Ordem de sucessão de fenômenos dentro de um espaço de tempo sempre o mesmo. Som que se repete com intervalos certos’ (BUENO, 1974: 3550), e a do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa que, entre outras definições mais específicas, define ritmo como ‘movimento ou ruído que se repete, no tempo, a intervalos regulares, com acentos fortes e fracos’ (FERREIRA: 2004). Há, ainda, o músico e pesquisador Sérgio Magnani (1996: 96), afirmando que 'o ritmo é a ordem suprema da música, assim como de todas as coisas – o princípio de suas leis matemáticas'. (PARIS, 2010, p. 19).
Entretanto, não é objetivo de nossa pesquisa abranger minuciosamente tais
questões sobre o ritmo. Para este trabalho, procuramos apenas deixar clara a
importância de um estudo do cantor também sobre questões rítmicas e melódicas,
sem que haja um menosprezo por tais. Durante a performance, caso o ritmo a as
alturas da música não sejam mais a preocupação principal, já tendo sido “resolvidos”
em aula, o cantor poderá voltar a sua atenção para outros aspectos.
49
2.2.7 Interpretação
Deus resolverá definitivamente as querelas entre cães e gatos, entre corintianos e palmeirenses e entre cantores e instrumentistas. Nós, os instrumentistas, chamamos os cantores de canários e relaxamos no palco escudados pelos nossos instrumentos. Sim, entre nós e a plateia existe um intermediário. Já o cantor tem o seu próprio corpo como emissor daquilo que é considerado o ponto dramático focal da apresentação. Melhor dizendo, toda a expectativa e toda a crítica estão amarradas ao frágil gogó do canário. (STROETER apud MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 5).
Gustavo Cerqueira Stroeter (apud MARSOLA; BAÊ, 2000) assina o prefácio
do livro Canto uma expressão: Princípios básicos de técnica vocal. Neste prefácio,
apresenta de forma bem humorada a complexidade de um cantor em palco
enquanto indivíduo que está de frente para o público, sem intermediários entre ele e
a plateia e, devendo fazer soar, através do próprio corpo e voz, imagens. Com isso,
percebe-se a atenção dada pela plateia ao cantor, sendo a interpretação um dos
aspectos notados no mesmo e que precisa, portanto, ser trabalhado.
Marsola e Baê (2000) falam sobre as sensações, trazidas pela música, que se
refletem no corpo do cantor através de gestos e expressões faciais. Ressaltam, por
conseguinte, a importância de uma liberação do corpo para movimentos expressivos
próprios do cantor, ao invés do uso de imitações, de recursos utilizados de maneira
forçada e estereotipada. Apontam para a necessidade de uma “conscientização e
liberação do corpo para que haja ‘entrega’ na interpretação. Esta conscientização é
processo individual, pois o meu movimento expressivo para cada emoção não é
igual ao seu.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 59).
Christiane Pereira Rodrigues e Leonice Maria Bentes Nina (2004) também
falam sobre aspectos de interpretação do cantor, já que desenvolvem um trabalho
de musicalização através do canto coral. A partir de um amplo estudo das peças a
serem cantadas, envolvendo apreciação e contextualização das mesmas,
memorização do repertório, entre outros, é que se desenvolvem, na opinião das
autoras, os aspectos de interpretação.
Os aspectos da expressão e interpretação devem ser desenvolvidos a partir de um trabalho de apreciação e contextualização a respeito das peças. Esse trabalho consiste em desenvolver a sensibilidade perceptiva de modo a reconhecer elementos da linguagem musical e seus usos nas peças, bem
50
como compreender estilos, reportando aos períodos histórico-sociais em que as peças foram criadas, bem como aos seus compositores. (RODRIGUES; NINA, 2004, s/p)
As autoras também mostram a importância de um trabalho com canto coral
que desenvolva concomitantemente aspectos técnicos, fisiológicos e psicológicos.
Novamente, vê-se a necessidade de se integrar estes elementos no trabalho com a
voz cantada.
2.2.8 Integração voz-corpo-emoção
“Quando chega o momento de emitir a voz, o cantor deve se preparar física e
mentalmente para cantar.” (DINVILLE, 1993, p. 43). Percebe-se, portanto, o grau de
complexidade que o ato de cantar envolve. Além de todo o trabalho técnico
desenvolvido em aulas de canto, o palco exige interpretação e equilíbrio emocional
(considerando a necessidade de lidar com sensações de ansiedade, nervosismo,
timidez ou outras resultantes da exposição a uma plateia). Para tanto, estes fatores
também devem ser agregados ao trabalho com a voz cantada em sala de aula. A
importância das vivências corporais ao lidarmos com a voz é tratada por diversos
autores.
Vivenciar o canto por meio do corpo – através de gestos, de encenações, da dança – é fundamental para a percepção do que acontece com a voz, com a música, com o gênero musical proposto. Cantar com o corpo leva a uma interpretação músico-vocal, em geral, mais descontraída, podendo auxiliar na expressividade do canto. (SCHMELING; TEIXEIRA apud BATISTA, 2011, p. 20).
Dinville (1993) também expõe seu pensamento sobre a relação corpo-voz,
dizendo que “Entre o corpo e a voz existe uma íntima relação. É com eles que o
cantor exterioriza sua afetividade e desempenha o papel intermediário entre o
público e a obra musical.” (DINVILLE, 1993, p. 4).
No ato de interpretar uma canção, Marsola e Baê (2000) apontam para a
necessidade de deixarmos o corpo responder ao que sentimos, com movimentos e
expressões naturais e não estereotipados. Com isso, percebemos a emoção e o
51
corpo envolvidos durante a interpretação de uma canção. Novamente fala-se desta
integração.
O termo corporeidade da voz, por exemplo, é bastante tratado nos textos de
Fernando Aleixo. Para ele, o termo representa “a voz, quando entendida como
corpo, ou seja, como um processo da ação das diferentes esferas da organicidade
(aspectos musculares, ossatura, sentidos, afetividade, memória, etc).” (ALEIXO,
2002, s/p). Notamos, portanto, elementos físicos e emocionais em interação com a
produção da voz.
Encerramos este tópico relembrando a necessidade, portanto, de um
ambiente de ensino e aprendizagem que integre os diversos fatores - físicos,
técnico-vocais e emocionais - ao trabalho com o estudante de canto. Como dizem
Mello e Andrada e Silva, (2008, s/p) “o canto é uma atividade que demanda preparo
físico e emocional, portanto, torna-se necessário um treinamento adequado para se
adquirir controle e propriocepção da fonação, bem como equilíbrio corporal.”
52
3 POR UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR: O JOGO TEATRA L COMO
FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA AS AULAS DE CANTO
Considerando os aspectos do jogo e da voz cantada tratados nos capítulos
anteriores, discorreremos neste capítulo sobre as contribuições trazidas à aula de
canto através dos jogos teatrais.
Iniciaremos explicando a metodologia e os procedimentos metodológicos que
foram utilizados na pesquisa, abordando as técnicas usadas para a coleta de dados
e a análise dos mesmos. Após, descreveremos os jogos utilizados na prática da
pesquisa-ação, alguns já conhecidos e outros criados durante o processo de
pesquisa deste trabalho. Por fim, analisaremos e refletiremos sobre os dados
coletados.
3.1 EXPERIÊNCIA COM UNIVERSITÁRIOS: METODOLOGIA
A prática desta pesquisa-ação foi realizada envolvendo os alunos da
disciplina Grupos Musicais II - Expressão Vocal, do curso Licenciatura em Música da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Grupos Musicais I e Grupos Musicais II são disciplinas obrigatórias na matriz
curricular vigente para a primeira e segunda fases do curso em questão. Porém, os
alunos podem escolher qual o instrumento que estudarão nestes grupos musicais,
devendo optar pelas seguintes especificidades: Expressão Vocal, Percussão ou
Flauta Doce10.
A turma escolhida, portanto, é composta por alunos da segunda fase do curso
que optaram pelos estudos de Expressão Vocal. Ao todo, nove alunos participaram
do processo de pesquisa.
A disciplina é ministrada pela Profª. Ms. Alícia Cupani Fabiano, coorientadora
deste trabalho de conclusão de curso. Elas ocorrem semanalmente no período
10 Para uma melhor compreensão da matriz curricular vigente e de suas alterações em relação às anteriores, pode-se acessar o Projeto Pedagógico de Curso (PCC) - 2012 no endereço online: <http://www.ceart.udesc.br/wp-content/uploads/Projeto_pedagogico_Licenciatura_Musica_2012.pdf>.
53
matutino: quintas-feiras, entre 10h20min e 12h, tendo duração total, portanto, de 1
hora e 40 minutos. O espaço físico utilizado para as aulas são salas do prédio do
Departamento de Música (DMU), no Centro de Artes (CEART) da universidade.
Porém, para a realização da prática da pesquisa-ação, utilizamo-nos do auditório do
DMU.
Escolhemos este espaço físico por ser neste auditório que os alunos do curso
realizam apresentações musicais e provas públicas de algumas disciplinas. No caso
da turma em que atuamos, por exemplo, ao término do semestre todos os alunos
deverão ter estudado uma canção para apresentar neste auditório, constituindo-se
assim a prova pública. Como as disciplinas do curso são ministradas, em sua
maioria, em outras salas do departamento, o auditório é um ambiente conhecido,
geralmente, apenas na primeira apresentação feita pelo aluno durante o curso.
Logo, de maneira que os alunos de canto possam se “familiarizar” melhor com o
ambiente de suas apresentações, resolvemos pelo uso do auditório enquanto
espaço físico para a parte prática da pesquisa.
A timidez de alguns alunos em relação ao ato de estar em palco, de frente
para uma plateia, foi outro aspecto importante para considerarmos a escolha do
auditório enquanto espaço para a prática. Como já visto no capítulo anterior, nem
sempre é fácil para alguns expor a voz em público. Por isso a escolha específica de
experiências com o jogo teatral (em que sempre há uma plateia) e do auditório
enquanto espaço físico, de maneira que já se criem relações entre o uso do palco e
da plateia e, de modo mais subjetivo, já se permita ao aluno estar mais familiarizado
com o ambiente de suas apresentações acadêmicas (visando um melhor conforto
deste aluno em relação ao ato de estar em palco).
A etapa prática da pesquisa-ação compreendeu dois encontros de 1 hora e 40
minutos cada, nos quais desenvolvemos os jogos teatrais selecionados.
Para este trabalho, a pesquisa-ação revelou-se bastante oportuna, tanto por
nos permitir experimentar nossas proposições através da prática com os jogos
teatrais elaborados quanto por possibilitar problematizações em nossa investigação.
Desta maneira, um método que una teoria e prática, que permita a ação do
pesquisador ao intervir em um grupo e que seja um eficaz instrumento para que o
pesquisador atue na prática com suas questões, capacitando-o também para a
54
prática profissional, revela-se bastante propício à nossa pesquisa. Engel (2000)
aborda estas características, ao relatar que
Como o próprio nome já diz, a pesquisa-ação procura unir a pesquisa à ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da prática. É, portanto, uma maneira de se fazer pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja melhorar a compreensão desta [...] No entender de Nunan, este tipo de pesquisa constitui um meio de desenvolvimento profissional de ‘dentro para fora’, pois parte das preocupações e interesses das pessoas envolvidas na prática, envolvendo-as em seu próprio desenvolvimento profissional (ENGEL, 2000, p. 182-183).
Além disso, este método é bastante aplicado na área da educação, entre
alguns motivos, por unir a prática do professor à pesquisa. Portanto, apresenta-se
eficaz ao ajudar estes profissionais na solução de problemas à medida que os
envolve na pesquisa.
Além de sua aplicação em ciências sociais e psicologia, a pesquisa-ação é, hoje, amplamente aplicada também na área do ensino. Nela, desenvolveu-se como resposta às necessidades de implementação da teoria educacional na prática da sala de aula. Antes disso, a teoria e a prática não eram percebidas como partes integrantes da vida profissional de um professor, e a pesquisa-ação começou a ser implementada com a intenção de ajudar aos professores na solução de seus problemas em sala de aula, envolvendo-os na pesquisa. Por exemplo, possibilitava avaliar empiricamente o resultado de crenças e práticas em sala de aula. (ENGEL, 2000, p. 182).
Logo, a pesquisa-ação se apresenta bastante atrativa e eficaz para nós
justamente por comportar a união entre teoria e prática, possibilitar uma investigação
na área educacional e por unir o pesquisador à prática, desenvolvendo-o na própria
área de atuação profissional.
Através de uma abordagem qualitativa (BRESLER, 2006; LUDWIG, 2009)
visamos investigar, a partir das percepções dos alunos e dos teóricos estudados,
quais as contribuições do jogo teatral para o processo pedagógico do canto.
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa à medida que propomos
pensar de forma interpretativa, baseada em experiências, sendo situacional e
humanística. (STAKE, 2011). A pesquisa qualitativa é definida como um processo
55
investigativo que leva em conta um estudo descritivo, interpretativo e empático, além
de uma preocupação com a singularidade e com a colaboração para a prática.
Usamos pesquisa qualitativa como um termo geral para nos referirmos a diversas estratégias de pesquisa que compartilham certas características: 1. a descrição contextual de pessoas e eventos; 2. a ênfase na interpretacão tanto de questões êmicas (aquelas dos participantes) como de questões éticas (aquelas do pesquisador); e 3. a validação de informação através da triangulação. (BRESLER, 2006, p. 60, tradução nossa).
Os estudos qualitativos têm interesse na singularidade e em colaborações
para uma prática, enquanto as pesquisas com métodos quantitativos buscam
generalizações, eliminando o situacional e permitindo um estudo simultâneo de um
extenso número de casos díspares (BRESLER, 2006, p. 64). Para Liora Bresler
(2006), a diferença está baseada em uma pesquisa que dá explicações ou que
promove compreensão. A respeito dessas diferenças a autora diz que:
Os estudos quantitativos se nutriram da busca de uma teoria global por parte dos científicos, buscando generalizações que se mantivessem em situações diversas, tentando eliminar o meramente situacional...tratam de anular o contexto a fim de encontrar relações explicativas mais gerais e dominantes [...] [Enquanto que] Os pesquisadores qualitativos tem um grande interesse na singularidade do caso individual, na variedade de percepções desse caso e nas diferentes intenções dos atores que formam parte do mesmo. (BRESLER, 2006, p. 64, tradução nossa).
Para Antonio Carlos Will Ludwig (2009, p. 56), a pesquisa quantitativa é
aquela “baseada em experimentos e levantamentos, os quais têm por pressuposto a
separação entre o sujeito e o objeto, e cujos resultados são apresentados através da
linguagem matemática.” Já a pesquisa qualitativa poder ser conceituada, segundo o
autor, como “uma exposição e elucidação dos significados que as pessoas atribuem
a determinados eventos e objetos.” (LUDWIG, 2009, p. 56).
Ainda que existam tais diferenças, na vida real, segundo Bresler (2006),
nenhuma pesquisa é puramente qualitativa ou quantitativa, havendo espaço para
numerações no estudo qualitativo e descrições no estudo quantitativo. Ambas as
abordagens são necessárias (BRESLER, 2006) e, dependendo da área de estudo,
uma delas pode ser mais apropriada que a outra (LUDWIG, 2009).
56
Logo, por esta pesquisa estar direcionada a compreender a maneira como os
estudantes percebem a prática de jogos teatrais nas aulas de canto, através da
observação de seus relatos e registros, tratando da singularidade, do interpretativo,
entre diversos outros aspectos, a perspectiva de uma abordagem qualitativa se
adequa a este trabalho.
As futuras argumentações, reflexões e resultados serão traçados a partir dos
dados coletados nas aulas. Para tal, realizamos a coleta nas aulas através de
filmagens dos jogos, momentos de conversa e reflexão sobre os jogos vivenciados
em sala, além de entrevistas semiestruturadas e da produção de protocolos de
qualquer suporte (desenho, escrita, colagem, entre outros) enquanto meio de
registro das reflexões dos alunos. Através destes procedimentos obtivemos
documentação para a futura análise e compreensão a respeito do que os alunos
pensam sobre a experiência interdisciplinar proposta.
Os nomes dos alunos, por sua vez, serão substituídos por nomes fictícios, os
quais eles mesmos escolheram, de modo que se preserve a identidade dos
participantes da pesquisa.
Quanto às falas transcritas, pode-se observar que seguimos o padrão de
linguagem utilizado pelos alunos, mantendo-se as informalidades da fala também na
escrita. Da mesma maneira que optamos por não “corrigir” ou alterar as expressões
informais usadas por eles, também não acrescentamos o “sic” em cada uma destas
falas com o propósito de tornar o texto mais fluente.
As gravações em vídeo auxiliaram ao passo que nos permitiram recordar os
acontecimentos das aulas, possibilitando-nos não esquecer de registrar neste
trabalho comentários feitos pelos alunos, reações frente às atividades, entre outros.
Como se trata de uma pesquisa que envolve os dados fornecidos pelos alunos em
sala de aula, não se torna viável ao pesquisador registrar em folhas de papel as
falas dos alunos, os acontecimentos considerados importantes, entre outros, ao
mesmo tempo em que o pesquisador precisa conduzir o grupo com algumas
atividades. Portanto, o registro em vídeo torna-se muito eficaz, permitindo que o
pesquisador possa focar sua atenção, durante a prática da pesquisa-ação, na
condução das atividades, ao invés de precisar fazer anotações simultâneas à
condução da aula.
57
Peter Loizos (2002) comenta alguns destes aspectos. Para ele,
O vídeo tem uma função óbvia de registro de dados sempre que algum conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser descrito compreensivamente por um único pesquisador, enquanto ele se desenrola. (LOIZOS, 2002, p. 149).
Porém, Loizos (2002) também aborda uma desvantagem da gravação em
vídeo, lembrando-nos que ela irá causar alguma distração nos participantes da
pesquisa, influenciando de certo modo em suas ações e levando tempo para que
eles reajam naturalmente diante das câmeras. Portanto, sabíamos desta
desvantagem durante a realização da prática de nossa pesquisa, tendo consciência
de que tínhamos apenas dois encontros com os alunos e que este tempo não seria o
suficiente para que os mesmos se acostumassem com o fato de estarem sendo
filmados durante toda a aula.
Os momentos de conversa e reflexão aconteceram em nossos dois
encontros, sempre após concluirmos a realização de todos os jogos previstos para
aquela aula. Obviamente, caso algum aluno passasse espontaneamente a comentar
algo durante ou em seguida do jogo, não o interromperíamos, sabendo que a
vontade e a espontaneidade em compartilhar algum pensamento devem ser
respeitadas, e que elas resultam do próprio ato de estar em jogo.
Neste momento de reflexões, as duas perguntas previamente elaboradas
para uma entrevista semiestruturada com o grupo foram “colocadas em roda”. A
primeira questão visou captar qualquer pensamento, ideia ou comentários dos
alunos, seja sobre os jogos, sobre a pesquisadora, sobre o espaço físico, a respeito
da atuação dos outros participantes, etc. A segunda pergunta foi mais específica em
relação ao que eles pensavam sobre os jogos teatrais vivenciados enquanto
ferramenta pedagógica para as aulas de canto.
O caráter da entrevista semiestruturada permitiu deixarmos que as
informações surgidas através das perguntas pudessem guiar, de modo mais flexível,
novos apontamentos (ainda que estes não tenham surgido diretamente da pergunta
inicial). Devido a isto escolhemos o modelo da entrevista semiestrutura por esta ser
58
[...] direcionada por um roteiro previamente elaborado, composto geralmente por questões abertas [...] guiada pelo roteiro de questões, o qual permite uma organização flexível e ampliação dos questionamentos à medida que as informações vão sendo fornecidas pelo entrevistado. (BELEI; GIMENIZ-PASCHOAL; NASCIMENTO; MATSUMOTO, 2008, p. 189).
Deste modo, seguimos com esta perspectiva na elaboração de nossas
questões.
Os protocolos, produzidos individualmente por cada estudante, possibilitaram
a eles o registro de suas impressões sobre determinada vivência, servindo como
meio de anotações e reflexões pessoais. Também servem enquanto meio de
ativação da memória, lembrando-nos de determinados acontecimentos que sabemos
ter registrado, mas não nos recordamos até ter em mãos as anotações. Segundo
Lombardi (2005, p. 109), “o protocolo é um registro da aula feito pelos participantes
do trabalho.” Ainda segundo a autora, eles surgiram da abordagem brasileira do jogo
teatral, sendo um “procedimento que se tornou parte da prática reflexiva realizada
nos trabalhos com jogos.” (LOMBARDI, 2005, p. 109). O protocolo não precisa,
necessariamente, ser um registro escrito, podendo se utilizar de diferentes
linguagens artísticas. Pereira (2012, p. 40), por exemplo, diz que os “protocolos
referem-se aos registros individuais – escritos, imagéticos, gestuais ou de qualquer
ordem expressiva – dos estudantes a partir das experiências em sala aula.” Por isso
Japiassu (2003) refere-se ao protocolo com outros nomes. O autor diz que
O protocolo não precisa ser denominado exclusivamente de ‘protocolo’. É possível referir-se a ele como ‘jornal’, ‘lembrança’, ‘memória’ ou ainda ‘história’ das coisas que ocorrem na sessão de trabalho. (JAPIASSU, 2003, p. 60).
Desta maneira, após esta abordagem mais específica sobre os registros em
vídeo, as entrevistas semiestruturadas e os protocolos (instrumentos utilizados para
coletarmos os dados), seguiremos com a explicação sobre os jogos escolhidos para
a vivência em aula, a relação dos mesmos com os princípios técnicos do canto e,
posteriormente, com a análise e reflexão sobre os dados coletados durante as aulas
desenvolvidas com os alunos, a parte prática de nossa pesquisa.
59
3.2 DESENVOLVENDO OS JOGOS TEATRAIS NA DISCIPLINA GRUPOS
MUSICAIS - EXPRESSÃO VOCAL II
Neste tópico pretendemos explicar rapidamente e mais especificamente o
modo como pensamos a vivência com os jogos, partindo logo em seguida para o
próximo subcapítulo, que se direcionará à explicação de cada jogo em questão.
Para a primeira aula escolhemos realizar 3 dos 4 jogos. Neste primeiro dia
utilizamos 1 hora e 10 minutos da aula, já que alguns alunos ainda estavam em
processo de avaliação de fim de semestre, precisando apresentar um trabalho nos
primeiros 30 minutos. Portanto, os jogos selecionados foram: “Circuito em pane”,
“Espelhos ao lado” e “Um regente e cinco teclas: o piano cantado” 11.
“Circuito em pane” foi um jogo criado durante o período de escrita deste
trabalho. “Espelhos ao lado” foi uma junção de algumas leituras sobre jogos teatrais
e experiências que vimos acontecer em aulas e oficinas de teatro. “Um regente e
cinco teclas: o piano cantado” foi o nome que escolhemos para um jogo vivenciado
em uma oficina e sobre o qual não viemos a ter informações a respeito do nome.
Após os jogos, seguimos o encontro com o momento de reflexão, as entrevistas e os
protocolos.
Para a segunda aula, pensamos no jogo 1 e no jogo 2 para serem
vivenciados novamente, com objetivo de traçarmos algumas comparações sobre
como os alunos reagiram e realizaram tais jogos no primeiro e no segundo encontro.
Além deles, o “Jogo das placas” foi vivenciado também no segundo encontro.
Este jogo, por sua vez, também foi conhecido em uma oficina e, posteriormente,
atribuímos nome a ele. Como no primeiro encontro, a aula seguiu com um momento
de reflexão, entrevistas e protocolos.
3.3 OS JOGOS
Passaremos então a descrever a estrutura e o funcionamento de cada jogo.
11 Os nomes dados aos jogos são de nossa autoria.
60
3.3.1 “Circuito em pane”
Nome do jogo:
Circuito em pane
Objetivos:
• Ler com rapidez diferentes trava-línguas,
trabalhando a articulação.
• Encher balões, apagar velas, dentre outros, para
exercitar o apoio diafragmático.
Recursos didáticos:
4 cadeiras ou mesas, 4 folhas de papel, trava-línguas,
1 prancheta transparente, guardanapos, balões, velas,
suportes para as vela, fita (para grudar no chão,
marcando a distância mínima entre o jogador e a vela)
e fósforos ou isqueiro
Pré-requisito:
Não há pré-requisitos
Este jogo soma algumas de nossas experiências em aulas de canto em que,
para uma melhor compreensão do aluno sobre a respiração e o apoio diafragmático,
professores faziam uso de objetos como velas, guardanapos, balões, etc. Além
disso, utilizamos alguns trava-línguas para o trabalho da articulação.
No processo de desenvolvimento da pesquisa, resolvemos aproveitar as
ideias do uso de objetos como os citados acima, além dos trava-línguas, e
estruturamos o jogo teatral explicado a seguir.
A palavra “circuito”, no nome do jogo, foi escolhida para fazer analogia ao
circuito elétrico, em que a ligação de elementos forma, entre si, um caminho
fechado, por onde a corrente elétrica se movimenta. Em jogo, esta movimentação é
representada pelos próprios jogadores que, durante a execução de determinadas
ações, caminham por um percurso fechado.
61
Como jogar?
O espaço físico deve ser preparado, colocando-se 4 cadeiras uma ao lado da
outra (assumiremos que serão cadeiras, mas pode-se fazer uso de outros suportes,
como mesas, banquetas, entre outros). Em cada uma delas haverá um objeto com o
qual os jogadores irão interagir, executando representações pré-definidas. Uma
folha também estará colada em cada cadeira. Nestas folhas estarão escritas
indicações sobre quem o jogador deverá representar ao passar por cada etapa do
circuito.
Com o espaço já organizado, deve-se pedir que todos os participantes
formem uma fila. Explica-se então o funcionamento do jogo: dado o sinal de início,
os 4 primeiros da fila seguirão até uma das cadeiras à frente e se posicionarão atrás
delas. Enquanto isso, os outros da fila estarão assistindo atentamente, formando a
plateia e aguardando para entrar em cena.
Cadeira 1: nela haverá trava-línguas. O jogador localizado na primeira cadeira
deverá representar um participante de um concurso de agilidade em trava-línguas
em uma de suas aparições na televisão, imaginando-se durante um concurso que
está sendo transmitido ao vivo. Para isso, deve-se ler com a maior rapidez possível
um dos trava-línguas que estarão na cadeira a sua frente.
Cadeira 2: nela haverá guardanapos. Por sua vez, o jogador posicionado
atrás dela representará um pombo-correio que não pode deixar cair a carta que
carrega no bico (a carta é representada pelo guardanapo). Desta maneira, o jogador
deverá sustentar, com o sopro, um guardanapo em uma prancheta. Esta prancheta
é segurada pelo próprio jogador, na vertical, e o guardanapo, assim que colocado
nela, deve ser solto com as mãos e sustentado com o ar.
Cadeira 3: nela haverá balões. O jogador deverá encher um dos balões com
objetivo de estourá-lo. Quem estiver nesta cadeira deverá representar um salva-
vidas que tenta reanimar, em uma praia, uma vítima de afogamento. Para isso,
sopra-se o balão constantemente (fazendo alusão a respiração boca-a-boca).
Cadeira 4: sobre a última cadeira deste “circuito” haverá uma vela, que deverá
ser apagada a certa distância (a distância será determinada por uma fita grudada no
chão). Nesta ocasião, o jogador representa um refém que, após ser sequestrado, foi
62
colocado em um quarto escuro com uma bomba preste a explodir. Para que isto não
ocorra, deve-se apagar o pavio. A vela representará o pavio a ser apagado. O
jogador, portanto, precisa soprar constantemente esta vela na tentativa de apagá-la,
impedindo assim a “explosão”.
Estas são as 4 cadeiras com os seus respectivos objetos e as devidas
representações a serem feitas ao se passar por elas. O jogo flui à medida que há
troca de jogadores, com todos da fila passando por cada uma das cadeiras.
Para que isto ocorra, fica determinado que: caso o jogador 1 leia o trava-
língua de maneira errada ou o jogador 2 deixe o guardanapo cair no chão, a
disposição dos jogadores será alterada. Todos deverão então passar para a cadeira
que está ao seu lado esquerdo. Da mesma maneira, caso os jogadores 3 ou 4
consigam executar suas funções com os objetos (encher o balão até estourar ou
apagar a vela), também haverá movimentação de todos, com a troca de posição
para as respectivas cadeiras do lado esquerdo.
Assim, o coordenador deve estar atento aos quatro jogadores, dando um sinal
para a troca de posições destes assim que os jogadores das cadeiras 1 e 2 errarem
suas ações ou que os jogadores 3 e 4 conseguirem concluir suas tarefas. A
movimentação será visualizada da seguinte forma: o jogador 1 passará para o lugar
do 2; o 2 para o lugar do 3; o 3 para o lugar do 4; e o 4 voltará para o fim da fila
(retornando à plateia). A cadeira 1, agora vazia, será ocupada pelo aluno que está à
frente da fila, um integrante da plateia que entrará em cena.
Por isso chamamos de “Circuito em pane”: uma pessoa após a outra entra em
cena e, ao passar por cada uma das cadeiras, executa a ação no contexto indicado
(quem é, onde está, o quê faz). A cada troca de lugares uma pessoa da plateia entra
para as representações, enquanto que o jogador da cadeira 4 se retira, retornando à
plateia e ao final da fila.
Para uma melhor compreensão e apresentação resumida dos papeis de cada
jogador, em termos de interação com os objetos e representações, segue a tabela
abaixo. Ela serve também para uma melhor visualização quanto a “quem” será o
jogador, “o quê” este fará e “onde” este deverá se imaginar.
63
Cadeira 1 Cadeira 2 Cadeira 3 Cadeira 4
Objetos:
Papéis com
trava-línguas
Guardanapos
Balões
Velas
“Quem”:
Participante de
um concurso de
agilidade em
trava-línguas
Pombo-correio
Salva-vidas
Refém
“O quê”:
Ler rapidamente
um trava- língua
para ganhar o
concurso
Sustentar um
guardanapo
com o sopro
para não deixar
“a carta” cair
Encher o balão
para “reanimar
uma vítima de
afogamento”
Soprar a vela
até apagar “o
pavio da
bomba”
“Onde”:
Na televisão,
em uma
transmissão ao
vivo
Na viagem, em
busca do
destinatário da
carta
Na praia
Em um
quarto
escuro
Para uma boa visualização tanto das posições a serem tomadas pelos
integrantes da plateia (representados pela letra “P”) e pelos jogadores
(representados pela letra “J”) quanto das movimentações dos mesmos no jogo
durante as trocas de lugares, segue o desenho abaixo:
64
Os números ao lado das letras “J” e “P” servem apenas para mostrar que não
se trata dos mesmos integrantes, mas sim do jogador 1, ou 2, ou 3 e assim por
diante. As “reticências”, por sua vez, são para ilustrar que não se sabe o número
total dos integrantes: a cada dia pode haver um grupo de alunos diferente em
número.
3.3.1.1 Alterações para “Circuito em pane”
Na reformulação do jogo, proposto novamente na segunda aula, pensamos
algumas alterações. Em geral, os participantes não deverão mais trocar de posições
assim que houver um erro em jogo (ou acerto, dependendo da ação proposta). Esta
reformulação na estrutura do jogo foi pensada para que os jogadores pudessem
passar mais tempo cumprindo as ações e representações propostas.
Portanto, o jogador da cadeira 1 deverá agora ler o trava-língua até acertá-lo,
movimentando-se apenas quando finalizar tal ação. Caso demore, deve manter as
tentativas, até que consiga ler um trava-língua do início ao fim, sem erros. Ao
concluir tal tarefa, poderá se movimentar para a cadeira ao lado.
O jogador da cadeira 2 deverá se manter nesta cadeira até que se passem 30
segundos de sustentação do guardanapo na bandeja através do sopro. Caso o
guardanapo caia, ele deverá o pegar e continuar a atividade. Após 30 segundos
(cronometrados pelo condutor do jogo), deve-se avisar para que ele troque de
Figura 1 - Estrutura do jogo "Circuito em pane"
65
posição. Ressalta-se que não são necessários 30 segundos contínuos de
sustentação do guardanapo. Logo, não há problema caso o guardanapo caia. O
jogador apenas deve pegá-lo e retornar a soprar até que encerrem os 30 segundos
determinados para sua permanência em tal cadeira.
Na cadeira 3, a reformulação prevê que o aluno encha o balão até o estourar
ou até alcançar o tamanho mínimo proposto em um balão já cheio (amarrada à
cadeira dele). Quando conseguir finalizar uma das duas ações, poderá seguir para a
cadeira 4.
O jogador que estiver na cadeira 4, por sua vez, poderá sair desta e retornar à
primeira apenas quando conseguir apagar a vela.
Figura 2 - Modificações na estrutura do jogo "Circuito em pane"
Pode acontecer de se formarem filas por um jogador não estar conseguindo
executar sua tarefa. Exemplo: o jogador da cadeira 4 pode não conseguir apagar a
vela, estando os outros já posicionados atrás dele, na espera. Caso isto aconteça,
deve-se esperar até que o jogador da cadeira 4 cumpra sua ação. Devido a isto, a
nova figura abaixo foi assim representada, supondo a existência de filas.
Logo, as alterações preveem mais tempo para o jogador em determinada
ação e representação e, possivelmente, melhor aproveitamento do jogador a
respeito do aquecimento respiratório.
66
3.3.2 “Espelhos ao lado”
Nome do jogo:
Espelhos ao lado
Objetivos:
• Aprimorar a escuta e a atenção ao grupo ao imitar
os outros jogadores.
• Criar e reproduzir sons que trabalhem com a
ressonância vocal.
• Movimentar-se de maneira a relaxar e alongar o
corpo durante a execução de um som.
Recursos didáticos:
Não são necessários
Pré-requisito:
Não há pré-requisitos
O jogo que descrevemos a seguir é uma adaptação criada a partir do
“Exercício de espelho n.1” proposto por Spolin (2008). Conhecemos exercícios de
espelho sendo executados de diferentes maneiras em diversos lugares, dentre eles
oficinas e aulas de voz ou dança. Porém, durante o período em que estivemos nas
aulas de “Voz IV” do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC, ministrada pela
professora Daiane Dordete Steckert Jacobs no segundo semestre de 2012,
presenciamos uma das adaptações com a qual mais nos identificamos. No
desenvolver da pesquisa, chegamos à versão do jogo que propomos a seguir.
Como jogar?
Todos formarão uma roda. Um por vez deverá executar qualquer som que
trabalhe com a ressonância da voz (seja um vocalize, uma vibração de lábios, uma
boca chiusa, etc.). Após o primeiro fazer um som, os dois alunos que estiverem ao
seu lado (tanto o do lado direito quanto o do lado esquerdo) deverão copiá-lo,
reproduzindo o som feito pelo primeiro jogador. Justamente por isso o nome
67
“espelhos ao lado”, pois estes alunos funcionarão como espelhos ao reproduzir o
som do jogador que está entre eles.
Assim que o primeiro executar um som e os dois ao seu lado copiarem,
passa-se a vez para o aluno ao lado (definiremos aqui o sentido anti-horário). Logo,
quem estiver à direita do primeiro jogador é agora responsável por executar outro
som qualquer e os que estão ao seu lado direito e esquerdo devem imitá-lo.
Imaginando-se uma roda com 8 pessoas, poderíamos dizer que: assim que o
jogador 1 terminar a execução de um som, os jogadores ao seu lado - o jogador 8 (à
esquerda) e o jogador 2 (à direita) - reproduzem o som. Passa-se a vez para o
jogador 2, que será imitado pelo 1 (à esquerda) e pelo 3 (à direita). Seguimos com o
jogador 3, sendo este copiado pelo jogador 2 (à esquerda) e pelo jogador 4 (à
direita), e assim por diante.
O desenho abaixo ilustra esta explicação.
Figura 3 - Estrutura do jogo "Espelhos ao lado"
68
Através deste desenho podemos visualizar o modo como o jogo se
movimenta, com um participante realizando um som vocal e 2 “espelhos”, ao seu
lado, reproduzindo o que foi feito.
Quando todos na roda tiverem executado o som escolhido, um novo elemento
será adicionado. O primeiro jogador deve recomeçar repetindo o som que havia feito
no início do jogo, acrescentando à execução vocal um movimento corporal.
Seguindo a mesma regra de “espelhos”, os jogadores da direita e da esquerda
devem imitar o som e também o movimento corporal realizado. Assim, passa-se a
vez para o segundo jogador da roda que, por sua vez, também acrescenta um
movimento para o seu som e é copiado pelos 2 jogadores ao seu lado. Desta
maneira o jogo segue, até que todos da roda tenham criado um som associado a um
movimento corporal.
Observação: pode-se pedir que cada participante escolha um movimento
eficiente para o relaxamento de seu corpo. Exemplo: se o participante sabe que
acumula muita tensão na região do pescoço, pode escolher movimentar o pescoço
enquanto executa um som. Logo, cada um deverá pensar em movimentos eficazes
para o seu relaxamento.
O jogo termina quando todos tiverem concluído a execução dos sons
simultâneos ao movimento corporal.
3.3.2.1 Alterações para “Espelhos ao lado”
A reformulação de tal jogo foi elaborada para que os alunos não precisem
mais, individualmente, reproduzir sons e movimentos corporais.
Os alunos não estarão em roda, como na “versão” inicial do jogo, mas
caminhando pelo espaço físico. O condutor estará no piano para tocar alguns
acordes durante o jogo.
Inicia-se com todos caminhando e, assim que o condutor tocar um acorde, um
jogador deverá emitir um som (que considere afinado em relação ao acorde tocado)
simultâneo a um movimento corporal. O jogador que propôs o som e o movimento
deverá os repetir, reforçando sua proposta para o grupo. Os demais jogadores
deverão “captar” o som e movimento vigentes e imitá-los, representando os
69
espelhos. Assim sendo, haverá um jogador “líder”, aquele que iniciar uma proposta e
os seus espelhos, os jogadores que o copiarão. Assim que qualquer outro jogador
desejar criar um novo som e movimento corporal, poderá fazê-lo e o grupo,
atentamente, deverá passar a imitar estas novas criações.
Poderá haver momentos em que duas ou mais propostas serão lançadas
simultaneamente. Caso isto ocorra, os jogadores deverão disputar a “liderança”,
mantendo seu som, aumentando a intensidade deste e esperando que outros
jogadores recuem. Logo, o jogador que deseja liderar deverá defender sua ideia.
O jogo, portanto, segue desta maneira. O condutor continua tocando acordes
nos momentos em que desejar e os jogadores, por sua vez, também quando
desejarem devem emitir sons afinados em relação ao piano, simultâneos aos
movimentos corporais. A cada novo “líder” em jogo, todos trocam os sons e
movimentos que estão executando e passam a imitar as novas sugestões.
3.3.3 “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”
Nome do jogo:
Um regente e cinco teclas: o piano cantado
Objetivos:
• Aprimorar a escuta, a atenção ao grupo e a
afinação, estando atento ao regente e aos outros
jogadores para cantar no momento certo, sem
perder o tempo das entradas e a afinação.
Recursos didáticos:
Não são necessários. Sugestões: pode-se fazer uso de
vendas (para tapar os olhos dos 5 jogadores da roda
interna) e de um metrônomo, mas estes não são
imprescindíveis para o jogo acontecer.
Pré-requisito:
Afinação (é necessário que os jogadores consigam
cantar as notas do jogo de maneira afinada).
70
Este jogo foi vivenciado no Festival de Música de Itajaí, na oficina de
Interpretação Vocal, com a ministrante Tatiana Parra, em abril de 2012. Esta, por
sua vez, aprendeu-o em uma oficina com Bob Mc Ferry.
Como jogar?
Os participantes devem formar 2 rodas, uma dentro da outra. A roda interna é
a que executa o jogo e deve ser constituída de 5 pessoas. Cada integrante dela
representará uma tecla do piano, uma nota musical. As notas musicais escolhidas
foram: Dó, Ré, Mi, Fá e Sol, as 5 primeiras notas da escala de Dó maior. A roda
externa será a plateia e, dentre ela, será escolhido um regente.
De olhos fechados, cada um dos 5 jogadores deverá cantar o nome da nota pela
qual ficou responsável, de maneira que possamos ouvir separada e
consecutivamente as notas Dó, Ré, Mi, Fá, Sol. Desta forma, após o primeiro cantar
a nota Dó, o segundo deve cantar a nota Ré, o terceiro a nota Mi, e assim por
diante, repetindo-se a sequencia de Dó a Sol, como um ciclo, até futura intervenção.
Isto deve ser feito com um andamento pré-determinado (pode-se fazer uso do
metrônomo). O desafio até então é de que cada um execute a nota pela qual está
responsável sem perder o tempo de entrada e sem desafinar.
A pessoa escolhida como regente será chamada para interagir e comandar os
sons que estão sendo cantados pelos jogadores. Esta pessoa, ao encostar em um
dos 5 componentes da roda, retira aquele som do grupo. Ou seja: assim que o
regente tocar em uma das pessoas, esta deve parar de cantar sua nota. Voltando a
encostar nela, ela deverá retornar a cantar. Deste modo, o desafio se amplia: se sou
eu o jogador responsável pela nota Ré e não sinto o comando de que devo parar de
cantá-la, deverei continuar independente do que as outras 4 pessoas fizerem. Logo,
se a nota Dó, anterior a mim, parar de soar, devo estar atenta para ainda assim
continuar, sem perder o tempo de minha entrada e a afinação.
O que se ouvirá são notas parando de soar, voltando a soar,
desordenadamente. Cada um precisará adquirir uma independência sonora do
grupo.
71
3.3.4 “Jogo das placas”
Nome do jogo:
Jogo das placas
Objetivos:
• Interpretar as ações propostas nas placas
erguidas pela plateia, movimentando o corpo
durante a execução de uma canção, de modo a
proporcionar maior relaxamento para a
interpretação da mesma.
Recursos didáticos:
Folhas de papel sulfite e canetas hidrocor
Pré-requisito:
Saber uma canção de cor
Este foi mais um dos jogos vivenciados na oficina de interpretação vocal em abril
deste ano, no Festival de Música de Itajaí. Na ocasião, a monitora da oficina era
Giana Cervi. Como sugestão de atividade para o trabalho da interpretação do cantor,
ela indicou o jogo que descreveremos a seguir. A ministrante da oficina, Tatiana
Parra, gentilmente aceitou a proposta e aplicou com o grupo. Devido aos resultados,
dentre eles a empolgação e descontração gerada entre os participantes,
propusemos este jogo na prática de nossa pesquisa.
Como jogar?
Distribui-se uma folha branca para cada pessoa. Nela, cada um deverá
escrever um verbo que indique uma ação, como por exemplo: pular, dançar, gritar,
voar, comer, entre outros. Após todos escreverem, um dos participantes deverá ir à
frente para cantar a música já escolhida antecipadamente (um por vez executará
uma canção).
72
Enquanto o primeiro participante estiver cantando, os outros do grupo estarão
levantando as folhas nas quais escreveram os verbos. Elas servirão como “placas
de comando”, indicando qual ação o cantor à frente deverá representar. Esta ação
deve ser encenada através de gestos, mímica, enquanto se canta. Desta maneira,
quem estiver cantando deverá estar atento ao grupo para ler as ações escritas em
cada folha erguida, e o grupo, por sua vez, deve estar atento para que se levante
uma folha por vez (de modo que o cantor não fique confuso com muitas indicações e
sobre quais das ações realizar primeiro).
O jogo encerra quando todos os participantes tiverem ido à frente para
execução da canção simultânea aos gestos criados para representação das ações.
Observações: caso o grupo seja composto por muitas pessoas, as ações se
tornarão repetitivas, já que muitas pessoas terão de ir a frente cantar e por muitas
vezes as mesmas folhas serão erguidas. Logo, como sugestão, pode-se distribuir
novas folhas no meio do jogo (assim que metade dos integrantes já tenham cantado)
para que se escrevam novos verbos. Desta maneira, evita-se que o jogo se torne
maçante e que os jogadores, enquanto cantores, já saibam quais serão os verbos a
serem representados.
Porém, caso haja poucos jogadores, a sugestão é de que 2 ou 3 folhas (ao
invés de uma) seja entregue a cada participante. Assim, cada um será responsável
por escrever 2 ou 3 verbos e poderá indicar ao cantor-ator à frente mais de uma
ação.
3.4 ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE OS DADOS COLETADOS
A partir de cada um dos meios de coleta de dados (filmagens, entrevistas,
protocolos), obtivemos informações para a tentativa de responder a nossa questão
de pesquisa a partir da perspectiva dos alunos e dos teóricos pesquisados.
Para uma melhor organização na exposição e reflexão dos dados coletados,
trataremos destas informações considerando o meio através do qual elas foram
registradas: primeiramente daquelas que obtivemos durante a realização dos jogos e
nos momentos de debate, reflexão (os comentários registrados em vídeos); após,
73
das informações obtidas através das entrevistas e, finalmente, passamos a tratar
daquelas registradas nos protocolos.
3.4.1 No desenvolver dos jogos e nos momentos de re flexão
Durante os jogos, em geral, os alunos reagiam de duas maneiras: na maior
parte das vezes com muito riso e espontaneidade e ainda, em outros momentos,
mais concentrados e sérios, parecendo mais acostumados com o fato de estarem
em jogo (o que não descaracteriza o jogo). Segundo Huizinga (2000, p. 8),
É lícito dizer que o jogo é a não-seriedade, mas esta afirmação, além do fato de nada nos dizer quanto às características positivas do jogo, é extremamente fácil de refutar. Caso pretendamos passar de ‘o jogo é a não-seriedade’ para ‘o jogo não é sério’, imediatamente o contraste tornar-se-á impossível, pois certas formas de jogo podem ser extraordinariamente sérias. Os jogos infantis, o futebol e o xadrez são executados dentro da mais profunda seriedade, não se verificando nos jogadores a menor tendência para o riso.
Logo no início do primeiro encontro, muitos demonstraram certo
estranhamento com o ambiente, surgindo perguntas sobre o porquê das cadeiras no
palco, o quê seria feito com elas, qual era a atividade programada para o uso delas,
entre outras falas colocadas em meio a risos, tais como: “Não tem nada de sujar
não, né?” (Raquel - Registro audiovisual); “É o trote!12” (Bianca - registro
audiovisual). Todas estas falas demonstram certa insegurança por parte dos alunos,
que ainda não sabiam o que aconteceria no jogo.
Como se pode observar através do registro em vídeo, assim que o jogo
“Circuito em pane” iniciou (após a explicação de todas as suas regras), muitas
risadas e comentários espontâneos surgiram. Este jogo foi escolhido para iniciarmos
o processo justamente por isso: por acreditarmos que ele poderia gerar bastante
descontração entre o grupo, deixando-os mais tranquilos e relaxados para os jogos
12 Conjunto de brincadeiras feitas com os estudantes que ingressam na universidade, geralmente na primeira semana de aula.
74
seguintes. Devido à descontração gerada, por exemplo, dois alunos já se
aproveitaram do momento descontraído para “roubar” no jogo.
Huizinga (2000) faz relações sobre o jogo, suas regras e aqueles que
desrespeitam tais regras. O autor comenta que
O jogador que desrespeita ou ignora as regras é um ‘desmancha-prazeres’. Este, porém, difere do jogador desonesto, do batoteiro, já que o último finge jogar seriamente o jogo e aparenta reconhecer o círculo mágico. É curioso notar como os jogadores são muito mais indulgentes para com o batoteiro do que com o desmancha-prazeres; o que se deve ao fato de este último abalar o próprio mundo do jogo. (HUIZINGA, 2000, p. 12).
No caso dos atos de “roubo” que notamos no início deste primeiro jogo, os
jogadores não foram relacionados à figura do “desmancha-prazeres”, já que nem
foram notados pelo grupo durante a infração das regras (inclusive, foram percebidas
por nós apenas ao assistirmos aos vídeos). Além disso, a infração cometida pelo
primeiro jogador resultaria em benefícios para ele, sem prejudicar os outros
participantes, enquanto que, dentre as infrações cometidas pelo segundo jogador,
algumas até beneficiariam a todos. Logo, é possível que ainda que o grupo tivesse
visto tais regras serem quebradas, não reclamasse, já que os outros jogadores não
seriam afetados e, algumas vezes, ainda seriam beneficiados.
Interessante notarmos que as infrações cometidas pelo segundo jogador
foram resultantes de seu desejo de conseguir executar tal tarefa, de ganhar, de
vencer aquele obstáculo (que se relacionava a apagar uma vela, com o sopro, em
uma distância pré-determinada). Inclusive, nota-se o esforço daquele jogador para
apagar a vela, além dos diversos comentários feitos por ele aos colegas (sobre não
estar conseguindo tal ação, sobre a dificuldade gerada pela distância em que
precisavam ficar posicionados para apagar a vela, etc). Até mesmo após a
realização dos outros dois jogos, já nos momentos de conversa e entrevista, o
jogador voltou a falar sobre não ter conseguido executar aquela tarefa no início da
aula, explicando ao grupo sobre a dificuldade de tal. Percebeu-se uma vontade
imensa neste jogador de conseguir apagar a vela, ação que nenhum outro jogador
conseguiu realizar. Porém, não sabíamos sobre esta vontade ter desencadeado o
“roubo” em jogo, sendo este ato repetido diversas vezes pelo jogador para que
conseguisse realizar a ação desejada.
75
Iremos, portanto, narrar um pouco deste acontecimento, para que se possa
entender o que o jogo gerou em termos de vontade e gana para se cumprir
determinada ação.
O jogador inicia seus “atos de roubo” aproveitando-se de ter um balão cheio
de ar em mãos (já que na cadeira 3 a ação era encher um balão) e, ao deslocar-se
para a próxima etapa (ação de apagar a vela que estava em cima da mesa), esvazia
o balão direcionando-o para a vela, na tentativa de apagá-la com o ar que estava
dentro do balão. Isto é repetido algumas vezes sem que os outros jogadores notem.
Ainda assim, ele não consegue apagar a vela. Sem perceber estas repetidas
tentativas, paramos o jogo por um momento para explicar algo e, enquanto isso, este
jogador aproxima-se da vela e a apaga (provavelmente achando que eu havia
parado o jogo para encerrá-lo e, assim, fez questão de apagar a vela antes de irmos
para o próximo). Após apagá-la diz: “Pronto!” (Pedro - registro audiovisual). A partir
daí que passo a notar a satisfação e desejo de tal jogador em conseguir “vencer a
vela”. Ainda durante a explicação, aproximamos um pouco a mesa dos jogares, para
facilitar a eles a ação de apagar a vela. Porém, no momento em que nos viramos,
estando de costas para o jogador em questão, ele aproveita para puxar ainda mais a
mesa, deslocando-a para mais perto dele, diminuindo assim a distância entre ele e a
vela, e infringindo a regra da distância a ser tomada entre o jogador e tal objeto.
Ao retornarmos ao jogo, com a vela já acesa novamente, ele tenta apagá-la
(agora nesta nova distância, com uma maior proximidade gerada pelo seu ato de
“roubo”) e, não conseguindo, exclama: “Ahh, quase!” (Pedro - registro audiovisual).
Tal insistência e vontade de conseguir executar a ação de apagar a vela são
demonstradas mais à frente, nos comentários e entrevista com o grupo.
O desejo de ganhar, a vontade de vencer obstáculos e superar desafios no
jogo são bastante comentados por diversos autores. Huizinga (2000, p. 12), por
exemplo, diz que
Há um esforço para levar o jogo até ao desenlace, o jogador quer que alguma coisa ‘vá’ ou ‘saia’, pretende ‘ganhar’ à custa de seu próprio esforço. Uma criança estendendo a mão para um brinquedo, um gatinho brincando com um novelo, uma garotinha jogando bola, todos eles procuram conseguir alguma coisa difícil, ganhar, acabar com uma tensão. O jogo é ‘tenso’, como se costuma dizer.
76
Para Coelho (2011, p. 303-304), “um dos sentidos do jogo é saciar e
preencher nosso desejo interno de sempre continuar brincando, enfrentando
desafios e principalmente o desejo maior de vencer.”
Seguimos com o segundo jogo. Este, por sua vez, desencadeou maior
seriedade no grupo. Acreditamos que isto aconteceu porque, neste jogo, a voz
“entrava em cena”. Era necessária a emissão vocal tanto individual quanto coletiva.
Logo, percebemos que os alunos ficavam mais preocupados com o que iriam
produzir sonoramente, enquanto uma preocupação com a estética (considerando-se
que não desejamos fazer soar, em frente uma plateia, algo que entendemos como
feio). Notam-se, inclusive, alunos enfatizando expressões faciais após terem emitido
o som, demonstrando que não gostaram do que fizeram. Alguns alunos, porém,
trouxeram propostas mais complexas e engraçadas ao grupo, como sons e vocalizes
mais extensos ou movimentos considerados diferentes pelo grupo, entre outros.
Nestes momentos, todos riam e demonstravam maior relaxamento. Porém, muitos
continuam a demonstrar bastante timidez, tanto pela preocupação em fazer um belo
som, quanto pela necessidade que encontram de serem criativos na invenção de um
movimento corporal simultâneo à emissão vocal, sabendo-se que este movimento
será visto por todo o grupo.
Assim que encerrou o jogo, um aluno pediu para que continuássemos. Todos
riram e, durante os risos, ouvem-se alguns: “Não!”. Outro aluno comenta: “Eu não
tenho mais criatividade pra isto.” (Carlos - registro audiovisual). Percebeu-se que
esta era, realmente, uma das preocupações do grupo: ser criativo.
Repetimos o jogo. Uma aluna, por exemplo, ficou parada por algum tempo
pensando em qual som e movimento corporal faria. Demonstrando com expressões
faciais que não estava conseguindo ter alguma ideia, olhou atenta para outro aluno,
que disse: “Não adianta, eu não sou recurso para isto.” (Felipe - registro
audiovisual). Nisto, a aluna responde: “Eu estou sem ideia.” (Lara - registro
audiovisual).
Estas reações de vergonha, timidez, o medo dos alunos quanto à exposição
de “ideias ruins”, que não agradassem esteticamente ao grupo, fizeram-nos pensar
em modificações para a realização deste jogo em nosso segundo encontro.
Imaginávamos que, o fato dos jogares precisarem projetar a voz diante de uma
77
plateia, geraria tais sentimentos. Porém, como não conhecíamos os alunos desta
turma anteriormente, não poderíamos garantir que os mesmos teriam tais reações.
Após este jogo, notamos a preocupação, por parte dos alunos, quanto à exposição.
Diversos apontamentos são feitos por diferentes autores sobre o ato de estar
em palco, em cena, de se expor. Januzelli (2003, p. 46), por exemplo, fala-nos sobre
a relação da necessidade de nos expressarmos e do ato de estar “em cena”,
dizendo que
O palco permite a síntese, solicita-nos a ação, a intensidade, uma intenção. Solicita-nos ocupar a cena e, para isso, temos antes que nos habilitar; o processo de habilitação inicia-se pela reparação dos danos que destroçaram partes da capacidade expressiva do nosso ‘orgânico’ [...] um orgânico que é bombardeado pelo psíquico e pelas interações humanas, fatores vitais para a sua sobrevivência, mas que têm também o privilégio de mutilá-lo.
Com isso, percebemos a complexidade do ato de relaxarmos e liberarmos
movimentos de nosso corpo e voz em cena, diante de uma plateia.
O autor faz ainda uma listagem dos perigos a se combater, colocando, dentre
estes, “o medo de se expor, o medo do ridículo, de falar e não ser aceito, de se
machucar [...] a autocrítica durante o processo de criação, que emperra e bloqueia.”
(JAPIASSU, 2003, p. 48).
Ainda sobre o segundo jogo, que gerou tanto seriedade quanto timidez,
podemos destacar alguns momentos de descontração e risadas, principalmente,
como já dito, através das propostas expostas por alguns e consideradas “estranhas”
entre o grupo. Um aluno, por exemplo, propõe algo “diferente”, se ocupando de mais
dimensões no espaço, indo para o meio da roda e ajoelhando-se durante a
execução do som. O aluno ao lado (com função de espelho), pergunta: “Isso aí que
tenho eu que fazer?” (Carlos - registro audiovisual). O aluno que realizou o
movimento responde: “Óbvio, peguei por causa disso.” (Felipe - registro audiovisual).
Notou-se a vontade dos alunos de “avacalharem”13 com os colegas ao lado,
13 Termo usado pelos próprios alunos diversas vezes. Refere-se a “estragar”, “bagunçar”.
78
aproveitando-se da situação de que estes, por sua vez, seriam espelhos (função de
imitar os gestos e os sons propostos).
Estas situações, em geral, provocaram bastante risada entre o grupo. Porém,
é possível que alguns alunos tenham associado o jogador que propôs o movimento
complexo ao “desmancha-prazeres”, enquanto aquele jogador que sempre quer
propor algo mais difícil do que os demais pretendem executar. Talvez também o
contrário possa ter acontecido: alguns do grupo podem ter associado o aluno que
não queria reproduzir o movimento mais complexo ao “desmancha-prazeres”, pois
ele quebraria a regra do jogo caso se recusasse a imitar o movimento proposto.
Provavelmente por isso, o aluno, ainda que demonstrando bastante timidez, tenha
dado sequência ao jogo, reproduzindo as ações propostas.
O terceiro jogo trouxe momentos de risos, descontração e também de
seriedade, com busca pela boa execução e também criação de novos elementos
para o jogo. Inclusive, mais à frente, veremos que este jogo desdobrou-se em ideias
e criações dos próprios alunos, que comentaram sobre modificações e sobre um
novo “level”14 para ele. Eles expuseram estas ideias tanto nas entrevistas quanto
nos protocolos. Deste modo, os jogadores refletiram e criaram novas formas de se
jogar.
Pereira (2012) discorre sobre esta questão ao mostrar que, na prática
desenvolvida durante sua pesquisa-ação, variações dos jogos também foram
propostas e criadas pelos alunos. Por isso, o autor diz que
[..] o jogo é um espaço onde a busca e o encontro, a tentativa e a realização e a experiência acontecem simultaneamente no instante de sua execução. Novamente, nos reportamos à formatividade de Pareyson. Formar, para ele, é inventar e descobrir as próprias regras enquanto a ação é realizada. (PEREIRA, 2012, p. 179).
Em geral, no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”, assim que
uma nota musical era inserida ou retirada, risadas e momentos de distração
aconteciam. Portanto, à medida que o regente (um dos alunos que tinha a função de
14 Termo usado pelos próprios alunos participantes na pesquisa. Do inglês “nível”, utilizado normalmente em jogos eletrônicos, com o acréscimo de dificuldades a cada level.
79
colocar ou retirar notas) encostava nos primeiros jogadores, o grupo notava que uma
nota (um aluno) havia sido retirada do jogo. Quebrando-se a sequencia inicial “Dó,
Ré, Mi, Fá, Sol”, o grupo começava a rir.
Os alunos esforçavam-se para manter a atuação sem risadas. Alguns
conseguiram, outros não, sendo o jogo interrompido algumas vezes por eles
mesmos já que, devido às longas risadas, não conseguiam dar continuidade ao jogo.
Logo, desafinações, perda das entradas na pulsação proposta, entre outras,
são dificuldades geradas pela inserção ou retirada de notas musicais no jogo.
Porém, assim que conseguem adquirir certa concentração, passam a experimentar o
jogo de modo diferente, com novas intenções, intervenções e sugerindo criações.
Por isso, considero extremamente importante a distração no início deste jogo, ao
passo que momentos assim proporcionam um relaxamento nos jogadores permitindo
que, seguidamente, eles ousem sugerir e experimentar novas ideias, ao invés de
ficarem “travados”, “bloqueados” pela timidez e não deixarem fluir a liberdade de
criação (JANUZELLI, 2003).
Neste jogo não foi necessário pedirmos a algum aluno específico para que
assumisse a posição de regente. Ao iniciarmos novas rodadas15, era perguntado se
alguém gostaria de ser o regente e eles, prontamente, já se ofereciam. Percebe-se
que gostaram de assumir tal posição e a usaram para experimentar novas ideias
(como será visto mais à frente nas falas, entrevistas e protocolos de Raquel, por
exemplo).
Terminando o jogo, houve espaço para caso alguém quisesse repeti-lo ou se
tornar regente, caso ainda não tivesse representado tal papel. Uma aluna fala que
gostaria de assumir a regência e o jogo seguiu então para a sua última rodada.
Sobre este momento, temos dois aspectos a comentar. O primeiro é que, durante a
execução do jogo, um aluno começa a “roubar”. Ele está na roda, representando
uma das cinco notas musicais propostas. Porém, passa a encostar a mão nas costas
de uma jogadora (sinal combinado para ser feito pelo regente, definindo o momento
em que parariam ou voltariam a cantar). O aluno, que representava uma nota
15 Cada uma das vezes em que o jogo é iniciado.
80
musical, esteve assumindo a posição de regente ao decidir quando a jogadora ao
lado devia parar de cantar a nota e quando deveria retornar. O aluno segue com tal
gesto, infringindo a distribuição de papéis no jogo sem que ninguém percebesse
(novamente apenas pelo registro em vídeo tivemos acesso a este dado). A regente
parecia notar, algumas vezes, que uma nota recém-adicionada estava faltando
(sendo que ela não havia retirado), mas não entendia o porquê. Enquanto ela e eu
permanecemos do outro lado da roda, as câmeras (colocadas em ambos os lados),
registram o jogador encostando na jogadora ao lado e rindo após o momento de
“roubo”.
O segundo aspecto importante a ser comentando é o maior grau de
concentração adquirido com o tempo. Por este motivo, o andamento pôde ser
acelerado. A partir deste ato, os que estavam na plateia começaram,
espontaneamente, a executar um padrão rítmico sobre o novo andamento através
de uma percussão corporal. O jogo continua sem interrupções ou distrações, ainda
que “entre em jogo” este novo elemento.
Os jogadores pareceram levar a sério as questões rítmicas que estavam
sendo propostas pela plateia, permanecendo a cantar suas notas. Logo, configurou-
se um espaço para a participação da plateia - que interviu através da base rítmica
com percussão corporal - e para criação de novos elementos no jogo.
Terminando o jogo, alguns passaram a imitar a sonoridade de vozes de
crianças e pediram: “De novo, de novo”. Através disto, percebi que haviam gostado
de tal experiência. Futuramente, isto se confirmou, tanto através dos comentários
espontâneos, quanto das entrevistas e protocolos. Avisei que poderíamos então
repetir na próxima aula qualquer brincadeira16 que eles quisessem e,
16 Devido à prática docente com crianças, o termo brincadeira está bastante fixado em nosso vocabulário. Por fazermos uso deste termo constantemente, usamo-lo automaticamente algumas vezes. Por isso, tal termo surgiu em nossas falas de forma mais recorrente neste primeiro encontro. Após assistirmos o vídeo, tratamos de cuidar o uso destes termos no segundo encontro. Outras vezes decidimos usar o termo brincadeira ao invés de jogo por notarmos a necessidade de explicarmos aos alunos que o que faríamos era “apenas uma brincadeira”, para que ficassem mais relaxados e tranquilos. Isso aconteceu, principalmente, no início da aula, quando ainda perguntavam o porquê de tantos objetos no palco. O termo jogo, para algumas pessoas, soa enquanto atividade na qual haverá mais seriedade, concentração e competição. Para que não houvesse receios quanto a isso, algumas vezes usamos do termo brincadeira.
81
espontaneamente começam a dizer: “Essa, essa.” Ao fim disso, ouço uma aluna
comentar que “esta aí [brincadeira] é aquela que tu pode levar pra tuas aulas”.
(Luísa - registro audiovisual).
Na aula seguinte repetimos os dois primeiros jogos, porém, com algumas
modificações. Estas mudanças foram propostas a partir da observação da primeira
aula, do modo como os alunos reagiram ao jogo. Já tínhamos a intenção de repetir
os dois primeiros jogos em ambos os encontros para que pudéssemos traçar
algumas comparações entre a realização destes na primeira e na segunda aula.
Porém, não pensávamos em alterações para eles (seriam realizados do mesmo
modo nos dois dias). Ao percebemos a necessidade de um treinamento respiratório
mais intenso através do jogo 1 e de um maior envolvimento entre os alunos no jogo
2 (para que não houvesse tanta timidez), modificamos estes jogos para o segundo
encontro.
Destacaremos aqui algumas falas dos alunos durante a realização dos jogos.
Com a modificação no jogo 1, era preciso que os alunos ficassem mais tempo em
cada etapa do jogo, o que pareceu gerar maior concentração. Houve, igualmente,
momentos de risadas e “acontecimentos surpresa”, mas a seriedade na realização
da ação também esteve presente em maior grau. Com isso, o treinamento
respiratório fez-se com maior intensidade, como podemos notar através das
seguintes falas durante o jogo: “Tô ficando sem folego véio... eu desmaio aqui... tô
sem folego.” (Carlos - registro audiovisual); “Eu fico tonta nisso aí” (Bianca - registro
audiovisual). Além disso, tanto nos momentos de reflexão, quanto nos protocolos,
como veremos adiante, os alunos comentam sobre os jogos terem trabalhado mais
intensamente os aspectos técnicos do canto, além do maior tempo gasto em cada
ação, referindo-se ao cansaço que elas chegaram a gerar.
Outro diferencial no jogo 1 foi a participação de um aluno que não estava
neste jogo no encontro anterior, por ter chego atrasado. Enquanto que todos os
alunos, ao chegarem na etapa 3 do jogo, evitavam ao máximo estourar o balão
(enchendo-o até alcançar o tamanho mínimo pré-determinado), o aluno que participa
pela primeira vez do jogo faz questão de enchê-lo até estourar. Esta ação foi
repetida diversas vezes por ele. Em alguns momentos os outros jogadores riam, mas
em sua maioria pediam para que o aluno não estourasse mais balões, pois o barulho
82
do estouro os assustava. Como o aluno permaneceu estourando os balões, em
alguns momentos riam com o susto e, em outros, reclamavam e insistiam para que
ele realmente parasse. Quando paramos para refletir sobre este jogo, os alunos
lembraram tanto do treinamento respiratório mais intenso quanto deste “novo aluno”,
comentando sobre o “medo” causado por ele no grupo a cada susto com o estouro
dos balões. O seguinte diálogo acontece assim que peço por comentários e
reflexões sobre o jogo, transcrito do registro audiovisual:
Astolfo: “Assim ficou bem mais legal... não dava tempo no outro de fazer as
coisas, especialmente o pombo correio, acho que era o que menos dava tempo.”
Carlos: “Aí eu senti o cansaço pelo menos, quase desmaiei aí em cima.”
Mateus: “Acho que o desafio ficou maior pra cada um.”
Astolfo: “E o salva-vidas dá mais medo hoje, porque antes não dava tempo de
encher muito o balão, agora dá... tinha o Mateus agora.” (Risos).
Durante a realização do segundo jogo, em sua nova versão, foi perceptível a
preocupação dos alunos em se expor criando sons e movimentos. Havíamos
alterado o jogo justamente para que isso não continuasse a acontecer. Porém, por
não haver muitos alunos neste dia, eles pareciam continuar envergonhados.
Percebeu-se isto por não terem a atitude, diversas vezes, de propor novos sons e
movimentos corporais. Quando um jogador propunha algo, um longo tempo se
esperava até que outro jogador tomasse tal iniciativa. O diálogo a seguir, resultante
do momento de reflexão e, transcrito através do registro audiovisual, expressa um
pouco melhor este argumento.
Astolfo: “É mais legal, mas acho que a gente tá mais envergonhado.”
Carlos: “A gente tava envergonhado e não tinha ideia, não sei, eu não tinha
ideia do que fazer.”
Astolfo: “Acho que era mais [a questão da] ideia do que envergonhado.”
Mateus: “Acho que era pouca gente também né.”
83
Seguem comentando que se o Felipe estivesse participando daquele jogo
com eles, surgiriam movimentos diferentes e engraçados e a situação seria
diferente. Por fim, concluem o diálogo dizendo:
Astolfo: “Acho que o problema foi mais ideia mesmo assim... Acho que não foi
o caso de ficar envergonhado, pelo menos não como da outra vez.”
Mateus: “Se tivesse mais gente... porque com pouca gente a gente fica, sei
lá... a gente acaba se vendo direto... muita gente tu perde aquela pessoa, depois vê
de novo... um deu a ideia lá no canto e tu nem viu... daqui a pouco tu vê as pessoas
fazendo e opa: tem que fazer também. Então, mais engraçado né, imagino.”
Após, permanecemos em silêncio, esperando que continuassem os
comentários e Mateus fala: “Pode desligar as câmeras.” Com isso, percebo a
preocupação existente com o fato de estarem sendo filmados, confirmando-se o que
Loizos (2002) afirma sobre o registro em vídeo em ambientes em que as pessoas
não estão acostumadas a serem filmadas.
Porque a produção de um vídeo irá, inevitavelmente, distrair seus informantes, ao menos até que eles se acostumem e irá provavelmente influenciar as pessoas para que assumam posturas oficiais. Leva um bom tempo até que as pessoas se comportem naturalmente diante até mesmo do mais simples sistema de registro. (LOIZOS, 2002, p. 153).
O “Jogo das placas” foi o último a ser realizado. Nele, notou-se espaço para
muitas risadas e invenções, já que os alunos da plateia escreviam verbos para
serem representados pelo jogador no palco. A preocupação com as ações que
teriam de representar através de mímicas, em frente ao grupo, foi notória.
Observam-se algumas falas no desenvolver do jogo, tal como: “Ai meu deus...
Sejam gentis!” (Pedindo aos outros jogadores que fossem gentis ao escolherem os
verbos para ele). (Carlos - registro audiovisual). O aluno diz ainda:
Só vamos combinar uma coisa gente: vamos ser gentil! [...] Tás me assustando, vais me fazer merda né [Ao estar em palco e perceber a concentração de um aluno na plateia enquanto escrevia os verbos]. (Carlos - registro audiovisual).
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Mateus, por sua vez, comenta: “Essa parte eu vou cortar, não tá filmando
ainda né?” (Mateus – registro audiovisual). Percebe-se, novamente, a preocupação
com a câmera, como já comentado. Além disso, todo o aluno que sobe ao palco
preocupa-se, em geral, com o que os outros alunos (formadores da plateia) irão
escrever nas folhas (já que resultarão em ações a serem representadas por ele em
cena).
A última pessoa a participar deste jogo, cantando, foi Bianca. Ela subiu ao
palco bastante tímida, demonstrando estar preocupada em cantar e representar os
verbos propostos. Por isso, houve o seguinte comentário para tranquilizá-la: “Relaxa,
aproveita os movimentos e vai...” (Camila - registro audiovisual), querendo que ela
fizesse uso de todas as ações propostas para se movimentar, mexer o corpo e
relaxar. Em seguida, Carlos também falou para Bianca: “Depois disso tu faz qualquer
coisa.” (Carlos – registro audiovisual). Ficamos bastante contentes com tal
comentário, principalmente por ter surgido de tal aluno, já que ele iniciou bastante
nervoso na primeira aula, preocupado, sendo responsável pelas diversas perguntas
sobre como o que faríamos, o porquê das cadeiras no palco, qual ação que eles
precisariam estar executando, etc. Logo, saber que este aluno agora acredita que
“qualquer coisa” pode ser feita após o jogador ter a coragem de enfrentar tal
situação em jogo, deixou-nos bastante felizes e cientes dos bons resultados trazidos
por esta vivência.
Propusemos tal jogo justamente para que os alunos pudessem se sentir mais
a vontade em palco, mexendo e relaxando o corpo, na tentativa de que
esquecessem um pouco o nervosismo ou a timidez (já que as placas são trocadas
rapidamente e, constantemente, precisam estar atentos aos verbos que são
escritos). Deste modo, não há muito tempo para que se pense em timidez durante
este jogo, podendo haver até um esquecimento da timidez à medida que os
jogadores leem algo e precisam rapidamente representar, sem intervalos de tempo
para se pensar na situação e julgá-la enquanto constrangedora ou não.
Quando perguntamos o que acharam deste jogo, especificamente,
respondem:
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Astolfo: “Foi muito divertido.” (risos).
Bianca: “É divertido.” (risos).
Carlos: “É bom porque eu acho que depois disso tu faz qualquer coisa (risos).
É bom porque... [Carlos é interrompido neste momento]. É bom, tipo, porque [Carlos
é interrompido novamente]”.
Este último aluno tenta dar continuidade ao seu argumento, mas é
interrompido duas vezes. Notando estas interrupções ainda durante a aula (que se
tratavam de comentários sobre o quanto as placas eram engraçadas, o que haviam
escrito em cada uma, etc), voltou-se a perguntar se ele queria falar mais alguma
coisa, e ele disse: “Não, não”, não querendo mais comentar.
Acreditamos que a espontaneidade do jogo fez com que Carlos começasse a
comentar, sem bloqueios, suas impressões de tal vivência. Porém, após certo
tempo, este “impulso” parece ter “esfriado”. Assim que o jogo acabou ele pareceu ter
muito a dizer. Porém, após tais interrupções e um bom tempo até que
conseguíssemos voltar a perguntar qual era o comentário que ele tinha a fazer,
Carlos não queria mais comentar.
Isto reforça o que abordamos até então sobre o jogo enquanto ambiente que
fomenta espontaneidade e liberdade. Após um tempo fora de jogo, comentários
livres e espontâneos podem não mais aparecer.
3.4.2 Entrevistas
Duas perguntas foram estruturadas para este trabalho. Primeiramente, após a
vivência com os jogos, colocamos a seguinte questão aos alunos: “Quais as suas
impressões?”. A pergunta foi bastante aberta para que eles pudessem responder o
que desejassem a respeito das impressões que tiveram sobre o jogo, sobre os
jogadores (alunos da turma), sobre o espaço físico, sobre a condução da aula, etc.
Já a segunda pergunta foi articulada mais especificamente de modo a tratar de
nossa questão de pesquisa. Para tanto, foi perguntado a eles: “O quê vocês pensam
dos jogos teatrais enquanto ferramenta pedagógica para o canto?”
86
A primeira questão gerou a seguinte reposta de Felipe: “Eu achei muito legal,
eu achei muito divertido.” (Felipe- registro audiovisual). Um diálogo inicia a partir
disto, apontando contribuições do jogo teatral em aula. Transcrevemos abaixo o
registro audiovisual.
Astolfo: “Eu achei muito legal trabalhar este tipo de dinâmica em grupo não só
pela dinâmica em si, mas por conhecer o pessoal do grupo e acabar se soltando de
certa forma... Não só conhecer cada um como cantor, como... enfim, como músico,
mas como... sei lá, se soltar diante dos outros. Assim, isso é bem diferente.”
Mateus: “E é bem difícil.”
Astolfo: “É, mas é mais fácil do que fazer isso sem as brincadeiras eu acho.”
Mateus: “Sim, com certeza.”
Astolfo: “A brincadeira te deixa...” (balança as mãos, batendo uma na outra,
representando algo solto).
Luísa: “Parece que não tem o compromisso né de: ‘tenho que afinar, tenho
que afinar’... fica mais relaxado com os jogos. Então, deixa a preocupação de lado e
só tenta entrar no fluxo.”
Este diálogo serve-nos para ressaltar o que já foi colocado no capítulo 1: o
jogo enquanto ambiente que proporciona relaxamento (HUIZINGA, 2000; PEREIRA,
2012), permitindo que estes alunos se “soltem diante dos outros”, como dito pelo
aluno Astolfo. Os outros alunos concordaram com tal comentário, apontando que
esta atitude (de “se soltar”) torna-se mais fácil por meio dos jogos, já que estes
parecem retirar o compromisso com o acerto. Como a aluna Luísa abordou, o
compromisso com a afinação, por exemplo, parece não existir dentro do jogo. Isto
acontece, como enfatizamos no capítulo 1, pelo fato do jogo produzir a sensação de
um mundo exterior, de um universo recluso (COELHO, 2011). Logo, os jogadores
podem se arriscar e permitir a si mesmos o erro, já que arriscar, errar ou até mesmo
“morrer” em jogo não trará danos para a “vida real”. Esta imersão é o que, segundo
Coelho (2011), caracteriza o jogo.
A aluna Raquel comenta outros aspectos relacionados à concentração e à
exploração de suas ações em jogo, como podemos ver na fala transcrita abaixo:
87
Eu só achei difícil me concentrar um pouco assim, na hora, nossa, eu não parava de rir. Não consegui me conter... Mas foi muito divertido. Assim, o que eu achei mais legal foi reger. Brinquei bastante com isso. Procurei também colocar o arpejo, depois ver como as outras notas soavam, achei isso muito legal, ter um propósito na regência né...achei legal isso aí. (Raquel - registro audiovisual).
Esta aluna se referia ao momento em que esteve representando uma regente
no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”. Em sua atuação, buscou não
apenas colocar ou retirar notas aleatórias, mas demonstrou estar fazendo escolhas
conscientes, havendo, como ela mesma disse, “um propósito” em sua regência.
Pode-se ler sobre isto em seu protocolo.
O jogo possibilitou, neste caso, espaço para exploração sonora, escolha de
determinados elementos musicais, tomada de decisões não aleatória, mas com fim
expressivo, entre outros. Confirma-se o discurso de Spolin (2008) a respeito do jogo
enquanto espaço para espontaneidade, intuição, exploração, inventividade,
liberdade e aventura, despertando o jogador. A autora comenta que
Os jogadores tornam-se ágeis, alerta, prontos e desejosos de novos lances [...] O objetivo no qual o jogador deve constantemente concentrar e para o qual toda ação deve ser dirigida provoca espontaneidade. Nessa espontaneidade, a liberdade pessoal é liberada, e a pessoa como um todo é física, intelectual e intuitivamente despertada. (SPOLIN, 2008, p. 5).
O aluno Astolfo segue o debate:
Talvez, eu não sei, eu tava pensando... talvez no segundo jogo fique meio difícil as vezes de lembrar o propósito... a gente acaba pensando de repente no gesto e esquece da ideia, por exemplo, da ressonância. Eu pelo menos tive essa dificuldade, não sei se mais gente teve... de propor alguma coisa que fizesse sentido e ao mesmo tempo pensar no gesto. (Astolfo – registro audiovisual).
O aluno aborda a dificuldade de projetar qualquer som vocalmente simultâneo
a um movimento corporal. Nota-se a preocupação de que o som e o gesto “façam
sentido”. Porém, em momento algum foi comentado sobre a necessidade de haver
sentido na ação que fariam. Eles eram livres para fazer soar qualquer som que
usasse a emissão vocal (seja uma vogal, repetição de sílabas, bocejo, vocalize, etc.)
88
e qualquer movimento corporal (balançar as mãos, bater os pés, sacudir o corpo,
etc.). Porém, ainda durante o jogo, foi perceptível a preocupação dos alunos com a
recepção de suas criações, já que paravam em alguns momentos para pensar e, por
um bom tempo, refletiam sobre o que iriam propor, enquanto o grupo os esperava.
Após um momento de silêncio, resolvemos continuar perguntando sobre cada
jogo especificamente. Gerou risadas o seguinte comentário sobre o jogo 1: “Esse aí
é o seguinte: pra fazer com a família inteira e dar risada até dizer chega... Esse aí é
pra tu rachar o bico. Faz uma festa de natal com isso aí pra você ver...” (Felipe -
registro audiovisual).
O aluno claramente associa tal vivência às festas de família, aos momentos
de confraternização em datas comemorativas. Provavelmente, os momentos de
risada e espontaneidade vividos por ele em jogo (como percebemos através dos
registros em vídeo), permitiram tal associação. Huizinga (2000) também associa o
jogo às festas, dizendo que, entre um estudo sobre a natureza da festa e o jogo, a
ligação é estreita. Além disso, compartilha as seguintes ideias:
Existem entre a festa e o jogo, naturalmente, as mais estreitas relações. Ambos implicam uma eliminação da vida quotidiana. Em ambos predominam a alegria, embora não necessariamente, pois também a festa pode ser séria. Ambos são limitados no tempo e no espaço. Em ambos encontramos uma combinação de regras estritas com a mais autêntica liberdade. Em resumo, a festa e o jogo têm em comuns suas características principais. (HUIZINGA, 1990, p. 19).
Assim sendo, podemos compreender melhor os motivos que podem ter
levado o aluno Felipe a associar jogo e festa.
Os alunos continuaram os comentários. Pedro passou a falar sobre não ter
conseguido apagar a vela no primeiro jogo. Como dito anteriormente, o aluno
demonstrou tanto interesse em apagar a vela que chegou a “roubar” no jogo. Além
disso, reforça-se o argumento sobre seu desejo de apagar a vela a partir do
momento em que ele passa a comentar, durante a entrevista, sobre estas tentativas.
Interessante notarmos que o aluno ainda recorda, no fim da aula, de um dos
momentos vivenciados no primeiro jogo, mostrando o quanto apagar a vela era um
ato importante a ser conquistado. Observando-o em jogo, notamos diversas
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tentativas, roubos e comentários sobre tal ação, além do que ele mesmo expôs na
entrevista. Essa vontade de cumprir tal ação é decorrente da imersão no jogo.
Deu-se continuidade com a segunda pergunta elaborada previamente na
entrevista, desejando saber o que os alunos pensavam sobre tais jogos enquanto
ferramenta pedagógica. Surgiram as seguintes intervenções:
Felipe: “Tranquilo...”
Luísa: “A última [brincadeira] mesmo, nem se fala.”
Astolfo: “Exercício tanto de ritmo, quanto de percepção, tudo... esse último
especialmente foi muito produtivo.”
Mateus: “Esse eu já vou levar pra aula de estágio.”
Astolfo: “De certeza eu já vou usar.”
Portanto, destacamos aqui também a importância das pesquisas na
universidade envolverem os acadêmicos, de modo que estes desfrutem de diversas
experiências em sua formação. Os jogos teatrais, neste contexto, serviram também
enquanto propostas pedagógicas para o trabalho em sala de aula, podendo auxiliar
os alunos em seus estágios e enquanto futuros professores, licenciados em música.
Pereira (2012) se refere à sala de aula universitária enquanto espaço propício
para inquietações, geração de perguntas, respostas e uma constante reflexão, que
remete à incerteza e à constante construção do conhecimento. Portanto, apontamos
a importância de pesquisas que envolvam os universitários para que haja constantes
reflexões entre os acadêmicos, de modo que estes não sejam colocados em posição
de conforto, enquanto receptores do “conhecimento” imposto pela academia, mas
estimulados para pensar, refletir e, caso preciso, questionar e confrontar tais
conhecimentos. Como dito por Pereira (2012, p. 49-50),
Os conteúdos em sala de aula não são um pacote que se deve aceitar de forma não reflexiva ou acrítica. Inclusive os conteúdos ‘consagrados’ podem ser colocados em discussão e originarem algum tipo de indagação por parte daqueles que o recebem, pois é assim que o conhecimento é gerado.
O mesmo autor comenta sobre a sala de aula universitária enquanto
90
[...] um lugar onde as experiências de pesquisa podem e devem acontecer, pois acreditamos que a formação nesse espaço é propícia a inquietações, descobertas, dúvidas, perguntas e respostas que nos levam a uma constante reflexão. Esta, por consequência, permite-nos perceber que não temos a garantia de que nosso conhecimento é duradouro, consistente e indelével. Dewey afirma que ‘onde há reflexão há incerteza’. Nesse aspecto, todo conhecimento, de alguma forma, tem um caráter efêmero. A incerteza nos move à constante construção do conhecimento. (PEREIRA, 2012, p. 43).
Por fim, trataremos aqui do último diálogo surgido em nossa entrevista. Ele
reflete a possibilidade da pesquisa com os universitários gerar inquietações,
levantamento de questões, novas ideias e possibilidades práticas com os jogos.
Enfim, reflexões sobre a vivência com os jogos teatrais e o modo como podem
recriar ou criar a partir deles novos jogos.
Raquel: “Legal enquanto tá fazendo ali a regência [referindo-se ao jogo 3] e tá
assim mais rapidinho e tal, tá bem firme todo mundo, uma pessoa de fora também
inventar uma letra né... começar a fazer uma letra.”
Astolfo: “Existe, digamos, assim, um level 2 do jogo? Que dê pra fazer com
duas pessoas ao mesmo tempo? É que daí começa a pegar intervalos, coisa
assim...”
Raquel: “Ou se não tiver criatividade de botar uma letra mesmo, fazer
certinho, pelo menos cantarolar alguma coisa assim né, uma melodia legal, pra jogar
junto assim né...”
Pedro: “Pois é, se tivesse uma turma grande colocava uma roda de fora
fazendo a descendente: sol, fá, mi...” (sugestão do aluno para duas rodas, a de
dentro com escala ascendente e a de fora com escala descendente).
Astolfo: “Ou fazer por exemplo... na mesma roda, duas pessoas, só que não
fique sempre certinho, que fique um número ímpar... porque aí nunca vai dar o
mesmo intervalo.”
Com este diálogo finalizamos as análises da entrevista, reforçando o jogo
teatral enquanto ambiente lúdico que permite espaço para a criatividade.
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3.4.3 Protocolos
O último meio que utilizaremos para analisar o reflexo do jogo teatral nos
alunos participantes será o protocolo desenvolvido por eles.
Notamos que os protocolos registraram, principalmente, questões sobre: o
divertimento; a contribuição da ludicidade em aula; os jogos enquanto contribuintes
para o relaxamento e desinibição; sugestões para novos elementos nos jogos,
modificações que possibilitam recriar os jogos.
Começaremos então com o seguinte relato escrito em protocolo:
O que eu achei dos exercícios: Foi muito produtivo. Eu aprendi muito. O último exercício, principalmente, foi o que mais fez sentido com a música no sentido de mostrar que a afinação e a percepção têm o propósito de unir as pessoas e ensiná-las que é possível aprender brincando. (Raquel – protocolo).
Raquel discorre sobre a união proporcionada ao grupo e sobre a possibilidade
do aprendizado acontecer enquanto brincamos. Ela continua seu protocolo
apontando algumas brincadeiras e dizendo que, se tais brincadeiras fossem
realizadas com crianças, por exemplo, estas crianças jamais esqueceriam o que
fazer para aquecer a voz. Comenta, inclusive, sobre levar as experiências
proporcionadas através dos jogos teatrais para a sua vida, enquanto professora de
música. Observemos abaixo:
Do primeiro exercício: O que mais me chamou a atenção, e que levarei para a minha vida como professora de música, é o fato de perceber que é possível unir o útil ao agradável, a teoria à prática, o ensino à realidade de maneira prazerosa e satisfatória: a brincadeira de ler as frases cheias de consoantes, por exemplo, e o sopro do balão, da vela e do guardanapo, são exercícios básicos de treino e aquecimento vocal. Se essas brincadeiras fossem feitas com crianças, elas nunca iriam esquecer do que precisam fazer para aquecer a voz. [...] Fiquei muito contente por fazer parte desse momento tão importante. (Raquel – protocolo).
O processo de ensino e aprendizagem sendo realizado ludicamente também
é um apontamento do aluno Pedro:
Os jogos utilizados demonstraram de forma clara seus objetivos. O primeiro baseado na dicção e fôlego, o segundo na ressonância e expressão
92
corporal, e o terceiro na afinação e percepção. Foram ambos interessantes para adotar com alunos de escolas e crianças, por trabalharem os quesitos anteriores de forma lúdica. (Pedro – protocolo).
As experiências vivenciadas em sala permitiram que os alunos refletissem
sobre o processo pedagógico do canto. Para eles, como visto até então, os jogos
foram maneiras de se trabalhar conteúdos de forma lúdica (Pedro) e de se aprender
brincando (Raquel).
Além disso, os jogos teatrais proporcionaram uma reflexão sobre o
relaxamento, a desinibição, entre outros fatores e sensações considerados pelos
alunos enquanto resultado de se estar em jogo.
A aluna Lara, por exemplo, escreve o seguinte:
A aula teve bastante dinâmica e foi muito divertida. Serviu de certa maneira para nos desinibir, porque eu tenho muita vergonha e consegui me soltar e fazer as atividades propostas. (Lara - protocolo).
Neste contexto, os jogos possibilitaram que a aluna alcançasse um maior
relaxamento e, consequentemente, realizasse as propostas em sala.
Beatriz também reflete sobre este aspecto dos jogos, dizendo que “Todos
acabam sendo muito bons porque acima de tudo é um jogo onde todos acabam se
soltando mais, o que torna mais produtivo.” (Beatriz - protocolo).
Outra aluna comenta sobre estes aspectos, abordando a questão do
“compromisso com o acerto” como algo não exigido em jogo (Luísa - entrevista e
protocolo).
O fato de podermos “errar em jogo” é um ponto importante colocado por esta
aluna. Logo, o jogo nos permite arriscar, ousar, sem tanta preocupação com o acerto
como quando estamos na “vida real”. (COELHO, 2011). Vejamos o relato de Luísa:
Cada jogo possui benefícios velados e, portanto, permite que o aluno fique mais relaxado, sem perceber, realmente, o propósito da atividade. Por exemplo, o jogo do piano possibilita o ensino e a aprendizagem da percepção rítmica e melódica sem o compromisso do acerto. Desse modo, o aprendizado fica mais divertido, leve e com chances de um melhor aproveitamento. (Luísa - protocolo).
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A aluna aponta aspectos muito importantes, mostrando-nos o jogo enquanto
espaço que permite o aprendizado de conteúdos de uma disciplina e destacando
que estar em jogo, sem o compromisso com o acerto, gera um aprendizado mais
divertido e com melhor aproveitamento.
Lombardi (2005), ao trazer a abordagem de Brougère sobre a frivolidade que
há em jogo, também comenta sobre o aluno sentir-se livre no jogo, ousando em
certas atitudes e, consequentemente, aprendendo.
Vemos autores como Brougère (1998) afirmar que até mesmo a frivolidade ligada ao jogo se mostra favorável ao aprendizado, já que o jogador sente-se livre para fazer tentativas que não ousaria fazer na vida comum, justamente devido a esta aparência de falta de consequência ligada à atividade lúdica. Aprende-se jogando. (LOMBARDI, 2005, p. 96).
Este pensamento é comum a diversos autores, como a Coelho (2011), autora
citada anteriormente para fazermos referência à ausência de preocupação com o
erro e às atitudes mais ousadas em jogo.
Interessante notarmos também que o jogo teatral em sala de aula não foi
espaço para “bagunça” ou “distração”, mas para compreensão e reflexão. Os alunos,
ainda que jogando, perceberam o que cada jogo visava trabalhar em um estudante
de canto, arriscando-se a citar em seus protocolos alguns dos objetivos dos jogos
teatrais. Além disso, refletiram sobre os princípios pedagógicos dos mesmos,
chegando a sugerir modificações, maior grau de complexidade, recriando os jogos,
etc.
As partes até então transcritas do protocolo de Raquel, por exemplo,
mostram-nos que ela percebe o trabalho da afinação e da percepção existentes no
jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”. Na sequência, a aluna reflete
sobre as ações do jogo “Circuito em pane”, dizendo serem exercícios básicos de
treino e aquecimento vocal (encher balão, apagar vela, etc).
O aluno Pedro, no protocolo sobre o qual já comentamos anteriormente, disse
que os jogos demonstraram, de forma clara, seus objetivos. Associou o jogo
“Circuito em pane” ao trabalho da dicção e do controle respiratório (“fôlego”), o
“Espelhos ao lado” à expressão corporal e à ressonância e, por fim, “Um regente e
cinco teclas: o piano cantado” ao trabalho da afinação e da percepção musical.
94
Este último jogo, para a aluna Luísa, trabalha a percepção rítmica e melódica. Já a
aluna Bruna, ao expor suas impressões, aproveitou para apontar os conteúdos
musicais trabalhados pelo jogo que mais a agradou: “A atividade mais legal foi a 3ª,
porque desenvolveu a dinâmica, os solfejos rítmicos e melódicos.” (Bruna -
protocolo).
A aluna Beatriz também discorreu sobre o trabalho da respiração no primeiro
jogo: “Achei muito interessante todos os jogos feitos em aula. O primeiro trabalhando
bastante a respiração e de uma forma divertida.” (Beatriz - protocolo).
Através de diversas frases como essas, percebemos que os alunos sabiam a
maioria dos objetivos que cada jogo teatral visava trabalhar em um estudante de
canto. Eles também aproveitam para dar suas sugestões. Pedro, por exemplo, disse
que “[...] Porém, para mim, como acadêmico, penso que poderia ser mais elevado o
nível.” (Pedro - protocolo).
Já Felipe ressaltou que os jogos trabalhados podem ser voltados para
diversos níveis de conhecimento musical, além de voltados para diferentes idades.
“Todas as atividades foram divertidas, com jogos para diversos níveis de
conhecimento musical e idades.” (Felipe - protocolo).
Sabemos que, de acordo com as experiências pessoais transcritas
anteriormente, cada aluno dimensionará “nível baixo” ou “nível alto” para os
elementos musicais trabalhos nos jogos. Logo, lendo o protocolo de Felipe sobre a
primeira aula e percebendo sua satisfação com os “níveis” trabalhados, mas, ao
mesmo tempo, notando que Pedro pensou que eles poderiam ter sido mais
“elevados”, fizemos as modificações nos jogos para a segunda aula. Tais
modificações pretendiam trazer um maior grau de complexidade aos jogos,
aproximando-os do que Pedro desejava. Desta maneira, visamos agradar a todos os
alunos, abrangendo em jogo dificuldades para todos.
Os protocolos também nos mostraram que os alunos puderam pensar os
jogos vivenciados enquanto práticas pedagógicas para as aulas que eles mesmos
conduzem (aqueles que são professores de música em alguma instituição).
Portanto, nossa pesquisa com universitários atingiu o objetivo de propiciar
vivências que, por sua vez, contribuíssem para a formação acadêmica dos alunos.
95
Desta maneira, a prática dos jogos teatrais, articulando conhecimentos musicais e
pedagógicos, contribuiu para a formação de educadores musicais.
O relato de Mateus possibilita entendermos que o aluno já pensou em um dos
jogos para desenvolver em suas aulas:
Vou usar o jogo da ‘roda de notas com regente’ na minha turma de teoria. Estamos trabalhando com os arpejos de ‘dó-mi-sol’ e ‘ré-fá-lá’, com o propósito de decorar as notas na pauta e a sonoridade de acordes maiores e menores. Este jogo será um meio divertido de trabalhar com isto. (Mateus - protocolo).
Partes de alguns protocolos já expostos neste capítulo, mostram-nos que
vários alunos pensaram os jogos teatrais como meio para se trabalhar as aulas de
canto.
Além disto, pudemos ver os alunos reelaborando os jogos, sugerindo
alterações, modificações, criando novos jogos a partir dos já trabalhados em sala.
Este processo de criação é bastante importante. Através das sugestões dos
alunos e do produto final (novo jogo sugerido), pudemos pensar um pouco sobre
quais questões eles refletiram.
A aluna Raquel, por exemplo, refletiu sobre o uso de outros elementos
musicais no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado.”
Do terceiro exercício: Foi o mais interessante, na minha opinião, e me fez ter muitas ideias para acrescentar, como por exemplo: incluir improvisação com percussão, ritmo, melodia e, se possível, a letra. (Raquel - protocolo).
Os alunos Bianca, Felipe e Mateus compartilham tal ideia, escrevendo
sugestões também para este jogo, tais como: “O último jogo foi o que eu mais gostei
e da pra trabalhar muitas coisas dentro dele, e jogar de diversas formas, bastante
criativo.” (Bianca - protocolo). Podendo acrescentar variações do tema, como no
jogo de regência, aumentando o nº de rodas e notas (integrantes). (Felipe -
protocolo). “Outra ideia seria fazer o mesmo jogo com partes de uma célula rítmica,
sem permitir que ninguém marque o pulso, sendo necessário que todos estejam com
o pulso internalizado.” (Mateus - protocolo).
96
Astolfo, em seu protocolo, registrou através de desenhos suas indicações
para alterações no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”.
Figura 4 - Protocolo de Astolfo (Aula 1).
Apenas este registro possibilitaria diversas reflexões, principalmente sobre o
processo de recriação do jogo pelo aluno, traçando quais são as ideias sobre as
quais ele reflete, tais como o conteúdo a ser trabalhado através do jogo (percepção
do campo harmônico e relações intervalares), número de jogadores (sete), o toque
do regente representando sustenidos ou bemóis (variando entre toques na cabeça
ou peito), o jogo trabalhando intervalos musicais (ao invés de uma nota musical por
vez), dentre diversas outras ideias expostas.
Compreendemos então que o espaço de ludicidade no qual a aula se
configurou permitiu aos alunos a criatividade e liberdade de criação, como dito por
Januzelli (2003).
“De um jogo, outro jogo” é o nome dado por Pereira (2012) para o tópico de
sua tese de doutorado que trata das adaptações propostas pelos alunos
97
participantes em sua pesquisa. Ele aborda as recriações dos alunos, enfatizando
que os jogos feitos em sala tiveram também o intuito de possibilitar que os
estudantes tivessem referências para a criação de outros jogos.
Durante as aulas, os jogos sempre foram realizados com o intuito de provocar nos estudantes o prazer de descobrir os procedimentos de produção vocal e a reflexão sobre esses procedimentos, e também de propiciar referências para a criação de outros jogos. Eles foram inspiradores para a constituição de novos modelos de situação lúdica, tanto no decorrer das atividades em si, quanto na ocasião dos protocolos. (PEREIRA, 2012, p. 174-175).
Deste modo, percebemos a importância da ludicidade, do jogo e,
especificamente, do jogo teatral, como contexto que possibilita reflexões e
“impulsiona” a criatividade, permitindo aos alunos pensarem em recriações para os
jogos vivenciados.
Seria bastante oportuno e produtivo desenvolver os jogos adaptados ou
criados pelos alunos durante a nossa pesquisa nas próprias aulas, de modo que
pudéssemos valorizar os alunos, suas ideias, sugestões e, além disso, propiciar
momentos em que eles conduziriam seus próprios jogos. Infelizmente, não tínhamos
tempo para tal, já que havíamos proposto a vivência prática da pesquisa para
apenas duas aulas e os alunos já estavam em preparativos para as provas finais. O
tempo de seis meses17 para a produção do trabalho acadêmico também não
possibilitou articularmos as leituras, a escrita e a prática da pesquisa-ação com a
nossa vontade de que houvesse aulas para os próprios alunos conduzirem. Além
disso, este trabalho ficaria bastante extenso.
Para o segundo encontro, chegamos a pensar em desenvolver pelo menos
uma das propostas relatadas nos protocolos, mas não havia número suficiente de
alunos, nem tempo para tal. Esta questão foi explicada aos alunos (sobre o desejo
de termos tempo e um maior número de pessoas para aplicar as suas propostas), e
então demos continuidade ao processo. Porém, percebemos e ressaltamos a
17 O currículo do curso Licenciatura em Música da UDESC prevê 6 meses para a produção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o que consideramos um curto espaço de tempo para os acadêmicos.
98
importância de que o pesquisador valorize tais intervenções e propostas dos alunos,
desenvolvendo, sempre que possível, as sugestões deles em aula, aprendendo a
apreender do aluno o que trabalhar em aula (KOELLREUTTER apud BRITO, 2001).
Observamos também nos protocolos relatos sobre as alterações que fizemos
ao desenvolvermos os jogos “Circuito em pane” e “Espelhos ao lado”, nas aulas 1 e
2 (como já explicado, desenvolvemos com modificações entre uma aula e outra).
Algumas reflexões dos alunos apontam sobre tais mudanças: “Todos os jogos foram
muito bons, tivemos maior aproveitamento no 1º dessa vez e no 2º também.”
(Bianca - protocolo). Seguem os outros relatos abaixo:
1º Jogo: Quanto menos pessoas jogarem ele, maior será a exaustão, se esse for o objetivo. 2º Jogo: Ao contrário do primeiro, quanto mais pessoas jogarem mais ele funcionará. (Carlos - protocolo). Atividade 1 foi mais proveitosa com mais tempo. Atividade 2 com nova formulação funciona mais dinamicamente e permite maior criação, mas necessita de mais gente para atingir potencial pleno, acredito. (Astolfo - protocolo).
Em geral, os alunos relacionaram tais modificações a um maior
aproveitamento do jogo. O aluno Carlos se refere à maior exaustão justamente para
relatar o maior aproveitamento do jogo para o treino da respiração no cantor. Como
dito por ele na entrevista, ao jogar “Circuito em pane”, na segunda aula (jogo com
modificações), ele chegou a sentir cansaço e sensações de desmaio, justamente por
alongarmos o tempo de treino para cada um. Logo, na visão dos alunos, houve mais
treino e melhor aproveitamento através das alterações propostas.
Por fim, sobre o “Jogo das placas”, diversos comentários foram feitos, tanto
durante a sua realização quanto no momento de conversa sobre ele, sempre o
associando à possibilidade de estar mais “solto” no palco, perder timidez, etc. Alguns
protocolos possuem registros sobre tal jogo, assim como estes: “Já o 3º é muito
divertido ter que se virar em diversas situações sem perder o foco na música/canto.
Torna-se bem produtivo.” (Bianca -protocolo). “Terceiro jogo: Adorei a constante
troca de emoções, ações e sensações. Influencia muito nas inflexões de voz e na
postura em palco, além da vergonha.” (Astolfo - protocolo).
99
Encerramos este capítulo com a frase dita pelo aluno Carlos (a qual
acreditamos ser uma boa colocação sobre o jogo): “É bom porque eu acho que
depois disso tu faz qualquer coisa.” (Carlos - protocolo).
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho de conclusão de curso investigamos a contribuição dos jogos
teatrais enquanto ferramenta para o processo pedagógico do canto, a partir das
perspectivas dos alunos participantes na prática da pesquisa-ação realizada e da
revisão bibliográfica levantada. Deste modo, buscamos relatar o que pensam estes
estudantes sobre tal experiência, interdisciplinar e lúdica, inserida no ensino e
aprendizagem da voz cantada.
Através do que os alunos comentaram, escreveram, refletiram - processos
registrados em vídeos, entrevistas e protocolos - argumentou-se a funcionalidade da
prática dos jogos teatrais para os alunos de canto do curso de Licenciatura em
Música da universidade.
Percebeu-se que os alunos, em geral, atribuem grande importância e
funcionalidade sobre o “aprender brincando”. Tal expressão foi utilizada por alguns
estudantes durante o processo de pesquisa. Ela foi associada à possibilidade do
aprendizado se tornar mais “leve, relaxado, descontraído”, de maneira que
pudessem ousar, experimentar, criar sem tantos receios ou medo da exposição e do
erro. Assim, os argumentos expostos pelos diversos autores trabalhados no capítulo
1 que tratam o jogo enquanto ambiente propício à espontaneidade, liberdade,
criatividade, além de espaço que permite correr riscos, ousar, errar, comprovaram-se
também neste trabalho.
Os comentários espontâneos dos alunos, durante a realização dos jogos,
foram bastante importantes para entendermos o jogo enquanto ambiente de tensão.
Ainda que os jogos teatrais não explorem o campo da competição, alguns alunos
transmitiram sensações de tensão, nervosismo, desejo do acerto, da vitória. O ato
de vencer, nos jogos trabalhados, não estava relacionado à competição com os
outros jogadores, mas ao ato de conseguir cumprir uma determinada função em
cena, individualmente. Era uma vitória para si. Ainda assim, alguns alunos
101
demonstraram levar “a ferro e fogo”18 as funções atribuídas a eles, chegando a
haver “roubo” nos jogos em diversos momentos em prol de se conseguir o que
desejavam em cena.
As entrevistas e protocolos geraram bastante conteúdo para a discussão,
principalmente pelo fato dos alunos ressaltarem a contribuição do contexto lúdico do
jogo, do “aprender brincando”, da importância e colaboração de tal experiência para
eles enquanto professores de música e futuros licenciados em tal área, além dos
processos de modificações de alguns jogos, com os alunos criando novos jogos a
partir de algum que havia sido trabalhado em sala. Assim sendo, percebe-se que
houve diversas reflexões sobre o que vivenciamos em ambas as aulas.
Portanto, consideramos bastante válida esta pesquisa à medida que
proporcionou, além do levantamento bibliográfico realizado, uma parte prática,
configurando-se nas aulas desenvolvidas. A pesquisa-ação, como o próprio nome
demonstra, permitiu que uníssemos a pesquisa teórica às ações com os alunos de
canto, momentos que possibilitaram a articulação dos textos lidos às práticas em
sala de aula. Estas práticas, por sua vez, ocorreram entre acadêmicos justamente
para que estes pudessem refletir, ainda durante seus estudos, sobre os processos
de ensino e aprendizagem que eles mesmos vivenciam em suas formações. Além
disso, acreditamos na importância desta pesquisa para a formação do educador
musical, ao passo que envolveu os alunos do curso de Licenciatura em Música em
uma experiência interdisciplinar e lúdica. Ressaltamos a importância do
desenvolvimento de práticas lúdicas com acadêmicos do curso em questão, já que
estas possibilitaram a eles, conforme eles próprios, uma experiência que lidou tanto
com questões pessoais, emocionais, entre outras, quanto reflexões e ideias para o
trabalho profissional enquanto professores, educadores musicais.
Além disso, ressaltamos a importância do lúdico não ser “abandonado”,
delegado apenas para os momentos de infância, esquecido por nós adultos em meio
a tantos compromissos e afazeres que nos rodeiam. A importância do brincar foi
mostrada neste trabalho principalmente através de Januzelli (2003), enquanto
18 Expressão utilizada para referir-se à maneira árdua como trataram os obstáculos do jogo.
102
experiência permissiva à criatividade. Sendo criativos, segundo o autor, descobrimos
o eu.
Assim, percebemos que os jogos são materiais lúdicos de extrema
importância, podendo sempre ser inseridos durante o processo pedagógico para se
“extrair” do aluno respostas rápidas, espontâneas e, quem sabe, mais verdadeiras.
Através do jogo podemos ter estudantes mais livres (“relaxados” ou “soltos”, como
exposto em diferentes protocolos), que reajam espontaneamente, analisem suas
reações, descubram-se e, assim, ampliem o entendimento de si para uma melhor
atuação no jogo da “vida real”.
103
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108
APÊNDICE – Fotos da prática da pesquisa-ação
Imagem 1 - Alunos durante a explicação das regras do jogo "Circuito em pane" (Aula 1).
Imagem 2 - Durante o jogo "Circuito em pane" (Aula 2).
109
Imagem 3 - Durante o jogo "Espelhos ao lado" (Aula 1).
Imagem 4 - Durante o jogo "Um regente e cinco teclas: o piano cantado" (Aula 1).
110
Imagem 5 - Conversa sobre os jogos vivenciados (Aula 1).
Imagem 6 - Durante o jogo "Espelhos ao lado" (Aula 2).
111
Imagem 7 - Durante o "Jogo das Placas" (Aula 2).
Imagem 8 - Durante o jogo "Circuito em pane" (Aula 2).